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Cisne Negro: Uma aula cinematográfica de Psicologia

Junguiana

por

Carlos Antonio Fragoso Guimarães

A sombra... elemento fantasmático, região do espaço cuja penumbra é provocada


quando a luz é impedida de fluir por um objeto... a sombra possui os contornos do mesmo
objeto, sendo sua projeção negativa, inevitavelmente ligada a ele... Na psicologia
junguiana, a sombra é a representação arquetípica de tudo o que temos, potenciais bons e
maus, que não reconhecemos como sendo nosso, mas que nos segue onde quer que
vamos e que geralmente projetamos em outras pessoas...

O psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) criou alguns dos conceitos de
psicologia mais populares (apesar da resistência dos freudianos). Conceitos
como “complexos”, indivíduos “introvertidos” e “extrovertidos” e “inconsciente coletivo” são
de sua lavra. Ele também propôs que o comportamento humano possui linhas de
reconhecimento universal e que são transcritas, metaforicamente, nos mitos e contos de
todo o mundo, independente de tempo e cultura. A tendência do desenvolvimento de
capacidades, dificuldades ou a possibilidade de uma clivagem polar que todos temos (bem
e mal, sapiência e demência, etc.) são expressas figuradamente em histórias folclóricas,
mitos, sagas religiosas e contos de fada.

Na história de “O Lago dos Cisnes”, que foi musicada e, assim, imortalizada pelo
compositor russo Piotr Ilich Tchaikovsky (1840-1893), vemos essa polaridade na presença
de Odette, a ingênua e romântica princesa que é transformada em um cisne branco, e
Odile, sua irmã gêmea, a maliciosa, sedutora e malvada rainha dos cisnes, e que é o cisne
negro. Uma e outra personagem são metáforas das polaridades internas extremas e dos
potenciais que todos possuímos, mas que, aqui, se inserem mais na questão do
desenvolvimento da psique feminina. A menina sonhadora que desperta para o desejo, à
competitividade, ao processo de enfrentar desafios. Quanto mais conscientemente uma
dessas polaridades é hipertrofiada, o mesmo ocorre com a outra, mas de modo
inconsciente, o que pode causar um conflito psicológico que, em casos extremos, leva ao
surto psicótico. Esta ocorrência, que Jung tão bem estudou, foi transposta para as telas
em um dos mais notáveis (e raros, dentro do padrão comercial hollywoodiano) filmes dos
últimos tempos: Cisne Negro (Black Swan), de Darren Aronofsky, com a esplêndida
Natalie Portman no papel da, inicialmente, frágil bailarina Nina.

No filme, Nina é uma bailarina dominada pela mãe frustrada e que faz de tudo para
se destacar no corpo de baile. Assim, quando surge a chance de interpretar as gêmeas
opostas de “O Lago dos Cisnes”, Nina se entrega totalmente ao projeto. Super controlada
pela mãe, insegura, emocionalmente reprimida e sem amigos, Nina dedica-se
exclusivamente ao balé, buscando uma perfeição exagerada que se reflete no controle
exacerbado da alimentação e do controle do corpo que ela trata como instrumento – a
única forma de contato mais íntimo (e já sintoma neurótico da alienação que se
estabeleceu entre o desejo consciente de perfeição e repressão dos sentimentos, que
tentam gritar a partir do inconsciente) é a auto-mutilação que ela exerce
inconscientemente sobre si mesma, por arranhões.

Pressionada por seu coreógrafo e diretor Thomas (Vincent Cassel), Nina será
questionada, mais uma vez, a demonstrar suas capacidades, já que sua fragilidade
ingênua - que é perfeita para o papel de Odette - comprometeria a interpretação de
protagonista de “O Lago dos Cisnes”, pois Nina também deve desempenhar o papel da
Rainha dos Cisnes, Odile. Nina, então, é desafiada pela própria vida, pelo seu próprio
mundo, a entrar em um acordo com sua psique polarizada entre a "persona" consciente, o
papel de menininha da mamãe, e a sua sombra: a mulher sedutora, violenta, que ela
reprime no inconsciente. Nina é a atualização contemporânea da figura mítica de
Perséfone: sua mãe é uma Démeter que tenta controlá-la e ver nela a bailaria que não foi
e isso impede o desenvolvimento de Nina. Logo ela terá de enfrentar as forças psíquicas
represadas em si, seu próprio Hades: Nina precisa integrar, reconhecer-se em sua própria
profundidade, sentir seus elementos aparentemente "negativos" se quiser atingir a
perfeição (metáfora da individuação). Ela tem de desempenhar simultaneamente o cisne
branco (símbolo da pureza e ingenuidade) e o cisne negro (metáfora para a malícia,
sensualidade e maldade). Ou seja, Nina teria de unir, na prática, sua própria psique
fraturada entre a “menina” meiga e passiva, cujo quarto é cheio de ursinhos de pelúcia, e a
mulher que é/foi reprimida pela mãe e por ela mesma, Nina. O desafio da individuação,
contudo, não é isento de perigos.

O Cisne Negro é, portanto, o desafio do encontro de Nina com sua própria sombra,
ou, seja, segundo Jung, com todos os elementos que possuímos mas que são reprimidos,
que não reconhecemos como sendo nossos. A questão da projeção interna no meio
externo fica sugerida várias vezes pela presença de espelhos sempre presentes ante Nina.
Sua maior rival no corpo de baile, a sensual e desinibida Lily, papel desempenhado pela
brilhante atriz Mila Kunis, é ao mesmo tempo seu alter-ego, a pessoa que estimula a
eclosão do "Cisne Negro" em Nina. Na verdade, as duas belas bailarinas acabam sendo
expressões de Odile o Odette ao nível da disputa real, embora, na mente conturbada de
Nina, Lily acabe por apresentar traços mais fortes do que realmente possui.

Está claro que Aronofsky em seu filme discorre sobre a fragilidade e o tênue
equilíbrio da mente humana, bem como as forças que se desencadeiam no palco psíquico
quando uma perturbadora ambição a move em busca de um sonho, mas o faz de uma
maneira ao mesmo tempo cruel e poética, o que mexe com a psique da maioria das
pessoas que assistem o filme, atingidas, inconscientemente, pelos elementos expostos e
que repercutem na própria sombra, na própria polaridade consciente/inconsciente, na
dualidade do bem/mal de cada um.

Na busca pela perfeição e na tentativa de provar a Thomas que é capaz de


desempenhar o papel (e, inconscientemente, de integrar e expor seu lado mais selvagem),
Nina é conduzida de tal forma pelo enredo e pela busca da perfeição que não consegue
perceber que isso está liberando todo o seu mundo de elementos reprimidos, que explode
de tal modo que ela já não consegue perceber mais os limites entre sonho e realidade.
Aos poucos, seu destino se sobrepõe ao enredo de “O Lago Dos Cisnes”. A música de
Tchaikovsky, dramática e bela, é quase como uma expressiva contrapartida de sua
metamorfose, elemento sonoro envolvente que "narra" e expressa a tempestade íntima de
Nina, e que é indispensável à trama.

A sombra de Nina, exemplificado pela essência de sua feminilidade, aflora e toma


conta de sua personalidade sem que ela consiga controlá-lo. Dá-se inicio a uma
metamorfose que expressa aquilo que acontece com muitas pessoas que sucumbem à
emergência do material inconsciente pela psicose. No caso de Nina, vemos que tal
emergência conduzirá a protagonista a conflitos que a levam a um destino perturbador e
extraordinariamente poético, apesar de trágico, numa interpretação arrebatadora de
Natalie Portman.

O Filme “Cisne Negro” é uma aula de psicologia e cinema, de poesia dramática e


filosofia, indispensável ao estímulo do pensar sobre a vida.

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