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PUBLICAÇÕES
FFLCH/USP
1999
É proibida a reprodução parcial ou integral
deste texto, sem autorização do(s) autor(es).
2ª edição
T 634 Tópicos de psicolingüística aplicada / organizado
por Lélia Erbolato Melo. 2. ed. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 1999.
142p.
ISBN: 85-86.087-47-5
1. Psicolingüística 2. Desenvolvimento da linguagem
3. Escrita 4. Aquisição de língua estrangeira
CDD 401.9
Catalogação: Márcia Elisa Garcia de Grandi CRB 3608 SBD FFLCH USP
Textos de Apoio, n. 1, p. 5, 1999.
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APRESENTAÇÃO .......................................................................
........ 9
Alessandra Del Ré
Discurso da escrita: da teoria à prática...................................... 75
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tar inicialmente uma passagem extraída do livro In
"#!$.
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15-29.
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Trad. de Aurora Fornoni Bernardini. São Paulo: Summus.
Textos de Apoio, n. 1, p. 25-53, 1999.
(!!.
.)!
estudo do processo de aquisição e desenvolvimento .
da linguagem constitui um incrível desafio, mesmo
para aqueles que trabalham nessa área.
Dentro dos limites do presente texto, pretendemos mostrar
como a Psicolingüística já percorreu um caminho extenso e
acidentado: do inatismo ao sociointeracionismo, sem perder de
vista o behaviorismo, passando pelo construtivismo e pelos atos
de fala. A partir desta trajetória, o leitor poderá comprovar que
cada teoria/abordagem apontada tem, de fato, uma contribuição
importante a dar.
1. Behaviorismo. Esta teoria argumenta que a aquisição
da linguagem é atingida por meio da experiência . A criança,
segundo esta proposta, inicia como uma tábula rasa , isto é,
totalmente em branco e, através de associações de estímulo e
resposta, imitação e reforço, desenvolve o conhecimento lingüístico.
Seu defensor: Skinner. No ano em que foi publicado
Syntactic Structures (Chomsky), 1957, apareceu também a obra
Verbal Behavior (O comportamento verbal), de B. F. Skinner,
que constitui a mais pormenorizada tentativa que até agora se
MELO, Lélia Erbolato. Principais teorias/abordagens da aquisição...
fez no sentido de explicar a aquisição da linguagem dentro de
uma teoria do aprendizado behaviorista.
O comportamento verbal foi definido por Skinner (1957)
como aquele comportamento reforçado pela mediação de outras
pessoas (p. 16, ed. bras.). O objetivo do livro de Skinner é
fornecer uma análise funcional do comportamento verbal, ou
seja, identificar as variáveis que controlam esse comportamento
e definir como elas interagem para determinar uma resposta
verbal específica. A teoria conta com dois conceitos-chave: o
operante e o reforço. O operante é uma ação executada pelo
organismo um enunciado de uma criança que atinge um
resultado específico que serve para reforçar o operante (Elliot:
34-5).
(a) Se o resultado é favorável para o organismo, aumenta a
probabilidade de que o operante volte a ocorrer; diz-se, então,
que a ação foi reforçada.
(b) Se o resultado é desfavorável para o organismo, decresce
a probabilidade de que o operante volte a ocorrer e diz-se,
então, que a ação foi punida. Para entender a teoria de Skinner
importa, conseqüentemente, entender primeiro a tipologia funcional
dos enunciados, a saber: (1) mando; (2) tato; (3) ecóico; (4)
intraverbal; (5) autoclítico (Terwilliger: 116-130).
O mando. O termo mando deriva de comando e demanda
(na acepção de exigência ), e os enunciados desse tipo
são os primeiros aprendidos pela criança. É uma classe de comportamentos
operativos condicionados a estados de privação
experimentados pelo indivíduo. São reforçados pela satisfação
proporcionada aos estados de carência. Normalmente, estes reforços
são propiciados por terceiros.
Em sua definição de mando , há dois elementos cruciais:
carência e reforço. A noção de carência deriva de pesquisas
efetuadas com ratos e outros organismos inferiores, em relação
aos quais se observou que o aprendizado, ou desempenho, foi
Textos de Apoio, n. 1, p. 25-53, 1999.
de melhor nível quando os animais estiveram, anteriormente,
privados de algo alimento ou água , por exemplo. Isto significa
que aquilo que se retirou é de vital importância: sem aquilo,
os animais morreriam.
Questão: qual o sentido de carência , quando se trata de
um mando ? Por exemplo: uma criança diz bola de maneira
que torne claro que alguém deve dar-lhe uma bola . Claro que a
criança só emitirá aquele enunciado quando não tiver uma bola.
Mas estaria ela privada da bola?
Como observou Chomsky (1959), tudo leva a crer que
Skinner ao falar em carência pretende significar que a criança
quer alguma coisa e, por isso, a reclama. Estabelecer igualdade
entre querer algo e carecer de algo (procedimento adotado
por Skinner) é, a um só tempo, falso e enganoso.
Observação: de repente, o comportamento verbal é equiparado
ao comportamento dos ratos pelo fato de as mesmas
palavras serem usadas para descrever um e outro.
O tato. Corresponde, em geral, a uma sentença declarativa.
É o operante verbal em que uma dada resposta é evocada ou
fortalecida por um objeto ou evento particular, ou pela propriedade
de um objeto ou evento . Portanto, é o tato que dá informação
sobre o ambiente físico em que o falante se encontra.
Inicialmente, é estabelecida uma relação biunívoca entre o
comportamento verbal do indivíduo e eventos físicos do ambiente.
Isso permite ao indivíduo desenvolver um repertório de nomeação
ou de rotulação oral importante para o seu ajustamento
social.
Questão: como a comunicação lingüística instala tatos
na criança?
Um exemplo: admitimos aqui que um objeto vermelho
estimula o ouvinte e o falante. O objeto, juntamente com a presença
do ouvinte (como um auditório), e possivelmente um mando
apropriado para a ação verbal emitida pelo ouvinte em: Que
MELO, Lélia Erbolato. Principais teorias/abordagens da aquisição...
cor é esta? , a resposta verbal: Vermelha , por parte do falante
recebe o reforço: Certo! .
Na verdade, a resposta torna-se, nessas condições, um
estímulo verbal (por causa do objeto vermelho mais Certo! ).
Comportamento ecóico ou de repetição. As respostas ecóicas
são aquelas em que o ouvinte repete parte ou a totalidade do
que um falante acabou de dizer. Skinner considera que são comuns
nas crianças, mas enfatiza que o comportamento ecóico
não depende nem demonstra qualquer instinto ou faculdade de
imitação.
O desenvolvimento de um repertório ecóico permitiria a
aquisição de duas importantes categorias do comportamento
verbal: mandos e tatos já descritos.
Exemplo: S1 Olha o cachorro
S2 Cachorro .
Intraverbal. É uma classe de enunciados, ou partes de enunciados,
condicionados a estímulos verbais. Um deles é o da livre
associação. Livre associação refere-se ao fato de que certas palavras
levam a recordar outras.
Respostas intraverbais são respostas a estímulos verbais.
Exemplos: quatro ao estímulo é dois mais dois
Paris ao estímulo é a capital da França .
Observação: mas a habilidade do estudante para dar essas
respostas dificilmente poderia ser utilizada para explicar satisfatoriamente
sua habilidade para responder ponderadamente
a outras questões (traduzir um texto novo, por exemplo).
Autoclítico. É parte de um enunciado ou um enunciado
completo, que modifica ou altera o caráter de algum outro enunciado .
Os exemplos de autoclíticos são numerosos: percebo
que... ; creio que... ; por favor... e outros análogos. Para
Skinner, o domínio do autoclítico é fundamentalmente o domínio
da gramática.
Textos de Apoio, n. 1, p. 25-53, 1999.
Consideremos a sentença ( tato , segundo o autor) A mesa
é vermelha . Temos, aqui, dois princípios gramaticais que qualquer
teoria da linguagem deve estar em condições de explicar: o
uso do artigo e a ordem (em que se colocam o sujeito e o predicado
da sentença).
Em primeiro lugar: o artigo . Como é determinado o uso
de a ?
A não é um intraverbal, para Skinner. Que outros estímulos
poderiam ser levados em conta? A é empregado com
referência a itens específicos . É o artigo definido/artigo indefinido.
Para compreender o uso dos artigos , seria preciso responder
às seguintes indagações: a respeito de que você deseja
falar? . O emprego de artigos encontra-se aparentemente sob o
controle de acontecimentos e não de estímulos.
Em segundo lugar: e a ordenação de palavras? Corresponde
a quê? Nos tatos , foi admitido que os nomes precedem os
verbos; não será correto dizer que os substantivos aparecem na
segunda posição e os verbos na terceira?
Para que o verbo se condicione a acompanhar o substantivo,
necessitamos de algum estímulo objetivo que controle esse
condicionamento. O estímulo objetivo deve residir em algo inerente
ao substantivo. Mas nada há nos substantivos capaz de
indicar que são substantivos .
Palavras finais: o propósito de Skinner era chegar a uma
teoria integrada do comportamento humano. Porém, entre algumas
objeções, a proposta de Skinner:
a) nega a especificidade da linguagem verbal;
b) não dá conta de:
$.
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Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
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Certo, talvez os seus pontos de vista sejam diferentes
dos meus. O que posso dizer é que para mim isso pareceria
muito estranho.
Mim? Quem é mim? perguntou o Senhor Lagarta,
com desprezo.
(Lewis Carroll)
.
studar a aquisição da linguagem, uma das tarefas
principais da Psicolingüística, é considerar, segundo
Perroni (1992), a interação da criança com o mundo
físico, com o mundo social (Outro) e com objetos lingüísticos
(enunciados produzidos), o que implica falar em construtivismo,
sociointeracionismo e, portanto, em Piaget, Vygotsky, Bakhtin,
e também Bruner e F. François.
Para Piaget, o conhecimento não nasce com o indivíduo,
nem é dado apenas pelo meio social; ele é resultado da atividade
estruturadora do sujeito que interage com o meio físico e social.
O sujeito constrói estruturas daí o termo construtivismo
ao interagir com o mundo e ao reagir biologicamente a ele, no
DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
momento dessa interação. Mas para que uma nova noção seja
construída é preciso, por um lado, que o meio proporcione condições
favoráveis e, por outro, que a criança esteja bem alimentada
e não tenha deficiências neurológicas. É preciso também
que haja subestruturas anteriores, o que em termos de desenvolvimento
cognitivo significa que, para que a linguagem seja
desenvolvida, deve haver graduações sucessivas, estágios pelos
quais deve se dar esse desenvolvimento.
Nesse sentido é que Piaget propõe quatro etapas de desenvolvimento,
a saber: a sensório-motora, de 0 a 18/24 meses,
que precede a linguagem; a pré-operatória, de 1 ano e meio/2
anos a 7/8 anos, fase das representações, dos símbolos; a
operatório-concreta, de 7/8 a 11/12 anos, estágio da construção
da lógica; e a operatório-formal, de 11/12 anos em diante,
fase em que a criança raciocina, deduz, etc. As idades podem
variar de uma sociedade a outra, dependendo de um equilíbrio
de fatores tais como a hereditariedade, experiência física, transmissão
social.
A linguagem, para Piaget, é apenas uma das manifestações
de um sistema geral de representação (função semiótica) e
se constitui a partir da chamada fase pré-operatória dos 2 aos
7 anos resultante do período sensório-motor que o antecede.
Deve-se levar em conta, nessas fases de desenvolvimento propostas
por Piaget, o desenvolvimento de um indivíduo que
interage com o meio e com o outro.
Mas para que haja desenvolvimento intelectual não basta
que a criança esteja apenas exposta à interação social: ela deve
também desenvolver o(s) estágio(s) necessário(s), estar pronta ,
no que se refere à maturação, para compreender o que a sociedade
passa para ela.
Piaget vê na relação adulto-criança uma relação sempre
assimétrica, baseada em uma diferença real entre um e outro,
sob todos os aspectos, sendo, portanto, heterônoma. A relação
criança-criança, por sua vez, se insere em um contexto de igualdade,
e por isso sua base tende a ser autônoma. O outro, para
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
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ele, é o responsável pelas justificativas de pontos de vista da
criança, pela descentração e perspectiva.
A esse respeito, Vygotsky acrescenta que na interação com
o outro, o homem, até então ser biológico, transfor-ma-se em ser
sociohistórico, num processo em que a cultura é essencial à sua
constituição.
Para Vygotsky, desde o momento em que nasce, o ser humano,
rodeado por seus pares, se vê em um ambiente impregnado
pela cultura, e é da convivência com esses elementos que a
inteligência se desenvolve. Segundo o mesmo, as funções psicológicas
elementares, isto é, os processos de origem biológica como
os reflexos, a atenção involuntária, com o aprendizado cultural
se transformam em funções psicológicas superiores, tais como a
consciência, o planejamento, etc., de origem sociocultural.
O pensamento de Vygotsky, assim, estende o de Piaget,
considerando não apenas a interação sujeito-objeto físico, mas
também a interação sujeito-objeto social1. Nesta perspectiva,
enfatiza-se o papel do adulto enquanto regulador na relação com
a criança, e o papel da interação social ao longo do desenvolvimento
ontogenético desenvolvimento cognitivo de acordo com
a maturação da criança. O sujeito de Vygotsky não é passivo, ele
interage com o objeto social.
É nesse sentido que se fala em sociointeracionismo, que
nada mais é senão uma outra nomenclatura para o construtivismo
de Piaget, no qual todo conhecimento se constrói socialmente,
pela aprendizagem nas relações com os outros, pois na
ausência do outro, o homem biológico não se constrói homem
(apud. Lopes, 1996: 33).
Nesse processo dialógico, todas as informações que as crianças
recebem do meio são sempre intermediadas pelos que as
cercam, e uma vez recebidas, são reelaboradas num tipo de linguagem
interna, individual. O adulto funciona, assim, como um
1
Embora ele tenha feito referência à importância do objeto social, este
aspecto social parece ter sido deixado de lado em seu estudo.
DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
regulador das formas culturais de comportamento que, quando
são internalizadas, dispensam mediação.
A fim de explicar o processo de evolução intelectual,
Vygotsky criou o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP), entendida como a distância que existe entre o desenvolvimento
real, isto é, aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha,
e o potencial, ou seja, aquilo que a criança ainda não é capaz de
realizar por si só, mas pode fazê-lo com o auxílio de alguém mais
experiente (mãe, professor, outros adultos, colegas...). A ZDP
define, assim, as funções que existem em forma de embrião, em
processo de maturação. É a interação com outras pessoas, a
aprendizagem que dela surge, a responsável pela criação desta
zona. Do mesmo modo, é atuação no mundo imaginário que se
estabelece durante a brincadeira e na qual a criança pode se
projetar nas atividades adultas e as regras a serem seguidas
nele que criam uma ZDP, pois impulsionam conceitos e processos
em desenvolvimento.
Sendo assim, o papel do professor deve ser o de mediar,
sistematizar o conhecimento, atuando na ZDP, para propiciar
ao aluno a consolidação de funções emergentes, procedentes.
Ele deve acompanhar cada aluno, auxiliá-lo em suas dificuldades
dando pistas, sugestões. Os erros que as crianças cometem
devem ser apontados por esse professor, pois eles fazem parte
do processo de construção do conhecimento.
Vygotsky introduz ainda outras relações entre linguagem
e experiência, e as divide em cinco figuras que poderiam ser
denominadas semiose lingüística, ou ainda, pensamento. São os
casos: a) em que a criança nomeia o que faz, batiza seu desenho;
b) em que ela comenta, fala ao mesmo tempo que faz; c) em
que a nomeação antecipa um objeto que ainda não existe; d) em
que não há objeto extra-lingüístico; e ainda aqueles e) em que a
criança manifesta por um sinal (riso, piscar de olhos), que ela
sabe bem que há desacordo (décalage) entre o que ela diz e a
maneira que a linguagem deve ser utilizada.
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
59
O que a teoria de Vygotsky propõe, assim como a de Piaget,
é o estudo dos processos internos, e não dos resultados verificados,
o que a impossibilita de ser aplicada à prática pedagógica.
Ela não fornece métodos2 que possam avaliar a performance
dos alunos. Aliás, o que a escola parece levar em consideração
nessas avaliações é apenas o conhecimento real, como se o potencial
não fosse representativo no seu desenvolvimento.
Considerando ainda esse aspecto interacionista, pode-se dizer
que Bakhtin trouxe uma grande contribuição lingüística ao
introduzir em seu estudo a idéia de interação socioverbal, segundo
a qual o indivíduo deve ser apreendido no concreto das relações
sociais. Deve-se levar em conta, no que concerne à linguagem
e ao seu aspecto social, o fato de que ela é a expressão e o
produto da interação social do locutor, do receptor e do tópico do
discurso. O discurso é sempre social, pois discursa com outros
discursos ou, como coloca Bakhtin, o discurso se encontra na
fala do dia-a-dia, uma vez que a todo momento faz-se menção à
fala do outro, na tentativa de dar credibilidade à própria fala.
Segundo o autor russo, por meio de uma perspectiva histórica
e social, onde o homem é concebido no conjunto dessas relações
sociais, é possível apreender a linguagem e a criação ideológica,
e, uma vez que esta apreensão se baseia no critério social, é
possível identificar na voz de cada indivíduo a voz do outro.
A partir dessa preocupação com a dimensão ideológica3,
deixada de lado por Vygotsky que aludia mais aos aspectos psicológicos
e pedagógicos, é que se torna possível discutir, não só
a diversidade cultural, mas também a variedade lingüística, as
lutas de poder dentro da sala de aula, colocando a questão do
2
Do mesmo modo que a teoria de Vygotsky, a teoria piagetiana também
não tinha como objetivo fornecer um método para o professor, mas
inferir o modo de aprendizagem da criança, os processos de construção
de conhecimento elaborados por ela.
3
Isto é, uma realidade material que reflete uma outra realidade que lhe
é exterior; é a função representativa do signo.
DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
psiquismo (a atividade mental do eu e do nós ) dentro desse
ideologismo.
É a partir dessa concepção de linguagem, que ressalta como
fator essencial a sua realidade dialógica, que Bakhtin estuda o
discurso interior, o monólogo, a comunicação diária, os gêneros
de discurso, a literatura e as demais manifestações culturais;
privilegia-se o dito dentro do universo do já-dito .
Esse caráter dialógico, pode ser encontrado em toda sua
cosmovisão, na medida em que a ele interessam as vozes (polifonia)
do discurso, com as quais interage, buscando uma síntese dialética
de vozes contrárias. Essa polifonia se caracteriza, primordialmente,
pela emissão de diferentes vozes, independentes e contrárias
entre si, e pela multiplicidade de pontos de vista e visões
acerca de um mesmo tema ou assunto, que resultam na elaboração
de uma representação do mundo mais viva e mais fiel.
Pela perspectiva bakhtiniana, em um mesmo texto é possível
reconhecer um diálogo, seja na convivência de estilos diversos
ou dialetos, seja em uma palavra isolada, se se entender estilo,
dialeto e palavra como representações da posição interpretativa
de um outro.
As nossas palavras, de acordo com Bakhtin, se baseiam na
palavra do outro , palavra essa que tem uma perspectiva ideológica
própria. Assim sendo, possui vida, e é sempre uma opinião
concreta, uma visão de mundo que se contrapõe a outras.
É desse modo que as crianças se apropriam das primeiras
palavras ensinadas pelos pais elas se transformam dialogicamente
para tornarem-se palavra pessoal-estrangeira , com a
ajuda de outras palavras do outro, e depois palavra pessoal. Na
verdade, essas palavras que as crianças julgam delas, vivem e
morrem na fronteira do nosso mundo e do mundo alheio, são
respostas (explícitas ou implícitas) às palavras do outro e só
aparecem como pano de fundo das mil vozes que as cercam.
A consciência e o pensamento de cada um são formados
não apenas a partir das palavras, mas das idéias dos outros,
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
relativizando, assim, a natureza da autoria. Há, segundo o autor,
um processo de esquecimento progressivo dos autores (depositários
da palavra do outro), o qual seria ocasionado por uma
transformação das idéias originais dos autores em opinião. A
palavra do outro torna-se anônima, familiar (sob uma forma
retrabalhada, bem entendida): a consciência se monologiza .
(Bakhtin, apud. Faraco, 1988).
Para Bakhtin, o que importa, mais do que a palavra dicionarizada
e seus diferentes significados (Vygotsky), é a circulação
discursiva, o sentido que a palavra enunciada assume dependendo
da ênfase (accentuation) que se dá a ela em uma determinada
situação.
Entende-se essa diferente de ênfase num sentido amplo,
como a palavra que designa um objeto, que retoma a palavra do
outro, que é obscura, mal adaptada, ou, ao contrário, que é
palavra-metáfora , qualificada por sua diferença de acentuação
(F. François, 1989: 43).
Ainda no que concerne à circulação discursiva, de acordo
com Bakhtin, os diversos modos de emprego da linguagem são
resultado dos diferentes lugares sociais do sujeito e, portanto,
das modificações a que foram submetidos na circulação. Tal
movimento entre os gêneros de discurso afasta a idéia da existência
de dicotomia entre um processo ativo (enunciação) e um
passivo (compreensão). Na verdade, a unidade concreta é aquela
que é dada pela compreensão da resposta, não somente a
reformulação, mas o deslocamento produzido por uma resposta
que não é uma retomada. A diferença entre a palavra abstrata e
a concreta, enfatizada, corresponde à diferença entre a forma da
proposição e o concreto do enunciado, que é, ela mesma, resposta
e réplica a uma resposta (F. François, 1989: 44).
Do mesmo modo que Bakhtin contribuiu com o estudo da
linguagem, ressaltando seu caráter ideológico, não se deve perder
de vista que Bruner foi um dos pioneiros no estudo de esquemas
de interação na aquisição da linguagem. Para ele, as
62 DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
estruturas da ação e da atenção do homem se refletem nas estruturas
lingüísticas e à medida que a criança vai dominando
gradualmente essas estruturas, a partir do processo de interação
do qual o adulto participa, a linguagem vai sendo adquirida.
Com base nas formas de interação, Bruner também introduziu
a noção de tutela e o papel da brincadeira no processo de
aprendizagem e de aquisição da linguagem, mas coube a F.
François classificar os diversos tipos de tutela, não só entre crianças
e adultos como também entre as próprias crianças.
Na concepção de Bruner, a aprendizagem, ao contrário de
todas as explicações darwinianas e do que diz Piaget, resulta da
relação entre a prematuração da criança a capacidade de ter
uma herança social e não apenas biológica e a aprendizagem
em situação de jogo não de necessidade.
Para Bruner, quando uma criança está aprendendo uma
língua, ela não está aprendendo apenas o que dizer, mas como,
onde, para quem e sob quais circunstâncias (Bruner, 1997: 67).
Assim que a criança domina as formas de linguagem, ela
aprende que aquilo que se faz está diretamente relacionado ao
modo como se relata o ato. Desse modo, por volta dos 3 ou 4
anos, a criança aprende a usar suas histórias, uma mescla da
versão canônica e da versão pessoal, com atenuantes4 para
bajular, enganar, agradar, justificar, enfim, conseguir o que quer
sem que para isso se estabeleça qualquer tipo de constrangimento
entre ela e aqueles que ela ama.
É a partir dos esquemas interacionais lúdicos, entendendo-
se, aqui, o lúdico, o jogo, como algo sério, que a criança poderá
experimentar papéis sociais reversíveis, ou ainda que os
saber-fazer podem se desenvolver por eles mesmos, sem a pressão
do meio (necessidade). Do mesmo modo, é por meio dos esquemas
de co-orientação visual, considerados por Bruner como
sendo formas pré-verbais, que a criança mostra sua capacidade
4
Segundo Austin (apud Bruner, 1997), uma justificativa baseia-se em
uma história com circunstâncias atenuantes.
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999. 63
de partilhar com o adulto a atenção sobre determinado objeto ou
situação no espaço perceptual imediato (De Lemos, 1982: 102).
Bruner fala no aspecto dialógico da brincadeira, ressaltando
a ligação entre infância (humana ou animal) e espaço de jogo,
enquanto espaço de sentido e, como coloca Winnicott, de prazer5.
Segundo o próprio autor, durante a brincadeira, o eu do
sujeito se encontra num estado de relaxamento e, por esse motivo,
pode comunicar uma sucessão de idéias, pensamentos, que
aparentemente não têm conexão, isto é, fazer uma associação,
sem se sentir pressionado a fazê-lo. Ao contrário, ele se sente à
vontade para ser criativo (livre associação/livre jogo).
É brincando, criando, unindo o que normalmente não vem
junto: o futuro, o passado, o talvez, o não-sei, tudo aquilo que
faz com que o real seja tecido do irreal (F. François, 1996: 71),
que a criança poderá produzir deslocamentos.
Esse aspecto dialógico atribuído ao jogo pode também se
verificar na relação entre o adulto e a criança, mais especificamente
no diálogo que se estabelece entre os dois e no qual o
adulto assume o papel de tutor da criança no processo de aprendizagem.
Nessa relação de tutela6, que na espécie humana é a
única a aparecer sob a forma de interação (Bruner, 1991),
oferecem-se à criança todas as formas possíveis de ajuda quando
esta não for capaz por si só de realizar uma tarefa, isto é,
compreender e produzir enunciados... Trata-se aqui de uma tutela
da mise en mots: o que dizer e em qual ordem dizer, adotando
quais modos de encadeamento.
5 Esse prazer, ao qual Winnicott se refere, talvez tenha sua origem na
atividade lúdica metafórica da infância (Swanson, 1992), sendo
enfatizado por ecos desta mesma infância.
6
É importante salientar que, quanto à tutela, ela surgiu com Vygotsky
na tentativa de contrariar a teoria piagetiana de que a criança é
egocêntrica e se desenvolve por estágios. Para ele, a criança se desenvolve
na interação com o outro e aprende com este outro (adulto) aquilo
que em breve ela será capaz de fazer sozinha.
DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
O tutor deve ter em mente que seu discurso depende daquilo
que produz a criança e pode ser determinado pelas condutas
lingüísticas da mesma. Obviamente, o que se espera obter
por parte dos interlocutores não são respostas/ações condicionadas,
e sim uma dinâmica dialógica que se manifesta por meio
dos gêneros discursivos.
O papel do lingüista, por sua vez, é verificar como funcionam
estes diálogos, em que um adulto (ou uma criança) ajuda
uma ou mais crianças a desenvolver uma tarefa que ela não
poderia conseguir sozinha. Citando a metáfora utilizada pelo
autor (1997: 124), realizar tal atividade é construir um edifício .
A aquisição de habilidades depende, assim, da instrução
dada pelo adulto no momento em que a criança se encontra na
chamada zona de desenvolvimento proximal, zona esta que se
situa entre o que ela pode fazer sozinha e o que ela não atingiria
sem ajuda. A este respeito, F. François acrescenta que se a tutela
ocorrer nas extremidades da ZDP, isto é, onde a criança é
capaz de fazer alguma coisa sozinha ou onde a tarefa é muito
difícil para ela, pode-se ter como resultado uma contra-tutela.
Uma outra colocação feita por F. François sobre tutela que
pode ser encontrada não apenas entre adultos, mas entre as
próprias crianças e pode, por vezes, não ser responsável pela
aprendizagem da criança, uma vez que a criança é também capaz
de aprender sozinha.
A partir do que foi exposto, o autor (F. François, 1996) propõe
uma classificação da tutela que será adotada na análise dos
dados e a distingue em dois tipos: global e local.
A tutela é global quando a situação de diálogo traz em si
uma atmosfera, um sentido que lhe é próprio. O adulto funciona
aqui como uma espécie de limite, garantindo à criança uma certa
tranqüilidade, pela simples presença, através de um olhar, etc.
Na tutela local ensina-se a criança a vencer aquelas tarefas
em que ela fracassava. São os efeitos esperados ou não, positivos
ou negativos que se manifestam pelos enunciados, ges
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
65
tos, sorrisos, olhares, etc., produzidos em um determinado momento
da interação e que podem, por vezes, mudar o rumo de
um diálogo.
É possível encontrar no interior dessa tutela local os seguintes
tipos de tutela: a) complementar, na qual o adulto, por
meio de questões-respostas, ordens e proibições, favorece a ampliação
das produções da criança e permite a troca de ponto de
vista no discurso; b) paralela estrita, em que o adulto diz ou faz
algo que a criança deveria dizer/fazer; c) paralela por esboço, na
qual o adulto esboça a resposta que a criança deveria ter dado;
e d) metalingüística, isto é, aprovações, correções, reformulações
que permitem à criança desenvolver, resumir, fazer retomadasmodificações .
7
F. François (1990: 93) fala em um pré-donné large constitué par les
renvois des mots à des sens potentiels dans des univers de discours
différents, pré-donné proche constitué justement par le discours de l autre
qui apporte à la fois un objet dont on parle et une façon d en parler.
66 DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
do. No caso do desenho, por exemplo, quando uma criança fala,
face ao objeto desenhado, ela pode estar se referindo ao próprio
objeto ou ao objeto visto através daquele que está desenhado.
A mise en mots permite que os sujeitos circulem de um
discurso a outro, que entrem em diferentes jogos de linguagem,
já que o movimento é sua principal característica. Ao introduzir
vários tipos de relação com o conteúdo e com o discurso (do
outro ou seu próprio), ela reflete a realidade, seja por meio das
semelhanças ou das diferenças com os outros discursos, seja
por meio de outras apreensões do real8.
É no âmbito dessas circulações que F. François identifica
alguns tipos de deslocamentos que podem ser encontrados em
textos, diálogos, narrativas, etc. Há o que ele chama de irrupções,
que são os deslocamentos que se associam ao que acaba de ser
dito, ao acaso e que, portanto, não foi pré-programado (por exemplo,
uma metáfora, uma brincadeira, uma piada); há também a
ruptura, deslocamento em que não se identifica a ligação com o
seu precedente (ex.: deslocamentos temáticos); e há, finalmente,
a desnivelação, que são todas as trocas de tipos de discurso,
mais especificamente, deslocamentos de gênero e mundo.
Deslocar de gênero é deslocar, mudar o tipo de enunciado
e o modo de encadeamento dos mesmos (mostrar, descrever,
explicar, persuadir, convencer ... ).
Tem-se um deslocamento de mundo quando as atividades
humanas variam e com elas os modos de asserção, resultando
em mundos diferentes, que não são dados da mesma maneira.
É, por exemplo, o que se observa quando se conta a uma criança
a estória de um cachorro (ficção) e ela fala sobre o cachorro
que ela possui, o que ele faz, o que ela faz com ele...
O deslocamento temático é a marca da liberdade do espírito-
linguagem como capacidade de colocar junto tudo aquilo que
aparentemente não faz sentido (junto) porque o elo não é expressado,
mas, consciente ou inconscientemente, se manifesta.
8 Hudelot, 1997: 139.
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
F. François fala ainda em deslocamento-retificação, cujos
movimentos pelos quais o discurso se constrói se deslocam um
pouco em relação ao discurso do outro, e em deslocamento de
ponto de vista ou de lugar, isto é, deslocar a maneira de se enxergar
o mundo que é exatamente o que a metáfora faz: muda
de um ponto de vista para outro. Se existem vários pontos de
vista, não pode existir um discurso final, e é com base nessa
mudança de ponto de vista, de relação com o conteúdo, e a partir
da relação entre símbolo e jogo (Piaget) e entre aprendizagem
e jogo (Bruner), que F. François situa a metáfora.
Segundo ele (F. François, 1988), só pode haver aquisição,
quando houver modificação, seja ela simplificação ou deslocamento
(metáfora no sentido etimológico).
Assim, no caso da criança, o deslocamento é um movimento
que se dá de um domínio a outro, permitindo uma produção
de sentidos mais espontânea; é uma forma de liberdade de movimento
discursivo, é dizer o que se vê, o que isso poderia ser, o
que isso lembra. São mudanças de ponto de vista, de gênero, de
mundo, de tema, que colocam junto o que normalmente não
vinha junto.
Se não houvesse a possibilidade de colocar junto, no espaço
do pensamento, aquilo que não está junto no mundo real,
que é justamente o que faz a metáfora, não haveria pensamento.
É esse pensamento associativo, imaginativo, metafórico, que
permite ao homem ser crítico e refletir sobre o mundo.
Foi a partir deste pressuposto e com base nas teorias aqui
citadas que se realizou um estudo experimental (Del Ré, 1998),
focalizando a compreensão e a produção de metáforas, enquanto
deslocamentos, em crianças pré-escolares, na sua relação com
a linguagem do adulto, da(s) criança(s) e com a sua própria linguagem.
P:
ahn
L10:
de quê? ... e:: os meninos desfiAram o::: as meninas... fazer uns
docinhos mais gostosos do que elas pronto
P: acabou? assim?
L10: sim
L8: eu vou contar uma mais melhor
P: ahn
L8: os meninos desafiaram as meninas (a) fazer um bolo bem gostoso
aí/
L10: não não é bolo é doce H. ((gritando))
L8: doces bem gostosos aí el/
L10: não ... é cocada H. ((gritando))
L8: cocadas bem gostosas aí:
(...)
L8:
era uma uma/ era uma vez o::s meninos desafiaram as meninas
a fazer um: coqueiro bem/
Aqui, a mise en mots de L8 está ligada ao discurso de L10 que
exerce uma tutela estrita originando retomadas-modificações
formais. O jogo com a linguagem, a partir do primeiro enunciado
(dado por L10) é notório no sujeito L8. No lugar de docinhos
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
mais gostosos , L8 diz bolo bem gostoso , depois da intervenção
insistente e até mesmo autoritária de L10, que diz é doce ,
ele passa a doces bem gostosos , em seguida, de cocada , ele
fala em cocadas bem gostosas e termina com mais uma modificação
do pré-donné cocadas deliciosas : coqueiro .
(L6, 5 anos)
P: (o que significa as meninas pagaram na mesma moeda?)
L6: elas fizeram a mesma COisa
P: bando de orca?
L6: BANDO DE OR::CA::S
P: certo ... ahn
L2: torta? porta?
L6: aqui
P: ((risos))
L6: idiota
L2: corca ?
L6: aqui ... de novo não
P: ahn: e aí?
L6: é que... aí
L2: horta?
P: deixa ele/ deixa ele (contar)
L2: horta?... horta?... horta?
L6: você está me deixando com raiva
L2: é bando de porca?
P: ((risos))
L2: é bando de:: corta ?
L6: é OR::CA:: BALEIA ORca
L2: é baleia porta?
L6: é
Neste trecho, a mise en mots fortemente ligada ao desenho
(movimento positivo) desperta no sujeito com quem ele interage
(L2) uma vontade de brincar com as palavras, de fazer associações
fônicas (rimas!).
É nesse espaço lúdico que L2 se sente à vontade para retomar
e modificar o enunciado de L6, produzindo deslocamentos
de ponto de vista (com relação ao aspecto sonoro). Deste movimento
surgem as mise en mots: torta , porta , horta , porca ,
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
corta e até criações do tipo corca que não existe e bando
de corta , colocando lado a lado, neste último exemplo, duas
palavras que normalmente não vêm juntas.
Existe aqui, segundo F. François (et al., 1994), um espaço
lúdico, no qual o importante na organização da mensagem não
está exatamente na necessidade em comunicar alguma coisa,
transmitir uma informação, mas sim produzir deslocamentos
eles é que fazem sentido.
(L3, 5 anos)
L3: parece uma árvore muito enfeitada de flores e parece uma menina
com um chapéu de co/ de corpão
P: de o quê?
L3: corpão
P: corpão? o que que é chapéu de corpão?
L3: é um chapéu que parece um dado mas só que o chapéu voa da
cabeça
P: e por isso ele chama corpão?
L3: no chapéu o chapéu que voa da cabeça o nome dele é corpão
corpão aí depois quando ele voa o chapéu vai vai vai vai fazendo
assim pi pi pi pi
A criança se vale da metáfora para nomear coisas, tenham
elas nomes ou não, se utilizando de alguns recursos tais como o
morfológico para identificá-las. É o caso de uma das crianças
estudadas por Figueira (1995), que cria a composição tiracainha
(tira-carninha) para designar o palito de dente. Tal criatividade,
que chega a beirar o non-sense, também se registra em
L3 no sintagma chapéu de corpão para nomear um chapéu
que parece um dado mas só que o chapéu voa da cabeça .
Tem-se aqui, a partir da pergunta da pesquisadora, um
movimento de mise en mots espontâneo porque não se baseou
no discurso do adulto e ao mesmo tempo ligado ao desenho. A
criança fala do desenho quando descreve o que vê nele e através
72 DEL RÉ, Alessandra. Discurso da oralidade: da teoria à prática.
dele, mudando de ponto de vista e originando a criação lexical
chapéu de corpão . Neste caso, o sentido de corpão (aumentativo
de corpo) se desloca de seu sentido original para dar uma
nova qualidade ao chapéu ( chapéu de corpão ).
Do ponto de vista semântico, pode-se dizer que se trata,
por um lado, de uma nomeação descritiva e, por outro, de uma
suposta analogia entre o substantivo corpão e o adjetivo encorpado
que tem muito corpo; bem desenvolvido; forte; grosso;
consistente 9.
A fim de tentar encontrar uma possível explicação para as
produções das crianças que, às vezes, parecem muito estranhas,
Figueira (1995: 75) se apóia na idéia de Saussure e diz que estas
produções, os cruzamentos inesperados, são possíveis levando-se
em consideração que existem relações que se estabelecem entre
o material, consciente ou inconscientemente alinhado, presente
ou apenas evocado na cadeia dos enunciados , relações
estas que podem ser desencadeadas pelo aspecto fônico e/ou
semântico.
Evidentemente, quando se realiza uma pesquisa com crianças
se vai sempre além do que se supunha. Elas aceitam desafios,
respondem com criatividade e originalidade, superam as
expectativas.
Assim, o que se constatou, entre outras coisas, foi que a
criança é capaz não apenas de compreender as metáforas/deslocamentos
como também de produzi-las, incorporando-as ao
seu discurso cotidiano. Tal fato vem reforçar a idéia de que a
metáfora aparece cedo no desenvolvimento da linguagem e que
a extrema criatividade da criança provocando ora emoção ora
riso pode aproximá-la dos poetas.
9
Peixoto, V., Carvalho, J. (org.) (1960) Dicionário da língua portuguesa.
São Paulo: LEPS. A.
Textos de Apoio, n. 1, p. 55-74, 1999.
$.
."#!
.
mbora, desde a década de 80, venham sendo difundidos
no Brasil os trabalhos de Emília Ferreiro e co
!
"#!
La linguistique est devenue un trait d union entre les
sciences naturelles et les scicences de l homme. La
langue est un cheval entre la nature et la culture.
Roman Jakobson (1968)
s práticas orais e escritas das crianças exemplificamas características do ser humano e
nquanto organismo,
regido por leis biológicas da espécie, convergindo
para o encontro de sua cultura e dos produtos culturais de seu
ambiente. Tais práticas oferecem a possibilidade de observação
de como este encontro se desenvolve ao longo dos anos e, também,
das nuances que ele apresenta quando há alguma
intercorrência, algum fato que interfira neste processo natural.
Até o século passado, as ciências humanas estavam vinculadas
à filosofia. Neste nosso século, constatamos que o estudo
do homem passa a se revestir de novos objetivos, compreendendo
as relações homem com o seu ambiente . Uma análise
retrospectiva sobre os aspectos históricos que envolvem os an
MAC-KAY, Ana Paula M. Goyano. Desvios de linguagem: aspectos....
tecedentes, o aparecimento e o desenvolvimento da psicolingüística
tem, como afirma Scliar-Cabral (1991:8):
a utilidade de servir como exemplo das inter-relações entre as ciências
humanas e mesmo físicas e naturais no último século, da busca
fáustica, porém mais uma vez destronada de uma explicação mais
unitária sobre os processos envolvidos na recepção e produção das
mensagens e do movimento pendular que enfatiza ora uma, ora outra
as indagações, acionado pelas teorias epistemológicas que lhe
subjazem e pelo cenário histórico e cultural que lhe serve de pano de
fundo.
O interesse de profissionais da Saúde e da Educação, diante
de problemas de linguagem de origem neurogênica (funcionais
ou decorrentes de lesão ou má-formação), tem motivado
profundas reflexões sobre os distúrbios da comunicação humana
em crianças e adultos. Pesquisadores como Tompkins (1995),
Payne (1997) e Paradis (org., 1998) estendem suas propostas
procurando abranger aspectos sociais, culturais e étnicos além
dos que relacionam o orgânico com o lingüístico.
A aquisição da linguagem e seus distúrbios (nas modalidades
oral e escrita, bem como nos aspectos fonológico, sintático,
semântico, pragmático e discursivo) também vêm despertando a
atenção de profissionais que atuam junto ao sujeito com queixa
de distúrbio de comunicação, possibilitando o aparecimento de
estudos verdadeiramente interdisciplinares que reúnem conhecimentos
da Psicolingüística, da Pedagogia, da Fonoaudiologia, da
Neuropsicologia e da Gerontologia, entre outros.
Estes estudos demonstram que o foco de atenção está gradualmente
sendo transferido para o sujeito e seus processos de
aquisição do conhecimento. A linguagem, o pensamento e os
aspectos sociais à luz da história de vida do sujeito são, atualmente,
temas fundamentais para o gerenciamento da qualidade
de uma abordagem que privilegie a interdisciplinaridade.
Rodrigues (1993) explica a Neuropsicologia como a disciplina
científica que estuda as correlações entre funções cognitivas
Textos de Apoio, n. 1, p. 95-105, 1999.
e suas bases biológicas, estabelecendo relações sistematizadas
entre eventos neurais e eventos cognitivos. Tal objetivo é limitado,
segundo o autor, às funções cognitivas humanas como: fala,
linguagem, leitura, escrita, cálculo, atividade gestual, memória,
percepção e atenção.
A Neurolingüística, considerada por alguns autores como
sub-área da Neuropiscologia e por outros como disciplina autônoma,
procura demonstrar as possíveis relações entre os eventos
neurológicos e os da linguagem. Morato (1996:16) sugere
que:
A Neurolingüística, a partir dos estudos da Psicolingüística, da Pragmática,
das teorias enunciativas ou da Análise do Discurso, consagrados
aos processos interacionais da linguagem, às relações entre
os processos cognitivos e a linguagem e ao papel desta perante o
desenvolvimento cognitivo, ao estudo lingüístico das condições de
produção dos enunciados ou à descrição das práticas de linguagem,
deixa de ser o estudo meramente descritivo que vincula as zonas
anatômicas do cérebro com as modalidades da linguagem patológica
para ganhar um novo estatuto: o do campo, cuja condição híbrida
pode proporcionar aos investigadores formulações teóricas que buscam
prover a Lingüística de condições de manter discurso e cognição
num quadro relacional.
Freire (1994:14) apresenta a proposta de estudar as crianças
com retardo de aquisição de linguagem pelo acompanhamento
do processo de desenvolvimento de linguagem dentro da
díade (terapeuta-criança) com o objetivo de entender a prática
fonoaudiológica do ponto de vista do fonoaudiológico (visto aqui
como aquele cuja linguagem é estruturante da linguagem do
paciente) em seu percurso na constituição de uma nova prática
clínica.
Dentro de uma perspectiva cognitivista piagetiana, Limongi
(1995) esclarece que a aquisição da linguagem é função da elaboração
de estruturas cognitivas e que apresenta relações de dependência
com o contexto/mundo exterior. Segundo a autora, a
linguagem é uma das manifestações da capacidade humana de
MAC-KAY, Ana Paula M. Goyano. Desvios de linguagem: aspectos....
representar eventos mesmo na sua ausência e portanto, implica
em representação dotada de significação, além de ser um sistema
que combina símbolos de acordo com regras, que devem ser adquiridas
e aplicadas na conversação e na compreensão (ibid: 3).
A relação linguagem-cognição, do ponto de vista apresentado
por Jean Piaget, compreende dois aspectos: o primeiro seria
o que relaciona a sintaxe à lógica das ações e a semântica à
organização da experiência; o segundo, indicaria uma relação
estreita entre o processo de cognição e a aquisição da linguagem.
Neste sentido, Limongi (ibid: 12) acrescenta que para a
criança adquirir linguagem é necessário que apresente:
a organização espaço-temporal e causal das representações, feitas
em cima de toda aquisição em sua primeira organização de mundo.
Esta organização é possível através das experiências físicas e lógico-
matemáticas.
-.!!/,!
$.
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o de 45
casos. Avaliação e terapia. IN: MARCHESAN, I., ZORZI, J. L., GOMES, I. C. D. (orgs.)
$
aparecimento das primeiras palavras faladas por uma
.
criança é um dos mais importantes acontecimentos
na sua vida. Os pais costumam ficar emocionados e
vaidosos ao ouvirem os balbucios dos filhos bem antes deles
pronunciarem acertadamente palavras reais. Nos primeiros três
anos de vida, a preocupação dos pais está voltada ao surgimento
de palavras novas na comunicação da criança e não na sua
precisão articulatória.
Quando as crianças apresentam dificuldades em dominar
os sons da fala, possivelmente alguns fatores estão contribuindo
para este problema.
Algumas nascem com anomalias nas suas estruturas orofaciais
ou musculares e outras podem ter dificuldades em controlar
e coordenar músculos que apoiam a fala. Por outro lado,
algumas crianças apresentam problemas na articulação sem
uma causa física aparente.
As causas relacionadas a fatores físicos são: perda auditiva,
fissura lábio-palatal, paralisia cerebral, etc. Outras causas
estão relacionadas a alterações nos processos fonológicos, como
disartria e apraxia da fala.
MARTINS, Maristela Flavi Piraino. Desvios da linguagem: fala e fluência.
As habilidades motoras, sensoriais e cognitivas responsáveis
pelo desenvolvimento da linguagem são essenciais para
mantê-la durante toda vida. Qualquer transtorno no funcionamento
destas áreas pode levar a um distúrbio na comunicação
humana.
A fala utiliza as mesmas estruturas físicas que exercem
outras funções como, por exemplo, a de respirar. Observamos
também uma sincronia entre os movimentos de lábio, maxila,
língua e véu para a produção da fala normal.
A língua é a estrutura mais importante para a fala articulada,
porém os lábios, dentes, mandíbula e palato são estruturas
que modificam o fluxo de ar vindo dos pulmões e as ondas
sonoras por seus movimentos e adaptações, moldando consoantes
e vogais da nossa língua falada.
Enquanto a fala depende grandemente da integridade muscular
e estrutural, a linguagem reflete o processamento cerebral.
As regiões do cérebro mais intimamente ligadas ao funcionamento
da linguagem são as do hemisfério esquerdo e do hemisfério
direito. Essas constatações decorrem de estudos referentes ao
que acontece na linguagem após diferentes tipos de dano cerebral.
No final do primeiro ano de idade, até um pouco depois de
completar dois anos, a criança começa a usar as primeiras palavras
isoladas que logo irão se associar, resultando em pequenas
expressões e, a seguir, frases.
A partir desse momento, ela começa a usar a linguagem
como um instrumento para exprimir seus desejos. No entanto,
durante esse processo a criança pode parar de falar fluentemente
e começa a hesitar mais do que a média das crianças.
Ela pode ocasionalmente experimentar interrupções em sua
fluência verbal, quando empolgada com algum fato, ou o padrão
de vocalização da fala pode ser suspenso momentaneamente
por algum acontecimento.
Esses tipos de repetições ou hesitações são ouvidos na fala
das crianças que estão adquirindo linguagem e são as chama
Textos de Apoio, n. 1, p. 107-120, 1999.
das disfluências, observadas em muitas crianças normais. A fluência
pode ser caracterizada pela articulação dos sons que ocorrem
com facilidade, e de forma harmoniosa e suave. O ouvinte
classifica a fala como normal. Quando surgem as rupturas nessa
fluência temos a disfluência e dentre as disfluências podemos
encontrar uma gagueira.
Todos nós podemos apresentar uma disfluência quando
estamos nervosos ou cansados. A velocidade com que falamos,
o ritmo de fala e os padrões de ênfase geral que utilizamos já
estão bem estabelecidos nos dois primeiros anos de vida, decorrentes
dos padrões de sons prosódicos de nossa língua nativa.
Esses padrões de fluência na idade adulta são resistentes à
mudança. A gagueira não se inicia na fase adulta; ela é trazida
desde a infância.
Os distúrbios de articulação afetam crianças e adultos e se
relacionam a processos fonológicos defeituosos. Os erros de articulação
podem variar desde um ceceio até uma fala quase
ininteligível, resultando em substituições de sons, omissões e
distorções. Alguns problemas de articulação podem ser causados
por anomalias estruturais (como uma fissura palatina) ou
danos no sistema nervoso central. As palavras faladas são
encadeadas em um fluxo prosódico melódico e os sons são ditos
rapidamente. Existem quatro formas de erros articulatórios: por
omissão, substituição, distorção e adição.
As omissões são comuns nas crianças pequenas e segundo
Shriberg (apud Boone, 1994: 261), o apagamento de consoantes
é uma parte natural no desenvolvimento fonológico, sendo
mais freqüentemente observadas na posição final das palavras.
As crianças com problemas de produção fonética, relacionados
à paralisia cerebral ou algum problema no sistema nervoso
central, continuam a cometer erros de omissão.
As substituições também são comuns em crianças pequenas.
O som incorreto é semelhante ao som-alvo em termos de
ponto, modo e sonoridade.
MARTINS, Maristela Flavi Piraino. Desvios da linguagem: fala e fluência.
Nas distorções, o erro mais comum está no ceceio lateral
onde o som-alvo é produzido com ruídos acrescentados a ele
(/s/ ou /z/) e soam com escapes de ar.
No acréscimo, o indivíduo acrescenta um som extra ao já
emitido corretamente. O mais comum é a adição do /a/ após
uma consoante final.
Na disartria, algumas pessoas não adquirem uma articulação
normal, em conseqüência de suas limitações motoras, e
outras ainda que possuam uma articulação normal, devido a
um problema motor de fala, podem adquirir uma disartria.
Ela pode afetar a comunicação em diversos aspectos, como:
formação perturbada com mudanças de altura e qualidade
de voz;
ressonância da voz alterada com mudanças tanto em
ressonância nasal como oral;
prosódia e ritmo de fala alterados;
articulação e inteligibilidade da fala comprometidas;
apoio respiratório para a fala comprometido, afetando
aspectos de fonação, voz, prosódia e articulação.
A apraxia, segundo Jaffer (apud Boone, 1994: 128), é um
prejuízo na capacidade de programar, combinar e seqüenciar
os elementos da fala . Uma criança com apraxia é capaz de compreender
normalmente a linguagem, mas é incapaz de imitar
uma palavra falada, apesar de não apresentar fraqueza ou paralisia
muscular.
A apraxia de fala é mais um problema fonético do que um
problema geral de linguagem, porém existe uma discrepância entre
a linguagem receptiva e a capacidade de expressar linguagem
pela fala e, desta forma, mesmo aquelas pessoas que produzem
frases com muitas palavras, não possuem uma prosódia normal.
As crianças pequenas produzem as melodias fluentes que
escutam na linguagem à sua volta. Quando crescem um pouco
(3, 4 anos), observamos um certo esforço na busca de uma palavra
específica, ou quando tentam expressar suas idéias por meio
Textos de Apoio, n. 1, p. 107-120, 1999.
da palavra. Devido a esse esforço, podem apresentar uma ruptura
na fluência, mostrando uma disfluência de fala, caracterizada
por repetições, uso de interjeições utilizadas para preencher
pausas, hesitações, etc. Na gagueira, a criança repetirá e
prolongará sons e sílabas, muitas vezes, no início de uma frase
ou sentença, e parecem ser involuntários, acompanhados por
tensão muscular, quando tentam sair do bloqueio.
Muitas pesquisas têm mostrado que a cognição, a afetividade
e os aspectos motores delineiam algumas das desordens
na fluência. Recentemente, especial atenção tem sido dirigida à
neuropsicologia como uma das fontes de acesso favorável ao
estudo de certos tipos de desordens comportamentais.
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P:
OK so... by making it the devil... remember again what s the problem?
THE?
W: the... ah the
(P e W falam ao mesmo tempo):
W: the subject
P:
OK put the subject W
W: ah.. the /daivil/ né?
P:
OK the devil what... what happened to him? the devil uhm....?
W: make... no
P:
uh... make
W: made a bridge of the stone in one night
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.
omo podemos notar neste fragmento, extraído de uma
investigação maior, realizada com um aprendiz de
segunda língua, a compreensão é um processo ante
134 SILVA, Célia Esteves da. Compreensão e produção em língua estrangeira...
rior e imprescindível para qualquer outra atividade que segue.
Vejamos como isso ocorre no trecho acima: P(esquisador) lembra
ao aprendiz W que há um problema na construção feita e, ao fazêlo,
espera que W seja capaz de identificar tal problema e produzir
algo que apresente a forma adequada. O aprendiz identifica o
problema, no caso acima, a omissão da categoria sujeito, e reelabora
sua oração incluindo este aspecto e modificando o verbo inicialmente
apresentado. 0 emprego do tempo presente é substituído
pela forma do passado (made), pois W conta uma história e este
tempo é o escolhido para o relato da mesma.
Pretendemos aqui esboçar a importância da compreensão
para a elaboração de qualquer atividade desempenhada pelo
aprendiz, em especial, na produção oral e escrita. Não examinaremos
tais habilidades, como são convencionalmente descritas
em manuais de ensino e aprendizagem de línguas, pois não é
nosso objetivo, mas discutiremos a compreensão e a produção
em Língua Estrangeira (LE) com base num trabalho realizado
com um sujeito adulto em situação de elaboração e correção de
um texto escrito.
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HUMANITAS PUBLICAÇÔES FFLCH/USP
e-mail: editflch@edu.usp.br
Título Tópicos de Psicolingüística Aplicada (2. ed.)
Coordenação editorial Mª Helena G. Rodrigues
Diagramação Selma Ma Consoli Jacintho
Projeto gráfico Marcos Eriverton Vieira
Capa Mª Helena G. Rodrigues
Revisão da autora / Jandira Albuquerque de Queiroz
Montagem Charles de Oliveira / Marcelo Domingues
Divulgação Humanitas Livraria FFLCH/USP
Tipologia BernardMod Bt 17 e Bookman Old Style 11
Mancha 11,5 x 19 cm
Formato 16 x 22 cm
Papel off-set 75 g/m2 (miolo)
cartão branco 180 g/m2 (capa)
Impressão da capa Preto, Pantone 185, Pantone 130U
Impressão e acabamento Cromosete Gráfica e Editora Ltda
Número de páginas 148
Tiragem 500 exemplares