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MARINA AZEM
Mato Grosso, 2006.
Viagem filosófica às doenças e curas em Mato Grosso
no século XVIII: os relatos do naturalista
Alexandre Rodrigues Ferreira
MARINA AZEM
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do
Instituto de Saúde Coletiva, da
Universidade Federal de Mato Grosso
para obtenção do título de Mestre em
Saúde Coletiva.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Fátima
Roberto Machado
Mato Grosso,2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
MARINA AZEM
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do
Instituto de Saúde Coletiva, da
Universidade Federal de Mato Grosso
para obtenção do título de Mestre em
Saúde Coletiva.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Fátima
Roberto Machado
Mato Grosso, 2006
A993v
Azem, Marina.
Viagem filosófica às doenças e curas em Mato Grosso no século
XVIII: os relatos do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. / Marina
Azem. Cuiabá: a autora, 2006.
181 fls.
Apresentação ...................................................................
............................... 01
Introdução .....................................................................
................................. 05
Ampliando horizontes ...........................................................
.............................. 08
Conhecendo acervos .............................................................
.............................. 13
Olhando sobre os ombros ........................................................
............................ 18
Conclusão.......................................................................
................................163
Índice de gravuras..............................................................
............................168
Bibliografia....................................................................
................................176
AGRADECIMENTOS
Tive a sorte de estar acompanhada de pessoas especiais, na trajetória que
resultou nessa dissertação. Gostaria de agradecer a cada uma delas.
A Anis Azem meu pai, que me ensinou tudo o que sabia sobre a arte de curar.
Por seu exemplo de ética, respeito e cuidado para com o paciente, com os
colegas médicos e todos com quem conviveu. Por eu ter podido compartilhar
sua vida e sabedoria.
A Luiz Vicente, meu mestre na arte de conhecer a natureza, sensibilizando,
diversificando e ampliando meu olhar. Sou grata por sua presença. Por sua
disposição para ler e rever meus escritos e pelas fotos que ilustram o texto.
A Luiza e Fábio, meus filhos, pelo apoio e incentivo. Pela paciência que
tiveram em aceitar a minha ausência, acreditando que a dissertação um dia
ia acabar . Por me acudirem nas dificuldades com o computador e com a
impressora!
A Profª Dra. Maria Fátima Roberto Machado, minha amiga, pelo privilégio
de tê-la como orientadora. Sem sua ajuda teria sido impossível finalizar este
texto. Agradeço a sua atenção, dedicação e estímulo durante toda a pesquisa e
redação.
A Profª Dra. Maria Inês Barbosa, minha primeira orientadora, por ter me
aceito no Programa de Pós-Graduação do Departamento de Saúde Coletiva
da Universidade Federal de Mato Grosso.
A Profª Dra. Ângela Domingues, que gentilmente me enviou de Portugal uma
série de artigos sobre Alexandre Rodrigues Ferreira e a Amazônia no século
XVIII.
A Profª Dra. Cláudia Callil, minha amiga, que me socorreu na fase final do
trabalho, me ensinando a elaborar os slides da apresentação da defesa.
Aos professores do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal
de Mato Grosso por compartilharem seus conhecimentos. Aos colegas de
turma pela amizade e aos funcionários do Departamento pela gentileza que
sempre demonstraram na resolução dos problemas burocráticos e práticos no
decorrer do curso.
Para Lucy Ann Brown Azem
minha mãe,
uma mulher de vanguarda.
Apresentação
Fig 1- Rio Madeira, espólio de Alexandre Rodrigues Ferreira, acervo Museu Bocage
.
As viagens de exploração realizadas no século XVIII
inauguraram uma era de descobertas do interior das regiões
conquistadas. A internalização tornou-se uma meta para manter
a ocupação. Inicialmente as expedições dedicavam-se ao
conhecimento dos contornos dos continentes, rotas marítimas e
ligações entre os oceanos. Nos setecentos partiram para o
domínio e controle sobre recursos naturais localizados no
interior dos territórios. Os viajantes naturalistas tiveram
participação nesse processo. Viam com seus próprios olhos e
buscavam através de seus relatos dar conta das sensações,
impressões e descobertas. Produziram textos descritivos sobre
diferentes áreas do conhecimento, utilizando o desenho e a
pintura para melhor elucidação dos achados.
Alexandre Rodrigues Ferreira foi o viajante naturalista
responsável pela Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará,
Rio Negro e Minas do Cuiabá, percorrendo a região Setentrional
do Brasil entre 1783 a 1792. No decorrer da expedição, entre
outros manuscritos, escreveu uma monografia sobre As
Enfermidades Endêmicas da Capitania de Mato Grosso. Relatou
como os portugueses que aqui desembarcaram, ao se depararem
com enfermidades desconhecidas na Europa, criaram táticas
para enfrentar as dificuldades impostas, relativizando seus
conhecimentos da arte de curar, em decorrência do contato com
os nativos da região.
Este trabalho revela os agravos que acometiam a população da Capitania de Mato
Grosso na visão de Alexandre Rodrigues Ferreira, evidenciados na sua monografia
Enfermidades Endêmicas de Mato Grosso, destacando as práticas de cura preconizad
as
pelos europeus e pelos nativos, que ele denominava de americanos. Mesmo não send
o
médico, sua visão de patologia, patogenia e sanitarista merece consideração. Seu
s relatos
foram utilizados pelos que depois viajaram pela região. Muito ainda se tem para
estudar a
partir de suas observações, descrições, práticas terapêuticas e mescla de sabere
s.
Para uma melhor compreensão do desempenho da Viagem Filosófica ao Brasil e da
figura do viajante naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, comandante da exped
ição e
que atuou em diferentes áreas do conhecimento, dentre elas o da arte de curar, r
ealizei uma
contextualização histórica do iluminismo em Portugal, das práticas terapêuticas
dos
setecentos, dos profissionais que a praticavam e como eram empregadas em Portuga
l e no
Brasil no século XVIII.
Alexandre Rodrigues Ferreira pode ser
considerado um homem de vanguarda em
várias áreas do conhecimento. Foi dos
primeiros a adentrar o continente
americano em uma época que as
expedições pouco exploravam o interior
brasileiro. Na medida em que o
naturalista avançava pelos sertões
enviava regularmente para Lisboa,
grande quantidade de material coletado
de fauna, flora, minerais e produtos da
cultura dos locais, para ser arquivado e
posteriormente analisado na metrópole.
Foi um cientista fruto do iluminismo em
Portugal, trabalhando sem questionar
para servir o Estado.
A Viagem Filosófica às Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro e Minas do Cuiabá
produziu uma iconografia considerada legado inestimável. O vasto material produz
ido
durante a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira não recebeu o justo reconhec
imento
na época. Alguma das ilustrações contidas no texto a seguir fazem parte do espól
io da
Viagem Filosófica e constituem acervos do Museu Bocage de Lisboa e da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. As coleções da Biblioteca Pública Municipal do Porto
e da
Casa da Ínsua em Portugal, mesmo não apresentando nas pranchas a assinatura dos
desenhistas riscadores que acompanhavam Ferreira, são atribuídas por alguns auto
res como
pertencentes à expedição.
A diversidade étnica das populações residentes no Brasil colônia, mais do que a
falta de profissionais habilitados na arte de curar foi crucial para a persistên
cia de práticas
plurais de cura nos trópicos. Esses saberes provinham do uso secular de curandei
ros e pajés,
conhecedores das matas e das plantas, cujas utilizações foram assimiladas pelos
portugueses, incrementando a farmacopéia européia.
A história da medicina no Brasil colônia fornece muitas perspectivas para
investigação. A monografia de Alexandre Rodrigues Ferreira intitulada Enfermidad
es
Endêmicas de Mato Grosso, vem sendo estudada por autores de diferentes áreas do
conhecimento. Ainda no século XIX, Domingos de Almeida Martins Costa publicou na
revista Progresso Médico (1817) um excerto dessa monografia referente especificame
nte
às febres. Em 1951, foi objeto de estudo na tese de Carlos da Silva Araújo, apre
sentada à
seção de Farmácia no 1º Congresso Brasileiro de História da Medicina em 1951, no
Rio de
Janeiro. No ano de 1966, foi transcrita na íntegra pela primeira vez em Belém, p
or Gloria
Marly Duarte de Carvalho Fontes na sua publicação Alexandre Rodrigues Ferreira:
aspectos de sua vida e obra . Mais recentemente, a historiadora Leny Caselli Anzai
, da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), contemplou a monografia em sua tese
de
doutorado, defendida em 2004 em Brasília. No Brasil e em Portugal, muitos outros
trabalhos já foram realizados utilizando os relatos de Alexandre Rodrigues Ferre
ira e
muitos outros ainda estão por fazer. Os seus manuscritos são fonte permanente de
estudo a
espera de novos olhares.
O século XVIII foi um período peculiar para a medicina. Embora ocorressem
importantes transformações na arte de curar, persistiram reminiscências de saber
es e
práticas mágicas e religiosas, tanto originárias do universo europeu quanto dos
povos que
habitavam as colônias.
Atualmente os conhecimentos sobre saúde resultantes de diálogos entre os campos
da Medicina e da Antropologia no meio acadêmico brasileiro têm despertado intere
sse em
profissionais das áreas, sendo reconhecidos em várias instituições de ensino e p
esquisa. A
compreensão das crenças, valores e práticas terapêuticas, contribuem para a disc
ussão sobre
questões socioantropológicas da arte de curar .
O estudo da medicina reconhecida como oficial e dos demais procedimentos de
cura, consolidados ou não, podem levar a relativizar as dicotomias oficial/popul
ar,
sagrado/profano, lógico/ilógico, presentes nas análises que dão superioridade à
medicina
acadêmica. O esclarecimento de contextos sociohistóricos propicia entender que a
medicina
racionalista e a considerada não científica podem coexistir. Foi valorizando o d
iálogo entre
diferentes visões de saúde e cura, que a linha de pesquisa Saúde e diversidade
sociocultural do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Gros
so,
proporcionou a oportunidade de desenvolver esta dissertação de mestrado.
O campo da saúde, devido à natureza de seu objeto, da sinergia entre processos
objetivos e subjetivos, apresenta múltiplas possibilidades de abordagens teórica
s,
constituindo um cenário complexo. A existência de vários sistemas médicos e tera
pêuticos
de origens diversas, tais como os tradicionais, naturalistas, religiosos, ou fun
dados em
outras medicinas e cosmologias, alguns deles trabalhando em conjunto com a medic
ina
acadêmica, em decorrência da demanda exigida por uma clientela, faz com que seja
necessário o ensino de ciências sociais e da saúde para os cursos de graduação m
édica.
Introdução
Terminada a faculdade voltei para São Paulo, acompanhando meu pai na sua rotina
de médico. Desde o início do curso eu já freqüentava o hospital em que ele traba
lhava,
auxiliando nas cirurgias e visitando os pacientes internados. Ele me ensinou tud
o o que
sabia sobre a arte médica, principalmente a tratar o paciente com cuidado. Ao me
formar já
era considerada cria da casa pelos médicos mais velhos. Tive a oportunidade de con
viver
com profissionais de destaque da medicina de São Paulo, em uma época que as medi
cinas
de grupo e convênios médicos começavam a ganhar espaço, transformando a arte de
curar
em um bem de consumo. Meus primeiros pacientes tinham nome, história familiar e
de
vida.
Permaneci em São Paulo por quatro anos, onde trabalhei, fiz cursos de reciclagem
e
especialização. Casei e tive dois filhos: Luiza e Fábio. No início de 1984 mudei
para uma
pequena cidade no interior de Goiás, chamada Quirinópolis. Foi minha primeira
experiência médica fora de um grande centro de referência e os contrastes eram m
uito
marcantes. Em São Paulo, no centro cirúrgico no qual eu operava, o oxigênio e o
dióxido
nitroso (gás anestésico) utilizados nas salas de cirurgia chegavam por tubulaçõe
s, com
manômetros regulando a pressão de inalação. Em Quirinópolis dispúnhamos de torpe
dos de
oxigênio na sala e inaladores portáteis para éter, um anestésico que já não era
usado há
mais de 30 anos. Pelo menos uma vez por semana era acordada no meio da noite par
a
operar baleados e esfaqueados. Em nenhum outro lugar que tenha trabalhado, a
propedêutica e o exame clínico do paciente, que exaustivamente me eram cobrados
na
faculdade, valeram tanto. A partir da minha vivência como médica do interior, pa
ssei a
valorizar e respeitar estes profissionais que trabalhando longe das capitais e g
randes
cidades, dispondo de poucos recursos tecnológicos, exercem a medicina.
Estando longe dos centros de referência, constatei que as práticas terapêuticas
acadêmicas sofriam influência mais direta das curas ditas populares. A saúde e a
doença
recebiam conotações diferentes e apontavam para distintos entendimentos da vida
e da
morte; a religião ocupava um lugar de maior destaque nos processos da enfermidad
e; o
contexto social, os agentes de cura e os rituais contribuíam para que ocorresse
um diálogo
entre as práticas ditas oficiais e as populares.
Exercer a medicina no interior requereu aceitar e conviver com benzedeiras,
curadores, madrinhas, comadres, vizinhas e todas as outras pessoas que traziam c
onsigo os
conhecimentos tradicionais da arte de curar do cotidiano. As distintas práticas
de cura e o
que elas podiam significar, sobre diferentes questões da sociedade, ultrapassava
m a
dimensão restrita da biologia. O campo das ações dita populares ou alternativas
se
mostravam ser objeto de reflexão. Esses novos saberes se mesclavam, recriavam e
se
impunham sobre práticas e saberes consolidados no sistema médico, criando desafi
os às
novas modalidades de cura.
Depois de ficar seis anos em Quirinópolis mudamos para Cuiabá. Meus filhos
precisavam de escola. Esta mudança foi mais traumática que a saída de São Paulo.
Chegamos em uma cidade grande, aonde a nossa presença era diluída no meio de tan
tas
outras e, pela primeira vez, a identidade de meus filhos questionada: eram pauli
stanos ou
goianos?
O ritmo e a forma de trabalhar em Cuiabá eram diferentes. Não havia mais tanto
tempo para dar atenção às queixas dos pacientes. Com uma vida profissional frené
tica,
guiada pela exigência de acúmulo de lucro dos convênios médicos, a produtividade
e a
lucratividade exigidas pelo mercado comandavam a clínica.
Nove anos de atividade médica em Mato Grosso me fizeram esquecer a
complexidade de compreensão que a doença exige, ultrapassando os significados de
explicar a realidade, reconhecendo a vinculação de sua narrativa com a experiênc
ia
cotidiana dos indivíduos. Meu olhar médico passou a ser um olhar da superfície sob
re a
exterioridade dos corpos, acreditando que o entendimento dos sintomas estava dis
sociado
da escuta das histórias e das relações sociais, que os pacientes produziam sobre
suas
doenças. Não havia tempo para lembrar que os sintomas e sinais apresentados pelo
s
pacientes não são somente de ordem biológica, mas também sociais e fazem parte d
as redes
que tecem a história do mundo em que vivem, da natureza que os rodeia, da coleti
vidade,
da sua religiosidade etc.
Só mais tarde entendi que o médico que atende a um paciente, procurando a sua
doença, participa do registro cuidadoso daquilo que eles observam e também da co
nstrução
do que lhes é dado observar.
Ampliando horizontes
A minha insatisfação com o reducionismo biológico aplicado às enfermidades fez
com que eu buscasse uma discussão sobre as manifestações biológicas e patológica
s das
doenças, as percepções individuais e subjetivas nas populações e suas expressões
culturais
coletivas. Em maio de 1999, estava inscrita como aluna do primeiro curso de espe
cialização
em Antropologia na Universidade Federal de Mato Grosso. O meu novo olhar sobre o
mundo começava a se construir.
Chegou o dia da aula inaugural. Todos os alunos foram reunidos em um anfiteatro
e,
um de cada vez se apresentou e falou sobre o tema que pretendia desenvolver dura
nte o
curso. Na ocasião chamou a minha atenção a proposta de um trabalho sobre a visão
ambiental dos relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira, na sua Viagem Filosófica
ao Rio
Negro e Amazonas no século XVIII, exposto por Luiz Vicente da Silva Campos Filho
. Foi
a primeira vez que ouvi falar nesse viajante naturalista, que durante 10 anos pe
rcorreu as
regiões centrais do Brasil, em uma expedição científica, enviando para Portugal
extensas
coleções de fauna e flora, desenhos aquarelados e manuscritos sobre suas observa
ções.
Entre meus colegas de sala não havia nenhum ligado à área da saúde. Sem ter um
igual para dialogar, comecei a exercitar uma forma não biológica de pensamento. Um
novo olhar sobre os homens me estava sendo ensinado. Ao final do primeiro módulo
já
estava mais à vontade e aos poucos fui me familiarizando com os textos e com nov
os
pensadores não pertencentes à área médica. As aulas seguiram até dezembro de 199
9 e ao
final do curso já conseguia enxergar o processo de saúde-doença de maneira disti
nta do
enfoque cartesiano e positivista que aprendi na faculdade. Apesar de ter tido pr
ofessores na
época da graduação, que se manifestavam de forma distinta, eram tidos como pensa
dores
excêntricos.
O ano de 1999 foi rico em descobertas. Junto com a antropologia veio a pintura,
que
também foi uma das atividades de meu pai. Suas tardes de sábado eram dedicadas a
colorir
telas e as cores que ganharam a sua paleta foram os diferentes tons e luzes que
descobriu
nas praias de São Vicente, no litoral de São Paulo. Tenho uma de suas marinas pe
ndurada
na parede em frente ao meu computador. Essa iniciação nas artes plásticas foi va
liosa por
ocasião da minha viagem a Portugal em junho de 2001, onde conheci as coleções de
desenhos aquarelados da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira.
As cores da minha paleta vieram quando conheci o pantanal. Luiz Vicente me
apresentou a essa imensa planície alagável, deslumbrante. Chegamos ao amanhecer,
quando os raios de sol começavam a tocar as águas e todos os espaços eram preenc
hidos
pelos sons dos pássaros. Era final de julho, época da seca, de poeira. Tonalidad
es de
marrom e ocre disputavam a atenção com o colorido róseo das piúvas floridas (ipê
s). Difícil
descrever, fácil de sentir.
Definido como uma grande planície inundável pelas águas de extravasamento dos
rios da bacia hidrográfica do rio Paraguai, o Pantanal é caracterizado também co
mo uma
área de grande confluência biológica, registrando a ocorrência de vegetais e ani
mais com
origem em diferentes regiões ecológicas da América do Sul, como Amazônia, Cerrad
o,
Chaco e Caatinga, além da Floresta Atlântica. Na poesia de Manoel de Barros (199
9:2) o
pantanal ganha um outro tom:
Que as minhas palavras não caiam de
louvamentos à exuberância do Pantanal.
Que eu não descambe para o adjetival.
Que o meu texto seja amparado de substantivos.
Substantivos verbais.
Quisera apenas dar sentido literário aos pássaros,
ao sol, às águas e aos seres.
Quisera humanizar de mim as paisagens.
Mas por quê aceitei o desafio de glosar
esta obra exuberante de Deus?
Aceitei para botar em prova minha linguagem.
Que eu possa cumprir esta tarefa sem
que o meu texto seja engolido pelo cenário.
Fig 6 Tamanduá bandeira com filho, acervo Biblioteca Pública Municipal do Porto.
Fig 7 Detalhe do prospecto da Villa de Bom Jesus de Cuyabá, acervo Museu Bocage.
Ali estava a Cuiabá dos Setecentos. O desenho foi realizado de cima do atual Mor
ro
da Luz. Podia-se ver a praça central com a Igreja da Matriz e grande parte da ci
dade, que
atualmente corresponde ao centro. Ainda hoje muitas casas da época existem e são
facilmente identificadas pelos seus telhados, quando avistadas do alto. Eu poder
ia ficar
horas apreciando o desenho, tentando identificar o que resistiu à ação do tempo.
Olhava a
cidade com os olhos do riscador!
Ao final de nossa visita a Portugal
conhecemos três coleções de aquarelas
produzidas na região do Brasil
setentrional durante o século XVIII, cuja
autoria provável se atribuí aos
desenhistas riscadores da Viagem
Filosófica de Alexandre Rodrigues
Ferreira.
Olhando sobre os ombros
Em meados de 2003 fui aprovada no programa de mestrado do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, na linha de pesquisa de Saúde e
Diversidade Sociocultural. Os relatos de Alexandre Rodrigues Ferreira foram meu
objeto
de estudo, particularmente o manuscrito sobre as enfermidades encontradas em Mat
o
Grosso. Procurei entender a quantidade e diversidade de memórias redigidas por e
le. Meu
olhar, que se voltava para o passado em busca de melhor compreender também o pre
sente,
encontrava um observador daquele momento presente em busca do que entendia ser u
m
melhor futuro.
O exercício de escrever uma etnografia sobre os relatos de Alexandre Rodrigues
Ferreira, narrando eventos ocorridos no século XVIII, exigiam um distanciamento,
um
olhar por cima dos ombros. Mas inevitavelmente acabei me apropriando de memórias
e
relatos de viagens que expressavam seu ponto de vista, uma visão pessoal sobre f
atos do
passado. Por vezes cheguei a imaginar estar olhando como Ferreira.
A intenção desse texto não é ser uma biografia, pois não está centrado em um
sujeito, nem pretende abranger a totalidade de suas experiências, mas não chega
a constituir
um ensaio histórico, pois como diz Oliveira (1999:213) não envolve um esforço si
milar de
pesquisa e análise.
Crapanzano (1980:134) ao problematizar o envolvimento do pesquisador com seu
objeto de pesquisa diz que o distanciamento etnográfico é um artifício de retóri
ca que
permite mascarar uma posição ou racionalizá-la. No decorrer do trabalho a distân
cia e a
intensidade do envolvimento variam consideravelmente.
Quanto mais eu lia e coletava informações sobre os relatos de Alexandre Rodrigue
s
Ferreira, mais aumentava meu encantamento , mas a responsabilidade de estar produzi
ndo
um trabalho acadêmico requereu senso crítico. Também foi necessário conhecer a é
poca e
os pensamentos vigentes para ter uma idéia de como Ferreira entendia o mundo e s
e
articulava com ele. Não gostaria de torná-lo um herói de contos de fadas, como d
iz
Crapanzano (1980:6-7) quando ressalta que os textos históricos por vezes se asse
melham a
fantasias.
O fazer científico de seu tempo tornou Ferreira um investigador multitemático, p
ois
abarcou diferentes possibilidades do conhecimento nos campos da geografia, socio
logia,
etnologia, economia, agronomia, história natural, botânica, entre outras áreas.
Estudou na
Universidade de Coimbra e ao doutorar-se foi indicado por seu professor Domingos
Vandelli para chefiar uma expedição filosófica que deveria inventariar os recurs
os naturais
que pudessem servir aos interesses mercantis da Coroa portuguesa em seus domínio
s
americanos. Foi o início de um grande trabalho de pesquisa da fauna, flora e min
erais do
Brasil. Embora possa denominar-se de expedição naturalista é importante ressalta
r que a
sua expedição não possuía um caráter exclusivamente científico. Ao contrário do
que
ocorreu durante o século XIX, quando as diversas expedições estrangeiras traziam
naturalistas que podiam dedicar-se unicamente às observações da fauna e da flora
brasileira. Coube a Ferreira o recolhimento de uma gama de informações no âmbito
da
ciência, tanto da natureza como também de ordem sociopolítica, bem como registra
r e
enviar para Portugal dados sobre a fronteira oeste do Brasil, estabelecida pelo
Tratado de
São Idelfonso.
Este viajante naturalista encarregou-se de todos os aspectos práticos da expediç
ão,
no que concernia à descrição e acondicionamento dos produtos encontrados, a elab
oração
dos alimentos diários, bem como do asseio, dos cuidados com a saúde e a arte méd
ica. A
amplitude das medidas, referentes à Viagem Filosófica, propostas por Vandelli in
dicavam a
sua intenção de institucionalizar a ciência em Portugal, o que foi conseguido at
ravés dos
estudantes que abraçaram a profissão de naturalistas, embora os seus resultados
não tenham
gerado práticas ou medidas persistentes.
O século XVIII caracterizou-se pela intensa investigação nos domínios da naturez
a
e na formulação de teorias em todos os campos do conhecimento, aos quais se podi
am
aplicar os métodos matemáticos. As teorias que tentavam explicar o funcionamento
do
organismo humano sofreram influência de Descartes e Galileu (Ibáñez & Marsiglia,
2000:63), por meio de leis mecânicas. Os sólidos e líquidos que formavam o corpo
humano
estavam sujeitos às leis da mecânica e da física e as funções do organismo eram
resultado
de reações químicas decorrentes das fermentações, destilações, efervescência e
alcalinidade. O corpo humano foi medido, dissecado, explorado e explicado como u
ma
máquina complexa. Outros fatos foram fundamentais para a medicina do período: a
nova
anatomia, a obra de Paracelso, a elevação da cirurgia à categoria de ciência por
Ambroise
Pare e a descrição da circulação do sangue mediante observação quantitativa por
William
Harvey (Gordon, 1996).
Este texto dá enfoque as Enfermidades de Mato Grosso, na visão de Alexandre
Rodrigues Ferreira, viajante naturalista fruto do Iluminismo em Portugal. Distan
te da
metrópole, com uma botica européia escassa aprendeu e se apropriou de recursos d
a terra,
durante a sua Viagem Filosófica ao Amazonas e Mato Grosso.
No primeiro capítulo, Desvendamento do mundo aponto as mudanças ocorridas na
Europa com o colapso da sociedade feudal e a afirmação econômica e social do cap
ital
mercantil, em oposição aos poderes da Igreja. O século XVII foi marcado pelo
desenvolvimento científico na Europa Central e Setentrional e Portugal participo
u mais
tardiamente desse processo. Na Idade Média o ensino estava restrito às escolas e
scolásticas,
o Renascimento trouxe mudanças nos costumes e nas idéias. Nascia o experimentali
smo e a
razão passou a explorar a Natureza e o Homem. A racionalidade criou uma forma tí
pica de
organizar a ordem do conhecimento e das coisas. A razão controlava tudo e todos.
O rigor
científico legitimou-se pelo rigor das medições.
Durante o reinado de D. José I, o Marquês de Pombal assumiu a liderança do
governo, implantando o iluminismo em Portugal. Em Portugueses iluminados descrevo
esse movimento de homens e de idéias que influenciou aspectos vitais de Portugal
e de seu
Império de Além-mar. Ocorreu a reforma religiosa, a expulsão dos jesuítas das Co
lônias,
mudanças econômicas e educacionais, com a reestruturação da Universidade de Coim
bra.
Professores estrangeiros foram trazidos para Portugal, dentre eles Domingos Vand
elli,
responsável pela formação dos viajantes naturalistas. A medicina floresceu em Po
rtugal
neste período.
Com a reforma da Universidade de Coimbra, deu-se maior atenção ao ensino das
ciências físicas, matemáticas e naturais. Desbravar, observar, classificar e dom
inar, mostra
a preocupação de Portugal em identificar e catalogar, de acordo com o sistema cr
iado por
Linneu, os recursos de suas colônias.As Viagens Filosóficas no século XVIII fora
m o
resultado desse esforço e a expressão do iluminismo português. A atividade cient
ífica
implicou em custos econômicos, prestígio com outros países da Europa, vantagens
pessoais
e seu produto final foi protegido pelo Estado. Estava criado um campo de disputa
(Bourdieu, 2004:35) que correspondia a duas espécies de capital científico. Por
um lado o
poder político da instituição ligado à produção e reprodução científica e do out
ro, o poder
do prestígio pessoal pelo reconhecimento institucionalizado.
Nascido na Bahia e educado em Portugal, Alexandre Rodrigues Ferreira assumiu a
chefia da expedição científica que viajou pelo interior do Brasil entre 1783 e 1
792. Terra
brasilis traça a sua trajetória na Universidade de Coimbra, sua nomeação para ch
efiar a
Viagem Filosófica ao Brasil percorrendo territórios desconhecidos, realizando es
tudos
etnográficos, encaminhando produtos naturais ao Real Museu de Lisboa e as suas
observações acerca dos objetos de viagem. Durante toda a sua expedição, desde qu
e
desembarcou em Belém do Pará, descreveu as possibilidades econômicas da região.
A sua
atenção também estava voltada para aspectos de salubridade dos ambientes e saúde
das
populações. Chegou a Belém do Para, explorando as suas redondezas e a região do
Rio
Negro e Vila de Barcelos, enquanto aguardava ordens para seguir até a Capitania
de Mato
Grosso. Após enfrentar inúmeras dificuldades de viagem chegou à Vila Bela da San
tíssima
Trindade, capital de Mato Grosso, base de sua expedição por dois anos.
Em Mato Grosso português, relato a sua permanência em Vila Bela e a viagem até
Cuiabá. Durante o tempo em que esteve na região mais setentrional do Brasil, esc
reveu a
monografia Enfermidades Endêmicas de Mato Grosso, como uma retribuição pela acol
hida.
Ao final de quase dez anos viajando pela Amazônia e Mato Grosso, sua missão foi
considerada concluída. Retornou à Belém, voltando para Portugal.
A expedição de Ferreira deixou numerosas memórias sobre a flora, a fauna, os
recursos minerais e as populações indígenas. Herbários guardam as espécies colet
adas;
museus e universidades as coleções dos animais dissecados, as amostras de madeir
as e de
minerais e as centenas de desenhos e aquarelas que compõem o riquíssimo acervo
iconográfico, com registros da flora e fauna, bem como das diversas etnias e ter
ritórios de
fronteira, recém ocupados pelos lusitanos. Como nas demais expedições naturalist
as o
trabalho dos riscadores da Viagem Filosófica ao Brasil era considerado um artifí
cio
auxiliar, subordinado aos objetivos da empreita.
O segundo capítulo, A Arte nos setecentos: exótica e informativa, relata como o
desenho em Portugal do século XVIII era utilizado como documento de viagem e o
desenhador um funcionário do Estado, cuja profissão não era considerada um exerc
ício
artístico. Com o desenvolvimento das ciências naturais o desenho se tornou neces
sário
como um meio auxiliar para o registro visual. Dentre as pranchas de flora produz
idas
durante a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira, encontram-se plantas utiliz
adas na
arte de curar da época como: jambo, jenipapo, limão, abacaxi, tamarindo, etc., b
em como
representações das práticas cotidianas da população.
Para Ibáñez & Marsiglia (2000:50) o olhar historicizante enfatiza ao mesmo tempo
os processos de ruptura e continuidade, considerando os determinantes de cada pe
ríodo.
Mesmo quando uma nova prática social ou uma nova forma de ver o mundo se torna
hegemônica, não são abolidas as formas preexistentes. Chamam a atenção para a
diversidade de concepções que coexistem e perduram nas sociedades como elementos
vivos
a serem considerados. Os estudos antropológicos sobre a saúde e a doença têm apo
ntado a
permanência dos conceitos mágicos, religiosos e empíricos, nas sociedades
contemporâneas, em todos os estratos sociais, fazendo parte de suas representaçõ
es sobre o
processo saúde-doença.
As características da profissão médica em cada época estão determinadas pela
atitude da sociedade ante o corpo humano e por seus valores relativos à saúde e
á doença. O
propósito da medicina tem sido curar a enfermidade e se possível preveni-la, mes
mo
quando as práticas médicas não mantenham coerência com o conhecimento dito
científico . Os curadores sejam eles conhecidos como xamãs, sacerdotes, físicos ou
doutores, necessitam da legitimação social para desenvolvimento de suas práticas
,
permitindo que estas lhes confiram na sociedade um certo controle social através
de
normas, códigos e leis sobre seus atos.
Capítulo I
Desvendando o mundo
Fig 14 Linneu.
Segundo Simon (1983:7) Linneu foi aceito em Portugal como professor por não
desafiar a interpretação eclesiástica ortodoxa da criação, a idade do universo,
nem a origem
do sistema solar. Ele enfatizava que o naturalista deveria conhecer inicialmente
os recursos
naturais de seu país antes de visitar outros lugares e que o completo conhecimen
to desses
recursos e do seu potencial eram a chave para o desenvolvimento econômico.
Domingos Vandelli e outros professores da Universidade de Coimbra influenciaram
os jovens estudantes na escolha de uma carreira que serviria à ciência e à Coroa
simultaneamente. A sua ascendência na Corte permitiu que prometesse colocações
vantajosas junto à Coroa e reconhecimento nos círculos científicos portugueses e
europeus,
aos naturalistas recém formados. A instrução ministrada baseava-se na aprendizag
em do
latim e do grego, do francês, italiano e inglês, da aritmética, geometria, trigo
nometria,
álgebra, óptica, astronomia, geografia e náutica, arquitetura civil e militar, d
esenho e
química (Domingues, 1991:22).
Fig 17 - Fachada Igreja das Mercês Belém, acervo Biblioteca Nacional do Rio de J
aneiro.
O trabalho de Alexandre Rodrigues Ferreira teve início durante a travessia marít
ima
até chegar ao Brasil. Um diário de bordo era mantido por seu assistente Agostinh
o Joaquim
do Cabo, o jardineiro botânico. Chegaram à Belém no dia 21 de outubro de 1783, a
pós 51
dias de viagem. Durante 11 meses percorreram as vizinhanças da capital paraense,
visitando povoações e vilas, explorando rios, embrenhando-se pela selva a procur
a de dados
referentes à História Natural. Os riscadores Codina e Freire trabalhavam na elab
oração de
seus desenhos e gastaram cerca de dois meses para preparar a vista panorâmica da
cidade.
Em dezembro de 1783, Ferreira escreveu ao Ministro Melo e Castro informando
sobre as condições de plantio das sementes de linho de cânhamo (Cannabis sativa)
conhecida como marijuana pelos portugueses, assim como dos progressos obtidos no
cultivo do cacau, índigo, açúcar e café na região do Pará. No mesmo relatório in
formou que
o jardineiro Agostinho Joaquim do Cabo estivera doente por nove dias (Simon, 198
3:26).
As doenças eram o maior fator impeditivo do progresso da expedição, afetando um
ou
todos os membros da equipe, em diversas ocasiões.
Durante o tempo que permaneceu em Belém do Pará deixou registrada a sua
preocupação com o pouco cuidado que os governantes tinham para com a saúde da
população, demonstrando reconhecer à relação entre ambientes insalubres e a pres
ença de
enfermidades. Salientou também a necessidade de se aplicar a quarenta, aos negro
s trazidos
da África. Referiu-se a Belém como
... uma cidade situada em um pantanal, cercada em roda de espessos matos, e quot
idianamente
banhada das águas do mar misturada com as do rio; sendo uma cidade, em cuja extr
emidade existe
um cortume tão nocivo pelos seus vapores e em cujo centro existe um forno de cal
; o que tudo influe
sobre a malignidade da sua atmosphera, particularmente nos mezes em que não rein
am os ventos
geraes: sem embargo de tantas causas juntas, accresce a outra de ancorarem no se
u porto sem
quarentena alguma as embarcações dos transpotes dos escravos, que vêm dos portos
de Cabo Verde,
Bissau, Caxeu, Angola e Benguela. Os lavradores, que os compram, não poucas veze
s levam com
elles para suas casas um contagio geral para todas as suas famílias (Ferreira, 1
983:754).
Seguiu enumerando outros motivos que tornavam a cidade insalubre, como a
presença de um açougue que sangrava os animais e o sangue e o couro ficavam no p
átio ou
na praia, secando ao sol. As immundices das casas eram despejadas nas ruas bem com
o
as cascas de arroz e algodão usados nos engenhos Referiu-se à má fé dos negocian
tes que
comercializavam víveres em mau estado de conservação, prejudicando a saúde dos q
ue
consumiam: não sendo poucas as barricas de farinha, ou podre, ou falsificadas com
gêsso; os vinhos contrafeitos, gessados, ou encorpados com diversas drogas que a
lteram a
saúde dos que os bebem (Ferreira, 1983:755).
A carência de profissionais da arte médica já se fazia notar; enfatizou que os
curativos eram muitas vezes aplicados por quem sem nunca terem freqüentado os
hospitaes, sem terem aberto um livro, e talvez sem saberem ler ; mas acrescentou q
ue
esses empíricos que atuavam no país, possuíam as virtudes das plantas, sabendo d
as
características de cada uma e das suas utilidades nas diferentes enfermidades, p
ossuindo
ervas ocultas e segredos de práticas
... apezar da razão e da experiência, prevalece no estado a reputação, e o curat
ivo dos empíricos, os
quaes affectando de saber o que ignoram, impunemente se constituem árbitros das
vidas, sem outra
carta de approvação na arte, do que a que lhes passa a credulidade da plebe (Fer
reira, 1983:755).
Parte dos deveres de Ferreira foi enviar relatórios freqüentes à Coroa, atestand
o seus
esforços em promover o desenvolvimento econômico de Portugal e do Brasil. O pode
rio
marítimo português necessitava de estoques de materiais navais para manutenção d
e seus
navios mercantes e as cordas feitas a partir dos talos de Cannabis sativa eram p
rodutos
valiosos, assim como as madeiras resistentes e as resinas encontradas no interio
r do
território brasileiro. Em início março de 1784 escreveu no seu diário
Embarquei pelas 10h. da manhã, na diligencia de descobrir sitio apropriado para
a plantação de
Linho Cânhamo, na Conformidade das Ordens, com que fui instruído pelo Ministério
. E achando na
distancia de 1 leg. e ½ abaixo da Cidade, alli me demorei em mandar roçar o mato
e plantar o
referido linho até 3 de Março que me recolhi ao Pará (Roteiro de Viagens que fez
o Dr. Alexandre
Rodrigues Ferreira no Brasil 1783-1793, vol IX nº 2, Rio de Janeiro: Boletim do
Museu Nacional,
1922 apud Simon, 1983:27).
No final de março de 1784 não puderam partir em direção a Capitania do Rio Negro
Fig 25 - Ilha Brasilis, uma ilha com forma semelhante a uma castanha de caju,
na mesma latitude da Irlanda.
O nome América foi adotado em 1507 pelo cartógrafo alemão Martin
Waldssemüller, ao construir um novo planisfério, que incluiu pela primeira vez a
terra
recentemente encontrada (Belluzzo, 2000:18). O nome do lugar nasceu do desejo de
superar o âmbito lendário, instaurado pela suposição da existência utópica de il
has e
passagens, pela descoberta de terra firme e pelo encontro de um continente habit
ado. A
idéia de um novo mundo até então desconhecido era diferente da representação con
stituída
que predominava no mundo europeu da época.
A descoberta das Américas abriu as portas para um novo tempo; somava às já
conhecidas Ásia e África, uma nova porção do globo. Os descobridores buscavam tr
aços
asiáticos nos índios que aqui encontraram, procurando associar o que viam com as
narrativas de outros exploradores medievais, que no século XIII e XIV percorrera
m a Ásia
e a região do Índico. Todo um universo imaginário acoplou-se ao novo fato, os eu
ropeus
procuravam a confirmação do que já sabiam. Numa época em que ouvir valia mais do
que
ver, os olhos enxergavam primeiro o que se ouvia dizer; tudo quanto se via era f
iltrado
pelos relatos de viagens fantásticas, de terras longínquas, de homens monstruoso
s que
habitavam os confins do mundo conhecido. Aos poucos, as evidências da novidade
cresceram sobre o acervo milenar do imaginário europeu, destruindo sonhos e fant
asias. O
pensamento medieval se somou ao aventureiro de uma nova era, a das navegações e
das
descobertas, aonde o hábito de ouvir se aliou ao de ver. A serviço da descoberta
do mundo,
o olhar começou a crescer sobre os outros sentidos, captando e aprisionando o ra
ro, o
estranho, o singular, que anteriormente havia também captado a atenção do mediev
al. Os
sentidos deram origem a novas narrativas de viagens (Souza, 2005: 22-23).
Os portugueses pouco influenciaram a formação da geografia fantástica do
Renascimento e dos mitos da conquista, que proliferavam na cultura quatrocentist
a e
quinhentista sob o impulso das navegações. Grandes navegadores, donos de uma vis
ão
predominantemente pragmática do mundo, deixam transparecer em seus desenhos o te
or
mais descritivo e a observação voltada para fins práticos das rotas marítimas. M
estres das
cartas náuticas buscaram a realidade geográfica e as medidas de precisão que lhe
permitisse
navegar, mostrando-se menos propensos à elaboração simbólica (Belluzzo, 2000:19)
.
Fig 27- Fera que vive de vento, Frei André Thevet 1575.
No saber do século XVI a inquietação provocada pelas coisas estranhas feitas pel
a
natureza, correspondia a uma indagação sobre o lugar dos seres em uma escala de
classificação. A proximidade e a distância, a união ou a separação, entre homens
e animais
era, naquele tempo, interpretado por princípio de semelhança.
O olhar lançado pela cultura européia em fins do século XVI e XVII para a terra
e
para o índio americano, enquanto objetos de desejo e cobiça, era um misto de cur
iosidade e
impulso de conhecimento, correspondendo a intenção de posse e conquista.
A primeira conquista européia da América do Sul limitou-se a faixa costeira e ju
nto
aos rios, região que fornecia um grande número de diferentes e adequados recurso
s naturais
para a ocupação humana. Os nativos viviam como caçadores, coletores, pescavam e
tinham
roças de subsistência. Não tinham desenvolvido um sistema de escrita. O conhecim
ento que
se tem das suas culturas vem das descrições e desenhos dos viajantes, missionári
os e
administradores coloniais da Europa e mais recentemente das pesquisas arqueológi
cas e
antropológicas. Os textos históricos eram impregnados de referências culturais,
políticas e
religiosas européias, que influenciavam as interpretações do que se via e se pra
ticava.
Debuchos e aguadas
As primeiras imagens sobre a terra americana circularam no início do século XVI,
através das gravuras que acompanhavam as cartas de Américo Vespúcio, difundidas
na
forma de folhetins. Além do Atlântico tudo era lenda e por isso o testemunho dos
viajantes
passou a adquirir foro de verdade e as imagens que suscitavam eram tidas como ev
idências.
O grande interesse despertado pelas notícias de viagem foi confirmado pelo
aparecimento de várias edições das cartas em cidades européias. Cada nova versão
era
enriquecida por ilustrações encomendadas pelos editores. Sem dúvida, as imagens
brotavam dos textos e mesmo aqueles que admitiam a irredutibilidade do visível à
palavra,
não ignoravam as infinitas relações possíveis entre ambos (Beluzzo, 2000:18). Co
m a
descoberta do novo continente, os europeus foram obrigados a repensar a própria
cultura e
rever as bases sobre as quais ergueram a sua visão de mundo.
A literatura que surgiu a partir do encontro da Europa com o continente American
o
e através das viagens foi responsável pela divulgação das representações de um o
utro
mundo, versados em imagens literárias e visuais, sucessivamente traduzidas e int
erpretadas.
Documentos chegavam à Europa fornecendo uma visão geral sobre a fauna, a flora
e os habitantes de remota e muito formosa terra do Brasil (Dresden s/d, apud Teixe
ira,
2002: 168) que até então permanecia legendária para a grande maioria dos europeu
s. A
irresistível atração dos seiscentistas pelo exótico e pelo desconhecido constitu
ía um fio
condutor para interesses acadêmicos e/ou políticos, voltados para a divulgação d
as
maravilhas do Novo Mundo. Inclusive para uma esfera mais popular, em sua maioria
composta por indivíduos pouco letrados no latim dos eruditos e nas preocupantes
e
intrincadas questões filosóficas suscitadas pelas descobertas no outro lado do o
ceano. Estes
relatos forneciam um valioso contraponto às opiniões de nobres e doutores, que s
e
debruçavam sobre a natureza americana, em suas mesas de gabinete. Revelavam aspe
ctos
únicos e por vezes insuspeitos sobre animais, plantas e os habitantes dessas lon
gínquas
terras do além-mar. Também contribuíam para diminuir a distância usualmente obse
rvada
entre o escrito do letrado e o simples relato descritivo, sem qualquer pretensão
teórica,
constituindo uma alternativa bem mais próxima daqueles que como o aventureiro
preocupavam-se em exibir o desconhecido e o exótico, para um público capaz de va
lorizar
os esforços do leigo.
Os primeiros artistas treinados que fizeram imagens do Brasil, registrando uma
iconografia das pessoas e da natureza do Novo Mundo foram Albert Eckhout e Frans
Post.
Vieram ao Brasil junto com o Conde Johan Maurits van Nassau-Siegen, partindo do
porto
de Texel a 25 de outubro de 1636, que assumiu o posto de governador do Brasil Ho
landês.
Trazia também sob o seu comando uma missão científica que além dos dois pintores
contava com o latinista e poeta Franciscus Plante, o astrônomo e naturalista Gre
og
Marcgrave, o médico Willevan Milaenen e o médico e naturalista Willen Pison. Tin
ham
eles a tarefa de documentar a flora, a fauna e os habitantes da terra sob as ord
ens da
Companhia das Índias Ocidentais, nos territórios conquistados na faixa nordestin
a do litoral
brasileiro, compreendendo atualmente desde o Estado de Sergipe ao Estado do Mara
nhão.
Nassau sabia que não iria somente administrar uma colônia holandesa, mas múltipl
os
interesses que englobavam artes e ciências naturais. Estava ciente da inexistênc
ia de
documentos consistentes sobre essa parte do globo e tencionava empreendê-la com
os
profissionais que reuniu.
Para registrar as realizações do seu governo, preservar em tela a paisagem e a
topografia da conquista, bem como os feitos militares, a arquitetura militar e c
ivil do Brasil
Holandês, o Conde de Nassau contou com o pintor Frans Post. Para documentar a na
tureza
e retratar figuras de nativos habitantes do Brasil e originários da África, vege
tais, animais,
naturezas-mortas e outros trabalhos destinados à divulgação científica com Alber
t Eckhout
(Silva, 2002: 68).
Os retratos etnográficos dos povos sob o comando de Nassau e as naturezas-mortas
,
exibiam a rica variedade de produtos agrícolas cultivados na Colônia, representa
ndo a
fecundidade do país e o sucesso da agricultura colonial. Os produtos comestíveis
exibidos
nos trabalhos incluíam a mandioca, legumes e vegetais mais comuns na Europa, sug
erindo
que o exotismo não era o critério mais importante evidenciado e que os produtos
agrícolas
de além-mar também eram cultivados. Representavam a abundância natural do Brasil
(Brienen, 2002:89). Esses retratos deram apoio ao governo de Nassau no Brasil, a
o
revelarem um país próspero e seus frutos, bem como seus súditos, aliados e colon
izados,
mas produtivos.
Fig 31- Cachoeira de Santa Roza do rio Guaporé, acervo Museu Bocage
A tarefa de reconhecimento dessa arte de viagem, o desenho topográfico e de
História Natural afastou o sentimento pitoresco pré-romântico. O trabalho em equ
ipe
procurava a exatidão informativa que permitiu uma leitura à distância, um melhor
conhecimento e estudo do objeto descoberto, impossível de acontecer "in loco". P
or outro
lado, aguçou a curiosidade individual na projeção de um universo de sensações e
emoções
que procurava o raro, o exótico, na nova forma do simbólico expressar-se, excluí
do pela
"razão" (Farias, 2001).
Os artistas eram orientados a copiar exatamente a Natureza, sem acrescentar
nenhuma liberdade de recurso produzido pela imaginação. Existiu a prioridade inf
ormativa,
não esquecendo um apuro e equilíbrio plástico. As representações gráficas permit
iram o
acesso de um novo público ao mundo das ciências, facilitando o acesso à informaç
ão,
desenvolvendo-se um novo modelo de aprendizado, aproveitando sua capacidade de
comunicação para um maior entendimento de matérias difíceis como matemática e fí
sica,
transformando-as em diversão, ficando assim o desenho consolidado no campo da
pedagogia.
Desenhar passa a ser um misto de luxo e necessidade, contemplação e produção,
onde o artista era o produtor de imagens e o produtor intelectual devendo, pois,
ser um
homem instruído e erudito. Instruído em quase todos os ramos do conhecimento hum
ano:
filosofia, matemática, geometria.
Fig 32 Tuiuiú, acervo da Casa da Ínsua.
Estas equipes de registro eram formadas por desenhadores e naturalistas, pela
necessidade múltipla de formação teórica e prática: a seleção do objeto, classif
icação,
desenho e iluminação, localização geográfica, etc. Para Maria Odila Dias (apud B
eluzzo,
2000:62) em meados do século XVIII o cientista era considerado um homem de ação,
voltado para a solução dos problemas humanos da terra, dando grande impulso às c
iências
naturais e mecânicas.
Havia uma produção artística através da observação minuciosa e direta do objeto,
que permitia a conservação do valor documental da imagem, superando as descriçõe
s do
naturalista. Os desenhos apresentavam a vantagem de serem imutáveis em relação a
o
sistema de classificação das espécies, que tanto mudou entre 1623 e 1750. As esp
écies nem
sempre se desenvolviam convenientemente nos Jardins Botânicos para onde eram lev
adas,
além da precariedade dos herbários, aumentando a importância dos desenhos.
Fig 33 Siriema, acervo Museu Bocage.
A iconografia da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira tinha por
finalidade registrar os conhecimentos botânicos, geográficos, zoológicos, para u
ma nova
abordagem a cerca do homem natural do Brasil, de sua organização e de suas práti
cas. Seu
papel era garantido pelas condições oferecidas por Portugal para o aprimoramento
científico, notadamente pela presença de Domenico Vandelli na Universidade de Co
imbra,
difundindo o Sistema de Classificação de Lineu, com a fundação de um Museu de Hi
stória
Natural e um Jardim Botânico, na mesma Universidade. Tratou-se de um projeto de
aproveitamento dos recursos naturais com apoio da ciência. Uma política do Estad
o,
comandada pelo Marques de Pombal, que solicitou aos governadores das Capitanias
do
Brasil a exploração de recursos capazes de abrir caminho para o comércio portugu
ês,
estudando a flora brasileira e estimulando as ciências naturais.
Fig 34 Cachoeira do Sato do Theotonio, acervo do Museu Bocage.
As imagens produzidas durante as expedições podiam ter utilidade lúdica, ser
notícia de diversão, didática, ou deleite visual. Os desenhos podiam ser documen
tais,
destinados a publicação, como os que versavam sobre antropologia, botânica e zoo
logia; ou
serem sigilo político e confidenciais como os que retratavam as fortalezas, pres
ídios, cartas
geográficas, as atividades econômicas, como a exploração de minas. A grande vant
agem
dos desenhadores in loco era poder observar diretamente seu objeto, ao contrário
dos
artistas de gabinete que necessitavam basear seus desenhos em testemunhos de out
ros.
A técnica de escolha empregada foi a aquarela, pela vantagem de execução
apresentada em relação às outras técnicas, tais como a pintura a óleo. Os desenh
os
aquarelados ou aguadas apresentavam pouca dificuldade de execução, sendo facilme
nte
transportados depois de executados, dada sua leveza, maleabilidade do suporte e
baixa
densidade de tintas. Era também o meio mais aceito para fixar as imagens que se
destinavam a se tornar gravuras, finalidade presente em todos os projetos que pr
eviam um
componente editorial.
Na produção gráfica de algumas viagens, em especial a de Alexandre Rodrigues
Ferreira, nota-se a grande amplitude cromática utilizada, traduzida na flexibili
dade da
técnica e material utilizado, demonstrando o grau de habilidade dos desenhadores
em
registrar fielmente as espécies zoológicas e botânicas, aplicando as cores primá
rias mesmo
com a restrição de suas "paletas" (Faria, 2001).
Freire e Codina (desenhadores de Alexandre Rodrigues Ferreira) usavam
basicamente as seguintes tintas para a produção das cores primárias: vermelho ca
rmin e
vermelhão, azul, anil, amarelo, acrescentando ocre como alternativa; verde-bexig
a, verdete
e verde monte. Acrescentou-se a esta gama de tintas o nanquim ou china e o alvai
ade,
respectivamente negro e branco. As de maior uso eram a tinta da china, o carmin,
a aguada
de rios, o rohao, o Bistre, o verde-bexiga, o verde-lírio, o anil-fino, o vermel
ão e a aguada
de tabaco (Farias, 2001:180).
Fig 40 - Botica
As então consideradas práticas médicas mais utilizadas naquela época consistiam
em sangrias, através da aplicação de sanguessugas ou da realização de flebotomia
s;
medicamentos que favorecessem as eliminações orgânicas, eméticas, purgativas e
sudoríficas; remédios para febre; banhos mornos; dieta enfrequecedora e escoriaç
ões. Por
vezes os tratamentos atuavam tão violentamente no paciente que o levavam ao óbit
o.
Segundo a teoria aceita na época, o doente morrera curado .
Já Ferreira (1966:44) afirmou que tanto no Brasil como nas outras colônias
portuguesas situadas nos trópicos, cortadas por rios caudalosos e cobertos de ár
vores
altíssimas, os efeitos do clima podiam ser notados nas qualidades do céu e do ter
reno e na
fisionomia dos que aqui viviam: a côr, em quase todos os filhos dos Brancos, ou s
ejaõ
taes, ou Mamelucos, he macilenta, as vezes débeis e dezentoadas; e todos eles oc
iosos, e
negligentes .
Descreveu que o clima era inconstante, chovendo durante todo o ano, mesmo nos
dias mais serenos. Com as chuvas contínuas, depois do mês de março, os rios
transbordavam alagando as margens, trazendo consigo uma imensidão de árvores e
animais. Quando as águas retornavam ao leito deixavam os campos cobertos de char
cos,
aonde os corpos de peixes e animais apodreciam com o calor, gerando uma imensidã
o de
insetos e exalações podres, que tomam conta da atmosfera.
Destes vapores provinham as febres pestilentas chamadas Carneiradas: nas Minas
de Matto Grôsso, Cuyabá e de Goyaz. Da mesma origem vinham outros males, tão com
uns
a todo o Brazil como são os Insetos mais nocivos á saúde e outras mollestias vul
gares
(Ferreira, 1966:45).
As representações acerca do
conhecimento dos agentes etiológicos e
as formas de contágio das doenças faziam
acreditar que as dificuldades de
aclimatação dos colonos portugueses
fossem as propriedades físicas do ar, das
águas e dos terrenos nas regiões tropicais,
quando os obstáculos eram as doenças
endêmicas como as febres palustres,
desinterias e hepatites
no tempo dos calores, as diarréias e as dysenterias apparecem e são mortaes; e q
uando mais a sezão
dos calores estiver avançada, maiores estragos fazem aquella doenças; porque os
ardores do Sol tem
apodrecido já aquellas matérias das enxurradas e estão já todos tão subutilizada
s e espalhadas pela
atmosphera, ninguém se pode preservar da sua violência; reynão febre intermitten
tes, mas de
natureza tão maligna, que se terminão ordinariamente por Hydropezias, e estas co
m a morte; muitas
vezes se convertem em febre ardentes com delírios, e morrem por parótides, pinta
s e carbunculos
(Ferreira, 1966:45).
A precariedade e a provisoriedade do modo de vida da população colonial fez com
que as ações sanitárias desse período fossem poucas ou inexistentes. Algumas int
ervenções
começaram a ser realizadas em meados do século XVIII, privilegiando os centros m
ais
dinâmicos da economia, como as cidades litorâneas e as ricas cidades das Minas G
erais
(Rezende & Heller, 2002:67). Apenas uma parcela reduzida da população tinha aces
so às
melhorias como aquedutos, chafarizes para o abastecimento de água e o trabalho e
scravo
para a coleta de dejetos. Não conseguindo conter a insalubridade nas cidades, es
tas se
transformaram em espaços freqüentes para epidemias. As mais antigas obras de san
eamento
no Brasil datam da permanência de Maurício de Nassau (1637-1644), durante a ocup
ação
holandesa no nordeste. As ações foram realizadas a partir de conhecimentos sobre
a
transmissão de doenças de acordo com a Teoria dos Miasmas e pretendiam resguarda
r a
salubridade da cidade.
Aristóteles conferia às entidades materiais alguns atributos que lhes seriam
inerentes: a natureza destas entidades; de modo que seria da natureza dos pântanos q
ue
determinava a malária ou das prisões determinava a febre das prisões (tifo exant
emático).
Este atributo dos lugares serviu por muitos séculos como o paradigma para a expl
icação das
endemias (Silva, 2000:142).
Miasma queria dizer mancha, trazia o significado de poluição. Existia em
determinados locais e manchava aqueles que entravam em contato, alterando seus
humores. Muitas das medidas eficazes de saúde pública, tomadas no século XIX e i
nício do
XX possuíam uma base miasmática: a legislação visando à melhoria das habitações
do
proletariado inglês, o saneamento das cidades, etc (Tesh, 1982 apud Silva, 2000:
142).
Águas, ares e lugares
Quando desembarcou em Belém do Pará, Alexandre Rodrigues Ferreira observou as
condições precárias da cidade que facilitavam o aparecimento de enfermidades. Na
s
ocupações urbanas encontradas à beira dos rios amazônicos, a sua atenção se volt
ou para a
qualidade da água e o destino dos dejetos, procedimentos que estavam longe dos i
deais
sanitários, mesmo para a época. Notou que as águas das enxurradas que escorriam
da
cabeceira dos rios levavam consigo partículas térreas, salinas, sulfúreas e metá
licas,
abundantes nas serras e que tornavam as águas dos rios ainda mais turvos e, que
a
população local
bebem da quellas agoas, logo que as tirão dos rios, sem esperarem, que assentem
nos potes, de hum
para outro dia, depõem no ventrículo, de cada vez que as bebem, hum sedimento té
rreo, o qual
obstruindo os orifícios dos pequenos vasos, anuncia pela Colorosis a obstrução,
que todo o mundo
sabe, que he hum seminário de outras queixas, em que degenera, como são as Palpi
taçoens do
Coração, as Cardealgias, e Icterícias, a Hydropezia, e Cachexia, etc. (Ferreira,
1966:45).
Acrescentou ainda que as populações que ocupavam as povoações situadas nas
margens dos rios contribuíam para a má qualidade da água que bebiam, despejando
nela
sem cautela todos os dejetos, colocando em risco suas vidas. Citou o exemplo do
uso da
mandioca, que colocada de molho no porto das roças, quando cru, produzia um suco
mortal.
Acusava o ar de causar enfermidades, principalmente pelo efeito do calor, que
dissipava a porção mais espirituosa do sangue , saindo pelo suor, transpiração e ur
ina,
ficando no corpo um sangue seco, térreo e espesso, que dava origem as melancolia
s, a
lepra, aos vômitos pretos, as câmaras de sangue, as febres ardentes e outras (Fe
rreira,
1966:46).
No século XVIII o ar era considerado um fluído elementar que entrava na textura
dos organismos vivos. Todos os mistos que compunham o corpo, fluídos ou sólidos,
ao se
desfazerem deixavam escapar ar. Considerava-se que o ar agia de múltiplas maneir
as sobre
o corpo: por simples contato com a pele ou com a membrana pulmonar, por substitu
ições
através dos poros, por ingestão direta ou indireta, uma vez que até os alimentos
continham
uma porção de ar, que podia impregnar de início o quilo e em seguida o sangue (C
orbin,
1987:19). Ferreira lembrou que nas regiões alagadas das margens do Guaporé, por
ocasião
da vazante, o ar ficava comprometido, por que os fossos ficavam cheios de cadáve
res de
quadrúpedes, peixes, anfíbios, insetos e vermes, que misturados às folhas e frut
os que
caiam das árvores, apodreciam. Ficavam lá a espera que o sol as volatizasse e as
espalha
pela atmosphéra. Em quanto se não espalhaõ, fica o ar demaziadamente denso, priv
ado da
sua elasticidade, e incapaz de entrar nos pulmoens; o que cauza diversas enfermi
dades
(Ferreira, 1966:47).
Por suas qualidades físicas que variavam segundo as regiões e estações do ano,
acreditava-se que o ar regulava a expansão dos fluídos e a tensão das fibras, ex
ercendo uma
pressão sobre o organismo. Essa pressão tornaria a vida impossível caso não se t
ivesse
instaurado um equilíbrio entre o ar externo e o interno. A temperatura e a umida
de do ar
exerciam influência imediata sobre os corpos. O calor tendia a rarefazer o ar de
terminando
um relaxamento e alongamento das fibras, principalmente das extremidades que inc
havam.
O organismo inteiro sentia fraqueza ou abatimento. Ao contrário, o ar frio contr
aia os
sólidos, retesava as fibras, condensava os líquidos, aumentando a força e a ativ
idade do
indivíduo. O ar refrescava o sangue e com isso regulava a transpiração sensível
bem como
a insensível.
No período em que permaneceu na região de Vila Bela, a então capital da Capitani
a
de Mato Grosso, Ferreira pôde perceber os períodos de chuva, cheia, vazante e es
tiagem do
rio Guaporé e as enfermidades que apareciam com estas variações climáticas:
principia á chover pelos fins de Novembro, e continua até Março, porém saõ chuva
s interpoladas, e
ao verdadeiros mêzes chuvosos, saõ os de Janeiro e de Fevereiro [...] pelo meado
de Março, se
declaraõ os da Vazante. Na margem onde está situada a capital, a enchente sobe o
rdinariamente [...]
as enfermidades, que então aparecem, são principalmente muitas febres intermiten
tes, e Catharraes,
porem sem aquella malignidade, que trazem as do Estio. De Março por diante, até
os fins de Julho, e
algumas vezes athe Septembro, reinaõ de quando em quando as friagens, que traz o
Sul, e são
grandes os estragos que fazem. Com estas súbitas variaçoens da atmosphera muito
se altera a saúde
dos habitantes. Por aquelle tempo o ordinário calor do Clima, a todos elles traz
, lânguidos, por que
lhes promove huma mais copiosa transpiração. Conseguintemente nenhum anda aperce
bido contra
estes frios irregulares. [...] em se avançando mais o sezão do Estado, que com o
calôr do Sol se tem
exaltado e espalhado pela atmosphera os vapores podres das margens dos Rios dos
Lagos, e das
terras inundadas saõ infalíveis as Carneiradas. Constaõ da peior sorte de Febres
podres, malignas, e
intermitentes; de Corrupçoens, Garrotilhos, Pontadas, Dessenterias, e outras mol
éstias, que triumfaõ
da disposição mais robusta, e da vida mais regulada. (Ferreira, 1966:50-51).
Aproveitou também para enumerar as desvantagens da cidade de Vila Bela, que
mesmo sendo regular, apresentava ruas estreitas faltando calçamento, que ficam
encharcadas com as chuvas, com porcos vagando por elas e abrindo charcos para se
deitarem. As casas eram alinhadas e térreas, com paredes de adobe e cobertas de
telhas vãs,
com janelas pouco rasgadas cobertas por esteiras, que chamavam de Gurupemas,
tornando-as escuras e pouco ventiladas. Durante o período de chuva e cheia do ri
o Guaporé,
a vila permanecia rodeada de água e algumas casas nas margens ficavam ilhadas, c
om a
comunicação interrompida se não tivessem barcos. E se não fossem os altos baldra
mes de:
pedra Tapayun acanga sobre que estão edificadas, á muito já, se teriaõ demolido [..
.]
quando são cheias extraordinárias (Ferreira, 1966:50). Enfatizou a perigosa alter
nância
entre calor e umidade presente na Capitania de Mato Grosso, que facilitava o apa
recimento
de enfermidades, sendo elas: as febres; a Obstrução, a Hydropezia, o Escorbuto; a
Catharral, o Pleuriz, a Constipação, o Tenesmo, as Hemorróidas, a Dysenteria, a
Corrupção, a Sarna; a Empimgem, o Bócio, e outras (Ferreira, 1966:55). Com o regi
stro
de tantas e temerárias enfermidades a Capitania de Mato Grosso passou a ser conh
ecida
como um lugar para se evitar. Não era de se estranhar à dificuldade de arregimen
tar braços
para proceder às viagens, como aconteceu com freqüência, no período em que Alexa
ndre
Rodrigues Ferreira liderou a Viagem Filosófica .
Ao findar a primeira parte de seu manuscrito Ferreira fez uma longa descrição do
s
procedimentos para obtenção de salitre, utilizados na farmacopéia e como compone
nte para
a fabricação da pólvora.
A matéria médica
No final do século XVII a anatomia tinha feito grandes progressos; a química já
havia chegado a Europa; o mercúrio já era considerado o medicamento por excelênc
ia da
lues (sífilis). O século XVIII assinalou a volta dos caminhos indicados por Hipó
crates e da
observação anatomo-patológica, a era da medicina sistemática. Da observação pass
ou-se à
experimentação na patologia, na farmacologia e na verificação experimental da aç
ão dos
medicamentos.
Para a medicina, o século XVIII iniciou com uma descoberta importante o
termômetro, inventado por Celsius, em Upsala (Araújo, 1952:12). Foi nesse grande
centro
universitário escandinavo que Linneu deu à botânica uma feição científica sistem
atizada,
estabelecendo a classificação metódica de três reinos da natureza e incentivando
através de
suas lições e de seus discípulos a pesquisa e a classificação das espécies veget
ais em todo o
mundo. Numerosas foram as drogas vegetais que passaram a enriquecer a matéria mé
dica
(o conjunto de todas as substâncias empregadas para debelar as doenças), ou a te
r mais bem
fundamentadas suas indicações. Entre outras: o ruibarbo, as flores de arnica, a
menta, o
hipérico, o aloés, o benjoim, a manteiga de cacau, a podofilina, etc.
A química registrou progressos. Na Alemanha, Stahl descreveu sua teoria dos
flogísticos que Lavoisier destruiu com a demonstração de que a respiração, como
toda
combustão, importa em consumo de oxigênio atmosférico (Araújo, 1952:13). Numeros
as
substâncias, elementos, ácidos, sais, compostos orgânicos foram estudados naquel
e século:
o cloro, o hidrogênio, o oxigênio, o zinco, o cobalto, os ácidos bórico, arsênic
o, úrico,
cianídrico, etc; o permanganato de potássio, a preparação do carbonato de magnés
io, a
glicerina, a síntese do éter, o açúcar de beterraba, etc.
A farmacologia enriqueceu seu arsenal com numerosas preparações químicas e
galênicas, como o sal de Seignette, o quermes mineral, o espírito volátil do sal
amoníaco, o
espírito de vinho retificado, as flores de zinco, o emplastro divino, o xarope d
e chicória, o
láudano, o extrato de gengibre, os pós de Dower, perfumes e licores de mesa (Ara
újo,
1952:13).
Por toda a Europa foram publicados tratados de matéria médica, onde a descrição
sistematizada, a classificação, a análise química, a história, o uso dos medicam
entos passou
a ser estudado à luz dos conhecimentos científicos disciplinados. Na ocasião Hah
nemann
descreveu a homeopatia.
Os progressos feitos pela medicina e pela farmacologia na Europa demoravam a
chegar no Brasil, onde o exercício da profissão encontrava-se defasado pelo cont
ato escasso
com o mundo europeu. O ensino dessas matérias só teve início na Bahia e no Rio d
e Janeiro
na primeira década do século XIX, com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil
em 1808.
Em 1772 ainda se afirmava no Brasil que sezões se curam com alho e pinga . Na ocasi
ão
a carência de médicos e de outros profissionais da arte de curar no território b
rasileiro era
grande, bem como a presença de outros com pouca habilidade. Recorria-se então ao
s
práticos da terra, o que levou o Bispo D. Caetano Brandão a aconselhar que melhor
curar-
se a gente com um tapuia do sertão, que observa com mais desembaraçado instinto,
do que
com médico de Lisboa (Araújo, 1952:17).
A matéria médica foi instrumento importante como fonte de referência para
curadores licenciados, barbeiros sangradores e missionários. Ia a terapêutica da
s rezas e
benzeduras às cascas amargas, às raízes, à batata de purga, aos vomitórios de pi
nhão, às
folhas de fumo, à caroba, ao fedegoso, à copaíba e a outros singelos recursos há
muito
guardados na tradição oral. Na época as seguintes drogas eram importadas da metr
ópole:
mercúrio, sal amoníaco, enxofre, goma arábica, cânfora, metais, álcalis, etc.
O arsenal terapêutico, a botica, a matéria médica do século XVIII, registraram
grande diferença daquela dos séculos precedentes. Américo Pires de Lima (1948 ap
ud
Araújo 1952:21) assinalou sobre as boticas do doutor Alexandre Rodrigues Ferreir
a que
embora ainda se encontre a célebre teriaga como antídoto, o sal de víboras e o de
losna,
nota-se a quase absoluta ausência do delírio polifarmacêutico e outros arcaísmos
. O
progresso acusado é perfeitamente nítido . As observações de Ferreira foram mais t
arde
utilizadas pelos que viriam a ocupar a região. Causa admiração o fato do natural
ista já na
ocasião fazer uso do termômetro para verificação das febres, instrumento de desc
oberta
bastante recente.
Alexandre Rodrigues Ferreira iniciou sua matéria médica tratando das febres,
mencionando que o importante era saber distinguir os seus vários tipos, os sinai
s que
apresentavam, os efeitos que produziam, combinando estas com outras experiências
adquiridas do lugar onde se está: o TEMPO; o gênio ENDÊMICO, ou EPIDÊMICO
reinante, etc (Ferreira, 1966:62).
Descreveu as enfermidades e o curativo europeu e americano (usou esta
denominação para se referir aos nativos da região), ressaltando que por todo o B
rasil e
principalmente pelos sertões, a maior parte dos enfermos eram índios e mulatos q
ue não
sabem informar, nem como nem quando, lhes principiaõ as febres; e muito menos gu
ardar
os preceitos da Arte: Vem este á ser hum dos primeiros obstáculos, que encontra
o seu
promto Curativo; se he que departe do Assistente não suppre a experiência, e o C
ritério
Médico (Ferreira, 1966:62).
Fig 8 nº 52 - Tamarindos.
................................................................................
...... pg 22
COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 72.
Fig 25 - Ilha Brasilis. Portlan chart of the Mediterranean Joan Oliva, c. 1610.
...... pg 72
54 x 94,7 cm. Mapa pertencente à Cid Collection, em comodato com Instituto Cultu
ral
Banco Santos.
MICELI, P. (org.). O tesouro dos mapas: a cartografia na formação do Brasil. São
Paulo:
Instituto Cultural Banco Santos, 2002. pg 70.
Fig 33 Siriema (esta legenda em tinta preta ladeia anotação a lápis, bastante
apagada). Exemplar de Cariana cristata (Linneu, 1766).
........................................................ pg 85 Fólio 75r. Folha
345 x 235
mm, figura 205 x 167 mm. Aquarela pertencente ao acervo do Museu Bocaje
da Universidade de Lisboa.
FERRÃO, C.; SOARES, P.M. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues
Ferreira. s.l: Kapa Editorial, 2002. Vol. I pg 182.
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora Spal
a, 1986.
pg 271.
Fig 51 Synimbu/Tijuasú, Frei Christovão de Lisboa. .............................
............ pg 137
Desenho a pena e lápis, 30 x 32 cm do manuscrito de Frei Christovão de Lisboa, H
istória
doa animais e árvores do Maranhão, Lisboa 1624, fólio 72. Arquivo Ultramarino, L
isboa,
Portugal.
BELUZZO, A. M. M. O Brasil dos viajantes. 3ª edição São Paulo: Fundação
Odebrecht Metal livros/ Objetiva, 2000. pg 46.
Fig 52 Jenipapo (Genipa americana) árvore que fornece madeira de grande
durabilidade e com múltiplas aplicações. A casca tem efeito purgativo. As
folhas são antidiarréicas e os frutos usados no fabrico de sucos, doces e
licores......................pg 140 Acervo da casa da Ínsua
ADONIAS, I. Fauna e flora brasileira: século XVIII. Rio de Janeiro: Editora
Spala, 1986. pg 241.
Fig 53 nº 39 Mamoeiro.
................................................................................
... pg 144
COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 76.
Fig 54
Ananás..........................................................................
............................. pg
146 COSTA, J. (Org.). Zoologia e botânica no Brasil: desenhos de história
natural. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto. 2000. pg 79.
Fig 58 Detalhe de uma embarcação usada nas viagens pelo rio Madeira. Vistas das
cachoeiras do Rio Madeira, Freire...............................................
.............................pg 168
Desenho aquarelado sobre papel pertencente ao espólio de Alexandre Rodrigues Fer
reira
(1783 1792). Arquivo Histórico do Museu Bocage da Universidade de Lisboa. FARIAS
,
M. F. A Imagem útil. Lisboa: Gráfica Maiadouro, 2001. pg 182.
Bibliografia
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ALEGRE, M.S.P. Reflexões sobre iconografia etnográfica: por uma hermenêutica vis
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In: FELDMAN-BIANCO, B. & LEITE, M.L.M. (org.) Desafios da Imagem: fotografia,
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