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HISTÓRIA DA AMÉRICA

II
HISTÓRIA DA AMÉRICA
II
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira

COLEÇÃO FORMANDO EDUCADORES


EDITORA NUPRE
2009
REDE DE ENSINO FTC
William Oliveira
PRESIDENTE

Reinaldo Borba
VICE-PRESIDENTE DE INOVAÇÃO E EXPANSÃO

Fernando Castro
VICE-PRESIDENTE EXECUTIVO

João Jacomel
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO

Cristiane de Magalhães Porto


EDITORA CHEFE

Francisco França Souza Júnior / Lorena Porto Seroes


CAPA

Mariucha Silveira Ponte


PROJETO GRÁFICO

Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira


AUTORIA

Ana Cláudia Esteves


DIAGRAMAÇÃO

Ana Cláudia Esteves


ILUSTRAÇÕES

Corbis/Image100/Imagemsource/Stock.Xchng
IMAGENS

Hugo Mansur
Márcio Melo
Paula Rios
REVISÃO

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prévia, por escrito, da REDE FTC - Faculdade de Tecnologia e Ciências.
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SUMÁRIO
1 DA AMÉRICA COLONIAL À PÓS-INDEPENDENTE ...................................................................... 9
1.1 TEMA 1. AS AMÉRICAS INGLESA E FRANCESA: DA COLÔNIA AO IMPERIALISMO NORTE-
AMERICANO ............................................................................................................................. 11
1.1.1 CONTEÚDO 1. AS COLONIZAÇÕES INGLESA E FRANCESA NA AMÉRICA ................. 11
1.1.2 CONTEÚDO 2. A INDEPENDÊNCIA NORTE-AMERICANA......................................... 25
1.1.3 CONTEÚDO 3. A CONSOLIDAÇÃO DA NAÇÃO NORTE-AMERICANA........................ 31
1.1.4 CONTEÚDO 4. OS EUA EM FINS DO SÉCULO XIX: A FORMAÇÃO DO IMPÉRIO ....... 37
MAPA CONCEITUAL.......................................................................................................................... 49
ESTUDOS DE CASO ........................................................................................................................... 50
EXERCÍCIOS PROPOSTOS .................................................................................................................. 51
1.2 TEMA 2. DA CRISE DO SISTEMA COLONIAL À FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS LATINO-
AMERICANOS ........................................................................................................................... 55
1.2.1 CONTEÚDO 1. CRISE DO SISTEMA COLONIAL ......................................................... 55
1.2.2 CONTEÚDO 2. AS INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA LATINA..................................... 58
1.2.3 CONTEÚDO 3. O PERÍODO PÓS-INDEPENDÊNCIA ................................................... 67
1.2.4 CONTEÚDO 4. DESENVOLVIMENTO NEOCOLONIAL LATINO-AMERICANO............. 73
MAPA CONCEITUAL.......................................................................................................................... 83
ESTUDO DE CASO ............................................................................................................................. 84
EXERCÍCIOS PROPOSTOS .................................................................................................................. 85

2 O SÉCULO XX NA AMÉRICA: NACIONALISMOS, REVOLUÇÕES E REGIMES MILITARES................89


2.1 TEMA 3. NACIONALISMO E REVOLUÇÃO NA AMÉRICA LATINA .............................................. 91
2.1.1 CONTEÚDO 1. A REVOLUÇÃO MEXICANA DE 1910................................................. 91
2.1.2 CONTEÚDO 2. OS NACIONALISMOS NA AMÉRICA LATINA ..................................... 97
2.1.3 CONTEÚDO 3. OS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS NA AMÉRICA LATINA ....... 101
2.1.4 CONTEÚDO 4. A REVOLUÇÃO CUBANA DE 1959 .................................................. 108
MAPA CONCEITUAL........................................................................................................................ 121
ESTUDO DE CASO ........................................................................................................................... 122
EXERCÍCIOS PROPOSTOS ................................................................................................................ 124
2.2 TEMA 4. EUA, REGIMES MILITARES, REDEMOCRATIZAÇÕES E NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA127
2.2.1 CONTEÚDO 1. O PODERIO NORTE-AMERICANO E AS RELAÇÕES EXTERIORES
CONTINENTAIS............................................................................................................. 127
2.2.2 CONTEÚDO 2. OS MOVIMENTOS REACIONÁRIOS E REGIMES MILITARES............ 136
2.2.3 CONTEÚDO 3. A REDEMOCRATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA .............................. 139
2.2.4 CONTEÚDO 4. NEOLIBERALISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS LATINO-AMERICANOS141
MAPA CONCEITUAL........................................................................................................................ 153
ESTUDO DE CASO ........................................................................................................................... 154
EXERCÍCIOS PROPOSTOS ................................................................................................................ 156

GABARITO DAS QUESTÕES.........................................................................................................159

GLOSSÁRIO ...............................................................................................................................161
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................163
APRESENTAÇÃO

Caro (a) leitor (a),

O continente americano, desde seu passado colonial, configurou-se como um espaço de


contrastes, a partir das áreas que se desenvolveram de modos distintos, como por exemplo, as
regiões norte e latino-americanas. Ao mesmo tempo, percebemos que muitos dos países (lati-
no) americanos experimentaram, ao longo de sua história, processos sociopolíticos e econô-
micos em comum, apesar das especificidades. A América é, assim, terra de contrastes, de con-
tradições e antagonismos, principalmente no sentido norte-sul.
É justamente desta epopeia americana que trataremos aqui. Temos como objetivo pro-
blematizar a trajetória das sociedades desde a colonização (no caso da América anglo-
saxônica), passando pela crise do sistema colonial e emergência dos Estados nacionais de fins
do século XVIII e primeiro quartel do XIX e o desenrolar da experiência histórica americana
desde então. Da mesma forma, refletir acerca da consolidação dos Estados Unidos da América
enquanto nação, ao longo de seu primeiro centenário, bem como suas relações com o restante
do continente são temas de suma importância, como qualquer observador da atual realidade
latino-americana pode constatar.
As grandes “ondas históricas” por que passou a América Latina ao longo do século XX,
com seus nacionalismos, revoluções e regimes militares, são vislumbradas dialeticamente com
a expansão do poderio norte-americano no mesmo período, bem como todas as influências
extracontinentais recebidas, que por vezes desviaram os povos latino-americanos de seus pro-
jetos nacionais independentes.
Assim, as contradições entre os EUA desenvolvidos e os povos subdesenvolvidos abaixo
do Rio Grande, as alternativas de desenvolvimento empreendidas pelos últimos, além dos
movimentos sociais que contestaram a ordem elitista vigente integram o conteúdo desta obra.
Trabalhar a história dos latino-americanos através de suas lutas constitui o nexo entre a plura-
lidade e a unidade de povos distintos, mas iguais em sua caminhada por um caminho tortuo-
so, mas que não lhes tira a esperança por mudanças.
Desejamos a você bons estudos!
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
1
BLOCO
TEMÁTICO
DA AMÉRICA COLONIAL À
PÓS-INDEPENDENTE
DA AMÉRICA COLONIAL À
PÓS-INDEPENDENTE

1.1
TEMA 1.
AS AMÉRICAS INGLESA E FRANCESA: DA COLÔNIA AO
IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO

1.1.1
CONTEÚDO 1.
AS COLONIZAÇÕES INGLESA E FRANCESA NA AMÉRICA
É conhecido o pioneirismo ibérico na realização das grandes navegações devido à ante-
rior configuração dos Estados nacionais, português e espanhol. Ingleses e franceses, somente
após a partilha de grande parte do continente americano entre os ibéricos, lograram estabele-
cer-se enquanto Estados nacionais, passo fundamental para a realização dos empreendimen-
tos coloniais. Assim, o desenvolvimento de seus projetos coloniais foi retardatário em relação
aos ibéricos, pertencendo ao século XVII, quando as monarquias hispânica e lusa, perderam
seus postos de vanguarda na expansão marítima-comercial pelo mundo.
Entretanto, o atraso cronológico e as condições em que foram gerados os projetos inglês
e francês, determinaram caminhos distintos daqueles traçados pelos ibéricos, bem como por
estabelecer um domínio menos duradouro para suas possessões, pois a grande roda da Histó-
ria não para, nem gira para trás.

• A América Inglesa
No século XV, enquanto os portugueses empreenderam sua expansão africana tendendo
alcançar as riquezas orientais, o que lograram concluir com a viagem de Vasco da Gama à
Índia (1497-1498), e os espanhóis, em seu processo de Reconquista da Península Ibérica con-

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História da América II
tra os mouros, forjou seu Estado nacional, os ingleses iniciaram seu processo de unificação
política. Duas guerras contribuíram para o êxito em tal empreitada: a Guerra dos Cem Anos
(1337-1453) e a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A dinastia Tudor (1485-1603) foi à res-
ponsável pela afirmação do poder real frente à nobreza (KARNAL, 2001, pp. 19-20). A Re-
forma religiosa empreendida por Henrique VIII, no século XVI, ao fundar o anglicanismo
aumentou o poderio da realeza, agora chefe da estatal Igreja Anglicana. Estava em formação o
Estado centralizado que possibilitou a emergência de um projeto colonizador no século XVII.
Entre fins do século XV e durante o século XVI, iniciativas foram tomadas no sentido de
descobrir novas rotas comerciais, enquadradas no que Marc Ferro denominou de “’nacionali-
zação’ das forças econômicas” na Inglaterra (FERRO, 1996, p. 66). Tratava-se de aumentar a
importância comercial Inglesa, dinamizando a economia. Não havia então um “projeto colo-
nizador” propriamente dito, e sim tentativas de seguir o sucesso dos ibéricos nas “Grandes
Navegações”. Giovanni Gaboto, comandando cinco navios da Marinha Inglesa, tentou desco-
brir uma rota pelo Noroeste da América, em 1497, visando alcançar a Ásia. No ano seguinte
realizou nova empreitada, tendo em suas viagens navegado pelas costas da América do Norte
e encontrado rios e baías que futuramente seriam as portas de entrada da colonização.
Contudo foi durante o reinado de Elizabeth I, em fins do século XVI, que os ingleses, em
crescente rivalidade com os espanhóis, deram um impulso “à construção naval e ao comércio
marítimo, envolvendo também a atividade corsária” (AQUINO, 2000, p. 123). O poderio es-
panhol era uma ameaça concreta para os ingleses, tendo estes em resposta formulados os
princípios do seu mercantilismo:

Se para a Inglaterra só interessavam, ainda no final do século XVI, as rotas e


o comércio, uma reviravolta ocorre na época de Elizabeth I, quando Walter
Raleigh torna-se o teórico de uma espécie de imperialismo marítimo: “Quem
comanda o mar comanda o comércio; quem comanda o comércio comanda
a riqueza do mundo, e, por conseguinte, o próprio mundo...” (FERRO, 1996,
p. 67).

A partir daí se intensificaram as viagens à América, “seja para saquear as embarcações e


colônias espanholas, ou para empreender lucrativo contrabando nas Antilhas, seja para come-
çar a colonização” (AQUINO, 2000, p. 123). Os ingleses, assim como os franceses, tiveram
inicialmente uma atitude parasitária para com os negócios coloniais espanhóis. Somente nas
três expedições de Walter Raleigh à América do Norte – 1584, 1585 e 1587 – houve o intento
de iniciar a colonização, sendo, contudo frustrados seus planos pela resistência indígena, que
dizimou os colonos.

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Sir Walter Raleigh, Navegador Inglês.
FONTE: HTTP://COMMONS.WIKIMEDIA.ORG/WIKI/FILE:SIR_WALTER_RALEIGH_BAH-P22.PNG

Os conflitos entre nativos e colonos foram constantes no período colonial, e mesmo no


pós-colonial. Não havia projeto de evangelização das populações indígenas, com apoio estatal
e levado a cabo por missionários, nos moldes vislumbrados na América ibérica, muito menos
a intenção de integrar os nativos à sociedade colonial Inglesa no continente americano.
O processo de colonização Inglesa sofreu uma pausa por conta da guerra contra a Es-
panha, mais poderoso Estado ocidental. A tentativa malograda de invasão à Inglaterra pela
Invencível Armada espanhola, em1588, foi o ponto crítico para a guinada no jogo das forças
entre os Estados europeus. Com a derrota fragorosa, a Espanha veria seu poder em declínio
ser suplantado por uma Inglaterra que abriu caminho para sua vocação marítima se tornar
imperial e mundial, processo consolidado entre os séculos XVII e XIX. Somente as duas guer-
ras mundiais do século XX levaram ao ocaso o imperialismo britânico.
Livres da ameaça espanhola e tendo concluída a ascensão da dinastia Stuart (1603) pu-
deram os ingleses retomar suas investidas coloniais na América. A conjuntura Inglesa era ago-
ra favorável – não obstante as conturbações políticas. Senhora dos mares, a Inglaterra e sua
crescente burguesia dispunham de condições para reativar negócios coloniais. Assim, o rei
Jaime I concedeu a duas companhias – a Cia. de Londres e a Cia. de Plymouth – parte do lito-
ral norte-americano. Entre os paralelos 34º, 38º, 41º e 45º, tiveram as companhias de Londres
e Plymouth, respectivamente, seus espaços de atuação, resguardando-se a faixa territorial en-
tre eles para evitar disputas.
O modelo inicial de colonização, desenvolvido a partir de empresas formadas por socie-
dades por ações, deu um caráter privado ao empreendimento colonial, com pouca interferên-
cia estatal. Algo semelhante aconteceu nos primórdios das colonizações espanhola (com os
conquistadores adelantados) e portuguesa (com os capitães donatários), porém a diferença
essencial residiu na cultura e perfis socioeconômicos destes distintos povos:

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História da América II
O aspecto empresarial privado da colonização e o caráter individualista da
sociedade Inglesa atuaram em reciprocidade com o ambiente do Novo Mun-
do e geraram importantes consequências. Em toda parte no Novo Mundo, a
ausência de instituições tradicionais deixava livres as pessoas para construí-
rem novas ordens sociais, ao mesmo tempo em que, recursos naturais abun-
dantes abriram um campo à iniciativa que levou os americanos ingleses para
o individualismo e a modernidade (SELLERS; MAY; MCMILLEN, 1990, p.
20).

• As Colônias do sul
No natal de 1606, a Cia. de Londres mandou a primeira vaga de colonização efetiva In-
glesa, com a fundação de Jamestown, em 1607-8, na Virgínia. O começo para os colonos lá
estabelecidos foi difícil, flagelados pela fome e pelos ataques indígenas. As ambições iniciais
dos colonos eram encontrar riquezas imediatas em ouro e prata ou descobrir uma passagem
para o Pacífico. Malogrados estes intentos, tiveram os colonos que se voltar à prática da agri-
cultura visando ao comércio com a metrópole. Em 1619, os colonos conseguiram permissão
para enviar delegados à Casa dos Burgueses, formando o primeiro corpo legislativo no Novo
Mundo, a Assembleia da Virgínia, com direitos de autogoverno local.
O povoado foi massacrado pelos nativos em 1622, perdendo um quarto de sua popula-
ção (FERRO, 1996, p. 68). Superando os obstáculos, conseguiram os colonos empreender o
cultivo daquele que seria o produto responsável pela prosperidade das colônias do sul: o taba-
co.

Massacre de Jamestown (1622)


FONTE: HTTP://FIRSTENCOUNTER.PBWORKS.COM/STEPHEN'S+PICTURES)

Os prejuízos com o massacre e perdas de safras levaram ao endividamento (por conta


dos investimentos) da Cia. de Londres, não obstante os sucessos individuais de colonos plan-
tadores de tabaco, levando a Coroa a converter a Virgínia em colônia real (1624). Foi nomea-

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
do pelo rei um governador para a colônia, mas continuaram os privilégios de autogoverno
encarnados na Assembleia virginiana, sendo pouca a interferência estatal metropolitana.
Visando incrementar a ocupação do espaço colonial, o Estado também passou a conce-
der territórios a figuras destacadas para a fundação de colônias. Assim nasceu Maryland, em
1634, com o estabelecimento de colonos católicos que se dedicaram ao cultivo do tabaco.
Mas quem eram estes colonos que para a América vieram? Fruto da conturbada conjun-
tura Inglesa do século XVII, a imigração para o Novo Mundo teve múltiplos estímulos. A co-
meçar pela situação rural Inglesa, com o processo dos cercamentos (enclouseres), que impeliu
o excedente camponês expulso do campo para as cidades. Levas de empobrecidos camponeses
apinhavam os centros ingleses, reservatórios de imigrantes rumo à América. Carentes de mão
de obra para expandir a colonização (os indígenas, relativamente pouco numerosos e resisten-
tes ao trabalho não se configuravam como força produtiva disponível), as companhias, a Co-
roa ou os detentores de doações no Novo Mundo escoavam o excedente populacional inglês
em direção das plantações americanas.
Para custear a vinda para a América, os pobres ingleses assinavam um contrato de servi-
dão de três a cinco anos. Tal servidão por dívidas (indentured servant) fora generalizada nas
Treze Colônias, atingindo cerca de 70 % dos imigrantes (AQUINO, 2000, p. 125). Segundo
Pierre Chaunu, a servidão branca era “de fato uma forma de escravatura, cujas modalidades
práticas, senão as suas bases jurídicas, não diferem fundamentalmente da escravatura [dos
negros africanos trazidos para a América]” (CHAUNU, 1969, p. 117).
Além dos pobres dos centros ingleses, os condenados pela justiça, mulheres e crianças
raptadas, e renegados de toda sorte estiveram incluídos nas sucessivas levas de imigrantes,
bem como os perseguidos pelas disputas religiosas, dos quais trataremos adiante.
Com a restauração dos Stuart novas colônias surgiram no Sul:

A Carolina do Norte e a Carolina do Sul, doadas a dois proprietários: John


Coleton e William Berkeley (1663). Povoadas por grupos deslocados de ou-
tras colônias, de huguenotes, franceses e imigrantes da Escócia, Suíça e Ale-
manha, as duas colônias basearam sua economia no cultivo do índigo e do
arroz, produzidos por escravos negros em grandes propriedades (AQUINO,
2000, pp. 129-30)

A mão de obra escrava composta pelos negros africanos veio a complementar a servidão
branca ao longo do século XVII, tendo o primeiro carregamento chegado na Virgínia em
1619. Em fins deste século já predominava nas colônias do Sul, empregados nas monoculturas
das plantations.
Outra colônia que seguiu este modelo econômico foi à Geórgia, última colônia a ser
fundada na região (1732), formada inicialmente por condenados à prisão por dívidas, trazidos

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História da América II
pelo proprietário James Oglethorpe. Em 1752, passou a Geórgia a ser colônia real, onde os
escravos negros trabalhavam no cultivo do arroz em grandes propriedades.
A estrutura social das colônias do Sul advinha de sua organização econômica. Os lati-
fúndios das plantations escravistas conformavam uma sociedade polarizada entre uma aristo-
cracia fundiária ávida por terras e uma massa de escravos negros, assim como uma parcela de
servos brancos. Devido ao esgotamento das terras pelo cultivo do tabaco, novas fronteiras
latifundiárias eram abertas, tendo a terra altos valores e impostos, o que bloqueava a difusão
de pequenos proprietários, ademais sem condições de adquirir a mão de obra escrava ou
mesmo resistir à pressão dos latifúndios por mais terras. Muito mais ligado à metrópole, o Sul
escravista seria o bastião do mercantilismo e do conservadorismo na América Inglesa, mesmo
na época das lutas pela independência.

• As colônias do Norte
Paralela ao desenvolvimento dos latifúndios destinados às plantations escravistas do Sul,
ao Norte a colonização desenvolveu-se diversamente. A partir de 1620, as perseguições religi-
osas na Inglaterra levaram católicos, huguenotes, quakers e puritanos (entre outras dissidên-
cias protestantes) a imigrarem para a América, situando-se na região da Nova Inglaterra. Foi
esta última leva, a dos puritanos, que entrou para a história norte-americana como o núcleo
original de sua cultura.
Em 1620, quando chegaram à costa do que seria Massachusetts, a bordo do Mayflower,
um grupo de puritanos (entre muitos outros passageiros) firmou um pacto (The Mayflower
Compact):

Essa primeira “constituição” norte-americana foi um acordo de autogoverno,


inspirado por ideias puritanas radicais sobre o governo da Igreja. Quarenta e
um homens, todos adultos, assinaram-no a bordo do navio antes de desem-
barcarem em Cape Cod. De acordo com seus termos, os colonos formavam
um “corpo político civil”, que governaria a todos segundo a vontade da mai-
oria e prometia “toda a devida submissão e obediência” a “leis justas e iguais”
na colônia (SELLERS; MAY; MCMILLEN, 1990, p. 25).

Este grupo ficou conhecido como os “Pais Peregrinos” (Pilgrim Fathers). Fundaram
New Plymouth, posteriormente absorvida por Massachusetts, que era ligada à Cia. da Baía de
Massachusetts, dirigida por uma “burguesia puritana”. Esta Cia. trouxe uma nova leva de pu-
ritanos, em 1630, quando desembarcaram na Baía de Massachusetts os colonos liderados por
John Winthrop, também considerados “Pais Peregrinos”. Winthrop, ao longo da viagem, pre-
gava entre os seus: “Nós seremos como uma cidade no alto da colina, e os olhos de todos se

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
voltarão para nós [...] a nossa história será contada e dela será passada palavra pelo mundo”
(BOORSTIN, 1997, p. 15). Antes de desembarcarem do navio Arbela, Winthrop também fir-
mou um pacto (The Arbela Compact) declarando:

Nós devemos agir nessa empreitada como um só homem, devemos alegrar-


nos na companhia dos nossos, divertir-nos juntos, tendo sempre presente no
espírito a missão de nossa comunidade, na qual todos devem ser membros
de um mesmo corpo (In: CRÉTÉ, 2005, p. 63).

Os ditos “Pais Peregrinos” vieram para a América devido à intolerância religiosa Inglesa
do século XVII, pois desejavam atingir uma pureza religiosa em meio ao ambiente anglicano
inglês (os puritanos formavam a Igreja Congregacionista). Procuraram estabelecer esta pureza
religiosa na Nova Inglaterra, intentando fundar uma “Nova Jerusalém”. Consideravam-se os
eleitos por Deus para iniciar uma nova civilização e todas as provações (eram muitas as difi-
culdades, sendo que a celebração da primeira colheita realizada por eles, em 1621, deu origem
ao primeiro Dia de Ação de Graças – Thanksgiving – dos EUA) pelas quais passaram na tra-
vessia e no início de seu estabelecimento reforçaram a ideia de que eram predestinados. É o
mito fundador da América WASP (white, anglo-saxon, protestant – branca, anglo-saxônica e
protestante). Os estadunidenses consideram este o ponto de partida para sua história de suces-
so – não a colonização virginiana. Sobre o grau de penetração deste mito no imaginário da-
quele povo Chaunu escreveu:

A Nova Inglaterra não é a primeira América inglesa, os Pilgrim Fathers nem


sequer foram os seus fundadores. E, contudo, a sua lenda é mais verídica que
a história. 1620-1621 acaba por marcar profundamente uma viragem capital
na história da América (CHAUNU, 1969, p. 118).

É praticamente onipresente esta versão mítica dentro da historiografia norte-americana.


Não é por acaso que Daniel Boorstin inicia sua trilogia sobre a história dos EUA com a narra-
tiva deixada pelo governador que presenciou a chegada dos “Pais Peregrinos” e todas as pro-
vações a que foram submetidos, arrematando em seguida:

Nunca antes uma terra prometida fora tão pouco promissora. Porém, no es-
paço de século e meio – mesmo antes da revolução americana – este cenário
que os tolhia transformara-se numa das partes mais civilizadas do mundo.
Haviam nascido os contornos gerais de uma civilização nova (BOORSTIN,
1997, p. 8).

Os puritanos e sua Igreja Congregacionista, situados no âmbito da Cia. da Baía de Mas-


sachusetts, estabeleceram uma forma de governo, ou comunidade política baseada em precei-
tos religiosos, sediada em Boston, mais importante centro da Nova Inglaterra. Estabeleceu-se,

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História da América II
portanto, “a união entre Igreja e Estado, cabendo o governo a elementos da Igreja Congrega-
cionista. O predomínio da oligarquia puritana resultou na intolerância religiosa.” (AQUINO,
2000, p. 131)

A chegada dos peregrinos a Massachusetts, óleo sobre tela de Antonio Gisbert, 1864.
FONTE: HTTP://WWW2.UOL.COM.BR/HISTÓRIAVIVA/REPORTAGENS/AS_RAIZES_PURITANAS_IMPRIMIR.HTML

Tal intolerância levou colonos não puritanos a deixarem Massachusetts, daí originando
outras colônias na região. Rhode Island, fundada por uma corrente de dissidentes (1636), teve
sua Carta de reconhecimento pelo Parlamento inglês em 1644, à qual fixava “a separação entre
Igreja e Estado, a liberdade religiosa, a proibição da servidão e da escravidão, a obediência às
leis aprovadas pela maioria e ao governo eleito pelos próprios colonos” (AQUINO, 2000, p.
132).
No bojo do processo de dissidência na Nova Inglaterra foram fundadas também New
Hampshire (1623, convertida em colônia real em 1679) e Connecticut (1635). Diferenças reli-
giosas e políticas à parte, em termos socioeconômicos havia certa homogeneidade entre as
colônias do Norte. O clima temperado (semelhante ao da Inglaterra) inviabilizava a imple-
mentação das monoculturas para exportação, portanto excluía as plantations escravistas exis-
tentes nas colônias do Sul. A estrutura fundiária estabelecida na Nova Inglaterra foi marcada
pela pequena propriedade, cultivada pelas famílias dos colonos, acrescidas dos servos brancos
quando possível. As desigualdades sociais não foram assim tão grandes como no Sul.
A economia das colônias do Norte era baseada na plantação de gêneros de subsistência
(que também geravam excedentes comerciáveis) como o trigo, a aveia, o milho, bem como na
criação de gado, porcos e ovelhas. À produção do campo juntava-se a pesca como importante

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
atividade, bem como a indústria naval, beneficiada pela grande quantidade de madeira propí-
cia disponível. O desenvolvimento das cidades fez com que tanto as manufaturas quanto o
comércio prosperassem, apesar das proibições e restrições impostas a uma e outra atividade.
O comércio de peles, valiosas no mercado europeu, também compunha o quadro econômico
da região.
No âmbito da dinâmica interna da colonização, o Sul, voltado à agroexportação, carecia
de gêneros de subsistência para alimentação da escravatura, adquirindo os produtos necessá-
rios nas colônias do Norte. Estas, além deste comércio, desenvolveram amplamente um circui-
to comercial não só ligado à Inglaterra, como também à África e às Antilhas. O controle me-
tropolitano sempre foi burlado, perfazendo o contrabando cerca de 84% do comércio
realizado pelas Treze Colônias (CHAUNU, 1969, p. 172).

• As colônias do Centro
Entre os territórios delegados à Cia. de Londres e à Cia. de Plymouth desenvolveu-se um
terceiro grupo de colônias, denominadas colônias do Centro. O vazio territorial foi ocupado
por outros europeus, principalmente holandeses. Entre os anos de 1624 e 1633, a Cia. das Ín-
dias Ocidentais holandesa fundou uma série de estabelecimentos, destacando-se a Nova Ams-
terdã (núcleo original de Nova Iorque). Suecos, finlandeses e alemães também juntaram-se
aos holandeses no vale de Delaware (CHAUNU, 1969, pp. 150-1).
A restauração dos Stuart, na década de 1660, levou os ingleses a um novo impulso colo-
nizador, sendo o centro da América do Norte o alvo primordial da sua expansão. Nesta região
os ingleses, entre idas e vindas, conseguem estabelecer o controle sobre a colônia holandesa,
agora denominada Nova Iorque.
Outras colônias foram fundadas, na esteira da conquista inglesa. Deleware, habitada o-
riginalmente por suecos, após um rasgo de dominação holandesa, passou ao controle inglês
em 1664, ligada a Nova Iorque. Seria transformada em colônia autônoma em 1701. No mesmo
ano da conquista de Delaware, surgiu Nova Jérsei, já habitada por puritanos ingleses e holan-
deses vindos da Nova Inglaterra, agora propriedade de Lord John Berkley e Sir George Carte-
ret. Igualmente Carlos II doou a Willian Penn, líder dos quakers, um território, dando origem
à colônia da Pensilvânia (1681). A liberdade religiosa e a facilidade na aquisição de terras
trouxeram imigrantes de diversas partes da Europa, principalmente alemães.
Marcadas pela heterogeneidade do povoamento e de religiosidade, ao longo de seu de-
senvolvimento as colônias centrais perderiam parte de sua originalidade, ao assemelhar-se
gradualmente à Nova Inglaterra. Contribuiu para tal a imensa vaga de colonos germânicos –
9.000 habitantes em 1685 (CHAUNU, 1969, p. 152) – levando os descendentes dos primeiros
imigrantes extremistas à formação de uma sociedade aristocrática e censitária, para garantir

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História da América II
suas prerrogativas e privilégios, e barrar a diluição de sua cultura em meio às demais contribu-
ições “estrangeiras”.

• As instituições político-administrativas
O processo de colonização Inglesa na América, realizado através do empenho das com-
panhias privadas e de proprietários e colonos responsáveis pela viabilização e defesa dos em-
preendimentos coloniais, conformou um modelo colonizador distinto dos vislumbrados na
América Ibérica. Como afirmou Leandro Karnal, o “Estado e a Igreja oficial, na verdade, não
acompanharam os colonos ingleses” (KARNAL, 2001, p. 27). Situação diversa da encontrada
nas Américas espanhola e portuguesa, onde seus Estados metropolitanos e a Igreja Católica a
eles interligada fizeram-se presentes.
As instituições político-administrativas das Treze Colônias tiveram variações entre si,
mas de modo geral todas possuíam suas próprias autoridades e autonomia em relação às de-
mais e à metrópole. Podem ser enquadradas em três modelos administrativos:
- Colônias de companhias de comércio – foram as primeiras a ser fundadas: Virgínia e
Massachusetts;
- Colônias de proprietários – concedidas a particulares pela Coroa: Maryland, New
Hampshire, Nova Jérsei, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Pensilvânia, Nova Iorque e Ge-
órgia;
- Colônias reais – foram aquelas em que a Coroa assumiu a direção da colonização, sen-
do que nenhuma foi fundada pelo Estado. A primeira foi a da Virgínia. No século VXII cons-
tituíam a menor parte das colônias, mas ao longo do XVIII se tornaram a maioria, exceto
Maryland, Deleware, Pensilvânia, Connecticut e Rhode Island.

20
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Mapa Das Treze Colônias.
FONTE: HTTP://COMMONS.WIKIMEDIA.ORG/WIKI/FILE:13COLONIAS.JPG

As instâncias administrativas contidas em cada colônia eram: a) um governador, repre-


sentante dos interesses metropolitanos, possuindo amplos poderes. Nas colônias das compa-
nhias o governador era eleito pelos colonos, geralmente para um mandato de um ano e sem
direito a veto às leis das assembleias, b) um conselho ou câmara alta composto por membros
nomeados dentre os colonos mais influentes, ou eleitos, funcionando como órgão assessor do
governador e c) as assembleias eleitas pelos homens livres, geralmente de forma censitária,
que elaboravam leis e fixavam impostos nas colônias (AQUINO, 2000, p. 138).
Esta forma de governo, bastante distinta da América ibérica, levava os colonos a expe-
rimentarem um sentimento de autogoverno, o que contribuiu para a emancipação quando a
Inglaterra lançou mão de medidas que pretendiam estabelecer um maior controle administra-
tivo e tributário sobre as Treze Colônias.

21
História da América II
• As Antilhas e as Guianas
Na região das Antilhas, ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses, entre outros, se
aproveitaram do declínio do poderio espanhol e do vazio deixado pelo genocídio da época da
conquista nos séculos XV e XVI. Este vazio foi preenchido, ao longo do século seguinte,
quando a Inglaterra (São Cristóvão, Nevis, Montserrat, Barbados e Jamaica), a França (princi-
palmente a parte de São Domingos, denominada Haiti), a Holanda (Curaçao, Margarida, Bo-
nária, Santo Eustáquio e Aruba) e a Dinamarca (os dinamarqueses fundaram a Companhia
Dinamarquesa das Índias Ocidentais em 1671, sendo que permaneceram nas Ilhas Virgens até
1917) partilharam as ilhas tomadas à Espanha (CHAUNU, 1969, p. 142).
Contudo, juntamente com as espanholas, Cuba, São Domingos e Porto Rico, foram a
Jamaica e o atual Haiti as mais importantes porções antilhanas para o comércio colonial. Seu
produto principal, o açúcar, floresceu pelo lucrativo comércio, beneficiado pelo eclipse do
Nordeste açucareiro da América portuguesa.
Tanto os ingleses como os franceses deixaram para trás o século XVI da pirataria e do
corsarismo, levado a cabo por flibusteiros baseados em ilhas tomadas ou abandonadas para
estabelecer bases econômicas nos moldes das plantations escravistas no século XVII. Podemos
perceber o desenvolvimento da parte francesa de São Domingos pela descrição feita, em 1789,
por Moreau de Saint-Méry:

[...] 793 engenhos de açúcar, 3150 plantações de anil, 789 de algodão, 3117 de
café, 182 destilarias de cachaça e outras aguardentes de cana, 36 fábricas de
tijolos e telhas, 6 fábricas de curtumes, 370 fornas de cal, 29 olarias e 50 plan-
tações de cacau, independentemente de um sem número de outros estabele-
cimentos conhecidos [...] (in: CHAUNU, 1969, p. 143).

A parte Inglesa das Antilhas, além de integrar-se de forma mais completa no projeto
mercantilista inglês, participou do comércio triangular com as colônias norte-americanas,
trocando açúcar e melaço por produtos manufaturados e rum, bem como consumia sucessivas
levas de escravos africanos trazidos pelos comerciantes coloniais e metropolitanos.
As guianas seguiram o mesmo padrão da conquista antilhana, por conta da incapacida-
de espanhola em efetivar o povoamento da costa Norte da América do Sul, dando origem às
três guianas – Inglesa, Holandesa e Francesa:

Assim, entre o Orenoco e o Amazonas, toda uma frente costeira, por traição
da Espanha, demasiado longe da América, demasiado sobrecarregada de tra-
balhos na Europa, escapará no fim das contas e definitivamente aos Ibéricos.
O primeiro estabelecimento inglês duradouro na Guiana – obra de Walter
Raleigh – data de 1595; a primeira colônia holandesa duradoura, de 1621, é o
forte “Kijk over all”, numa ilha costeira. O forte Nassau data de 1624. Quanto

22
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
aos Franceses, expulsos da França equinoxial, instalam-se na Cayenne em
1650, sob a égide da Companhia do cabo do Norte (CHAUNU, 1969, p. 111).

● A América Francesa
A França, em relação à sua história colonizadora na América, passou por um processo
semelhante ao inglês nas etapas iniciais: foi retardatária, devido ao atraso em sua centralização
política em comparação aos Ibéricos, bem como vacilante em suas iniciativas, ainda mais que
os ingleses. Porém teve uma diferença básica em relação aos ingleses que o aproximava dos
Ibéricos: a presença de missionários no Canadá, com o fito de catequizar os indígenas, proces-
so sempre incompleto.
Não obstante o atraso na concretização de um projeto colonizador, os franceses não es-
tiveram alheios à expansão marítima ibérica:

Aliás, Francisco I pediu para ver “a cláusula do testamento de Adão” que, se-
gundo o papado, o excluiu da partilha do mundo. Na verdade, por muito
tempo faltaram à França, meios para montar um grande dispositivo comer-
cial, e no século XVI ninguém teve realmente essa ideia. Foi preciso que a
guerra de corso se iniciasse para que Saint-Malo, Nantes etc. se lançassem,
mas várias décadas depois de Portugal e Espanha, e com menos determina-
ção do que a Inglaterra. Foi preciso, sobretudo, que o Estado quisesse ter co-
lônias (FERRO, 1996, p. 61).

Envolta pelas guerras religiosas e pelo conflito interno entre católicos e huguenotes, a
França indispunha de energias para rivalizar com espanhóis e lusitanos nos empreendimentos
coloniais americanos. Entretanto, no bojo da centralização política e construção do Estado
absolutista, iniciativas foram tomadas, em parte decorrentes dos conflitos religiosos. Foi assim
que entre 1555 e 1567 huguenotes chefiados por Nicolau de Villegagnon fundaram a França
Antártica, destruída pelos portugueses. Expulsos da Baía da Guanabara, tentaram ainda se
estabelecer ao norte, no litoral maranhense, sendo igualmente repelidos pelos lusitanos.
Seria na América do Norte, contudo que os franceses lograriam estabelecer-se. O estí-
mulo inicial se deu pela pesca, praticada há tempos no Mar do Norte. Mas não somente pela
pesca. Assim como os ingleses, os franceses intentaram descobrir uma passagem ao norte para
o Pacífico, objetivando o contato com o Oriente asiático. Jacques Cartier, em 1535 descobre a
rota do São Lourenço, via de penetração para o interior continental. Entretanto Cartier não
logrou estabelecer uma ocupação duradoura na região.
Somente no reinado de Henrique IV (1589-1610), quando o absolutismo encontrava-se
consolidado e a política mercantilista tornou-se uma de suas bases de sustentação, os franceses
efetivaram sua presença em terras americanas. Samuel Champlain, em 1605, fundou Port-

23
História da América II
Royal no litoral atlântico e Quebec (1608), nas margens do rio São Lourenço. Entretanto, o
povoamento significativo não se deu senão após um longo período de relativo abandono, ten-
do o Estado pouco investido na colonização. Neste momento inicial prevalecia à pesca e o
comércio com os nativos, fornecedores das peles negociadas na Europa. Em 1660, apenas
2.000 colonos habitam as povoações francesas da Nova França (CHAUNU, 1969, p. 113).
Franciscanos e jesuítas encetaram o trabalho missionário durante o governo do cardeal
Richelieu, dificultado pela resistência nativa e pelos conflitos decorrentes. Os iroqueses, ver-
dadeiros algozes dos franceses no Canadá, dificultaram maiores empreendimentos pelo inte-
rior.
Um novo impulso na colonização ocorreu durante o reinado de Luis XIV, enquadrado
na política mercantilista desenvolvida por Colbert, secretário das finanças. O Canadá foi
transformado em colônia real, bem como medidas foram tomadas para aumentar a ocupação
da região, que manteve-se porém pequena, dispersa, ligada principalmente ao comércio de
peles.
Para estabelecer o comando metropolitano foi criado o governo geral, situado em Que-
bec, além do intendente (justiça e finanças) e um Conselho formado por representantes de
Quebec, Montreal e Trois Rivières. Deu-se estímulo à emigração para a Nova França. Entre-
tanto, ao longo de todo o período colonial o povoamento manteve-se diminuto e disperso.
O comércio de peles incentivava expedições pelos grandes rios do interior, sendo que
nelas se descobriu o Mississipi, dando origem a uma nova zona de colonização: a Louisiana.
Na virada do século XVII para o XVIII foram fundadas Biloxi e Mobille, núcleos que atraíram
colonos para a região. New Orleans, criada pela companhia organizada para a exploração da
Louisiana, se tornou a capital desta colônia. Não obstante as iniciativas, a Louisiana permane-
ceu fracamente povoada (muitos dos que vieram eram engajés, ou engajados, servos brancos –
por três anos – semelhantes aos existentes nas Treze Colônias) e constantemente ameaçada
pelos ataques de indígenas, de espanhóis da Flórida e de colonos das Treze Colônias que se
chocavam com os franceses em sua expansão para o interior.
A colonização Francesa, menos expressiva que a Inglesa, sentiu o peso dos conflitos con-
tra os nativos, ao mesmo tempo em que se aliava a algumas nações nativas para atacarem os
colonos ingleses. Foram constantes os choques e guerras na América do Norte, seguindo a
lógica da rivalidade franco-inglesa na Europa. Com a derrota na Guerra dos Sete Anos (1756-
63) e a decorrente assinatura do Tratado de Paris, a colonização francesa na América iniciou
seu ocaso, com a entrega do Canadá e de diversas ilhas das Antilhas ao poderio inglês.

24
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
● Os holandeses na América
Tradicionalmente ligados ao mar (os Países Baixos formam uma região de aterramentos
e diques), os holandeses em sua luta pela independência frente à Espanha deram sua partida
para a expansão ultramarina. A União Ibérica (1580-1640) transformou as possessões portu-
guesas em alvos primordiais para os holandeses, por conta de sua fragilidade. A República das
Províncias Unidas, instituição política dos Países Baixos, teve sua complementação econômica
nas Companhias das Índias Orientais e Ocidentais, que fizeram da primeira metade do século
XVII um período de hegemonia holandesa. O lucro era seu único objetivo: “quando os holan-
deses se lançam mundo afora, têm um projeto simples: ganhar dinheiro. Jesus Cristo está au-
sente de suas preocupações, evangelizar não lhes interessa.” (FERRO, 1996, p. 65).
Na América os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais atacaram Salvador
(1624) e conquistam parte do Nordeste, centrados em Pernambuco (1630-54). Ao Norte, ocu-
param os espaços entre os territórios das companhias de Londres e Plymouth, fundando o
futuro núcleo da cidade de Nova Iorque.
O sucesso holandês estava escorado na fraqueza ibérica momentânea e no seu modelo
de gestão empresarial, visando unicamente o lucro, e dirigido pelas companhias do ocidente e
oriente. Mas, quando tiveram que sustentar a implantação do aparato colonial e defender-se
da reação dos colonos brasileiros, bem como da concorrência do comércio inglês, os holande-
ses perderam seu ímpeto e foram forçados a recuar para pequenos enclaves ao redor do mun-
do, terminando assim a fase áurea de seu desenvolvimento colonialista.

1.1.2
CONTEÚDO 2.
A INDEPENDÊNCIA NORTE-AMERICANA
Vimos que ao longo do primeiro século da colonização Inglesa na América do Norte os
colonos tiveram autonomia para se desenvolverem e prosperarem por seus próprios méritos.
O empreendimento colonial se deu muito mais pela atuação de companhias e particulares do
que pelo empenho estatal. A começar pela defesa. Cada colono era responsável por salvaguar-
dar suas terras e família dos ataques indígenas. Coletivamente, a defesa dos povoados e colô-
nias era realizada pelas milícias organizadas pelos próprios colonos, que tantas vezes teriam
que enfrentar as nações indígenas e os franceses (aliados ou não aos nativos). A presença das
tropas inglesas era reduzida, somente se tornando mais constante a partir da Guerra dos Sete
Anos.

25
História da América II
É justamente no segundo quartel do século XVIII que a metrópole se lançou com afinco
no projeto de consolidação do império ultramarino, através de um controle mais rígido dos
negócios e da vida coloniais. Pierre Chaunu fez uma síntese do processo:

Ao império britânico, comunidade antiga, mas realidade política recente, fal-


ta o peso dos hábitos duas vezes e meia seculares que atuam a favor do Impé-
rio espanhol. No momento em que a Inglaterra procura dar-lhe um conteú-
do mais preciso, as dificuldades surgem de todos os lados. Tanto mais que a
Inglaterra está mais distante da América que a América da Inglaterra.
O tempo, ademais, aumenta as dificuldades. Uma tentativa de império teria
sido mais fácil no século XVII. Mas o século XVII com sua vida econômica
enfadonha não se prestava a tais construções custosas. Entretanto, pouco a
pouco a América inglesa individualiza-se em relação à Inglaterra. De muitas
maneiras: o modo de vida, à distância, a fraca densidade das comunidades, a
interrupção prematura da emigração propriamente inglesa. A população an-
glo-americana é, desde meados do século XVIII, crioula em 97 ou 98%. Seu
aumento é essencialmente natural. Os novos emigrantes são na maioria ale-
mães, irlandeses, escoceses (CHAUNU, 1969, p. 170).

Assim, quando a metrópole intentou reforçar os laços com as colônias – reverter sua
“Negligência Salutar” – o projeto se mostrou anacrônico. Pertence a um outro tempo. Os ven-
tos do liberalismo iluminista do século XVIII, sopravam na América inglesa. Processo facilita-
do por dois motivos: primeiramente, o alto índice de alfabetização entre os colonos (pois todo
bom protestante tinha que ler a Bíblia para concretizar sua religiosidade), derivado da criação
de instituições de ensino – Harvard e Yale, por exemplo –; se junta a isto a ausência de institu-
ições restritivas como a Inquisição, presente nas terras da América espanhola. O acesso às o-
bras iluministas, portanto era aberto.
Para além da influência das ideias iluministas, havia um conjunto de fatores que impul-
sionaram os colonos à independência: senso de autonomia, liberdade religiosa em relação à
Igreja Anglicana, heterogeneidade de povoamento, resistência às imposições fiscais.
Durante o século XVIII, os encargos coloniais, bem como a fiscalização e controle sobre
o contrabando, foram aumentados. As guerras e conflitos geravam despesas que a metrópole
intentava compartilhar com as colônias. O Estado inglês saiu vitorioso, porém endividado, da
Guerra dos Sete Anos. O Parlamento britânico queria dividir com as colônias o custo de 400
mil libras anuais que as tropas inglesas na América acarretavam. Para os colonos, eliminado o
perigo francês do Canadá, pagar a conta parecia indigesto: tinham que “pagar por um exército
que, a rigor, estava ali para policiá-los” (KARNAL, 2001, p. 71). Acreditavam que, pelo contrá-
rio, sem a presença francesa ao Norte não careciam das tropas inglesas para segura-las.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Mas, sem voz no Parlamento inglês, viram encargos sendo criados sem contrapartidas.
A Lei do Açúcar (1764) reduziu o imposto sobre o melaço estrangeiro, ao mesmo tempo em
que estabelecia impostos adicionais sobre vários produtos. Foi criada uma corte na Nova Es-
cócia com jurisdição sobre as Treze Colônias para punição dos que burlassem o fisco, o que
prejudicava o tradicional comércio triangular dos colonos. A corte estava enquadrada no âm-
bito da política mercantilista revigorada.
Houve reação. Para os colonos, imbuídos pelo princípio inglês de que “taxação sem re-
presentação é ilegal”, protestaram, além de boicotar artigos importados da Inglaterra. Inicia-
va-se o processo de contestação-rompimento. Desejavam os colonos coparticipação nas deci-
sões do império. Não foram atendidos, porém os protestos obrigaram a revogação da Lei dois
anos depois. Entretanto não impediu que mais leis restritivas e taxativas fossem criadas:
 Mesmo antes, em 1763, o rei declarou a proibição do acesso dos colonos a diver-
sas áreas entre os Apalaches e o Mississipi, reconhecendo a soberania indígena
sobre a região, numa tentativa de apaziguar os nativos. Isto feria diretamente os
interesses dos colonos comerciantes de peles e produtores de tabaco, interessa-
dos na expansão da área de cultivo.
 Lei da Moeda (1764) que proibia a emissão de papéis de crédito, o que prejudi-
cava o comércio.
 Lei do Selo (1765) que obrigava a utilização de selo em qualquer documento,
jornais ou contratos nas colônias, afetando a todos os setores da sociedade colo-
nial, principalmente os comerciantes. A oposição radical à Lei criou o início da
resistência organizada das Treze Colônias, conseguindo novamente a revogação
da Lei, em 1766.
 Atos Townshend (1767), como ficaram conhecidas as leis que taxavam a impor-
tação de diversos produtos de consumo, além de criavam os Tribunais Alfande-
gários que aumentaram a fiscalização. A reação, principalmente em Boston, foi
reprimida, ocorrendo o denominado Massacre de Boston (1770).
 Lei do Chá (1773), que garantia o monopólio do comércio de chá para a Cia. das
Índias Orientais, contrariando os interesses coloniais. Novamente em Boston a
reação dos colonos gerou incidentes como a Boston Tea Party, quando uma car-
ga de chá foi lançada ao mar.
 Leis Intoleráveis (1774), impostas após a manifestação do Porto de Boston, in-
terditavam o porto da cidade, bem como convertiam Massachusetts em colônia
real, maximizando o poder do governador indicado por George III.
 Ato de Quebec (1774) que impedia que as colônias de Massachusetts, Virgínia,
Connecticut e Pensilvânia ocupassem terras a oeste.

27
História da América II
Massacre de Boston.
FONTE: HTTP://WWW.TBURG.K12.NY.US/STARKWEATHER/INDEX.HTML

Todas estas medidas serviram para unificar diversos grupos de interesses nas colônias
frente à dominação inglesa. Clubes de radicais (muitos deles maçons) formavam comitês que
discutiam a independência, enquanto moderados preferiam a manutenção do status quo, em
movimentos concilliatórios.
A partir de 1774, os anglo-americanos, divididos entre partidários da separação e os de-
fensores da conciliação (temerosos da participação popular no movimento, o que ameaçava
seus privilégios) organizaram o Primeiro Congresso Continental, em Filadélfia, um dos mais
importantes centros das colônias. Era chegada a hora de unificar as dissidências para sanar o
impasse metrópole-colônias. Representantes das Treze Colônias (exceto da Geórgia) elabora-
ram uma petição ao rei protestando contra as medidas metropolitanas.
A reação inglesa foi aumentar os efetivos ingleses, gerando atritos com os grupos patrio-
tas. Em Lexington e Concord ocorreram os primeiros choques (1775), dando início à Guerra
de Independência. Neste mesmo ano reuniu-se o Segundo Congresso Continental de Filadél-
fia, contando com a presença de todas as colônias, que enviaram líderes seus mais destacados
líderes, como Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e Samuel Adams. Enquanto debatiam a
situação de rebeldia, um folheto intitulado Commom Sense, escrito por Thomas Paine, deu
corpo às idéias e protestos antimetropolitanos:

A Inglaterra é, apesar de tudo, a pátria mãe, dizem alguns. Sendo assim, mais
vergonhosa resulta sua conduta, porque nem sequer os animais devoram su-
as crias nem fazem os selvagens guerras a suas famílias; de modo que este fa-
to volta-se ainda mais para a condenação da Inglaterra [...] Europa é nossa
pátria mãe, não a Inglaterra. Com efeito, este novo continente foi asilo dos
amantes perseguidos da liberdade civil e religiosa de qualquer parte da Euro-

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
pa [...] a mesma tirania que obrigou aos primeiros imigrantes a deixar o país,
segue perseguindo a seus descendentes (in: KARNAL, 2001, p. 84).

Gradualmente os elementos resistentes tiveram que ceder à aprovação da Declaração de


Independência (tendo Thomas Jefferson como principal autor), finalmente redigida em 4 de
julho de 1776 – data cívica máxima para os norte-americanos. Estava aberta a luta completa
pela independência, que seria dirigida por George Washington, rico proprietário de terras e
comandante miliciano. Foi criado o Exército Continental, chefiado por Washington, que jun-
tamente com as milícias combateu as tropas inglesas.
A Declaração de Independência, ideologicamente baseada nos escritos de John Locke,
foi recebida com entusiasmo pela maioria dos colonos. A estátua do rei George III foi derru-
bada pela população eufórica de Nova Iorque. Porém, ao deixar de fora do texto (ver mais a
frente a seção História através de documentos) qualquer referência sobre a escravidão, exigên-
cia dos aristocratas escravistas do Sul, excluía de seus princípios liberais cerca de um sexto da
população (perto de 500 mil escravos e 2.5 milhões de homens livres). A soberania popular,
essência da Declaração, não era para todos.

DECLARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DOS EUA.


FONTE: HTTP://WWW.SOHISTORIA.COM.BR/EF2/INDEPENDENCIAEUA/

Declerar a independência era apenas uma das etapas de luta patriota. Organizar o com-
bate conjunto aos (13) Estados Unidos (termo de 1776) contra as forças inglesas mostrou-se
mais complicado. O apego à autonomia e o medo de uma revolução popular fizeram-se pre-
sentes, dificultando o andamento da Guerra. Para conduzir o conflito e sistematizar a união
entre os Estados, entre 1778-88 vigorou a Confederação:

[...] ou seja, não havia um governo central forte, mas uma instância que de-
veria reunir e analisar as vontades e interesses dos 13 estados. Tal instância

29
História da América II
era chamada de Congresso Continental, o qual tomava decisões baseadas
num conjunto de normas chamado de Artigos da Confederação. Como não
podia deixar de ser, tal arranjo criou alguns problemas: alguns estados ti-
nham sua própria milícia, outros cunhavam a sua própria moeda, outros a-
inda comercializavam com quem queriam de acordo com interesses particu-
lares. Era então um país ou 13 países? (JUNQUEIRA, 2001, p. 21).

A pergunta de Mary Junqueira é realmente pertinente. Apenas foi respondida pelos es-
tadunidenses ao longo do século XIX, no processo de construção do Estado nacional. Mas
antes era preciso derrotar os ingleses. E, para tanto, George Washington, ainda em 1776, lan-
çou mão do nativismo, tentando assim reverter os localismos que existiam entre os comba-
tentes de diversos estados:

Tenho-me esforçado, desde que estou ao serviço [...], por desencorajar todas
as espécies de apegos regionais e distinções de país (isto é, de estado), dando
ao conjunto a designação mais ampla de Americanos, mas constatei a im-
possibilidade de superar os preconceitos; (in: BOORSTIN, 1997, p. 337).

A Guerra, que durou seis anos, começou com uma série de vitórias inglesas. Os desen-
contros entre o Exército Continental e as milícias, que relutavam em seguir os generais sob
comando de Washington, foram sintetizados pelo mesmo:

Se, para todos os efeitos, tivéssemos um exército, ou treze exércitos aliados


para a defesa comum, não haveria dificuldades em resolver a questão que me
põem [sobre as promoções militares], mas, se umas vezes somos ambas as
coisas, não andarei longe da verdade se disser que outras vezes não somos
nenhuma delas, mas uma amálgama de ambas (in: BOORSTIN, 1997, p.
337).

Não obstante as dificuldades internas, a Guerra começou a pender para os norte-


americanos entre 1777 (com a vitória dos patriotas em Saratoga, primeira grande batalha do
conflito) e 1778-9 (quando a França, depois a Espanha, passaram a apoiar os colonos). A
França enviou homens, armas e mantimentos, bem como combateu a marinha britânica jun-
tamente com os corsários. Não podia a Inglaterra combater do outro lado do Atlântico contra
tantos inimigos. O decisivo apoio do poderio naval francês na derrota das tropas do general
Cornwallis, em Yorktown (costa da Virgínia), selou o fim da resistência inglesa.
Tratava-se agora de acordar a paz. Em Versalhes, foi celebrada a Paz de Paris (1783),
quando ficaram reconhecidas a independência, a liberdade e soberania das ex-Treze Colônias
sobre o território do Oeste até o Mississipi, ao Sul até a Flórida, recuperada pela Espanha e ao
Norte até os Grandes Lagos. A França conseguiu ficar com algumas ilhas inglesas nas Antilhas
(e uma enorme dívida, uma das origens da Revolução Francesa). Entretanto, agora os Estados

30
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Unidos deveriam solucionar seus conflitos internos no bojo do processo de construção da
nação norte-americana.

1.1.3
CONTEÚDO 3.
A CONSOLIDAÇÃO DA NAÇÃO NORTE-AMERICANA
Concluída a Paz, os impasses vislumbrados entre o Congresso Continental e os estados
continuavam. O fraco poder confederado do Congresso impedia um avanço na construção de
estruturas político-administrativas nacionais. Não havia ainda nação. Esta foi uma construção
ideológica que levaria quase um século para se afirmar.
O período da Confederação foi um ponto crítico na história do recém-criado país. A a-
narquia de interesses dos diversos estados precisava ser equacionada, sob risco de completa
fragmentação. Em 25 de maio de 1787, reuniram-se em Filadélfia as figuras mais ilustres dos
estados. Apenas Rhode Island não enviou representantes. Os 55 delegados elegeram George
Washington como presidente da Convenção. Era chegada a hora de discutir uma Constitui-
ção. Na Convenção, o embate entre confederados e federalistas deu o tom – poder local versus
centralizado.
O texto constitucional redigido, onde prevaleceu o espírito “federalista-nacionalista” de
James Madison, precisava de aprovação. Os federalistas, mais organizados e fortes junto à
opinião pública (tinham a imprensa ao seu lado), “rejeitavam a participação popular na políti-
ca, pois temiam ‘um caos’, ‘uma anarquia’ ou se estabelecesse uma ‘irreversível desordem’”
(JUNQUEIRA, 2001, p. 26). Seu projeto saiu vencedor, sendo a Constituição, que recebeu
poucas emendas, ratificada em 13 de setembro de 1788, por nove estados. Desde sua redação
até 1992, a Constituição norte-americana tinha recebido apenas 27 emendas, em flagrante
contraste com as constituições latino-americanas, constantemente refeitas e emendadas. Isto
se deve ao fato de que o texto constitucional dos EUA é baseado em princípios, o que lhe dá
maior flexibilidade e por isso pouco necessita ser reformado.
Um dos documentos mais importantes da história política contemporânea, a Constitui-
ção norte-americana estabeleceu um poder central (Executivo), chefiado pelo presidente elei-
to, com funções que incluem regulamentação do comércio, cunhagem de moedas, controle
das terras públicas e manutenção das Forças Armadas nacionais. O poder Legislativo ficou a
cargo de duas assembleias: a Câmara dos Deputados e o Senado. O Judiciário, em nível fede-
ral, é representado por uma Suprema Corte (importantíssima na cultura política dos EUA,
pois é ela a responsável por interpretar os princípios da Constituição, decidindo o que é ou
não constitucional).

31
História da América II
A soberania popular era efetivamente limitada pelo voto censitário, pois apenas os ho-
mens que possuíam determinada renda – em terras ou investimentos – poderiam votar ou
serem eleitos (AQUINO, 2000, pp. 193-4). Isto excluía parte da população, sem contar os es-
cravos ou as mulheres, ausentes da participação política. O sistema eleitoral para a escolha do
presidente, conhecido como colégio eleitoral, vigora até hoje: os eleitores votam em delegados
do seu estado, que por sua vez escolhem o presidente. Assim, a eleição é indireta.
Mesmo vencidos, os antifederalistas conseguiram a aprovação da famosa Bill of Rights
(Declaração de Direitos), que garantia alguns direitos civis, como as liberdades de expressão,
de reunião, de imprensa, de fé religiosa, bem como a separação entre Igreja e Estado.
Como parecia natural, o primeiro presidente foi George Washington (eleito para dois
mandatos – 1789-97), pois era uma figura de prestígio pelo comando durante a Guerra, capaz
de dar um sentimento de unidade ao poder Executivo. Juntamente com Washington, outras
personalidades como Thomas Jefferson (eleito presidente de 1801 a 1809) figuram no panteão
cívico norte-americano como os “Pais Fundadores” (Founding Fathers) da nação. Verdadei-
ros ídolos públicos, tinham seus feitos ligados aos “Pais Peregrinos”, como se fossem seus her-
deiros diretos, contribuindo para a formação do espírito de união da comunidade norte-
americana.
Assim como Winthrop, abordo do Arbela, tinha estabelecido um pacto de união entre
os puritanos, no início do século XIX os “Pais Fundadores” seriam os responsáveis pela conso-
lidação da comunidade WASP dos Estados Unidos da América. Como aqueles que pretendi-
am fundar a “Nova Jerusalém”, estes desejavam fundar uma “Nova Roma”, evocando os virtu-
osos princípios republicanos da antiguidade romana (é ilustrativo disto a arquitetura
neoclássica das instituições máximas da política dos EUA, a Casa Branca e o Capitólio – como
é chamado o prédio do Congresso). Era necessário romper com a tradição monárquica inglesa
para legitimar o novo regime – a República – e foi Roma o referencial escolhido.

32
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Arquitetura Neoclássica do Capitólio, Washington Dc.
FONTE: HTTP://WWW.CASAECIA.ARQ.BR/NEOCLASSICO.HTM

Mas a concretização deste amálgama sobre a sociedade norte-americana não foi auto-
mática. A heterogeneidade regional, social, econômica e religiosa tinha que ser minimizada
frente aos valores comuns a todos, e estes só poderiam ser cívicos – não é por acaso que o na-
cionalismo dos EUA é considerado por seus historiadores como um nacionalismo cívico
(CHASTEEN, 2001, p. 179).

• A expansão para o Oeste


Primeiramente, os EUA deviam resolver os problemas relacionados ao povoamento de
suas fronteiras. As questões fronteiriças já figuravam no período da Confederação: em 1787, o
Estatuto (ou Ordenações) do Noroeste deu corpo jurídico ao estabelecer que:

[...] nenhum Estado poderia constituir colônias nas terras do Oeste, conside-
radas territórios federais até que estes atingissem determinada quantidade de
eleitores, quando então se transformariam em Estados e seriam admitidos à
união com os mesmos direitos dos Treze Estados originários (AQUINO,
2000, p. 192).

Caso contrário, se um dos estados já existentes apenas incorporasse novas terras e popu-
lações, poderia desequilibrar a Federação. Este mecanismo de inclusão dos novos estados pos-
sibilitou a expansão para o Oeste, que caracterizou a primeira metade do século XIX norte-
americano. A questão do Oeste aparece como um nexo que interliga os problemas centrais
para os EUA da época: a inclusão dos homens de fronteira no sistema político, e a delicada
temática da escravidão.

33
História da América II
O primeiro teve solução a partir do Estatuto do Noroeste. Através dele novos estados fo-
ram sendo anexados: “Vermont foi o 14° estado a entrar para a União, em 1791. O Kentucky
tornou-se o 15° estado, em 1792, e Ohio, o 16° estado dos Estados Unidos, em 1803”
(JUNQUEIRA, 2001, p. 41). A expansão para o Oeste esbarrava na existência da Louisiana,
pertencente à França. A solução foi comprá-la da França napoleônica em 1803. Apenas a
Guerra contra a Inglaterra entre 1812-14 distraiu os norte-americanos em sua expansão. Ter-
minada com a vitória dos EUA, novos territórios foram criados na extensa área da Louisiana,
que após completarem os 60 mil habitantes requeridos pela lei, tornaram-se estados federados
à União. Ao Sul, a Flórida, ainda sob domínio espanhol, foi comprada em 1822.
Tendo em vista que a maioria dos colonos que se fixavam nos territórios de fronteira era
composta por proprietários descapitalizados, o voto censitário impediria por muito tempo a
inclusão de tais territórios como novos estados. A saída foi universalizar o voto a todos os
homens livres. Este processo pode ser denominado como “democracia jacksoniana”
(HOBSBAWM, 1977, p. 129), pois Andrew Jackson, comandante militar de prestígio e nasci-
do no Oeste, baseava seu apoio político nos recém-criados estados (ele se tornou o primeiro
governador da Flórida). Com o auxílio dos homens da fronteira, Jackson consagrou-se presi-
dente dos EUA por dois mandatos seguidos (1829-37). Sua defesa da democracia alargada
revolucionou a política norte-americana. Por mais que alguns estados mantivessem o voto
censitário, os novos ventos da democracia universal sopravam os EUA rumo ao posto de van-
guarda da política democrática, processo em consolidação no Ocidente entre fins do século
XIX e a primeira metade do XX.
A postura igualitária de Jackson enquadrava-se no que seria um mito norte-americano:
a valorização do homem comum, que pelo seu trabalho conseguia prosperar, pois o Oeste era
visto como a terra das possibilidades, onde – após o extermínio ou a expulsão dos indígenas –
tudo poderia ser realizado.

A política adotada por Jackson foi dirigida em benefício do pequeno proprie-


tário, estimulando a mobilidade social e o espírito individualista. Era o tem-
po da valorização do self made man, imagem tão celebrada nos Estados Uni-
dos desde então (JUNQUEIRA, 2001, p. 46).

Na expansão para o Oeste era inevitável o choque com as nações indígenas. Apenas eli-
minando a ameaça indígena os colonos (em sua ótica) poderiam desenvolver a civilização nos
territórios abertos pelo avanço do povoamento no centro do continente. A imagem dos confli-
tos entre brancos e índios ficou imortalizada pelas produções hollywoodianas, dando origem a
um novo gênero cinematográfico: o faroeste.
Jackson, defensor dos pequenos proprietários do Oeste quando presidente, estabeleceu o
Indian Removal Act (Ato de Remoção Indígena - 1830) que forçou a remoção de milhares de

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
índios para reservas longe (por enquanto) dos territórios pretendidos pelos colonizadores da
região do Mississipi. Aos resistentes, a cavalaria norte-americana travava duros combates,
exterminando tribos inteiras.
O contraste entre os indígenas, considerados “selvagens”, portanto impossibilitados de
serem integrados à sociedade dos EUA, e o homem branco, tido como realizador de uma nova
sociedade no interior continental,dava uma ideia de superioridade marcante aos norte-
americanos. Como vimos desde o período colonial havia a concepção de que os colonos ti-
nham vindo para a América fundar um novo mundo, distinto da velha Europa. No século
XIX, esta ótica seria sistematizada na Doutrina do Destino Manifesto (fundamental para en-
tender a lógica imperialista dos EUA em pleno século XXI), expressão cunhada pelo jornalista
John O’Sullivan (JUNQUEIRA, 2001, p. 50). Os estadunidenses acreditavam que tinham o
direito, concedido por Deus, de tomar todo o território continental da América do Norte. Sua
civilização, considerada superior, tinha o direito de expulsar indígenas e depois os mexicanos,
pois sua missão era ser o grande farol que iluminaria toda a humanidade.

OS EUA E SEU DESTINO MANIFESTO.


FONTE: <HTTP://WWW.BRASILESCOLA.COM/HISTÓRIA-DA-AMERICA/DESTINO-MANIFESTO.HTM)

Assim, resolvidos os entraves indígenas, os norte-americanos, em sua expansão desen-


freada, chegaram às terras mexicanas na década de 1830. Colonos fundaram uma “república
independente” no Texas, território mexicano. Posteriormente decidiram anexar-se aos EUA,
provocando a guerra contra o México (1846-8). O resultado de uma luta desigual foi à tomada
de metade do território mexicano pelos EUA, terminando a expansão rumo ao Oeste, com a
chegada à costa do Pacífico e a posterior criação de diversos estados norte-americanos. A des-
coberta de ouro na Califórnia levaria à Corrida do Ouro, que se tornou uma febre na década
de 1850, estimulando o povoamento.

35
História da América II
Agora as atenções voltaram-se, para o Norte: o Oregon, disputado com os ingleses, e o
Alasca, território Russo, foram incorporados mediante acordos nas décadas de 1840 e 1860.
Estava consolidada a plataforma continental dos EUA.
A questão do Oeste, como dito, também abarcava a temática sensível da escravidão. O
problema girava em torno da expansão ou não da escravidão para os novos estados criados. A
maioria destes decidiu pela adoção da escravidão, fazendo pender a balança de poder para o
Sul, no âmbito do Congresso Nacional. Estavam em choque diferentes modelos econômico-
sociais: o Norte, onde vigoravam o trabalho assalariado e as manufaturas, tinha seus homens
de negócios defendendo o fim da escravidão, objetivando a expansão do mercado consumi-
dor; já o Sul, essencialmente agroexportador (o algodão norte-americano foi essencial para a
industrialização inglesa) e escravista, tinha uma aristocracia conservadora ciosa de seus direi-
tos e ressentida pelo endividamento frente aos nortistas que a financiavam, além das diver-
gências alfandegárias entre eles. O impasse foi decidido pela sorte das armas.

• A Guerra Civil norte-americana


A Guerra Civil, conhecida também como Guerra de Secessão, foi um dos eventos mais
marcantes da história dos EUA. O país quase se dividiu em dois. O aumento do poderio sulis-
ta, ao mesmo tempo em que crescia no Norte o movimento abolicionista, polarizava os deba-
tes no Congresso. Desde 1808, o tráfico de africanos estava proibido. Porém, além do contra-
bando persistir, o sistema escravista dos EUA era baseado na reprodução interna, através dos
filhos dos escravos.
A eleição de Abraham Lincoln (do estado de Illinois), em 1860, foi um duro golpe para
os sulistas, pois seu Partido Republicano defendia a abolição. A tensão chegou ao limite, le-
vando 11 estados sulistas a se separarem da União e formarem uma nova Confederação (Esta-
dos Confederados da América).
O conflito se iniciou em abril de 1861, porém apesar de diversas vitórias da Confedera-
ção, o Norte saiu vitorioso, quatro anos depois – 9 de abril de 1865, sendo que o presidente
Lincoln foi assassinado quatro dias após, por um simpatizante sulista. Sua população muito
superior à do Sul (22 contra 9 milhões, respectivamente), seu desenvolvimento industrial (que
facilitou a produção voltada para a Guerra), suas facilidades de transporte pelas estradas de
ferro e o bloqueio da costa sulina, que estrangulava a exportação e impedia a importação de
material bélico foram decisivos.
No bojo do conflito a abolição foi decretada – 1862 – mas a igualdade política entre
brancos e negros não garantiu a igualdade social, nem o fim do racismo. A nação, reintegrada
politicamente com a volta dos Confederados à União, permanecia dividida racialmente, como
ainda o é nos dias de hoje.

36
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Trincheira Confederada Em Petesburg, Virgínia, 1865.
FONTE:
HTTP://WWW.PASSEIWEB.COM/NA_PONTA_LINGUA/SALA_DE_AULA/HISTORIA/HISTORIA_DA_AMERICA/ESTADOS_UNIDOS/EUA_GUER
RA_SECESSAO

A Guerra, que causou mais de 620 mil mortes, acabou por modernizar os EUA, pois o
conflito contribuiu para o desenvolvimento tecnológico e industrial do Norte. Após o conflito,
a burguesia nortista passou a investir também na modernização do Sul, em processo de re-
construção de sua economia, duramente afetada pelo conflito. A introdução do contingente
oriundo da escravidão no mercado consumidor também serviu de catalisador do capitalismo
norte-americano, que terminaria o século XIX como um dos mais prósperos e importantes do
mundo.

1.1.4
CONTEÚDO 4.
OS EUA EM FINS DO SÉCULO XIX: A FORMAÇÃO DO IMPÉRIO
Os Estados Unidos da América conheceram um grande desenvolvimento ao longo de
seu primeiro século e meio de existência. A começar pela expansão territorial, que multiplicou
seu território em cerca de 11 vezes (JUNQUEIRA, 2001, p. 39). A população cresceu tão espe-
tacularmente quanto o território, por conta do forte movimento imigratório ao longo do sécu-
lo XIX e da elevada taxa de natalidade. Já entre 1790 e 1820, a população norte-americana pas-
sou de 3.929.214 para 9.638.453 (CHAUNU, 1969, p. 184). Os imigrantes na segunda metade
do século chegavam em massa: “2,4 milhões na década de 1870 e 5,3 milhões na década de
1880” (BANDEIRA, 1998, p. 24). E o número de imigrantes não parou de crescer, pois a partir
de 1880, os EUA instalaram na Europa agências para atrair imigrantes que foram incorpora-
dos nas manufaturas em expansão:

37
História da América II
[...] entre 1880 e 1920, os Estados Unidos receberam perto de 22 milhões de
imigrantes – asiáticos, russos, judeus, tchecos, húngaros, poloneses, sérvios,
croatas, romenos, gregos e um grande contingente de italianos. Foi o país das
Américas a receber o maior número de imigrantes nessa época
(JUNQUEIRA, 2001, p. 119).

Todo este movimento migratório contribuiu para a diversidade cultural norte-


americana, uma das marcas daquele país. Uma cultura voltada para o progresso, para a expan-
são (eram a terra das oportunidades), onde o espírito capitalista protestante transformou uma
sociedade agrária do século XVIII em uma potência industrial ao longo do XIX.
O desenvolvimento manufatureiro já havia sido observado em tempos coloniais (pe-
queno é verdade, muito aquém da agricultura), porém foi no século seguinte à independência
que o processo se consolidou. Já na primeira metade do XIX, os EUA cresciam com uma rapi-
dez assombrosa, ocupando, por volta de 1850, o quinto lugar no mundo como potência ma-
nufatureira (BANDEIRA, 1998, p. 16).
Após a Guerra de Secessão, os norte-americanos experimentaram um grandioso desen-
volvimento econômico. O conflito acelerara a industrialização, bem como a necessidade de
incorporar as terras do Oeste de fato, ligando o país pelas estradas de ferro. Ao longo da déca-
da de 1860, foi construída uma grande ferrovia que ia da costa do Atlântico à do Pacífico. E a
construção das ferrovias, ao mesmo tempo em que integrava mais terras e populações aos cir-
cuitos comerciais do Leste – permitindo a expansão industrial –, engendrava por si só a ex-
pansão fabril, especialmente nos setores de metalurgia e siderurgia.
A Guerra também estimulou a mecanização fabril, pois o crescimento das necessidades
de fornecimento de material para o conflito foi acompanhado do recrutamento e morte de
parte do contingente proletário. Os industriais que dispunham de capitais para investir torna-
ram-se riquíssimos. Outro efeito decorrente do conflito foi à ocorrência de inúmeras fusões de
empresas, visando a agilização do fornecimento e das comunicações, principalmente das tro-
pas nortistas. A década seguinte foi marcada pela aceleração e fortalecimento da expansão dos
grandes grupos industriais, dedicados à reconstrução das áreas devastadas pela Guerra e a
novas aquisições de pequenas empresas, possibilitando investimentos em tecnologia e procura
por mercados externos:

Do quinto lugar como potência industrial, em 1840, os EUA, que até a Guer-
ra de Secessão foram um país de pequenos negócios, saltaram para o quarto
em 1860 e para o segundo em 1870, quando o processo de concentração e
centralização da economia, impulsionado pelo crack de 1873, começou a

38
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
produzir novas formas de associação empresarial – pools, trusts, cartéis e
sindicatos – com o objetivo de monopolizar mercados e fontes de matérias-
primas, bem como controlar preços e exportar capitais. Em tais circunstân-
cias, com as forças produtivas do capitalismo, desbordando os limites do es-
tado nacional, a América Latina, agrícola e atrasada, se configurava como a
continuidade natural do seu espaço econômico (BANDEIRA, 1998, p. 24).

Com efeito, a expansão do capitalismo industrial norte-americano estava intimamente


ligada ao seu expansionismo territorial. Mais terras, mais matérias-primas para a produção,
mais imigrantes atraídos pelas possibilidades de enriquecimento, mais braços para as indús-
trias. Estas se desenvolveram na chamada “segunda Revolução Industrial”, marcada pela in-
dústria petrolífera, e os EUA foram protagonistas de ponta neste processo. Os monopólios,
como o da Standard Oil Co., fortaleceram os grandes grupos econômicos e o avanço tecnoló-
gico. Em poucas décadas, a Standard Oil tinha estendido seus tentáculos por toda a cadeia
produtiva do petróleo, e mesmo além, formando um poderoso império petrolífero.

A Standard Oil e seus Tentáculos.


FONTE: (HTTP://SCIENCEBLOGS.COM/BIOEPHEMERA/2010/05/NAZI_TENTACLES_A_BRIEF_HISTORY.PHP

Seguindo os exemplos europeus, os EUA organizaram as chamadas “exposições univer-


sais” (a primeira delas organizada em Filadélfia, 1876), onde os progressos científicos – e suas
invenções – impressionavam seus visitantes. Boa parte das patentes tecnológicas registradas
desde então são norte-americanas (Hollywood produziu inúmeros filmes que ilustram a men-
talidade criativa dos estadunidenses, com suas personagens inventoras).

39
História da América II
A Primeira Roda-Gigante, Inventada Por George Washington Gale Ferris, Foi Apresen-
tada Ao Mundo Durante A Exposição Universal De Chicago, 1893.
FONTE: HTTP://CIENCIAHOJE.UOL.COM.BR/COLUNAS/EM-TEMPO/UM-EXEMPLO-PARA-O-RIO

Assim os EUA tiveram, no século XIX, um grande círculo virtuoso, uma conjuntura fa-
vorável ao seu crescimento, intercalada com alguns períodos de crise. E os políticos não fica-
ram alheios às necessidades e oportunidades abertas nesta era.
Na década de 1820, a política estava permeada pela atmosfera expansionista. Em respos-
ta à criação da Santa Aliança na Europa, e dos decorrentes riscos de recolonização das Améri-
cas ibéricas, o presidente James Monroe (1817-25) proclamou a Doutrina Monroe (1823), que
tinha como lema “a América para os americanos”. Estava já inserida na esfera do imperialis-
mo, que se concretizou em fins do século, após a consolidação das fronteiras continentais dos
EUA.
A cultura norte-americana é permeada pelos princípios expansionistas, pois os estadu-
nidenses se consideram como o “povo eleito” por Deus para civilizar o restante da humanida-
de. Assim, a concepção do “Destino Manifesto” se materializava na conquista do Oeste, bem
como na anexação de grande parte dos territórios mexicanos. Era natural que pensassem em
expandir-se além de suas fronteiras. O capitalismo voraz do último quartel do XIX impeliu os
norte-americanos a buscarem reservas de matérias-primas e mercados consumidores na Amé-
rica Latina, impulsionando os investimentos na região.
As atenções se voltaram para Cuba e Porto Rico, ainda possessões espanholas. Desde
fins do XVIII, os políticos consideravam ambas como “apêndices naturais” do território nor-
te-americano, concepção que vigorou por todo o XIX (JUNQUEIRA, 2001, p. 100). Em 1895,
a oportunidade de controle sobre tais ilhas caribenhas abriu-se com a luta pela independência

40
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
levada a cabo pelos patriotas cubanos, que solicitaram apoio dos EUA contra a Espanha. A
explosão e naufrágio do Maine, navio da marinha norte-americana estacionado no porto de
Havana, deu o pretexto para o início da guerra (1898), pois os espanhóis foram responsabili-
zados pelo incidente. Sem dificuldades, a vitória dos EUA na que foi chamada de “explêndida
guerrinha” pelo Secretário de Estado, consolidara o status imperial norte-americano, ao man-
ter Cuba como protetorado por 35 anos, e administrar as Filipinas até 1940 (CHASTEEN,
2001, pp. 166-7). Porto Rico e o Hawaí até hoje fazem parte dos EUA, o primeiro como “esta-
do autônomo associado” (um eufemismo para colônia) e o segundo incluído como estado da
Federação.
Os interesses norte-americanos, após a concretização do seu poder no Caribe, voltaram-
se para a construção de um canal na América Central que servisse de via comercial de ligação
entre o Atlântico e o Pacífico. Theodore Roosevelt, principal personagem da política do Big
Stick (grande porrete), defendia as pressões e intervenções dos EUA onde parecia convenien-
te. Em 1903, Roosevelt conseguiu adquirir uma base militar no Panamá e depois o direito de
construir e controlar o canal desejado. Não sem antes influenciar na separação do Panamá,
então pertencente à Colômbia. Era uma amostra do poderio americano que se extendia para
toda a América Central, e de forma geral a toda a América Latina. O presidente também foi o
responsável pelo “corolário Roosevelt”, que, em 1904, afirmava:

Na realidade são identicos os nossos interesses e os dos nossos vizinhos suli-


nos. Eles possuem grandes riquezas naturais e a prosperidade certamente
chegará a eles, se reinar a lei e a justiça dentro de suas fronteiras. Enquanto
obedecerem às leis elementares da sociedade civilizada, podem estar seguros
de que serão tratados por nós com ânimo cordial e compreensivo. Intervirí-
amos somente em último caso, somente se, se tornasse evidente a sua inabi-
lidade ou má vontade, quanto a fazer justiça interna e, em plano externo, se
tivessem violado os direitos dos Estados Unidos; ou ainda, se tivessem favo-
recido a agressão externa, em detrimento da comunidade das nações ameri-
canas (in: IANNI, 1988, p. 24).

Fica patente o preconceito de Roosevelt para com os latino-americanos, tratados como


crianças que precisam ser educadas e civilizadas, sob direção dos EUA. Esta é uma hipócrita
visão quanto ao grau de civilidade latino-americana, tendo em vista a discriminação racial e a
exclusão social vislumbradas nos EUA em fins do século XIX. Os negros continuaram segre-
gados e os trabalhadores explorados ao máximo, sendo reprimidos os seus movimentos por
direitos trabalhistas. São aspectos da contraditória história norte-americana ainda presentes
nos dias de hoje.

41
História da América II
Texto complementar

“Ao iniciarmos a análise da dimensão histórica da mudança econômica latino-


americana, caberia fazer a seguinte pergunta: como explicar que as duas áreas anterior-
mente coloniais, os Estados Unidos e a América Latina, desenvolveram padrões de cresci-
mento econômico tão marcadamente constrastantes após as respectivas independências?
Como pôde a nação norte-americana emergir, por volta de 1870, como segunda potência
econômica mundial em termos de produção industrial, ao passo que a América Latina
permanecia, fundalmentalmente, desempenhando o mesmo papel de principal fornecedor
de matérias-primas e gêneros alimentícios para os países do Atlântico norte? [...]
Nessa tentativa de encontrar uma resposta que sirva de base para estudos comparati-
vos entre as duas áreas em seu desenvolvimento pós-colonial, somos levados (inevitavel-
mente) aos complexos culturais europeus, berço dos colonizadores ingleses e ibéricos, em
cujo seio esses modelos de atividade colonial foram concebidos. Não será suficiente com-
parar o grau de censura e tolerância, as perspectivas coloniais em termos de educação, a
extensão da liberdade econômica colonial; dever-se-á, forçosamente, encontrar a origem
de tais elementos em suas matrizes europeias. Em contraste com a Espanha [...], os coloni-
zadores ingleses saíram de uma Inglaterra em processo de modernização, que encarava o
conhecimento, a tolerância, os direitos individuais, a liberdade econômica, a poupança e o
investimento como elementos inseparáveis do processo de transformação e crescimento.
[...]
Além disso, o meio natural (objeto da colonização inglesa) constrastava, em pontos es-
senciais, com aquele encontrado pelos primeiros colonizadores ibéricos. Embora as pri-
meiras companhias comerciais inglesas buscassem descobrir minas de metais preciosos,
nenhuma foi encontrada. [...] os europeus ocidentais que vieram para a América do Norte
não tiveram que entrar em choque ou incorporar culturas indígenas de vulto: expulsaram
os ameríndios nômades que encontraram ao longo de sua penetração, mataram-nos ou i-
solaram os sobreviventes em tratos de terra improdutiva [...] Os indígenas norte-
americanos permaneceram não-incorporados e não-integrados. [...] Em termos mais am-
plos, a existência de uma terra virgem, de vastas dimensões e subabitada, possuidora de ex-
traordinários recursos, situada em posição favorável face à Europa e desfrutando de condi-
ções climáticas comparáveis àquelas encontradas em solos europeus, representava em
realidade, condição fortemente potencial para o desenvolvimento, inexistente em qualquer
outra parte do Novo Mundo. [...] Há muito confinadas às limitadas possibilidades agríco-
las oferecidas pela orla marítima, as colônias inglesas do norte desenvolveram a construção
náutica e as atividades mercantis, estas últimas particularmente após 1763, na região do
Caribe; por seu turno, as colônias do sul estabeleceram as bases para uma agricultura de
exportação utilizadora da mão de obra escrava. [...] Nos anos que se seguiram a 1814, a

42
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
demanda externa do algodão e, ao longo da década de 30, o crescimento e ascensão dos
preços de exportação estimularam a concentração das das áreas agrícolas do sul em torno
da produção algodoeira voltada para o comércio com a Europa ocidental e a região nor-
deste dos próprios Estados unidos até a eclosão da Guerra de Secessão.
O norte do país adquirira os contornos bem marcados de um centro financeiro para a
atividade agrícola do sul, um entreposto para suas importações de manufaturas e artigos
de luxo e um fornecedor de manufaturaas tais como têxteis de algodão e utensílios de fer-
ro.após 1830, a ocupação e colonização do território oeste ampliaram a importância do
nordeste como exportador de cereais, alargando, concomitantemente, os mercados con-
sumidores de sua produção industrial. [...] Ao eclodir a Guerra de Secessão, o crescimento
econômico dos Estados Unidos havia sido estimulado por fatores externos e pela criação
de um mercado nacional, não obstante a presença da escravidão ao sul. E, o que é mais re-
levante para o estudo comparativo com a América Latina, a Guerra de Secessão abrira o
caminho para a industrialização norte-americana.”

STEIN, Stanley J. A Herança Colonial da América Latina: ensaios de dependência


econômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, pp. 98-101.

História através de documentos


“No Congresso, 4 de julho de 1776 Declaração Unânime dos Treze Estados Unidos da
América.
Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário um povo dissolver
laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e
separada, a que lhe dão direito as leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno às
opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação. Conside-
ramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados i-
guais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida,
a liberdade e a busca da felicidade.
Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, deri-
vando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma
de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e ins-
tituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma
que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade. Na realidade, a
prudência recomenda que não se mudem os governos instituídos há muito tempo por moti-
vos leves e passageiros; e, assim sendo, toda experiência tem mostrado que os homens estão
mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo

43
História da América II
as formas a que se acostumaram. Mas quando uma longa série de abusos e usurpações, perse-
guindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo abso-
luto, assistem-lhes o direito, bem como o dever, de abolir tais governos e instituir novos-
Guardas para sua futura segurança. Tal tem sido o sofrimento paciente destas colônias e tal
agora a necessidade que as forças alterarem os sistemas anteriores de governo. A história do
atual Rei da Grã-Bretanha compõe-se de repetidos danos e usurpações, tendo todos por obje-
tivo direto o estabelecimento da tirania absoluta sobre estes Estados. Para prová-lo, permitam-
nos submeter os fatos a um cândido mundo.Recusou assentimento a leis das mais salutares e
necessárias ao bem público. Proibiu aos governadores a promulgação de leis de importância
imediata e urgente, a menos que a aplicação fosse suspensa até que se obtivesse o seu assenti-
mento, e, uma vez suspensa, deixou inteiramente de dispensar-lhes atenção. Recusou promul-
gar outras leis para o bem-estar de grande distritos de povo, a menos que abandonassem o
direito à representação no Legislativo, direito inestimável para eles, temível apenas para os
tiranos, Convocou os corpos legislativos a lugares não usuais, ser conforto e distantes dos lo-
cais em que se encontram os arquivos públicos, com o único fito de arrancar-lhes, pela fadiga
o assentimento às medidas que lhe conviessem. Dissolveu Casas de Representantes repetida-
mente porque: opunham com máscula firmeza às invasões dos direitos do povo. Recusou por
muito tempo, depois de tais dissoluções, fazer com que outros fossem eleitos; em virtude do
que os poderes legislativos incapazes de aniquilação, voltassem ao povo em geral para que os
exercesse; ficando nesse ínterim o Estado exposto a todos os perigos de invasão externa ou
convulsão interna. Procurou impedir o povoamento destes estados, obstruindo para esse fim
as leis de naturalização de estrangeiros, recusando promulgar outras que animassem as migra-
ções para cá e complicando as condições para novas apropriações de terras. Dificultou a ad-
ministração da justiça pela recusa de assentimento a leis que estabeleciam poderes judiciários.
Tornou os juízes dependentes apenas da vontade dele para gozo do cargo e valor e pagamento
dos respectivos salários. Criou uma multidão de novos cargos e para eles enviou enxames de
funcionários para perseguir o povo e devorar-nos a substância. Manteve entre nós, em tempo
de paz, exércitos permanentes sem o consentimento de nossos corpos legislativos. Tentou
tornar o militar independente do poder civil e a ele superior. Combinou com outros sujeitar-
nos a jurisdição estranha à nossa Constituição e não reconhecida por nossas leis, dando assen-
timento a seus atos de pretensa legislação:por aquartelar grandes corpos de tropas entre nós;
por protegê-las por meio de julgamentos simulados, de punição por assassinatos que viessem
a cometer contra os habitantes destes estados; por fazer cessar nosso comércio com todas as
partes do mundo; pelo lançamento de taxas sem nosso consentimento; por privar-nos, em
muitos casos, dos benefícios do julgamento pelo júri; por transportar-nos para além-mar para
julgamento por pretensas ofensas; por abolir o sistema livre de leis inglesas em província vizi-
nha, aí estabelecendo governo arbitrário e ampliando-lhe os limites, de sorte a torná-lo, de
imediato, exemplo e instrumento apropriado para a introdução do mesmo domínio absoluto

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
nestas colônias; por tirar-nos nossas cartas, abolindo nossas leis mais valiosas e alterando fun-
damentalmente a forma de nosso governo; por suspender nossos corpos legislativos, decla-
rando se investido do poder de legislar para nós em todos e quaisquer casos. Abdicou do go-
verno aqui por declarar-nos fora de sua proteção e movendo guerra contra nós. Saqueou
nossos mares, devastou nossas costas, incendiou nossas cidades e destruiu a vida de nosso
povo. Está, agora mesmo, transportando grandes exércitos de mercenários estrangeiros para
completar a obra da morte, desolação e tirania, já iniciada em circunstâncias de crueldade e
perfídia raramente igualadas nas idades mais bárbaras e totalmente indignas do chefe de uma
nação civilizada. Obrigou nossos concidadãos aprisionados em alto-mar a tomarem armas
contra a própria pátria, para que se tornassem algozes dos amigos e irmãos ou para que caís-
sem por suas mãos. Provocou insurreições internas entre nós e procurou trazer contra os ha-
bitantes das fronteiras os índios selvagens e impiedosos, cuja regra sabida de guerra é a destru-
ição sem distinção de idade, sexo e condições. Em cada fase dessas opressões solicitamos
reparação nos termos mais humildes; responderam a nossas apenas com repetido agravo. Um
príncipe cujo caráter se assinala deste modo por todos os atos capazes de definir tirano, não
está em condições de governar um povo livre. Tampouco deixamos de chamar a atenção de
nossos irmãos britânicos. De tempos em tempos, os advertimos sobre as tentativas do Legisla-
tivo deles de estender sobre nós jurisdição insustentável. Lembramos a eles das circunstâncias
de nossa migração e estabelecimento aqui. Apelamos para a justiça natural e para a magnani-
midade, e os conjuramos, pelos laços de nosso parentesco comum, a repudiarem essas usurpa-
ções que interromperiam, inevitavelmente, nossas ligações e nossa correspondência. Perma-
neceram também surdos à voz da justiça e da consanguinidade. Temos, portanto, de aquiescer
na necessidade de denunciar nossa separação e considerá-los, como consideramos o restante
dos homens, inimigos na guerra e amigos na paz. Nós, Por conseguinte, representantes dos
Estados Unidos da América, reunidos em Congresso Geral, apelando para o Juiz Supremo do
mundo pela retidão de nossas intenções, em nome e por autoridade do bom povo destas colô-
nias, publicamos e declaramos solenemente: que estas colônias unidas são e de direito têm de
ser Estados livres e independentes, que estão desoneradas de qualquer vassalagem para com a
Coroa Britânica, e que todo vínculo político entre elas e a Grã-Bretanha está e deve ficar to-
talmente dissolvido; e que, como Estados livres e independentes, têm inteiro poder para decla-
rar guerra, concluir paz, contratar alianças, estabelecer comércio e praticar todos os atos e
ações a que têm direito os estados independentes. E em apoio desta declaração, plenos de fir-
me confiança na proteção da Divina Providência, empenhamos mutuamente nossas vidas,
nossas fortunas e nossa sagrada honra”.
John Hancock.

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História da América II
Documento de domínio público. A Declaração foi assinada pelos representantes das
Treze Colônias, agora tratadas como Treze Estados.

Resumo

Os Estados Unidos da América tiveram um desenvolvimento colonial parcialmente dis-


tinto dos países ibero-americanos, caracterizado por um afastamento maior em relação a um
controle metropolitano. Aos mitos coloniais se juntaram aqueles oriundos da fundação da
nação estadunidense ao longo do século XIX, que conformaram o pensamento dos norte-
americanos em relação à América Latina e pautaram as ações imperialistas de fins do XIX e
princípios do XX.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO

ESTANTE DO HISTORIADOR
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2001.
Nesta obra, Leandro Karnal sintetiza a formação colonial dos EUA, trabalhando inclusive o
processo de independência das Treze Colônias.

JUNQUEIRA, Mary Anne. Estados Unidos: a consolidação da nação. São Paulo: Con-
texto, 2001. Este livro aborda a consolidação da nação estadunidense ao longo do século XIX e
inícios do XX.

Cinema e História

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O Último dos Moicanos – (The Last of the Mohicans, EUA, 1992). Direção de Michael
Mann.
Filme que retrata a Guerra dos 7 anos (1756-1763), entre ingleses e franceses, com am-
pla participação dos indígenas, de ambos os lados do conflito.

O Patriota – (The Patriot, EUA, 2000) Direção de Gary Levinsohn.


Típico filme hollywoodiano, O Patriota encarna o heroísmo das guerras de independên-
cias das Treze Colônias, por parte dos patriotas norte-americanos, contra o despotismo inglês.

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História da América II
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MAPA CONCEITUAL

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História da América II
ESTUDOS DE CASO
“Na realidade são idênticos os nossos interesses e os dos nossos vizinhos sulinos. Eles
possuem grandes riquezas e a prosperidade certamente chegará até eles, se reinar a lei e a jus-
tiça dentro de suas fronteiras. Enquanto obedecerem às leis elementares da sociedade civiliza-
da, podem estar seguros de que serão tratados por nós com ânimo cordial e compreensivo.
Interviríamos somente em último caso, somente, se tornasse evidente a sua inabilidade ou má
vontade, quanto a fazer justiça interna e, em plano externo, se tivessem violado os direitos dos
Estados Unidos; ou ainda, se tivessem favorecido a agressão externa, em detrimento da comu-
nidade das nações americanas.” (“Roosevelt Corollary of the Monroe Doctrine, December 6,
1904”, Transcrito por Thomas P. Brockway (Editor), Basic Documents in United States For-
eign Policy, D. Van Nostrand Company, Princeton, New Jersey, 1957, pp. 72-74; citação das
pp. 73-74. In: IANNI, Octavio. Imperialismo na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1988, p. 24.)
A partir do discurso do presidente Theodore Roosevelt e das suas reflexões e estudos so-
bre os EUA e suas relações com a América Latina disserte sobre a mentalidade dos EUA em
relação aos seus vizinhos sulinos e suas ações na região ao longo do tempo, pautando-se sobre
os seguintes questionamentos:

a) São idênticos os interesses dos EUA e dos países latino-americanos?

b) As intervenções dos EUA na América Latina realmente derivaram da nossa “inabili-


dade ou má vontade” em progredir de forma civilizada?
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EXERCÍCIOS PROPOSTOS
QUESTÃO 01
Em 1620, quando chegaram à costa do que seria Massachusetts, a bordo do Mayflower,
um grupo de puritanos (entre muitos outros passageiros) firmara um pacto (The Mayflower
Compact). Este grupo ficara conhecido como os “Pais Pelegrinos” (Pilgrim Fathers). Funda-
ram New Plymouth, posteriormente absorvida por Massachusetts, que era ligada à Cia. da
Baía de Massachusetts, dirigida por uma “burguesia puritana”. Esta Cia. trouxera uma nova
leva de puritanos, em 1630, quando desembarcaram na Baía de Massachusetts os colonos lide-
rados por John Winthrop, também considerados “Pais Peregrinos”. No que diz respeito à co-
lonização desenvolvida pelos ingleses ao norte da América, assinale a afirmativa correta:

(A) Os ditos “Pais Peregrinos” vieram para a América devido à intolerância religiosa
inglesa do século XVII.
(B) A religião oficial da Inglaterra no período era o puritanismo de modo que os
“Pais Peregrinos” emigraram para a América como missionários da Coroa Ingle-
sa.
(C) Os “Pais Peregrinos” procuravam expandir os domínios da Coroa Britânica em
solos americanos.
(D) O sistema de trabalho implantado pelos puritanos na Nova Inglaterra foi basea-
do no escravismo.
(E) As alternativas “B” e “C” estão corretas.

QUESTÃO 02
O processo de colonização inglesa na América, realizado através do empenho das com-
panhias privadas e de proprietários e colonos responsáveis pela viabilização e defesa dos em-
preendimentos coloniais, implementou um modelo colonizador distinto dos vislumbrados na
América ibérica. Assinale a alternativa que melhor expresse esse modelo de colonização:

(A) As colônias inglesas na América passaram a gozar de grande autonomia admi-


nistrativa em relação à metrópole colonizadora.
(B) As colônias inglesas tornavam-se cada vez mais dependentes da Coroa Britânica
à medida que esta intensificava os tributos sobre os produtos consumidos.
(C) Durante o processo de colonização da América inglesa não houve exploração
por parte da metrópole inglesa.

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História da América II
(D) Colonos e metrópole atuavam conjuntamente, sendo que os colonos enviados à
América eram inicialmente contratados como funcionários reais.
(E) Nenhuma das alternativas esta correta.

QUESTÃO 03
Durante o século XVIII, os encargos coloniais, bem como a fiscalização e controle sobre
o contrabando nas colônias americanas, se intensificaram por parte da Inglaterra. Nesse con-
texto, afirma-se, corretamente, sobre a relação entre a Inglaterra e as 13 Colônias:
(A) Buscando o bem estar das Colônias, a Inglaterra passou a arrecadar mais e a investir
na infraestrutura destas.
(B) Após vencer as guerras contra a França, a Inglaterra procurou investir pesadamente
na colonização da América, perdoando inclusive as dívidas dos colonos.
(C) As guerras e conflitos geravam despesas que a metrópole procurou compartilhar
com as Colônias.
(D) As Colônias americanas continuaram a se desenvolver sem a preocupação da Coroa
britânica.
(E) Os colonos aceitaram o aumento dos impostos e do controle metropolitano em troca
da possibilidade de eleger representantes para o Parlamento inglês.

QUESTÃO 04
Os dois Congressos da Filadélfia foram marcos históricos importantes que antecederam
a independência norte-americana. Analise as proposições e responda ao que se pede abaixo:
I.O primeiro congresso, realizado em 1770, visava à separação das treze colônias em re-
lação à metrópole, alçando, desta forma, total autonomia política.
II. O primeiro congresso, realizado em 1774, não tinha objetivos separatistas, vi-
sando apenas reagir às medidas restritivas impostas pela metrópole e maior participação na
vida política da colônia.
III. Reagindo às manifestações do primeiro congresso, a Inglaterra adotou medidas
mais restritivas e controladoras como, por exemplo, a Lei do Aquartelamento, pela qual todo
colono era obrigado a fornecer moradia, alimento e transporte para os soldados ingleses.
IV. O segundo congresso, realizado em 1776, também não objetivava diretamente a
independência, sendo, novamente, mais uma reação às medidas controladoras inglesas.
Estão corretas apenas as alternativas:
(A) I e IV. (B) III e IV. (C) I e III. (D) II e III. (E) II, III e IV.

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QUESTÃO 05
(ENADE, 2002) "Por volta de 1860, os Estados Unidos possuíam três formas totalmente
diferentes de sociedade, em diferentes partes do país: o Sul, com a cultura do algodão; o Oeste,
terra de agricultores livres; e o Nordeste, em rápido
processo de industrialização."
(Barrington Moore Jr. As origens sociais da ditadura e da democracia, 1967)

Segundo o autor, na Guerra de Secessão, um ano depois,

(A) o Oeste e o Nordeste por possuírem os mesmos valores e interesses juntaram-se pa-
ra derrotar militar e politicamente o Sul e acabar com a escravidão.
(B) o Sul e o Oeste, interessados na criação de novos estados agrícolas, aliaram-se, mas
não conseguiram derrotar o Nordeste, indiferente à escravidão.
(C) o Nordeste, apesar de isolado no plano interno e externo, venceu porque possuía
mais riqueza e tradição militar do que o Sul agrícola e escravista.
(D) o Nordeste e o Oeste, por serem mais fortes e rivais um do outro, obrigaram o Sul a
se envolver no conflito e a extinguir a escravidão.
(E) o Sul, apesar de vencer no aspecto militar, por ser minoritário na federação, foi der-
rotado politicamente e obrigado a abolir a escravidão.

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História da América II
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1.2
TEMA 2.
DA CRISE DO SISTEMA COLONIAL À FORMAÇÃO DOS
ESTADOS NACIONAIS LATINO-AMERICANOS

1.2.1
CONTEÚDO 1.
CRISE DO SISTEMA COLONIAL
Nos séculos XVII e XVIII, os pilares da civilização europeia foram abalados e trans-
formados, configurando-se as bases para o desenvolvimento da civilização ocidental con-
temporânea, à qual a América Latina se insere. As mudanças foram de ordens diversas.
No âmbito econômico, a transição do capitalismo mercantil para o industrial implicou
na superação dos entraves mercantilistas, materializados no Pacto Colonial que regia as re-
lações entre metrópoles e colônias. Os monopólios não mais satisfaziam as necessidades
coloniais, levando os colonos à prática do contrabando ou mesmo à produção interna de
produtos antes vindos da Europa. A Inglaterra, berço da Revolução Industrial na segunda
metade do século XVIII, pressionava o sistema colonial ibérico:

Na busca pela ampliação dos mercados, os ingleses impõem ao mundo o li-


vre comércio e o abandono dos princípios mercantilistas, ao mesmo tempo,
que tratam de proteger seu próprio mercado e o de suas colônias com tarifas
protecionistas. Em suas relações com a América portuguesa e espanhola, a-
brem brechas cada vez maiores no sistema colonial, por meio de acordos
comerciais, contrabando e aliança com os comerciantes locais (FAUSTO,
2000, p. 108).

De modo geral, o desenvolvimento das forças produtivas na América colonial fazia


com que os interesses metropolitanos se chocassem com os interesses dos colonos, desejosos
de comerciar livremente sua produção, sem as amarras impostas pelo sistema.

• As fissuras no pacto colonial: o exemplo de Buenos Aires


Enquadrado dentro do sistema maior de exclusivismo metropolitano, bem como do
sistema das frotas de galeões que seguiam a rota Sevilha (depois Cádiz)Caribe/Istmo do Pa-
namá-Callao, Buenos Aires permaneceu como porto fechado pela maior parte do período
colonial. Deste modo, viam-se os colonos platinos na condição de custear os exorbitantes
valores decorrentes, não só das expensas do transporte e direitos alfandegários desta rota,
como também estavam a mercê dos monopolistas de Lima e da concorrência insuperável

55
História da América II
dos inflacionados preços a que chegavam as mercadorias na Praça de Potosí. Consequente-
mente, tendo em vista a pobreza material a que estava reduzida a vida platina (desprovida de
metais e demais produtos valorizados na Europa), encontravam-se os portenhos virtual-
mente impedidos de adquirirem o mínimo de artigos europeus necessários a sua sobrevi-
vência.
Os colonos viam como perspectiva de melhora em sua existência a abertura de uma
rota atlântica de comércio pelo porto de Buenos Aires, projeto alentado não só pelos vecinos
desse povoado, como também de Tucumán e Alto Peru. Ademais, as dificuldades decorren-
tes da comunicação interna na região platina (condições precárias das rotas terrestres, ata-
ques indígenas) eram argumentos plausíveis para a abertura do porto.
Não obstante serem justamente tais liberdades – contrárias ao Pacto Colonial – o que
conduzia as autoridades metropolitanas a vedar a abertura do porto ao comércio, a realidade
platina se incumbia de impor concessões. O contrabando, assim como a necessidade de for-
necimento de mão de obra escrava para as minas peruanas, fizera com que fossem delegados
asientos negreiros para portugueses ou associados destes desde 1595. Estas concessões con-
tinham restrições tanto quantitativas quanto temporais, porém davam margem a toda sorte
de fraudes, amiúde com a anuência dos funcionários e autoridades coloniais corrompidos.

• As reformas nos colonialismos ibéricos


O antagonismo crioulos, versus peninsulares levou os primeiros a uma lenta tomada
de consciência quanto ao novo papel que almejavam desempenhar. Queriam dirigir seus
próprios destinos, sem interferência de além-mar. Tinham como justificativa ideológica o
pensamento iluminista, que sacudiu o Antigo Regime na Europa e embasava suas reivindi-
cações referentes à liberdade comercial e autonomia administrativa.
Portugal e Espanha, outrora poderosos impérios marítimos, no século XVIII desem-
penhavam um papel secundário no jogo de forças das potências europeias. Suas marinhas e
frotas mercantes eram diminutas em relação ao poderio naval inglês. Embarcações inglesas
comerciavam legal (através dos asientos) ou ilegalmente, via contrabando. Para solucionar a
crise em suas economias, os ibéricos tentaram implementar reformas que revertessem o a-
traso em que se encontravam.
Em Portugal, o responsável pelas reformas (1750-1777) foi o Marquês de Pombal. Tais
reformas, que misturavam velhos (criação de companhias privilegiadas de comércio, au-
mento na fiscalização) e novos elementos (expulsão dos jesuítas, extinção da escravidão in-
dígena – 1757), tiveram resultados frustrantes, devido principalmente à depressão comercial
pela qual passava a América portuguesa.

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Na Espanha, a ascensão dos Bourbons (1713), após a crise de sucessão ao trono, levou
a uma aparência de estabilidade. Lançaram-se novas bases para a política colonial, caracteri-
zadas por uma “nacionalização” da economia interna e colonial. Havia a necessidade de re-
tomar as rédeas do sistema, freando a participação dos estrangeiros no comércio direto e nas
casas comerciais em Cadiz, que funcionavam como entrepostos de companhias inglesas e
francesas. Internamente, a Espanha, incapacitada de fornecer os artigos demandados pelos
colonos, carecia de fomento à agricultura e manufaturas “desenvolvendo a autonomia eco-
nômica via maximização do pacto colonial” (STEIN, 1976, p. 70). Pretendia-se substituir as
importações de manufaturas pela produção interna.
Contudo, devido à pressão dos grupos afetados pelas reformas e à inabilidade gover-
namental, pouco foi feito até a subida de Carlos III (1759) ao trono espanhol. Carlos consti-
tuiu um corpo de administradores capazes, dispostos a interferir nos privilégios e tradições,
visando a uma reformulação das instituições metropolitanas, imbuído de propósitos nacio-
nalistas porto-econômicos. A estrutura do comércio colonial foi modificada, com a abertura
de diversos portos no Caribe (1765, posteriormente alargado a portos continentais), a per-
missão de que 13 portos espanhóis realizassem o comércio direto com a América, bem como
no consentimento ao comércio inter-colonial, mesmo que restrito. Era uma espécie de libe-
ralismo comercial no interior dos limites imperiais. Por fim o sistema das frotas foi gradu-
almente abolido, sendo eliminado em 1798. Aliado a tal “liberalismo”, o governo metropoli-
tano, visando reduzir o contrabando e elevar a arrecadação, aumentou a fiscalização e a
carga tributária nas colônias, o que provocou descontentamento e resistências por parte das
elites crioulas.
Além do comércio, o setor produtivo colonial foi estimulado, tendo áreas antes negli-
genciadas experimentado um incremento das exportações agrícolas. A mineração teve um
crescimento apreciável, constituindo um cenário de apogeu do colonialismo espanhol na
América.
Entretanto, mesmo as reformas foram insuficientes para reerguer definitivamente a
economia espanhola, pois desde o Tratado de Utrecht (1713), ingleses e franceses tinham
prerrogativas comerciais e disputavam entre si os mercados coloniais, direta ou indireta-
mente, contrariando o espírito nacionalista das reformas. As resistências que minavam o
esforço também vinham de dentro da Espanha:

Os oligopolistas de Cadiz e seus associados ultramarinos opuseram-se ao in-


tercâmbio internacional, bloquearam a expansão da construção náutica co-
lonial, optaram por lidar com seus fornecedores tradicionais na Inglaterra e
na França [...] em lugar de produtores espanhóis não competitivos. Em re-
sumo, preferiram monopolizar o fluxo de mercadorias europeias ocidentais
através de Cadiz, resistindo às tentativas dos funcionários madrilenhos vol-

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História da América II
tadas para o fomento da economia das áreas periféricas do país, abrindo-lhes
o acesso aos mercados coloniais americanos. A própria estrutura do oligopó-
lio em Cadiz e nas colônias, e a política de restrições à oferta e aos preços,
serviram de estímulo ao contrabando. Em Portugal e Espanha, por volta de
1780, raros administradores acreditavam ser possível igualar a atuação eco-
nômica inglesa, caracterizada por uma indústria náutica mais eficiente, taxas
de seguro mais baratas, e artigos de algodão de preços mais reduzidos e que
estimularam uma demanda insaciável junto aos mercados espanhol e portu-
guês e, especialmente, em suas colônias tropicais e subtropicais (STEIN,
1976, p. 81).

Aliada aos empecilhos econômicos, a conjuntura política de fins do século XVIII atu-
ou poderosamente contra a dominação ibérica na América. Os ventos do liberalismo, o e-
xemplo da independência norte-americana e a Revolução Francesa deram condições ideoló-
gicas e objetivas para a independência dos ibero-americanos.

1.2.2
CONTEÚDO 2.
AS INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA LATINA
O processo de independência na América Latina não irrompeu de forma planejada an-
tecipadamente, alheia aos acontecimentos europeus. Poucos foram os projetos neste sentido
durante os trezentos anos de colonialismo. Somente os antagonismos crescentes entre os inte-
resses dos colonos frente aos metropolitanos, aliados à conjuntura europeia de fins do século
XVIII e princípios do XIX, podem explicá-lo. Não havia, antes de meados do XVIII, séria a-
meaça à dominação ibérica, posto que a elite crioula, setor responsável pela direção do movi-
mento emancipatório, somente desfrutava de sua liderança nas colônias pela hegemonia me-
tropolitana. Na verdade, como salienta J. Chasteen, uma das marcas da dominação ibérica na
América foi sua estabilidade geral (CHASTEEN, 2001, p. 79).
Alguns abalos ocorreram antes que o processo deslanchasse definitivamente para o ca-
minho da independência, mas não havia condições objetivas para a separação antes que o ter-
remoto da Revolução Francesa abalasse os impérios ibéricos (os EUA, como vimos, tiveram
um processo à parte no tocante à emancipação).
Isto não quer dizer que tentativas pontuais de rebeldia e resistência não tenham ocorri-
do. A história colonial brasileira é permeada por eventos dessa natureza, mas circunscritos a
demandas específicas, não questionando o sistema em geral. Na América espanhola, revoltas
indígenas e mesmo de colonos se deram em oposição a medidas metropolitanas. Contudo, o

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primeiro grande movimento contra a dominação espanhola foi à rebelião andina de Tupac
Amaru II (1780-1783), líder mestiço que conclamou uma união entre indígenas e brancos
contra os peninsulares. Mas o movimento logo de começo tornou-se basicamente indígena,
pois sua radicalização afastou as elites crioulas. A rebelião se alastrou pelo alto Peru, onde um
novo líder, Tupac Catari, aterrorizava tanto crioulos quanto peninsulares, levantando bandei-
ras contra a opressão branca que humilhava os nativos. O sufocamento do movimento foi
brutal e sanguinário (cerca de cem mil vítimas).
Uma nova conjuntura se abriu em fins do XVIII, com a Revolução Americana de inde-
pendência, que deu o exemplo de que a independência era possível. Os ideais de liberdade que
sustentaram o movimento emancipatório dos EUA também chegavam à América Latina co-
lonial, mesmo que em menor medida, pelo controle ideológico da Igreja Católica. Na América
portuguesa, o exemplo norte-americano influenciou os inconfidentes em Minas Gerais (1789),
primeiro movimento separatista na América portuguesa.
Mas o evento que realmente deu condições para a independência frente à dominação i-
bérica foi a Revolução Francesa (1789-1799, e as consequentes Guerras Napoleônicas, até
1815). Os primeiros a sentirem a influência dos acontecimentos engendrados pela França na-
poleônica foram os próprios colonos franceses das Antilhas.

• A independência do Haiti
As Antilhas francesas compartilhavam do mesmo modelo econômico dos latifúndios
monocultores escravistas da América portuguesa, por exemplo. O sistema de opressão da
massa de escravos africanos era vez ou outra perturbado por revoltas desta mão de obra. En-
tretanto a estrutura social pouco era abalada. A partir de 1791, a situação se agravou com su-
cessivas revoltas de escravos e mulatos, que incendiavam as propriedades e matavam os bran-
cos na ilha de São Domingos. A conturbada conjuntura revolucionária francesa desarticulava
o comércio e enfraquecia o poder metropolitano, principalmente quando as guerras europeias
antagonizaram ingleses e franceses, sendo que os últimos viram-se em dificuldades para man-
ter contato com suas colônias americanas.
Em 1793, a República Francesa libertou os escravos da ilha, que dois anos depois, pelo
Tratado de Basileia (com os espanhóis), passou integralmente para o domínio francês. Em
princípio, os ideais revolucionários, bem como a libertação dos escravos permitiram uma ali-
ança entre os negros mais destacados, como Toussaint Louverture, e os proprietários progres-
sistas (uma parcela do todo). Contudo, a estrutura social não se alterou com a abolição, tendo
os ex-escravos permanecido, como mão de obra dos latifúndios, recebendo péssimos rendi-
mentos pelo seu trabalho.
Após a expulsão dos ingleses (1798) que tentaram apoderar-se da ilha e batidos os espa-
nhóis da parte oriental, os exércitos de Toussaint, antes aliado dos franceses, partiram para a

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História da América II
radicalização da luta pela autonomia e igualdade. Conseguiram controlar toda a ilha e instau-
raram uma Assembleia Constituinte (formada, não obstante a massa de negros e mulatos, por
apenas um dos primeiros e três dos segundos, contra seis brancos). A Constituição de 1801
sagrou Toussaint governador geral vitalício, com prerrogativa de escolher o sucessor
(AQUINO, 2000, p. 199).
O governo de Toussaint criou uma estrutura administrativa objetivando integrar toda a
ilha e implementou medidas econômicas que trouxeram prosperidade. Mas o modelo colonial
continuou vigente, mantidas suas posses da elite branca, perpetuando a dependência econô-
mica que até hoje aflige os haitianos. Os contatos com os comerciantes ingleses e norte-
americanos, juntamente com o comando de Toussaint, que governava à revelia dos ditames
franceses, fez com que Napoleão enviasse tropas para subordinar os rebeldes, em 1801. No
ano seguinte as forças de Toussaint capitularam, sendo ele enviado à França, onde morreu
preso.
Mas a dominação francesa foi novamente sacudida com o reagrupamento das forças an-
ticolonialistas, lideradas por Jean-Jacques Dessalines, que contava com apoio inglês e norte-
americano, conseguindo expulsar os franceses e proclamar a independência da parte ocidental
da ilha, em 1804. Dessalines, ex-escravo, tornou-se imperador, ao longo de seu curto governo
(1804-6). Sua morte foi seguida por lutas separatistas e disputas entre os setores médios mula-
tos e os ex-escravos negros. Jean-Pierre Boyer conseguiu unificar a ilha em proveito da elite
mulata, proclamando uma República, que teve sua independência reconhecida pela França,
em 1825.

• As independências na América ibérica


Nas Américas portuguesa e espanhola, os problemas internos de suas metrópoles, alia-
dos à conjuntura política europeia de princípios do século XIX, ocasionaram as condições
objetivas para seus movimentos emancipatórios. Ambas as metrópoles perderam sua primazia
no desenvolvimento do capitalismo ao longo dos séculos XVII e XVIII, quando Inglaterra e
França assumiram a dianteira. Eram Estados, não obstante as tentativas de reformas, apegados
à tradição e economicamente atrasados. Portugal, outrora importante império, estava agora
dependente da tutela inglesa e atrelado aos tratados que tinham como resultado o escoamento
das rendas coloniais para os novos centros hegemônicos, possibilitando, principalmente na
Inglaterra, a “acumulação primitiva” necessária para o salto da Revolução Industrial.
A Espanha, mesmo que em melhor situação, se via embaraçada pelo jogo diplomático
europeu, que por vezes a opunha à Inglaterra, senhora dos mares. As relativas melhorias ad-
vindas das reformas, em parte bloqueadas, foram desmoronando no limiar da passagem para
os Oitocentos. O reinado calamitoso de Carlos IV, que se esquivou de suas responsabilidades
reais, e a série de onerosas guerras do século XVIII, faliram o Estado espanhol. Para reverter o

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quadro, os impostos foram elevados, a venda de cargos na burocracia colonial atingiu níveis
escandalosos e as impopulares execuções de hipotecas compuseram o conjunto de medidas
que afastaram os colonos da metrópole. O antagonismo tendeu a crescer, sem, contudo levar
ainda à ruptura.
A partir da guerra contra a Inglaterra (começada em 1796 e que se estendeu, com inter-
rupções, pela década seguinte), a Espanha se viu virtualmente alijada do comércio colonial,
pelo esfacelamento de sua marinha. Os ataques ingleses às possessões espanholas na América
(como em Buenos Aires) deram a sensação de inutilidade da metrópole em relação à seguran-
ça dos colonos. Impotente, o Estado espanhol apenas assistia os hispano-americanos se defen-
derem.
O turbilhão da Revolução Francesa e as consequentes Guerras Napoleônicas atingiram
poderosamente o império espanhol na América. A começar pelas questões ideológicas, posto
que os ideais de liberdade e igualdade emanadas do ambiente revolucionário eram contraria-
dos pelas restrições comerciais e pela hierarquia imposta pela metrópole. Os colonos que en-
travam em contato com os princípios ilustrados notavam a opressão que o sistema colonial
lhes impunha. Entretanto, foi necessário mais que ideais para sacudir o jugo espanhol na A-
mérica.
A invasão da Espanha pelas tropas de Napoleão, em 1807, e o posterior aprisionamento
e abdicação de Carlos IV e seu filho, Fernando, ocasionou uma crise de legitimidade no pode-
rio espanhol em terras americanas. O vazio de poder pela queda da monarquia e a conseqüen-
te recusa em aceitar o irmão de Napoleão, José, como rei, não foi preenchido pelas juntas de
governo que afirmavam agir em nome de Fernando, o herdeiro aprisionado. Na América, seja
pela difusão do princípio revolucionário de soberania popular, que animava colonos radicais a
defenderem a proclamação de repúblicas independentes, seja pela sensação de abandono pela
ausência do rei, que atingia mesmo conservadores, bem como a negação da autoridade de
qualquer junta metropolitana, levaram os colonos a refletir sobre a hora de se emancipar.
Enquanto que a Coroa espanhola estava cada vez mais distante dos colonos hispano-
americanos, a Coroa portuguesa se instalou na América portuguesa, com a transplantação da
Família Real (1807-1808), fugida das tropas napoleônicas, para o Rio de Janeiro. Por mais pa-
radoxal que possa parecer tanto o distanciamento – no caso espanhol – como a maior proxi-
midade – no caso português – da Coroa contribuiu para as independências na América ibéri-
ca.
A elite crioula que conduziu o processo de separação das colônias em relação às metró-
poles não se configurava como um grupo homogêneo. Havia grupos mercantis urbanos em
meio à maioria rural aristocrática, divergências ideológicas e embates devidos à fragmentação
administrativa e geográfica. Interesses conflitantes estavam em jogo.

61
História da América II
Os entraves impostos pelo sistema colonial, que tendiam sempre a prejudicar os colonos
no desenvolvimento das forças produtivas americanas, uniram a maior parte da elite colonial.
Ademais, estavam os crioulos insatisfeitos com os privilégios desfrutados pelos peninsulares,
que ocupavam os altos cargos da burocracia e mantinham a primazia no circuito colonial mo-
nopolista, em detrimento dos que produziam nas colônias sem uma contrapartida de repre-
sentatividade ou autonomia administrativa.
O conflito, crioulos versus peninsulares tendeu a crescer, principalmente pela ausência
da autoridade real entre 1808-13. As juntas metropolitanas (depois subordinadas a uma Junta
Central) que afirmavam governar em nome de Fernando VII não tinham legitimidade para
subordinar as elites regionais coloniais, que transformaram os cabildos também em juntas
governativas. Em princípio a maioria jurava lealdade ao rei sem trono, mas os choques entre
as juntas metropolitanas e as coloniais gradualmente levaram os defensores da separação total
a uma posição dominante. A partir daí, desenvolveu-se o processo de luta, polarizado mesmo
no interior das sociedades coloniais:

Na América colonial, a paciência e as expectativas dos criollos chegaram ao


fim e se constituíram juntas revolucionárias em nome do processo de auto-
nomia [...]
Começava a se desenvolver a longa e sangrenta luta que perduraria por mais
de uma década, frequentemente com conotações de guerra civil. Muitos a-
mericanos haviam percebido que um sistema injusto somente poderia ser
transformado com o recurso à derrubada violenta das estruturas existentes e
que, por outro lado, a modernização defensiva apenas contribuía para a pre-
servação de uma sociedade e economia tradicionais, agora intoleráveis
(STEIN, 1976, p. 88).

Mas as elites crioulas não conseguiriam levar a frente seus planos sem o apoio das mas-
sas, principalmente das castas (mestiços), que cresciam em proporção no seio das sociedades
coloniais e tornavam-se cada vez mais importantes. A ascensão socioeconômica de mestiços
que prosperavam no artesanato, na agricultura e no pequeno comércio pressionava o sistema
das castas. A oposição ao colonialismo, que sustentava o sistema racial na América, fez dos
mestiços aliados dos crioulos separatistas.
Contudo, o apoio dos diversos setores coloniais ao movimento da independência não foi
automático. Segregados pela hierarquia racial, muitos tinham pouco ou nada em comum com
a elite descendente dos espanhóis. O único elo plausível era o local de nascimento: as terras
americanas. E foi justamente o nativismo que constituiu o cimento necessário à construção de
um sentimento de identidade, ainda longe de existir quando a luta se iniciou. E mesmo assim,

62
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
tanto as elites crioulas quanto as castas mestiças desconfiavam umas das outras. As primeiras
iniciativas em direção à independência demonstraram tal coisa.
No México, principal região sob domínio espanhol na América, em 1810, uma conspira-
ção crioula no norte desencadeou uma maciça rebelião de camponeses mestiços e indígenas.
O líder da parte camponesa da rebelião, o padre crioulo Miguel Hidalgo, ultrapassou os limi-
tes dos interesses de sua classe ao dirigir-se aos seus seguidores com uma retórica que contra-
punha hispano-americanos versus peninsulares. As massas que aderiram ao seu movimento
cada vez em maior número pouco diferenciavam peninsulares e crioulos, para eles, ambos
brancos e opressores. Assassinatos tanto de peninsulares como de crioulos afastou os últimos
do movimento, enfraquecendo-o. Poucos meses depois Hidalgo foi preso e executado.

Miguel Hidalgo, Retratado Por Diego Rivera.


FONTE: HTTP://WWW.ECPL.ORG/HISTORY/HOLIDAYS/HISTORYMEXINDEP.HTML

Mas a luta prosseguiu no sul, onde o também padre José María Morelos, um mestiço, li-
derava um “exército bem organizado e seus principais objetivos eram claros: fim da escravi-
dão, do sistema de castas e do tributo pago pelos povos indígenas” (CHASTEEN, 2001, p. 86).
Em 1813, Morelos proclamou a independência, mas não conseguiu atrair muitos crioulos para
sua causa, tendo lutado até sua prisão e execução, dois anos depois. Mesmo o desaparecimen-
to de Morelos não impediu que grupos guerrilheiros patriotas espalhados pelo México conti-
nuassem levantando a bandeira da independência, praticando ações que prejudicavam o go-
verno colonial.
Em áreas periféricas da colonização, como a Região Platina ou a Venezuela, os crioulos
tiveram menos receio em relação aos povos indígenas oprimidos, menos expressivos em nú-
mero, além de ressentir-se com o domínio colonial, que privilegiava as áreas centrais do Méxi-

63
História da América II
co e Peru. As juntas (cabildos) de Buenos Aires e Caracas, compostas pelos crioulos mais in-
fluentes, logo que a crise de legitimidade se abriu, passaram a defender a independência total.
Na capital do Vice-Reinado do Rio da Prata, Buenos Aires, em maio de 1810, os crioulos
patriotas tomaram o poder e posteriormente seguiram em direção ao republicanismo. Tive-
ram que lutar contra os realistas das demais províncias, leais a Fernando, dificultando o an-
damento do processo, somente declarando a completa independência em 1816.
Em Caracas, os crioulos tentaram a instauração de uma república, em 1811, liderada por
Francisco de Miranda, feito ditador. Divergências internas entre os líderes derrubam Miranda
e o entregam aos contrários. Outro líder crioulo, Simón Bolívar, assume o movimento e funda
a Segunda República Venezuelana, em 1812, sendo proclamados dois anos depois como “Li-
bertador” (CHAUNU, 1983, p. 71). Mas Bolívar teve que enfrentar a oposição do clero e dos
realistas, apoiados pelos llaneros – vaqueiros mestiços do interior – que mantiveram sua leal-
dade ao rei, pois desprezavam a elite de Caracas. Mesmo conseguindo espalhar a rebelião na
vizinha Nova Granada (atual Colômbia), os revolucionários de Caracas foram derrotados pela
aliança realistas-llaneros, agora fortalecidos com a subida de Fernando VII ao trono, após a
expulsão dos Franceses da Espanha.

O Libertador Simón Bolívar.


FONTE: HTTP://GARAA2.FILES.WORDPRESS.COM/2010/03/46-SIMON-BOLIVAR-1783-1830.JPG)

A restauração da monarquia freou os movimentos pela independência, pois o rei agiu


energicamente no sufocamento das rebeliões, enviando grandes contingentes para a América.
Também revogou a Constituição liberal de 1812 (influenciada pelos franceses) feita por repre-
sentantes espanhóis e mesmo das colônias (em menor número), restaurando o absolutismo.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Ficou claro para os hispano-americanos que a corda que asfixiava a liberdade na América iria
apertar ainda mais.
Era preciso retomar o ânimo dos defensores da independência, após as fracassadas ten-
tativas de emancipação iniciais (afora em Buenos Aires, por demais distantes da Espanha e
próxima dos interesses ingleses, beneficiados com a abertura do porto, em 1810). Entretanto,
antes as elites crioulas deveriam concretizar sua aliança com os setores mestiços para aumen-
tar suas forças:

No momento em que parte para o rompimento dos controles metropolita-


nos, a elite colonial encontra aliados naturais nos mestiços, mulatos e castas
em geral. As massas indígenas foram cautelosamente manobradas; embora
reconhecessem a exploração sofrida dentro dos quadros do sistema colonial,
nunca haviam podido encontrar expressão efetiva para sua amargura e revol-
ta. [...] O apoio das castas fortaleceu a posição da elite e assegurou auxílio no
controle sobre as massas indígenas (STEIN, 1976, p. 89).

A cooptação dos setores médios mestiços, que vislumbravam possibilidades de maior


inclusão social através do discurso liberal e de soberania popular dos crioulos, permitiu o re-
torno do movimento emancipatório assim que houve a oportunidade. A chance para a segun-
da onda revolucionária apareceu com os movimentos constitucionais de 1820, que abalaram o
absolutismo na Península Ibérica.
Mesmo antes, Bolívar tinha retornado de seu exílio na inglesa Jamaica, em 1817, reto-
mando a luta na Venezuela. Contratou um exército de mercenários ingleses e irlandeses, bem
como soube atrair para o seu lado parte dos llaneros. Entre 1819 e 1821, o Libertador conse-
guiu libertar Nova Granada e depois a Venezuela: Bogotá, Caracas e Quito estavam livres do
jugo espanhol.
Neste meio tempo, a Revolução Liberal de Cadiz (1820-1823) impôs à Espanha uma no-
va Constituição, que não obstante seu liberalismo em relação aos assuntos internos, não se
decidiu pelo apoio aos movimentos libertários na América. Tanto na Espanha quanto na A-
mérica, constitucionalistas e absolutistas se dividiram, enfraquecendo a reação aos movimen-
tos emancipatórios.
Contribuíram igualmente o apoio inglês e norte-americano aos “patriotas”, à medida
que estes se tornavam vitoriosos:

Nas suas simpatias interesseiras pelas jovens Repúblicas, a Inglaterra, única


capaz de agir, já não se sentia estorvada pela preocupação de não ferir as sus-
cetibilidades da Espanha, sua aliada contra a França. E não cessava de defen-
der o imenso mercado que lhe oferecia a “América Livre”. A Inglaterra, que
iniciava a sua revolução industrial cinquenta anos antes do resto da Europa,

65
História da América II
não podia deixar escapar essa ocasião única de abrir novos mercados para
suas jovens manufaturas. No momento decisivo tinha de levantar obstáculos
a qualquer ajuda efetiva da Metrópole contra os insurretos. A simpatia ingle-
sa foi uma simpatia ativa: graças a ela, não faltaram armas e capitais aos cri-
oulos revoltados. Mais tímido a princípio, mais decisivo no momento crítico
(1823), veio a revelar-se o auxílio da jovem República norte-americana, que
saía reforçada da crise da segunda guerra de Independência (1812-1814).
(CHAUNU, 1983, p. 73)

Vitoriosos nos extremos Norte e Sul da América do Sul, os patriotas puderam mover-se
contra o bastião metropolitano na região: o Peru. A elite crioula de Lima, traumatizada pelas
rebeliões indígenas da década de 1780, manteve-se fiel à Espanha. Ao Sul, consolidada a inde-
pendência, em 1816, das Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina), José de San
Martín, chefe dos exércitos platinos, atravessou os Andes e no ano seguinte libertou o Chile.
Em fins da década de 1820, o Chile, após passar por um período de disputas internas, com
“ditadores supremos” no poder, fundou sua República.

San Martín libertando Lima, 1821.


FONTE: HTTP://LATINAMERICANMUSINGS.WORDPRESS.COM/2009/02/25/TODAY-IN-LATIN-AMERICA-JOSE-FRANCISCO-DE-SAN-
MARTIN/

Feita a independência chilena, San Martín partiu para o Peru, onde, juntamente com a
esquadra corsária de lorde Cochrane, conseguiu bater os realistas e ocupar Lima, sendo a in-
dependência proclamada em 1921. Mas as forças metropolitanas reorganizadas encastelam-se
no alto Peru (atual Bolívia). Em julho de 1822, San Martín e Bolívar encontram-se em Guaia-
quil (Equador). Não se sabe ao certo o que os líderes da independência sul-americana acorda-
ram, mas o resultado foi à retirada de San Martín da luta, deixando a Bolívar a tarefa de con-
cluir a vitória americana sobre os realistas. Seu lugar-tenente, Antonio José de Sucre, em
dezembro de 1824 capturou o último vice-rei espanhol na América. Faltava apenas a rendição

66
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
da guarnição de Callao, ocorrida em janeiro de 1826. Afora Cuba e Porto Rico, a América es-
panhola era livre.
Enquanto isso, no Vice-Reinado da Nova Espanha, a repercussão da Revolução Liberal
espanhola fez com que muitos realistas passassem para o lado separatista. O próprio coman-
dante das tropas espanholas, Augustín de Iturbide, aderiu ao movimento e fez-se proclamar
imperador do México em maio de 1822, com o nome de Augustín I. Mas logo o imperador se
indispôs com a Assembleia Constituinte, levando a um conflito que terminou com sua abdica-
ção. O México tornou-se uma República Federal, semelhante aos Estados Unidos.
O processo de independência libertou uma imensa região, que tendeu a seguir – e ex-
tremar – a fragmentação administrativa colonial. O fim da luta emancipatória foi apenas o
início de outras lutas, agora entre as oligarquias crioulas das diversas frações recém-libertas,
tendo a América Latina ainda um século para solucionar os problemas decorridos de sua li-
bertação.

1.2.3
CONTEÚDO 3.
O PERÍODO PÓS-INDEPENDÊNCIA
A guerra de independência foi sangrenta e longa. Deixou a economia desarticulada, a
produção agrícola arruinada e jovens repúblicas militarizadas e endividadas. Como os latino-
americanos logo descobriram, libertar-se da Espanha era mais fácil que construir nações dos
escombros da guerra. Muitas das esperanças postas na emancipação foram frustradas. Os es-
tudiosos da América Latina constataram a imensa dificuldade que as nações em formação
enfrentaram. Maria Ligia Coelho Prado, em seu trabalho sobre a intelectualidade latino-
americana no século XIX, escreveu sobre as desilusões do período pós-independência:

Quando a guerra terminou e a independência foi alcançada, esperava-se que


tempos novos e gloriosos surgissem, acontecendo um renascer nas terras
“subjugadas e oprimidas por séculos”, como se costumava proclamar. Na
concepção dos letrados liberais, a liberdade, a justiça, o progresso, a riqueza
deveriam florescer na América. Entretanto, a guerra nas colônias espanholas
foi longa e cruel, e o sofrimento e o empobrecimento visíveis. Assistia-se ao
espetáculo da ruína econômica e da devastação geral. Muitas das riquezas
produzidas tinham sido destruídas: plantações, criação de gado, minas. Os
tesouros públicos encontravam-se esgotados, os líderes políticos disputavam

67
História da América II
o poder, divididos em facções. De repente, tudo parecia ter sido em vão, es-
pecialmente para aqueles que haviam se empenhado tanto nas lutas
(PRADO, 1999, pp. 68-9).

Entre os desiludidos com os rumos políticos na América espanhola pós-colonial estava


Simón Bolívar. Em uma conhecida carta de Bolívar ao general Juan José Flores, em 1830, o
Libertador deu vazão ao seu pessimismo no ocaso de sua vida:

Sabe S. Exa. que governei por vinte anos e deles não tirei mais que poucos re-
sultados certos: 1º) a América é ingovernável para nós. 2º) quem serve a uma
revolução ara no mar; 3º) a única coisa que se pode fazer na América é emi-
grar; 4º) este país [referia-se à Venezuela] cairá infalivelmente nas mãos da
multidão desenfreada, para depois passar a pequenos tiranos quase imper-
ceptíveis, de todas as cores e raças; 5º) devorados por todos os crimes e extin-
tos pela ferocidade, os europeus não se dignarão a nos conquistar; 6º) se fosse
possível que uma parte do mundo voltasse ao caos primitivo, esse seria o úl-
timo período da América (BOLÍVAR, 1992, p. 139).

À herança colonial somou-se a herança da guerra: a militarização da sociedade e do po-


der político. O historiador argentino Túlio Halperin Donghi ressaltou que a militarização não
se prolongou somente pelo poder e prestígio proeminentes dos líderes militares das novas
sociedades. Mesmo as elites civis não quiseram prescindir do apoio dos militares para a manu-
tenção da ordem que lhes interessava:

O peso das forças armadas – que se faz sentir no exato momento em que tem
início uma democratização, ainda que limitada, mas real, da vida política e
social da América espanhola – é inicialmente um aspecto do processo de
democratização; mas, bem cedo, transforma-se numa garantia contra uma
extensão excessiva desse processo. Por isso (e não porque pareça inevitável) é
que mesmo os que deploram algumas de suas manifestações fazem pouco
para acabar com eles (DONGHI, 1975, p. 99).

Os liberais que tinham estado na vanguarda do movimento pela independência assumi-


ram o controle das nascentes repúblicas. Mas governar por princípios liberais as sociedades
tradicionalistas latino-americanas era problemático. Se houvesse condições de incluir as mas-
sas no progresso econômico-social seus governos teriam maior legitimidade, mais o caos in-
fraestrutural deixado pelo colonialismo e pela guerra inviabilizava seus projetos:

Em poucas palavras, os primeiros governos da América espanhola indepen-


dente dispunham de poucos recursos e enfrentavam tremendos obstáculos.
Os sonhos liberais de novos países prósperos e progressivos logo se dissolve-
ram em frustração e fracasso econômico. Esperanças de verdadeira democra-

68
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
cia foram esmagadas pelos velhos hábitos da hierarquia conservadora. Pa-
drões recorrentes de violência política e corrupção alienaram a maioria do
povo dos governos que supostamente o representavam. A política tornou-se,
acima de tudo, uma busca dos benefícios pessoais dos cargos públicos. Em
suma, a primeira geração pós-colonial (1825-1850) não viu a América Latina
progredir em nenhuma direção (CHASTEEN, 2001, pp. 101-2).

Assim, os liberais, geralmente integrantes das elites crioulas urbanas ligadas ao comércio
exterior, tiveram seus governos derrubados pelos caudilhos militares que se revezaram no
poder nas primeiras décadas pós-independência. Tais caudilhos eram proprietários de terras
que tinham posto suas milícias privadas a serviço dos exércitos de libertação, sendo integrados
nos altos opostos da hierarquia militar. Vencida a guerra, puseram seu poder militar na balan-
ça do jogo político. Quando não derrubavam governos eleitos e revogavam constituições libe-
rais (influenciadas ora pelos ideais norte-americanos, ora pelos franceses), aproveitando-se da
fragilidade institucional que a nova política democrática possuía, utilizavam-se do clientelis-
mo e do “voto de cabresto” para se eleger. Os homens eram (são?) mais importantes que as
leis nas sociedades latino-americanas. O personalismo é uma das marcas principais da cultura
destas sociedades.
O fato das aristocracias militares governarem os novos países reproduziu o atraso eco-
nômico dos tempos coloniais, pois pouco tinham de mentalidade progressista em termos eco-
nômicos. Manter a hierarquia social e a “vocação” agrícola de suas economias eram seus obje-
tivos. O comércio externo passou das mãos metropolitanas para as dos comerciantes ingleses,
franceses e norte-americanos, transmutando as estruturas de dependência externa que asso-
lam a América Latina até hoje.
Com isto não queremos desprezar as transformações pelas quais passaram os povos da
região. Ao menos oficialmente o sistema das castas foi abolido e a escravidão recuou na maio-
ria dos países, exceto no Brasil e nas remanescentes colônias espanholas de Cuba e Porto Rico.
Mas a política democrática continuou sendo uma planta exótica em terras latino-americanas,
e por mais que o princípio da soberania popular fosse propagado por todos, participação e
representação políticas foram diminutas. O “povo”, acreditavam as elites, tinha que “conhecer
seu lugar” e deixar o governo em mãos dos “superiores” – leia-se integrantes das elites brancas
descendentes dos colonizadores. As organizações políticas geralmente limitavam-se aos parti-
dos denominados conservadores ou liberais. Muitas vezes pouca diferença prática existia entre
eles.
Outros problemas que perturbaram a estabilidade política na região foram às fragmen-
tações e guerras que destruíam e reconstruíam entidades políticas que costumamos denomi-
nar como países. A inexistência de um sentimento de nação e as subdivisões administrativas
coloniais impediram a unidade dos povos recém-libertados. Tentativas de unificação levadas a
cabo por Bolívar na Grã-Colômbia e no Rio da Prata pelos portenhos fracassaram. As elites de
cada sub-região, cada cabildo, que tinham lutado lado a lado na época da guerra não aceita-
ram se subordinar umas às outras. Cada qual tinha interesses específicos, e viam na autono-
mia a forma de melhor defendê-los. Assim, por exemplo, o Vice-Reinado do Rio da Prata
fragmentou-se em quatro países: Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. O mesmo ocorreu ao
Norte da América do Sul (com o tempo, a Grã-Colômbia dividiu-se em Venezuela, Colômbia,
Equador e depois Panamá) e na América Central.
Ao longo do século XIX, e mesmo em princípios do XX, as guerras na América Latina
foram uma constante. Mais uma vez, a região platina ilustra o processo. Já em 1825, porte-
nhos disputaram com o Império brasileiro o controle sobre o Uruguai (à época conhecido
como Banda Oriental ou Província Cisplatina) na Guerra Cisplatina (1825-1828) que termi-
nou sem vencedores, com a independência do Uruguai. Em 1851-2, mais uma vez brasileiros e
platinos lutaram pela hegemonia na região, agora com vitória brasileira, que pôs termo ao
sonho do caudilho Juan Manoel de Rosas de reunificar os países da região, recompondo o
antigo Vice-Reinado sob hegemonia de Buenos Aires. Duas décadas depois (1864-1870) ocor-
reu a Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai), ou Guerra
do Paraguai, que exterminou a população paraguaia e destruiu o progresso econômico daque-
le país, condenando-o desde então ao subdesenvolvimento.

Imagens da Guerra do Paraguai.


FONTE: HTTP://HID0141.BLOGSPOT.COM/2009/02/GUERRA-DO-PARAGUAI.HTML

70
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Outras guerras sacudiram a América do Sul, como a Guerra da Confederação Peruano-
Boliviana (1836-1839), quando o Chile não aceitou a unificação do Peru com a Bolívia, que
voltaram a se separar; a Guerra do Pacífico (1879-1873), em que mais uma vez o Chile derro-
tou ambos os países – Peru e Bolívia – que disputavam uma faixa de terras ao norte do Chile,
este último saindo vencedor; e a Guerra do Chaco (1932-1935), entre Bolívia e Paraguai, sen-
do este último derrotado e obrigado a ceder o território do Chaco.

Por volta de meados do século XIX, não obstante as guerras, certa estabilidade era expe-
rimentada na política interna dos países latino-americanos. Os sonhos de progresso liberal
não pareciam agora tão distantes dos povos da região. Os conservadores, que por décadas go-
vernavam seus países, não encontravam mais eco com seus discursos pela manutenção da or-
dem. Os mestiços que ascendiam socialmente, alcançando os setores médios da população,
eram atraídos pelos discursos progressistas dos liberais. Passado o período de instabilidade
pós-independência, gradualmente os países voltaram a crescer economicamente, pela reorga-
nização de suas atividades econômicas, juntamente com as oportunidades abertas pelos inves-
timentos estrangeiros. A Inglaterra industrial dispunha de capitais excedentes para aplicar na
América Latina, que parecia agora um lugar mais tranquilo para investimentos. E os políticos
mais indicados para conduzir o desenvolvimento, pareciam ser os liberais, dispostos a realizar
reformas que modernizassem seus países. Eles ganharam terreno frente aos conservadores,
inaugurando uma era de avanço econômico na segunda metade do século XIX e, na primeira
do XX. O texto abaixo faz uma síntese da situação socioeconômica latino-americana no século
XIX.

“No Plano econômico, a herança colonial persistiu na manutenção da economia pro-


dutora de gêneros alimentícios e matérias-primas para o mercado externo, segundo as di-
retrizes da divisão internacional do trabalho no decorrer do período compreendido entre
as Guerras Napoleônicas e a primeira Guerra Mundial. Essa divisão dos mercados mundi-
ais entre os países capitalistas avançados (Inglaterra, França, Estados Unidos) implicava a
formação de economias periféricas ou dependentes nos países da América Latina, da Áfri-
ca e da Ásia. Na América, criaram-se verdadeiros enclaves capitalistas, estimulando-se a
agricultura de exportação e a exploração de recursos minerais, ativo comércio de exporta-
ção e importação, criação de bancos, companhias de seguros, redes ferroviárias etc. Ao
mesmo tempo, vastas áreas permaneciam submetidas a uma economia de subsistência e a
um estado de empobrecimento crônico. Essa desigualdade de desenvolvimento econômico
era uma estratégia necessária do capitalismo internacional, ao qual não interessava que os
países latino-americanos tivessem condições de um desenvolvimento capitalista autossus-
tentado. Assim, apenas alguns setores econômicos foram modernizados sob influxo do ca-
pital estrangeiro, traduzido em aplicação de investimentos maciços, aquisição de proprie-
dades territoriais, exploração de minas, empréstimos com juros extorsivos etc.
Nesse contexto, não havia condições históricas para o surgimento de uma burguesia
nacional nos estados latino-americanos, dado o seu comprometimento com o capital in-
ternacional. E os poucos grupos capitalistas então surgidos não possuíam, evidentemente,
condições concretas para impor a sua hegemonia política sobre a sociedade como um to-
do. A implantação do capitalismo na América Latina no século XIX não trouxe a unifica-
ção, pois não havia praticamente mercado interno ou nacional. A pequena burguesia era
fraca, inexpressiva ou até inexistente. A massa da população, majoritariamente camponesa
e analfabeta, vivia sob um sistema de relações pré-capitalistas, uma espécie de semi-
servidão, e não constituía mercado consumidor apreciável para artigos industrializados. As
classes dominantes eram formadas pelas oligarquias agroexportadoras – cada vez mais de-
pendentes da aliança com o imperialismo – e pela burguesia mercantil – esta localizada em
centros bem definidos, como as cidades portuárias (Montevidéo, Buenos Aires, Valparaí-
so).

AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades americanas. Rio de Janeiro:
Record, 2000, pp. 296-7.

Pela leitura do texto acima podemos perceber as contradições do liberalismo latino-


americano, moldado a alimentar o capitalismo central. A riqueza, baseada na propriedade da
terra, era extremamente concentrada. O século XIX foi marcado por um avanço sobre as ter-
ras da Igreja (pelas reformas liberais) e das comunidades indígenas. E os liberais, que viam nas
comunidades um símbolo de atraso, trataram de repartir as terras comunais em lotes familia-
res, que posteriormente eram englobados pelos latifúndios, jogando as populações indígenas
na servidão por dívidas e no peonato. E os latifúndios, que exploravam tal mão de obra, eram
voltados à produção para o mercado externo. Assim, mesmo o progresso liberal não salvou a
América Latina das garras do neocolonialismo, pois não engendrou, num primeiro momento,
o desenvolvimento industrial necessário para a afirmação das economias nacionais.

72
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
1.2.4
CONTEÚDO 4.
DESENVOLVIMENTO NEOCOLONIAL LATINO-AMERICANO
O período neocolonial latino-americano, que compreende as décadas de 1870-80 a
1920-30, foi caracterizado pelo avanço da integração da região ao capitalismo mundial con-
temporâneo, com vagas de progresso econômico em determinados locais e setores sociais.
Atingiu a todos, mas nem todos progrediram igualmente.
Foi uma época em que praticamente todos os países latino-americanos experimentaram
mudanças, em maior ou menor grau, pelo progresso econômico que modernizara suas infra-
estruturas e lançara as bases para a industrialização na primeira metade do século XX.
O historiador norte-americano John Charles Chateen resume as transformações pelas
quais passou a região:

O plano liberal para tornar a América Latina como a Europa ou os Estados


Unidos teve sucesso parcial. Mas o “Progresso” se manifestou diferentemente
na América Latina. Ocorreram mudanças verdadeiras e maciças, que afeta-
ram as vidas de todos, ricos e pobres, urbanos e rurais. As grandes cidades la-
tino-americanas perderam as pedras de cantaria coloniais, as paredes de em-
boço branco e os telhados de telhas vermelhas, tornando-se metrópoles
modernas, comparáveis aos gigantes urbanos de qualquer parte. Bondes sa-
colejavam, telefones tilintavam e filmes mudos tremeluziam de Montevidéu e
Santiago à Cidade do México e Havana. As ferrovias multiplicaram-se fabu-
losamente, assim como as exportações de açúcar, café, cobre, cereais, nitrato,
estanho, cacau, borracha, bananas, carne, lã e tabaco. As instalações portuá-
rias totalmente inadequadas de Buenos Aires e outras partes foram substituí-
das.
Os proprietários rurais e a classe média urbana prosperaram, mas a vida da
maioria rural latino-americana melhorou pouco, se é que melhorou. Pelo
contrário, o capitalismo agrário devastou o interior e destruiu modos de vida
tradicionais, empobrecendo a população rural espiritual e materialmente. E o
Progresso trouxe uma nova espécie de imperialismo da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos. Os mesmos países que serviram de modelo para o Progresso
da América Latina ajudaram a estabelecê-lo ali e, às vezes, foram seus prati-
cantes diretos. A influência estrangeira foi tão disseminada e poderosa que os
historiadores latino-americanos chamam os anos de 1880 a 1930 de seu perí-
odo neocolonial. (CHASTEEN, 2001, p. 149)

Assim, as transformações vislumbradas no período neocolonialista puderam ser perce-


bidas concretamente, por exemplo, nos centros urbanos: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador,
Montevidéu, Buenos Aires, Santiago del Chile, Lima, Caracas, Cidade do México, Havana,
entre muitos outros, cresceram e se modernizaram, com seus novos traçados de avenidas lar-
gas, à moda da Champs Élysées parisiense.
A modernização urbana estava associada aos novos ares da contemporaneidade e as eli-
tes liberais que a empreenderam imitavam, o modelo europeu ou norte-americano. Mas o
interior continuava atrasado, apesar da capitalização do campo, pois a modernidade atingia
somente as áreas exportadoras: as linhas férreas ligavam as zonas produtoras aos portos lito-
râneos, não as cidades entre si, muito menos os povoados esquecidos das áreas de cultivo de
subsistência. Não houve integração nacional. O bonde do progresso era para poucos. A afini-
dade (ou subordinação) ideológica das elites latino-americanas com os modismos do centro
capitalista mundial era reforçada por interesses na manutenção de seus privilégios:

Apesar das muitas transformações, nem a relação de subordinação da Amé-


rica Latina aos países europeus, nem sua hierarquia social básica, criada pela
colonização, haviam mudado. As relações hierárquicas de raça e classe, em
que aqueles no topo derivam prestígio e vantagem decisivos de suas relações
com o exterior, permaneceram a norma. Se antes espanhóis e portugueses
peninsulares desembarcavam com seus ares irritantes de superioridade e suas
nomeações reais firmemente na mão, agora era um mister de língua Inglesa
que chegava com ares semelhantes de superioridade e somas vultosas para
emprestar ou investir em bancos, ferrovias ou instalações portuárias. [...] Em
última instância, o próprio status e prosperidade das “pessoas respeitáveis”
estavam associados aos forasteiros e eles sabiam disso. Noventa por cento de
sua riqueza advinha do que vendiam nos mercados europeus e norte-
americanos, e suas próprias pretensões sociais, seu próprio ar de superiori-
dade em casa, advinham da tez portuguesa, dos cristais austríacos, da famili-
aridade dos filhos com Paris. O neocolonialismo, além de uma relação entre
países, também era um fenômeno interno, e familiar, na América Latina
(CHASTEEN, 2001, p. 150).

Um exemplo de como as influências estrangeiras afetavam as elites pode ser percebido


em uma figura emblemática – mesmo que excepcional, pelo seu gênio: Alberto Santos Du-
mont. Filho de proprietários cafeicultores de Minas Gerais, Santos Dumont foi para a Europa
respirar os ares da vanguarda tecnológica: é ilustrativo que seu primeiro voo com o 14 Bis, em
1906, tenha acontecido em Paris, fazendo do brasileiro uma figura mundialmente famosa.
Outro elemento que contribuiu para a grande influência estrangeira na América Latina
da época foi à imigração maciça de europeus empobrecidos, que buscavam um lugar ao sol no
Novo Mundo:

A América Latina foi profundamente modificada na sua estrutura humana.


Era um continente índio e negro até o meio do século XIX. Depois, o fluxo

74
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
da emigração branca submergiu a sua zona temperada: a Argentina, o Uru-
guai e o Brasil receberam uma massa de imigrantes que modificou a natureza
das suas populações. [...]
O fluxo de imigrantes que deixou a Europa a partir de 1850 dirigiu-se, sobre-
tudo para os Estados Unidos (26.180.000 fixam-se aí entre 1820 e 1930) e de-
pois para a América Latina (cerca de 6.000.000). Diferentemente da ida para
os Estados Unidos, esta emigração é essencialmente proveniente dos países
latinos do sul da Europa, menos da Espanha e Portugal que da Itália, a qual
fornece os maiores batalhões.
Esta segunda conquista humana da América Latina pela Europa afeta em
cheio os países temperados: a Argentina, o Uruguai, o Sul do Brasil e, em
menos escala, o Chile, precisamente a fração do Continente que a conquista
ibérica, ávida de metais e de especulações agrícolas, negligenciara. [...]
Muito mais importante do que a primeira, no que concerne às massas hu-
manas movimentadas, a segunda conquista do continente latino-americano
pelos povos europeus é muito mais localizada. Se sairmos da Argentina, do
Uruguai e do Brasil, a contribuição humana da Europa é muito limitada para
poder modificar sensivelmente o equilíbrio étnico dos países que afeta. O
Chile recebeu 50.000 imigrantes de 1880 a 1916, sobretudo latinos e alguns
alemães na região da Valdivia e Llanquihue. Aliás, em toda parte, essa con-
tribuição quase nula em quantidade só é importante pela sua qualidade: qua-
dros econômicos, chefes de empresa, engenheiros, um punhado de homens.
A pequena colônia de naturais de Barcelonette no México, que detinha boa
parte do comércio do país, valerá também mais pela qualidade do que pelo
número? (CHAUNU, 1983, pp. 101-106).

A onda de regimes liberais, que festejavam a vinda dos imigrantes europeus para em-
branquecimento de seus países, chegou a fins do século XIX difundida por praticamente todos
os países, apesar do “liberalismo” ter se esvaído em discursos (mantendo apenas seu conteúdo
econômico) com a instauração de governos fraudulentos e por vezes ditatoriais. Estas elites
utilizavam-se dos aparatos estatais para defenderem seus interesses classistas. Afinal de contas,
o patrimonialismo é uma das marcas deixadas pela herança colonial ibérica.
O alargamento do progresso aos estratos intermediários também se subordinou ao de-
senvolvimento do setor agroexportador. O aumento das rendas dos estados exportadores de
matérias-primas possibilitou o crescimento das burocracias e do setor de serviços: funcioná-
rios públicos em geral, médicos, jornalistas, advogados, engenheiros empregados nas empre-
sas de geração de luz ou comunicações, todos se inseriram nas bordas do progresso, resguar-
dando para si uma parcela da riqueza gerada pelos solos latino-americanos.
A riqueza neocolonial saía do solo. Seja advinda da agricultura, seja dos recursos mine-
rais, a América Latina acabou vítima de sua própria riqueza. Os dentes afiados dos imperia-
lismos europeu e principalmente norte-americano sugavam suas riquezas incansavelmente. A
lista de produtos dragados é interminável: no México, prata, petróleo, açúcar, café e fibras; no
Brasil, principalmente o café, somado ainda à borracha e cacau; em Cuba, o açúcar; no Peru, o
guano; no Chile, nitrato, cobre e ferro; na Bolívia, a prata e depois o estanho; na Argentina,
carne, couros e trigo; na América Central, o café e a banana e assim sucessivamente... Todos
os países, mesmo os pequenos, experimentaram suas próprias versões do grande surto de ex-
portações do período. Para escoar tais riquezas, a malha ferroviária cresceu de 3.200 quilôme-
tros para 95.000 quilômetros em cerca de trinta anos.
A expansão das exportações levava os grandes proprietários a adquirirem cada vez mais
terras, quase sempre à custa de camponeses indígenas ou pequenos proprietários que não su-
portavam a enorme valorização das terras, sendo expulsos legal ou ilegalmente, à medida que
os trilhos alcançavam as redondezas. Parte destas terras recém-adquiridas tornou-se proprie-
dade de estrangeiros particulares ou de grandes companhias. Tais companhias detinham,
também, por míseras tarifas fiscais, direitos de exploração das enormes jazidas de minérios, às
vezes associadas com poderosas famílias locais.
Os trabalhadores empregados nas plantações monocultoras ou na mineração ganhavam
salários irrisórios, sem direitos trabalhistas e oprimidos pela condição de dependência. Não
havia mais como manterem sua subsistência fora do sistema, pois a concentração de terras em
poucas mãos impedia o acesso ao solo que dantes os alimentava. A cooptação das elites gover-
namentais via suborno ou afinidade de interesses fazia de seus supostos representantes inimi-
gos na defesa contra a exploração estrangeira.
Caso exemplar foi o da United Fruit Company. Fruto do processo de fusões empresari-
ais ocorrido nos Estados Unidos entre fins do século XIX e princípios do XX, a United Fruit
tornou-se a maior exportadora de bananas da América Latina, baseando suas operações prin-
cipalmente nas pequenas repúblicas da América Central. Seu poderio econômico e a posse de
imensas extensões territoriais faziam dela senhora do destino de milhares de latino-
americanos. Fazia e desfazia presidentes ao sabor de seus interesses. O suborno como expedi-
ente de cooptação era eficaz, e quando necessário financiava opositores golpistas que derruba-
vam governantes inconvenientes.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Plantação de bananas da United Fruit na América Central
FONTE: HTTP://WWW.LIBRARY.HBS.EDU/HC/PC/LARGE/UNITED-FRUIT.HTML

De forma geral, entretanto, a política latino-americana, na virada do XIX para o XX, foi
caracterizada por uma estabilidade que contrastava com a série de golpes e contragolpes do
meio século pós-independência. Regimes dotados das receitas do comércio exterior monta-
ram forças armadas bem equipadas que mantinham caudilhos opositores afastados do poder.
Verdadeiras ditaduras ou governos oligárquicos (como a República do Café com Leite no Bra-
sil) vicejavam pela região, apesar das aparências republicanas e constitucionais.
Encontramos um bom exemplo do processo na história mexicana. O governo de Porfí-
rio Díaz (1876-1911), conhecido como Pofiriato, foi à expressão máxima dos regimes autoritá-
rios latino-americanos. Influenciado pelo positivismo, o Porfiriato possuía uma espécie de
conselho tecnocrático que era responsável por dinamizar a economia exportadora. A burocra-
cia cresceu enormemente, pois o Estado agora dispunha de recursos para satisfazer os desejos
de inclusão socioeconômica das “classes médias”. A infraestrutura foi aperfeiçoada com inves-
timentos estrangeiros e a concessão de extração petrolífera para a norte-americana Standard
Oil fez jorrar o petróleo que alimentava a industrialização dos EUA.
General Porfírio Díaz (1830-1915).
FONTE: <HTTP://LOYAPOWER.WORDPRESS.COM/2009/06/28/FRASE-CELEBRE-9-PORFIRIO-DIAZ/)

As massas camponesas sofreram com as desapropriações e, impossibilitadas de partici-


par do jogo político pelas restrições censitárias e pela exigência de alfabetização, assistiram
sem voz o progresso chegar para cerca de um quinto da população, principalmente as parcelas
urbanas que conseguiram pegar o bonde neocolonial. O sistema eleitoral (fraudulento, mani-
pulado), além de garantir um aspecto “democrático” ao Porfiriato, reproduzia sua dominação.
Porém, mesmo o governo tecnocrático de Díaz não logrou industrializar o México, atre-
lado que estava à herança colonialista, aos interesses estrangeiros que saudavam o ditador com
brindes e elogios, mantendo o mesmo sentido da economia “voltada para fora”, para a Europa
e os Estados Unidos da América.
O pouco de industrialização vislumbrada (no México como em outros países da região,
como Argentina e Brasil) em princípios do século XX só foi possível pela incapacidade do cen-
tro capitalista em fornecer seus manufaturados na época da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), engendrando um processo de industrialização por substituições de importações (ou
ISI). Mas então o período neocolonial começava a desmoronar, deixando, ao menos em parte,
para trás séculos de total dependência externa...

As antigas colônias, então e agora, não se achavam capacitadas a desprender-


se de um legado econômico resultante de séculos de colonialismo, não po-
dendo igualmente eliminar o hiato existente entre atraso e modernidade, en-
tre tecnologia primitiva e avançada, entre níveis elevados e mínimos de ren-
da, poupança e investimentos, entre cultura e analfabetismo, entre

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
obscurantismo e iluminismo, entre sociedades fechadas e abertas, entre – na
fraseologia sociológica – sociedades baseadas em papéis adscritos e socieda-
des baseadas em papéis adquiridos. Não será, assim, surpreendente constatar
que a América Latina não logrou iniciar a modernização de sua economia via
industrialização senão um século após a independência (STEIN, 1976, p.
106).

O período neocolonial, desta forma, com suas contradições entre tradicional e moderno,
dependência e desenvolvimento, inclusão e exclusão social, impulsionou a eclosão de movi-
mentos nacionalistas e revoluções antiimperialistas que agitaram o século XX na América La-
tina.

Texto complementar
“A herança social da América Latina colonial não foi simplesmente a rígida estrutura
de uma elite caracterizada pela riqueza, posição social e poder, no vértice, e pela imensa
massa de seres humanos empobrecidos na base da pirâmide. Esse tipo de sociedade pode
ser encontrado em outros momentos e em outros sítios da história. A tragédia da herança
colonial consistiu no reforçamento dessa estrutura social estratificada pela cor e fisionomia
– o que os antropólogos designam como fenótipo –: uma elite de brancos ou quase-
brancos e uma vasta massa de homens de cor, indígenas e negros mestiços e mulatos, e
uma gama resultante da mistura de brancos, indígenas e negros, isto é, as castas. Como a
América do Norte viria perceber mais tarde, uma sociedade pode perpetuar as desigualda-
des sociais de forma muito mais efetiva quando a má distribuição de renda apoia-se nos
fenótipos.
Uma comparação superficial entre as sociedades ibéricas e ibero-americanas por volta
de 1700 sugere que os ibéricos haviam logrado reproduzir no México, no altiplano andino
e ao longo das costas brasileiras uma réplica (ou pelo menos um simulacro) de suas pró-
prias sociedades: uma estrutura caracterizada pela presença de duas classes, ou dois estra-
tos (uma elite de proprietários fundiários e de minas, altos burocratas e eclesiásticos, de
um lado; uma ampla massa de habitantes rurais reunidos em comunidades ameríndias, fa-
zendas ou plantações tropicais, de outro), permeadas por reduzido grupo de comerciantes,
pequenos burocratas e eclesiásticos de menor expressão. Em outras palavras: pela constitu-
ição no novo e no velho continentes, de uma estrutura social característica de uma econo-
mia agrária, pré-industrial ou subdesenvolvida. Se, na Península Ibérica, a renda, o status e
o poder posicionavam os indivíduos em um ou outro estratos, nas colônias o fator cor jun-
tava-se àqueles itens anteriormente mencionados na determinação dessa posição social.”

STEIN, Stanley J. A Herança Colonial da América Latina: ensaios de dependência eco-


nômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 50.
CONSTRUINDO CONHECIMENTO

Estante do Historiador

CHASTEEN, John Charles. América Latina: uma história de sangue e fogo. Rio de Janei-
ro: Campus, 2001. O livro de Chasteen aborda o longo processo histórico de formação da
América Latina, desde o passado pré-colombiano até o neoliberalismo de fins do século XX.

STEIN, Stanley J. A Herança Colonial da América Latina: ensaios de dependência eco-


nômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. Nesta obra, um clássico, o casal Stein traça a con-
formação e conseqüências da herança colonial da América Latina, sendo fundamental a sua
leitura.

Cinema e História

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
A Casa dos Espíritos – (The House of the Spirits, EUA, 1994). Direção: Bille August.
Baseada no livro de Isabel Allende, esta película conta a história do Chile da década de
20 aos anos 70 através da saga da família Trueba. Ficam claras as relações entre os latifundiá-
rios e os camponeses, o ambiente de exclusão social e o desenrolar das ideologias políticas e
eventos que culminaram com o golpe que depôs o presidente Salvador Allende, em 1973.
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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
MAPA CONCEITUAL
ESTUDO DE CASO
Os países latino-americanos, em sua maioria, chegaram ao final do século XIX – e se
(sub) desenvolveram ao longo do XX – enlaçados à teia neocolonialista (imperialista) através
da atuação dos agentes externos oriundos das potências capitalistas centrais. Tais relações im-
perialistas efetivamente foram marcantes para o desenrolar das histórias das nações antes per-
tencentes à América espanhola ou portuguesa. Não obstante, muitas vezes percebemos a cons-
trução de um discurso que procura a explicação para as mazelas latino-americanas somente na
atuação imperialista vinda do exterior. Tal constructo geralmente encobre a responsabilidade
que cada nação (ou elites governantes) tem quanto ao seu atraso socioeconômico, evitando
assim uma reflexão crítica acerca das estruturas sociais e regimes políticos vigentes interna-
mente em cada país. O cientista social Octavio Ianni, grande estudioso do imperialismo na
América Latina, procurou associar a atuação dos agentes externos aos internos (governantes e
jogo das forças sociais de cada país) para a compreensão do fenômeno imperialista. Vejamos
abaixo dois trechos da sua obra clássica Imperialismo na América Latina:

A controvérsia sobre o destino dos países latino-americanos e caribenhos


sempre compreende as suas relações exteriores: econômicas, políticas, milita-
res, culturais e outras. As multinacionais, a dívida externa, o protecionismo,
a informática, a indústria cultural, a militarização do poder estatal, a desesta-
bilização de governos democráticos e o golpe de estado permitem ver como
as relações externas muitas vezes adquirem conotação imperialista. [...]
É claro que os setores e classes dominantes, em cada país, desenvolvem as
mais diversas reações às exigências de origem imperialista. A história do po-
pulismo e militarismo, compreendendo projetos de capitalismo nacional e
capitalismo associado, oferece exemplos da maior importância sobre acomo-
dações, alianças ou tensões entre interesses nacionais e estrangeiros.
Mas também é importante levar em conta o jogo de forças populares em ca-
da país, se queremos compreender o seu destino. (p.11)
Preferimos distinguir governantes de governos, já que entendemos por go-
vernantes também os grupos econômicos, políticos e militares – às vezes em
conjunto, às vezes em separado – que direta ou indiretamente participam das
decisões governamentais, seja no âmbito da política interna seja no da exter-
na. Os governantes podem distinguir-se, superpor-se ou opor-se ao povo; ou,
mais especificamente, às classes assalariadas. Com frequência estas classes
sociais, em particular o proletariado urbano e rural, não são nem consultadas
nem representadas nas decisões sobre política externa. Isto significa que o

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
governo, propriamente dito, nem sempre representa mais que uma classe so-
cial, ou uma facção de classe. (p. 20)

IANNI, Octavio. Imperialismo na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1988.

Assim, solicitamos que você disserte acerca da relação entre os agentes externos e inter-
nos na montagem das engrenagens imperialistas, procurando entender como esta dinâmica é
permeada pela realidade socioeconômica interna de cada país da América Latina.
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EXERCÍCIOS PROPOSTOS
QUESTÃO 01
(ENADE, 2005) Com relação às lutas pela independência nas Américas portuguesa e
espanhola, as quais, apesar de visarem os mesmos objetivos, apresentaram um desenrolar em
que se verificaram semelhanças e diferenças importantes, é correto afirmar que:
(A) a longa guerra nas duas Américas foi financiada essencialmente por capitalistas bri-
tânicos.
(B) os comerciantes e os grandes proprietários de terra colocaram-se firmemente ao la-
do da metrópole.
(C) a evidencia da neutralidade da Igreja diante da independência reside na ausência de
participação de padres nas lutas.
(D) a abolição da escravidão negra era proposta comum e apenas não se efetivou imedi-
atamente no Brasil.
(E) a participação popular foi mais intensa nas colônias espanholas como, por exemplo,
no México.
QUESTÃO 02
(ENADE, 2003) É costume dizer que o processo de independência na América Latina
deveu muito a Napoleão Bonaparte. Tal afirmação se baseia na ideia de que, por;
(A) sua origem burguesa e estilo político, Napoleão deu o exemplo da rebelião a vários
povos do mundo.
(B) suas convicções revolucionárias, Napoleão exportou o liberalismo para todas as re-
giões onde havia reis.
(C) sua política expansionista, Napoleão alterou o equilíbrio na Península Ibérica, acir-
rando as contradições entre metrópoles e colônias.
(D) suas medidas econômicas, Napoleão obrigou o Brasil a se alinhar com a França con-
tra a aliança Portugal/Inglaterra.
(E) suas reformas jurídicas, Napoleão inspirou todas as nações jovens, que passaram a
abolir a escravidão.

QUESTÃO 03
(ENADE, 2002) "Sarmiento (em 1856) prefere acreditar que está em Buenos Aires e que
nem o errante espectro do comunismo nem o autoritarismo conservador e plebiscitário têm
soluções válidas a oferecer a um Rio da Prata que enfrenta problemas muito distintos da Fran-
ça pós-revolucionária." (T.H. Donghi. Una Nación para el desierto argentino)
De acordo com o texto, Domingos Sarmiento, em sua famosa obra Facundo, reivindica-
va
(A) um projeto estatal de educação pública, visando equiparar a população nativa à cul-
tura de imigrantes formados pelo socialismo.
(B) a tradição política platina, centrada num autoritarismo autóctone e "caudilhesco",
contrário ao jacobinismo revolucionário.
(C) as semelhanças históricas hispano-americanas, capazes de protegerem as nações do
subcontinente da influência do absolutismo europeu.
(D) a particularidade da história argentina, contraposta à alternativa apresentada pelos
acontecimentos revolucionários europeus.
(E) o progresso argentino, o avanço da civilização no território platino, para que o país
pudesse incorporar os conteúdos da política europeia.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
QUESTÃO 04
(ENADE, 2005) Modernização e modernidade estão associadas, na América Latina, en-
tre 1870 e 1914,
(A) à expansão dos cortiços, ampla participação política, incentivo às práticas católicas.
(B) aos direitos da mulher, projeto de reforma agrária, reforço das tradições populares.
(C) à limitação dos investimentos externos, avanços da medicina pública, poesia gau-
chesca.
(D) aos direitos indígenas, combate a doenças endêmicas, apoio oficial à pintura históri-
ca.
(E) às reformas urbanas, construção de estradas de ferro, expansão da produção escrita.

QUESTÃO 05
Disserte sobre as guerras de independência na América espanhola, elencando as conse-
quências das mesmas para a conformação das nações dos países recém-libertados.
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2
BLOCO
TEMÁTICO
O SÉCULO XX NA AMÉRICA:
NACIONALISMOS, REVOLUÇÕES E
REGIMES MILITARES
O SÉCULO XX NA AMÉRICA:
NACIONALISMOS, REVOLUÇÕES E
REGIMES MILITARES

2.1
TEMA 3.
NACIONALISMO E REVOLUÇÃO NA AMÉRICA LATINA

2.1.1
CONTEÚDO 1.
A REVOLUÇÃO MEXICANA DE 1910
A Revolução Mexicana de 1910 foi o primeiro dos grandes movimentos latino-
americanos de contestação da ordem vigente interna e de suas relações com os países do cen-
tro capitalista eclodido no século XX.
O avanço do progresso neocolonial não produziu um projeto independente de desen-
volvimento no México, não obstante os esforços industrializantes do Porfiriato. Apesar da
riqueza gerada e concentrada em poucas mãos, as elites estavam alheias a qualquer iniciativa
neste sentido. O México continuava um grande exportador de matérias-primas, o que benefi-
ciava os setores ligados ao presidente Porfírio Díaz. O modelo econômico agroexportador
concentrou a terra, excluiu os camponeses indígenas do progresso e frustrou aqueles setores
que desejavam um desenvolvimento independente, baseado na industrialização, bem como
maior participação política.
Em 1910, Porfírio Díaz já governava ininterruptamente havia 26 anos. Começaram a
surgir movimentos de contestação ao seu domínio, denunciando as fraudes e manipulações
eleitorais, bem como sua aliança com os interesses imperialistas, malvista por muitos mexica-
nos. Os reformistas, liderados por Francisco Madero (membro de uma poderosa família lati-

91
História da América II
fundiária de Coahuila), pretendiam um compartilhamento do poder que permitisse um alar-
gamento na participação governamental, mas Díaz recusou-se a formar qualquer aliança do
gênero na eleição de 1910, bem como reprimiu o movimento pela sua não-reeleição.
Exauridas as vias para um acordo, Díaz e Madero disputaram a eleição, mas o resultado
já era esperado: venceu o sistema manipulador do Porfiriato. Enquanto isso, Madero foi preso
e exilado. No exílio, Madero radicalizou seu discurso, defendendo a devolução das terras to-
madas das populações indígenas, o fim da reeleição e a derrubada do regime. Ao mesmo tem-
po, eclodiram movimentos armados pelo interior mexicano, demonstrando a insatisfação re-
primida por tantos anos. O ditador, em 1911, velho e sem disposição para combater os
rebeldes, renunciou e se exilou em Paris.

Francisco Madero.
FONTE: HTTP://WWW.SANBENITOHISTORY.COM/PROJECTS/WHATS_IN_NAME_7TH/MEXICAN_HEROS.HTML

Madero assumiu o governo, mas os interesses conflitantes eram muitos e sua posição
elitista impediu o governo de atender às demandas populares, como a radical distribuição de
terras e melhorias ao proletariado urbano. Ao buscar um acordo com os porfiristas, para dis-
solver os sublevados, Madero perdeu popularidade. Os reacionários, apoiados pelos EUA, o
derrubaram e depois o executaram, em 1913. Subiu ao poder o general porfirista Victoriano
Huerta, apoiado pela Igreja e pelo capitalismo internacional (AQUINO, 2000, p. 550-551).

92
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
No interior, ao Sul, em Morelos, concentravam-se rebeldes camponeses indígenas co-
mandados por Emiliano Zapata, que incendiavam fazendas e refinarias de açúcar e sabotavam
os acessos à capital. Em 1911, os zapatistas firmaram o Plano de Ayala, plataforma básica dos
movimentos indígenas desde então. O Plano defendia o princípio revolucionário de tomada
das terras usurpadas pelo latifúndio aos camponeses, mantendo a posse das mesmas pela via
das armas, se necessário. Ao Norte, Pancho Villa formou um exército de vaqueiros, mineiros e
camponeses que também lutava por melhorias nas condições de vida, encarnadas na distribui-
ção de terras e melhores salários. Paralelamente, um movimento armado denominado Consti-
tucionalista, formado por setores médios urbanos, mais articulados, chefiados por Venustiano
Carranza, lutava igualmente pela derrubada de Huerta. As facções em luta minaram as forças
do governo, que finalmente foi derrubado pelos constitucionalistas, em 1914.

Pancho Villa e Emiliano Zapata.


FONTE: <HTTP://WWW.ESKIMO.COM/~RECALL/BLEED/0720.HTM

A partir de então, Venustiano assumiu o governo enquanto que Zapata e Villa continu-
avam sua luta pela reforma agrária. A pressão dos movimentos do interior, aliada às reivindi-
cações do proletariado urbano que apoiou em parte a luta contra eles, levou os constituciona-
listas a decretar medidas que regulamentavam “a distribuição de terras improdutivas,
aboliram a peonage e melhoraram as condições de trabalho dos operários” (AQUINO, 2000,
p. 554). A instabilidade reinante no México levou à convocação de uma Convenção Constitu-
inte, formada por elementos do grupo constitucionalista, que para atender às reivindicações
dos diversos setores em luta promulgaram uma Constituição de cunho nacionalista, popular e
antilatifundiário:

A Constituição de 1917, que vigora até hoje, mostrou uma forte inspiração
nacionalista. O Artigo 27 recuperava para a nação todos os direitos aos mi-
nerais, a exemplo do petróleo, então em mãos de empresas estrangeiras. Ela
também abriu caminho para os aldeões recuperarem as terras comunitárias
(denominadas ejidos) e para a subdivisão das grandes propriedades e sua dis-

93
História da América II
tribuição aos camponeses sem terra. Em princípio, o Artigo 123 instituiu
proteções avançadas (embora na prática variasse), como leis regendo salários
e jornada de trabalho, pensões e benefícios sociais, direito de sindicalização e
greve. A nova Constituição também limitou muito os privilégios dos estran-
geiros e, como um legado dos radicais mexicanos anteriores, restringiu os di-
reitos da Igreja Católica (CHASTEEN, 2001, pp. 181-182).

Os constitucionalistas conseguiram neutralizar pela violência os movimentos de Zapata


(assassinado em 1919) e Villa (assassinado em 1923), consolidando-se no poder ao longo da
década de 1920. Fundaram um partido, que após denominar-se Nacional, depois Mexicano,
finalmente teve seu nome consagrado como Institucional. Nascia o Partido Revolucionário
Institucional (PRI), que dominaria a vida política mexicana pelos próximos 70 anos, sem al-
ternância de poder.
Os governos nacionalistas do PRI organizaram projetos educacionais, visando reduzir o
alarmante nível de analfabetismo, bem como incentivaram as manifestações da cultura nacio-
nal. Tais manifestações podem ser percebidas pelas obras de dois grandes pintores mexicanos:
Diego Rivera e Frida Kahlo, que se casaram em 1929. Nos enormes murais de Rivera e nas
telas de Frida a cultura mexicana de raízes indígenas, bem como os temas revolucionários,
ganhou cores e formas.

MURAL DE RIVERA.
FONTE: <HTTP://NUCLEOATMOSFERA.BLOGSPOT.COM/2009/01/FOTOGRAFIAS-TELAS-E-ESCRITOS-NO.HTML

94
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Na década de 1930, o nacionalismo institucionalizado atingiu seu clímax, com o gover-
no de Lázaro Cárdenas (1934-1940), quando ocorreu a expropriação petrolífera (1938), com a
criação da paraestatal Petrolífero Mexicanos (PEMEX), e o aprofundamento da reforma agrá-
ria (que entre 1935 e 1939 atingiu quase a metade da área cultivável do país). Tais medidas,
acrescidas a muitas outras de cunho social, fizeram com que Cárdenas obtivesse forte apoio
popular.
A partir de então estavam consolidadas as bases institucionais, o corporativismo político
e social e a cooptação das classes trabalhadoras mediante a submissão dos sindicatos ao go-
verno. O Estado assumiu o papel de promotor do desenvolvimento econômico e social, sendo
criadas inúmeras empresas estatais.
A partir da década de 1940 foram estreitados os laços com os investidores estrangeiros,
principalmente estadunidenses, bem como se desacelerou a reforma agrária e o setor privado
da agricultura foi beneficiado com empréstimos e investimentos, voltados à produção dos
gêneros para exportação, em detrimento da agricultura comunitária camponesa. Tal conjun-
tura marcou o final de um ciclo nacionalista e popular na história mexicana, substituído pelo
desenvolvimento industrial e agroexportador alimentado pelo Estado em associação ao capital
internacional. Não obstante a permanente retórica nacionalista e revolucionária do PRI, a
poeira da Revolução se assentou no continuísmo partidário-institucional que atendeu aos an-
seios de parcelas das elites políticas e da classe média em ascensão, em detrimento das classes
trabalhadoras, que por sua vez demonstraram seu descontentamento na década de 1960, a
partir de movimentos camponeses e urbanos sufocados pelo governo.
A Revolução Mexicana, com seu conteúdo nacionalista (antiimperialista), mais vivo a-
inda pelo rancor decorrente de duas intervenções norte-americanas no transcurso do processo
revolucionário, influenciou muitos intelectuais latino-americanos, que perceberam com seu
exemplo a possibilidade de trilhar caminhos autônomos de desenvolvimento nacional.

Texto complementar:

Pancho Villa e os camponeses na Revolução Mexicana

Bruna Coutinho Belchior


Mariana G. Guglielmo
Lucrecia Mascarenhas

"Aqui está Francisco Villa

95
História da América II
Con sus jefes y oficiales,
Es el que viene a ensillar
A las mulas federales.
La justicia vencerá
Se arruinará la ambición,
A castigar a toditos,
Pancho Villa entró a Torreón”
Corrido mexicano

A Revolução Mexicana abre a era das Revoluções do século XX e atravessa toda a dé-
cada de 1910, contando com a atuação dos mais diferentes grupos sociais – dos ricos pro-
prietários aos camponeses pobres. No entanto, o processo revolucionário destaca-se pelo
papel decisivo desempenhado por exércitos de camponeses, que detinham certa autono-
mia. Na vertente camponesa da revolução é apreciável a participação da Divisão do Norte,
comandada pelo enigmático “Pancho” Villa.
Francisco “Pancho” Villa, filho de uma família camponesa, nasceu no norte do México
e tornou-se um dos principais nomes da Revolução Mexicana, após aliar-se a Francisco
Madero, latifundiário que resolveu unir forças para acabar com a longa ditadura imposta
por Porfírio Diaz.
Villa foi o líder de um exército camponês que chegou a contar com milhares de ho-
mens e desempenhou um importante papel durante o processo revolucionário. Ele estabe-
lecia com seus soldados uma relação de igualdade, alimentava-se com eles; fazia uso de
roupas simples e participava diretamente nas batalhas. Era um líder presente.
Desde 1910, Villa tinha assegurado um acordo com Madero, o principal articulador
dos diversos grupos insatisfeitos com governo de Porfírio Diaz. Para Villa e os campone-
ses, era fundamental nessa aliança a garantia de medidas de desapropriação de terras e re-
forma agrária que atendessem às demandas dos trabalhadores rurais. No entanto, a queda
de Porfírio e a chegada ao poder de Madero não estabilizaram a sociedade mexicana. Este
líder não consegue permanecer no poder, é assassinado e, a partir de então, a Divisão do
Norte – e os camponeses – passam a atuar com decisiva autonomia. Até 1915, o exército
camponês trava grandes batalhas no norte, conseguindo conquistar importantes cidades
dessa região do país. Frente à instável situação política e econômica do México, Villa con-
segue tornar-se governador de uma importante cidade do norte – Chihuahua – durante os
anos de 1913 e 1915, tornando-se o único estado totalmente livre do domínio federal.
Em Chihuahua, Villa viveu a experiência de administrador. Na economia, criou uma
moeda própria que, de início, encontrou resistência entre os comerciantes locais, mas aca-
bou por ser aceita. Além disso, fixou o preço de gêneros considerados essenciais à alimen-
tação, tais como: carne, leite e pão. Principalmente, deu início na cidade a um processo de

96
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
expropriação de grandes latifúndios, fundamental no fortalecimento de uma bandeira a-
grária camponesa.

BELCHIOR, Bruna Coutinho; GUGLIELMO, Mariana G.; MASCARENHAS, Lucre-


cia. Pancho Villa e os camponeses na Revolução Mexicana. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/nec/marirevmexico.htm>. Acesso em: 04.12.2009.

2.1.2
CONTEÚDO 2.
OS NACIONALISMOS NA AMÉRICA LATINA
O progresso neocolonial trouxe prosperidade para as elites urbanas e rurais que se inse-
riam no comércio exterior, bem como para setores das “classes médias”, que nas margens do
sistema conseguiam incluir-se. Verdadeiras bolhas de modernização foram criadas nos cen-
tros urbanos em meio à esmagadora maioria territorial e populacional do interior atrasado.
Não havia meios (e interesse, por parte das elites) de incluir as massas camponesas dependen-
tes na onda de progresso. O sistema político fraudulento e excludente reproduzia o domínio
das elites oligárquicas neocoloniais, obstruindo a ascensão de forças contestatórias.
O que os nacionalistas das primeiras décadas do século XX queriam era o alargamento
dos benefícios gerados pelo desenvolvimento das exportações e a superação do atraso indus-
trial. E somente vislumbravam concretizar seus objetivos mediante a tomada do poder das
mãos neocoloniais, que em sua aliança com os interesses imperialistas moldavam o Estado
para a gestão de seus negócios e riquezas.
Podemos enquadrar o nacionalismo latino-americano em um contexto de crise sociopo-
lítica, devido a um “efeito colateral” do neocolonialismo: o crescimento das camadas interme-
diárias urbanas, que em maior ou menor grau prosperaram economicamente, porém estavam
alijadas da representatividade política. Estes setores conseguiram se inserir no ensino e reali-
zavam carreiras em diversos ramos de atividades urbanas, como no pequeno comércio, no
setor de serviços ou mesmo na burocracia, mas não desfrutavam do luxo consumista das oli-
garquias, nem possuíam meios de se fazerem representar politicamente por conta do sistema
eleitoral manipulado, baseado no clientelismo e no “voto do cabresto”.
Constatavam a importação da cultura europeia ou norte-americana pelas elites, que
consumiam artigos de luxo franceses, eletrodomésticos ingleses e automóveis norte-
americanos, objetos de desejo distantes do grande público latino-americano. Assim, rancoro-

97
História da América II
sos e sequiosos por mudanças reais, que incluíssem um número muito superior nos benefícios
do progresso, valorizavam tanto suas culturas nacionais como a industrialização, vista como
veículo de transformação rumo a uma sociedade mais justa e moderna. A modernidade, para
os nacionalistas, era simbolizada pela fumaça saindo de chaminés de fábricas que produziam
artigos variados, acessíveis aos bolsos da maioria. Contrastando com os neocolonialistas, os
nacionalistas tinham os olhos voltados para o interior de suas sociedades.
No plano internacional, percebemos que uma onda de nacionalismo floresceu na Euro-
pa em fins do século XIX, com as unificações da Alemanha e da Itália, levando a uma corrida
imperialista. Tal processo desembocou nos dois conflitos bélicos mais destruidores da con-
temporaneidade: Primeira Guerra Mundial (1914-1818) e a Segunda Guerra Mundial (1939-
1945).
No início do século XX, o racismo científico europeu deu lugar, na América Latina, a
uma apreciação do elemento mestiço próprio da estrutura étnica regional. Tal discurso atraía
as massas como nunca o neocolonialismo havia feito. A retórica anti-imperialista saída das
bocas dos líderes nacionalistas enchia os ouvidos e corações mestiços de emoção, pelo ressen-
timento frente à dominação estrangeira, materializada nas intervenções militares, nas dívidas
contraídas desde há muito, na arrogância dos proprietários forasteiros que pagavam salários
de fome. O foco de resistência ao imperialismo dava um senso de unidade, um sentimento de
pertencimento a uma comunidade, a uma nação. Por vezes este sentimento de identidade nas-
cia como resposta a uma invasão, agressão ou humilhação sofrida frente a estrangeiros.
A Revolução Mexicana tomou um rumo nacionalista, pois a pressão exercida pelo impe-
rialismo ianque impeliu os mexicanos a esta tomada de posição, tendo em vista que os interes-
ses do povo somente poderiam ser atendidos caso os dos estrangeiros fossem contrariados, o
que de fato aconteceu.
Não foi um episódio isolado:

No final da década de 1920, fuzileiros navais norte-americanos travaram


uma guerra quente contra os guerrilheiros patriotas nicaraguenses. O líder
dos guerrilheiros, César Augusto Sandino, acusou os Estados Unidos de
“imperialismo”. Ele se tornou um herói para muitos latino-americanos (co-
mo Fidel Castro mais tarde) precisamente por resistir aos Estados Unidos.
Várias intervenções norte-americanas instalaram líderes que se tornaram di-
tadores por longos períodos, tiranetes corruptos, famosos pela cobiça e obe-
diência à política norte-americana (CHASTEEN, 2001, p. 169).

Era desta forma que os estadunidenses combatiam movimentos nacionalistas que pre-
conizavam a autodeterminação dos povos. Mas tal forma de atuação, direta, via intervenção
militar, não podia ser levada a cabo facilmente em países maiores e/ou mais distantes, como
Uruguai, Argentina e o Brasil, que experimentaram, com o Batlismo (1903-1907/1911-1915),

98
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
a União Cívica Radical (1916 até fins da década de 1920) e o Getulismo (1930-1945), respecti-
vamente, movimentos de caráter nacionalista baseados em setores urbanos, quebrando a he-
gemonia neocolonial das oligarquias.
A Grande Depressão de 1929 contribuiu para sepultar o liberalismo neocolonial na A-
mérica Latina. A década de 1930 assistiu a um desmantelamento dos setores exportadores,
pois a demanda e os preços dos produtos latino-americanos despencaram no mercado mun-
dial (o café brasileiro é um bom exemplo). Este processo, se por um lado enfraqueceu as oli-
garquias que dependiam das exportações e provocou altos índices de desemprego, por outro
possibilitou um novo impulso às ISIS. Sem condições de continuar importando muito do que
consumiam, os latino-americanos tiveram que recorrer aos seus próprios setores industriais
para suprir suas demandas.
Assim, a década de 1930 foi um período importante no processo de consolidação da in-
dustrialização na América Latina. E claro, a industrialização engendrava dois processos que
corroíam os vestígios neocoloniais ainda existentes: urbanização e ascensão política de setores
da burguesia nacional. Tudo, agora, favorecia a onda nacionalista na região. As massas urba-
nas, mais permeáveis ao discurso nacionalista, iniciaram nas décadas de 1930 e 1940 (processo
alargado na década de 1950) a sua aparição na cena política, com a dilatação dos direitos polí-
ticos a cada vez mais pessoas, inserindo inclusive o voto feminino. Este processo favorecia os
nacionalistas, bem como posteriormente os “populistas”, que tinham nas populações urbani-
zadas (a inversão da relação populacional campo-cidade se deu na região por volta da metade
do século) suas bases políticas.

Tela Os Operários (1933), de Tarsila do Amaral.


FONTE: <HTTP://VEREDESCONSTRUIR.BLOGSPOT.COM/2010/03/OPERARIOS-TARSILA-DO-AMARAL.HTML

99
História da América II
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o quadro mudou. Os nacionalistas sofre-
ram um baque com a vitória do liberalismo encarnado nos Aliados, bem como com uma nova
onda de pressão norte-americana que se abateu sobre a região, pois se adentrava no período
da Guerra Fria. Para Washington, movimentos de cunho nacionalista na América Latina eram
perigosos, pois necessitava garantir para si a condução das políticas externas da área que con-
siderava como sua zona de influência. Assim, ser nacionalista na América Latina, dado o cará-
ter histórico da dominação estrangeira capitalista, em tempos de Guerra Fria, significava qua-
se sempre uma adesão à única forma alternativa de tentar vencer os oponentes internos e
externos: o socialismo revolucionário.
Não obstante, o “populismo” (termo vago e carregado de preconceitos elitistas) vicejou,
tendo como protagonistas líderes carismáticos, nos três principais países latino-americanos:
México, Argentina e Brasil. Já tratamos do México de Lázaro Cárdenas na década de 1930. Na
Argentina, o coronel, depois general, Juan Domingo Perón ascendeu politicamente quando do
golpe militar de 1943, sendo uma das principais figuras do governo instaurado, auferindo for-
te apoio popular pela sua atuação “paternalista” na secretaria de Trabalho e Previdência. Eleito
presidente em 1946, Perón e sua esposa, Eva Duarte (conhecida como Evita Perón), desfruta-
ram de amplo apoio popular, sustentado pela propaganda oficial: ele, por seu governo nacio-
nalista e trabalhista; ela, por sua atuação em programas assistencialistas.

Perón e Evita.
FONTE: HTTP://WWW.DRA.DE/ONLINE/HINWEISDIENSTE/WORT/2002/JULI26.HTML

100
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Durante seu governo, Perón defendeu três bandeiras que se tornaram os pilares do pe-
ronismo: justiça social, soberania política e independência econômica. Consolidou o estado de
bem-estar na Argentina e nacionalizou parte da economia, ainda dependente do setor expor-
tador. Foi reeleito em 1951, mas seu governo começou a enfrentar dificuldades pelas despesas
crescentes, oposição dos setores conservadores e liberais, que denunciavam o viés autoritário e
personalista do peronismo, e a antipatia dos EUA. Acabou derrubado por um golpe em 1955,
sendo exilado. Mesmo do exterior, Perón continuou a influenciar a política argentina, ainda
desfrutando de forte apóio popular. Regressou à Argentina, sendo eleito presidente mais uma
vez em 1973, com 62% dos votos. Em seu curto período de governo, Perón se inclinou para
posições mais ortodoxas, admitindo figuras de direita em sua administração. Faleceu, doente,
em julho de 1974, deixando a presidência à sua 3ª esposa, Isabelita Perón. O governo de Isabe-
lita foi conturbado, com um ambiente político instável, crescente inflação e acusações de cor-
rupção. Foi derrubada por um golpe em março de 1976.
No Brasil, Getúlio Vargas chegou ao poder através da chamada Revolução de 1930, mo-
vimento catalisado pela derrotada Aliança Liberal nas eleições presidenciais daquele ano. Em
seus dois períodos como presidente (1930-1945 e 1951-1954), Vargas reformou as estruturas
do Estado brasileiro, buscando transformá-lo em motor para o desenvolvimento econômico e
elemento mediador do conflito capital-trabalho sob as novas bases do estado de bem-estar em
construção. A legislação trabalhista instituída e a propaganda estatal nacionalista e personalis-
ta fizeram de Getúlio um dos mais populares presidentes do país. Em seu segundo período de
governo, Getúlio sofreu forte oposição das oligarquias e dos liberais, bem como a hostilidade
do capital internacional frente ao seu viés estatizante e de defesa da indústria nacional. Seu
suicídio, em 1954, evidenciou as fragilidades do nacionalismo popular em tempos de Guerra
Fria. O colapso do “populismo” brasileiro se concretizou com o golpe militar, dez anos depois.

2.1.3
CONTEÚDO 3.
OS MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS NA AMÉRICA LATINA
Na América Latina, devido à superioridade industrial e militar dos Estados Unidos e sua
ingerência nos negócios internos dos países da região, os movimentos nacionalistas conviviam
com dificuldades constantes pós-1945. Para fazer valer seus planos de nacionalização econô-
mica, alguns movimentos nacionalistas deram uma guinada rumo ao socialismo, visto como
um avanço na luta anti-imperialista e por igualdades sociais, tentando superar o abismo esca-
vado por séculos de exploração e manutenção das disparidades sociais. Em um mundo bipolar
como o da Guerra Fria, para fugir das pressões norte-americanas e tentar trilhar um caminho

101
História da América II
livre do imperialismo ianque, os latino-americanos passaram a olhar com bons olhos para a
outra superpotência: a União Soviética (URSS).
Mas a influência soviética sobre os intelectuais latino-americanos não tinha somente um
cunho ideológico de superação das desigualdades ou mesmo do imperialismo estadunidense.
Havia questões ainda mais pragmáticas do que suprimir a presença imperialista dos EUA: o
exemplo do desenvolvimento soviético. A receita de industrialização acelerada da URSS, que
partiu de um tremendo atraso socioeconômico, na década de 1920, para um status de potência
industrial vinte anos depois, capaz de superar a poderosa Alemanha nazista durante a Segun-
da Guerra Mundial, impressionava muitos latino-americanos. Parecia o remédio ideal para
superar seus próprios atrasos e desigualdades sociais.
Partidos comunistas foram fundados em inúmeros países latino-americanos, na esteira
da Revolução de Outubro de 1917, mas sua representatividade era pequena. O partido comu-
nista argentino foi fundado em 1918, depois surgiram o uruguaio (1920), o brasileiro e o chi-
leno (1922), o cubano (1925) e o mexicano (1929).
Em países tradicionalistas católicos, com populações majoritariamente rurais e analfabe-
tas, a difusão do comunismo não era tarefa fácil. E nem sempre ser nacionalista significava ter
um viés esquerdista, como muitos movimentos reacionários das décadas de 1960 e 1970 de-
monstraram.
No período pós-guerra, os nacionalistas latino-americanos enfrentaram inúmeros desa-
fios: “necessidades sociais prementes, um contra-ataque de seus velhos adversários políticos,
um enfraquecimento da base econômica e a hostilidade dos Estados Unidos.” (CHASTEEN,
2001, p. 206).
Para vencê-los, os nacionalistas empreenderam duas estratégias distintas: o “populismo”
e o socialismo (ou algo próximo deste, pois nem tudo que o Departamento de Estado norte-
americano enxergava como comunista realmente o era).
Na Guatemala, entre 1944 e 1954, o país passou por um período democrático em que os
presidentes eleitos (José Arévalo e Jacobo Arbenz) tomaram medidas de cunho social, tais
como assistência social e melhor remuneração para os trabalhadores. Arbenz, a certa altura,
para os políticos norte-americanos, foi longe demais: reforma agrária, expropriações de ferro-
vias, contato com comunistas... Até comprar armas da Tchecoslováquia. Para os EUA tais
medidas eram inadmissíveis (a United Fruit possuía muitas plantações de bananas na Guate-
mala). Arbenz foi derrubado por um misto de invasão norte-americana e golpe militar reacio-
nário.
Na Bolívia, o Movimento Nacional Revolucionário (MNR), fundado em 1941, tomou o
poder por um golpe em 1952, após a anulação da vitória do seu candidato, Víctor Paz Estens-
soro, na eleição de 1951. Os governos do MNR (1952-1964), baseados no apoio dos trabalha-
dores das minas e dos camponeses, foram observados atentamente pelos Estados Unidos. O

102
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
programa de expropriações do MRN não feriu diretamente muitos interesses dos EUA, que
por isso mantiveram-se “construtivamente envolvidos”. A principal riqueza da Bolívia era o
estanho, cuja propriedade era da família Patiño. Estes, entretanto não se incomodaram muito
com a nacionalização, haja vista o estado decadente em que as minas se achavam, além da
vultosa indenização paga. Ademais, em seus refúgios europeus, a família Patiño continua lu-
crando com a exploração, pois o estanho que sai bruto da Bolívia é beneficiado em uma em-
presa da família na Inglaterra (GALEANO, 2001, pp. 161-2). O que sobrou desta riqueza foi
consumido pelas melhorias salariais dos mineiros, não obstante os preços pagos pelo estanho
não terem acompanhado os ganhos salariais, fazendo as minas operarem no vermelho. Além
da nacionalização, os bolivianos do MNR realizaram uma reforma agrária que amenizou a
penúria das famílias campesinas.
Em longo prazo, a política dos EUA na Bolívia mostrou-se mais profícua que uma inter-
venção direta, pois os elementos mais conservadores do MNR assumiram a direção do gover-
no, retirando sua áurea marxista revolucionária. Mesmo assim, o crescente poderio dos traba-
lhadores urbanos e rurais, que tanto incomodava as elites bolivianas e desestimulava
investimentos estrangeiros, levou os EUA a financiarem um golpe de Estado em novembro de
1964, chefiado pelo general René Barrientos Ortuño (vice-presidente de Victor Paz), dando
início a um ciclo de governos militares que perdurou até 1982.
Com a vitória da Revolução Cubana (1959), os movimentos revolucionários na América
Latina ganharam novo ímpeto. O exemplo cubano animou os nacionalistas marxistas da regi-
ão a tentarem empreender a luta revolucionária seguindo (entre modalidades urbanas e ru-
rais) o modelo da guerrilha vitorioso em Cuba.
Mas na maior parte dos países latino-americanos não havia condições objetivas para a
concretização dos planos revolucionários. Após a vitória de Castro e Guevara, o avanço das
pressões norte-americanas, apoiando financeira e militarmente os regimes conservadores,
aliado às conjunturas internas de cada país, limitou as possibilidades de ação dos grupos guer-
rilheiros. Não obstante a difusão das ideias marxistas pela intelectualidade latino-americana,
as mensagens de libertação nacional e igualdade social com viés comunista permaneceram
quase sempre restritas a um público geralmente jovem e universitário, e foram eles os porta-
vozes da revolução:

Por toda a América Latina, entusiasmados grupos de jovens lançaram-se em


lutas de guerrilha uniformemente condenadas de antemão sob a bandeira de
Fidel, ou Trotski, ou Mao Tsé-tung. Com exceção da América Central e da
Colômbia, onde havia uma velha base de apoio camponês a tropas armadas
irregulares, a maioria dessas iniciativas desmoronou quase imediatamente,
deixando atrás de si os cadáveres dos famosos – o próprio Che Guevara na

103
História da América II
Bolívia; o igualmente bonito e carismático padre rebelde Camilo Torres na
Colômbia – e dos desconhecidos (HOBSBAWM, 1995, p. 428).

As táticas dos grupos guerrilheiros urbanos, predominantes nas décadas de 1960 e 1970
incluíam assaltos a bancos (expropriações revolucionárias) e ações de impacto na mídia, como
sequestros de embaixadores ou ataques a quartéis. Mas nada disso angariava apoio popular
para sua causa, pouco contribuindo para o progresso dos movimentos rumo a uma revolução
socialista. A grande mídia, comprometida com a contrarrevolução, denunciava o ‘banditismo’
dos guerrilheiros e hostilizava seus integrantes como ‘criminosos sanguinários’.
Os guerrilheiros universitários se consideravam como verdadeiros apóstolos da verdade
socialista, tentando convencer os jovens dos centros urbanos ou os camponeses do interior a
aderirem aos seus movimentos, coisa que poucos fizeram. Somente onde havia movimentos
genuinamente camponeses (como na América Central ou na Colômbia, por exemplo) ocorre-
ram adesões e os movimentos tiveram continuidade e relativo êxito.
Vejamos alguns movimentos ou grupos guerrilheiros deste período:

 Montoneros na Argentina: ao longo da década de 1970 foram aguerridos comba-


tentes dos governos militares, sendo, entretanto barbaramente reprimidos, sem
ameaçar a ordem vigente;
 Tupamaros no Uruguai: formado em 1964, empreenderam ações planejadas de
guerrilha urbana sendo, contudo, reprimidos, presos e executados, levando ao
ocaso de suas pretensões;
 Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e Exército de Libertação
Nacional (ELN) na Colômbia: na década de 1960, tanto as FARC como o ELN
iniciaram suas atividades guerrilheiras pelo interior, delimitando territórios, mas
sem possibilidade de vitória. Até hoje guerrilheiros e paramilitares de direita se
enfrentam na Colômbia.

104
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Guerrilheira das Farc.
FONTE: <HTTP://WWW.LICEOBERCHET.IT/RICERCHE/GEO5D_08/GRUPPO_D/COMMERCIO_ARMI.HTML

 Guatemala: ao longo das décadas de 1960 e 1970, diversos movimentos guerri-


lheiros camponeses e urbanos combateram as ditaduras militares, sem consegui-
rem tomar o poder;

Broxe Sandinista.
FONTE: <HTTP://MEMBERS.SHAW.CA/ALEXEHNG/OTHER.HTML

 Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), na Nicarágua: em 1961, o mo-


vimento revolucionário formado em Havana iniciou suas ações revolucionárias
para derrubar a dinastia de ditadores nicaraguenses da família Somoza, aliada
dos EUA. Durante duas décadas os sandinistas combateram os Somoza, quando
em 1978, o assassinato do jornalista Joaquín Chamorro uniu direita e esquerda
contra a ditadura, possibilitando a derrubada do regime em 1979. Os sandinistas
assumiram o poder, porém sua aliança com os cubanos estimulou o presidente
dos EUA, Ronald Reagan, a apoiar os contrarrevolucionários remanescentes das

105
História da América II
forças ditatoriais, no escândalo que ficou conhecido como os Contras. Os con-
trarrevolucionários combateram os sandinistas de suas bases em Honduras, a-
bastecidos pelos norte-americanos até que em 1990, o país, esgotado pela guerra,
elegeu Violeta Chamorro (primeira mulher presidente da América Latina), divi-
dindo o país, mas pondo fim à guerra.

Cartaz Da Fmln.
FONTE: <HTTP://TOTHEROOTS.WORDPRESS.COM/2009/05/23/THIS-COMMUNITY-HAS-SUFFERED-RIGHT-THE-ORIGINS-OF-LA-
MANTANZA-AND-HISTORICAL-MEMORY-IN-EL-SALVADOR/

 Frente Faribundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), em El Salvador: na dé-


cada de 1980, a FMLN lutou para derrubar o regime autoritário oligárquico que
dominava o país há décadas. Apoiado pelos EUA, o governo reprimiu violenta-
mente os revolucionários, que depois de anos entre vitórias e derrotas depuse-
ram as armas assinando um tratado de paz, em 1992.

106
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Cartaz com a foto de S. Allende.
FONTE: <HTTP://DIASDELUTAS.BLOGSPOT.COM/

 União Popular, no Chile: exemplo distinto de processo político, o Chile possuía,


em meados do século XX, um regime político constitucional sólido. A esquerda
comunista seguia a linha soviética de coalizões nacionais, formando alianças
com setores progressistas. Em 1970, o candidato da coalizão denominada Uni-
dade Popular (UP), Salvador Allende, venceu as eleições presidenciais. Allende,
um médico marxista, acreditava numa “via chilena para o socialismo”, mais mo-
derada e gradual, distinta dos exemplos revolucionários como o cubano. Conge-
lou os preços de produtos e aumentou os salários dos trabalhadores, mas com re-
sultados insatisfatórios, pois a inflação estava sem controle. Expropriou a
indústria do cobre, e assistiu a movimentos trabalhistas que assumiam o controle
de empresas devido à lentidão do governo.

A oposição ao governo Allende, levada a cabo por ultranacionalistas de direita apoiados


por Washington, desestabilizava o governo. Havia desabastecimento e a economia balançava.
Enquanto os trabalhadores pobres urbanos apoiavam o presidente, os setores da elite e das
classes médias, com ajuda dos EUA, apoiaram o golpe de setembro de 1973, que assassinou
Allende em seu gabinete, dando origem à sanguinária ditadura de Augusto Pinochet.
 Diversos movimentos, entre eles a Guerrilha do Araguaia (PCB), ALN, MR-8
etc. no Brasil (fins da década de 1960 a meados de 1970): após o AI 5, a juventu-
de revolucionária brasileira, sem canais legais para exprimir sua insatisfação com
o regime militar, caiu na clandestinidade tanto da guerrilha urbana, como da ru-
ral, com resultados pífios, apesar das ações espetaculares. O ‘milagre econômico’

107
História da América II
do início da década de 1970 dava legitimidade aos militares brasileiros, tirando
qualquer chance de vitória dos pequenos grupos armados. Gradualmente a re-
pressão se abateu sobre eles, desativando um a um, exilando, prendendo e ex-
terminando seus membros.

2.1.4
CONTEÚDO 4.
A REVOLUÇÃO CUBANA DE 1959
A Revolução Cubana, seguramente foi a Revolução por excelência da história latino-
americana do século XX. Imagens com o rosto de Ernesto “Che” Guevara estampam camisetas
e adesivos pelos quatro cantos da região, sendo um dos ícones da juventude. Mas para enten-
dermos a Revolução de 1959 precisamos voltar ao século XIX.

Che Guevara.
FONTE: HTTP://LOSHINOJOSOS.WORDPRESS.COM/2009/11/18/)

Ao longo de todo o século XIX, os EUA – maiores compradores do açúcar cubano – a-


lentaram a anexação de Cuba, ainda sob domínio espanhol. A oportunidade surgiu na guerra
contra a Espanha, em 1898. Cuba e Porto Rico passaram para o comando norte-americano,
sendo que até hoje Porto Rico continua sendo uma colônia disfarçada estadunidense. Em
1901, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Emenda Platt, que limitava sobremaneira a
soberania de cubana (Cuba permaneceu como protetorado dos EUA até 1933).

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Funcionando como centro turístico e local de investimentos para os norte-americanos,
Cuba passou pela fase neocolonial como outras áreas da América Latina: dependente, com
forte presença de interesses econômicos e militares dos EUA. O paraíso caribenho de belas
praias abrigou cassinos e bordéis onde os estadunidenses, muitos deles militares estabelecido
na base militar de Guantánamo, se entretinham.
Seu simulacro de independência política não enganou a muitos: Emir Sader denomina o
regime cubano pré-revolucionário de “pseudo-república” (SADER, 2001, p. 19). Esta tutela
norte-americana abrangia vários aspectos da vida cubana, pois os EUA influenciavam em sua
política interna, além de praticamente dominar sua economia, não só pela cota do açúcar, seu
mais importante produto no mercado internacional, como também pelo monopólio das em-
presas norte-americanas que operavam em Cuba.
Dentro deste contexto em que o povo cubano vivia submetido a uma política pró-EUA e
a uma servidão econômica que colocava a maioria da população na pobreza, no analfabetismo
e na marginalidade, seria de se esperar que qualquer movimento popular que visasse a mu-
danças profundas na sociedade tendesse a ser antiamericano, portanto nacionalista. Tão pró-
xima do maior império da História humana, a apenas 140 km da costa da Flórida, Cuba sofria
de uma dependência incomum, até mesmo para os padrões neocoloniais. A corrupção impe-
rava nos governos eleitos e também na ditadura de Fulgencio Batista, em sua segunda subida
ao poder (1952).
O jovem advogado Fidel Castro tinha 24 anos quando Batista instaurou sua ditadura.
Como muitos jovens cubanos, Fidel era imbuído dos ideais nacionalistas de independência.
Viu no regime instaurado um retrocesso na luta por uma Cuba progressista. Tentou iniciar
um movimento nacionalista pela tomada do poder juntamente com um grupo de 168 pessoas,
assaltando o Quartel Moncada, em julho de 1953. O ataque foi um fracasso, muitos rebeldes
morreram e outros foram presos, inclusive Fidel, dias depois. Foi julgado (apresentando um
documento de defesa denominado “A história me absolverá”) e condenado, mas posterior-
mente solto. Exilou-se no México para organizar um ataque decisivo. Foi aí que conheceu o
médico argentino Ernesto “Che” Guevara. Eles, mais 80 pessoas, partiram (em novembro de
1956) para fazer a Revolução, a bordo do Granma, mas o desembarque ocorreu na hora e local
equivocados, fazendo com que perdessem muitos homens. Somente 12 deles sobreviveram,
deslocando-se em direção à Sierra Maestra. A partir de então, as surpreendentes vitórias dos
revolucionários, que angariavam apoio crescente do povo cubano, desmoralizavam o regime
de Batista, fazendo-o renunciar e fugir, na virada de 1958 para 1959. Estava consolidada a
vitória revolucionária.

109
História da América II
Che e Fidel.
FONTE:<HTTP://SCRAPETV.COM/NEWS/NEWS%20PAGES/EVERYONE%20ELSE/PAGES-2/NO-ONE-SURPRISED-AS-HUGO-CHAVEZ-REACTS-
TO-ECONOMIC-CRISIS-WITH-DICTATORIAL-RULE-SCRAPE-TV-THE-WORLD-ON-YOUR-SIDE.HTML

Estabelecida a Revolução, formou-se um governo de coalizão composto por variados


matizes políticos, considerado liberal. A Revolução não foi, a priori, socialista. A própria a-
proximação de Fidel com o marxismo não foi exteriorizada antes de 1960-61. Ora, a própria
guerrilha que combateu na Sierra Maestra era composta por poucos marxistas, mesmo que
importantes, como o próprio Che Guevara, sendo que a importância do PSP (Partido Socialis-
ta Popular, o PC cubano) na luta pela derrubada de Batista não foi significativa até 1958 e uma
maior aproximação com Fidel se deu apenas após a vitória revolucionária. Foi a partir de 1960
que os comunistas foram se tornando maioria no governo de coalizão. A organização do par-
tido (comum nos PC’s leninistas) foi importante para a construção do novo regime, e Fidel a
adotou como meio de sustentar suas medidas, como a reforma agrária e a nacionalização das
empresas estrangeiras. A partir daí as relações com os EUA foram se deteriorando.
Os norte-americanos, mesmo duvidando do caráter socialista da Revolução em seu iní-
cio, não aceitariam as medidas do novo governo, que atacavam diretamente seus interesses na
ilha. Ataques terroristas atribuídos à CIA e o bombardeiro por aviões ianques ocorreram em
1961, mesmo antes do anúncio de Fidel, em abril daquele ano, de que o regime era socialista.
Nas palavras de Eric Hobsbawm encontramos uma síntese sobre como se deu a consolidação
da Revolução como socialista:

[...] tudo empurrava o movimento fidelista na direção do comunismo, desde


a ideologia social-revolucionária daqueles que tinham probabilidade de fazer
insurreições armadas de guerrilha até o anticomunismo apaixonado dos
EUA na década de 1950 do senador McCarthy, que automaticamente incli-
nava os rebeldes latinos antiimperialistas a olhar Marx com mais bondade. A

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Guerra Fria fez o resto. Se o novo regime antagonizasse os EUA, o que era
quase certo que faria, quando nada ameaçando os investimentos americanos,
podia contar com os quase certos garantia e apoio do maior antagonista dos
EUA [a URSS] (HOBSBAWM, 1995, p.427).

Assim, percebemos que todo o movimento de cunho emancipatório e reformista ia de


encontro com os interesses dos EUA, sendo, portanto anti-imperialista. E em decorrência da
pressão norte-americana contra as medidas tomadas pelo governo revolucionário, aliada ao
crescente peso dos comunistas no governo, dentro do contexto da ordem bipolar seria de se
esperar a busca de um apoio que garantisse a sobrevivência da Revolução. Este apoio só pode-
ria vir da URSS ou da China. Mesmo que a URSS em 1960 ainda adotasse a linha do Comin-
tern da década de 1930, que preconizava a coexistência pacífica e a formação de frentes popu-
lares com setores da burguesia nacional em detrimento de revoluções, os primeiros acordos se
deram já em 1960. Não obstante não incentivasse diretamente movimentos revolucionários,
os soviéticos não poderiam deixar de simpatizar com um aliado tão estratégico como Cuba.
Em represália ao corte da cota cubana de açúcar pelos norte-americanos e o embargo
comercial imposto por eles, o novo regime firmou acordos com o bloco socialista capitaneado
pela URSS, que garantiam a venda do açúcar e a compra do petróleo a preços extremamente
vantajosos aos cubanos. Foi este apoio que permitiu que Cuba tivesse avanços em vários cam-
pos como o científico, o industrial e o social.
E a partir da junção entre a situação interna cubana, extremamente dependente dos
EUA, e o contexto internacional da Guerra Fria, que podemos entender a opção pelo socia-
lismo. Foi à dependência externa e a ditadura que ocasionaram a Revolução, mas foi a Guerra
Fria que a fez socialista.

111
História da América II
Fidel discursando na Praça da Revolução, Havana.
FONTE: <HTTP://5DIAS.NET/TAG/CUBA/

• Cuba e a Guerra Fria


Tendo em vista que em 1961 a Revolução Cubana tomou a via socialista, na mente dos
estrategistas de Washington era preciso agir para derrubar o regime fidelista. Atentados con-
tra Fidel, queima de canaviais e bombardeio de aeroportos foram perpetrados pelos EUA sem
que se conseguisse reverter o quadro. Era preciso invadir a ilha e derrubar o regime, e para
tanto foram treinados exilados cubanos pela CIA, na Nicarágua. O fracasso da operação (a
famosa invasão da Baía dos Porcos) e a vitória de Fidel só fizeram com que a prevenção ante a
contrarrevolução se tornasse permanente (legitimando as medidas repressoras adotadas pelo
governo), bem como garantia o aumento do apoio ao regime internamente e externamente,
como se veria no caso da crise dos mísseis.
A definição pelo socialismo levou os EUA a tentarem a deposição de Fidel, mas também
proporcionou o ápice da tensão entre as duas superpotências, quando da instalação de mísseis
nucleares soviéticos em solo cubano. A manobra ousada do líder russo Nikita Kruschev, em
outubro de 1962, objetivava a não interferência dos EUA em Cuba, além da retirada dos mís-
seis norte-americanos da Turquia, objetivos alcançados.
A partir daí estava consolidada a vinculação de Cuba junto a Moscou, sendo que os so-
viéticos auxiliaram o desenvolvimento dos programas sociais cubanos, enviando materiais e
técnicos para a América. Entretanto, não podemos extrapolar o valor da ajuda soviética a Cu-

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ba. Se o bloco proporcionava vantagens comerciais, principalmente no tocante ao açúcar cu-
bano, também acabara colocando os cubanos em uma dependência deste circuito comercial.
Pois ao governo da URSS não interessava uma Cuba industrializada (ao contrário das primei-
ras promessas soviéticas de que construiriam um parque industrial cubano, quase nada neste
sentido foi feito) e sim um mercado para a exportação de seus produtos.
Mesmo que se contem os esforços cubanos para fugir desta situação, o fato de que o
programa industrial teria que começar do zero, pois Cuba era essencialmente agrária, aliado à
completa falta de recursos energéticos próprios e o reduzido estoque de matérias-primas difi-
cultava em muito as iniciativas do governo. De maneira geral, podemos considerar que o a-
poio da URSS a Cuba garantiu certa estabilidade ao regime, sem, contudo proporcionar o de-
senvolvimento das forças produtivas tão almejadas por Fidel.
Uma questão das mais polêmicas quando se debate a Cuba revolucionária é a referente
ao apoio cubano aos movimentos revolucionários da África e da América Latina. Somente
onde havia um movimento genuinamente nacional e com base camponesa estes movimentos
foram possíveis (o caso das FARC, na Colômbia, serve como exemplo). A tentativa de repro-
duzir a experiência cubana em outros países prescindia de uma análise profunda sobre as par-
ticularidades da situação de Cuba antes de 1959. O Brasil não é Cuba. Foi com o sangue de
guerrilheiros como Che Guevara (morto na Bolívia, em outubro de 1967, tentando difundir a
revolução no coração da América do Sul) ou Carlos Marighela que o sonho revolucionário se
transformou em pesadelo.
Emir Sader faz uma síntese do problema demonstrando o peso do exemplo cubano:

Nos anos 60 e 70 Cuba representou uma alternativa aos outros países, por-
que o país havia conseguido, num curto espaço de tempo, algumas conquis-
tas que até hoje estão ausentes na maior parte dos países da periferia do capi-
talismo; como por exemplo, o fim do analfabetismo, a extensão da educação
mínima a 9 anos para toda a população, a universalização do direito à saúde
gratuita, com índices de esperança de vida ao nascer e de mortalidade infan-
til idênticos aos países mais avançados do mundo.
Esses avanços se davam num país de economia agrícola, que vivia da expor-
tação de praticamente um único produto – o açúcar –, em condições de con-
flito direto com os EUA. A economia cubana não avançou significativamen-
te, o país não deixou de viver essencialmente da exportação do açúcar;
porém, uma economia planificada e a integração num planejamento interna-
cional fora do mercado capitalista permitiu construir uma sociedade justa,
equilibrada e solidária, com os melhores índices de distribuição de renda do
mundo. Via-se que uma sociedade justa não necessita ser rica, basta se orien-
tar por princípios coletivos de igualdade social (SADER, 2001, pp. 11-12)..

113
História da América II
Devemos incluir como conquistas revolucionárias a nacionalização das empresas es-
trangeiras (a estatização de qualquer empresa privada, em verdade), a reforma agrária (basea-
da na coletivização do campo, via cooperativas), a reforma urbana, acabando com os aluguéis,
o pleno emprego etc. A lista cresceria bastante se observarmos a descrição de Cuba feita pelo
jornalista Fernando Morais em sua obra, já clássica, A Ilha (MORAIS, 2001)

• Cuba e o desmantelamento da URSS: a continuidade do regime


Na década de 1980, a URSS passou pelo processo de abertura e reforma de seu sistema
político e econômico. A crise de estagnação e o atraso tecnológico, bem como a crescente re-
sistência dos satélites soviéticos desde 1968, levaram o sistema ao colapso. A partir de então,
Cuba teria que caminhar sozinha, sem os privilégios comerciais que detinha com o bloco soci-
alista.
Desde o início da década Cuba passava por uma crise da dívida externa, pois precisava
importar de países capitalistas parte da matéria-prima, bem como do maquinário para seu
desenvolvimento industrial. Com a deterioração dos termos de troca, os cubanos se viram
com uma crescente dívida externa, tendo como resultado a moratória de 1986. Sem financia-
mento externo, foi implementada uma política de incremento das relações comerciais com o
bloco, processo este abortado com o desmantelamento da URSS e de seu sistema comercial,
entre 1989 e 1991.
Cuba se viu privada de seu fornecimento de petróleo e teve que se inserir completamen-
te dentro do mercado mundial de comércio. Um país ainda essencialmente dependente do
açúcar como moeda de troca ficou em situação precária. O regime, para não abrir mão das
conquistas sociais alcançadas, teve que lançar mão de reformas e campanhas visando uma
reestruturação de sua economia. Importaram-se milhões de bicicletas e ocorreram cortes no
fornecimento de energia elétrica. Houve uma crise geral no abastecimento, não só do petróleo
como de gêneros básicos como produtos de higiene e alimentares. A renda dos cubanos caiu
em média um terço, agravando ainda mais o abastecimento dos mais carentes. Entre 1989 e
1993, Cuba perdeu 90% das importações de petróleo, 80% de seu comércio exterior e 34% do
PIB, conjuntura que impôs severas restrições de consumo ao seu povo.
Para combater a crise foi permitida a abertura de mercados para a comercialização do
excedente pelos camponeses, como forma de estimular o aumento da produção. Foram im-
plementadas campanhas pelo trabalho voluntário e de reafirmação dos valores morais da Re-
volução (algo que já estava bastante degradado no Leste Europeu, muito mais que em Cuba),
além de uma reformulação do modelo de produção das fábricas e o remanejamento de operá-
rios para o campo, a fim de combater o desabastecimento alimentar.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
A reforma mais importante para a redução da crise foi a que se deu com o turismo. Para
resolver os conflitos com o capital externo a solução encontrada foi abrir o turismo a grupos
estrangeiros. Não só os investimentos atrairiam dólares, mas acima de tudo eram (e são) os
turistas quem movimentam boa parte da economia cubana. Os dólares dos turistas permitem
que uma parte dos cubanos tenha um nível de renda bastante superior à maioria da popula-
ção.
Se o contrato com as redes hoteleiras fez com que 50% da renda fosse para o governo,
dentro do mercado informal surgiu uma nova categoria social. Aqueles que trabalham com o
turismo (sem vinculação empregatícia, pois nesta recebem como os demais, em pesos) ven-
dendo charutos desviados, na prostituição (que estava extinta e recentemente reapareceu), na
abertura de um restaurante caseiro ou de pensões nos casarões coloniais, conseguem viver
bem melhor com os dólares ganhos dos turistas.
Está se formando em Cuba o que poderíamos chamar de “pequena-burguesia”, que pos-
sui um nível de renda diferenciado do restante da população que ganha em pesos. Outra for-
ma de obter aumento na renda é a remessa de dólares do exterior, vinda dos parentes vivendo
principalmente nos EUA.
Não obstante estas transformações econômico-sociais ocorridas nos últimos anos, o re-
gime Cubano não caiu junto com a URSS e o Leste Europeu, como esperava a imprensa inter-
nacional. Por que Cuba não seguiu a tendência dos países do Leste Europeu?
Primeiramente, podemos colocar uma diferença básica entre o Leste Europeu e Cuba.
Esta não sofreu a tutela militar direta como sofreram os europeus. O controle e a exploração
sofridos pelos países do Leste ocasionaram um descontentamento difundido entre a popula-
ção. Faltava legitimidade aos regimes comunistas europeus, vistos por muitos como uma im-
posição de Moscou. Cuba não pereceu destes problemas, pois sua Revolução foi autóctone e
Fidel Castro sustentou até hoje suficiente legitimidade frente à maioria dos cubanos.
Outro ponto que os distancia é o fato de que a geração que fez a Revolução ainda está no
poder. Ainda que os jovens de hoje percam o interesse pelo ideal revolucionário, pois não vi-
ram as transformações sociais sofridas nas duas primeiras décadas pós-1959, encontramos
certa moral que permite uma menor contestação pelas novas gerações do regime cubano,
mesmo após a saída oficial de Fidel do poder, passado a seu irmão, Raúl Castro, em 2008.
Mesmo que, por exemplo, os jovens cubanos não desejem mais cursar uma faculdade (pois
podem ganhar muito mais que um médico trabalhando como garçom em um restaurante),
ainda vemos as conquistas sociais, tanto na educação como na saúde, servindo como referen-
ciais em comparação aos demais países latino-americanos.
Pois se para os europeus do Leste os referenciais adotados são os países de primeiro
mundo como a Alemanha e a França, para os cubanos os referenciais são países como o Haiti,
o Panamá etc. que nem de longe alcançaram o nível de qualidade de vida visto em Cuba.

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História da América II
Cuba foi o único país latino-americano a conseguir a consolidação do ideal socialista e a
enfrentar a supremacia norte-americana no continente, a ponto de estar sempre na lista do
“Eixo do Mal” dos estrategistas de Washington. É um exemplo de como, apesar de todas as
dificuldades e de todas as vicissitudes de seu regime (antidemocrático, sem liberdade de ex-
pressão e de imprensa, com graves violações aos direitos humanos), chegou a ser o país mais
igualitário do mundo, sem analfabetismo e com a melhor rede de assistência social entre os
países de terceiro mundo. Isso tudo conseguido pela montagem de um regime socialista a 140
km do império norte-americano.

Yoani Sánchez, Blogueira Cubana.


FONTE: <HTTP://WWW.DESDECUBA.COM/GENERACIONY/

Não obstante, a falta de abertura política e econômica atualmente frustra parte dos jo-
vens que almejam mudanças na ilha dos irmãos Castro. Para alguns, as carências no abasteci-
mento de gêneros como papel higiênico, leite e carne são por demais pesadas. O único meio
encontrado para expressar a insatisfação dos dissidentes dentro de Cuba foi à internet, com a
criação de uma rede de endereços onde os insatisfeitos desnudam as mazelas do regime e seu
alto grau de repressão política. A ‘porta voz’ da ‘blogesfera’ dissidente é a filologista Yoani
Sanchéz, que ganhou notoriedade internacional com seu blog
<http://desdecuba.com/generaciony_pt/>, onde descreve o cotidiano difícil dos cubanos e luta
contra a opressão do governo (a própria Yoani narra em seu blog o sequestro e espancamento
que sofreu em 2009). Muito se diz acerca deste movimento dissidente atual, sendo que os de-
fensores do governo dos Castro argumentam que tais dissidentes são vinculados à CIA ou
oriundos da pequena-burguesia que surgiu na ilha nas últimas décadas.

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Texto Complementar

CUBA REVOLUCIONÁRIA

Que fizemos nós para nos libertamos desse poderoso sistema imperialista, com seu
cortejo de governos fantoches em cada país e seus exércitos mercenários defendendo esse
completo sistema da exploração do homem pelo homem? As condições objetivas para a lu-
ta eram fornecidas pela fome do povo e, em reação contra essa fome, pelo terror que con-
vocava à reação popular e pela vaga de ódio que a repressão criava por si mesma. Faltavam
na América as condições subjetivas, a mais importante das quais sendo a consciência de
uma vitória possível, através de uma luta violenta contra o poder imperialista e seus alia-
dos internos. Estas condições foram criadas por nossa luta armada, que permitiu tornar
mais clara a necessidade de uma mudança, possibilitando também a derrota e a liquidação
total do exército (condição indispensável a toda revolução verdadeira) pelas forças popula-
res.
Nossa força armada, criada nos campos, conquistou as cidades a partir do exterior, u-
niu-se com a classe operária e desenvolveu senso político no contato com esta última.

GUEVARA, “Che”. Revolução Cubana. Trad. De Juan Martinez de La Cruz. São Pau-
lo, Edições Populares, 1981, pp. 41-42. In: PINSK, Jaime [et al.] História da América atra-
vés de textos. São Paulo: Contexto, 2001, pp. 103-4.

História através de documentos

“A Emenda Platt (1901)


Quem em cumprimento da declaração contida na resolução conjunta aprovada em 20
de abril de 1898, intitulada “Para o reconhecimento da independência do povo de Cuba, exi-
gindo que o governo da Espanha renuncie à sua autoridade e ao governo na ilha de Cuba, reti-
re de Cuba e das águas cubanas suas forças de reserva de terra e mar e indicando o presidente
dos Estados Unidos para usar as forças de terra e mar dos Estados Unidos para levar a efeito
essas resoluções”, o Presidente é, pela presente, autorizado a” deixar o governo e o controle da
ilha de Cuba ao seu povo”, tão logo tenha sido estabelecido um governo na referida ilha sob
uma constituição à qual, quer como uma parte dele ou como uma ordenação a ele anexada,
defina as futuras relações dos Estados Unidos com Cuba, substancialmente como se segue:

117
História da América II
Artigo 1º - Que o Governo de Cuba nunca afirmará nenhum tratado ou outro acordo
com qualquer potência ou potências estrangeiras que venha prejudicar ou possa vir prejudicar
a independência de Cuba, nem, de forma alguma, autorizará ou permitirá que qualquer po-
tência ou potências estrangeiras venham, por colonização ou com objetivos militares ou na-
vais ou quaisquer outros, alojar-se em ou controlar qualquer porção da referida ilha.
Artigo 2º - Que o referido governo não assumirá nem contrairá nenhuma dívida pública
para sobre ela pagar juros e para fazer razoável provisão de fundos de amortização, quando,
para seu final resgate, as rendas comuns da ilha, após os custeios das despesas correntes do
governo, possam ser inadequadas.
Artigo 3° - Que o governo de Cuba consente que os Estados Unidos possam exercer o
direito de intervir para a preservação da independência cubana, para a manutenção de um
governo adequado à proteção da vida, da propriedade e da liberdade individual e para o cum-
primento das obrigações que, a respeito de Cuba foram impostas pelo Tratado de Paris aos
Estados Unidos, e que devem agora ser assumidas e cumpridas pelo governo de Cuba.
Artigo 4º - Que todos os Atos dos Estados Unidos em Cuba durante sua ocupação mili-
tar são, pelo presente, ratificados e validados e todos os direitos adquiridos sobre ela serão
mantidos e protegidos.
Artigo 5º - Que o governo de Cuba executará e, até onde for necessário, ampliará os pla-
nos já elaborados ou outros a serem mutuamente aceitos para o saneamento das cidades da
ilha, a fim de evitar a ocorrência de doenças epidêmicas e infecciosas, assegurando dessa for-
ma a proteção ao povo e ao comércio de Cuba bem como ao comércio e ao povo dos portos
do sul dos Estados Unidos.
Artigo 6º - Que a ilha de Pinos será retirada dos propostos limites constitucionais de
Cuba, deixando-se para um futuro acordo por tratados, o direito à propriedade da mesma.
Artigo 7º - Que para capacitar os Estados Unidos a manter a independência de Cuba e
para proteger seu povo, assim como para sua própria defesa, o governo de Cuba venderá ou
arrendará aos Estados Unidos terra necessária para postos navais ou de abastecimento em
certos pontos especificados, a serem discutidos e aceitos pelo Presidente dos Estados Unidos.
Artigo 8º - Que por meio de um ulterior compromisso, o governo de Cuba consolidará
as presentes disposições num tratado permanente com os Estado Unidos.”

WILGUS, A, Curtis – (org.) Readings in Latin American Civilization. N. York, Barnes


& Noble. 1946, p.321/323. In: BELLOTO, Manoel Lelo; CORRÊA, Maria Martinez. América
Latina de colonização espanhola. São Paulo: HUCITEC, 1991, pp.211-212.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Resumo

O século XX começou na América Latina com a Revolução Mexicana, de cunho nacio-


nalista e anti-imperialista. O nacionalismo se disseminou pela região, já que tal ideologia era
identificada com a superação do (sub) desenvolvimento dependente (ou neocolonial). A partir
da Revolução Russa de 1917, e principalmente após a vitória da Revolução Cubana de 1959,
movimentos de esquerda lutaram para derrubar governos (geralmente ditaduras) apoiados
pelos Estados Unidos, através de revoluções socialistas ou populistas.

CONSTRUINDO CONHECIMENTO

Estante do historiador

PINSKY, Jaime [et al.] História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 2001.
Nesta obra, Jaime Pinsky faz um apanhado de textos interessantes sobre variados temas da
história da América.

SADER, Emir. Cuba: um socialismo em construção. Petrópolis, Rj: Vozes, 2001. Este li-
vro de Sader busca reconstruir o quadro histórico da Revolução Cubana de 1959, fazendo du-
ras críticas às ações contrarrevolucionárias empreendidas pelos EUA.

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História da América II
Cinema e História

Sou Cuba – (Soy Cuba, Rússia/Cuba, 1964). Direção: Mikhail Kalatozov.


Esta obra clássica da estética soviética aborda as mazelas cubanas pré-revolucionárias,
culminando com a vitória da Revolução de 1959.

Viva Zapata! – (EUA, 1952). Direção: Elia Kazan.


Este filme reconstitui a saga do herói revolucionário Emiliano Zapata, interpretado por
Marlon Brando.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
MAPA CONCEITUAL

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História da América II
ESTUDO DE CASO
“Nos anos 60 e 70 Cuba representou uma alternativa aos outros países, porque o país
havia conseguido, num curto espaço de tempo, algumas conquistas que até hoje estão ausentes
na maior parte dos países da periferia do capitalismo; como por exemplo, o fim do analfabe-
tismo, a extensão da educação mínima a 9 anos para toda a população, a universalização do
direito à saúde gratuita, com índices de esperança de vida ao nascer e de mortalidade infantil
idênticos aos países avançados do mundo.” (SADER, Emir. Cuba: um socialismo em cons-
trução. Petrópolis, Rj: Vozes, 2001, p. 11)

“Fraqueza de argumentos

Em 10 de dezembro passado uma turba agrediu mulheres que levavam apenas gladíolos
em suas mãos. Punhos levantados - instigados por policiais vestidos de civis - rodearam essas
mães, esposas e filhas dos encarcerados na Primavera Negra de 2003. Vários dos atacantes
aprenderam o roteiro às pressas e misturavam as palavras de ordem atuais com os desgastados
slogans de quase três décadas. Era uma tropa de choque com licença para insultar e golpear,
outorgada - justamente - por quem deveria manter a ordem e proteger todos os cidadãos. No
noticiário de sexta-feira, um jornalista chegou a dizer que os que repreendiam as Damas de
Branco representavam o “povo excitado”. Porém na tela não se notava um só reflexo de es-
pontaneidade ou de real convicção. Só pareciam fanáticos com medo, com muito medo.
Envergonho-me de dizer, porém no meu país os demônios da intolerância estiveram em
festa no dia dos Direitos Humanos. Foram incitados pelos que, faz muito, perderam a capaci-
dade de convencer-nos com um argumento ou de atrair-nos com uma nova e justa ideia. Já
não têm nem sequer uma ideologia, daí que somente lhes reste manobrar os recursos do te-
mor, apelarem para os “exemplares” atos de repúdio para deterem a inconformidade crescen-

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
te. Com certeza, nos rostos desses convocados ao linchamento social se podia perceber como a
dúvida alternava com a fúria e a exaltação com o temor de saberem-se observados e avaliados.
Por doloroso que seja, é fácil prever que talvez um dia uma multidão igualmente irreflexiva e
cega dirija sua cólera aos que hoje incitam uns cubanos contra os outros.
Na falta de aberturas, de mais comida sobre o prato, de mudanças estruturais ou flexibi-
lizações ansiadas, o governo de Raúl Castro parece haver optado pelo castigo como fórmula
para se manter. Não mostra resultados palpáveis de sua gestão, porém faz soar os instrumen-
tos oxidados da coação e as velhas técnicas de castigo. Nos últimos meses já nem sequer lança
promessas ao ar, nem enuncia planos para datas incertas. Pelo contrário, levou a mão ao cin-
turão e não exatamente para apertá-lo num gesto de austeridade ou economia, senão para usá-
lo como fazem os pais autoritários, sobre a pele dos seus filhos. (SÁNCHEZ, Yoani. Fraqueza
de argumentos. Traduzido por Humberto Sisley de Souza Neto. Disponível
em:<http://desdecuba.com/generaciony_pt/>. Acesso em: 06/01/2010.

A Revolução Cubana teve como resultado a instalação de um regime de cunho socialista,


com elevados índices de desenvolvimento humano. Junto com ele vieram à repressão aos dis-
sidentes, a falta de liberdade de expressão e a socialização da miséria a partir do fim do auxílio
enviado pela URSS. A partir da reflexão sobre os textos acima e seus estudos responda as
questões abaixo:

1. Como avalia as conquistas sociais alcançadas pela Revolução?

2. O que pensa acerca da manutenção do regime cubano, fechado e repressor em relação


aos dissidentes?
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EXERCÍCIOS PROPOSTOS

QUESTÃO 01
(ENADE, 2002) Comparando-se as realizações de Lázaro Cárdenas, no México, com as
de Getúlio Vargas, no Brasil, vale dizer que:
(A) no Brasil, a divisão dos latifúndios já havia ocorrido desde a Lei de Terras de 1850.
(B) os direitos trabalhistas, as reformas sociais no Brasil não se estenderam ao campo.
(C) no México, a repartição das terras foi uma imposição dos Estados Unidos da América.
(D) a pequena propriedade no Brasil resultou da ocupação das terras estatais e devolutas.
(E) no México, o movimento de divisão de terras foi, desde o início do século, pacífico.

QUESTÃO 02
Os principais objetivos do nacionalismo latino-americano, de princípios do século XX,
eram:
(A) Alargamento dos benefícios gerados pelo desenvolvimento das exportações e supera-
ção do atraso industrial.
(B) Defesa das culturas nacionais e manutenção de suas raízes agrárias, desprezando pro-
jetos industrializantes.
(C) Extensão dos princípios liberais e incentivo à vinda de capital estrangeiro para a indus-
trialização, mantendo o Estado apenas como defensor da cultura nacional.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
(D) Garantia de maior inclusão social e distribuição de terras aos camponeses para que o-
corresse um retorno aos costumes pré-colombianos tradicionais, alheios à modernida-
de.
(E) promover a inclusão social a partir da extensão do modelo agroexportador neocoloni-
al, acrescido de uma democracia limitada.

QUESTÃO 03
O Regime Cubano procurou superar a crise, experimentada a partir da década de 1980,
(A) obrigando os trabalhadores a realizarem trabalhos forçados em campos de concentra-
ção voltados à produção manufatureira e em cooperativas agrícolas, solucionando a
crise de abastecimento.
(B) estimulando os trabalhadores a exercerem atividades voltadas ao turismo, sob controle
completo do capital estrangeiro, buscando atrair recursos em parte aplicados na ma-
nutenção das conquistas sociais da Revolução.
(C) incentivando a abertura de negócios privados, como restaurantes e hotéis, que acaba-
ram influenciando as atividades industriais, levando à reformulação do mundo do tra-
balho rumo ao modelo capitalista, no qual o Estado aparece apenas como árbitro entre
trabalhador e empregado.
(D) permitindo a abertura de mercados para a comercialização do excedente pelos campo-
neses, como forma de estimular o aumento da produção e implementando campanhas
pelo trabalho voluntário, além de uma reformulação do modelo de produção das fábri-
cas e o remanejamento de operários para o campo, a fim de combater o desabasteci-
mento alimentar.
(E) com os recursos advindos do turismo e liberação para a abertura de montadoras de au-
tomóveis chinesas e indianas, sendo que parte da produção é exportada para a Améri-
ca Latina.

QUESTÃO 04
Inúmeros movimentos guerrilheiros de esquerda procuraram reproduzir a experiência
revolucionária vitoriosa em Cuba, com resultados quase sempre desastrosos, já que não con-
seguiram mais do que provocar guerras civis ou “atentados” políticos. Como se deu o proces-
so em El Salvador?
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História da América II
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QUESTÃO 05
Descreva corretamente as experiências nacionalistas no Cone Sul da América do Sul na
primeira metade do século XX.
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126
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
2.2
TEMA 4.
EUA, REGIMES MILITARES, REDEMOCRATIZAÇÕES E
NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA

2.2.1
CONTEÚDO 1.
O PODERIO NORTE-AMERICANO E AS RELAÇÕES EXTERIORES
CONTINENTAIS
O grande desenvolvimento dos Estados Unidos entre fins do século XIX e a Segunda
Guerra Mundial, quando tiveram seu papel de maior potência industrial assegurado, teve re-
flexos na América Latina. O maquinário industrial sugava crescentemente recursos naturais
vindos dos vizinhos sulinos.
Era natural, dados o histórico de intervenções na região e a cultura imperialista norte-
americana, que os EUA tendessem a aumentar sua presença nos diversos países do continente.
Os capitais norte-americanos precisavam ser invertidos para se reproduzirem, e o solo latino-
americano estava ‘pronto’ para recebê-los.
Desde antes da Doutrina Monroe (1823), passando pela Doutrina do Destino Manifesto,
em meados do XIX, que tinham um cunho político-cultural até mais forte que o conteúdo
econômico, até chegar ao fim do século, os Estados Unidos consolidaram uma forma de pen-
sar que se cristalizara em seu imaginário relativo aos latino-americanos:

A crença na inferioridade latino-americana é o núcleo essencial da política


dos Estados Unidos em relação à América Latina, porque ela determina os
passos precisos que os Estados Unidos assumem para proteger seus interes-
ses na região. Uma vez que existiu desde o início, uma maneira de entender a
política atual e suas suposições subjacentes é voltar ao século XVIII e exami-
nar como o pensamento hegemônico de hoje começou a evoluir como coro-
lário lógico de crenças sobre o caráter dos latino-americanos. [...] procuran-
do provas de um sutil, mas poderoso mind-set [espécie de estrutura mental
que dirige o olhar norte-americano, informa como pensar a América Latina e
interpretar a cultura latino-americana] que impediu uma política baseada no
respeito mútuo. Ali, nas mentes dos funcionários dos EUA, encontraremos a
explicação da política dos EUA num processo que mistura autointeresse com
o que os britânicos vitorianos chamavam seu Fardo do Homem Branco e os
franceses, sua mission civilisatrice, um processo pelo qual um povo superior
ajuda uma civilização mais fraca a superar os efeitos perniciosos de sua triste
deficiência. Um exame minucioso requer que analisemos como os funcioná-

127
História da América II
rios dos EUA processam a informação que recebem da América Latina. Des-
pida de nuanças, o processo é razoavelmente simples. Por exemplo, quando
um funcionário do Departamento de Estado abre uma reunião com o co-
mentário ”temos um problema com o governo do Peru”, em menos de um
segundo é evocada uma imagem mental de um Estado estrangeiro que é
completamente diferente daquela que teria sido lembrada se o funcionário
em questão tivesse dito, em contraste, “temos um problema com o governo
da França.” (SCHOULTZ, 2000, pp. 13-14).

Assim, com tal mentalidade, os norte-americanos balizam suas ações na América Latina.
Este conteúdo político-cultural ganhara cada vez mais um cunho econômico à medida que os
interesses materiais do EUA na região cresceram (em 1929, do total de investimentos norte-
americanos no exterior, quarenta por cento se concentravam na América Latina).
Desta feita, a missão civilizadora dos EUA teve um senso de pragmatismo que sempre
tentou tirar o máximo de proveito nas suas relações com os subdesenvolvidos e inferiores lati-
no-americanos. E o Pan-Americanismo de fins do XIX se enquadra nesta visão pragmática.
Afinal, a segunda metade do século foi marcada pelo progresso econômico nos EUA e
pela inserção dos países latino-americanos nas redes do comércio internacional.
Para os norte-americanos era chegada a hora de pôr em prática uma política comercial
mais agressiva, visando garantir reservas de mercado e de matérias-primas. A disparidade no
desenvolvimento das forças produtivas entre o Norte e o Sul do continente deu uma vantagem
gigantesca aos EUA, que fazia a balança do comércio e das relações exteriores pender ao seu
favor.
O processo de concentração econômica no bojo da Guerra de Secessão permitiu a for-
mação de grandes corporações, que atuaram na região latino-americana. E para facilitar tal
atuação os EUA empreenderam duas formas de ação: intervenção militar de um lado e diplo-
macia de aproximação por outro. Aos norte-americanos era interessante forjar instituições
que possibilitassem a integração econômica em toda a América, capitaneada, naturalmente,
por eles.
Para institucionalizar seu projeto, o Departamento de Estado norte-americano convida-
ra os países latino-americanos (17 estiveram presentes) a se reunirem em Washington, entre
outubro de 1889 e abril de 1890, na Primeira Conferência Internacional Americana, onde
questões aduaneiras e vagos princípios de unidade foram discutidos, dando origem à União
Pan-Americana, com sede em Washington. Órgão essencialmente comercial tinha como obje-
tivo final a concretização de uma reunião aduaneira continental (algo como uma versão da
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – do século XIX). O projeto fracassou pela
resistência argentina. Mas a partir de então, diversas reuniões semelhantes discutiram princí-

128
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
pios de “solidariedade” continental. Os objetivos interesseiros dos EUA no Congresso Inter-
nacional foram denunciados pelo poeta José Martí, prócere do movimento pela independên-
cia cubana na década de 1890, ao afirmar que “chegou para a América espanhola a hora de
declarar sua segunda independência” (MARTÍ, 1983, p. 170). Mente lúcida e crítica a de Mar-
tí. Se pudesse constatar as relações entre os EUA e a América Latina no século XX, teria se
considerado um profeta.
Os vários episódios nas relações Norte-Sul do continente americano confirmaram as i-
deias negativas de Martí quanto aos interesses dos norte-americanos. Não viveu para ver sua
amada Cuba cair vítima da investida estadunidense, estabelecendo duradouro domínio, só
rompido de fato com a Revolução Cubana.
Quando o século XIX deu lugar ao XX, o poder imperial norte-americano estava em
franca expansão. O corolário à Doutrina Monroe (1904) do presidente Theodore. Roosevelt
transparecia os preconceitos em relação aos latino-americanos:

Na realidade são idênticos os nossos interesses e os dos nossos vizinhos suli-


nos. Eles possuem grandes riquezas naturais e a prosperidade certamente
chegará até eles, se reinar a lei e a justiça dentro das suas fronteiras. Enquan-
to obedecerem às leis elementares da sociedade civilizada, podem estar segu-
ros de que serão tratados por nós com ânimo cordial e compreensivo. Inter-
viríamos somente em último caso, somente se tornasse evidente a sua
inabilidade ou má vontade, quanto a fazer justiça interna e, em plano exter-
no, se tivessem violado os direitos dos Estados Unidos; ou ainda, se tivessem
favorecido a agressão externa, em detrimento da comunidade das nações
americanas (Discurso de T. Roosevelt ao Congresso dos EUA, 1904. In:
IANNI, 1988, p. 24).

Roosevelt e suas Intervenções no Caribe.


FONTE: HTTP://WWW.GUIASAOJOSE.COM.BR/NOVO/COLUNA/INDEX_NOVO.ASP?ID=3207

129
História da América II
Nessa época, as opções de atuação imperialistas estavam bem definidas: a diplomacia do
dólar ou do big stick. Na prática, como lembra Octavio Ianni, há uma conjunção de interesses
econômicos e políticos nas estratégias norte-americanas no exercício de sua hegemonia, con-
figurando uma “diplomacia total” (IANNI, 1988, p. 23). Intervenções militares pontuais ou
apoio a regimes que defendessem seus negócios neocoloniais foram comuns nas primeiras
décadas do século XX. Mas no período entre - guerras, a possibilidade de um conflito de gran-
des proporções fez com que o presidente Franklin D. Roosevelt anunciasse, em seu discurso
de posse, em 1933, uma “Política de Boa Vizinhança”, que em muito melhorou as relações
entre os EUA e a América Latina, pela renúncia de seu governo em intervir militarmente nos
seus vizinhos sulinos. Mesmo a nacionalização da indústria petrolífera mexicana (1938), que
afetava diretamente os interesses norte-americanos, ocasionou qualquer tipo de intervenção
militar.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, que deixara os EUA mais fortes do que nunca
(mesmo com a emergência da URSS como superpotência), a situação das relações exteriores
interamericanas tendeu a mudar. A Guerra Fria exigia uma nova abordagem na hegemonia
norte-americana, que se cristalizou na “Doutrina da Segurança Hemisférica”.
Ianni fez um resumo dos eventos mais importantes das relações exteriores americanas,
pós-Segunda Guerra:

Ata de Chapultepec, sobre a agressão externa e problemas de pós-guerra das


repúblicas americanas, México, março de 1945; Discurso de Winston Chur-
chill, em Fulton de 1946, sobre as tarefas mundiais dos Estados Unidos; Dou-
trina Truman, Washington, março de 1947, sobre as responsabilidades polí-
ticas econômicas e militares dos Estados Unidos para com os povos que esse
país considerasse ameaçados pelo comunismo; Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca, ou Defesa Hemisférica, Rio de Janeiro, setembro de
1947; Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), Bogotá, maio
de 1948; Tratados Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá), Bogo-
tá, maio de 1948; Ponto IV, para assistência aos povos das áreas subdesen-
volvidas, Washington, janeiro de 1949; Declaração de Solidariedade pela Pre-
servação da Integridade Política da Américas, Contra a Intervenção do
Comunismo Internacional, Caracas, março de 1954; Deposição do governo
Jacobo Arbenz Guzmán, Guatemala, 1954; Deposição do governo de Perón,
Argentina, 1955; Vitória da Revolução liderada por Fidel Castro, Cuba, 1959;
Criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 1959; Criação
da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), 1960; Criação
do Mercado Comum Centro Americano (MCCA), 1960; Invasão da Baía dos
Porcos, Cuba, abril de 1961; Carta de Punta Del Este, agosto de 1961; Expul-
são de Cuba socialista da Organização dos Estados Americanos (OEA), ja-
neiro de 1962; Deposição do presidente João Goulart, Brasil, 1964; Deposição

130
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
do presidente Victor Paz Estensoro, Bolívia, 1946; Intervenção Militar na
República Dominicana, liderada pelo governo dos Estados Unidos, 1965; De-
claração dos Presidentes da América, Punta del Este, Abril de 1967; Assassi-
nato de Ernesto Che Guevara, Bolívia, outubro de 1967; Deposição do presi-
dente Belaúnde e início do governo de Velasco Alvarado, Peru, 1968;
Consenso Latino-Americano de Viña del Mar, Chile, maio de 1969; Relatório
Rockefeller, sobre “A Qualidade de Vida nas Américas”, agosto de 1969; O
presidente Nixon anuncia a política do seu governo para o hemisfério, Wa-
shington, outubro de 1969; Vitória de Salvador Allende, candidato socialista
da Unidade Popular nas eleições presidenciais chilenas de setembro de 1970;
Golpe de Estado contra o governo Allende 1973; invasão de Granada
em1983; e a contrarrevolução em marcha na América Central em 1986
(IANNI, 1988, pp. 28-29).

Extensa a lista de acontecimentos que marcaram as relações interamericanas, boa parte


deles protagonizados pelos EUA, contra a soberania dos povos latino-americanos.

FONTE: <HTTP://ESTUDO-HISTORIA.BLOGSPOT.COM/2010/04/INTERPRETANDO-CHARGES-IMPERIALISMO.HTML

A Doutrina de Segurança Hemisférica implicava uma maior interdependência política,


militar e econômica. Em termos políticos, os EUA atuaram no sentido de interferir nas ques-
tões internas dos países latino-americanos, bem como conseguiram institucionalizar órgãos

131
História da América II
que permitissem sua hegemonia. O mais importante deles é a Organização dos Estados Ame-
ricanos, criada em 1948, responsável por coordenar o anticomunismo:

O principal foro da diplomacia anticomunista norte americana era a Organi-


zação dos Estados Americanos (OEA), uma versão reforçada da União Pan-
Americana, não mais comandada exclusivamente pelos Estados Unidos, mas
sempre dominada por eles. Um coro de ditadores abjetos como Rafael Trujil-
lo na República Dominicana, “Papa Doc” Duvalier no Haiti e Anastásio So-
moza na Nicarágua seguiam a linha norte-americana na OEA, sobrepujando
qualquer oposição (em um sistema de cada país, um voto) de nações maiores
como o México, Brasil e Argentina. Em 1954, a OEA emitiu a Declaração de
Caracas, sustentando que toda ideologia revolucionária marxista era necessa-
riamente “antiamericana” (CHASTEEN, 2001, p. 211).

O fracasso das políticas de Washington evidenciadas pela vitória da Revolução Cubana


fez com que os EUA instituíssem um plano de ajuda para os países latino-americanos, de-
nominado Aliança para o Progresso (1961). Com ele, os norte-americanos esperavam con-
ter o avanço da revolução no continente através de repasses financeiros aos aliados da polí-
tica anticomunista.
Assim, os Estados Unidos atuaram nas diversas frentes contrarrevolucionárias nas dé-
cadas de 1960 a 1980. É conhecida a influência e o apoio dos norte-americanos à instalação
de regimes autoritários na América Latina. Para além das questões ideológicas, havia um
senso bem pragmático na defesa dos interesses dos EUA na região, pois dependem em par-
te das matérias-primas latino-americanas para seu desenvolvimento industrial, bem como
na garantia do retorno dos seus investimentos:

Esta dependência crescente, em relação aos fornecimentos externos, deter-


mina uma identificação também crescente dos interesses capitalistas norte-
americanos na América Latina com a segurança nacional dos Estados Uni-
dos. A estabilidade interior da primeira potência do mundo está intimamen-
te ligada às inversões norte-americanas ao sul do rio Bravo (GALEANO,
2001, pp. 147-8).

Desta forma, precisamos entender a onda de instauração dos regimes militares na


América Latina enquadrando-a no contexto internacional aliado aos interesses internos
das classes dominantes, que não só temiam o comunismo, como mal-disfarçavam o des-

132
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
prezo pelo liberalismo político (leia-se alargamento da participação política e eleições de-
mocráticas) que quebrava seu monopólio na direção dos destinos nacionais.

Texto complementar

Para ler Condoleezza


Lucas Junqueira
2007
Emblemático o nome do artigo* de Condoleezza Rice, Secretária de Estado dos EUA,
sintetizando a mensagem da Conferência da Casa Branca sobre as Américas: “Precisamos
desses acordos comerciais”. Assim como na época da Guerra Fria, em que a América Lati-
na passava pela efervescência revolucionária pós-1959, quando os EUA lançaram seu bra-
ço assistencialista/conservador/contrarrevolucionário, a Aliança para o Progresso (1961),
agora Washington sente mais uma vez a necessidade de cooptar os latino-americanos pela
via assistencialista para manutenção de sua hegemonia econômica. Haja vista a ALCA não
atingir seu principal objetivo – fisgar o MERCOSUL, e principalmente o Brasil – e a es-
querda latino-americana, não obstante sua heterogeneidade, avançar na luta anti-
imperialista, Bush e Rice procuram reavivar o braço assistencialista ianque.
O recente giro de Bush pelos países considerados estratégicos para combater a lideran-
ça chavista, além de demonstrar a preocupação de Washington com a situação latino-
americana, busca firmar parcerias comerciais que minimizem o fracasso da ALCA ou
complementem os acordos já concluídos. Os biocombustíveis, no caso brasileiro, são os
novos Cavalos de Tróia do imperialismo estadunidense. Pretendem os EUA transformar o
Brasil na Arábia Saudita do século XXI.
O artigo de Rice, inserido no âmbito do esforço para fortalecer os laços norte-
sulamericanos, complementa as visitas de Bush e a Conferência da Casa Branca sobre as
Américas, ocorrida em nove de julho passado (2007). A linguagem de Condoleezza segue a
retórica hipócrita característica dos EUA, lembrando ora o “Big Sitck” de Ted Roosevelt,
ora a “Política de Boa Vizinhança” de Franklin D. Roosevelt, e todas as variantes entre es-
tas posturas desde então. É uma síntese do pensamento estadunidense dos últimos 150 a-
nos.
Fortalecer o consenso “por trás da democracia e dos mercados livres” foi o objetivo da
Conferência, que reuniu entidades civis e religiosas do continente na sede do império, Wa-
shington. A necessidade de fortalecer tal consenso advém da resposta dos povos latino-
americanos ao fracasso neoliberal, através da eleição de governantes originários da esquer-

133
História da América II
da, em tese obstruindo a supremacia dos “mercados livres” sobre o social. Rice chama o
avanço da esquerda na América Latina como “impaciência para com o capitalismo demo-
crático”.
Para frear a “impaciência” dos emergentes movimentos sociais e dos governos que os
representam, os EUA esperam trabalhar com os “parceiros democráticos mais fortes”, ten-
do Colômbia, Panamá e Peru (justamente aqueles países que embarcaram em acordos bila-
terais nos moldes da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – e andam na con-
tramão da recente onda esquerdista que abalou o neoliberalismo na região) como
exemplos.
Segundo Rice, os acordos negociados pelos EUA “são bons e justos”. Em se tratando
de um dos países mais protecionistas do mundo, difícil imaginar quão “bons e justos” são
os acordos firmados pelos EUA, possuidor de um histórico de intervenções político-
econômicas unilaterais e pressão diplomática-militar constante. Mas Condoleezza afirma
não se tratar apenas da necessidade dos acordos e da liberdade dos mercados:

O tema desse debate vai muito além da economia interna; trata-se de nossa política ex-
terna. Simplificando: os Estados Unidos apoiam nossos aliados democráticos nas Améri-
cas, ou não? Acreditamos em nossos princípios ou não? Os cidadãos do nosso hemisfério
não estão desistindo do capitalismo democrático, e não podemos nos dar ao luxo de aban-
doná-los.

Realmente Rice está certa, os EUA não podem abrir mão de suas matérias-primas e
investimentos na América Latina, não podem assistir passivamente ao crescimento da luta
anti-imperialista. Dependem das riquezas naturais e das oportunidades de reprodução do
capital estadunidense dentro das fronteiras da América Latina para seu desenvolvimento.
As perguntas feitas pela secretária são válidas. Os EUA apóiam a democracia na América
Latina? A História mostra que não. Inúmeros golpes derrubaram governantes democrati-
camente eleitos com auxílio dos EUA, que comemoravam os sucessos golpistas como “vi-
tórias da liberdade e democracia”.
Será que os EUA efetivamente acreditam nos princípios há tanto tempo propagados
como próprios da “América”? Em tempos de governo neoconservador de George W. Bush,
de Patriotic Act’s, de campos de concentração em Guantánamo e da mídia manipuladora e
belicista, o que restou dos princípios liberais e democráticos estadunidenses? E o apoio ao
golpe para derrubar Chávez em 2002? E mais: que “capitalismo democrático” é este que
Rice afirma querermos tanto manter? Exclusão social, oligarquias dominantes e mesqui-
nhas no poder, analfabetismo, Estado mínimo e inócuo na busca pelo bem-estar-social,
são nossos desejos?

134
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
O texto de Rice faz várias referências aos velhos costumes diplomáticos e culturais dos
EUA: cita negativamente Cuba, denomina de “autocratas” governantes democraticamente
eleitos (como Morales, Chávez e Correa, implicitamente citados) e o que pode ser mais
emblemático: “A Promessa do Novo Mundo pode ter começado neste hemisfério, mas é
um ideal universal, presente em todos os cantos do planeta, e é por isso que as Américas
sempre terão importância.” Nem John Winthrop, célebre “Pai Peregrino”, expressaria tão
fortemente a ideia da Nova Jerusalém no início do século XXI.
* RICE, Condoleezza. Precisamos desses acordos comerciais. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2007/08/15/297280179.asp.>. Acesso em:
15.08.2007.

• As contradições internas do império.


Os Estados Unidos conheceram um grande desenvolvimento econômico ao longo do
século XX. Entretanto, vale lembrar que tal desenvolvimento não chegava para todos os norte-
americanos. Ao mesmo tempo em que policiavam os países latino-americanos quanto aos
seus movimentos sociais, os EUA enfrentavam internamente suas próprias contradições.
As desigualdades econômicas, e principalmente a segregação racial, dividiam a socieda-
de norte-americana. A década de 1960 foi marcada pelos conflitos decorrentes das contradi-
ções entre os discursos inclusivos e a realidade excludente.
Os movimentos negros, dentre os quais se destacaram as Panteras Negras (Black Pan-
thers), agitaram a cena política norte-americana, conseguindo a aprovação, em 1964, da Lei
dos Direitos Civis, destinada a combater a discriminação racial. Não obstante, os negros, que
não percebiam muitas melhorias práticas em seu cotidiano, prosseguiram em sua luta, desta-
cando-se Martin Luther King, assassinado em 1968.

Martin Luther King.


FONTE: <HTTP://WWW.WRITESPIRIT.NET/INSPIRATIONAL_TALKS/POLITICAL/MARTIN_LUTHER_KING_TALKS/

135
História da América II
Até hoje os EUA enfrentam o problema do preconceito racial, que nas últimas décadas
ganhou um novo elemento: a grande onda de imigração latino-americana, atualmente a ques-
tão social mais explosiva dentro das fronteiras do império. Não obstante, avanços considerá-
veis ocorreram nos últimos anos, servindo como indicador a eleição do primeiro presidente
negro do país, Barak Obama, em 2008.

2.2.2
CONTEÚDO 2.
OS MOVIMENTOS REACIONÁRIOS E REGIMES MILITARES
A ocorrência de uma série de golpes militares reacionários evidenciava a emergência de
forças políticas populares e anti-imperialistas, aqui e ali, ligadas ao comunismo. Foi gerado
um impasse entre parcelas das burguesias nacionais (sequiosas por um desenvolvimento in-
dependente, que lhes beneficiaria) e os velhos grupos ligados ao sistema agroexportador:

O exercício da democracia e os mecanismos por meio dos quais se efetivava


pareciam oferecer um espetáculo degradante aos olhos de quem se sentia
possuidor não somente dos meios de produção, mas também, de um certo
grau sublime de dignidade. Rigorosamente os grupos senhoriais não possuí-
am em sua tradição mais que uma política de poder. Quando tiveram de des-
cer às formas competitivas da política, não só perderam o equilíbrio que lhes
é peculiar como também tiveram de aceitar, tal qual no campo econômico, a
intermediação dos grupos burgueses [...]
A investida mais beligerante dos grupos senhoriais – ou melhor, daqueles
que planejavam salvar o que dessa tradição parecia resgatável – adotou o ca-
ráter de um ataque frontal contra a política liberal, em nome dos princípios
do catolicismo, aos quais os liberais respeitavam, porém tratavam de isolar,
secularizando a vida pública. (Adaptado de ROMERO, José L., El
pensamento político de la derecha latinoamericana. Buenos Aires: Paidós,
1970, pp. 110-28. In: PINSKY, 2001, pp. 112-113.)

Entretanto, mesmo a existência de atritos entre as novas forças burguesas nacionalistas –


que defendiam seus interesses industriais frente à concorrência externa – e os setores mais
conservadores ligados ao comércio exterior, não encobre a aliança de interesses frente ao a-
vanço das forças populares. A democracia, para uns e outros, tinha ido longe demais. Não há
como pensar o ataque às instituições democráticas (que agora, com a emergência das massas
na arena política, pendiam para reformas que beneficiariam a população desprivilegiada) fora
do âmbito da luta de classes. Afinal, Octávio Ianni considerava a Guerra Fria como uma

136
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
“guerra civil” internacional, da qual a instalação de regimes militares na América Latina era
mero subproduto (IANNI, 1988, p. 27).
Bom exemplo disso é o caso brasileiro, em princípios da década de 1960. Nesta época,
com a ascensão de João Goulart à presidência, após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, o
acirramento das tensões entre os movimentos trabalhistas, base de sustentação de Goulart,
herdeiro do trabalhismo/populismo de Getúlio Vargas, e os setores patronais, levou a um im-
passe político:

As classes dominantes do país, as elites culturais e as lideranças militares


formadas sob influência direta das escolas de treinamento militar dos Esta-
dos Unidos, onde predominava a mentalidade da guerra fria, sabiam do a-
vanço, cada vez firme, do voto das esquerdas e perdiam a esperança de, no
âmbito do regime democrático, impedir a ascensão do reformismo trabalhis-
ta no poder (SILVA, 1990, p. 357).

Goulart, que se aproximava do campo esquerdista, era no momento o representante de


tais reformas, chamadas “Reformas de Base”, que incluíam a reforma agrária. A tentativa de
implementar as Reformas, juntamente com a indisposição do presidente com os militares,
levou a sua derrubada, em 31 de março de 1964. O Golpe de 1964 foi implementado com o
apoio das elites agrárias, da burguesia industrial e mesmo da classe média, que pouco antes
realizava a “Marcha da família, com Deus, pela liberdade”, contra o governo Goulart. Exter-
namente, os EUA, avisados da eminência do golpe pelos militares brasileiros, viram com satis-
fação a ocorrência dele e já tinham planos e tropas para apoiá-lo caso o mesmo sofresse resis-
tência.
Assim, havia uma confluência de interesses entre os militares (e as elites) dos países da
América Latina e os norte-americanos. Para estimular o entrelaçamento de tais interesses, os
recursos da Aliança para o Progresso funcionavam como prêmios para aliados incondicionais
da política de Washington.
Os militares brasileiros, assim como outros latino-americanos, recebiam auxílio dos
EUA no serviço de inteligência e mesmo no treinamento de contrainsurgência, realizado na
Escola das Américas (School of the Americas). Os militares de toda a região especializaram-se,
sob influência dos EUA, em vigiar os “inimigos internos da liberdade” (leiam-se comunistas).
Com isso, “os movimentos revolucionários marxistas, compostos de camponeses, trabalhado-
res e estudantes universitários, seriam tratados como invasões estrangeiras no hemisfério oci-
dental” (CHASTEEN, 2001, p. 211).
Mesmo movimentos não comunistas, mas marcados pela participação popular e pelo
nacionalismo, foram combatidos. Na década de 1950, os populismos de Getúlio Vargas no
Brasil e de Juan Perón na Argentina demonstram tal coisa. O anti-imperialismo de ambos fez

137
História da América II
com que os EUA se indispusessem para com seus regimes e as elites civis e militares conserva-
doras de seus países agissem para derrubá-los (Vargas se suicidou antes).
Vejamos alguns dos casos em que os interesses norte-americanos estiveram presentes na
ocorrência de regimes autoritários e no combate à Revolução Cubana:

Na Venezuela, no grande lago de petróleo da Standard Oil e da Gulf, tem lu-


gar a maior missão militar norte-americana da América Latina. Os frequen-
tes golpes de estado na Argentina explodem antes e depois de cada licitação
petrolífera. O cobre não está de modo algum alheio à desproporcionada aju-
da militar que o Chile recebia do Pentágono até o triunfo eleitoral das forças
de esquerda encabeçadas por Salvador Allende; as reservas norte-americanas
de cobre tinham caído em mais de 60% entre 1965 e 1969. Em 1964, em seu
gabinete de Havana, Che Guevara me mostrou que a Cuba de Batista não era
só de açúcar: as grandes jazidas cubanas de níquel e manganês explicavam
melhor, em seu juízo, a fúria cega do Império contra a Revolução. Desde a-
quela conversação, as reservas de níquel dos Estados Unidos se reduziram a
um terço: a empresa norte-americana Nicro-Nickel fora nacionalizada e o
presidente Johnson ameaçara os metalúrgicos franceses com o embargo de
seus envios aos Estados Unidos, se comprassem o minério de Cuba
(GALEANO, 2001, p. 149).

Golpes militares se sucederam na América Latina nas décadas de 1960 e 1970. Vejamos
apenas dois exemplos:
 Argentina (1976-1983): caracterizado pela existência de juntas militares no go-
verno e pela “guerra suja”, que fez “desaparecer” cerca de 20.000 argentinos que
se opunham ao regime. As Mâes da Praça de Maio, que denunciavam o sumiço
de seus filhos, ilustram o tamanho do drama que fora a repressão durante o re-
gime militar argentino.
 Chile (1973-1998): caracterizado pela sua anterior estabilidade política, o Chile
representou o ápice da tendência de militarização latino-americana. A ditadura
foi basicamente um regime burocrático autoritário, liderado pelo general Augus-
to Pinochet, que reprimiu severamente os opositores do regime. Na década de
1990 houve uma gradual abertura, mas o gereral Augusto Pinochet somente dei-
xou o comando das Forças Armadas em 1998.

138
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
2.2.3
CONTEÚDO 3.
A REDEMOCRATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA
O processo de redemocratização latino-americano foi marcado por “aberturas políticas”
ocorridas entre 1979 e princípios da década de 1990. O fervor revolucionário, combatido pelos
regimes autoritários, se esfriou nas décadas de 1970 e 1980. A justificativa para suas instala-
ções – o combate ao “perigo comunista” ou a “anarquia trabalhista” – não existia mais. Des-
gastados, sem contar mais com apoio social, os militares retornaram aos quartéis, entregando
o governo de volta às mãos dos civis.
No Brasil, o “milagre econômico” do início dos anos setenta dera legitimidade aos mili-
tares. Mas no final da década o impulso econômico refreara e a ausência do “perigo comunis-
ta” fez com que os militares iniciassem a abertura política em 1979, processo concluído em
1985. As pressões populares para que fossem realizadas eleições diretas ficaram conhecidas
como movimento das “Diretas já”, porém os militares e os políticos civis mais conservadores
permitiram apenas eleições indiretas, naquele momento.

Manifestação pelas Diretas Já, Brasil.


FONTE: <HTTP://JULIAEMEXCESSO.BLOGSPOT.COM/2010/07/ACORDA-ESQUERDA-ACORDA-BRASIL.HTML>

Na Argentina, o desastre da Guerra das Malvinas (1983) contra os ingleses, bem como o
fracasso econômico, levou os militares a deixarem o poder no mesmo ano da derrota. O regi-
me já vinha sendo desgastado pela denúncia das “Mães da Praça de Maio” contra as arbitrari-
edades cometidas pelo regime.

139
História da América II
Mães da Praça de Maio, Buenos Aires, Ar.
FONTE: HTTP://ENGLISHINBACHILLERATO.WORDPRESS.COM/CATEGORY/WOMEN-FOR-PEACE/

No vizinho Paraguai, o regime do ditador Alfredo Stroessner, com mais de 35 anos de


duração, terminou em 1989 quando ele se retirou do governo, exilando-se no Brasil.
O Chile, país que representou mais fortemente a tendência autoritária na América Lati-
na, teve uma abertura gradual ao longo da década de 1990, inclusive implementando reformas
liberais na economia chilena.
Ao longo da década de 1980 e princípios da de 1990, tanto na América Central, como na
América do Sul, os regimes militares, sacudidos pelos baixos índices de crescimento econômi-
co e pela pressão das sociedades pelo retorno da democracia, foram dando lugar aos civis no
poder.
Entretanto, o retorno dos países latino-americanos à democracia frustrou muito dos que
tinham lutado por ele. As democracias ainda “imaturas” trouxeram experiências infelizes para
alguns países, como a eleição de Fernando Collor de Mello para presidente do Brasil (impedi-
do pelo Congresso de continuar o governo, em 1992, devido à corrupção), ou de Alberto Fu-
jimori, no Peru. Eleito presidente em 1990, Fujimori implementou medidas drásticas que fize-
ram a inflação despencar de 7,650% em 1990 a 139% em 1991. Entretanto, enfentava a
oposição de setores descontentes com seu governo. Para resolver o impasse, Fujimori dissol-
veu Congresso em 5 de abril de 1992, instaurando uma ditadura até 2000.
Afora tais desajustes, previsíveis em regimes democráticos muito jovens, os latino-
americanos enfrentariam a partir de então os desafios mais uma vez vindos de fora: a pressão
do capitalismo neoliberal.

140
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
2.2.4
CONTEÚDO 4.
NEOLIBERALISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS LATINO-AMERICANOS
Os países latino-americanos, ao findarem-se os regimes ditatoriais, enfrentaram dificul-
dades econômicas advindas das crises de endividamento externo que levaram à decretação de
moratórias e ao fracasso dos projetos de desenvolvimento independente. A década de 1980
ficou conhecida como “a década perdida”, tamanha a crise generalizada que se abateu sobre a
América Latina.
Para salvar suas economias, os latino-americanos recorreram ao Fundo Monetário In-
ternacional (FMI) para renegociar suas dívidas. Contudo, para amenizar o endividamento dos
países da região, o FMI impôs a subordinação das elites econômicas e políticas aos ajustes es-
truturais neoliberais. O receituário reformista ficou conhecido como Consenso de Washing-
ton (1989).

FONTE: HTTP://TRIPALIO.BLOGSPOT.COM/2010/05/FMI-RUA.HTML

Segundo o Consenso, os latino-americanos deveriam, entre outros pontos, cortar despe-


sas em políticas sociais e investimentos visando o equilíbrio fiscal, flexibilizar o mercado fi-
nanceiro abrindo-o à livre circulação e atuação dos capitais internacionais e desregulamentar
atividades estratégicas – como mineração, prospecção petrolífera etc. (SILVA, 2006, p. 6).
A ideologia neoliberal prevalecera na década de 1990, pois a conjuntura geopolítica
mundial favorecia a sua primazia. Após o colapso da URSS e dos regimes socialistas do Leste
Europeu, apenas restara uma superpotência no mundo atual: os Estados Unidos da América.
O fracasso da alternativa socialista na Europa difundiu a ideia de que havia apenas uma via de

141
História da América II
desenvolvimento histórico: a capitalista. E a ideologia que agora a embasava, no bojo do pro-
cesso de globalização, era o neoliberalismo.
Para a América Latina, eterna zona de influência norte-americana, o neoliberalismo sig-
nificava seguir os passos dos mandamentos dos sábios economistas do centro capitalista que
pareciam ter as respostas para os problemas de subdesenvolvimento regional. Para se moder-
nizarem, os países latino-americanos tinham que se inserir a qualquer custo na nova econo-
mia globalizada, mesmo que num papel periférico.
Primeiramente (seguindo o Consenso), isto denotava a abertura de suas economias ao
comércio mundial, pela supressão das barreiras alfandegárias que protegiam seus velhos par-
ques industriais, considerados ineficientes, portanto atrasados. O Brasil ilustra as consequên-
cias imediatas do processo: no governo de Fernando Collor de Mello, a instantânea abertura
comercial levou à quebra de certos setores produtivos, como a nascente indústria automobilís-
tica genuinamente nacional (a Gurgel, fabricante de automóveis brasileira, foi à bancarrota
pouco depois). Não houve um planejamento para uma lenta abertura que permitisse uma a-
daptação dos setores menos competitivos ao novo cenário do mercado. O “Deus” do livre
mercado, mascarado pela hipocrisia dos países do centro capitalista (que protegem, sempre
que lhes convêm, suas indústrias nacionais), agora ditava as regras na América Latina.
A abertura dos mercados deu a oportunidade a uma nova enxurrada de investimentos
estrangeiros na região, ao sabor das circunstâncias, dependendo da disponibilidade de capitais
no mercado mundial.
Governos inseridos nas tendências neoliberais assumiram a direção dos países latino-
americanos. Na Argentina, Carlos Menem (1989-2001) dolarizou a economia, privatizou esta-
tais como a YPF que monopolizava a exploração de petróleo, e abriu a economia, favorecendo
a entrada de produtos e investimentos estrangeiros. O resultado da dolarização foi sentido no
princípio da década atual, quando o desastroso processo de encerramento da dolarização da
economia levou ao caos econômico e político, com presidentes se sucedendo em uma veloci-
dade estonteante.
No Brasil, os governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) tiveram
características semelhantes aos de Carlos Menen: o real, criado para controlar a inflação, foi
mantido em equivalência ao dólar até 1998, quando a economia brasileira quase foi à bancar-
rota. Para salvar o Brasil do desastre, o governo recorreu a empréstimos junto ao FMI que em
contrapartida determinava o cumprimento de metas enquadradas na lógica neoliberal. Ade-
mais, assim como na Argentina, o governo FHC privatizou a maioria das empresas estatais,
vendidas em grande parte a grupos econômicos estrangeiros.
As privatizações, que se alastraram por praticamente todos os governos dos anos noven-
ta, estavam inseridas no conjunto das reformas estruturais. Reformas estas que visam à redu-
ção do peso do Estado na economia (menos regulamentação), deixando à livre iniciativa do

142
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
mercado a gestão da mesma. Pretendem desmontar o aparato de seguridade social quando ele
nem se encontra ainda plenamente estabelecido. As discussões sobre as reformas dos sistemas
previdenciários ilustram tal tendência.
No campo do comércio internacional, a tendência foi a formação de blocos comerciais
no continente americano: NAFTA (North America Free Trde Agreement – ou Tratado de
Livre Comércio da América do Norte), MERCOSUL (Mercado Livre do Cone Sul) e, mais
recentemente, a tentativa de criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
O fracasso das políticas neoliberais na América Latina da década de 1990, percebidos a-
través do baixo crescimento econômico, desemprego, especulação financeira, endividamento
dos Estados etc. fez com que na década seguinte a maré se invertesse. A resposta dos povos
latino-americanos não se fez esperar: eleições de governantes contrários ao neoliberalismo se
tornaram a tendência atual na região, como as de Hugo Chávez (1998), na Venezuela, de Luís
Inácio Lula da Silva (2002), no Brasil, Néstor Kirchner, na Argentina, Tabaré Vásquez (2004),
no Uruguai e Evo Morales (2005), na Bolívia configuram um novo cenário para a região.
Em dezembro de 2001, os “panelaços” pelas ruas de Buenos Aires derrubaram o presi-
dente Fernando De la Rúa. O saldo: 32 mortos e cinco presidentes em 12 dias. A situação so-
mente se acalmou com a eleição de Néstor Kirchner, de tendências nacionalistas peronistas.
Os “panelaços” mostraram a força da sociedade civil contra o receituário neoliberal, que pri-
vatizara as estatais e causara altos níveis de desemprego e empobrecimento, além de baixo
crescimento.
Na Venezuela, o presidente Hugo Cháves leva adiante, apesar das pressões dos EUA, sua
“revolução bolivariana”, de cunho nacionalista e popular. Não obstante a oposição da elite
venezuelana, a população mais carente, maioria absoluta na pobre Venezuela, apoia o presi-
dente.

143
História da América II
FONTE:
HTTP://WWW.ARTSHOPPING.COM.BR/LOJAVIRTUAL/PRODUCT_INFO.PHP?CPATH=21&PRODUCTS_ID=5732&OSCSID=D4A1EFD5448604
A7EB37A27C7D8898EA

Além de governos eleitos, os movimentos sociais parecem ter se revigorado em fins da


década de 1990 e emergido com força na década atual, pressionando seus governantes, derru-
bando outros, mantendo viva a chama da luta por igualdade social e desenvolvimento autô-
nomo:

Os movimentos sociais que advêm de meados da década de 1990 e que se in-


tensificam em movimentos de insurgência revelariam a crescente resistência
às políticas neoliberais. O fracasso econômico neoliberal gerou novos atores
sociais (piqueteiros, pequenos agricultores endividados no México, os jovens
e diversos movimentos de identidade, gênero, opção sexual, etnia, língua),
além dos movimentos “alterglobalização”. Canalizou forças já existentes para
um projeto nacional, camponeses brasileiros e mexicanos, indígenas do E-
quador, Bolívia e partes do México e Mesoamérica. Além de trazer para cena
grupos e setores sociais das chamadas “classes médias”, ao exemplo da Ar-
gentina (caçaroleiros), os médicos e trabalhadores da saúde em El Salvador e
os grupos mobilizados (SILVA, 2006, p. 12).

144
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
No México, em janeiro de 1994, teve início a rebelião zapatista empreendida pelo EZLN
(Exército Zapatista de Libertação Nacional), tendo como líder o subcomandante Marcos. O
EZLN é herdeiro de cinco séculos de resistência indígena à opressão e exploração, vislumbra-
das desde conquistadores aos neoliberais. A imagem de Zapata, líder dos despossuídos indí-
genas na Revolução Mexicana, ilustra as lutas dos povos da região de Chiapas contra a margi-
nalização imposta através do tempo.

Subcomandante Marcos.
FONTE: HTTP://KASSANDRAPROJECT.WORDPRESS.COM/2008/05/14/EL-SUBCOMANDANTE-MARCOS/

Na Bolívia, em meados da década de 1990, organizara-se o movimento dos indígenas


plantadores de coca, defensores de um costume milenar de mascar a coca – símbolo de identi-
dade, bem distinto da cocaína – que dera nome ao movimento: os cocaleros. Sem condições
de registrar um partido, os cocaleros, encabeçados por Evo Morales, assumiram a sigla já re-
gistrada do MAS (Movimento ao Socialismo) para institucionalizar sua organização. Em 2005,
Evo Morales, após a crise política que levou à derrubada do presidente Gonzalo Sanches de
Lozada pelas massas que desejam a nacionalização da maior riqueza do país, o gás, foi eleito
presidente da Bolívia. Primeiro índio a governar o mais indígena dos países latino-
americanos, Evo se comprometeu a defender os colaleiros e procedeu à nacionalização do gás
boliviano.
Movimentos como o Zapatismo, no México, e o Cocaleiro, na Bolívia, revivem um pas-
sado de lutas indígenas contra a hegemonia opressora branca interna e externa, em defesa de

145
História da América II
seus costumes e da posse das terras que milênios antes dos europeus tocarem o continente
americano já eram suas há tempos imemoriais.

Texto complementar
“OTERCEIRO LADRÃO: O TIO SAM

As condições no ponto de partida


Os Estados Unidos, vizinhos que são da América Latina, parecem colocados pela natu-
reza numa situação geográfica predestinada para exercerem a sua influência sobre as repú-
blicas latino-americanas. As duas Américas, libertas na mesma altura do jugo colonial, e
tendo conhecido os mesmos males da luta pela Independência, com vinte anos de interva-
lo, deram por um momento a impressão de se aproximarem nas primeiras décadas do sé-
culo XIX.
Profundamente diferentes pela sua cultura, ibérica e católica de um lado, anglo-
saxônica e protestante do outro, e infinitamente mais distantes do que as aparências indi-
cam, as duas frações do Continente viveram, durante os séculos da sua história colonial,
fechadas nos tabus do Pacto colonial, na ignorância mais completa uma da outra. No iní-
cio do século XIX, a ignorância dos EUA em face dos seus vizinhos do sul é total; pior ain-
da, toda uma black legend (legenda negra) gela antecipadamente as simpatias, existe todo
um complexo de superioridade, de ignorância e de desprezo. [...]

As modalidades da expansão ianque

Com o apetite despertado por esse primeiro êxito, os Estados Unidos esforçaram-se
por estabelecer o seu domínio sobre o conjunto do Mediterrâneo americano. É a política
do big stick. A sorte de Cuba não passara de um pretexto. Em junho de 1901, a emenda
Platt, votada pelo Senado, transformou Cuba num protetorado de fato dos EUA, Haiti e
São Domingos sofreram o mesmo destino em 1916 e 1924. Os Estados Unidos, que haviam
comprado em 1903 os trabalhos iniciados no Istmo do Panamá pela Companhia francesa
Lesseps, conseguiram mediante um esforço imenso, cortar o Istmo, abrindo através da
América Latina uma grande via de comunicação mundial. A proteção ao Canal serviu de
pretexto para uma intervenção. A pequena República panamenha foi criada em 1903 para
as necessidades da causa, na sequência de uma revolta habilmente maquinada contra a Co-
lômbia. E teve ao logo de pagar tributo pelo nascimento, cedendo aos Estados Unidos os
seus direitos de soberania sobre uma faixa de território de 10 milhas, de ambos os lados do
Canal. Intervenções repetidas na política interna das pequenas repúblicas da América Cen-
tral e, em 1914, intervenção armada no próprio México, foram alguns aspectos da política

146
Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
de intervenção brutal do jovem imperialismo ianque nos países ribeirinhos do Mediterrâ-
neo americano onde, já antes de 1914, o comércio e os capitais norte-americanos desem-
penhavam um papel de primeiro plano. [...]
Com a Primeira Guerra Mundial e o sério golpe que ela representou para a economia
europeia, a parte dos Estados Unidos na América Latina elevou-se. No volume total das
trocas com os diferentes Estados da América Latina, assumem, muito adiante da Inglater-
ra, o primeiro lugar: 38,7% das vendas em 1929 contra 14,9% da Grã-Bretanha, 36,1% con-
tra 12,2% em 1938. No que se refere às compras, nos mesmos anos, os algarismos respecti-
vos para os dois países – escolhe-se a Inglaterra como termômetro da Europa –
permanecem bem favoráveis aos Estados Unidos: 34% contra 18% em 1929 e 31,7% contra
16,3% em 1938. Nas vésperas da depressão, o total dos capitais ianques investidos na Amé-
rica Latina ascendia a US$ 4.050.000.000, ou seja, 37% do total dos investimentos dos Es-
tados Unidos no estrangeiro, quase tanto como a própria Grã-Bretanha.
A tendência que se esboçara durante a Primeira Guerra Mundial acentuou-se no de-
curso da segunda. Tornou-se dramática sob todos os pontos de vista a situação da América
Latina, sobretudo da Argentina, que antes de 39 vivia ainda em grande parte das importa-
ções da Europa. O bloqueio inglês, depois anglo-americano, interrompeu completamente
as relações comerciais entre a América Latina e a Alemanha a qual, nos últimos anos do
período compreendido entre as duas guerras, desempenhava um papel comparável ao da
Inglaterra. As necessidades da guerra total e as terríveis destruições feitas à frota comercial
britânica pela guerra submarina paralisaram quase completamente as exportações inglesas
para a Argentina: “o tráfego de Buenos Aires sofreu uma redução de 2/3 de 1939 a 1942”.
A Argentina, privada do carvão inglês, utiliza o milho e o trigo como combustível. No de-
curso desses anos, por toda parte, faltam têxteis e máquinas. Os EUA, na medida do possí-
vel, assumiram as posições definitivas. As necessidades da economia de guerra vieram au-
mentar consideravelmente a sua carteira na América Latina. Para encontrarem as
matérias-primas necessárias à sua economia de guerra, fizeram um esforço considerável
nas minas sul-americanas. A produção de estanho da Bolívia duplicou para suprir a da
Malásia britânica ocupada pelos japoneses. A produção de tungstênio também aumentou.
E no Brasil foram investidos capitais nas plantações de seringueiras...
Da mesma forma que os Estados Unidos são incontestavelmente os melhores clientes e
os mais importantes vendedores da América Latina, souberam tornar-se os seus banquei-
ros. Situação perigosa essa, com o andar do tempo.

CHAUNU, Pierre. História da América Latina. São Paulo: DIFEL, 1983, pp. 113-120.

147
História da América II
História através de documentos

O IMPERIALISMO
“Durante a presidência de Theodore Roosevelt (1901-1909) a Doutrina Monroe adqui-
riu um objetivo claro e preciso que não conseguia esconder mais a finalidade imperialista. A
interpretação dada, mais conhecida como Corolário Roosevelt, não passava de uma pitoresca
doutrina que permitia castigar as repúblicas latino-americanas por seu mau comportamento.
O próprio presidente afirmou: “Tudo o que este país deseja é ver que nos países vizinhos rei-
nam a estabilidade, a ordem e a prosperidade. Todo Estado cujo povo se conduz bem pode
contar com nossa cordial amizade. Se uma nação se mostrar capaz de atuar com eficiência e
decência do ponto de vista social e político, se mantém a ordem pública e cumpre com suas
obrigações, não deverá temer intervenções dos Estados Unidos. No entanto, uma desordem
crônica ou uma impotência resultante do relaxamento geral dos laços da sociedade poderiam
exigir na América, como em qualquer outra parte, a intervenção de uma nação civilizada. No
hemisfério ocidental, a Doutrina Monroe pode obrigar os Estados Unidos, embora contra a
vontade, a exercer, em casos de flagrante desordem ou de impotência, um poder de polícia
internacional (...).”
O Corolário Roosevelt inaugurava a política do big Stick, isto é, como aconselhava o
próprio presidente, “falar manso com um garrote na mão”. Os governos latino-americanos
não apenas deveriam cumprir religiosamente suas obrigações financeiras, mas fazer uma polí-
tica que protegesse os interesses econômicos das empresas norte-americanas. Como isto nem
sempre era possível, a política do garrote se abateu devastadoramente sobre toda a área do
Caribe e ameaçou todo o continente.
Entre 1900 e 1933, os Estados Unidos intervieram militarmente quarenta vezes, além de
fazerem pressões diplomáticas, chantagem econômica, advertências e ameaças dissimuladas.
Estava nascendo uma nova potência imperialista, brandindo o garrote em uma das mãos
e os dólares na outra. O próprio secretário de Estado, John Hay, declarou com otimismo: “A
nação devedora converteu-se em principal credor. O centro financeiro do mundo, que preci-
sou de milhares de anos para viajar do Eufrates para o Tamisa e o Sena, dir-se-ia que vem ao
Hudson entre o amanhecer e o crepúsculo”.
Nada pode ser mais patético e convincente que as famosas declarações do major-general
Smedley D. Butler, publicadas em uma revista americana em 1935:

Dediquei trinta e três anos e quatro meses ao serviço ativo de nossa força mi-
litar mais ágil: a Infantaria de Marinha. Ascendi do posto de segundo-
tenente até o posto de major-general. Durante todo este período dediquei a
maior parte do meu tempo a servir aos interesses dos Grandes Negócios, a

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Wall Street e aos banqueiros. Em resumo, fui um pistoleiro às ordens do ca-
pitalismo...
Contribuí para converter o México e especialmente Tampico em lugar segu-
ro para os interesses petrolíferos dos norte-americanos em 1914. Ajudei o
Haiti e Cuba a se tornarem um lugar seguro para os rapazes do National City
Bank efetuarem suas cobranças... Ajudei também a Nicarágua a cumprir seus
compromissos com a casa bancária internacional de Brow Brothers em 1919-
1922. Em 1916, facilitei os interesses açucareiros norte-americanos na Repú-
blica Dominicana. Contribuí para que Honduras seguisse uma política “a-
propriada” para as companhias bananeiras norte-americanas em 1903. Em
1927, servi na China para que a Standard Oil seguisse seu caminho sem ser
perturbada.
Durante todos esses anos desfrutei, como disseram os “rapazes” de magnífi-
cas prebendas. Fui premiado com honrarias, medalhas e promoções. Olhan-
do para trás, penso que até poderia ter dado alguns conselhos para Al Capa-
none. Ele, no máximo, pôde operar seus negócios sujos em três distritos da
cidade de Chicago; nós marines operávamos em três continentes.

BRUIT, H. O Imperialismo. Campinas/São Paulo; Edunicamp/Atual, 1983, pp. 48, 50-1.


In: PINSK, Jaime [et al.] História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 2001, pp.
96-97.

Resumo

O imperialismo estadunidense marcou a história dos países latino-americanos de forma


inconteste. As relações entre os EUA e os países ao sul do continente passou por algumas eta-
pas, demarcadas a partir das conjunturas geopolíticas internacionais e dos interesses estadu-
nidenses. Golpes militares e difusão do neoliberalismo foram alguns dos resultados da inge-
rência yanqui na América Latina. Os movimentos de esquerda que combatem o
neoliberalismo procuram, no princípio do século XXI, caminhos autônomos de desenvolvi-
mento com justiça social; e para tanto buscam refundar suas nações com reformas sociopolíti-
cas voltadas à maioria da população.

149
História da América II
CONSTRUINDO CONHECIMENTO

Estante do historiador

IANNI, Octavio. Imperialismo na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1988. Nesta obra, Ianni demonstra as etapas e características da política exterior dos EUA em
relação à América Latina, bem como os nexos que o imperialismo estadunidense tem com os
governantes e elites latino-americanos.

SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-
americana em relação à América Latina. Bauru, SP: EDUSC, 2000. Esta obra possui uma análi-
se apurada acerca da atuação imperialista dos EUA, analisando as origens do pensamento es-
tadunidense em relação aos latino-americanos.

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
Machuca – (Chile/Espanha/Reino Unido/França, 2004). Direção: Andrés Wood.
Esta bela película aborda de forma consistente o período que precede o golpe de Estado
contra o presidente chileno Salvador Allende, demonstrando as fissuras sociais existentes en-
tre os leites e as massas.

História Oficial – (Argentina, 1985). Direção: Luis Puenzo.


Esta obra busca problematizar o drama dos familiares dos desaparecidos políticos da di-
tadura argentina nas décadas de 1970 e 1980, bem como mostra o lado de uma família que
ficou com uma das crianças tiradas dos desaparecidos. O filme fica ainda mais interessante
pelo conflito mental e sentimental vivenciado por uma professora de história que é impelida a
criticar a própria história e os conteúdos que leciona.

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História da América II
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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
MAPA CONCEITUAL

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História da América II
ESTUDO DE CASO
Procurando refletir sobre a Revolução Bolivariana do presidente venezuelano Hugo
Chávez, atente para a charge e o texto abaixo contido:

DISPONÍVEL EM: HTTP://CYPV.BLOGSPOT.COM/2009/10/EL-NUEVO-SIMON-BOLIVAR.HTML

“A este respeito, o balanço de Chávez é espectacular, sendo compreensível que em deze-


nas de países pobres ele se tenha tornado uma referência obrigatória. Pois não reconstruiu ele,
respeitando escrupulosamente a democracia e todas as liberdades [1], a nação venezuelana
com novas bases, legitimadas por uma nova Constituição que garante a implicação popular na
transformação social? Não devolveu ele a dignidade de cidadãos a cerca de cinco milhões de
marginalizados (entre os quais as populações indígenas) que não tinham documentos de iden-
tidade? Não assumiu ele a empresa pública Petroleos de Venezuela S.A. (PDVSA)? Não des-
privatizou ele e entregou ao serviço público a principal empresa de telecomunicações do país,
bem como a empresa de electricidade de Caracas? Não nacionalizou ele os campos petrolífe-
ros do Orenoco? Em suma, não dedicou ele uma parte dos rendimentos do petróleo à aquisi-
ção de uma autonomia efectiva perante as instituições financeiras internacionais e uma outra
parte ao financiamento de programas sociais?
Foram distribuídos aos camponeses três milhões de hectares de terras. Milhões de adul-
tos e crianças foram alfabetizados. Milhares de centros médicos foram instalados nos bairros
populares. Foram operadas gratuitamente dezenas de milhares de pessoas sem recursos que

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Prof. Ms. Lucas de Faria Junqueira
sofriam de doenças da vista. Os produtos alimentícios de base são subvencionados e propostos
às pessoas mais desfavorecidas a preços 42 por cento inferiores aos do mercado. A duração
semanal do trabalho passou de 44 para 36 horas, ao mesmo tempo que o salário mínimo subiu
para 204 euros por mês (o mais alto da América Latina a seguir à Costa Rica).
Resultados de todas estas medidas: entre 1999 e 2005 a pobreza diminuiu de 42,8 por
cento para 33,9 por cento [2], ao mesmo tempo que a população que vive da economia infor-
mal caiu de 53 por cento para 40 por cento. Estes recuos da pobreza permitiram apoiar muito
o crescimento, que nos três últimos anos foi, em média, de 12 por cento, situando-se entre os
mais elevados do mundo, estimulado também por um consumo que aumentou 18 por cento
por ano [3].
Perante tais resultados, sem falar dos alcançados na política internacional, será de es-
pantar que o presidente Hugo Chávez se tenha tornado para os donos do mundo e seus fiéis
acólitos um homem a abater?
Notas
[1] As mentiras a propósito da Radio Caracas Televisión foram recentemente desmenti-
das, tendo este canal retomado as suas transmissões por cabo e por satélite a partir de 16 de
Julho.
[2] Mark Weisbrot, Luis Sandoval e David Rosnick, Poverty Rates in Venezuela: Getting
the Number Right, Center for Economic and Policy Research, Washington DC, Maio de 2006.
[3] Ler o dossiê «Chávez, not so bad for business», Business Week, Nova Iorque, 21 de
Junho de 2007.” (Adaptado de: RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez. Editorial do Le Monde
Diplomatique de Portugal, 8 de agosto de 2007. Diponível em:
<http://pt.mondediplo.com/spip.php?article101>. Acesso em: 07/01/2010.)

O governo de Hugo Chávez busca criar uma alternativa socialista aliando velhas fórmu-
las com novas propostas. O personalismo, marca da política ibero-americana, baseia seu mo-
do de ação e pensamento, há restrições à liberdade de imprensa e seus discursos se aproximam
do que a direita costuma rotular como “populismo”. Ao mesmo tempo, age no sentido de me-
lhorar a vida das parcelas mais carentes da população venezuelana. O que pensa acerca da
Revolução Bolivariana de Chávez e que caminhos acredita que ela tomará?
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EXERCÍCIOS PROPOSTOS
QUESTÃO 01
(ENADE, 2003) "O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser ne-
gado ou cerceado nem pelos Estados Unidos nem por qualquer Estado, por motivo de raça,
cor ou prévio estado de servidão."
(Constituição dos Estados Unidos da América, Emenda XV)
A resposta preponderante da população branca norte-americana a essa emenda, que re-
conhecia direitos políticos iguais aos negros, foi, por cerca de um século em termos gerais, de

(A) racismo disfarçado.


(B) discriminação explícita.
(C) tolerância indiferente.
(D) assimilação imediata.
(E) integração acelerada.

QUESTÃO 02
(ENADE, 2003) A "Política da Boa Vizinhança" estabeleceu novos princípios nas rela-
ções diplomáticas entre a América Latina e os Estados Unidos, nos anos 1930-1940. Uma das
suas características, dentre outras, foi o reconhecimento, pelos
Estados Unidos,

(A) das relações diplomáticas com a Argentina.


(B) da política da Nova Fronteira.
(C) de um exército interamericano.
(D) da autodeterminação dos países da América Latina.

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(E) do pluripartidarismo da Revolução Mexicana.

QUESTÃO 03
(ENADE, 2003) Na Conferência de Punta del Este (Uruguai), em agosto de 1961, reali-
zada após a fracassada invasão de Cuba, foi formalizada a criação:

(A) do Plano Marshall, proposto por Franklin Roosevelt.


(B) da Aliança para o Progresso, proposta por John Kennedy.
(C) da Organização dos Estados Americanos, proposta por Lyndon Johnson.
(D) da Associação Latino-Americana de Livre Comércio, proposta por Jimmy Carter.
(E) do Pacto Andino, proposto por Richard Nixon.

QUESTÃO 04
(ENADE, 2005) “Numa manhã clara de setembro de 1976, Orlando Letelier, influente
ex-embaixador chileno em Washington, jazia morto e mutilado em Sheridan Circle na Em-
bassy Row, em Washington, com o seu carro despedaçado por uma bomba acionada por con-
trole remoto. Apenas alguns meses antes, os esquadrões da morte na Argentina tinham se-
questrado e executado um ex-presidente da Bolívia e dois dos líderes políticos mais
proeminentes do Uruguai”.
(John Dinges)

O texto faz referência


(A) à Aliança para o Progresso, criada pelos Estados Unidos em 1961, como um instru-
mento para combater o avanço do comunismo na América Latina.
(B) à Operação Condor, que eliminou dezenas de opositores das ditaduras militares da
América do Sul.
(C) aos Corpos da Paz formados pelos Estados Unidos para atuar na América Latina.
(D) à Operação Panamericana, criada em 1959, para combater o tráfico de drogas no
continente americano.
(E) à ação policial patrocinada pela Comunidade das Nações Sul-americanas contra os
crimes de lavagem de dinheiro.

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História da América II
QUESTÃO 05
A América Latina experimenta no início do século XXI movimentos que buscam des-
montar as estruturas neoliberais implantadas nas últimas décadas do século XX. Que movi-
mentos se desenvolvem respectivamente na Bolívia e Equador?

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GABARITO DAS QUESTÕES

TEMA 01:
TEMA 02:
TEMA 03:
TEMA 04:

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GLOSSÁRIO

CAUDILHO – Forte líder político que conta com a lealdade pessoal de muitos seguidores,
sendo geralmente um latifundiário ou militar.
GUANO – Resíduo das fezes de pássaros depositado ao longo do tempo utilizado na fertiliza-
ção do solo.
HUGUENOTES – Grupo protestante francês de orientação calvinista.
NATIVISMO – Pensamento político que opunha aqueles de nascimento nativo aos nascidos
em outros lugares, sendo uma fase inicial do nacionalismo.
PATRIMONIALISMO – Forma de pensar daqueles que confundem o público com o privado.
PERSONALISMO – Culto à personalidade.
POSITIVISMO – Doutrina oriunda das ideias do filósofo francês Augusto Comte, o positi-
vismo preconizava a existência de regimes autoritários responsáveis pela manutenção da or-
dem, bem como um cientificismo tecnocrático para se atingir o progresso.
PURITANOS – Grupo religioso protestante presbiteriano rígido que prega a pureza religiosa e
de costumes.
QUAKERS – Grupo religioso de tradição protestante, criado em 1652, pelo inglês George
Fox. Originalmente chamavam-se Sociedade dos Amigos. Os membros desta sociedade,
ridicularizados com o nome de quakers, ou tremedores, rejeitam qualquer organização
clerical, para viver, no recolhimento, a apureza moral e a prática ativa do pacifismo, da
solidariedade e da filantropia.

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