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Os Outros - Luciano Lira

Só concordo em parte com Luís Veríssimo, quando ele mostra, em ótima crônica, que o
povo não presta, que toda ruindade do país resulta da existência do povo. Veríssimo que me
desculpe, mas atribuir tudo de ruim só ao povo é incorreto e incompleto: o povo é aquilo
mesmo, talvez até mais, porém não é o único responsável por tudo o que está errado.
Temos os outros, que também não prestam. Vejamos as eleições de 1989: todos queriam
Lula, mas na hora da verdade, lá vêm os outros e votam em Collor. A anarquia que reina no
Congresso nada tem com o povo, que não vota leis. São os outros que votam. Os outros
fumam no ônibus e elevadores e nem se preocupam com as boas maneiras ou as proibições.
“Os outros que obedeçam”, dizem cinicamente os outros.
O povo não é corrupto. Não tem nunca essa oportunidade. Tudo fica para os outros. Só os
outros têm acesso às mutretas de Brasília. Até aqueles deputados que foram eleitos pelo
povo esquecem o povo na hora de aproveitar e só lembram dos outros.

Agora mesmo, com esta epidemia de AIDS, quem é culpado de a doença se transmitir tão
rapidamente? Os outros, que não usam camisinha e se relacionam na maior promiscuidade.
As filhas dos outros cedo, cedo se perdem e ficam passando a doença. Vocês já observaram
as greves dos ônibus? Muitos motoristas e trocadores querem trabalhar, mas os outros não
deixam, fazem piquetes e ainda furam os pneus. O povo é culpado? Coisa nenhuma! O
povo é vítima dos outros. Na escola, quem é mal comportado? Quem não sabe as lições? Os
filhos dos outros, naturalmente, porque os outros não sabem educar os filhos.

Os outros são culpados de haver sonegadores, aproveitadores e picaretas, que se justificam


dizendo que “se eu não fizer, os outros fazem”. “Se eu não sonegar, os outros sonegam”. E
assim por diante, numa prova indiscutível de quão perniciosos são os outros.

Quem é que não sabe votar? Quem fura fila? Quem dirige sem cuidado, achando-se dono
das ruas só porque tem carro? Quem entra na contramão? Quem buzina quando abre o sinal
verde? Quem gosta de dupla caipira? Quem fala na volta dos militares? Quem acreditou
naquele choro da santa? Quem? Quem? Os outros, os outros e os outros. Ninguém mais!
Alguém já viu os teve notícia de acidente de trânsito que não seja provocado pelos outros?
Nunca! Eu, quando viajo, nem me preocupo comigo, mais com os outros, que são
irresponsáveis, ultrapassam nas curvas, guiam com excesso de velocidade, etc. Os outros
sempre os outros.
Os outros são nossa desgraça!
Mas quem são afinal, os outros? Devem ser entes sobrenaturais, pois nunca os outros se
identificam. Todos criticamos ou nos escondemos por trás dos outros, todos projetamos nos
outros os traços ruins de nossa personalidade, todos esperamos que os outros cumpram com
nosso dever, mas ninguém diz quem são os outros. Os próprios outros não se reconhecem.
Com certeza, lendo esta crônica, os outros vão achar que os outros a quem me refiro são os
outros. Uma última acusação, gravíssima: os outros plagiam os bons cronistas brasileiros.
Esta crônica, por exemplo, parece coisa dos outros.

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