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VII OS SELVAGENS

Os aventureiros com o punhal erguido ameaçavam; mas não se animavam a romper


o estreito círculo que os separava de D. Antônio de Mariz.
O respeito, essa força moral tão poderosa, dominava ainda a alma daqueles homens
cegos pela cólera e pela exaltação; todos esperavam que o primeiro ferisse; e nenhum
tinha a coragem de ser o primeiro.
Loredano conheceu que era necessário um exemplo; o desespero de sua posição, as
paixões ardentes que tumultuavam em seu coração, deram-lhe o delírio que supre o valor
nas circunstâncias extremas.
O aventureiro apertou convulsivamente o cabo de sua faca, e fechando os olhos e
dando um passo às cegas, ergueu a mão para desfechar o golpe.
O fidalgo com um gesto nobre afastou o seio do gibão, e descobriu o peito; nem um
tremor imperceptível agitou os músculos de seu rosto; sua fronte alta conservou a mesma
serenidade; o seu olhar límpido e brilhante não se turvou.
Tal era a influência magnética que exercia essa coragem nobre e altiva, que o braço
do italiano tremeu, e a ponta do ferro tocando a véstia do fidalgo paralisou os dedos
hirtos do assassino.
D. Antônio sorriu com desdém; e abaixando a sua mão fechada sobre o alto da
cabeça de Loredano, abateu-o a suas plantas como uma massa bruta e inerte: então
erguendo a ponta do pé à fronte do italiano, o estendeu de costas sobre o pavimento.
O baque do corpo no chão ecoou no meio de um silêncio profundo; todos os
aventureiros, mudos e estáticos, pareciam querer sumir-se pelo seio da terra.
— Abaixai as armas, miseráveis! O ferro que há de ferir o peito de D. Antônio de
Mariz não será manchado pela mão cobarde e traiçoeira de vis assassinos! Deus reserva
uma morte justa e gloriosa àqueles que viveram uma vida honrada!
Os aventureiros artudidos embainharam maquinalmente os punhais; aquela palavra
sonora, calma e firme, tinha um acento tão imperativo, uma tal força de vontade, que era
impossível resistir.
— O castigo que vos espera há de ser rigoroso; não deveis contar com a clemência
nem com o perdão: quatro dentre vós à sorte, sofrerão a pena de homizio; os outros farão
o oficio dos executores da alta justiça. Bem vedes que tanto a pena como o ofício são
dignos de vós!
O fidalgo pronunciou estas palavras com um soberano desprezo, e encarou os
aventureiros como para ver se dentre eles partia alguma reclamação, algum murmúrio de
desobediência; mas todos esses homens, há pouco furiosos, estavam agora humildes e
cabisbaixos.
— Dentro de uma hora, continuou o cavalheiro apontando para o corpo de
Loredano, este homem será justiçado à frente da banda; para ele não há julgamento; eu o
condeno como pai, como chefe, como um homem que mata o cão ingrato que o morde. É
ignóbil demais para que o toque com as minhas armas; entrego-o ao baraço e ao cutelo.
Com a mesma impassibilidade e o mesmo sossego que conservava desde o momento
em que aparecera imprevistamente, o velho fidalgo atravessou por entre os aventureiros
imóveis e respeitosos, e caminhou para a saída.
Aí voltou-se; e levando a mão ao chapéu descobriu a sua bela cabeça encanecida,
que destacava sobre o fundo negro da noite e no meio do clarão avermelhado das tochas
com um vigor de colorido admirável.
— Se algum de vós der o menor sinal de desobediência; se uma das minhas ordens
não for cumprida pronta e fielmente; eu, D. Antônio de Mariz, vos juro por Deus e pela
minha honra que desta casa não sairá um homem vivo. Sois trinta; mas a vossa vida, de
todos vós, tenho-a na minha mão; basta-me um movimento para exterminar-vos, e livrar
a terra de trinta assassinos.
No momento em que o fidalgo ia retirar-se apareceu Álvaro pálido de emoção, mas
brilhante de coragem e indignação.
— Quem se animou aqui a erguer a voz para D. Antônio de Mariz? exclamou o
moço.
O velho fidalgo sorrindo com orgulho pôs a mão no braço do cavalheiro.
— Não vos ocupeis disto, Álvaro; sois bastante nobre para vingar uma afronta desta
natureza, e eu, bastante superior para não ser ofendido por ela.
— Mas, senhor, cumpre que se dê um exemplo!
— O exemplo vai ser dado, e como cumpre. Aqui não há senão culpados e
executores da pena. O lugar não vos compete. Vinde!
O moço não resistiu e acompanhou D. Antônio de Mariz, que se dirigiu lentamente a
sala, onde achou Aires Comes.
Quanto a Peri, voltara ao jardim de Cecília, decidido a defender sua senhora contra o
mundo inteiro.
O dia vinha rompendo.
O fidalgo chamou Aires Gomes e entrou com ele no seu gabinete de armas, onde
tiveram uma longa conferência de meia hora.
O que aí se passou ficou em segredo entre Deus e estes dois homens; apenas Álvaro
notou, quando a porta do gabinete se abriu, que D. Antônio estava pensativo, e o
escudeiro lívido como um morto.
Neste momento ouviu-se um pequeno rumor na entrada da sala; quatro aventureiros
parados, imóveis, esperavam uma ordem do fidalgo para se aproximarem.
D. Antônio fez-lhes um sinal; e eles vieram ajoelhar-se a seus pés; -as lágrimas
rolavam por essas faces queimadas pelo sol; e a palavra tremia balbuciante nesses lábios
pálidos que há instantes vomitavam ameaças:
— Que significa isto? perguntou o cavalheiro com severidade.
Um dos aventureiros respondeu:
— Viemo-nos entregar em vossas mãos; preferimos apelar para o vosso coração do
que recorrer às armas para escaparmos à punição de nossa falta.
— E vossos companheiros? replicou o fidalgo.
— Deus lhes perdoe, senhor, a enormidade do crime que vão cometer. Depois que
vos retirastes tudo mudou; preparam-se para atacar-vos!
— Que venham, disse D. Antônio, eu os receberei. Mas vós por que não os
acompanhais? Não sabeis que D. Antônio de Mariz perdoa uma falta, mas nunca uma
desobediência?
— Embora, disse o aventureiro que falava em nome de seus camaradas;
aceitaremos de bom grado o castigo que nos impuserdes. Mandai, que obedeceremos.
Somos quatro contra vinte e tantos; dai-nos essa punição de morrer defendendo-vos, de
reparar pela nossa morte um momento de alucinação!... É a graça que vos pedimos!
D. Antônio olhou admirado os homens que estavam ajoelhados a seus pés; e
reconheceu neles os restos dos seus antigos companheiros de armas do tempo em que o
velho fidalgo combatia os inimigos de Portugal.
Sentiu-se comovido; sua alma grande, e inabalável no meio do perigo, orgulhosa
em face da ameaça, deixava-se facilmente dominar pelos sentimentos nobres e generosos.
Essa prova de fidelidade que davam aqueles quatro homens na ocasião da revolta
geral dos seus companheiros; a ação que acabavam de praticar, e o sacrifício com que
desejavam expiar a sua falta, elevou-os no espírito do fidalgo.
— Erguei-vos. Reconheço-vos!... Já não sois os traidores que há pouco repreendi;
sois os bravos companheiros que pelejastes a meu lado; o que fazeis agora, esquece o que
fizestes há uma hora. Sim!... Mereceis que morramos juntos, combatendo ainda uma vez
na mesma fileira. D. Antônio de Mariz vos perdoa. Podeis levantar a cabeça e trazê-la
alta!
Os aventureiros ergueram-se radiantes do perdão que o nobre fidalgo tinha lançado
sobre suas cabeças; todos eles estavam prontos a dar sua vida para salvarem o seu chefe.
O que tinha ocorrido depois da saída de D. Antônio do alpendre, seria longo de
escrever.
Loredano tornando a si da vertigem que lhe causara o atordoamento e a violência da
queda, soube da ordem que havia a seu respeito. Não era preciso tanto para que o audaz
aventureiro recorresse à sua eloqüência a fim de excitar de novo à revolta.
Pintou a posição de todos como desesperada, atribuiu o seu castigo e as desgraças
que iam suceder ao fanatismo que havia por Peri; esgotou enfim os recursos da sua
inteligência.
D. Antônio não estava mais ai para conter com a sua presença a cólera que ia
fermentando, a excitação que começava a lavrar, a princípio surdamente, as queixas e os
murmúrios que afinal fizeram coro.
Um incidente veio atear a chama que lastrava; Peri, apenas começou a romper o dia,
viu a alguma distancia do jardim o cadáver de Rui Soeiro; e temendo que sua senhora
acordando presenciasse esse triste espetáculo tomou o corpo, e atravessando a esplanada,
veio atirá-lo no meio do pátio.
Os aventureiros empalideceram e ficaram estupefatos; depois rompeu a indignação
feroz, raivosa, delirante; estavam como possessos de furor e vingança. Não houve mais
hesitação; a revolta pronunciou-se; apenas o pequeno grupo de quatro homens que desde
a saída de D. Antônio se conservava em distancia, não tomou parte na insubordinação.
Ao contrário, quando viram que seus companheiros, com Loredano à frente se
preparavam para atacar o fidalgo, foram, como vimos, oferecer-se voluntariamente ao
castigo, e reunir-se ao seu chefe para partilharem a sua sorte.
Pouco tardou para que João Feio não se apresentasse como parlamentário da parte
dos revoltosos; o fidalgo não o deixou falar.
— Dize a teus companheiros, rebelde, que D. Antônio de Mariz manda e não discute
condições: que eles estão condenados; e verão se sei ou não cumprir o meu juramento.
O fidalgo tratou então de dispor os seus meios de defesa; apenas podia contar com
quatorze combatentes: ele, Álvaro, Peri, Aires Comes, mestre Nunes com os seus
companheiros, e os quatro homens que se haviam conservado fiéis; os inimigos eram em
número de vinte e tantos.
Toda a sua família já então despertada recebeu a triste noticia de tantos
acontecimentos passados durante aquela noite fatal; D. Lauriana, Cecília e Isabel
recolheram-se ao oratório, e rezavam enquanto se preparava tudo para uma resistência
desesperada.
Os aventureiros comandados por Loredano arregimentaram-se e marcharam para a
casa dispostos a dar um assalto terrível; o seu furor redobrava tanto mais, quanto o
remorso no fundo da consciência começava a mostrar-lhes toda a hediondez de sua ação.
No momento em que dobravam o canto, ouviu-se um som rouco que se prolongou
pelo espaço, como o eco surdo de um trovão em distancia.
Peri estremeceu, e lançando-se para a beira da esplanada estendeu os olhos pelo
campo que costeava a floresta. Quase ao mesmo tempo um dos aventureiros que estava
ao lado de Loredano caiu traspassado por uma flecha.
— Os Aimorés!...
Apenas soltou Peri esta exclamação, uma linha movediça, longo arco de cores vivas
e brilhantes, agitou-se ao longe da planície irradiando à luz do sol nascente.
Homens quase nus, de estatura gigantesca e aspecto feroz; cobertos de peles de
animais e penas amarelas e escarlates, armados de grossas clavas e arcos enormes,
avançavam soltando gritos medonhos.
A inúbia retroava; o som dos instrumentos de guerra misturado com os brados e
alaridos formavam um concerto horrível, harmonia sinistra que revelava os instintos
dessa horda selvagem reduzida à brutalidade das feras.
— Os Aimorés!... repetiram os aventureiros
empalidecendo.

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