Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Vitoriana
hana_sam7@yahoo.com.br
Resumo. Este trabalho estuda o livro de Lewis Carroll, Alice no país das
maravilhas, contrastando-o com a produção literária em geral da
Inglaterra vitoriana, para mostrar que ele pode ser lido como uma crítica
ao período histórico em que Carroll está inserido. Foca-se a produção
literária desse período como um todo para, em seguida, levantar-se
algumas características relevantes da Literatura Vitoriana. ANALISAM-se,
na seqüência, alguns aspectos relevantes da estrutura narrativa da obra de
Lewis Carroll, Alice, com base em fundamentos do percurso gerativo de
sentido NOS TEXTOS, mostrando, a partir dos dados levantados, os
motivos que podem embasar uma possível leitura crítica da obra de
Carroll.
Introdução
1. Literatura Vitoriana
A partir desse panorama geral e breve, desenha-se a era vitoriana como uma
época que produziu literatura e escritores preocupados, explicitamente, com a educação
e com a moral da sociedade. As obras de Lewis Carroll, mais precisamente Alice no
país das maravilhas, distanciam-se de tal literatura: sua obra não apresenta nem esse
caráter pedagógico nem esse caráter moralizante. Por meio da análise de alguns
aspectos do esquema narrativo principal de Alice e da análise da subversão de um
símbolo da sociedade inglesa vitoriana nesse livro, pretende-se mostrar que Alice pode
ser lido como uma crítica a essa opressão moralizadora e pedagógica da literatura e da
sociedade inglesa vitoriana, que desejava controlar o indivíduo, ditando padrões fixos e
pré-definidos.
1
So the novel sought to do for the society in this age precisely what Lyell and Darwin sought to do for
science, that is, to find the truth, and to show how it might be used to uplift humanity.
2. Uma breve análise do livro Alice no país das maravilhas.
Vê-se no trecho acima que Alice estava sentada juntamente com sua irmã e que
começava a enfadar-se por não ter nada (de interessante) para fazer. O enfado está
presente no estado inicial de Alice. Convém refletir um pouco sobre o significado da
palavra “enfado”. Segundo o Dicionário Aurélio, “enfado” possui dois sentidos: 1.
impressão desagradável, mal-estar, incomodo; 2. zanga, aborrecimento. Por essa
definição, pode-se dizer que Alice estava ou incomodada pela sua situação ou
aborrecida por causa dela ou as duas coisas. O estado inicial de Alice é o resultado do
contexto no qual ela está inserida, é um estado fixo, de monotonia. Se Alice for
considerada como um indivíduo pertencente à sociedade inglesa vitoriana, sendo, então,
representante dessa sociedade, o seu estado de tédio, cansaço, aborrecimento, na
realidade, pode ser considerado como sendo causado pela sociedade vitoriana que era
opressora.
Esse estado de tédio é quebrado pelo elemento mágico, introduzido pelo Coelho
Branco, que desperta em Alice a curiosidade e a vontade de ir atrás do novo, do
diferente, da aventura, isto é, ela sai de um estado de tédio, para o movimento, para a
mudança. Assim, ao ir atrás do Coelho Branco, quer entrar em disjunção com o seu
estado de tédio, para entrar em conjunção com um novo estado, emocionante e
empolgante. Alice é manipulada pelo querer entrar na toca do Coelho. Essa
manipulação, entretanto, é impulsionada pelo contexto, ou seja, a sociedade vitoriana
acaba impulsionando Alice a ir atrás de aventura. Ela entra na toca sem pensar como
sairia dali ou quais seriam as conseqüências de seus atos. Ela simplesmente age,
seguindo os seus impulsos:
Ao lado disso, nota-se que a Rainha de Copas é caracterizada como uma pessoa
irritadiça e autoritária, que vê nas decapitações a solução para todos os problemas: “A
Rainha só tinha um meio de remover todas as dificuldades. – Cortem-lhe a cabeça! –
gritou, sem voltar-se sequer na direção apontada” (CARROLL, 1985, p.99). Nessa
parte, quem fala é o narrador, que ironiza o método de resolução de dificuldades da
Rainha de Copas. Quando se considera o mundo do País das Maravilhas como uma
possível crítica à Inglaterra vitoriana (posição adotada por esse trabalho), pode-se
estender, então, tanto a fala do Grifo quanto a do narrador, à própria Rainha Vitória. É
interessante notar que, nos dois trechos citados, tanto o Grifo quanto o narrador se
referem à Rainha de Copas como apenas “Rainha”, reforçando a possibilidade de
interpretação desse “Rainha” como se referindo também à Rainha Vitória. No caso, a
Rainha Vitória está sendo caracterizada não só como sem autoridade, mas também
como possuidora de um julgamento duvidoso e simplista, crítica que não poderia ter
sido feita abertamente em uma época na qual a Rainha Vitória, embora não tivesse
poder político, tinha poder social e moral.
Um último aspecto que deve ser mencionado em relação à Rainha de Copas diz
respeito à posição que Alice assume diante de tal figura. Alice enfrenta a autoridade da
Rainha do País das Maravilhas, abertamente, pelo menos duas vezes, quando ela
encontra a Rainha pela primeira vez e no tribunal:
Conclusão
A literatura do período vitoriano perde a característica da “arte pela arte”,
ganhando uma nova função: a moral. Por meio dos romances e dos manuais de uma
forma geral, espalham-se pela Inglaterra vitoriana exemplos e modelos que deviam ser
seguidos pelos “verdadeiros cidadãos do Império Britânico”. Os escritores são elevados
ao patamar de profetas e guias morais, que sabem o que deve ser feito e o que não deve.
Eles enchem os romances com personagens bons e maus, reafirmando um modelo social
já existente: o mundo dividido em dois pólos, o “bom” vs. o “mau”. Para ser um
cidadão exemplar, era necessário somente seguir um determinado modelo, repetido
incansavelmente pela literatura. Difundi-se, então, a idéia de que os escritores sabem
mais, são mais experientes e podem decidir melhor sobre os problemas da vida, cabendo
aos cidadãos obedecer (MACHADO, 1999). É uma literatura que reafirma a autoridade
do social sobre a vontade individual.
Entretanto, “a obra de arte tende a ser subversiva e a afirmar a rebeldia
individual frente à autoridade. Por sua própria natureza, a criação artística procura
caminhos de inconformidade e ruptura” (MACHADO, 1999, p. 45). Nem todos os
artistas seguem o mesmo modelo. Sempre surge uma voz que vai contra as convenções
sociais. Essa voz pode não falar explicitamente, mas ela está lá, ela existe. Este é o caso
de Lewis Carroll e de seu livro Alice no país das maravilhas, que parece, à primeira
vista, mais um caso pertencente ao fenômeno de evasão literária.
Pode-se fazer uma leitura ingênua da obra de Lewis Carroll, pois o caráter
plurissignificativo da obra de arte assim o permite. Entretanto, de igual modo, é possível
uma leitura crítica, que vê na fuga de Alice para o mundo mágico uma forma de
censurar a sociedade inglesa vitoriana opressora. A própria personagem Alice foge do
padrão de cidadão vitoriano modelo: ela é ousada e busca a sua satisfação pessoal em
uma sociedade que condena esse tipo de satisfação. E mais: ela quebra as convenções e
não é punida por causa disso, pois não há punição no país das maravilhas, nem o medo
da punição, dois conceitos marcadamente presentes na literatura vitoriana. Ao lado
disso, ressalta-se a subversão de símbolos sociais importantes, para os ingleses
vitorianos, dentro da obra de Lewis Carroll. Essa subversão ridiculariza, por exemplo, o
símbolo máximo da monarquia no período vitoriano: a rainha. A subversão em si já traz
um caráter crítico, pois rebaixa um elemento considerado elevado.
Conclui-se, dessa maneira, que Alice no país da maravilhas pode ser lido como
uma obra que critica o período histórico em que está inserida, por questionar os padrões
sociais estabelecidos pela sociedade vitoriana e por se afastar do modelo recorrente de
literatura moralizante e pedagógica. Partindo-se da afirmação de que “o uso de
determinado discurso é, de certa forma, uma ação no mundo” (FIORIN, 2003, p.75),
Lewis Carroll, então, ao ser um escritor que utiliza um discurso diferente do corrente em
seu tempo, mostra uma certa insatisfação com o mundo que o cerca, bem como uma
vontade de agir, modificando esse mundo, ainda que esta ação permaneça no plano do
sonho e da literatura.
Referências
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003.
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 13. ed. São Paulo: Contexto,
2005.
LONG, William Joseph. English literature: its history and its significance for the life of
the English-speaking world. United States of America: Ginn and Company, [c1909].