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"A memória crítica como um meio de libertação"

" A memória, ao contrário do que as


pessoas pensam, não recorda. Ela vai
interpretar o que vai se viveu ou o que se
pensa ter recortado..." (Nélida Piñon)

Às vezes temos a ilusão de que podemos reconstituir o que passou com


fidelidade, como se fosse possível viver outra vez os acontecimentos do
passado. Na verdade, conseguimos resgatar elementos que conseguiram
aflorar na superfície do presente. Captamos apenas o que interpretamos
das situações que não mais nos pertencem. Elas restaram embaralhadas
em algum lugar da memória. Talvez não sejam mais necessárias para os
instantes vividos que se transformaram. Ou, ao contrário, diante de um
sinal do presente, associamo-nos com algum fio preso no fundo da alma
que, de forma mágica, se desenrola e vem incorporar o que estamos
vivendo. Muitos pensadores, poetas, escritores já se debruçam sobre este
tema recorrente na história da vida humana, tanto no plano individual
quanto no coletivo. Só de passagem, citamos o exemplo de Marcel Proust
que criou uma concepção do ato de narrar a partir das associações da
memória e dos sentidos, ou ainda os escritores brasileiros Nélida Piñon,
Pedro Nava, entre muitos que escreveram e outros continuam registrando
biografias reais e fictícias, acontecimentos historizados para integrar a
imaginação dos leitores de sempre. Filósofos como Henri Bergson
contribuíram para a apreensão dos fenômenos desencadeadores de
lembranças. Para ele a memória pura está situada no espírito livre, lugar
do sonho e da poesia, contrapondo-se à memória construída pelo hábito
(como podemos estudar em seu livro Matéria e Memória). Outros
estudiosos, dos mais diferentes campos do conhecimento, apresentaram
reflexões sobre esta faculdade humana, como o sociólogo Maurice
Halbwachs, que considera a lembrança como a sobrevivência do passado.
A teoria psicossocial por ele desenvolvida ressalta as relações entre a
memória e a história pública (nas obras: A Memória Coletiva e Quadros
Sociais da Memória, principalmente). Vivemos um momento histórico em
que se tornou comum a tendência ao esquecimento. Mesmo se apenas
interpretarmos o passado, ou se impossibilidade de revivê-lo não nos
impressiona mais, é preciso aprender a preservar os significados dos
sinais que restaram ou correremos o perigo de perder a nossa identidade
como pessoas, como parte da humanidade considerada como a ser elos
de uma corrente que foi cortada, ramos solitários de uma árvore sem
raízes. Iniciaremos o caminho da morte coletiva. Para o escritor italiano
Umberto Eco, a memória sociocultural tem por função filtrar os
acontecimentos, selecionando-os de acordo com suas relações com
atividade de vida imediata. Este filtro, entretanto, pode se transformar em
censura, ou em interpretações interesseiras, como no caso do que
consideram "politicamente correto" (para situar valores identificados como
o modelo norte-americano hegemônico). Surge a interferência dos poderes
controladores do imaginário coletivo cuja força, a cada dia, aumenta a
concorrer com os fundamentos naturais dos valores de uma coletiva, com
as raízes de nossa história mais profunda. Por esta razão, necessitamos
fazer uma tiragem urgente, para resgatar as interpretações e filtragens que
conservam as sinais das fontes que nos geraram como pessoas e
cidadãos. Os monumentos, os documentos, as histórias contadas por
nossos antepassados e que foram passando por antigas gerações e
chegaram até nós ainda não se perderam no esquecimento. Embora
precários constituem-se na nossa salvação, mesmo selecionando sempre,
pois é preciso isolar o que realmente importa para cada civilização, para
cada pessoa e para a coletividade. Devemos cuidar também do entulho
em nossa mente e em nosso espírito causado pelo excesso de
informação, que pode confundir nossos valores. Não podemos perder de
vista nossos pontos de referência. Num mundo globalizado de modo
caótico acabaremos desaparecendo, tanto como seres individuais
(segundo Jung), quando como cidadãos brasileiros integrados no todo. É
importante ter consciência de nossa parte. Só o cuidado com a
preservação da capacidade de preservar a construção da memória crítica,
em todos os sentidos, nos libertará.

Terezinha Tagé Jornal A Tribuna, Caderno Galeria F3, 12 de setembro de


1999, Santos - SP.

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