“A ESPIRITUALIDADE é a re-ordenação dos grandes eixos da vida cristã
em função do presente” (G. Gutiérrez)
Hoje não é mais suficiente conceber a “espiritualidade” como assunto de
minorias, como algo na perspectiva individualista ou ligado prevalentemente ao relacionamento pessoal com Deus, a ponto de identificá-la com as assim chamadas práticas de piedade. A espiritualidade vai sendo cada vez menos concebida como cultura de valores individuais orientada para o aperfeiçoamento pessoal; ela deve estar relacionada com a vida toda: projeto ativo e global que nos anima a viver intensamente, em todas as dimensões. Uma espiritualidade vivida no dia-a-dia e comprometida com a realidade social.
A espiritualidade é a dimensão fundamental do ser humano, é aquilo que o
caracteriza e lhe fornece a identidade, sendo exatamente aquilo que consegue unificar a totalidade das suas expres- sões e potencialidades. A espiritualidade abraça tudo, dá significado a cada ação e situação, ao sagrado e ao profano; nada daqui- lo que é humano lhe é estranho. Não é algo de aristocrático e festivo, de solene e ofici- al, mas se veste com as roupas despojadas da vida cotidiana. É a sabedoria que o ser humano pede como dom ao Senhor, para que ela esteja ao seu lado na labuta da vida cotidiana (Sab. 9,5.10). A espiritualidade não é e não pode ser indicação genérica de um modo de viver ou um vago chamado as- cético, mas proposta que abraça todos os aspectos do nosso viver, dando-lhe incon- fundível cor e calor. No dizer de Gustavo Gutiérrez, a espiritualidade é “um modo de ser cristão no mundo”. Ser homem ou mulher “espiritual” é deixar-se guiar a cada dia pelo Espírito de Deus, o Espírito do Ressuscitado, que anima a luta em busca do “novo céu e da nova terra, onde habitará a justiça” (cf. 2 Pd. 3,13). O cristão é chamado a viver no seu dia-a-dia esta mística do amor da forma como Jesus viveu (na família, no trabalho, no descanso, na luta em favor da vida, nos compromissos sociais-eclesiais...). Mística entendida como “motor secreto de todo compromisso, aquele entusiasmo que anima per- nentemente o cristão, aquele fogo interior que alenta as pessoas na monotonia das tarefas cotidianas e, por fim, permite manter a soberania e a serenidade nos equívocos e nos fracassos”. É na realidade diária que cada cristão é chamado a viver em comunhão com Deus, e entrar na dinâmica do Espírito Criador, que o anima no compromisso com o mundo e o leva a transformar as situações de morte em vida, como fez Jesus.
Em resumo: espiritualidade é cultura pessoal dos valores e convicções que
projetam a vida e cada instan- te dela. É abrir espaço à ação do Espírito para que Ele nos expanda, nos alargue e nos impulsione para horizontes novos.