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2ª Vara Criminal - Zona Norte fl.

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE


JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL - ZONA NORTE DA COMARCA DE
NATAL
TERMO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Processo nº 002.10.400216-8
Acusado: IOLANDA (APAGADO)
Data e hora: 13/01/2011 às 08:30h

PRINCIPAIS INFORMAÇÕES E OCORRÊNCIAS


[s = sim | n = não] - Presenças: Ministério Público, Dr(ª). Drª Sivoneide Tomaz do
Nascimento - s; acusado(a)(s) IOLANDA (APAGADO): - s; defensor, Defensor Público,
Dr. Manuel Sabino Pontes - s. Oitiva(s): vítima: - s; testemunha(s): - s. Nome(s) da(s)
testemunha(s) e declarantes ouvido(a)(s): ADRIANO RICARDO GOMES DA SILVA,
EDUARDO ELIAS DE SOUZA e ALEXSANDRO BATISTA CARNEIRO; Acusado(a)
(s): - s. Caminho e nome do arquivo multimídia: D:\Gravação de
Audiências\2011\janeiro\002.10.400216-8. Alegações finais orais - (s). Ocorrências dignas
de nota: esteve presente o advogado da empresa, o Dr. André Ricardo de Almeida Nóbrega –
OAB nº 498-A. A gerente geral da loja é Silvanise Dutra Fagundes, tel. 8833-5550. disse o
MM Juiz: "Antes de proceder ao interrogatório da acusada, entendeu o magistrado que o
Estado Democrático de Direito repercute no âmbito do Processo Penal através do Princípio
Acusatório. Apregoa ele que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos
diversos, bem como que a produção das provas compete às partes e não ao magistrado.
Outrossim, quando o magistrado produz as provas ele perde sua imparcialidade, notadamente
em favor da acusação, pois a tese é o primeiro elemento que lhe chega às mãos. Na verdade,
inconscientemente (e às vezes conscientemente também), termina o magistrado por buscar nas
provas apenas, e tão somente, a confirmação do pré-juízo anterior condenatório que já
possuía, culminando por despir-se da toga e a dividir a vestimenta da beca de quem acusa,
seja o Ministério Público, seja o querelante. Por isso o interrogatório será procedido pelas
partes e, ao final, complementarei com alguma dúvida que tiver, sendo a última pergunta se a
parte ré tem algo mais a dizer em sua defesa, cumprindo o princípio da ampla defesa".
Deliberações finais: segue sentença.

SENTENÇA

RELATÓRIO
Trata-se de ação penal pública em que figura IOLANDA (APAGADO), parte já qualificada
nos autos, como acusada pela prática dos fatos violadores das regras penais previstas no(s)
artigos(s) 155, caput, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal. Quanto às
provas documentais e periciais, há o seguinte: o termo de exibição e apreensão de fl. 13 e o
termo de entrega de fl. 14. A denúncia foi recebida no dia 31/08/2010 (fl. 55). A citação se
deu à fl. 61. A resposta à acusação se encontra às fls. 83-86. O interrogatório ocorreu em
audiência. As testemunhas foram ouvidas em audiência. Nas suas alegações finais a acusação
disse, em suma, o seguinte: a materialidade e a autoria estão comprovadas pelas provas
juntadas aos autos, devendo ser condenado nos termos da inicial. No que pertine à
materialidade, há autos de exibição e de apreensão de objetos no valor de cento e cinquenta e
nove reais. A acusada confessou o delito e que estava passando por dificuldades. As
circunstâncias de vida da acusada são reconhecidamente difíceis. No entanto, mesmo em se
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tratando de pessoas hipossuficientes, pois a acusada é contumaz. Não se trata de um ato
isolado. Ela tem uma lista de processos extensa. A Justiça não pode colaborar com essa
contumácia. Ocorreu o furto privilegiado porque o valor total dos bens é de cento e cinquenta
reais. Nas suas alegações finais a defesa disse, em suma, que reiterou os fundamentos da
resposta à acusação. O primeiro foi o reconhecimento do princípio da insignificância.
Outrossim, os seguranças disseram que todos os bens estavam na bolsa. Não havia como
estarem na bolsa. Dificilmente caberiam na bolsa. Em relação à tipicidade da conduta quando
há reiteração das condutas, a simples análise da folha corrida da acusada não é suficiente para
caracterização de caso de não insignificância. A acusada disse que estava trabalhando e há 4
meses sem receber nada. Os bens foram de higiene e vestuário, de baixo valor. A situação de
saúde da acusada justifica. A acusada não tinha condições de comprar uma pomada de nove
reais. Pediu a aplicação da atenuante da confissão, as minorantes do pequeno valor da coisa e
da tentativa, co-culpabilidade social em razão do pouco estudo e das dificuldades pessoais da
acusada. Em relação à insignificância, a defesa pediu a condenação sem pena em razão das
peculiaridades da vida da acusada. A acusada vive em extrema penúria e dificuldade. É
constrangedor ver a acusada furtando em razão da necessidade de adquirir uma pomada de
nove reais.

FUNDAMENTAÇÃO
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à
formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e imputados à
parte ré, verifico, a materialidade e a autoria. No tocante à prova documental ou pericial,
consta o termo de exibição e apreensão de cinco frascos de sabonete líquido, de marca Dove,
com 150ml; um frasco de sabonete líquido, da marca Dove, de 250ml; dois frascos de
sabonete líquido, da marca Palmolive, de 250ml; um frasco de sabonete líquido, da marca
Lifebuoy, de 250ml; um frasco de loção hidratante, da marcha Johnson's, de 200ml; um creme
dental; dez calcinhas e uma blusa. Há também o termo de entrega dos referidos bens. A
testemunha ADRIANO RICARDO GOMES DA SILVA, durante oitiva judicial, afirmou
que foram acionados pelo CIOSPE para irem às Americanas. Lá chegando, uma das
testemunahs, que trabalha no estabelecimento, informou que haviam detido uma senhora que
tinha tentado sair levando produtos da loja. A princípio a acusada disse que nem todo material
tinha sido pego com ela e que alguns pertences estariam com uma amiga dela. A acusada
confessou em parte. EDUARDO ELIAS DE SOUZA, testemunha ouvida judicialmente,
relatou que estava no monitoramento das câmeras. Alexsandro disse que desse uma verificada
na acusada, pois tinha posto objetos na bolsa. Do tempo em que desceram para o térreo até
chegarem na saída a acusada tinha saida. Havia objetos de higiene pessoal e alguns de
vestuário. Não conhecia a acusada. Alexsando já a conhecia de outras lojas e desconfiava
dela. No início a acusada não quis acompanhá-los. A acusada abriu a bolsa e jogou os
produtos no chão. A acusada estava acompanhada. Não lembra se havia material de limpeza.
A testemunha ALEXSANDRO BATISTA CARNEIRO, ouvida em juízo, disse que estava
na loja e o outro segurança no sistema de monitoramento. O outro segurança passou um rádio
informando que a acusada estava colocando pertences na bolsa. A encontraram na calçada da
loja. Quando subiu, pediu para que monitorasse a acusada, pois já a conhecia da época em que
trabalhou nas Americanas do centro da cidade. Na calçada a acusada abriu a bolsa e jogou
tudo no chão. A acusada andava muito na loja do centro e por isso pediu que a copiasse. A
acusda pegava um produto e olhava para ver se tinha alguém olhando. Ela subtraiu mais
produtos higiênicos, xampus. Durante interrogatório judicial, a parte acusada, IOLANDA
(APAGADO), disse que é verdadeira a acusação. Estava trabalhando no PROCON e há
quatro meses não recebia dinheiro e estava sem um tostão. Tentou, realmente, e não teve
sorte. Estava empregada, mas sem receber dinheiro. Tinha vergonha de pedir dinheiro para
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compra medicamentos para a perna doente. Tem uma úlcera. Mora na rua Miramar, na Praia
do Meio. Já foi condenada e cumpriu pena. Estava desacompanhada. Quando os funcionários
pegaram a depoente, pegaram uma fita cassete. Tirou sabonetes, loção, creme dental e ma
blusa. Nunca foi das Americanas da Cidade Alta. Tem quatro execuções. No trabalho nunca
subtraiu, mas quando foi presa, foi demitida. Está arrependida. Foi criada pelos pais até os 14
nas, época em que seu pai morreu. Já foi condenada antes por furto. Sabe ler e escrever pouco.
Estudou até a quinta série. Não tem nada mais a dizer em sua defesa. Em síntese à tese da
acusação e a antítese da defesa, concluo que a acusada cometeu furto tentado minorado. Em
relação às teses da defesa, o reconhecimento do princípio da insignificância não é cabível ao
caso, pois os bens subtraídos estavam num patamar que geralmente considero crime. É bem
verdade que já reconheci insignificância em se tratando de bens com valor um pouco menor
que o atualmente em questão. Ocorre que no presente caso a acusada cometeu a subtração de
bens no valor de cento e cinquenta e nove reais e fixei como teto hermenêutico para
reconhecimento da insignificância o valor de cento e cinquenta reais. Passou pouco. Mas é
verdade também que o primeiro critério de justiça é, exatamente, a existência de critérios. E
não quero fugir dele, nem para mais e nem para menos. Outrossim, alegou a defesa que os
seguranças disseram que todos os bens estavam na bolsa, mas não havia como estarem.
Dificilmente caberiam na bolsa, disse a defesa. Contudo, tão somente com base numa
presunção não posso rejeitar a prova da acusação. A defesa não provou que a bolsa era
pequena a ponto de não conseguir recolher os bens subtraídos. Em relação à tipicidade da
conduta quando há reiteração das condutas, concordo com a defesa que a simples análise da
folha corrida da acusada não é suficiente para caracterização de caso de não insignificância,
mas esta ocorreu objetivamente, como dito acima. A acusada disse que estava trabalhando e
há 4 meses sem receber nada. Os bens foram de higiene e vestuário, de baixo valor. A
situação de saúde da acusada contribuiu, é verdade, e isso será levado em consideração no
momento da aplicação da pena. Cabe, portanto, como pedido pela defesa, a aplicação das
atenuantes da confissão e da co-culpabilidade social em razão do pouco estudo e das
dificuldades pessoais da acusada, bem como as minorantes do pequeno valor da coisa e da
tentativa. E concluo a fundamentação nos seguintes termos: DA REINCIDÊNCIA E SUA
NÃO ADEQUAÇÃO CONSTITUCIONAL - Em relação à reincidência, preciso fazer um
juízo mais racional e menos emocional. É bem verdade que a tese que ora esboço é
amplamente rejeitada pelo conservadorismo formalista, que mais se preocupa na manutenção
"do-que-está-aí" e menos com a real diminuição dos nosso graves problemas sociais. A
acusada é pobre, tem o perfil perfeito para o "etiquetamento". Depois lavaria eu as mãos,
imputando a ele um caráter fraco, distorcido, quando na verdade as pesquisas mostram que a
reincidência, antes de ser uma degeneração da pessoa da acusada, é uma prova gritante das
disparidades do nosso sistema social, que nunca aplicou o mais importante princípio
constitucional, o da isonomia. Assim, no tocante à reincidência, entendo que não foi
recepcionada pela Carta de 1988 por várias razões. Vou a primeira. Uma pessoa deve ser
punida pelo que fez e não pelo fato de que responde a outro processo ou a uma execução
penal. Isso é ferir o princípio do non bis in idem. Outra. O discurso do sistema penal é o de
que a prisão se justifica para ressocializar o condenado. Quando ele volta a delinquir se trata
de uma falha da pessoa ou do sistema? A certeza de que tenho é que em nosso
ordenamento jurídico a ressocialização é praticamente nula. O índice de reincidência é
tão alto que não consegue esconder isso. O apoio ao egresso é uma piada de mal gosto,
peço desculpas mas não posso deixar de manifestar minha indignação com expressões
mais fortes. Mas punir o reincidente é novamente ferir o princípio da dignidade da
pessoa humana, pois a ele não foram dadas as condições mínimas de ressocialização.
Pelo contrário. Passar pelo sistema penal é afundar num poço profundo, escuro, onde
jogamos entulhos e não colocamos escadas para dele sair. Depois ficamos nós do alto
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bradando contra o pobre diabo porque ele não conseguiu de lá sair para nosso nível. A
exclusão social no Brasil é uma aberração, permeando toda a nossa história. E no dizer de
MARCIO POCHMANN, a resistência ao enfrentamento da exclusão social não advém
somente de governos historicamente inconseqüentes ou de políticas sociais erradas, mas das
próprias classes superiores que se alheiam ao apartheid social (o grupo das famílias mais
ricas brasileiras, que constitui 0,001% da população, possui um patrimônio que
representa 40% do PIB brasileiro)1, passando o discurso da desigualdade como um
“fenômeno natural”, para uma compreensão mais cômoda que vincula o ambiente da
pauperização à criminalidade, cabendo, nesse sentido, o incremento do aparato de segurança e
o aumento da repressão sobre as classes pobres 'perigosas'. Assim, a exclusão social tem sido
concebida fundamentalmente como uma conseqüência do fracasso na trajetória individual dos
próprios excluídos, incapazes de elevar a escolaridade, de obter uma ocupação de destaque e
de maior remuneração, de constituir uma família exemplar, de encontrar uma carreira
individual de sucesso, entre outros apanágios da alienação da riqueza 2. Gasta-se, no Brasil,
mais com segurança pública e privada do que com políticas sociais 3. Enquanto isso, "No
limiar do século XXI, o Brasil registra uma manifestação surda mas poderosa – ainda que não
articulada em torno de fins políticos – dos seguimentos excluídos da cidadania, esgarçados
numa sociabilidade marcada pela violência urbana e pelo 'ganho fácil' no tráfico de drogas, na
prostituição e na corrupção; ou ainda, sujeitando-se ao trabalho infantil e ao trabalho quase
forçado executado por milhões de jovens com inserção profundamente precária, abrindo
assim novas formas espúrias de valorização do capital" 4. Mais uma vez deixando de lado o
formalismo idealizador e alienante de Kelsen, vê-se que o sistema penal termina por
etiquetar (labeling) 5 o criminalizado, gerando a chamada delinqüência cíclica 6, isto é, a
reincidência contumaz. Cria-se um estigma, principalmente em relação àqueles que entram
no ciclo de criminalização e possuem vários processos. Inconscientemente, o senso comum
dos juristas é de predisposição à condenação. Maiores são as chances de aplicação de pena
àquele indivíduo que se expressa usando gírias que se identificam com o discurso dos
“marginais”. Candidatos potenciais também são os dependentes de entorpecentes ou que
possuem uma conformação física “marginalizada”, como a presença de tatuagens no
corpo. Com efeito, não obstante as disparidades gritantes das leis incriminadoras, o sistema
penal não funciona de acordo com o que está previsto nas normas garantidoras dos direitos
dos criminalizados. Possui mecanismos próprios que revelam um direito penal de autor, e
não de fato. Como já dito, o Judiciário e do Ministério Público imaginam ter mais poder que
o aparato policial, só que a filtragem é feita na fase investigativa 7. Após dezoito anos da
Constituinte e mais de cinco da Reforma do Judiciário8, muitos estados-membros ainda não
possuem Defensorias Públicas funcionando. Quem conhece a realidade do processo penal
brasileiro sabe dos prejuízos com essa omissão. Como o sistema penal é seletivo, os mais
pobres são a ele submetidos e, na maioria das vezes, não possuem condições de constituir um
defensor. Na falta de defensores públicos, são nomeados “dativos”. E o que é dado,
1 POCHMANN, Marcio, et al. (organizadores). Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2004. Vol. 3. p. 29.
2 Idem. p. 10.
3 Ibdem. p. 10.
4 Ibdem. p. 33.
5 ZAFFARONI, 2001. p. 74.
6 Processo individual e social pelo qual o criminalizado fica o estigmatizado, não mais conseguindo se readequar
à vida em sociedade, retornando ao cárcere.
7 Na prática, o poder Judiciário e o Ministério Público só vêm a ter conhecimento das infrações que a polícia
formaliza, deseja. E esta, dada a desestruturação e submissão ao Poder Executivo, não possui independência para
investigar pessoas ligadas aos grupos centrais do poder. Os que assim insistem são, não raras vezes, perseguidos
e punidos por estarem cumprindo o seu dever funcional.
8 Arts. 134, § 2º e 168 da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional nº 45/2004.
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obviamente, se revela pior do que é pago. Resultado: defesas ineficientes, quando não,
materialmente inexistentes. O processo penal se transforma em um jogo de cartas marcadas,
num simulacro de contraditório em ampla defesa. Bem lembradas as palavras de Honoré
Balzac – escritor francês (1799 a 1850): “as leis são teias de aranha em que as moscas grandes
passam e as pequenas ficam presas”. E agora pergunto: há pena de morte no Brasil? E
prisão perpétua? O discurso dogmático e positivista vai, obviamente, dizer que não. Mas
existe, sim, embora que não institucionalizada. Não devemos ser idealistas no sentido de
imaginar que só existe o que está no papel. Os dados acima falam por si sobre a pena de
morte não institucionalizada. Já a prisão perpétua se dá pelo índice de reincidência que
beira 1/3. É a fossilização do indivíduo, que ingressa no sistema penal e de lá não
consegue mais sair. O Direito Penal conseguirá, isoladamente, resolver a questão da
criminalidade? Não, não conseguirá. É preciso mudar a estrutura social do Estado,
diminuir as disparidades. Enquanto isso não ocorrer, isso aqui não será uma Noruega.
Considerando que cada sociedade tem o crime que (muitas vezes) ela mesma produz e
merece, uma política séria e honesta de prevenção deve começar por um sincero esforço
de autocrítica, revisando os valores que a sociedade oficialmente pratica e proclama 9.
Somente para fechar essa questão, dando-me ainda mais certeza de que penas longas são
apenas formas de degenerar ainda mais o criminalizado, informo os seguintes dados do último
Censo Penitenciário Nacional 10: Custo médio de cada vaga: 35 mil reais; custo mensal de um
preso: 3,5 salários mínimos; mandados de prisão não cumpridos: 275 mil. Crimes: roubo
(33%), furto (18%), homicídio (17%), tráfico (10%), lesão corporal (3%) estupro (3%),
atentado violento ao pudor (2%), extorsão (1%). Idade média: 53% com menos de 30 anos
(no auge da força de trabalho); ociosos por falta de trabalho dentro do sistema prisional: 55%;
sem o 1º grau completo: 87%; pobres: 95%; sem condições financeiras de constituir um
advogado: 85%; reincidência: 33%. Posto isso, com fulcro no princípio da culpabilidade, do
non bis in idem e da dignidade da pessoa humana, afasto a aplicação da agravante da
reincidência. Que responda por cada crime que cometeu e não pelo "conjunto da obra" do
qual a sociedade termina por ser co-autora.
DA ATENUAÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL
Em relação a atenuantes, houve o seguinte: confissão e culpabilidade social. É bem verdade
que há súmula 231 do STJ11 e recente decisão do STF considerando que as atenuantes não
podem ir aquém do mínimo legal.12 Contudo, considero que as bases do raciocínio da
edificação da súmula do STJ e da decisão com repercussão geral do STF constituem um erro
de interpretação, notadamente em razão da aceitação de premissas que, com todo respeito, são

9 MOLINA, García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos:
introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95 – lei dos juizados especiais criminais. 4 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 457.
10 (MOLINA, 2002. pp. 671-674).
11 “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal.”
12 “EMENTA : AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo
legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de
redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso
extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode
conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.” (RE 597270 RG-QO / RS - RIO GRANDE DO SUL.
REPERCUSSÃO GERAL POR QUEST. ORD. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CEZAR
PELUSO. Julgamento: 26/03/2009. Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009. EMENT
VOL-02363-11 PP-02257).

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falácias. Cuido do raciocínio que apregoa que da leitura dos arts. 59, II, 61, 65, 67 e 68 do
atual CP se conclui pela vedação da aplicação das atenuantes fora dos limites legais. Veja-se o
que dizem os dispositivos: Fixação da pena - Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos
antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e
conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja
necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as
cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (...)
Circunstâncias agravantes - Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando
não constituem ou qualificam o crime: (...) Circunstâncias atenuantes - Art. 65. São
circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) Concurso de circunstâncias agravantes e
atenuantes - Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do
limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que
resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
(...) Cálculo da pena - Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59
deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes;
por último, as causas de diminuição e de aumento. O ART. 59 – CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS - É de fácil constatação que o art. 59, que fixa a pena-base (circunstâncias
judiciais), em seu inciso II, determina que a pena deva se limitar ao previsto no tipo penal. Por
exemplo: um crime contra a ordem tributária (art. 1º da lei 8.137/90), possui pena cominada
de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. Independentemente da valoração das circunstâncias do art.
59, a pena-base não poderá ser inferior a 2 anos e nem superior 5 anos. Com isso há de
concordar o leitor. Agir contrariamente a isso seria ferir os Princípios Constitucionais da
Legalidade e da Individualização da Pena (CF, art. 5º, II e XLVI), que dão suporte ao inciso II
do art. 59 e servem de baliza ao magistrado na individualização da pena. ARTS. 61 E 62 –
CARÁTER COGENTE DAS NORMAS - A redação dos arts. 61 e 65 é clara quando diz que
as atenuantes e agravantes sempre agravam ou atenuam a pena. Não é lógico entender que
sempre é às vezes, o que poderia levar a um paradoxo ao se possibilitar que a expressão às
vezes também possa ser tomada como sempre. Prefiro entender o básico. Sempre é sempre,
salvo se existentes exceções a esse comando em alguma norma, seja regra ou princípio
jurídico (como é o caso do princípio da proibição do bis in idem – uma circunstância não pode
ser aplicada duas vezes). O pior é que o senso comum teórico dos juristas procura fazer um
verdadeiro contorcionismo para se inserir exceções não previstas, ferindo direitos
fundamentais do cidadão, através de analogia in mallan partem. ART. 67 –
CONTORCIONISMO INTERPRETATIVO - Outrossim, o art. 67 do CP trata do chamado
“Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes” e diz que a pena deve aproximar-se do
limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam
dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. Ora,
novamente o contorcionismo interpretativo distorce. Argui-se que a expressão limite é prova
de que não cabe às atenuantes e agravantes ultrapassarem o limite fixado na pena in abstrato.
Esquecem de olhar o contexto. A expressão limite do art. 67 do CP nada tem a ver com a
limitação descrita no inciso II do art. 59 do mesmo Código, que diz respeito às circunstâncias
judiciais. Aquele dispositivo trata da situação em que há várias circunstâncias legais
antagônicas (atenuantes versus agravantes). A pena deve se aproximar do limite (que seria o
quantum de atenuação que se daria em razão da circunstância, isoladamente), até porque se
chegasse a ele, a outra circunstância teria sido anulada, teria sido desconsiderada. ART. 68 –
CUMPRA-SE A CONSTITUIÇÃO - No Resp 7287/PR nova falácia é encontrada quando se
argumenta que: a) as causas de aumento e de diminuição de pena permitem resultados abaixo
ou acima dos limites estabelecidos na lei; b) as causas de aumento devem ser consideradas
após a aplicação das agravantes ou atenuantes; c) assim, as atenuantes não têm o efeito de
diminuir a pena aquém do mínimo legal. Verifica-se que as premissas não guardam nenhuma
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coerência com a conclusão. Tratam-se de premissas válidas, mas não a conclusão. Ocorreu aí
a chamada “falsa causa”.13 Outro raciocínio falacioso: a) a individualização da pena é feita em
três fases, sendo a primeira cominação dada pelo legislador, a aplicação feita pelo juiz e a
execução regulada pela Lei 7.210/84; b) o princípio da individualização é garantia para o réu
e limite do poder de punir; c) assim, não é possível a atenuante ultrapassar, para menos, os
limites da cominação, sob pena de transformá-la em causa de diminuição de pena.14 Também
não guardam coerência as premissas e a conclusão. Mais um caso de falácia: a) a causa de
diminuição não se confunde com a atenuante, pois aquela afeta a cominação (pena em
abstrato), enquanto esta a aplicação (pena em concreto). Isso não é relevante para a conclusão
de que a atenuante não pode ultrapassar os limites cominados. Nova falsa causa.15 Em outro
precedente falacioso se reconheceu que o juiz fixa a pena-base apreciando as circunstâncias
judiciais, depois aplica as circunstâncias legais sem extrapolar os limites legais, havendo
qualificadora (sic), aumenta a pena na quantidade prevista e apenas nessa última fase pode ir
além ou aquém dos limites abstratamente cominados.16 Novamente não se explicou o porquê
de na apreciação das circunstâncias legais, que são depois das judiciais, não se permitir a
atenuação abaixo do mínimo ou o agravamento acima do máximo, se as causas de aumento de
pena também acontecem depois e podem ultrapassar esses limites. Simplesmente se partiu de
um dogma. E dogma não é científico. O dogma pertence à crença e não à ciência. Novo
precedente com conclusão falha e débil.17 Decidiu-se que no direito brasileiro não se admite
que a atenuante vá aquém do mínimo legal, conforme entendimento já reiterado no STJ. E foi
só. Bastou-se por si. Vivemos uma época de objetificação do sujeito e da pasteurização das
idéias. Quer-se, assim, impor por meio da força a vinculação de posicionamentos através de
súmulas em que seus criadores almejam estar acima de tudo e de todos. Permitir ao
magistrado raciocinar é perigoso. Melhor o juiz-robô, que foi programado para ilações de
subsunção, tão somente. O art. 68 é claro ao determinar que na aplicação da pena o juiz fixa a
pena-base de acordo com o critério do art. 59, que em seu inciso II impõe a limitação ao
quantum mínimo e máximo do tipo penal. “Em seguida”, isto é, não mais se atendendo ao
critério do art. 59, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as
causas de diminuição e de aumento. Ora, se o argumento foi de que essa limitação deve se
impor às circunstâncias legais, mesmo raciocínio deve ser feito no tocante às majorantes e
minorantes. Por qual razão não? Por que estas atuam na cominação e aquelas na
individualização? Isso não justifica diferenciação. Trata-se de uma falácia informal de falsa
causa. Sua estrutura é a seguinte: Se as majorantes podem ultrapassar os limites mínimo e
máximo, então elas atuam na cominação da pena (em abstrato); as atenuantes atuam na
aplicação (em concreto). Portanto, a atenuante não pode ultrapassar o máximo legal. Veja-se
que se parte de uma premissa que não é causa da outra. Portanto, a conclusão não é válida.
Também não é logicamente válido o argumento de que as atenuantes não podem ultrapassar
os limites da pena-base porque não possuem um quantum definido, podendo ocorrer pena
zero. Esquecem, contudo, da existência de postulados que se aplicam ao direito como um
todo: estou a falar da proporcionalidade e da razoabilidade. Verei mais à frente. No momento,
vale aferir a existência de um fenômeno vedado em qualquer Estado Democrático de Direito:
a analogia in mallan partem. Analogia in mallan partem - A se admitir a tese de limitação
das circunstâncias legais ao quantum máximo e mínimo abstratamente previsto, estar-se-ia,
primeiramente, ferindo o princípio constitucional da legalidade, pois se ignoraria uma regra
13 COPI, 1978, pp. 83-84
14 REsp 15691-PR.
15 REsp 32.344-0.
16 REsp 46.182-0.
17 REsp 49500-8.
7
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expressa determinando que as atenuantes e agravantes sempre incidem. E mais um gravame
aos direitos fundamentais se estaria fazendo, a saber: um processo analógico in mallan
partem. Com efeito, se adotaria, face a inexistência de uma regra expressa vedando a
aplicação além do mínimo e do máximo previsto no tipo, uma postura criacionista e de
voluntariosa analogia in mallan partem, que se arvoraria isoladamente das palavras
atenuantes (no plural, pois a regra tem a ver com o concurso de circunstâncias antagônicas –
atenuantes e agravantes) e limites, do art. 67 do CP, para prejudicar o réu no momento da
aplicação. Patente caso de analogia in mallan partem. Interessante, nesse talante, o alerta de
Zaffaroni: se por analogia, em direito penal, entende-se completar o texto legal de maneira a
estendê-lo para proibir o que a lei não proíbe, considerando antijurídico o que a lei justifica,
ou reprovável o que ela não reprova ou, em geral, punível o que não é por ela penalizado,
baseando a conclusão em que proíbe, não justifica ou reprova condutas similares, este
procedimento de interpretação é absolutamente vedado no campo da elaboração científico-
jurídica no campo do direito penal.18 A ISONOMIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA -
Outro ponto importante em relação à aplicação das circunstâncias legais tem a ver com
princípio constitucional da isonomia. E isonomia não quer dizer mera igualdade, mas
igualdade substancial. E dentro desse conceito se encontra o de tratar desigualmente os
desiguais. Mas não é só isso. Estar-se-ia ferindo o princípio constitucional da individualização
da pena, uma vez que a reprimenda precisa ser proporcional aos diversos elementos descritos
na lei para quantificação dela. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM JOGO - Fixada a
premissa de que as circunstâncias legais podem ultrapassar os limites máximo e mínimo, cabe
agora saber: até onde vamos? E o risco da pena zero? Antes de definir isso, devo buscar os
princípios constitucionais que regem a questão: a necessidade da pena, por um lado, e a
individualização, por outro. O direito penal possui assentamento constitucional. E está nos
direitos fundamentais, notadamente nos dispositivos seguintes do art. 5º da Constituição da
República, em seus incisos XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”, XXXVIII (Garantia do Tribunal do Júri), XXXIX (Princípio da
Legalidade), XL (Irretroatividade da Lei Penal), XLI - a lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, XLV (Princípio da Responsabilidade
Pessoal e da Intranscendência da Pena) e XLVI (individualização da Pena). Além disso,
expressamente em várias passagens do mesmo art. 5º há mandados de penalização,
notadamente nos incisos XLI (“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais”), XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”) e XLIII (penalização mais
gravosa da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, do terrorismo e dos
definidos como crimes hediondos). Temos, assim, o Direito de Punir do Estado, de um lado, e
a Individualização da Pena, do outro. Precisa haver a compatibilização de ambos. Um impõe.
O outro dispõe. Um determina, o outro condiciona. Um é abstrato. O outro é concreto. Mas
falar de legitimação do direito penal é, antes de tudo, falar da adequação material da lei
incriminadora à Constituição, uma vez que esta, ao passo que prevê a atuação do direito
penal, faz sua delimitação. A Constituição é, ao mesmo tempo, o fundamento normativo do
direito de punir e seu limitador. Conforme Luciano Feldens: Ao estabelecer no art. 5º,
XXXIX, que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação
legal, a Constituição transfere ao legislador ordinário tanto a decisão sobre o que deva ser
considerado infração penal, quanto a definição sobre a medida da conseqüência jurídica
(sanção) atribuível á espécie.19 (...) em um modelo de Estado Constitucional de Direito a

18 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 200, p. 153.
19 FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais.
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exemplo do nosso (...) a dogmática jurídica e a política criminal não podem se estruturar de
forma divorciada da Constituição, a qual predispõe-se a definir os marcos no interior dos
quais haverão de desenvolver-se tais atividades político-intelectivas.20 Há, ainda, um conteúdo
ideológico subjacente a toda essa discussão Não nos enganemos, pois por trás deste manto de
defesa da proibição da atenuante abaixo do mínimo legal existe, sim, uma política criminal
alheia aos direitos fundamentais, soerguida pelo “movimento da lei e da ordem”21 que, em
última análise, vencidas todas as falácias que a sustentam, descerrada a sua máscara, confessa
que a súmula deve ser aplicada, pois “não se deve dar colher de chá a bandidagem.” Juiz que
age assim não é juiz constitucional. Pode ser aplicador de muita coisa, mas não do Direito. E
juiz que não aplica o Direito o que é, realmente? Assim, a interpretação que a súmula 231 deu
é inconstitucional e ilegal, por violar o princípio constitucional da individualização da pena,
bem como as regras descritas na Parte Geral do Código Penal, em especial o seu art. 68.
Lembrando que essa súmula em si não é vinculante, não possui caráter cogente (embora,
infelizmente, o senso comum teórico dos juristas a confira, na práxis, tal status,
indevidamente), não cabendo controle de constitucionalidade quanto a ela e sim quanto aos
julgados que se utilizam de igual fundamentação. POSTULADO DA
PROPORCIONALIDADE E A ATENUAÇÃO ATÉ UM SEXTO - Mas admitida a
constitucionalidade das circunstâncias legais aquém e além dos limites descritos no art. 59, II,
do CP, até onde se pode ir? Há o risco de pena zero? Pode uma atenuante ter uma graduação
maior que uma circunstância majorante ou minorante? Como resolver isso se o direito
positivo não traz uma solução? Eis aí onde reside uma grande dificuldade dos atores jurídicos:
criar uma norma para situações onde não há expressa regulamentação. Mas a solução se
encontra no próprio sistema jurídico. No caso, o postulado da proporcionalidade. Com efeito,
explica HUMBERTO ÁVILA22 que, regras e princípios são normas de primeiro grau, que
visam promover um estado de coisas. Mas há entes que não se situam em qualquer das duas
categorias, pois não visam conferir direitos ou impor obrigações. Funcionam como uma
ferramenta para aplicação das regras e dos princípios. E esses entes jurídicos, a quem Ávila
chama de metanormas e outros de postulados23, não descrevem direta ou indiretamente
comportamentos, “mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que
indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, não se podem confundir
princípios com postulados.”24 Seriam os postulados normas de segundo grau. Vozes recentes
no STF entendem o mesmo. Paradigmático foi o voto do Ministro EROS GRAU na ADI em
que se declarou a constitucionalidade da aplicação do Código de Defesa dos Consumidores às
instituições financeiras. E disse o Ministro: (...) razoabilidade e proporcionalidade são
postulados normativos da interpretação/aplicação do direito – um novo nome dado aos velhos

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 40.


20 FELDENS, 2005, P. 43.
21 Sobre o movimento da lei e da ordem, vide: SANTOS JR., Rosivaldo Toscano. As duas faces da política
criminal contemporânea. In Revistas dos Tribunais. Ano 87, vol. 750. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
461-471.
22 ÁVILA, HUMBERTO. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 122.
23 “Em geral uma proposição que se admite, ou se pede seja admitida, com o escopo de tornar possível uma
demonstração ou um procedimento qualquer” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed. São
Paulo: Mestre Jou, 1982, p.751.
24 ÁVILA, 2006, p. 123.
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cânones da interpretação, que a nova hermenêutica despreza – e não princípios.25 Os
postulados se diferem dos princípios, pois não são realizados em vários graus, mas em um só
(a medida é ou não é proporcional ou razoável, por exemplo). Não são regras porque não
possuem uma hipótese e uma conseqüência, e nem podem ser declaradas inválidas em caso de
colisão. Assim, não se ponderam e nem se declaram válidos ou não, pois são eles mesmos
ferramentas para se ponderar princípios e se aquilatar a invalidade de uma regra. Aliás, não
são princípios. São meios. Meios de se aplicar o Direito. Aliás, não se podem aplicar as
metanormas – v.g. a proporcionalidade ou a razoabilidade – como princípios, já que assim se
estaria transformando o juiz em legislador, competindo a ele criar uma norma que, ao alvedrio
de qualquer princípio ou regra que a fundamentasse, fosse a mais “proporcional” ou
“razoável” para aquele caso. Voltaríamos à visão positivista de discricionariedade judicial.
Como bem adverte ÁVILA, "Só elipticamente é que se pode afirmar que são violados os
postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor,
violadas são as normas – princípios e regras – que deixaram de ser devidamente aplicadas". 26
Em nosso direito constitucional contemporâneo o postulado da proporcionalidade, que deve
ser obedecido tanto por quem exerce quanto por quem se submete ao poder, tem por
pressuposto: a) a existência de um ato normativo que afete um direito constitucional
fundamental; b) uma relação entre os fins perseguidos e os meios utilizados nesse desiderato;
c) uma situação de fato, conforme preleciona PAULO BONAVIDES.27 Não obstante a idéia
de proporcionalidade já remontasse a Aristóteles –, foi a jurisprudência alemã que a
sistematizou em três máximas parciais, a saber:28 a) adequação (Geeignetheit); b) necessidade
(Enforderlichkeit) c) proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit). Adequação
significa o meio apto a atingir o fim fomentado pela norma. Não se exige que este fim seja
atingido, mas sim, perseguido. Essa é a posição de HUMBERTO ÁVILA, que critica a
formulação feita por Gilmar Mendes, atribuindo a ele um erro de tradução do significado da
expressão, uma vez que o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal fala em adequação
como atingimento do fim.29 Necessidade quer dizer o meio menos oneroso aos bens ou
valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis. Verifica-se aqui um
conteúdo comparativo entre as possibilidades de decisão. Por fim, proporcionalidade em
sentido estrito diz respeito a sacrificar o mínimo visando preservar o máximo de direitos, uma
vez que nenhum direito constitucional pode, sob nenhuma circunstância, suprimir outro por
inteiro. Assim, o grau de restrição de um direito fundamental deve ser justificável em razão do
fim perseguido.30 Voltando ao objeto desse estudo, é essencial haver a determinabilidade da
pena. Pena zero não é pena, realmente. Pensamos sobre o assunto. Chegamos a um raciocínio
que consegue ponderar os princípios da necessidade da pena, por um lado, e da
individualização da pena, por outro. Entendemos que há uma graduação crescente na
amplitude dos institutos. Das três fases previstas no art. 67 do CP, duas são delimitadas
expressamente. A primeira, a da pena-base, é a mais restrita e delimitada. A última, das
majorantes e minorantes, ultrapassa os parâmetros restritivos do mínimo e do máximo em
25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2591/DF Rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau,
j. 07/06/2006, DJ 29.09.2006, p. 31.
26 Idem, p. 122.
27 BONAVIDES, 2004, p. 393.
28 PEREIRA, 2006, p. 320-321 e 324 e ss.
29 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.43.
30 BILHALVA, Jacqueline Michels. A aplicabilidade e a concretização das normas constitucionais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 134-135.
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-u
s abstrato cominado pelo tipo. A segunda fase não haveria de ser a mais amplas de todas, sob
n
b
as pena de se ferir o princípio da necessidade da pena, uma vez que não há determinação do
st quantum de atenuação ou agravamento. Adotando-se o critério trifásico do postulado da
s
eâ proporcionalidade, através de um método centrífugo (fuga do centro, onde neste estaria a
n primeira fase – a das circunstâncias judiciais – pena-base), um meio apto para atingir o fim
ec
d fomentado pelo princípio da individualização da pena (adequação) seria entender que as
ni
tae circunstâncias legais estão parametrizadas entre os limites da pena cominada até o aumento ou
rs diminuição mínima, assim como é na sua sequência de aplicação da pena pelo critério
o trifásico, sem se anular, assim, a necessidade da pena. Esse raciocínio é o menos oneroso aos
l bens ou valores constitucionalmente protegidos, dentre todos os meios possíveis, pois ao
ade
mesmo tempo que franqueia maior liberdade na individualização da pena, um direito do réu,
ogu
sa impede a impunidade, um direito da sociedade (necessidade). Por fim, há um sacrifício
m mínimo do princípio da necessidade da pena, na medida em que garante a individualização
i
lse desta (proporcionalidade em sentido estrito). Cumpridos estão os três requisitos, vejamos
i como fica a limitação da aplicação da segunda fase do critério trifásico do art. 67 do CP: a
n
l
m fórmula seria essa: {[(pb) + ag] + ad} - onde pb = pena-base; ag = atenuantes e agravantes; e
iét
tm ad = causas de aumento e de diminuição de pena. O RISCO DA PENA ZERO E O
o POSTULADO DA RAZOABILIDADE - Um dos principais argumentos falaciosos contra a
e
sd aplicação das circunstâncias legais reside no propalado risco de pena zero. Com efeito, já
o infirmamos que as circunstâncias legais podem ser graduadas em até um sexto. Em razão da
eds
quantidade de atenuantes previstas no art. 65 do CP, sete, e das ilimitadas possibilidades de
a
l
aplicação de atenuantes genéricas (art. 66 do CP), caso houvesse pelo menos seis delas,
pid poderia ocorrer a pena zero. Esquecem-se os militantes desse raciocínio que o magistrado não
em é um autômato e que o Direito – uma ciência social – não é matemática. Direito é razão. E
eni
dele deriva a razoabilidade como postulado imanente ao seu próprio funcionamento, tanto em
at sua teoria quanto na práxis. A palavra razão tem duas origens: o latim ratio e o grego logos,
e
csd
em ambas com o mesmo sentido: contar, reunir, juntar. E o que fazemos – reflete
oi MARILENA CHAUÍ – “quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos?
d
m Pensamos de modo ordenado (...) Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para
iam pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são”.31
ni Ensina HUMBERTO ÁVILA sobre como a razoabilidade funciona: A pergunta a ser feita é: a
ap
den
concretização da medida abstrativamente prevista implica a não realização substancial do bem
anu jurídico correlato para determinado sujeito? Trata-se de um exame concreto individual dos
a bens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a um fim, mas em razão da
–-i particularidade ou excepcionalidade do caso individual. (...) A razoabilidade determina que as
bç condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na decisão. É
a
importante salientar dois pontos na razoabilidade: a) deve-se verificar como paradigma o que
rsã
teo ocorre no dia-a-dia, e não o extraordinário; b) deve-se considerar, além disso, as
. peculiaridades da situação frente à abstração e generalidade da norma. Verifica-se que os dois
– elementos acima culminam no entendimento de razoabilidade como antagônica à
5 arbitrariedade e respeitando a justiça do caso concreto, isto é, a eqüidade. Assume-se, assim,
d
a
um dever de consistência e coerência lógica. Consoante WILSON ANTÔNIO STEINMETZ,
ra
t na razoabilidade “objetiva-se verificar se a resultante da aplicação da norma geral (que é uma
. norma constitucionalmente válida) ao caso individual é razoável, não-arbitrária.”32
p
Advertimos que não entendemos que as atenuantes devem ser fixadas em um sexto, mas em
6 até um sexto. O critério que deve validar essa quantificação será dado pelo caso concreto,
8e
n 31 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 62.
d
oa 32 STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 187
C
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razoavelmente. Por exemplo, uma confissão qualificada não deve ser sopesada da mesma
forma que uma confissão completa. Proceder ao magistrado um mero cálculo matemático de
simples soma de seis atenuantes (e se fossem sete, ficaria com crédito?) à fração individual de
um sexto, seria ferir a razoabilidade, pois naquele caso a concretização da medida
abstrativamente prevista implicaria a não realização substancial do bem jurídico a ser
protegido pela norma penal. Seria uma arbitrariedade. CONCLUSÃO SOBRE O TEMA DA
ATENUANTE AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - Eis aí onde reside a lógica do Direito:
ajustar-se, ponderando os princípios em jogo e as regras que sobre as quais eles incidem, e
encontrar a decisão justa, racional, proporcional, razoável. Juízes que agem assim são entes
pensantes, não meros autômatos togados, cumpridores de fórmulas e rituais, que necessitam
de um oráculo supremo que lhe diga todas as verdades. No Direito Penal cada caso é ímpar,
por mais parecidas as circunstâncias reveladas pela historicidade dos fatos, e únicas suas
implicações. Não existem fórmulas prontas. O Direito não deve ser realizado em linha de
montagem, como se pessoas fossem a matéria-prima e a liberdade ou prisão meros produtos.
Nesse diapasão, destaco a advertência feita por ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, no
tocante às súmulas vinculantes, mas que perfeitamente se aplica às que não tenham,
formalmente, esse efeito mas, na prática, terminam sendo usadas como dogma jurídico: “O
risco é a exarcebação de um nível de abstração que chegue a ferir o núcleo concernente à
singularidade humana (...) o formalismo judicial perpassou dos textos legais às súmulas, com
um magistrado similar a um juiz-funcionário.”33 STRECK é claro quando diz que
aclimatamos aqui o sistema americano do stare decisis de maneira deturpada: Os
denominados “precedentes sumulares” e os “verbetes jurisprudenciais” que constam aos
bordões em inúmeros “manuais” são utilizados (e citados) de forma descontextualizada. Já no
direito norte-americano isso não ocorre, mormente pelo fato de que lá, o juiz necessita
fundamentar e justificar detalhadamente sua decisão. Como contraponto, no Direito brasileiro,
de origem continental,suficiente que a decisão esteja de acordo com a lei (ou com uma
Súmula ou com uma “jurisprudência dominante” ementada). Não estamos a fazer uma ode
contra as súmulas, pois elas cumprem importante papel de revelar o posicionamento, naquele
momento histórico, de um tribunal. Mas são os magistrados, notadamente os juízes de
primeira instância, que conhecem os fatos e produziram as provas, estão próximos dos fatos
concretos. E é dever do magistrado entender essa realidade inefável e cumprir o papel que lhe
é delegado: ser justo. Sendo assim, no momento oportuno atenuarei a pena, em obediência aos
princípios constitucionais acima.
DA CO-CULPABILIDADE SOCIAL
A parte acusada teve muito pouco estudo, digo educação formal, e transborda sua rudeza,
decorrente, infelizmente, de nosso sistema abissalmente desigual e injusto, em que a isonomia
é um mito, e somente não denunciam isso os ingênuos. assim, justifica-se o reconhecimento
de atenuante inominada em favor da acusada, em razão da co-culpabilidade social na
participação do delito, pois é notório que a situação acima, no caso presente torna a acusada
pessoa mais vulnerável ao cometimento de crimes e à seleção pelo sistema penal, em sua
peneira já tão bem denunciada por Honoré de Balzac, quando dizia que "as leis são teias de
aranha, em que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas". Sobre o
reconhecimento da co-culpabilidade social como circunstância atenuante inominada, vejamos
excelente artigo de Bruno Carrijo Carneiro34: (...) 2. Os Princípios da Co-culpabilidade e da
33 ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Efeito vinculante e concretização do direito. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 22-23.
34In http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/artigo_default.asp?ID=343. Acesso em
19.12.2007.
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Individualização da Pena A aplicação da pena representa, sem dúvida alguma, um desafio
para os operadores do Direito, principalmente no que toca à dosimetria da pena sob a luz do
princípio da co-culpabilidade. Insta salientar que a co-culpabilidade deve ser considerada
como um princípio que está intimamente relacionado a outros, em especial o da isonomia e,
por conseguinte, ao da individualização da pena. Salo de Carvalho, reportando-se aos dizeres
de Eugênio Raúl Zaffaroni, afirma que "reprovar com a mesma intensidade pessoas que
ocupam situações de privilégio e outras que se encontram em situações de extrema pobreza é
uma clara violação do princípio da igualdade corretamente entendido, que não significa tratar
todos igualmente, mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação". Deste modo,
considerando o princípio da isonomia na aplicação da pena, o juiz não poderá reprovar, com a
mesma intensidade, pessoas que ocupam diferentes papéis dentro da estrutura social,
principalmente em decorrência da situação econômica. Todavia, não é apenas a diferença de
status financeiro que interessa à aplicação da pena. Ao lançar mão do princípio da isonomia, o
operador do Direito deve considerar, também, outros aspectos, tais como o elemento
“potencial conhecimento da ilicitude do fato”. Há, inegavelmente, apenas a título de exemplo,
uma notável diferença, quanto ao conhecimento da ilicitude do fato, entre um sujeito com 21
anos de idade, que não possui nem o 1º grau completo, e outro indivíduo pertencente à classe
média, com a mesma idade daquele, que esteja concluindo o ensino superior. É inconteste que
não há, por parte do Estado, a satisfação dos direitos fundamentais a todos os cidadãos –
direitos de liberdade, sociais, econômicos e culturais. Assim, o juízo de reprovabilidade
individual pelo ato delitivo não pode ser igual entre os desiguais, nem desigual entre os
iguais. Caso contrário estaria configurada tão somente uma igualdade formal, porém restaria
prejudicado o princípio da isonomia. Destarte, tal desigualdade entre os sujeitos, diante do
absenteísmo do Estado, deve ser observada. Preconiza Salo de Carvalho que "o entorno
social, portanto, deve ser levado em consideração na aplicação da pena, desde que, no caso
concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em
disponibilizar ao indivíduo mecanismos de potencializar suas capacidades e o fato danoso por
ele cometido. O postulado é decorrência lógica da implementação, em nosso país, pela
Constituição de 1988, do Estado Democrático de Direito, plus normativo ao Estado Social
que estabelece instrumentos dos direitos sociais, econômicos e culturais". Portanto, em meio a
uma sociedade de camadas sociais e diante de um Estado omisso, o direito penal mais justo,
nas palavras de Gustav Radbruch, “só poderia ser um direito relativamente justo.” E, o
mesmo autor, citando as palavras de Anatole France, pontifica que "em sua igualdade
majestática a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir debaixo das pontes, esmolar nas
ruas e furtar pão, e nela vale também para o direito penal a palavra amarga: 'Deixais ao pobre
tornar-se culpado, em seguida o entregais à dor'!" E adiante arremata Gustav Radbruch que:
"Se é a situação de classe que predominantemente provoca a queda do crime e o uso da pena,
deduz-se que não o direito penal, mas, de acordo com a palavra de Franz von Liszt, “política
social é a melhor política criminal” – sendo a tarefa duvidosa do direito reparar, contra o
criminoso, o que a política social deixou de fazer por ele. Pensamento amargo esse, de
quantas vezes as custas do processo e da execução, se empregadas antes do crime, teriam
bastado para evitá-lo!" O operador do Direito, ao dedicar atenção ao princípio da isonomia,
contempla, por conseguinte, um princípio fundamental do direito penal, a saber: o princípio
da individualização da pena, insculpido no artigo 5º, inc. XLVI, de nossa Magna Carta.
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Preconiza Chaïm Perelman que "a passagem da igualdade formal para a igualdade real se
manifestará, em direito penal, pela teoria da individualização da pena, que leva em conta, na
repressão, a individualidade do delinqüente. Em vez de atentar apenas aos elementos
objetivos de uma infração, insistir-se-á nos elementos subjetivos; o que, necessitando de uma
medida individualizada, redundará em penas desiguais, mesmo para co-autores de um mesmo
delito. A Corte de Cassação da Bélgica aprovou esse modo de agir ao rejeitar vários recursos
que pretendiam que o juiz havia violado o art. 6º da Constituição belga, que garante a todos os
belgas a igualdade perante a lei, porque havia tratado diferentemente dois homens que haviam
cometido um mesmo delito." Destarte, o princípio da individualização da pena ganha
supremacia sobre o princípio da mera igualdade formal que, não raro, é ensejador de
injustiças. O princípio da isonomia, pelo qual se deve tratar os desiguais na medida em que se
desigualam, deve ser o princípio basilar para uma justa individualização da pena e, deste
modo, o fundamento de aplicação do princípio da co-culpabilidade. J. Messine, em citação de
Chaïm Perelman, afirma: “O que é mister buscar não são penas iguais: são penas adequadas
ao objetivo que se lhes atribui.” 3. A co-culpabilidade como atenuante genérica As
circunstâncias legais atenuantes estão previstas no artigo 65 do Código Penal. O rol constante
do dispositivo não elenca a co-culpabilidade como circunstância atenuante, mesmo porque se
trata de uma nova tendência do Direito Penal. Não obstante, a enumeração de tais
circunstâncias não é taxativa, haja vista o que dispõe o artigo 66 da Legislação Penal, in
verbis: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou
posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.” Deste modo, a lei vigente,
abandonando o sistema da enumeração exaustiva de atenuantes, adotado pelo Código Penal de
1940, introduziu regra que vem a permitir o reconhecimento de atenuantes não expressamente
previstas. Assevera Heleno Cláudio Fragoso que "qualquer circunstância relevante
relacionada com o fato ou com a pessoa do agente, que afete de forma significativa o
merecimento de pena, deve ser considerada como circunstância relevante." Destarte, indaga-
se, a esta altura, se o princípio da co-culpabilidade poderia ser considerado uma circunstância
atenuante, mediante a aplicação do artigo 66 do Código Penal brasileiro. Alguns autores há,
como Eugênio Raul Zaffaroni e Salo de Carvalho, que advogam a favor da consideração da
co-culpabilidade enquanto circunstância atenuante genérica ou inominada. Preceitua Eugênio
Raúl Zaffaroni "que a co-culpabilidade é herdeira do pensamento de Marat e, hoje, faz parte
da ordem jurídica de todo Estado social de direito, que reconhece direitos econômicos e
sociais, e, portanto, tem cabimento no CP mediante a disposição genérica do art. 66." Nesta
mesma esteira, afirma Salo de Carvalho que: “... a precária situação econômica do imputado
deve ser priorizada como circunstância atenuante obrigatória no momento da cominação da
pena.” E, adiante, vem a complementar a sua idéia, apontando que ”juntamente com a
valoração da situação econômica, devem ser avaliadas também as condições de formação
intelectual do réu, visto que esta relação é fundamental para a averiguação do grau de
autodeterminação do sujeito.” Salo de Carvalho, ao entender que deve também ser verificada
a formação intelectual do réu, vislumbra, ao que parece, o denominado erro de proibição que,
se tratar de erro evitável, a pena será amenizada e, em se tratando de erro de proibição
inevitável, a pena deverá ser excluída. Estas circunstâncias atendem, antes de mais nada, ao
princípio da isonomia, uma vez que centram-se na análise da real capacidade de o autor
socialmente referido conhecer, compreender e motivar sua conduta conforme o direito. Com
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razão, Salo de Carvalho advoga que o Código Penal, ao permitir a diminuição da pena em
razão de “circunstância relevante”, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista em lei,
já fornece um mecanismo para a implementação deste instrumento de igualização e justiça
social. Fundamentando a aplicação do princípio da co-culpabilidade como circunstância
atenuante, o autor supra-referido lança mão do artigo 14, inciso I, da Lei n. 9.605/98, que
dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente. O citado dispositivo reza, in verbis: “São circunstâncias que atenuam a pena:
baixo grau de instrução ou escolaridade do agente”. Inquire o autor se seria permitida a
utilização extensiva da supracitada circunstância atenuante para outras espécies de condutas
ilícitas. E assevera Salo de Carvalho que "é mister lembrar que é plenamente admissível, na
estrutura do direito de garantias, a utilização da analogia, desde que não seja em prejuízo do
réu. A admissão é tida como pacífica na jurisprudência e na doutrina, dispensando maiores
divagações." Deste modo, possível se torna, sem nenhum óbice, a aplicação analógica do
artigo 14, inciso I, da Lei n. 9.605/98, permitindo a inclusão, como atenuante, o baixo grau de
instrução ou escolaridade do agente. Portanto, Carvalho sustenta a aplicação ampliativa da
referida regra, porque segundo ele mesmo afirma, “... não entendemos que exista vínculo
necessário e suficiente que a restrinja aos delitos ecológicos, como ocorre, por exemplo, com
as outras atenuantes mencionadas no art. 14 da Lei n. 9.605/98.” Assim, para o autor, a
circunstância prevista no inciso I daquele artigo, qual seja, “grau de escolaridade”, não se
vincula tão somente à minimização do dano ambiental, como ocorre com as outras
circunstâncias previstas – arrependimento, reparação, comunicação e colaboração. Não
existindo este vínculo direto entre o grau de instrução do agente e a minimização do dano ao
meio ambiente, nada obsta que aquela circunstância atenuante seja aplicada para outros
delitos que não os ambientais. Quanto à aplicação do princípio da co-culpabilidade como
atenuante inominada, vindo a diminuir a pena em virtude das condições econômicas do réu,
vale transcrever a ementa de um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada
por Salo de Carvalho. Ei-lo: Roubo. Concurso. Corrupção de Menores. Co-culpabilidade. Se a
grave ameaça emerge unicamente em razão da superioridade numérica de agentes, não se
sustenta a majorante do concurso, pena de "bis in idem". Inepta é a inicial do delito de
corrupção de menores (lei 2252/54) que não descreve o antecedente (menores não
corrompidos) e o conseqüente (efetiva corrupção pela prática de delito), amparado em dados
seguros coletados na fase inquisitorial. O princípio da co-culpabilidade faz a sociedade
também responder pelas possibilidades sonegadas ao cidadão-réu. Recurso improvido, com
louvor à Juíza sentenciante. O ora decisum merece aplausos, na medida em que não olvida o
princípio da co-culpabilidade, entendendo que ao lado da reprovabilidade do criminoso pelo
fato, existe uma parte da culpabilidade que a sociedade deve suportar, em virtude das
possibilidades sonegadas àquele que agiu contrariamente ao Direito. Acerca da consideração
da co-culpabilidade como circunstância atenuante genérica, arremata, magistralmente, Salo de
Carvalho: "... tal interpretação possibilita no interior da dogmática jurídico-penal, criar um
mecanismo de minimização da cruel inefetividade dos direitos sociais, econômicos e
culturais, impondo ao Estado-Administração, via Judiciário, uma 'sanção', mesmo que
residual ou simbólica, pela inobservância de sua própria legalidade no que diz respeito à
estrutura do Estado Democrático de Direito que congloba, como vimos, a matriz do Estado
Liberal e do Estado Social." Eis, pois, o modo mais justo de se aferir a culpabilidade, visto
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que o Estado (brasileiro) contribui sobremaneira para o incremento da criminalidade, à
medida que tem sonegado as condições mínimas de desenvolvimento aos seus cidadãos. Vale
ressaltar, aqui, as palavras do Professor Dr. Nilo Batista, segundo o qual, “propensão para o
crime tem é o Estado que permite a carência, a miséria, a subnutrição e a doença – em suma,
que cria a favela e as condições sub-humanas de vida”. Pode-se inferir que, para a aplicação
de um Direito Penal justo, o juiz criminal deve ser mais que um autômato que anda à procura
do tipo legal para determinada conduta típica, antijurídica e culpável. Seu trabalho deve ir
além disso, e o princípio da co-culpabilidade emerge aqui como uma importante ferramenta
para a humanização do Direito Penal, a fim de atenuar os efeitos deletérios da exclusão social
e econômica de determinadas camadas, em grande parte pelo absenteísmo estatal. A busca da
justiça penal, principalmente na adequada aplicação do princípio da co-culpabilidade, não é
tarefa fácil, porém não é impossível. Sem embargo disso, qualquer aplicação da pena que
enxergue no criminoso uma pessoa com dignidade a ser respeitada, já é uma tentativa de se
chegar a um direito penal mais justo. E essa liberdade pode ser limitada pelas condições sócio
econômicas do agente, impondo-se à sociedade e ao Estado certo grau variável de co-
responsabilidade pela conduta típica perpetrada (em parte) pelo agente, impelido por
condições adversas, recomendando o abrandamento da resposta penal nesses casos. Esse
princípio tem sua sustentação nos princípios da igualdade (máxime em seu aspecto material) e
da dignidade da pessoa humana. Em suma, a idéia de Cabette é que “o Direito Penal,
perpassado pelo mesmo fio de oura da ética, deve reconhecer em seu bojo o Princípio da
Co-Culpabilidade, compreendendo a considerável perda de liberdade de
autodeterminação imposta a relevante parcela da população”35. Posto isso, temos que a
obediência ao princípio da Co-Culpabilidade representa o respeito pelos valores da dignidade
humana, igualdade e justiça, merecendo ser interpretada conjuntamente com o disposto no art.
66 do CP, no sentido de ser reconhecida a atenuante inominada quando circunstâncias
adversas causadas pelas inércia do Estado contribuírem para diminuir a
autodeterminação do agente no cometimento de infrações penais.
DA TENTATIVA
O objeto jurídico nos crimes contra o patrimônio é o bem subtraído. Há três teorias a respeito:
1. Teoria da inversão da posse: no momento em que o bem passa da posse da vítima para a do
autor, consuma-se; 2. Teoria da saída da esfera de vigilância da vítima: enquanto a vítima
estiver visualizando a coisa subtraída, não se consumo. Assim, dobrou a esquina e
desapareceu, consumou; 3. Teoria da posse tranquila: enquanto estiver sendo perseguido,
desde que essa perseguição seja imediata à subtração, ainda não se consumou. Adoto essa
teoria. No acaso em apreço, a acusada foi presa na saída do estabelecimento.
DO FURTO MINORADO
Não obstante a prova de autoria e materialidade do delito, é mister que se reconheça também a
aplicação da causa de diminuição do § 2° do art. 155 do CP. À parte a polêmica quanto à
aplicação do dispositivo em questão em casos de furto qualificado, parte da doutrina e da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça alegam que em razão da carga de desvalor da
conduta que encerra a qualificadora, seria incompatível a aplicação da minorante. Com a
devida vênia, a argumentação não há de prosperar. Podemos verificar que a figura prevista no
§ 2° do artigo 155 do Código Penal é, como já dito anteriormente, uma causa de diminuição
de pena, que não altera a sua nova faixa de fixação. Se realmente se tratasse de um privilégio,
seria imperioso reconhecer sua inaplicabilidade, já que seria impossível aplicar os dois ao
35Op. cit.
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mesmo tempo. Não há, pois, nenhuma incompatibilidade, uma vez que a pena-base será
aumentada em razão da qualificadora e posteriormente diminuída pela minorante. Outrossim,
Nucci36, demonstra um raciocínio bastante simples mas verdadeiramente lógico ao dizer que
no caso caso do homicídio, o § 1°, que é considerado homicídio privilegiado (mas que se trata
de causa de diminuição), aplica-se, conforme doutrina e jurisprudência majoritárias, não
somente ao caput, mas também ao homicídio qualificado do § 2° do art. 121. Então porque
não proceder da mesma forma com relação ao furto? Se o homicídio, que se trata de delito
que possui uma maior reprovabilidade social e fere bem jurídico muito mais importante que o
patrimônio, qual seja, a vida, seria extremamente ilógico, não aplicar a causa de diminuição
ao furto qualificado. Tal conduta agride o princípio da isonomia que está presente no art. 5°,
caput, da nossa Constituição Federal. Acrescente-se ainda o fato de que estando presentes os
requisitos autorizadores da aplicação da causa de diminuição do § 2° do art. 155, esta deve ser
obrigatoriamente aplicada pelo magistrado. Desta feita, prevê o art. 155: Furto - Art. 155 -
Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e
multa. (...) § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar
somente a pena de multa. Podemos perceber que a lei penal exige como requisitos para que o
juiz aplique o privilégio a primariedade e o pequeno valor da coisa furtada. Quanto à
primariedade, não obstante o fato de o acusado estar atualmente respondendo outros
processos, conforme se verifica nos extratos retirados do SAJ e do site do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Norte, inexiste condenação ou execução pendente contra a
acusada à época do fato, fato esse caracterizador da primariedade. Já no que concerne ao valor
da coisa furtada, levando em consideração que não houve prejuízo à vítima uma vez que o
bem foi restituído, conforme se percebe no depoimento das testemunhas, bem como a res
furtiva era de pouco valor, deve-se reconhecer que o requisito foi atendido.
.
DISPOSITIVO
Em razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar procedente a pretensão punitiva
do Estado, condenando IOLANDA (APAGADO), parte já qualificada nos autos, como
incurso nas sanções advindas da infringência do art. 155, § 2º, na forma do art.14, II, do CP.
Passo a dosar a pena com as devidas fundamentações em razão de imposição constitucional
(CF-88 art. 93, IX). Circunstâncias judiciais - Culpabilidade: é o núcleo das circunstâncias
que compõem a pena-base. É a primeira e mais importante circunstância. Isto porque
representa a aplicação na íntegra do princípio da proporcionalidade entre a prática do fato e a
pena, desconsiderando fatores intrínsecos à pessoa do agente. Como bem alerta AMILTON
BUENO DE CARVALHO, “a interioridade da pessoa não deve interessar ao Direito Penal
mais do que para deduzir o grau de culpabilidade de suas ações”.37 Assim, o que uma parcela
considerável dos operadores do direito ainda não percebeu é que a culpabilidade possui dupla
faceta. Uma antropológica, que constitui elemento do crime. Outra fática, que constitui a
pena. A primeira faceta da culpabilidade é elemento do crime que diz respeito à reprovação
ou não do agente, isto é, se ele tem o discernimento e o modo de se determinar conforme esse
discernimento. Na segunda se mensura a reprovação do fato praticado pelo agente, com base
na intensidade da violação do bem jurídico. Portanto, o constitucionalmente aceitável, na fase
de aplicação da pena, vencida que foi a da imputação do agente, é constatar a justa medida da
pena, examinando apenas o grau de censura merecido em face da conduta realizada e não da
pessoa que é a acusada. Portanto, avaliando que o bem era de pouca expressão econômica,

36 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7 ed. rev., atual. e ampl. 2 tir. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007.
37 CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da pena e Garantismo. 3. ed., ampl. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004, p. 46.
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entendo favorável; Antecedentes: não posso entender os antecedentes penais da acusada como
um elemento capaz de aumentar a pena-base. Responder a outro processo não é crime, até
porque depois pode se chegar a um veredicto reconhecendo a inocência. Mas a questão nem é
essa. Com a Constituição Federal de 1988 o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi
erigido a um dos Fundamentos da nossa República (art. 1º, III). Por outro lado, diz o art. 5º,
LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
A acusada não pode ter sua pena agravada nos autos de um processo tão somente em razão de
responder a outro processo. Não pode ser prejudicado (e prejulgado) por não ter havido
julgamento numa outra relação processual (e com a possibilidade de absolvição, inclusive). E
diz mais a Constituição Federal no mesmo art. 5º: “LV - aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes;”. Como pode a acusada se defender nestes autos de
um fato ocorrido em outro processo? Estaria, assim, ferindo não somente o devido processo
legal, mas também o principio secular do Direito Penal do Fato. Não estaria, no caso de
reconhecimento dessa circunstância judicial, com o conseqüente aumento da pena-base,
punindo alguém pelo que é (responder a vários processos) e não pelo que fez (praticou vários
ilícitos em cada processo, isoladamente)? Fazendo outra reflexão, mesmo em caso de
condenação não estaria eu punindo duplamente alguém por um mesmo fato (neste e no outro
eventual processo penal)? Acredito que sim. Por fim, se não há pena sem reconhecimento de
culpa, há que se ler atentamente o que diz outro inciso do art. 5º, o LVII, que determina que
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;”. Se estou aqui tornando a pena mais pesada somente em reconhecendo que o
acusado responde a, por exemplo, um inquérito policial, estou antecipando uma pena, pois
seja mesmo um dia a mais de pena, é um suplício a ser imposto, indevidamente, diga-se de
passagem. Assim, essa circunstância, se adotada para influir na pena do réu, fere a nossa
Constituição. E uma norma que fere a Constituição não é válida. Talvez em um país com um
paradigma de tanto desrespeito aos desafortunados não nos demos conta desse fato. Mas
temos que respeitar a dignidade da pessoa humana, tratar a pessoa como ser humano que é,
ainda que em alguns casos falha, mas que responda pelas condutas que praticou naquele
processo específico. Deixo ao largo os moralismos tão em voga na atualidade e que rotulam
as pessoas como “bandido”, “marginal” ou “monstro”, reconhecendo que aqui estou julgando
um igual e por um fato específico, sob pena de duplamente avaliar um mesmo
comportamento. Portanto, resta prejudicada a análise dessa circunstância; Conduta social:
entendo que essa circunstância é inconstitucional, sob pena de ferir o princípio da
anterioridade e da legalidade. Não estou julgando alguém pelo que ele é, mas sim pelo que fez
ou deixou de fazer. Se o sentenciando é um mau vizinho, uma pessoa de comportamento
social reprovável no âmbito moral, não o sendo na esfera penal, não posso admitir tal
circunstância, sob o risco de criar pena sem crime, pois graduaria a pena-base negativamente
em razão dessa questão. O direito penal brasileiro é de conduta, e não de autor, não obstante
os mais carentes serem seus maiores alvos, os “criminalizados”, no dizer de Zaffaroni. Por
inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Secularização,
essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Personalidade do agente: a Parte Geral
Código Penal é maior de idade. Aliás, já está ultrapassada aos vinte e seis anos de vida (1984)
e uma Constituição Federal depois... Este tópico da personalidade do agente como
circunstância judicial deve ser repensado. O juízo humano é de tal complexidade que a tarefa
de avaliação dele pelo magistrado, que pouco ou quase nenhum contato teve com a acusada,
torna-se tarefa temerária... Por inconstitucional, ferindo os princípios da Dignidade da Pessoa
Humana e da Secularização, essa circunstância é inválida e não pode ser avaliada; Motivos:
alegou pobreza. Portanto, entendo favorável; Circunstâncias do crime: nada digno de nota.
Portanto, entendo favorável; Conseqüências do crime: bens restituídos. Portanto, entendo
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favorável; Comportamento da vítima: nada digno de nota. Portanto, entendo favorável;
Tomando como parâmetros as circunstâncias acima observadas e fundamentadas, fixo a pena-
base em 1 ano de reclusão e 10 dias-multa. Circunstância agravante – nenhum, conforme
já decido em relação à reincidência. Circunstância atenuante – houve confissão e co-
culpabilidade social. Atenuo a pena em 1/9 por cada, restando 9 meses e 14 dias de reclusão, e
7 dias-multa. Causa de aumento de pena - nenhuma. Causa de diminuição de pena - o furto
foi de pequeno valor. Levando em consideração o poder aquisitivo da vítima, diminuo em 2/3,
restando 3 meses e 4 dias de reclusão, e 3 dias-multa. Outrossim, houve a tentativa. A
proporção da diminuição varia de acordo com o aprofundamento do iter criminis pelo agente,
graduando-se da tentativa imperfeita à perfeita, ou crime-falho, de 1/3 a 2/3. No caso em
apreço a acusada foi detida já fora do estabelecimento, na calçada. Assim, diminuo de 1/3,
restando uma pena de 2 meses e 2 dias de reclusão, e 1 dia-multa.
Do total da pena
Sem mais nenhuma hipótese de flutuação a ser observada na fixação da pena, finalizo-a em 2
meses e 2 dias de reclusão, e 1 dia-multa, na proporção de 1/30 do salário mínimo em razão
do estado econômico da parte ré.
Do regime de cumprimento da pena
O regime de cumprimento da pena será o inicialmente aberto, por força do art. 33, § 2°, c, do
CP.
Da substituição por pena alternativa (lei 9.714/98)
É o Código Penal quem fixa os requisitos para a substituição. Diante do caso concreto,
acontece o seguinte: é reincidente. Mas nem isso impede o deferimento da substituição,
devendo a pena privativa de liberdade ficar como resguardo intimidatório. Pos isso, substituo
a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, cuja modalidade restará individualizada
pelo Juízo da e no momento da Execução Penal, que terá contato pessoal com o condenado,
especialmente com essa finalidade e, assim, com melhores condições de avaliar qual a melhor
medida a ser tomada e cumprir fielmente o ditame constituição da terceira fase da
individualização da sanção penal.
Da suspensão condicional da pena
Fica prejudicada em razão da substituição, haja vista a redação do art. 77 do CP, a saber: Art.
77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser
suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (...) III - não seja indicada ou cabível a
substituição prevista no artigo 44 deste Código.
Do estado de liberdade da acusada
Diz a nova redação do parágrafo único do art. 387 do CPP que "O juiz decidirá,
fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou
de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser
interposta". No caso em apreço, a acusada está em liberdade e comparecendo aos atos do
processo. Seria um contra-senso prendê-la nessas circunstâncias. E ausente qualquer
fundamento pra a decretação da prisão preventiva, razão pela qual concedo o direito de apelar
em liberdade.
Do quantum mínimo para reparação
Levando em consideração as conseqüências da infração para a pessoa da vítima, isto é, como
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido,
no caso, diante do fato de que a coisa foi restituída, entendo como razoável para uma
reparação mínima o valor de R$ 100,00, à título de danos morais. Há que se observar que tal
valor não impede uma futura ação civil sobre o mesmo fato, apenas descontando-se este
quantitativo do outro porventura fixado. Notifique-se a vítima dessa decisão, para que saiba
que com cópia da sentença poderá executar civilmente a acusada no Juizado Especial,
exigindo o valor acima.
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DISPOSIÇÕES FINAIS
Condeno ao pagamento das custas. Contudo, a acusada é pessoa em situação de patente
pobreza. Por força dos arts. 4º e 12 da lei 1.050/60, suspendo a exequibilidade das custas
processuais. E somente após o trânsito em julgado, promova a Secretaria as seguintes
providências: intime-se a parte acusada, com cópia da Guia de Execução, para
comparecer na 12ª Vara Criminal e dar início ao cumprimento da pena; em relação à
suspensão dos direitos políticos, concordo com os ensinamentos da colega Kenarik Boujikian
Felippe, co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia - AJD - no
sentido de que não ficam atingidos pela condenação em relação capacidade eleitoral ativa (de
votar), mas só passiva (de ser votado), isto porque em se tratando de direitos fundamentais, a
interpretação deva ser a que mais os preserve. A cidadania constitui fundamento da República
(CF, art. 1º, II) e primado do Estado Democrático de Direito. Portanto, a inexigibilidade é a
restrição mais consentânea com os fundamentos da pena e, ao mesmo tempo, do resguardo de
um direito fundamental de tão alta relevância. E aproveito para transcrever parte de uma
sentença dela: Por outro lado é inegável o paradoxo trazido nesse dispositivo constitucional,
pois contraria o ideário de reintegração progressiva do preso à sociedade, visto que cumprindo
pena no regime aberto ou diante da imposição de sanções alternativas, a suspensão dos
direitos políticos impede o apenado de estudar em instituições de ensino público, de prestar
concurso público, obter certidão ou título de eleitor, dificultando a contratação formal pela
iniciativa privada, afrontando o princípio da humanização da pena. Desta forma, com o
trânsito em julgado, oficie-se ao TRE comunicando que não ficam atingidos os direitos
políticos ativos, no que diz respeito ao direito ao voto. Lance-se o nome do réu no rol dos
culpados (art. 393, II); comunique-se ao setor de estatísticas do ITEP; encaminhem-se as
respectivas Guias, devidamente instruídas, ao Juízo das Execuções Penais; comunique-se ao
Distribuidor Criminal, para os fins necessários.

CIÊNCIA DO CONDENADO
NECESSIDADE COMPARECIMENTO DAQUI A 20 DIAS, SOB PENA DE PRISÃO

Eu, IOLANDA (APAGADO), estou ciente de que daqui a vinte dias terá ocorrido o
trânsito em julgado da sentença condenatória e por isso estou cientificado de que deverei
comparecer à Secretaria Judiciária desta Vara para ser orientado sobre o início do
cumprimento da condenação, sob pena da expedição imediata de Mandado de Prisão e
recolhimento a uma Delegacia de Polícia.

Assinatura da acusada:___________________________________

Assinatura do acusado:___________________________________

E como nada mais houve, determinou que fosse encerrado o presente termo que, lido e achado
conforme, vai devidamente assinado. Eu, _______, Técnico Judiciário, digitei e vai assinado
pelas partes e pelo MM. Juiz.

Juiz:_________________________________ MP:__________________________________

Defesa:_______________________________ Acusada:_____________________________

Acusada:_____________________________ Vítima:_______________________________

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