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Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 Mito e Tecnologia: desencontros e reencontros entre indios e brancos! Pedro Peixoto FERREIRA. Resume: Este texto ¢ uma reflexdo teérica cm torno das implicagées miticas © xaménicas, para os amerindios mas também para os “brancos” com quem cles se relacionam, das tecnologias modernas associadas ao "homem branco”, Ele & baseado em. uma pesquisa bibliogrifica e videogréfica sobre o tema, abrangendo a questi do contalo com © branco em diversos grupos ind{genas da América do Sul. Sao desenvolvidas no texto as idéias etnograficamente fundamentadas de um retorno do tempo mitico pelo encontro histérico entre indios © brancos, ¢ de um xamanismo tecnologicamente distribuido nas miquinas modemas. Partindo do desencontro entre brancos e indios, resultante de seu encontre histérieo, © texto chega em uma possibilidade de reencontro na chave de um duplo devir, Palavras-chave: mito; tecnologia; xamanismo; tempo mitico; brancos ¢ indios. Em acordo com Viveiros de 2002, p. 215), entendo 0 4 partir de seus contatos controlados com 0 tempo m Castro (1985, p. 84, nota 2; 1986, p.6: como sendo um discurso performatico gerado por xamas ico € reproduzido, em maior ow ‘menor grau ¢ com maior ou menor variagdo, por uma coletividade. O tempo mitico pode ser entendido como 0 tempo das origens, 0 tempo da criago, no qual humanos, espiritos € seres da floresta se comunicavam por meio de uma linguagem comum e se relacionavam em um mesmo plano sobrenatural, no qual eventos como imortalidade, ressuscitay ram comuns; tempo “cujo ) Mircea Eliade (1998) batizou de "técnicas do éxtase" o conjunto de operagdes realizadas , atos magicos ¢ as mais diversas metamorlo: fim, justamente, a mitologia s propde a contar” (Viveiros de Castro, 2002, p. re tais téenicas pelos xamas para entrar em conta controlado com o tempo mitico. podemos encontrar os mitos e os rituais, verdadeiras “teenologias do encantamento” (Gell, 1994), maneiras de fornecer a ndo-xamas um acesso controlado ao tempo mitico. Segundo Lawrence B. Sullivan, nos mitos de origem das sociedades amerindias, a “capacidade de saber por imitago ou representacdo simbélica constitui a esséncia da tecnologia e serve, nas formas de arte, misica, uso de ferramentas € agdo ritual, como fundamento da criatividade e da cultura humana” (1988, p. 237), De fato, falando sobre Fste texto é ume versio rerabathade dos quinto e sexto capitulos de minha tese de doutorado (Fereita, 2006), ¢ faz parte do material de reflexio em tomo do video Homens, maquinas e deuses, de Févardo Duwe (2008), 3| Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 ‘os Piaroa (Venezuela),” Joana Overing conta que o tempo mitico se caracteriza por ter sido um perfodo de “répido desenvolvimento tecnolégico”, quando os meios para uso dos recursos da terra foram criados — jardinagem, caga, pesca, preparagio de alimentos ete, (1990, p, 607-8; 1991, p. 23). Tal tempo foi encerrado por uma ruptura provocada pelo processo de predagdo extrema que resultou das disputas dos seres miticos pelo controle dessas mesmas tecnologias miticas. Dentre as disputas que levaram ao fim do tempo mitico, se destacam 5 batalhas miticas entre Wahari (0 demiurgo Pieroa) Kuemoi (seu sogro, criador das forgas da caga, da jardinagem e da preparaydo de alimentos, as capacidades predatérias propriamente humanas), de forma que as mesmas forgas criativas que permitiram a produgo tecnolégica da vida acabaram sendo 0 objeto ico € em todos os infortinios atuais das disputas que resultaram no colapso do tempo dos humanos. Criagio e destruigdo nao se distinguem nitidamente aqui, portanto, ¢ 0 término da criagdo mitica €, da perspectiva do mundo eriado, parte do préprio ato criativo. Mas se 0 tempo mitico foi desde sempre o tempo da explosdo criativa © destrutiva da tecnologia, 0 que acontece quando povos indigenas se deparam com as maquinas e tecnologias modemas? A tecnologia dos brancos nos mitos indigenas No comeco foi o desencontro, ¢ este ainda ndo terminou, quinhentos anos passados. Viveiros de Castro, 2000a Em um amplo comentério a respeito das relagées entre mito © histéria em algumas representagdes nativas sul-americanas do contato com © branco,’ Terence 2 Sempre que possivel,localizei os povos citados a partir da mengdo, entre parénteses, do Estado (quando ‘no Brasil) ou do pafs (quando fora do Brasil) em cujo tertsrio eles esti situados, expediente que tem © inegivel inconveniente de sugerir erroncamente existéncia de algum vinculo técito entee indios © representagSes estatais. Hi uma grande diferenga entre conceber os povos indigenas como situadas em um Estado particular ou como fazendo parte dele (ef. Viveiros de Castro, 1992b, p. 171 nota 2), sendo nossa intengo aqui apenas sitwar geograficamente os povos indigenas, munca subme! aquele Estado, O Estado, jf 0 disse Viveiros de Castro (2002, p. 492), “é uma circunstincia" para os ‘ndios, “e nio sua condigdo fundante”. 3 Uso aqui as palavras “brancos” ¢ “indios” para distinguir dois tiposnitidamente distints de socialidade = ou, nos termos de Deleuze e Guattari (1976), duas “miquinas sociais” distintas: uma baseada nos ‘cédigos do parentesco e das tradigbes, outra bascada na decodificasio dos fluxos pelo capital. Sabe-se ‘que a idéia de dois grupos homogeneos de “brancos” e “indios” é apenas uma abstrago que elimina as ‘complexidades e conflitos existentes tanto entre 0s individuos chamados de “brancos” (que podem ser de diversas “cores” e possuem interesses os mais divergentes) quanto entre aqueles chamados “indios” (que podem participar de coletivos muito diversos e defender interesses divergentes mesmo dentro de um ‘mesmo coletivo) e gue assim pode se tomar inoperante em muitas situagdes (ef Hugh-Jones, 1999). Trata-se, no obstante, de uma opsd0 pragmética pela simplicidade, feita também por diversos antropélogos (talvez a esaiaria) ¢ mesmo pelo discurso politico indigena, cujas beneficios em nosso caso 4| Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 Tumer (1988, p. 262) apresenta diversas variedades de mitos, entre as quais esto os “mitos messidnicos” ¢ 0s “mitos da desigualdade original”. Os mitos messiénicos, segundo Tumer (1988, p. 262), tendem a apresentar as forgas ou formas sociais dos brancos, geralmente vistas como destrutivas, como “transformagées negativas” de um “prinefpio de reprodugdo social” que é, antes de tudo, nativo, Tais mitos propdem, entio, a inversio das relagdes desiguais entre indios ¢ brancos na situagio concreta de contato, principalmente de trés maneiras: pela vitéria dos indios sobre os brancos em algum tipo de disputa magica ou militar; pela simples integragdo da sociedade indigena, em pé de igualdade, na sociedade dos brancos; ou pela integragt0 dos bens ¢ da tecnologia dos brancos na sociedade indigena na forma de cargo, ie., pela obtencdo magica de grandes quantidades de bens, méquinas e riqueza dos brances.* Os mitos da desigualdade inicial, por sua vez, se voltam mais para os eventos da criagdo simulténea dos indios ¢ dos brancos e para como tais eventos prefiguram suas subseqiientes relagdes de desigualdade na situagZo histérica de contato (cf. Tuner, 1988, p. 266). ‘Comum a ambos os tipos de mitos é uma certa ambigitidade na relagdo entre indios © brancos: superiores em aspectos técnicos, os brancos so geralmente vistos como inferiores em suas priti a8 sociais, ou mesmo como transformagdes antitéticas dos poderes reprodutivos fundamentais dos indios (cf. Viveiros de Castro, 20006). Essa ambigiiidade & muitas vezes a justificativa mais imediata para a necessidade de uma reversdo mitica (milenarista e/ou xamfnica), na qual os indios retomariam posse das vantagens conquistadas pelos brancos no tempo mitico, Atraidos pela tecnologia dos brancos, mas repelidos por suas priticas sociais, os indios encontrariam, nas transformagdes tipicas dos mitos messidnicos ¢ dos mitos da desigualdade original, maneiras de reverter, num futuro préximo, um desequilibrio sociotéenico produzido em algumn lugar do passado. Vejamos alguns exemplos de como isso se di. No mito dos “Gi meos Magicos Incas” dos Shipibo (Peru), os poderes dos brancos so apresentados como os poderes anti-sociais do Inca Mau, Inacessiveis aos Shipibo desde a expulsdo do Inca Mau em batalha mitica com o Inca Bom, tais poderes cspecitico parscem ser maiores do que 0s problemas, Sobre as complexidades adicionais de indios que “viram brancos” ou de braneos que “viram indios”, ef. Viveiros de Castro (20066). 4 Outras tipologias so certamente possiveis. Robin M. Wright (2002, p. 431, por exemplo, afima: “Um dos temas mais comuns encontrados nas ideologias dos movimentos messifnicos e milenaristas da gena & 2 profecia de uma transformacio dos indios em brancos e vice-versa”. Ver ainda Ertle-Wahlen (1972). Apesar de a maior parte dos movimentos milenarstas indigenas que encontrames na literatura ter algumas caracteristicas de cargo, hi excepSes - eg. movimentos milenaristas Tukano (Amazonas ¢ Colémbia) e Baniwva (Amazonas, Colémbia e Venezuela) do final do século XIX, que, segundo Wright (2000, p. 11), nio desejavam obter 2 riqueza do homem branco e tampouco sugeriars qualquer forma de cargo. a Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 seriam transferidos aos Shipibo atuais em um futuro préximo, quando do retormo do Inca Bom na forma de um xam-messias (ef. Tumer, 1988, p. 268). Segundo Peter G. Roe (1988, p. 110), © em acordo com Turner (1988, p. 267), 0 mito dos “Gémeos Magicos Incas” & uma resposta dos Shipibo para a contradigio bisica envolvida na distribuigdo desigual de tecnologia (que ficou com os brancos) e humanidade (que ficou com os indios). Esse mito, fortemente ligado 2 um movimento milenarista ocortido na regio em 1950 (ef. Roe, 1988, p. 112, 128), promove a expectativa do retomo, em um futuro mitico préximo, de um novo inicio dos tempos. Segundo tal expectativa, os Shipibo, “verdadeiros humanos”, “triunfardo, mas com as riquezas dos homens brancos”, “aceitando alguns ¢ rejeitando outros elementos da civilizagdo ocidental” (Roe, 1988, p. 128-5). Outro bom exemplo desse tipo de mito messidinico foi encontrado por Janet M. Chemela (1988) entre os Arapago (Amazonas). narra como o demiurgo Unurato nasceu da relagdo proibida entre uma mulher casada © se de um mito de origem que uma cobra magica que se transformava em homem. Além de narrar a origem dos Arapago através da trajetéria de Unurato, © mito narra também como eles vieram a assumir sua atual condigdo terrena periférica em relagao ao mundo dos brancos, indicando também a possibilidade iminente de que essa condigio se reverta numa espécie de “nova era” milensrista. Se, com a vinda dos brancos, a area Arapago se tomou “periférica”, 0 mito de Unurato promete fazer dela novamente “o centro politico sobrenatural do mundo” através de um retorno do demiurgo (na forma de uma sucuri- submarino carregada de mercadorias), da epropriago da tecnologia do homem branco € da construgdo (por seres-cobra miticos) de uma grande “cidade industrial” na cidade natal sagrada dos Arapago. “A hist ja", Chemela (1988, p. 48) conelui, “é endireitada”, quando a tecnologia e os bens industrializados, historicamente manipulados para atrair 6s indios para © mundo dos brancos, se tornam 0 seu “veiculo de independéncia”, uma ‘maneira de usurpar 0 controle dos brancos e usé-lo a favor de uma politica auténoma, O importante aqui € perceber que o que esté em jogo na devolugdo, por Unurato aos Arapago, de uma tecnologia ¢ uma qualidade de vida que os brancos monopolizaram indevidamente até entdo, é a devolugdo mais elementar da fonte de poder e geragdo dos Arapago, de sua poténcia criativa de autonomia e autodeterminagao, perdida a partir de uum certo contato histérico, Catherine V. Howard nota que © modo como os estranhos objetos dos brancos foram criados por um demiurgo, por que razo foram atribuidos exclusivamente aos | Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 brancos ¢ como sua posse Ihes deu poderes politicos ¢ econdmicos especiais, é um tema comum nos mitos de muitos grupos amazénicos (2002, p. 35 nota 8). Nesses mitos, que podem ou nio ter desfechos milenaristas, os indios podem ou ndo assumir a responsabilidade pela sua situagdo de inferioridade teenolégica (ef. Tumer, 1988, p. 267-9). Um exemplo muito conhecido desse tipo de mito € a versio Barasana (Colémbia), coletada por Stephen Hugh-Jones (1988), de um mito muito difundido na regio dos Vaupés. O mito narra a origem dos seres humanos como uma seqiiéncia de escolhas do ancestral dos indios que explicaria a atual situago de inferioridade dos Barasana com relagao aos brancos. Mas 0 mito também explica a origem dos poderes rituais xamdnicos de que dispdem os Barasana ~ diretamente ligada a origem do poder tecnoligico dos brancos ~ e de sua superioridade moral com relago aos brancos — seu meétodo ritual, e ndo bélico, de obtengdo de riquezas. Assim, se por um lado 0 mito transparece um certo fatalismo, atribuindo as agdes miticas dos ancestrais Barasana a responsabilidade pelo seu préprio destino e aceitando a dominagdo dos brancos, por outro lado ele afirma a superioridade moral dos indios, sua inteligéncia ¢ scus poderes inventivos, contra a péssima meméria, a mesguinhatia e a agressividade descontrolada dos brancos: o caréter ganancioso, incontrolivel e inrefletido que permitiu aos brancos do mito banharem-se sem medo, pegar 0 revélver € no compartilhar suas posses (ef. Hugh-Tones, 1988, p. 145-6). Com isso, Hugh-Jones argumenta que a opgio dos indios pelo arco deixaria de ser uma escolha errada e passaria a ser uma opedo coerente com seu cardter “tranqtiilo, reflexivo, controlado € ritualizado”, epitomizado na pessoa do xami: os indios escolheram ser indios pois rejeitavam os valores pelos quais viviam os brancos (1988, p. 146-7), Outro exemplo desse tipo de mito pode ser encontrado na tiltima passagem do mito de criagdo dos Wauré (Mato Grosso), a tnica em que o branco é mencionado. Segundo Emilienne Ireland (1988, p. 158), a relagdo dos Waurd com os brancos, apesar de infreqiiente e muito menos intensa do que a da maioria de seus vizinhos, foi desde 0 inicio profundamente traumética e marcada pelo sentimento de medo e impoténcia diante das epidemias catastréficas © da percepeio sibita de inferioridade tecnolégica frente aos bens industrializados, Os Wauré tém uma impressio ambigua e confusa dos brancos, geralmente vistos como contraditérios © duplamente ndo-humanos. Por um lado, © branco é visto como intelectualmente esperto ¢ dotado de uma habilidade extraordindria para fazer ferramentas € objetos, sendo exaltado com exclamagdes como: “Uau! Esse branco, ele no é humano! Ele realmente sabe fazer as coisas”. Por outro | Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 lado, ele é visto como moralmente repugnante e manifestamente incapaz de conviver com os outros sem recorter constantemente 4 violéneia fisica, sendo repreendido com declaragées como: “O branco ndo ¢ humano; ele é mau. Ele € agressivo, violento © perigoso” (Ireland, 1988, p. 159-60). Assim, se no que diz respeito 4 tecnologia o branco é exaltado, abengoado com quantidades fabulosas de riquezas materiais, no que se refere aos valores morais ele ¢ desprezado, pois no sabe compartilhar e parece nilo possiir nenhuma compaixdo humana. Isso se evidencia na maneira como 0 branco figura no mito de criagdo Waurd: sua superioridade teenolégica sendo contrabalangada pela superioridade moral dos Waurd, que nutrem uma profunda repugnancia moral por pessoas guerreiras e agressivas, e especialmente pela sede de sangue do branco retratado no mito (Ireland, 1988, p. 166-71). No entanto, assim como no caso dos Barasana, também os Wauré acabam assumindo alguma responsabilidade pelas condigées de sua prépria subordinagao ao atribui-la as agdes de seus ancestrais no tempo mitico das origens (cf. Turner, 1988, p. 267). cometida Dominique T. Gallois. também nota que a avaliagdo negativa do “erro” pelos antigos no momento da especiagdo e da instauragao de diferengas tecnologicas que atribuiram o arco aos indios ¢ as armas de fogo aos brancos é muito comum entre povos indigenas contempordneos (2002, p. 229 nota 17). Ela nos mostra que os Waidpi (Amapd), como muitos outros povos indigenas, entendem a enorme superioridade tecnolégica dos brancos como o resultado da péssima escolha feita pelos antepassados, no tempo do heréi criador Janejar, recusando a maquina em troca das técnicas indigenas: “para os indios, 0 arco € a vida na mata, para os brancos, a espingarda e as grandes cidades” Gallois, 2002, p. 219), Além disso, os antepas dos dos Waidpi também recusaram a troca de pele que thes daria juventude etema, de forma que a imortalidade, assim como 0 acesso direto aos motores, as espingardas ¢ & municdo, foram perdidos (cf. Gallois, 1989, p, 461-4). No entanto, para os Waifpi, a posse, pelos brancos, dos elementos que Ihes proporcionam superioridade tecnolégica e que foram colocados a disposi¢ao da humanidade pelo herdi criador, nao ¢ definitiva, mas antes uma contingéncia do atual momento do ciclo de criagdo ¢ destruigiio da humanidade, que deve necessariamente ser superado pela recuperagio, por parte dos Waiapi, daquilo que, primordialmente, “foi criado para eles” (Gallois, 2002, p. 227, 230). Gallois define esse profetismo Waidpi como uma inversdo da capacidade produtora das miquinas © bens industrializados, que apés 0 cataclismo vindouro (causado principalmente pela depredagio dos garimpeiros), passara dos brancos (que entio irdo cagar “s6 com arco e 2| Astigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 flecha”) para os Waiapi (1989, p. 461-2). Da perspectiva Waidpi, portanto, a aquisicao da tecnologia dos brancos nada tem a ver com o que costumamos definir como “aeréscimo” ou incorporagio de “inovagdes”, pois tais tecnologias foram inventadas em primeiro lugar pelo heréi eriador Janejar, no tempo das origens (Gallois, 2002, p. 229- 30). Os exemplos poderiam prosseguir indefinidamente, sempre confirmando que, se por um lado o tempo mitico é 0 tempo em que toda tecnologia (indigena ou no) foi nio apenas criada, mas também distribuida desigualmente entre os seres do mundo criado com 0 seu témino, por outro lado 0 contato histérico com o branco freqiientemente tende a ser visto como um retomo (efetivo ou latente) do tempo mitico na forma de uma possibilidade de redistribuigo (agora mais vantajosa para os indigenas) dessa tecnologia, Vejamos agora como esse retorno do tempo mitico através do contato histérico com o branco € geralmente vivido pelos indios como um periodo de transiga0 entre uma ordem anterior que se encontra em colapso ¢ uma ordem futura ainda em gestagao, Desencontros? A 12 de outubro de 1492, 20 chegar & ilha Guanahani, Cristovio Colombo oferece migangas de vidro ¢ gorros coloridos @ seus moradores, inaugurande o escambo entre os, europeus ¢ 0s habitantes do que se tornaria a América, Van Velthem, 2002, p. 61 E sabido que sociedades indigenas com longa histéria de contato com os brancos geralmente demonstram esforgos para se diferenciarem deles ¢ dos demais grupos indigenas através da afirmagio étnica e identitéria, enquanto aquelas de contato mais recente esto geralmente mais interessadas em assimilar as novidades, em obter dos brancos sua tecnologia ¢ em adotar sua aparéncia. Segundo Dominique Gallois © Vincent Carelli, a “primeira fase” do contato com os brancos, de duragio indeterminada, é uma fase delicada, mas extremamente produtiva, de “ampliagdo © revisdo dos pardmetros tradicionais de sua propria existéncia ¢ de suas relagdes com os “outros’.” (1995, p. 214). Nessa fase, se por um lado os indios tentam domesticar os brancos, inseri-los na rede de trocas e incorporar seus poderes, por outro se observa uma erescente dependéncia deles com relagdo a esses mesmos poderes ¢, portanto, com relagdo aos préprios brancos. a| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 Mesmo sabendo que o padrdo de disseminagao das quinquilharias dos brancos entre os natives manteve uma certa autonomia relativa com relagdo as rotas efetivamente percorridas pelos europeus (cf. Howard, 2002, p. 25, 31), 0 fato & que, para muitos povos vale aquilo que um xama Kali’na (Guiana Francesa) disse a Odile Renault-Lescure: “a diferenga entre 0 pasado eo presente reside na introdugdo de objetos manufaturados” (2002, p. 86). Segundo Howard, foi pela domesticagdo dos objetos dos brancos por meio de uma linguagem ritual das trocas que os Waiwai (Guiana Francesa e Amazonas) buscaram domesticar os brancos e eapturar algo de seus poderes exéticos ¢ ameacadores, tentando “exercer algum controle simbélico ¢ material sobre os forasteiros vindos das zonas periféricas do seu universo social e assim reafirmar sua propria posigio no centro desse universo” (2002, p. 25). Fazendo assim, eles deram continuidade a sua pritica tradicional de cultivar relagdes com forasteiros sem se deixar dominar por eles, buscando ativamente contatos externos, assimilando os seus poderes ¢ canalizando-os de manei controlada para seus prprios fins, ic., para aumentar a vitalidade de sua sociedade (Howard, 2002, p. 29, 51). Howard destaca certas vitdrias alcangadas pelas estratégias Waiwai de adquirir manufaturados sem cair no jugo da explorago econémica dos brancos, “pacificando-os” pela domesticagdo © canalizagao de suas mercadorias através de sua insergdo na rede intertribal de trocas reciprocas, fortalecendo assim a “tessitura interaldeia” numa sofisticada estratégia de resisténcia (2002, p. 46, 49, 50). No entanto, ela reconhece que tais esforgos permitem aos Waiwai apenas contornar, embora sem superar, as contradigdes de seu envolvimento na economia de mercado capitalista. Minados por dilemas e contradigdes que permanecem insoliiveis ¢ que provavelmente serio intensificados no futuro, tais, esforgos de resisténcia se encontram cada yez mais confinados © ameagados (cf. Howard, 2002, p. 45, 50), Esse acirramento das tenses imanentes da sociedade levando a uma ruptura iminente foi notado por Philippe Erikson entre os Matis (Amazonas). Segundo Erikson, ‘05 Matis ndo tém nenhuma lembranga da época anterior ao surgimento dos brancos, que fazem parte de sua pais \gem fisica ¢ mental desde tempos imemoriais (2002, p. 187-8) Mesmo quando ainda evitavam 0 contato direto com os brancos, os Matis sabiam que esses estrangeiros, cujas ferramentas cobigavam e cujas doengas temiam, Ihes eram tecnologicamente superiores ¢ representavam um risco, sendo tio indispensiveis quanto perigosos. Ainda de acordo com Erikson, atualmente duas alternativas se apresentam ‘aos Matis fixados em Postos da Funai: voltar para a floresta e retomar a vida moda a| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 antiga, longe do Posto (onde a caga diminuia) ¢ correndo 0 riseo de morrer por causa das doencas; ou ficar no Posto, suportar a submissao e tornar-se cada vez mais como os brancos, mas sobreviver (2002, p. 184, 189-90). A urgéncia e complexidade dessa situagdo de dependéncia foi exemplificada pelo antropdlogo com o caso de Iba, lider de uma das facgdes Matis instaladas no Posto da Funai, que, apés discutir com um atendente de enfermagem, decidiu voltar ao local onde viviam antes. Quando essa atitude foi comparada a um suicidio, Iba respondeu: “vamos morrer, se preciso for, virar brancos, nunca” (ef. Erikson, 2002, p. 185). Como mostra Buchillet, é preciso nao menosprezar o papel determinante que as epidemias assumiram na conquista ¢ colonizagdo do Novo Mundo, seja pelo impacto que tiveram na constituigdo demogritica e na desestruturagao sociocultural e econémica das populagdes nativas, seja pelos beneficios politicos € econdmicos que os europeus auferiram com a ocupagao de territérios esvaziados pela “guerra biolégica” (2002, p. 113). Um aspecto particularmente bem explorado por Bruce Albert desse poder destrutive da tecnologia do branco é o tema, muito di sminado na Amazénia, dos “manufaturados patogénicos” (2002b, p. 251 nota 36). Albert mostrou como objetos industrializados, em especial a fumaga que eles exalam na combustio € os vapores que dcles emanam (principalmente de objetos de metal) — mas também o ruido das ‘méquinas —, se tomaram centrais para a teoria Yanomami (Amazonas e Roraima) das doengas, Segundo Albert, a coincidéncia histérica entre o surgimento dos brancos, a aquisicdo dos objetos manufaturados e as epidemias — i.e., 0 fato de que, nos primeiros contatos no inicio do século XX, epidemias ocorriam sistematicamente apés as expedigdes aos acampamentos dos brancos para conseguir objetos manufaturados — promov am 0 desenvolvimento de sua teoria etiolégica das “fumagas das ferramentas, fumaga do metal” (1992, p. 161, 166). Segundo tal teoria, os brancos seriam agentes etiolégicos, © scus bens (ou suas emanagdes), objetos patogénicos. Os brancos ¢ scus poderes tecno-patogénicos trazem, segundo Albert, uma dimensdo de diferenga e de viruléncia até entdo inédita para os indios, e o desafio fundador das relagdes de contato &“enfrentar 0 enigma e 0 perigo de estabelecer relagdes sociais e trocas materiais com ‘os brancos, entes ‘selvagens’, incompreensiveis € poderosos, ¢ escapar de sua imprevisivel viruléncia” (2002a, p. 12-3). Talvez a dimensdo mais explicita desse retomo Yanomami ao tempo mitico na forma de uma imerso no caos primordial de destruigio descontrolada seja a profecia apocaliptica de Davi K. Yanomami, com suas visdes de crise escatoldgica e de um s| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 movimento brutal de “entropia cosmolégica”, sintetizado na imagem de uma “queda do c6u” devido & destruigao, pela garimpagem, do axis mundi metélico que o sustenta (Albert, 20026, p. 254-5). Bliade define axis mundi como uma espécie de “coluna universal” que liga e sustenta os diferentes ni is césmicos, ponto especifico em que a experigncia extitica se dé (1995, p. 38). © fato de que essa coluna/eixo central pode estar em qualquer pedago do mundo (inclusive em uma pessoa), bastando apenas que nele haja uma hicrofania, é 0 que faz desse principio cosmoligico também o prinefpio ritolégico do xamanismo. A destruigao do axis mundi pela garimpagem, profetizada por Davi K. Yanomami prevé, assim, uma espécie de achatamento eésmico que, eliminando os seus diferentes niveis, trard de volta o regime de relagdes pré-sociais do tempo mitico, Segundo Albert, a profecia de Davi é um “milenarismo de baixa intensidade” cujo motor é 0 fracasso do xamanismo atual em combater eficientemente os poderes patogénicos liberados pelos brancos, em especial pela garimpagem (2002b, p. 255). Tais poderes patogénicos representam uma “itrupgdo de forgas destrutivas tdo incontroliveis no interior da floresta ¢ do universo que s6 podem ser associadas & meméria mitica das, transformagdes erraticas dos ancestrais animais” (Albert, 2002b, p. 255). Trata-se de uma “reviravolta escatoligica” na qual a génese se reproduz como ameaga de apocalipse ¢ na qual o xamanismo, como “um ver-saber estratégico para a contengio dos poderes entrépicos da alteridade cosmolégica e social”, se aplica a uma espécie de “homeopatia simbélica generalizada” (Albert, 2002b, p. 255-6). Vimos como os mitos indigenas que retratam os brancos € suas tecnologias explicitam a sua natureza ambigua: por um lado benéficos e portadores de um poder tecnoldgico criativo desejado e associado ao tempo mitico; por outro lado maléficos © portadores de um poder patogénico destrutivo indesejado associado a feitigaria, Vimos também como os impas: 's ¢ dilemas vividos pelos indios a partir do contato com o branco ¢ suas tecnologias s6 se tomam plenamente compreensiveis levando-se em conta © fato de serem freqilentemente vividos como uma re-imerso, para o bem ou para 0 ‘mal, no tempo mitico. A dimensdo mitica das tecnologias dos brancos é, assim, nao apenas uma afirmago de seu poder e de sua ambigitidade, mas também da possibilidade de que a ruptura primordial seja revertida e os poderes eriativos e destrutivos do tempo mitico voltem a vigorar. Nesse processo, os xamiis assumem um destaque especial, visto serem eles aqueles melhor situados para lidar, de maneira controlada, com as virtualidades criativas ¢ destrutivas do tempo mitico. a| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 Perspectivismo ea distribuigao tecnolégica do xamanismo Para o xamii de um mundo novo, de pouea valia sero seus antigos instrumentos, [...] suas téenicas, Montagens de outras téenicas podem ser preferiveis. Mas, ainda assim, cabe-Ihe “por dover de oficio” [..] reunir em si mais de um ponto de vista Pois, apenas ele, por definigdo, pode ver de diferentes modos, colocar-se em perspectiva, assumir o olhar de outrem [...}. Bé por isso que, por Vocagao, desses mundos disjuntos alternativos, incomensuraveis de algum modo, ele & 0 gedgrafo, © decifiador, o wadutor. Cameiro da Cunha, 1998, p. 17 Segundo Manuela Cameiro da Cunha, os xamas sempre foram “viajantes por exceléncia” (geralmente a bordo de alucinégenos), ¢ viagens mais conformes a nossa de usual podem ndo apenas aumentar seu prestigio mas mesmo, em alguns casos, substituir a aprendizagem de tipo tradicional (1998, p. 12). Ela cita 0 caso do Jaminaué (Acre) Crispim, cuja reputagaio xaménica se explicaria por suas viagens ¢ estadias em regides e localidades geogréficas particularmente relevantes para a politica e a 6, como Cearé e Belém, economia local € para 0 comércio indigena e seringue mostrando assim que a materializagdo das técnicas do éxtase tradicionais em objetos técnicos, longe de diminuir a forga do xamanismo, antes provoca mudangas em seus contetidos. Das viagens aos mundos dos deuses e espfritos que determinam a vida dos humanos, para viagens ao mundo urbano dos brancos que determinam a vida dos povos da floresta, tudo se passa como se 0 xamanismo mudasse para permanecer mesmo, ‘mudando suas formas e contetidos para manter a mesma fungao operatéria que Cameiro da Cunha (1998, p. 12) remete ao perspectivismo. Segundo Viveiros de Castro (2002, p. 480), a teoria do perspectivismo amerindio foi elaborada a partir da generalizagao de descobertas que ele havia feito em suas proprias pesquisas etnograficas, enriquecidas pela etografia de Ténia Stolze Lima sobre os Juruna (Malo Grosso). A teoria consiste bas amente na concepsio, “extremamente difundida nas culturas amerindias”, segundo a qual as diferentes subjetividades que povoam 0 universo so dotadas de pontos de vista radicalmente istintos: “a visio que os humanos t n de si mesmos é diferente daquela que os animais dos humanos” ¢ “a visio que os animais tém de si mesmos diferente da visio que ‘os humanos tém deles” (Viveiros de Castro, 2002, p. 467-8). Tal concepedo tem seus fundamentos na mitologia — na idéia de que 0 fundo originério comum a humanidade © 4 animalidade & a humanidade — ¢ “esté pressuposta em muitas dimensdes da praxis a| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 indigena, mas vem ao primeiro plano no contexto do xamenismo” (Viveiros de Castro, 2002, p. 468). © xamanismo, assim, pode ser entendido como “a habilidade manifesta por certos individuos de cruzer deliberadamente as barreiras corporais adotar a perspectiva de subjetividades alo-especificas, de modo a administrar as relagdes entre estas © os humanos” (Viveiros de Castro, 2002, p. 358). Ble operatia por meio daquilo que Alfred Gell (1998, p. 14-5; ef. Viveiros de Castro, 2002, p. 359-61) chamou de atribuindo um maximo de intencionalidade & entidade com quem se esta em relagdo — que pode ser um objeto, uma planta, um animal, ou qualquer outra alteridade (Viveiros de Castro, 2002, p. 487-8). © xama, ocupando a perspectiva do outro, € capaz de ver 0 mundo como este o vé ¢, assim, se encontra em posigao privile jonar \de para prever ou controlar agdes deste outro, ou pelo menos para ‘as suas préprias agées em fungdio do conhecimento assim adquirido. No caso do xamanismo tradicional, o outro privilegiado é o animal (ef. Viveiros de Castro, 2002, p. 357). Isso & p itamente compreensivel, visto que & com os ‘animais que 0s povos da floresta tém que lidar cotidianamente, seja durante a caga, seja em encontros inesperados e perigosos. Os animais sto, poderiamos dizer, “o outro que importa” para os indios vivendo na floresta sem muito contato com os brancos, pois & na relagdo com esse outro que eles podem planejar melhor suas agGes. Justamente por isso, & transformando-se em animal que 0 xama pode melhor contribuir para a solugdo dos problemas que the so propostos pela vida na floresta, Afinal, se € 0 animal quem determina, na maior parte das vezes, a qualidade da vida nativa, entdo & assumindo 0 seu ponto de vista sobre o mundo que 0 xama pode conhecer melhor suas tendéncias € saber oculto, perceptivel apenas aos priprios animais e aos xamas), coordenar as forgas produtivas e criativas de sua sociedade. Mas 0 que acontece quando os indios passam a conviver com o branco e suas tecnologias? Pelo que vimos, tudo indica que o animal di lugar ao branco © suas méquinas, que passam a ser entio “o ‘outro que importa” nessa nova situagao, Com isso, parece natural que os xamiis passem a incorporar méquinas em seus rituais, ou mesmo que se transformem em maquinas (cf. Ferreira, 2005). Afinal, no & a méquina o dispositive que coloca aquele que a manipula na perspectiva do branco, que revela, para aquele que assume a sua perspectiva, 0 mundo como 0 branco 0 vé? Definido pela mesma operagdo perspectivista (assumir 0 ponto de vista do outro que importa para assim produzir um conhecimento itil para a ago), © xamanismo se transforma radicalmente na forma e no conteiido, 4| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 Entre os Shipibo, Roe encontrou muitas associagdes entre avides e xamiis (1988, p. 121). Dado que certos pissaros so conhecidos pelos Shipibo como os “avides” que xamis tradicionais usavam para atingir Sol, Roe concluiu que essas méquinas se tommaram, para eles, uma nova versio da capacidade de vo dos xamis. Com isso, 0 8 ase xaménico, que antes et comparado a0 véo de certos passaros com poderes sobrenaturais, acessivel apenas por meio de uma iniciagdo tradicional, passa a ser comparado ao vo de maquinas como 0 avido, Outro 30 andlogo foi fornecido por Jon C. Crocker (1985, p. 201), quando contou que um indio Bororo (Mato Grosso), aterrorizado pelo seu primeiro véo de avido, revelou: “Era exatamente como o sonho de xama”, De fato, segundo Crocker (1985, p. 201), uma das indicagdes de que um Bororo se tomar um xama vem através de um sonho em que se sobrevoa a terra de bem alto, “como um urubu”. Mas se a experiéncia de voar em um avido era “exatamente” como 0 éxtase xaminico inicidtico, entéo o terror do indio j4 sugere que uma transformagao importante acontece quando ume experiéncia dessas passa a ser acessivel a ndio-xamas. ratando da domesticagdo das mercadorias pelos Waiwai, Howard pereedeu que, se tradicionalmente os xamis e os lideres conquistavam seguidores através de sua capacidade para controlar recursos materiais, humanos ¢ espirituais provenientes de dominios extemos, canalizando-os para dentro do grupo, no contexto do contato permanente com os brancos esse mesmo procedimento passou a ser assumido por todos ‘os membros da sociedade, que passaram a explorar acesso privilegiado aos recursos dos missionérios, de modo a fazer pender a seu favor a balanga das relagdes politicas era desviado de regionais (2002, p. 38). Se antes o exterior sobrenatural da sociedade maneira controlada para 0 seu interior pelo xama, agora so os Waiwai como um todo que tentam “captar” 0 poder ¢ conhecimento “exéticos” dos brancos, desviando esse novo sobrenatural para o interior de uma nova sociedade. Sobre os Wari’ (Rondénia), Aparecida Vilaga notou que 0 contato com os brancos é pensado por eles pela dtica do xamanismo, que assim como os xamas so simultaneamente humanos ¢ animais, os Wari! hoje possuem uma dupla identidade: sdo “Brancos e Wati’.” (2000, p. 57). Assim, se antes os Wari’ experimentavam a posigdo do inimigo de maneira indireta através do xam, hoje experimentam-na diretamente em seus corpos através da adogio de tecnologias dos brancos, de forma que os Wari’ como um todo vivem, hoje, uma cexperiéncia aniloga a de seus xamas (Vilaga, 2000, p. 69). O que se observa nos casos Waiwai e Wari' é uma tendéncia mais geral relacionada ao poder xaminico atribuido pelos indios (¢ em especial os proprios xamis) as teenologias dos brancos: uma a| Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 transformagao do xamanismo, que, ao encontrar em miquinas ¢ tecnologias acessiveis, aos demais alguns dos poderes que antes Ihe eram exclusives, parece tender a se descentralizar do xama como individuo ¢ se distribuir entre aqueles que tém acesso a tais maquinas e tecnologias. Jonathan Hill conta o lamento de Herman, lider Wakuénai (Venezuela) cantador ritual, a respeito da auséncia de aprendizes para a sua arte, 0 complexo canto ritual mdlikai: “Quem vai cantar sobre a comida dessas eriangas quando cu for embora?” Sidetio, 0 tnico fitho de Herman, quando finalmente decidiu comegar a aprender a arte do pai, encontrou sérias dificuldades para decorar toda a taxonomia © assimilar toda a complexidade envolvida no mélikai, ¢ por isso pediu o gravador do antropdlogo emprestado (1998, p. 30). Hill, que estava feliz por ver que a tradigao sobreviveria ao seu tiltimo detentor ainda vivo, tratou logo de ensinar Siderio a operar 0 gravador, que por sua vez no demorou para aprender. Em troca pelo empréstimo, 0 antropélogo pediu que Siderio também gravasse outros rrituais que ocorressem no periodo, Segundo Hill, 0 uso das gravagdes permitiu que Siderio fizesse notivel progresso no aprendizado do mdlikai, além de oferecer ao antropélogo valiosos insights sobre 0 processo pedagégico. Entretanto, parece-me arriscada a sua afirmagdo de que 0 gravador “nao mudou 0 padrio basico e subjacente” a esse processo (Hill, 1998, p. 31), ainda mais se considerarmos que, para o mesmo lider Wakuénai, o gravador € a ‘manifestagdo da “alma onfrica coletiva” do antropélogo (cf. Hill, 1998, p. 6). 0 fato de que 0 canto sobreviveu ao cantor nio faria do proprio canto algo diferente daquilo que ele era quando morria com aquele? Se antes Herman temia que a arte do mdlikai motresse com cle, agora dezenas de horas de seus cantos estio gravados em fitas que podem ser escutadas por muitas geragdes ainda por vir. Agora que os Wakuénai possuem um rico acervo de cantos rituais gravados, jo seria mesmo coneebivel que um bom aparelho de som substituisse, para as novas geragées, a propria fungdo do cantador? Um Asuriné (Paré) que nao aprendeu a realizar a “celebragdo dos mortos” lamenta no ter nenhum registro de seu pai, 0 iiltimo que sabia realizé-la: “Eu nio gravei meu pai, Agora eu quero escuté-lo e nao posso. [...] Eles gravaram meu pai, mas perderam a fita”. Outro Asurin{ acrescenta: “Faz tempo que eu queria ver televisio, ver como ela &. Vocé pode filmar nossos cantos, para que nossas criangas vejam como eram nossas cerim6nias quando morrermos” (depoimentos, in: Miller; Valadio, 1997). O | Artigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 lider Waipi também declara o potencial preservador da televisdo: “Quando eu morrer, ‘meus netos me verdo na televisdo. Eu ndo tive as imagens dos meus avés. Agora os jovens verdo os velhos na TV, para aprender” (Carelli; Gallois, 1990) © Ashaninka (Peru) Issac Pinhanta, imagina: “Daqui a 50 anos [...] vai ser muito bom a gente ver a imagem dos nossos velhos que morreram hé muito tempo. Imagine ver a imagem de um (cf. Fontes, 2004), A idéia de que 0 som ¢ a imagem de ume pessoa sobreviverio a sua morte é 0 fato novo velho contando uma histéria de maneira tradicional daqui a 60 anos aqui, envolvendo a materializagao, em objetos téenicos auténomos e acessiveis a qualquer um, de capacidades ¢ habilidades antes restritas a individuos especificos, geralmente xamas, Kokrenum, lider Parkatéjé (Par), comemora o fato de que o registro de suas dangas em video permitini aos seus descendentes aprendé-las: “Aquele que quiser aprender a cantar como eu, ele olha a TV ¢ sabe 0 que fazer” (cf. Gallois; Carelli, 1995, p. 241; Carelli, 1988). O mesmo pri pio se observa entre os Tuyuka (Amazonas), que, preocupados em garantir a continuago de priticas rituais tradicionais © ensind-las as novas geragdes, passaram a registrar suas masicas: “Assim, todos poderdo aprender as seqliéneias musicais que compdem os rituais de acordo com os ensinamentos dos bayas [cantores]” (Cabalzar; Cabalzar; Macedo, 2000). Entre os Desana (Amazonas ¢ Colémbia), um xama compara a dificuldade de aprender os encantamentos pelo método tradicional com a facilidade que a antropéloga encontra pare aprendé-los com suas técnicas e tecnologias: “Para vocé, com seu gravador € seus cademnos, ¢ ficil aprender cantamento, Para mim foi muito dificil. Eu tive que jejuar e ficar acordado uma noite inteira para aprendé-lo” (cf, Buchillet, 1992, p. 214). Entre os Suyé (Mato Grosso), sao os cantores rituais que véem suas estadias nos mundos sobrenaturais para 0 aprendizado de cangdes dos espiritos da floresta serem substituidas pelas viagens a centros urbanos de jovens portando gravadores (ef. Seeger, 1987, p. 57-9). Viveiros de Castro (1986, p. 62), que havia gravado diversos depoimentos de um dos homens mais velhos da aldeia, “querido e respeitado por todos”, ouviu de uma moga Araweté (Para), que quando os velhos da aldeia morressem, as criangas teriam de recorrer a ele para aprender os nomes e as estérias dos antigos, “pois afinal eu era agora um [...] verdadeiro sdbio, que ouvira, escrevera e sabia aquilo tudo”, Esse mesmo antropélogo teve @ sua escrita comparada ao treinamento dos xamas mediante a intoxicagao por tabaco (cf. Viveiros de Castro, 1986, p. 79; 2004, p. 5-6), fato andlogo 4 comparagao, por um lider a| Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 ritual Wakuénai, da escrita e do gravador de Hill (1998, p. 4-6) aos poderes xamanicos de seu inmao, Em todos esses casos, 0 que se observa ¢ menos de uma desqualificagdo do trabalho especializado, do que uma redistribuigio tecnolégica de qualificagdes e especializagdes; ndo uma substituicdo de seres humanos e suas fungdes pelas maquinas, ‘mas sim uma transformagao deles por elas. Quando uma méquina pode substituir um xamé, 0 que vemos nfo & a climinago do xamanismo mas sim a sua migrago para outro lugar — 0 sungimento de novas téenicas do éxtase e de um novo axis mundi. Tudo indica que se trata de uma transformagio miitua, um duplo devir no qual tanto 0 xamanismo quanto as méquinas se transformam: aquele se extemalizando e se distribuindo em mecanismos autométicos a siveis a ndo-xamiis; estas assumindo fuungdes e capacidades xaménicas que os brancos parecem ainda ignorar. Um novo axis mundi Por todo o mundo, as pessoas estdo vendo esses videos que fazemos sobre nés mesmos. [..] Esses videos serdo vistos em todos os paises. [..] Daqui nossos videos sto mandados para Jonge, para as terras dos brancos, para que nossos parentes (brancos) possam ver como realmente somos (...] Todos vocés ‘em todos os paises que véem os filmes que eu fago podem, assim, conhecer nossa cultura ‘Mokuika, videomaker Kayapé, In: Tuer, 1993, p. 91 Segundo Beth A. Conklin (1997, p. 718; ef. Tumer, 1993, p. 82), foi nas décadas de 70 © 80 que a disseminagao das tecnologias de comunicagio, em especial os eletténicos compactos, portéteis e movidos a bateria, ofereceu novos meios de auto- representago € possibilitou aos povos natives da Amazénia a participagdo, pela primeira vez, na produgdo das imagens ¢ informagées sobre si mesmos que circulam além de suas comunidades. O lider indigena Ailton Krenak também conta que foi a partir dos anos 70 que as tecnologias de comunicagdo permitiram a troca de sncias dos indios entre si ¢ com a sociedade envolvente, possibilitando “a exper emergéneia de uma verdadeira voz indigena” (ef. Conklin, 1997, p. 717). Além de mudar a maneira como os indios véem a si mesmos, a tecnologia vem mudando radicalmente também a dindmica da politica interétnica, ao facilitar a cooperagao entre indios e fontes longinguas de apoio e financiamento, geralmente intemacionais (cf. Conklin, 1997, p. 720). Circulando pelas arenas de didlogo intercultural, ativistas 2| Astigos Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 indigenas encontraram sistemas de valores e tecnologias de representagao ocidentais, que Ihes ofereceram novas perspectivas sobre suas préprias culturas ¢ novos meios de comunicar suas preocupagdes a estrangeiros influentes (ef. Conklin, 1997, p. 712). Segundo Tumer (1993, p. 82; cf. Ginsburg, 2002), 0 uso ativo do video por grupos indigenas para seus préprios objetivos se observou principalmente entre os aborigines australianos, os Inuit canadenses ¢ os indios da regio amaz6nica, sendo que dentre estes iltimos ele destaca os Kayapé (Mato Grosso ¢ Pard). Os Kayapé so, de fato, um caso & parte no uso indigena do video, pela habilidade com que fizeram rapidamente a transigdo do video como um “meio de gravar os eventos” para “um evento a ser gravado” (Turner, 1993, p. 86-8). Conklin nota que, desde 1989, a midia global vem disseminando imimeras fotos dos cameramen Kayapé em ago, “magnificamente vestidos com cocares, pintura corporal, braceletes com penas © brincos”, e que se eles fossem filmados com as roupas de branco que efetivamente usam no cotidiano, seriam provavelmente privados de sua forga simbélica ¢ de mididtico (1997, p. 715-6). “u apelo A partir de sua experigneia com 0 programa Video nas Aldeias,’ Gallois © Carelli (1995, p. 207) observaram que os indios utilizam o video prineipalmente de duas maneiras: para preservar manifestagdes culturais préprias a cada etnia, selecionando aquelas que se deseja transmitir as futuras geragdes e difundir entre aldeias e povos diferentes; e para testemunhar e divulgar agdes empreendidas por cada comunidade na recuperago de seus direitos territoriais ¢ na imposigao de suas reivindicagées. Pods riamos dizer que 0 uso preservativo do video teria uma orientagdo mais interna e reprodutiva, ao passo que o uso testemunhal teria uma orientagio mais externa © transforms a, No entanto, em ambos os casos, confirma-se a distribuigao tecnolégica do xam: novo axis mundi a partir do qual cosmos ¢ seus elementos normalmente invisiveis podem ser conhecidos ¢ controlados, a camera assumiria, nesse novo contexto, a fungao de produzir 0 ponto de vista, diriamos, do 5.0 projeto Video nas Aldvias — que se iniciou em 1987, fez parte do Centro de Trabalho Indigenista (Sto Paulo) até 2000 e depois tornou-se uma ONG sediada em Recife (cf. Fontes, 2004) ~, foi idealizado no contexto do movimento de reafirmagio Einica dos povos indigenas do Brasil nas tltimas décadas, e cconccbido como um programa de “intervensio direta” (Gallois; Carel, 1995, p. 206), 0 objetivo cconceitual do projeto é “promover o encontro do fndio com a sua imagem” (Carelli [s.d.)},@ que deveria Tevantar a questo: de onde vem a necessidade de “promover” esse “encontro" senio do fato de que atualmente @ “imagem que importa” do indio nde é aquela que the é acessivel pela sua prépria perspectiva, tampouco aqucla que the & proporcionada pelo perspectivismo tradicional de seus xamis, ‘mas sim a perspectiva da méquina do branco? F instrtivo ver Waiwai, Lider Wailpi ej habituado & televisio, convidando um Zo'e (Pari) confuso © aparentemente ainda inexperiente com relagdo a perspectiva da miquina para “olhat as nossas imagens (ef. Carelli; Galois, 1993), 9 Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 “outro que importa”. Vale notar que “o outro que importa” nao precisa ser necessariamente 0 branco, o importante sendo nfo o ser ou o sujeito que ocupa uma dada perspectiva (0 branco em si), mas sim a perspectiva que 0 constitui enquanto realidade em cada caso:* o branco como aquele que, em funcio de certos eventos miticos, ocupa uma perspectiva privilegiada. E assim que entendo o fato de uma mulher Asurini dizer que “ia comprar uma televis jo 86 para pegar a cultura da gente mesmo” (ef. Miller; Valadio, 1997). Se, como diz outra mulher Asurini apontando para a camera (que ela define como “aquilo que captura nossa alma ¢ a guarda no interior”), “o branco coloca nossa imagem ai dentro”, entdo ¢ da perspectiva da méquina que agora o indio procura retomar 0 poder sobre sua prépria imagem’. Turner conta o caso de um jovem lider Kayapé que, em dezembro de 1991, solicitou-lhe a filmagem da criagdo de uma nova aldeia sob sua lideranga (1993, p. 101). Chegando na nova aldeia, o cameraman enviado por Turner foi orientado a filmar diversas encenagdes dos aspectos da vida da aldeia que os Kayapé achavam adequados & boa comunidade que pretendiam representar. Segundo Turner, eram os Kayapé representando eles mesmos para si mesmos, no apenas como gravago passiva ou reflexdo de fatos jé existentes, mas sim com uma “fungdo performativa”, como “algo que ajuda a estabelecer os fatos que ela grava”: Atos e eventos politics que na vida politica normal dos Kayapé permaneccriam relativamente contingentes ¢ reversiveis, afirmagSes ou ivindicagdes subjetivas de um individuo ou grupo que permaneceriam abertas a desafios de outros grupos com objetivos ou interpretagies diferentes (por exemplo, um jovem lider que reivindica autoridade mixima) podem ser exprimidos em video na forma de realidades objetivas e piblicas. (Turner, 1993, p. 101) 46 Na firmula de Deleuze (1991, p. 36): “serd sujito aquele que (..] que se instalar no ponto de vista”; © na de Viveiros de Castro (2001, p. 8): “toda posigdo de realidade especifica um ponte de vista, ¢ [..] odo ponto de vista especifica um sujeito - nessa ordem” 7 Vale citar longamente Viveitos de Castro (2008, p. 43-4) pela clareza e precisfo da formulagao: “A ‘medida que a economia capitalista vai incorporande a imagem direlamente como mercadoria, na medida ‘em que & 0 conkecimento © 9 signo que se torsam mercadoria, em que o fluxo do capital passa a investira imagem de urna maneira e com uma violéncia inauditas, nde hi divida de que a teenologia de imagen passa a ser estratgica do ponto de vista politico-econémico para os povos indigenas. Nao sio mais apenas as terras indigenas que so cobigadas, mas também o simulaero fantasmstico dessas terras: as imagens que elas projetam, 0 conhecimento supasto que representam — 0 imaterial, © incorporal. Na ‘medida em que 0 incorporal comega a ser macigamente capitalizado, as tecnologiss de produya0 da imagem se tornam tecnologias eruciais para os indios dominarem, tanto quanto 0 eram as tecnologi agricolas, as tecnologias de transporte, ete. Entio [..] 0 que esti em questi hoje é a capacidade de os {ndios controlarem as condigSes téenicas de produgio e reprodusdo da propria imagem. E a identidade na cera de sua reprodutbilidade téeniet a| Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 © video estaria sendo usado pelos Kayapé (mas ndo apenas por eles), segundo Turner, como um meio de conferir a atos privados e contingentes 0 caréter de fatos piblicos institufdos (1993, p. 102). Tal tentativa de investir esses eventos de uma realidade mais potente e simétrica a dos eventos politicos dos brancos nio é de forma alguma exclusiva aos Kayapé, e € 0 resultado de uma percepeao, pelos indios, de que 0 ponto de vista “que importa” — ie., 0 ponto de vista a partir do qual os fatos ganham realidade ~ na sua nova situagdo histérica pés-contato ¢ aquele que se alcanga através, das miquinas dos brancos. 0 fato de muitas gravagGes serem feitas pelos indios para eles mesmos nao compromete em nada, portanto, a sua fungao perspectivista, qual seja: verse do ponto de vista do “outro que importa” ¢ assim participar de seu poder coneretizador. © célebre caso dos Nambikwara (Mato Grosso ¢ Rondénia) € paradigmético, Assistindo a gravago de um ritual de iniciagao feminino que haviam acabado de realizar, cles no aprovaram o resultado, julgando estarem excessivamente vestidos € muito pouco pintados. Resolveram entio realizar o ritual inteiro novamente para a cimera, s6 que dessa vez.com menos roupa e mais pinturas corporais e, assistindo a essa segunda gravacdo, finalmente aprovaram o resultado, considerado “mais auténtico” (ef. Conklin, 1997, p. 719). © caso, ocorrido em 1987, foi apresentado em Carelli (1996) como “o encontro dos Nambikwara com 2 sua imagem”, sinal de que antes dele havia, justamente, um “desencontro”, O fato de que, nesse segundo take, os Nambikwara ainda vestiam shorts (apenas um pouco menores), motivou Vilaga (2000, p. 57-8) a interpretar ¢ como mais um exemplo de “dupla identidade” xamanica — branca e indigena, muitas vezes ao mesmo tempo — desenvolvida por muitos amerindios apés 0 contato com o branco, Mas seria 0 caso de actescentar que essa “dupla identidade” dos indios s6 se explicitou quando 0 video thes permitiu ver a si mesmos da “perspectiva que importa”, aquela produzida pelas méquinas. Reencontros? (O reencontro entre indios e brancos s6 se pode fivzer nos termos de uma necesséria alianga entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar 6 desequilibrio perpétuo do mundo um pouco mais para a frente, adiando assim o seu fim, (Viveiros de Castro, 2000b, p. 8) 2| Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 Segundo Viveiros de Castro, os Araweté conhecem os braticos ha muito tempo € também utilizam hd muito tempo machados e facdes de ferro, que pegavam em rogas abandonadas de brancos da regido (1992a, p. 24), Existe inclusive, na mitologia deles, um espirito celeste chamado “Pajé dos Brancos”. A rapidez com que os Araweté adotaram toda uma paraferndlia tecnolégica e simbilica dos brancos ¢ a maneira como essa adogdo gerou um “complexo de dependéncia-hipersolicitagdo-consumo ritual de bens ¢ servigos “brancos’” so atribuidos, pelo antropélogo, a um certo “mimetismo entusiasmado” de tudo 0 que vem deste mundo, Refletindo sobre essa atragdo do indio pelo branco, o antropélogo mostra que 0 “utilitarismo banal” implicado no argumento da supetioridade técnica dos implementos europeus nio ¢ inteiramente falso, mas & imbélico insuficiente, pois se “ser como os brancos” é um valor disputado no mercado s indigena, so sobretudo os signos dos poderes da exterioridade que se busca “capturar, incorporar ¢ fazer circular” (Viveiros de Castro, 2002, p. 222-4). Mais do que reconhecimento da “superioridade tecnolégica” dos estrangeiros, mais do que “coincidéncia fortuita” de contetidos «1 a mitologia nativa c alguns aspectos da sociedade invasora, hd uma postura mais fundamental implicada nessa atitude generalizada do amerindio para com o estrangeiro, na qual “afinidade relacional”, e nao “identidade substancial”, é 0 valor a ser afirmado (Viveiros de Castro, 2002, p. 206). Acompanhando 0 argumento de Viveiros de Castro, entre os Araweté “o Devir & anterior a0 Ser ¢ a ele insubmisso”, ¢ se eles se deixam capturar no sistema de comunicagdo vigente entre indios e brancos, € a fim de conseguir o que querem (1986, p. 28; 1992a, p. 156; 2002, p. 211, 21344, 224). Assim, a atragdo dos Araweté pelos brancos © seus objetos ndo indicaria uma “perda” de sua cultura, mas, muito pelo contritio, “um movimento ¢ um momento essenciais” dela de elaborar e domestica a situagdo histérica em que se encontram (Viveiros de Castro, 1992a, p. 159). O fato de nem todos os brancos serem domesticéveis apenas um dos obsticulos a esse movimento, Outros so os imperativos econémico e ecolégico (que envolvem negociagdes duvidosas com madeireiras), 0 desenvolvimento de novos padrdes de subsisténcia e 0 precério dominio de conceitos ¢ aspectos fundamentais da cultura envolvente (dinheiro, Estado, propriedade, costumes sexuais, divisio do trabalho, miséria, dominagao) (Viveiros de Castro, 19922, p. 166), Talvez a melhor sintese da situagdo dos Araweté frente ao branco seja a seguinte anotarao do antropélogo em seu diario de campo: a| Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, v1, 1.1, p. 46:70, 2009 [ssa exuberdneia voraz Araweié, essa ‘expansividade predatiria’ que os faz querer tudo dos braneos, o tempo todo [..] me fazem pensar que eles (os Arawet6) tém nos dentes uma presa bem maior do que podem engolir, © n80 descobriram isso ainda (Viveiros de Castro, 1986, p. 76 nota 30; sublinhado 10 original) Se, como vimos, 0 problema da origem dos brancos jé foi mitologicamente resolvido “desde antes do comego do mundo”, o problema “simétrico e inverso” do destino dos fndios ainda permanece aberto (Viveiros de Castro, 2000b, p. 3). Seria realmente possivel manter uma diferenga produtiva e positiva entre brancos e indios? “Utilizar a poténcia tecnolégica dos brancos [...] sem se deixar envenenar por sua absurda violencia, sua grotesca fetichizagdo da mercadoria, sua insuportével arrogincia?” (Viveiros de Castro, 20006, p. 3) Ou estamos fadados a uma concepgio negativa da diferenga entre brancos ou indios — 0 desejo amerindio de tomar-se branco “& moda da casa”, processo produtivo de auto-diferenciagdo do devir, dando lugar a0 medo de "deixar de ser indio", escolha drastica entre dois modos de ser excludentes? Encerro este texto com a diivida de Viveiros de Castro sobre 0 futuro dos Araweté por considerar que é a mesma divida que se coloca, no apenas para os indios em geal, mas também, ¢ de uma maneira complementar, para os braneos com quem. eles agora tém de lidar. Seria preciso aprender a ouvir os mitos indigenas ¢ as evelagdes de seus xamas quando vinculam uma habilidade mortifera dos brancos a0 seu espantoso desenvolvimento tecnocientifico e econémico. Seria preciso notar que a atragdo indigena pelo branco e suas méquinas é, mais do que a busca pela satisfagdo de qualquer caréncia objetiva ou falta subjetiva, um esforgo continuo para “encontrar sempre 0 bom ponto de vista, ou sobretudo o melhor” (Deleuze, 1991, p. 39), um esforgo para. manter a relago (entendida como sintese disjuntiva) e adiar indefinidamente o seu fim’. Seria preciso levar a sério, portanto, as idéias indigenas de que © encontro histérico entre braneos ¢ indios nfo passa da atualizago de um desencontro mitico, e de que tal desencontro sé ser revertido quando as diferengas centre indios ¢ brancos deixarem de funcionar na légica excludente do “ou” e assumirem a sua plena positividade como devir: indios que domestica brancos, brancos que se indianizam, uma nova maquina social se formando pelo seu proprio funcionamento desejante. 8A ‘ane de viver" indigena, no sentido filosoficamente denso da expressio, € uma arte das distincias — relagdo pela diferenga, relagio como diferensa, sintese diguntiva, Os indios so deleuzianos” (Viveiros de Castro, 20068), al Astigos, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCas, vl, 8.1, pA 2009 Doutor em Cincias Sociais (IFCH-UNICAMP) Departamento de Sociologia, IFCH-UNICAMP ppfls@vahoo.combr Abstract: This paper is a theoretical reflection upon the mythic and shamanic implications, for Amerindians as well as for the "Whites with whom they are in relation, of the modern technologies associated with the "White man’, It is based on @ bibliographic and videographic survey about the subject, comprising the issue of contact with the Whites in many different Indian groups of South America. The paper develops the cthnographically grounded ideas of a return of mythic time through the historical encounter of Whites and Indians, and of a technologically distributed shamanism in modem machines. Starting with the misencounter between Whites and Indians which resulted from their historical encounter, the paper arrives at their possible reencounter in the key of a double hecoming. Keywords: myth; technology; shamanism; mythic time; Whites and Indians, Referéncias bibliograficas ALBERT, Bruce. “A fumaga do metal: histéria e representagdes do contato entre os ‘Yanomami”. Anuéirio Antropolégico, v. 89, p. 151-189, 1992. “Cosmologias do contato no Norte-Amazénico”. In: Albert, B.; Ramos, AR. (Orgs.). Pacificando 0 branco: cosmologias do contato no norte- ‘amazénico, So Paulo; Unesp/mprensa Oficial do Estado, 2002a, p. 9-21 ‘ouro canibal ea queda do céu: uma critica xamanica da economia politica da natureza (Yanomami)". Jn: Albert, B Ramos, AR. (Orgs. 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