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A CATÁSTROFE
I ARREPENDIMENTO
— Que quereis? A morte de uns é necessária para a vida dos outros; este mundo é
assim e não seremos nós que o havemos de emendar; andemos com ele.
— Nunca! Não faremos isso! É uma vilania!
— Bom, respondeu Loredano friamente, fazei o o que vos aprouver. Ficai; quando
vos arrependerdes será tarde.
— Mas ouvi...
— Não; não conteis já comigo. Julguei que falava a homens a quem valesse salvar a
vida; vejo que me enganei. Adeus.
— Se não fora uma traição...
— Que falais em traição!... replicou o italiano com arrogância. Dizei-me, credes vós
que algum escapará daqui na posição em que nos achamos? Morreremos todos. Pois se
assim é, mais vale que se salvem alguns.
Os aventureiros pareceram abalados por este argumento.
— Eles mesmos, continuou Loredano, a menos de serem egoístas, não terão o direito
de se queixarem; e morrerão com a satisfação de que sua morte foi útil aos seus
companheiros, e não estéril como deve ser se ficarmos todos de braços cruzados.
— Vá feito; tendes razões a que não se resiste. Contai conosco, acudiu um
aventureiro.
— Contudo levarei sempre um remorso, disse outro.
— Faremos dizer uma missa por sua alma.
— Bem lembrado! respondeu o italiano.
Os aventureiros foram ajudar o seu companheiro na demolição surda da parede, e
Loredano ficou só, retirado a um canto.
Por algum tempo acompanhou com a vista o trabalho dos cincos homens; depois
tirou um largo cinto de escamas de aço que apertava o seu gibão.
Na parte interior desse cinto havia uma estreita abertura pela qual ele sacou um
pergaminho dobrado ao comprido: era o famoso roteiro das minas de prata.
Revendo esse papel, todo o seu passado debuxou-se na sua memória, não para
deixar-lhe o remorso, mas para excitá-lo a prosseguir em busca desse tesouro que lhe
pertencia, e do qual não podia gozar.
Foi tirado da sua distração por um dos aventureiros, que se achegara para ele
despercebido, e depois de olhar por muito tempo o papel, dirigiu-lhe a palavra:
— Não podemos derrubar a parede.
— Por quê? perguntou Loredano erguendo-se. Está segura?
— Não é isso, basta um empurrão; mas o oratório?
— Que tem o oratório?
— Que tem? Os santos, as sagradas imagens bentas não são coisas que se atire ao
chão! Se tão danada tentação nos tomasse, pediríamos a Deus que nos livrasse dela.
Loredano desesperado dessa nova resistência, cuja força ele conhecia, passeava pela
sala de uma ponta à outra.
— Estúpidos! murmurava ele. Basta um fragmento de madeira um pouco de argila
para fazê-los recuar! E dizem que são homens! Animais sem inteligência, que nem sequer
têm o instinto da conservação!...
Alguns momentos decorreram; os aventureiros parados esperavam a resolução do
seu chefe.
— Tendes medo de tocar nos santos, disse Loredano avançando para eles; pois bem,
serei eu que deitarei a parede abaixo. Continuai, e avisai-me quando for tempo.
Enquanto isto se passava, o resto dos aventureiros que ficara no alpendre ouvia a
narração de João Feio, que lhes comunicava as revelações de mestre Nunes.
Quando eles souberam que Loredano era um frade que abjurara dos seus votos,
ergueram-se furiosos, e quiseram procurá-lo e espedaçá-lo.
— Que ides fazer? gritou o aventureiro. Não é assim que ele deve acabar; a sua
morte há de ser uma punição, uma terrível punição. Deixai-me arranjar isto.
— Para que mais demora? respondeu Vasco Afonso.
— Prometo-vos que não haverá demora; hoje mesmo será condenado; amanhã
receberá o castigo de seus crimes.
— E por que não hoje?
— Deixemos-lhe o tempo de arrepender-se: é preciso que antes de morrer sinta o
remorso do que praticou.
Os aventureiros decidiram por fim seguir este conselho, e esperaram que Loredano
aparecesse para se apoderarem dele e o condenarem sumariamente.
Passou-se um bom espaço de tempo, e nada do italiano sair; era quase meio-dia.
Os aventureiros estavam desesperados de sede; a sua provisão de água e de vinho, já
bastante diminuída depois do sitio dos selvagens, achava-se na despensa, cuja porta
Loredano fechara por dentro.
Felizmente descobriram no quarto do italiano algumas garrafas de vinho, que
beberam no meio de risadas e chacotas, fazendo brindes ao frade que iam dentro em
pouco condenar à pena de morte.
No meio da hilaridade algumas palavras revelavam o arrependimento que começava
a se apoderar deles; falavam de ir pedir perdão ao fidalgo, de se reunir de novo a ele, e
ajudá-lo a bater o inimigo.
Se não fosse a vergonha da má ação que tinham praticado, correriam a lançar-se aos
joelhos de D. Antônio de Mariz imediatamente; mas resolveram fazê-lo quando o
principal autor da revolta tivesse recebido o castigo do seu crime.
Seria esse o seu primeiro titulo ao perdão que iam suplicar; seria mais a prova da
sinceridade do seu arrependimento.