Vous êtes sur la page 1sur 2

c 

 c



 

 

A manhã daquele dia 24 de agosto corria aborrecida. Aula de matemática já no segundo


tempo, aquelas raízes quadradas perturbavam a mente; e as equações, embora de primeiro
grau e com apenas uma incógnita, incomodavam a digestão do café com leite e pão com
manteiga da entrada.
A escola era pública, mas séria. E exclusivamente masculina, num tempo em que o termo
"machista" ainda não tinha sido inventado. Daí o terror de dois ou três meninos que se
recusavam à educação física (até forjando atestado médico) para não terem que ficar nus na
hora do chuveiro.
Era uma época em que o politicamente correto não existia. Em que chamar a gente de
"crioulo", "miquimba", "tiziu", "pau queimado" não tinha nada de mais. Pois até o Oscarito,
atendendo a exigências do "script", de vez em quando sacaneava o Grande Otelo. Como por
exemplo, naquela cena engraçadíssima em que ele encostava o cotovelo preto do parceiro
junto à boca e ligava: "Alô!!!".
Ser preto ou branco naquele tempo eram circunstâncias até celebradas. Como naquelas
disputas de futebol incentivadas pelos instrutores de ginástica. De um lado, o esquadrão
formado por Álvaro, Russinho e Paulo Emílio; Breno, Glauco e Alemão... Esqueço. Do outro,
o nosso: Chaminé, Azeitona e Jamelão; Chocolate, Blecaute... A memória me falha. Até
mesmo quando invento nomes, para preservar a identidade dos colegas.
Pois bem. Café da manhã, aulas de "cultura geral" (latim, francês, inglês, canto orfeônico...)
até a hora do almoço. "Cultura técnica" (mecânica, fundição, marcenaria...) à tarde. "Cultura
física" até o anoitecer. Jantar. Leitura e cama, para o pessoal do internato; volta para casa,
abatida, mas esperançada da vida, para nós, semi-internos.
Mas o bom mesmo eram os intervalos e tempos vagos. Quando trocávamos nossas
experiências musicais comunitárias. E foi aí que conheci os sambas da longínqua Tijuca, que
anos depois me levariam à dupla condição de acadêmico: na Faculdade Nacional de Direito e
na Academia do Salgueiro. Mas voltemos a 1954.
A escola ocupava um terreno de vários alqueires, pertinho da Vila Militar, no subúrbio
carioca de Deo-doro. E, naquela manhã de agosto, a aula parecia não terminar nunca. Até que,
providencialmente, chega à porta o inspetor geral.
Pede licença, entra, visivelmente nervoso, cochicha alguma coisa no ouvido do professor e
sai, quase chorando. Expectativa geral. O mestre, perturbado também, mas fleumático, despe
o guarda-pó, limpa o giz das mãos, vai vestindo o paletó enquanto avisa: "As aulas estão
suspensas. O presidente da República, Getúlio Vargas, acaba de cometer suicídio".
Um a um, então, fomos saindo, caras de pau tentando mostrar tristeza, quando por dentro o
que rolava era a adrenalina (já havia, naquela época?) da alegria, por aquele feriado
inesperado. Em vez de equação, a pipa no alto e o pião gungunando; no lugar das razões e
proporções, o racha, a pelada, o refresco de groselha, a paçoca e o pé de moleque. Ledo
engano!
Em casa, minha mãe chorava e meu pai ouvia o rádio, lívido. Minhas irmãs arrumavam a casa
compungidas. E meus irmãos iam chegando do trabalho, para o funeral de nossas ilusões.
Na ingenuidade dos meus 12 anos, eu não poderia imaginar que a partir dali tudo seria
diferente: ensino, família, saúde, trabalho... De bom, mesmo, só ficou aquele samba-enredo
arquetípico, talvez o melhor de todos os tempos, da fina lavra do saudoso Padeirinho da
Mangueira ("O Grande Presidente"). Cantem comigo: "Salve o estadista, idealista e
realizador...". A voz embargou. Desculpem.

Vous aimerez peut-être aussi