O corpo e a sociedade moderna: uma perspectiva crítica ao
consumo da imagem e suas implicações nas relações sociais.
Flávia Barros Carvalhal
10 de maio de 2010
A sociedade moderna está a cada dia mais envolvida nessa rede
consumidora, onde tudo vira artigo de consumo e, nos últimos tempos, o nicho de mercado que mais cresce nesse aspecto é o que produz a “melhora” da imagem como finalidade. Hoje, temos uma gama de produtos de beleza, como anti-idades e produtos de reparação de danos à venda, e cada vez mais específicos, seguindo o paradigma cartesiano. Ou seja, um produto exclusivo para as mãos, outro para o cabelo, outro para o rosto, e assim sucessivamente. O que não percebemos é o que está por trás desse consumo exacerbado da imagem perfeita. Além do já tão discutido “padrão de beleza”, temos agora a ordem de “juventude eterna” a ser seguida. É proibido envelhecer. Como isso não é possível (ainda!), o jeito é retardar esse processo; seja utilizando recursos naturais, como boa alimentação, que significa o mínimo de alimentação possível, e exercícios físicos; seja utilizando recursos artificiais, como cremes milagrosos e intervenções cirúrgicas. Vivemos em uma “sociedade do espetáculo” como nos mostra Borges (2009), onde as relações são mediadas pelas imagens. Essa busca pela imagem perfeita acarreta a falta de afetividade nas relações, e então, estas ficam pobres de vínculo afetivo e ricas em competitividade. Estas relações são constituídas pelos rótulos impostos pela sociedade, formada exatamente por esses grupos sociais.
“A sociedade atual, individualista e consumista, cada vez
menos permite o acesso ao outro. Seres humanos perdem-se num consumir ininterrupto, onde os modismos e as últimas novidades do mercado servem de eixos centrais que orientam os 2
sujeitos na condução de suas vidas cotidianas.” (BORGES,
2009:2) Nas relações sociais mediadas por imagens, constituídas na sociedade moderna, o corpo ganha destaque, mas um destaque negativo. Desta forma, a procura pela imagem perfeita e pela juventude eterna, está relacionada à procura por espaço na sociedade, à procura de visibilidade no grupo social ao qual pertence. Ganhar popularidade transformou-se em uma necessidade, sendo o anonimato visto como uma morte em vida. (BORGES, 2009). Essa procura acaba ocasionando uma perda de identidade. Segundo Boff (1999) é na convivência e na co-existência, no jogo das relações, que o sujeito constrói seu próprio ser, sua autoconsciência e sua identidade. Devido ao retardo do envelhecimento e à procura pela imagem perfeita, ocasionados pelo desejo de pertencimento a um grupo específico, e tendo em vista que esse desejo pertence à uma grande fatia da sociedade moderna, tornando essa imagem perfeita algo massificado, fica incompreensível identificar o grupo ao qual a pessoa pertence. Essa relação que o ser humano possui com o corpo é conseqüência dessa dissociação corpo, mente e espírito; e de uma hierarquia imposta pela visão do paradigma cartesiano enraizada na sociedade, onde a mente está acima do corpo, e por isso este pode ser comandado. Nessa relação, o corpo é visto como algo que nos serve, atendendo nossas necessidades, raramente tendo as suas atendidas. Ele perde a liberdade, se torna escravo, sendo condicionado à ações que atendam ao objetivo principal. Sendo limitado à obedecer e não saciar seus próprios desejos. A sociedade vê o corpo como uma “ferramenta”, e não como parte integrante de um organismo completo que representa o “eu” de cada um em sua totalidade. Mutila-se para alcançar um objetivo de beleza, de reconhecimento na “sociedade do espetáculo”. Como pode isso ser genuíno? Como pode alguém optar por sentir dor, passar pelo risco de perder a própria vida, para se sentir mais belo? Para possuir uma imagem mais bem aceita na sociedade? Estamos nos preocupando demasiadamente com a aparência do corpo, e nos esquecendo da saúde da mente e do espírito, pois essa busca não pode ser saudável, nem para o corpo. As pessoas estão doentes, as relações estão doentes. As relações das pessoas consigo mesmas, as relações com o outro, as relações com o mundo. Todos somos ligados e re-ligados uns com os outros, formando um organismo 3
diverso e includente. (BOFF, 1999). A visão de bem-estar está deturpada. Não é
possível uma pessoa ser inteiramente feliz se vive relações superficiais, se é escrava de corpo, mente e espírito de um conceito e de um processo que “prova” o tempo todo que nenhum ser humano é bom o suficiente do que jeito que é.
REFERÊNCIAS:
BORGES, Isabel Cristina Bogéa. Um estudo sobre a constituição subjetiva:
relações de cuidado entre educadores e bebês. Out/2009.