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PÉ-DE-VENTO NA LIXEIRA
(Voz Off) A nortada do fim de tarde punha a lixeira em estado de sítio. Tudo
começava com uma guerrinha entre o frigorífico ferrugento e a garrafa de
plástico.
(Pacote de leite) - (Enjoado com a discussão e com o cheiro a azedo que ele próprio
emanava) O quê? Já começaram outra vez a discutir?
(Lista telefónica) – (com voz afectada, tentando ver-se ao espelho através do reflexo
de uma lata de sardinhas gordurosa) Deixem-se disso, já sabem que a
nortada não poupa ninguém.
(Computador portátil) – (gritando antes de levar com um jornal voador no monitor, que
lhe tapou momentaneamente as vistas para a lixeira) Cala-te, ó vaidosa inútil.
(Sanita) - São todos muito finos! Onde é que vocês pensam que estão? Num
palácio, é? (Em tom de líder político) Em vez de andarmos para aqui em
conversas da treta o melhor era vermos o que é que podemos fazer para
melhorar a situação.
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(Ovos podres) – (pestilentos) Contem connosco para o que for preciso. Mas o que
é podemos fazer?
(Lista telefónica) – (Reclamando) Quer dizer que, por causa de vocês é que vou
ser sacrificada? Vou ter de cortar as minhas folhas e estragar o meu
visual?
(Sanita) – (Preocupada com o seu futuro político) E eu, ainda servirei para
alguma coisa?
(Sanita) (Olhando para o rolo de papel higiénico, que abanava a sua folha dupla,
em sinal afirmativo) Aceito. Mãos-à-obra!
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(Computador portátil) - Estás deslumbrante!
(Sanita) - (Ao telemóvel) Está tudo sob controlo.
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Notas Biográficas dos Protagonistas desta História
(Rap)
muito abrangente,
da sua profissão.
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- Tão vasta experiência pôs em evidência
Sanita: (Para o público) Nesta altura, eu não sabia que, no futuro, seria chefe
de gabinete numa lixeira, de intolerável pivete. Não antevia que alguém me
demitiria para ser substituída por uma presumida, que se julgava capaz de
autodesinfecção eficaz, após cada utilização. Por ser tão moderna, até
pensava que ia ser eterna. Estava bem enganada. Um dia, também eu fui
rejeitada, acabando despenhada por uma ribanceira ou atirada numa
lixeira.
Maria Helena Henriques e Maria José Moreno, Pé-de-Vento na Lixeira (texto adaptado)
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