Vous êtes sur la page 1sur 89

JANAÍNA MARINA ROSSI

SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE LÉSBICA: VISIBILIDADE E ESTRATÉGIAS


DE RECONHECIMENTO

CURITIBA
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
JANAÍNA MARINA ROSSI

IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE LÉSBICA: VISIBILIDADE E ESTRATÉGIAS


DE RECONHECIMENTO

Monografia apresentada para


conclusão do Curso de Psicologia da
Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Marcio Ferraciolli

Co-orientadora: Profª Marcia Cristina G.


Oliveira Frassão

CURITIBA

2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE LÉSBICA: VISIBILIDADE E ESTRATÉGIAS


DE RECONHECIMENTO

__________________________________
VISTO DO PROFº. ORIENTADOR
__________________________________
VISTO DA ACADÊMICA

CURITIBA
2010
AGRADECIMENTOS

Agradeço às mulheres que me inspiraram e alimentaram minha rebeldia, dando


memórias de resistências que, quando buscava para mim e para as demais
mulheres uma memória própria numa história repleta de guerras, genocídios,
invasões, violações, destruição ambiental e de povos inteiros, forneceram uma
outra narrativa e outra possibilidade de imaginar o mundo.

Agradeço às produções intelectuais e artísticas de mulheres que me forneceram


outras imagens possíveis, outros modos de ser, quando o mundo me refletia
imagens de passividade, imagens pornoficadas, violentadas, assassinadas,
silenciadas, enquanto os livros omitiam nossos nomes, criações, cultura.

Agradeço a existência de tantas irmãs que não sabemos os nomes, que


resistiram, lutaram e se rebelaram contra a ordem heteropatriarcal.

Às teóricas do feminismo radical, lésbico, tercermundista, pós-colonial, latino-


americano, materialista, ecofeminista, separatista, cultural, anticapitalista,
anarquista, socialista, popular, por nos fornecerem diálogos e perspectivas.

Agradeço às mulheres nas artes, literatura, cinema, fotografia, produzindo um


novo Simbólico e um novo Imaginário, destruindo as representações patriarcais.

Às filósofas, artistas, poetas, escritoras, na música, cujos pensamentos, imagens,


palavras vibram, encantam ou confortam: Simone de Beauvoir, Adrienne Rich,
Monique Wittig, Sheila Jeffreys, Catherine Mackinnon, Cheryl Clarke, Audre
Lorde, Angela Davis, Virginia Woolf, Vanessa Bell, Marie de Laurencin, Mary
Wollstonecraft, Flora Tristan, Safo de Lesbos, Reneé Vivien, Alexandra Kollontai,
Gloria Anzaldúa, Sylvia Plath, Alice Walker, Barbara Kruger, Marguerite
Yourcenar, Isadora Duncan, Andrea Dworkin, Emma Goldman, Carol Adams,
Germaine Greer, Tracy Chapman, Kathleen Hanna, Mercedes Sosa.

Agradeço às pessoas que estiveram me apoiando em relação à pesquisa, me


estimulando para continuar com as coisas que acredito. À orientadora Márcia
Frassão, pelo apoio e disponibilidade, o orientador Márcio Ferraciolli por acolher a
proposta desta pesquisa, à todas feministas e amigas com quem venho trocando
e me inspirando.
―Eu amo a doçura do mundo – o amor me concedeu a luz
resplandescente e a beleza do sol‖.

Safo de Lesbos

―Nós somos fugitivas de nossa própria classe da mesma maneira


que muitos escravos americanos fizeram para escapar da
escravidão e se tornar livres. Para nós trata-se de uma
necessidade absoluta; nossa sobrevivência exige que
contribuamos com toda nossa força para a destruição da classe
de mulheres que se tornam propriedade dos homens. E isso pode
ser alcançado somente com a destruição da heterossexualidade
como um sistema social que se baseia na opressão das mulheres
pelos homens e que produz a doutrina da diferença entre os sexos
como justificativa para essa opressão‖.

Monique Wittig
RESUMO

À luz dos conceitos da Psicologia Sócio-Histórica e das noções de um sujeito


mediado pelos signos sociais, produto e produtor de suas condições materiais,
busca-se entender como se produzem os significados sobre as existências
lésbicas e como isso organiza a articulação das identidades lésbicas enquanto
subjetividades produzidas em um contexto de dominação masculina. Partindo do
método materialista histórico-dialético, foram realizadas entrevistas com esta
população de modo a melhor compreender como se dá a construção de suas
subjetividades. Às entrevistas seguiu-se a transcrição e reflexão sobre os
conteúdos discursivos colhidos nas falas, por meio de construções de categorias
como Processo Identitário, Heteronormatividade, Relacionamentos Sociais, sendo
refletidas também junto à literatura feminista e dos estudos de gênero. Entendeu-
se que as identidades lésbicas são construídas enquanto estratégias subjetivas e
coletivas de resistência e de organização de sentidos alternativos às lógicas
heterocentradas, e que a invisibilidade é resultante das violências e ameaças das
quais são alvos, por suas existências representarem uma lógica contra-
hegemônica ameaçadora para a ordem heterossexista.

Palavras-chaves: Lésbicas; Invisibilidade; Subjetividade; Identidade;


Heteronormatividade; Violência; Gênero.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 1

CAPÍTULO I. O CONCEITO DE SUBJETIVIDADE

1.1. A subjetividade e sujeito na Psicologia Sócio-Histórica................................... 7

CAPÍTULO II. IDENTIDADE, SEXUALIDADE E INVISIBILIDADE

2.1. As identidades e dissidências sexuais……………………………………..……15

2.2. A Invisibilidade como condição de subjetivação das lésbicas....................... 25

CAPÍTULO III. DISCURSOS LÉSBICOS

3.1. As entrevistas e entrevistadas....................................................................... 30

3.2. Reflexão sobre os depoimentos…...………………………………………..……32

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 59

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 67

6. ANEXOS............................................................................................................75
1

INTRODUÇÃO

Mulheres que amaram, se relacionaram, viveram e desejaram mulheres


sempre existiram, em todos os tempos e em todas as sociedades. Foram poetas,
mães, amantes, revolucionárias, artistas, escritoras, cientistas, advogadas,
esportistas. Casaram ou resistiram ao casamento, eram as ―solteironas‖, a tia
reservada dedicava mais à sua vida pessoal que à constituição de uma família, a
jovem ativa e inconformada em busca de liberdade. As amigas que viviam juntas
e se apoiavam financeiramente em tempos que o acesso ao trabalho para
mulheres era restrito, os casais de butch e femme1 em que uma, em trajes
masculinos, faziam passarem-se por um casal heterossexual. No Brasil colonial,
temos registros de penalidades impostas aos romances mantidos entre senhoras
e escravas (SWAIN, 2000, p. 48). Estavam em romances secretos que não temos
notícias e mal suspeitamos, entre os nomes da história: Anna Freud, filha do
criador da Psicanálise, a poeta Emily Dickinson, a atriz Greta Garbo e tantas
outras. Também as jovens que, quando adolescentes, eram amigas dedicadas,
que trocavam cartas e prometiam que não iriam se separar, até que a sociedade
as fazia ―mulheres‖ e um homem, um casamento ou a idade adulta com suas
exigências para as mulheres acabasse por separar as duas. Onde estão esses
registros? Onde a História nos fala das lésbicas?

A História, escrita por homens, possui um grande silêncio sobre as


mulheres, e não seria diferente quanto às relações entre estas. As grandes
narrativas são compostas dos feitos pretensamente heróicos de homens em
guerras ou conquistas, é a ―História do Homem‖ como ilustram muitos livros,
termo que se vem a designar a ―Humanidade‖.2

1
Termo utilizado para designar lésbicas que vivem identidades onde uma se apresenta com
aspecto mais masculinizado e outra, mais feminilizado, o que não necessariamente significa ou
implica na reprodução de papéis sexuais de gênero ou em papéis eróticos de atividade e
passividade. É um tipo de identidade lésbica com sua própria história, e entendê-la como uma
―réplica da heterossexualidade‖ resulta simplista e reforça a a heterossexualidade enquanto o
modelo legítimo de existência da qual as demais variam.
2
Montserrat Moreno, autora de ―Como se ensina a ser menina: O sexismo na escola‖ (Editora
Moderna, São Paulo: 1999) denuncia o androcentrismo das narrativas contidas nos livros de
história, onde se lêem frases como "Os agricultores subiram até à bacia do Elba..." e "Os
camponeses europeus começaram então a contralar os cereais espontâneos..., mesmo tendo sido
a agricultura descoberta por mulheres. Além de não deixarem nenhum vestígio que informe sobre
as atividades que mulheres desempenharam ao longo do tempo, transmitem uma idéia de que a
2

E no presente, onde estão as lésbicas nos veículos de comunicação, nos


filmes, na indústria musical, nas ruas, nos livros? Que censura é essa que
envolve o tema? ―Um clima de mistério e silêncio envolve as relações entre
mulheres; quando se ouve falar é em voz baixa, um ar de desprezo, ou de
espanto‖ (SWAIN: 2000 pg. 11).

São histórias que não sabemos. Histórias que imaginamos. Histórias que
contamos, e re-contamos. Histórias oficiais que questionamos. História que
buscamos, nos registros possíveis, nos relatos perdidos. Histórias que
guardamos, e guardadas por muitas, em silêncio. História que lembramos.
Histórias que resgatamos.

Swain (2000, pg. 37) chama a destruição da memória, registros e a inibição


e perseguição de referências à vida lésbica de ―Política do Esquecimento‖, que
consiste em apagar as possibilidades que perturbem a ordem do discurso social
dominante, de forma a também apagar o conhecimento da multiplicidade das
relações humanas. Esse é o efeito quando não se menciona: ―Não se fala, logo
não existe‖ (pg. 19), e assim, o que a História não diz, não existiu.

Segundo Rich (1983, pg. 265):

...muito antes que existisse ou pudesse existir qualquer


classe de movimento feminista, existiam as lésbicas,
mulheres que amavam a outras mulheres, que se
recusavam a cumprir com o comportamento esperado delas,
que se recusavam se definirem a si mesmas em relação aos
homens. Aquelas mulheres, nossas passadas, milhares,
cujos nomes não conhecemos, foram torturadas e
queimadas como bruxas, perseguidas pelas religiões e mais
tarde destruída nas fogueiras da ciência.

As reflexões da autora nos fazem pensar sobre a necessidade imposta,


devido à dificuldade desses registros - já que mulheres tão insubmissas não

história só foi feita por homens, e que só os parâmetros socialmente construídos do masculino que
são legítimos de ganharem suas páginas. Isso faria parte da transmissão de um currículo oculto,
androcêntrico, que apaga a emergência de outros valores que não os associados com a
competição e mortes.
3

poderiam ser percebidas sob o risco de verem ameaçadas suas liberdades, algo
ainda proibido ao feminino - de imaginar, de conseguir imaginar a história das
mulheres, a história das lésbicas, arriscar duvidar ou de ter certezas, “Será que
ela é /era?”.

Logicamente, elas tiveram muitos nomes, em diferentes tempos. ―Sáficas‖


em recordação à poetisa que fundou a escola de Vênus em Lesbos 3, ―uranianas‖
no século IX, dentro dos movimentos pelo voto feminino, qualificadas de
―invertidas‖ na literatura psicológica e sexológica do final deste mesmo século
junto às perversões, ―tribadistas‖4 em alusão às suas práticas sexuais
―estranhamente‖ não falocêntricas. Também, ―celibatárias‖ (solteiras), para
designar as mulheres não-casadas inseridas nos contextos de trabalho durante a
Revolução Industrial, e porque queria se ignorar a sexualidade feminina.

Hoje são entendidas, machonas, fanchas, sandalinhas, uvas,


5
caminhoneiras, bofinhos, ladies, femininas, masculinas. Sapatões, butch,
femme6, andróginas, tortilleras, bolleras, lesbianas7, tomboys8, trucker9,
estranhas, diferentes, rockeiras, rebeldes. São muitas. Às vezes se diz com todas
as letras, noutras já está subentendido. E em outras tantas se faz questão de re-
afirmar. Lésbicas! E que soe ofensivo.

A necessidade da pesquisa em lésbicas foi também motivada pela


escassez de pesquisa e literatura na área, principalmente em Psicologia, num
contexto que produz desassistência à lésbicas no campo da saúde e de violação
de direitos humanos. O Artigo 2º do Código de Ética Profissional do Psicólogo,
aprovada pela resolução CFP Nº 010 /5 veda ao psicólogo ―praticar ou ser

3
Safo de Lesbos, poetisa grega nascida entre 630 e 612 a.C., fundou uma escola só para
mulheres e teve grande prestígio em seu tempo, mas de sua obra só restaram poucos fragmentos,
destruídos gande parte durante a Idade Média.
4
Tribadismo seria traduzido equivalente a ―friccionistas‖, forma de caracterizar as práticas sexuais
lésbicas no século IX, assim como algumas vezes, suas identidades. Por apresentar um risco à
economia de prazer hetero e falocêntrica(FLORES, 2006), acabou desaparecendo na sexologia
emergente no século XX .
5
Alguns termos brasileiros para ―lésbicas‖.
6
Os dois últimos, como explicado anteriormente, termos para definir os casais de lésbicas em que
uma é masculina e outra feminina.
7
Os três últimos, termos em espanhol para lésbicas.
8
Tomboy seria um termo em inglês para as meninas que na infância, tem preferência por roupas,
atividades, e companhias de garotos.
9
Termo em inglês para caminhoneira.
4

conveniente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação,


exploração, violência, crueldade ou opressão‖. Porém, sendo o sexismo
institucionalizado na Psicologia, é preciso também a promoção da discussão e a
capacitação profissional.

A falta de produções acadêmicas na área de Psicologia sobre o assunto


pode ser vista tanto como resultado da invisibilidade, quanto também da noção de
que as identidades e políticas de diversidade são suficientes e inclusivas10 idéia
que reflete a noção de que a mulher é um duplo inferior do homem e de que o
masculino é universal. Na verdade o que predomina são as demandas e a visão
dos homens gays, e isso produz a necessidade de uma fala própria

Como socialmente, as mulheres não possuem importância e valor, a


invisibilidade e a falta de dizeres sobre a vida de mulheres, seus corpos, sua
sexualidade pode também ser reprodução dessa definição da mulher como o
―Outro Sexo‖11, complementar e secundário. Isso são fatores importantes
também, no entendimento seja da falta de pesquisa sobre as questões lésbicas,
seja do menor incentivo à estas e aos movimentos e políticas específicas
lésbicas, que não recebem o mesmo apoio que as políticas gays e de mulheres
heterossexuais.

Cabe perguntar, a que ponto essa invisibilidade não produz exclusão e


vulnerabilização das lésbicas no campo da Saúde, e no caso, no campo da Saúde
Mental como parte constitutiva da Saúde Integral (concebida não dentro do
modelo normativo de Saúde mas num modelo crítico), assim como a sua não
plena representação na sociedade

O objetivo deste estudo foi, portanto, entender as condições de


subjetivação das lésbicas numa sociedade heteropatriarcal, assim como a

10
Embora sejam tópicos sumamente interessantes e tenham aparecido excelentes trabalhos,
conheço muitas lésbicas que preferiram se dedicar a estudos de gênero ou queer que à estudos
lésbicos e feministas, assim como escrever sobre Homofobia, Casamento Gay, Transexualidade,
do que escreverem sobre si mesmas. Será que a identidade inclusiva é confortável pela menor
exposição?
11
Termo desenvolvido por Simone de Beauvoir, em seu livro ―O Segundo Sexo‖ de 1949, onde
argumenta que a mulher foi construída como um ―Outro‖ fundamental, sempre relativo e
legitimador do Homem (sujeito masculino) e primeiro tipo de desigualdade social, uma alteridade
primordial, variedade mal-feita do Homem, encarnada na feminilidade que seria produto das
representações produzidas pela classe masculina sobre as mulheres.
5

produção das identidades lésbicas e dos significados atribuídos à suas


existências. Entender as condições que subjetivam os sujeitos lésbicos pode
desvelar muito dos enigmas que circundam essas existências, retirar esse
assunto do domínio do silêncio e da ambiguidade, e esclarescer uma intervenção
em Psicologia que tem por objeto as subjetividades, entender os fenômenos à ela
relacionados, como por exemplo na compreensão das condições geradoras de
sofrimento psíquico, para assim pensar uma atuação em promoção de Saúde,
onde esta não pode ser pensada possível sem transformação das Instituições
presentes.

Ao realizar a escuta disso que é ininteligível (Butler, 1999) e inefável (Rich,


1976) e fazer serem escutadas as individualidades que foram, como neste caso,
apagadas, silenciadas ou negadas em sua humanidade, também se redefine o
próprio psicólogo enquanto ator social, e a pesquisa se torna um meio de inserção
na realidade das populações e promoção do conhecimento público sobre estas,
articulando também processos de grupo potencialmente transformadores nos
sujeitos trabalhados.

A abordagem metodológica escolhida foi a Psicologia Sócio-Histórica, por


consistir numa perspectiva que busca na materialidade das relações sociais
concretas enquanto unidade dialética com os sujeitos que a constituem e por ela
são constituídas os recursos para compreensão da produção das subjetividades,
superando os enfoques das Psicologias clássicas empíricas e clínicas que dirigem
sua atividade na busca de uma essencia verdadeira no interior dos fenômenos
estudados, descontextualizando das determinações materiais. Também, por ser
uma disciplina que permite a crítica da Ideologia no conhecimento, colocando este
como produto da relação pesquisador-comunidade, uma relação necessariamente
de intersubjetividade. Assim, a pesquisa enquanto atividade humana histórica
pode ser um instrumento que, produzindo conhecimento, contribua na superação
da alienação e das condições de injustiça social presentes.

Essa perspectiva permite a inserção da pesquisa em Psicologia e da


atuação do Psicólogo em um outro enfoque: o do compromisso social, e os
psicólogos enquanto novos atores inseridos nos movimentos sociais, na
formulação de políticas públicas, na produção de saberes sobre comunidades e
6

constituição de subjetividades e identidades. Uma atuação que fomente relações


mais dialógicas e olhares não individualizantes, participando na Saúde Coletiva,
de forma transformadora.

Os capítulos que seguem foram organizados em três os que trazem o


desenvolvimento do trabalho, sendo respectivamente, os capítulos ―O Conceito de
Subjetividade‖, ―Identidade, Sexualidade e Invisibilidade‖ e o capítulo ―Discursos
Lésbicos‖.

Num primeiro momento representado pelo capítulo I se percorre a literatura


Sócio-Histórica sobre subjetividade, sujeito e ciência, seu debate metodológico e
as alternativas trazidas pela revolução epistemológica do materialismo. O
segundo capítulo traz uma revisão de literatura com os principais debates no
campo das teorias feministas e estudos de sexualidade, sendo composto por dois
capítulos. O Capítulo III explica os procedimentos utilizados durante a pesquisa,
com a realização de entrevistas com lésbicas e análise dos seus discursos por
meio da construção de categorias retiradas dos relatos, com base no referencial
sócio-histórico e feminista que constituíram-se em apoio teórico por meio dos
quais, dialeticamente, se produziu uma reflexão e construção de um
conhecimento.
7

CAPÍTULO I. O CONCEITO DE SUBJETIVIDADE, SEXUALIDADE E

IDENTIDADE:

1.1. A subjetividade e sujeito na Psicologia Sócio-Histórica

A subjetividade enquanto categoria científica se viu por muito tempo dentro


de longos debates e problematizações acerca de seu estatuto científico e de
objetividade. Na Psicologia, desde as psicologias cognitivistas, funcionalistas,
behavioristas ou na psicanálise foi caracterizada segundo diferentes prismas
teóricos e metodológicos, o que resultou, muitas vezes, na descontextualização
promovida pela separação entre os aspectos subjetivos e objetivos, assim como a
não-superação dessa dicotomia (MOLON, 2003).

Essas Psicologias se desenvolveram no contexto dos Estados Modernos,


cujo surgimento tem por marco a Revolução Francesa que é utilizada como
paradigma para compreender uma série de processos ocorridos na História
Ocidental a partir da segunda metade do século XV. Esse contexto foi marcado
pela ascenção de um capitalismo mercantil e da burguesia como classe de poder,
assim como o surgimento da ideologia Liberal, que se anuncia já com o
Renascimento Comercial e Filosófico após a Idade Média, no século XIII.12

A ideologia Liberal respaldou e legitimou esse processo, tendo por base


uma concepção contratualista de sociedade (BERNARDES, 2007). Assim, o ser
humano seria livre e determinado apenas pela sua razão. Cria-se a ilusão de um
sujeito autônomo e que determina suas próprias condições (GONÇALVES, 2001).
13
Por pensar, é livre, pode escolher. Por serem todos iguais, os ―Homens‖ são
todos também supostamente livres nas relações que estabelecem, liberdade
assegurada pelo Estado que representaria o bem comum. Isso oculta a

12
Períodos investigados com pesquisa na internet.
13
É o discurso utilizado, afinal a Revolução Francesa produziu a ―Declaração dos Direitos do
Homem e Cidadão‖, e assim como na Grécia Antiga, a característica de ser homem é a
característica de ser cidadão e humano, ou seja: não-mulher, não-criança e não-escravo, nascido
na cidade e não imigrante, explicando porque até hoje se utiliza o termo ―Homem‖ em lugar de
―Sujeito‖, ―Ser humano‖, etc, e seu caráter inerente de exclusão de diversos grupos sociais. O
termo ―Homem‖, portanto, não vem a ser representativo do universal, mas sim invisibilizador de
muitas categorias que não são contempladas nesse conceito. Deixo minha crítica a forma como
essa categoria é utilizada muitas vezes nos textos dos autores da Sócio-Histórica, que acabam por
não questionar a reprodução do androcentrismo nele.
8

contradição de classe inerente a essa sociedade, e de que o Estado representaria


os interesses da Burguesia, e não da população. Isso ajudou também na
justificação e naturalização das classes sociais e da injustiça social.

Na Psicologia, essa herança se dá pelo olhar individualizado que se tem


seja ao sujeito, seja ao fenômeno psicológico a ser estudado, ou até mesmo na
própria consideração do que seja o fenômeno psicológico, e, portanto, na
predominância da ênfase clínico-individualista (BERNARDES, 2007), na qual
surgem conceitos como comportamento, personalidade, mente. Esses conceitos
podem ser vistos como expressões de uma compreensão de sujeito e de
fenômeno psicológico concebidos tanto numa padronização a partir da qual a
singularidade é ouvida quanto como objetos herméticamente isolados de
influências externas, estudados com os métodos das ciências naturais, numa
perspectiva Positivista.14

Isso deu origem à uma ―Crise da Psicologia‖ (MOLON, 2003), identificada


por Vygotski em 1927, que para o autor, de orientação marxista, se tratava de
uma crise metodológica, só sendo passível de superação pela construção de um
outro método em Psicologia que levasse a Historicidade como critério
fundamental.

Esse método seria o método dialético, em que a dimensão social e


histórica do fenômeno é objeto maior de atenção. Vygotsky também criticou a
subjetividade construída pelas ciências idealistas, que não apresentando nenhum
sustentáculo na materialidade, não compareceria senão como uma construção
ideológica. Assim, Vygotsky denunciou a presença da Ideologia nas ciências.

Martín-Baró (1999) igualmente apontou a Psicologia como atravessada por


determinantes políticos da sociedade, também questionando a neutralidade
presumida nas práticas de Psicologia até então como sendo práticas ideológicas
em si. Definindo Ideologia, disse que esta não deveria ser entendida como algo
externo que é atrelado à ação de forma consciente, mas um elemento essencial
da própria ação humana já que toda ação humana se constitui em referência a

14
Movimento filosófico que se baseou nas idéias de Augusto Comte (1798-1857), influenciando as
Ciências, onde seria possível construir um conhecimento preciso e real através da experiência
sensível (empírica).
9

uma realidade já significada. Esses significados estão dados por uma


superestrutura institucional prévia, que vem a justificar relações de dominação e
as classes sociais. Parafraseando Marx, Martín-Baró define a Ideologia como uma
falsa consciência encobrindo uma realidade permeada por interesses de um
grupo dominante, dando uma interpretação da realidade produzida por esse grupo
e legitimando essa ordem como válida para todos. É também por meio da
ideologia que as forças sociais se convertem em formas concretas de viver,
pensar e sentir, e portanto, se convertem na própria subjetividade individual, que
desta forma também atua como elemento importante na garantia da reprodução
dessas mesmas relações de dominação. Ter consciência disso faz com que,
segundo Baró, a explicação não deva ser buscada no indivíduo, como foi feito nas
Psicologias Clássicas, mas na sociedade . Baró por fim conclui que as Psicologias
até então vieram representando os pontos de vista do dominador.

Assim, com a denúncia da Ideologia na produção do Conhecimento, temos


que o sujeito tomado como objeto de uma ciência não pode ser estudado como
coisa, com funcionamento lógico, a ser descoberto em sua essência íntima e
verdadeira, como fizeram as Ciências Naturais. O ser humano é um ser
constituido e imerso num simbólico, portanto em seu estudo encontram-se signos
e se trata de entender seus significados (BAKHTIN,1985, p. 305 apud FREITAS,
2002). Nunca se conhece o objeto em si e nem a materialidade em si, só é
possível conhecer alguns signos do objeto (MOLON, 2003).

Pois o saber não está no objeto, mas na relação deste com o signo. ―A
própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a
encarnação material dos signos‖ (BAKHTIN, 1988, p. 33 apud FREITAS, 2002, p.
23).

Esta foi a revolução representada pelo materialismo, resgatado por Marx e


outros teóricos do socialismo no século XIX, ao mostrar a realidade em seu
caráter dialético, em constante transformação, o que a torna Histórica pela
atividade humana que produz também os significados e sentidos dados a ela. Na
Ciência, vai desconstruir a ilusão de certeza que produz, pois as Idéias são
também produtos da atividade humana histórica e social. Como diz Horkheimer
(1990), da matéria ela mesma não se retiram normas para a vida. Ela não possui
10

sentido em si mesma, e assim sendo, o retorno ao materialismo pela teoria


econômica e política de Marx se constituiu em uma reação ao Idealismo que
fundamentara as ciências até então,que buscavam explicações universais para a
totalidade da existência em fontes espirituais ou em um Deus.

Isso demonstrou que todo esforço do Idealismo até então foi a justificação
das condições materiais presentes, e na Filosofia e Ciência, quebrou a ilusão
gerada pelo positivismo, que não permitia compreender que os próprios
enunciados deste eram em si ideológicos e longe de serem completamente
neutros. O materialismo acusou a ideologia na ciência e criticou os sistemas de
verdade produzidos nela, por compreender que o conhecimento possuia uma
característica de infinitude, sendo uma relação intersubjetiva sujeito-objeto
mediada por signos e não passando da produção de significados nessa relação.
Pois a cada nova relação se produz novas construções sobre o fenômeno, já que
o sujeito, irrevogável participante nessa relação é ele mesmo constituído na e
pela linguagem. As significações não pertencem nem à ordem das coisas nem à
das representações, mas à ordem da intersubjetividade que, ao mesmo tempo
que é por elas constituída, é constituinte de toda subjetividade (MOLON, 2003).
Logo, a própria produção do conhecimento e a Ciência é humana, pois a Ciência
é uma atividade humana e é inevitavelmente mediada pela subjetividade.

No modelo da Psicologia Sócio-Histórica a relação entre objetividade e


subjetividade é entendida como uma unidade de contrários, dialética, em
movimento e transformação constante, superando em grande medida essa
dicotomia por colocar a relação entre esses dois componentes (GOLÇALVES,
2001).

Na Psicologia Sócio-Histórica, a categoria subjetividade é tomada


simultaneamente como experiência humana, signo e conceito teórico, também
pode mostrar a relação entre a base material e a produção de idéias no
movimento histórico. Como experiência humana, a subjetividade se modifica, e
aparece de diferentes formas ao longo da história humana. Como signo, designa
essa experiência, modificando-se juntamente com ela, e ao mesmo tempo,
permitindo expressão dessa experiência e transformando-a. E aparece como
conceito da Psicologia, que representa a idéia do conjunto de experiências do
11

sujeito (BERNARDES, 2007). O objetivo e o subjetivo são, pois, experiências


historicamente constituídas, e seus surgimentos como conceitos permite o avanço
na compreensão do ser humano sobre si mesmo, e da possibilidade de conhecer
e agir sobre esse mundo. Da mesma forma, diferentemente dos essencialismos, o
saber não está no objeto, mas na relação do signo com o objeto, e a palavra, que
media essa interação, é signo por excelência (GONÇALVES, 2001).

Na definição materialista de sujeito para a Psicologia Sócio-Histórica, o ser


humano é social e histórico. Não é totalmente individual, mas sim coletivo,
determinado pela realidade material e histórica, mas também determinante desta
realidade. Na Psicologia, essa visão procura entender o sujeito e a subjetividade
dentro das condições históricas em que se encontra, e como produto dessa
História.

O sujeito na Sócio-Histórica é também manifestação grupal e social,


quando se estuda um sujeito e seus discursos, se estuda também a sociedade
em que ele vive (LANE, 1984), pois ele é uma concreção desta. A construção
subjetiva individual se dá através do processo de apropriação do significado social
e da atribuição de sentidos pessoais, e a subjetividade é constituída através de
mediações sociais, das mediações dos signos, sendo portanto uma construção
compartilhada. Esse caráter compartilhado dos significados produzidos pela
atividade humana permite compreender como é possível o surgimento das
identidades sociais.

Ciampa (1993, p.67) diz sobre identidade:

Em cada momento da minha existência, embora eu seja uma


totalidade, manifesta-se uma parte de mim como desdobramento
das múltiplas determinações a que estou sujeito.[…]Nem eu
compareço frente aos outros apenas como portador de um único
papel, mas sim como representante de mim, com todas as minhas
determinações que me tornam indivíduo concreto. (…) Este jogo
de reflexões múltiplas que estrutura as relações sociais é mantida
pela atividade dos individuos, de tal forma que é lícito dizer que as
identidades, no seu conjunto, refletem a estrutura social ao
12

mesmo tempo que reagem sobre ela conservando ou


transformando.

Assim, as identidades só são possíveis pelas mediações sociais, pela


produção coletiva de significados de uma existência. Também, a identidade não
se constituem em essências a-históricas e dadas, mas sim num processo social
de aquisição dos significados sociais e representações.

A atividade humana histórica, quando alienada, se presta a reproduzir e


garantir uma ordem social hegemônica, mas sendo essa atividade histórica, ela
produz sentidos e afetam a totalidade social. ―A ação do sujeito transforma o
sujeito e o próprio objeto‖ (GONÇALVES, 2001b, apud GONÇALVES, 2003), e
assim que é essa mesma atividade histórica a possibilidade de superação das
relações de alienação.

Nos processos sociais-políticos vividos pelos grupos, emergem identidades


que reunem sujeitos sob experiências, vivências e condições comuns. São
identidades culturais, resultantes de arranjos sociais ―múltiplos, instáveis e
subordinados de uma construção política‖ (FURLANI, 2005), possuindo um
caráter político e construído, com representações e significados próprios, criando
formas de sociabilidade e estabelecendo campos de negociação e disputa de
novos significados culturais e contestação de modelos excludentes ou
autoritários.

Essas identidades vieram a compôr na metade do século XX os novos


movimentos sociais, de outras categorias oprimidas e produzidas pelas
contradições da sociedade de classe, racial e sexista, onde esses elementos
assim designados formam uma experiência muitas vezes simultânea e
indissociável para esses indivíduos. Foi o que se chamou de ―Políticas de
Identidades‖, baseadas na idéia de uma experiência comum de opressão que
caracterizaria esses grupos, e que se movimentam politicamente enquanto
―mulheres‖, ―negras‖, ―gays‖, ―lésbicas‖, ―indígenas‖, ―imigrantes‖.15

15
―Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente mais radical deve se basear
diretamente na nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente.
No caso das negras, esse conceito é especialmente repugnante, perigoso e ameaçador, e
portanto, revolucionário porque é óbvio ao ver todos movimentos políticos antecedentes ao nosso
13

As identidades podem ser compreendidas dentro de uma perspectiva


sócio-histórica como uma expressão do fenômeno da subjetividade. São
processos coletivos e culturais que se dão na experiência individual, e que
necessariamente movimentam em si processos políticos, gerados pela
contradição intrínseca (sendo a identidade constituída na relação com o social
com seus determinantes econômicos, culturais e sociais) e pelo seu caráter
histórico. As identidades só são possíveis nas relações sociais de dominação que
geram classes e categorias sociais diferenciadas. Assim, os processos
identitários, sendo políticos e coletivos, constituem uma das mediações
significantes a ser utilizadas pelos sujeitos na superação coletiva e individual da
alienação das relações de produção e organização da existência simbólica e
material em que se encontram.

O questionamento epistemológico proposto pela Psicologia Sócio-Histórica


foi resultado de uma crise, em que os papéis tradicionais do Psicologo ligados ao
modelo clínico e empírico revelam uma insuficiência metodológica e interventiva.
Então, a própria Psicologia é revelada enquanto uma instituição que se presta a
garantir o funcionamento das demais Instituições da sociedade, nos âmbitos
escolar, familiar, sexual e do trabalho, visando à adaptação dos sujeitos para sua
melhor produtividade e reprodução social, estabelecendo modelos do que seja
Saúde de acordo com as demandas do sistema capitalista: corpos produtivos,
disciplinados, dóceis, são os corpos ―normais‖ (FOUCAULT, 1987).

A mudança do papel do Psicólogo apontou para outras possibilidades de


inserção, seja nos movimentos sociais, na elaboração de Políticas Públicas, ou na
Saúde Coletiva (BERNARDES, 2007), e portanto, na compreensão dos
fenômenos identitários e de grupo, assim como uma ação mais participativa
nesses processos.

A Psicologia Sócio-Histórica pode fornecer bons recursos teóricos e


perspectivas de prática que orientem a relação com o objeto das subjetividades e
grupos organizados em torno de uma identidade compartilhada, ao possibilitar

que neles qualquer pessoa merece a libertação mais que nós. Recusamos pedestais, ser rainhas,
e ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é
suficiente‖ (Uma declaração Feminista Negra – Coletiva do Rio Combahee. Tradução nossa).
14

compreender as identidades enquanto processos mediados por signos, e


portanto, pela linguagem, constitutiva do humano e de cada individualidade,
signos que não podem ser entendendidos nem fazem sentido existirem sem
referência a uma base material. Também olhar as identidades como processos
políticos, por surgirem das próprias contradições do Capital em todas articulações
(racismo, imperialismo, colonialismo, sexismo) pela qual este se concretiza em
efeitos ideológicos, econômicos e sistêmicos nas vidas dos indivíduos.
15

CAPÍTULO II. IDENTIDADE, SEXUALIDADE E INVISIBILIDADE:

2.1. As Identidades e Dissidências Sexuais

O contexto em que surgem, são possibilitadas, e também colocam os


limites às identidades sexuais16 e de gênero17 é o contexto heteropatriarcal que
produz as construções sociais de homens e mulheres, feminilidade e
masculinidade, e produz as próprias esferas simbólicas organizadas em um
masculino e um feminino, constituindo-se em uma poderosa tecnologia do gênero
(LAURENTIS, 1987) que constrói a realidade de representações que implantam
os sentidos de diferença sexual atribuídos aos sujeitos.

Para Guillaumin (1978), a organização social do sexo é constituída na


apropriação do coletivo e da individualidade das mulheres pela classe dos
homens, relação de poder que possui um efeito ideológico: a idéia e discurso de
Natureza, que naturaliza as mesmas relações e a construção feita sobre o que
seja ―mulher‖, noção que para ela é construída e não um fenômeno dado.

16
Uso o termo sexuais não no sentido de prática sexual, mas identidades que surgem nesse
campo de ruptura – consciente ou não - com a própria organização social do sexo que cria classes
sexuais. Não acredito ser possível entender a lesbianidade enquanto uma identidade sexual, pois
como disse Charlotte Bunch em 1972 no manifesto ―Lesbian in Revolt‖, pelo coletivo The Furies, o
Patriarcado definiu as lésbicas como um ato sexual por reduzir às mulheres em geral a sexo. A
necessidade de auto-redefinição onde homens vieram definindo o que mulheres são é feita
necessária, e Bunch diz que a lesbianidade não se trata de uma preferência sexual nem uma luta
por afirmação de uma, mas um ato e uma escolha política, porque as relações entre homens e
mulheres são relações políticas de dominação. A lésbica desafia uma ordem política patriarcal,
portanto, quando escolhe uma mulher. Não vejo melhor definição que esta. O intento de classificar
a lésbica como uma sexualidade vem da Medicina e das políticas de Estado, e refletem uma
motivação liberal de individualização dessas identidades. Lembrando que, para feministas, o fato
do poder masculino tenha poder determina que este imponha os significados sobre sexualidade,
enquanto sexualidade dominante (MACKINNON, 1995), logo a Sexualidade para feministas é
entendida como um dos sistemas pelos quais se concretiza a dominação masculina.
17
Preferia usar o próprio conceito de sexo a usar o conceito de gênero, por não compreender que
sexo seja natural e gênero sua expressão cultural (RUBIN, 1975), mas porque acredito que os
significados socialmente construídos sobre o que chamamos ―sexo‖ (ou seja, o gênero) constrói a
própria diferença sexual e a própria sociedade de sexos (MATHIEU, 1991 apud FALQUET, 2009).
Vou usar o conceito de gênero, no entanto, no sentido de sistemas de significados construídos
que criam as identidades de ―Homem‖ e ―Mulher‖. Meu problema com o conceito de gênero é que
ele acaba por não visar uma perspectiva em que se acabe com essas diferenças, mas diz que o
problema está nas significações serem rígidas e que sempre vão existir sentidos atribuídos ao
sexo, concepção que parte da herança levi-straussiana e psicanalítica de Rubin e dos estudos de
gênero de corrente pós-estruturalista em geral, que dizem que a pertença à Cultura passa pela
necessidade da Diferença Sexual. Essa concepção reflete uma construção normativa, misógina e
ocidental de Cultura que se presta à preservação das estruturas sexuais elas mesmas.
16

Designa-se por Gênero os sistemas de significado, produtos da atividade


humana, atribuídos originariamente à diferença sexual anatômica organizada em
conceitos de ―homem‖ e ―mulher‖. Esses sistemas de significado, segundo Scott
(1995), não são rígidos, possuem disputas e usos e são estabelecidos de forma
conflitiva. Seriam para a autora um Saber produzido pelas culturas e sociedades a
respeito das relações humanas, e no caso, a organização de um saber sobre as
diferenças sexuais, e que estabelece essas próprias relações.

Cabe perguntar: como se insere a construção social dos significados dados


à sexualidade enquanto atividade humana também histórica, na subjetivação de
sujeitos dissidentes18 das construções de identidade de gênero e sexualidade
hegemônicas? Que processos significantes articulam coletiva e historicamente?

Algumas formas de relações e organizações de identidades de sexo são


hierarquizadas em relação à outras, as ―desviantes‖ e ―anormais‖, como no caso
das lésbicas, gays, transexuais, travestis, drag queens, e outras. A
Heterossexualidade é considerada a matriz original (BUTLER, 1999) à qual essas
identidades são continuamente comparadas enquanto estranhas, anormais,
abjetas. Porém, essas identidades e atividades sociais na verdade colocam em
Crise esse mesmo modelo hegemônico em torno do qual está organizada a
Sexualidade.

O Feminismo constitui-se em uma vanguarda enquanto movimento social


que revolucionou nossa compreensão das relações sociais de sexo, e criticou
radicalmente os fundamentos da sociedade patriarcal na prescrição de papéis
opressores e desiguais à homens e mulheres, também questionando a
naturalização promovida ao próprio conceito de ―Mulher‖ (BEAUVOIR, 1967).

18
Na América Latina algumas teóricas feministas e lésbicas, dentro de uma proposta de retorno às
aliança com as demais categorias de movimentos sexuais, o fazem dentro do termo ―dissidência
sexual‖ (MONGROVEJO; 2006). O termo é utilizado no lugar de diversidade sexual, por este ser
produto e ainda se apresentar num marco heterocêntrico, onde o diverso gravita em torno de um
legítimo, ou seja: a heterosexualidade. Assim este termo é mais útil para apresentar a
característica que une essas subjetividades e identidades: a dissidência e ruptura com a
sociedade e instituições heterosexuais, em substituição ao termo LGBT ou LGBTTI-Q (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais ou Lésbicas, Gays, Transexuais, Travestis, Intersex e
Queer) que não apresenta uma crítica explícita à heterosexualidade compulsória, e não
necessariamente mostra o caráter político dessas comunidades e subjetividades. Logo o conceito
redefine a radicalidade dessas identidades.
17

Nos finais do século XIX e início do século XX no Ocidente, foram


momentos de florescimento dos movimentos feministas e dos primeiros
movimentos homossexuais, assim como das comunidades lésbicas e seus
espaços culturais19. Foi também o momento das grandes crises do otimismo
científico e crises econômicas como colapso do próprio sistema produtivo
capitalista, tendo os movimentos socialistas contestado os Imperialismos francês
e inglês na África que se encontravam já em declínio, coisa que gerava
igualmente crises nas relações e definições raciais. As definições de gênero
também caíam em declínio, com grande número de homossexuais compondo o
Decadentismo 20 nas artes, como o escritor Oscar Wilde, e a entrada de muitas
mulheres nos espaços de trabalho. Esse período foi chamado de fin de siècle.

Para a autora Elaine Showalter (1993) essas décadas, situadas entre 1880
e 1890, foram anos que chama de ―Anarquia Sexual‖, e compara com os atuais
tempos da AIDS. A autora defende em seu livro que todo período de final de
século é acompanhado de um pânico moral sobre a crise das instituições, e
surgimento de movimentos conservadores. Essa reação se deveria ao abalo
objetivo das estruturas sexuais e raciais de um tempo. Com o surgimento do
feminismo, a ―Questão da Mulher‖ desafiava as tradicionais instituições do
casamento, trabalho e família. Nas artes e literatura, proliferou imagens de
mulheres fatais, ameaçadoras, produzidas pelo movimento Simbolista 21, sendo
célebres as imagens de Klimt e Baudelaire. As mulheres são tomadas nessas
produções como símbolos da desordem, transgressoras em potencial,
característica geralmente associada, diz a autora, ao feminino, mas que neste
momento espelhava uma certa desordem promovida nas relações de gênero.

19
Natalie Clifford-Barney foi uma artista e intelectual que mantinha salões de arte e cultura para
mulheres, em sua maior parte lésbicas, no começo do século XX na Europa. Apoiava
financeiramente as artistas. Foi um período com muitas artistas mulheres (lésbicas) que se
destacaram, como Tamara de Lempicka, Marie de Laurencin, Reneé Vivien, Djuna Barnes. A
historiadora Joan Nestle (GOODLOE, 1993) resgata também a história das comunidades lésbicas
nos 40 e 50 no contexto anglo-saxão, por meio das comunidades compostas por lésbicas da
classe trabalhadora urbana, baseadas em seus próprios códigos de comportamento e auto-
identificação enquanto lésbica por meio dos papéis butch e femme (masculinas e femininas).
20
Nome pelo qual se chamou o momento das artes e literaturas que representava uma quebra dos
cânones do classismo e realismo, era um termo pejorativo dado pelos críticos de arte por verem
nisso um retrocesso.
21
Movimento artístico que explorava nas pinturas e literatura temas ligados ao Fantástico e ao
Sobrenatural, possuindo uma estética também soturna e pessimista, reflexo do entre-guerras e da
crise dos ideais do positivismo.
18

Em 1949, Simone de Beauvoir viria a materializar esses anúncios em


palavras, com seu livro ―O Segundo Sexo‖, em que apontou para ―A Mulher‖
enquanto um conjunto de representações masculinas, e portanto enquanto uma
construção que impedia sua aquisição de status humano ―Não se nasce mulher:
torna-se. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a
fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que
elabora esse produto intermediário entre o macho e o eunuco22 que qualificam de
feminino‖ (BEAUVOIR, 1967, p. 9).

Para Weeks (1996), os significados que damos à sexualidade e ao corpo


são socialmente organizados, sendo também sustentados por uma variedade de
linguagens que buscam nos dizer o que o sexo é, linguagens que em geral,
ordenam as categorias de sexo /gênero na produção do saber e os efeitos de
poder que são assim engendrados. Assim, enquanto elemento pré-discursivo, o
sexo biológico é posto em questão (SWAIN, 1999).

Ainda em Weeks (1993) as identidades sexuais e genéricas caracterizam a


condição de existência sob uma sociedade onde a heterosexualidade se coloca
como norma social, gerando conseqüências sobre as subjetividades que se
encontram pertencentes a estas, e isso se torna um fator importante e distintivo.
Tanto quanto a pertinência de raça ou classe determinam condições de
subjetividade e comunidades distintivas de quem está nas posições socialmente
hegemônicas de classe ou raça, sexualidade também se constitui em um fator
que igualmente articula comunidades, subculturas e movimentos relacionados
com os aspectos dessa existência compartilhada socialmente com outros sujeitos:

Não são muitas pessoas que podemos ouvir afirmando ‗Eu sou
heterossexual‘, este é o grande pressuposto. Mas dizer ‗eu sou
gay‘ ou ‗eu sou lésbica‘ significa fazer uma declaração sobre
pertencimento, significa assumir uma posição especifíca em
relação aos códigos sociais dominantes (WEEKS, 2010, p. 70).

22
Correção da tradução nossa.
19

A identidade, ao mesmo tempo que nos faz reconhecíveis, nos dá um


sentido de pertença e possibilita a reconstituição comunitária num contexto de
exclusão.

A noção de minoria sexual surge concomitantemente às identidades


sexuais no século XX, baseada numa reinvindicação de Direitos e num paradigma
liberal (KITZINGER, 1987). Ainda segundo Weeks, esse conceito não foi aceito
por todos os segmentos que viviam essa condição, surgindo a distinção entre a
condição homossexual enquanto politicamente subversiva e a concepção de
homossexualidade como preferência sexual, mais reformista (WEEKS, 1987).

As identidades lésbicas possuem uma história paralela a essa, com


momentos de diálogo, este ocorre de uma forma especifica em diferentes
momentos históricos no contexto ocidental. Embora tenham sempre havido
subculturas lésbicas que floresceram em momentos e com características
distintas, suas relações sempre estiveram divididas entre os movimentos e
subculturas gays, os movimentos feministas23 e seus próprios espaços sociais e
políticos (FALQUET, 2006). Lésbicas feministas, assim como subculturas e
movimentos lésbicos, distinguiram as suas experiências das demais comunidades
sexuais, e, portanto, rechaçaram o discurso social que constrói a lésbica como
uma versão feminina do homossexual masculino: ―As lésbicas têm sido
historicamente destituídas de sua existência política através da sua ‗inclusão‘
como versão feminina da homossexualidade‖ (RICH, 2010, p. 36). As autoras
argumentam que tal definição é produto do sexismo, que caracteriza as
experiências masculinas - e brancas - como sendo as universais e representativas
de todos demais segmentos sociais, e também que a misoginia dos espaços de
23
Faderman e Brigitte (1990) falando sobre as lésbicas alemãs, diz que estas sempre trabalharam
no movimento feminista, porém, tendo que silenciar-se sobre suas preferências relacionais e por
muito tempo não vendo nenhuma defesa pública do movimento feminista em relação às lésbicas.
Isso não é diferente até hoje em outros países, como no Brasil ou Argentina e como foi na França
nos 70, com o surgimento do lesbianismo radical que se separou do movimento feminista e de
mulheres, de onde temos Monique Wittig (―O Pensamento Hetero‖) como expressão. No entanto,
em 1910 o movimento de mulheres alemãs se organizou contra um código de lei que em 1837
tinha retirado mulheres da punição de pessoas que realizassem ―atos contra a natureza‖ (antes,
em 1794, sendo queimadas em praça pública, nesta lei, com prisão seguida de castigo perpétuo.
As mulheres foram retiradas da penalidade segundo as autoras, porque a lei preferia ignorar a
possibilidade de que as mulheres fossem capazes de expressão sexual). O código queria
reconduzir a penalidade às mulheres. Graças às pressões e protestos do movimento de mulheres
esse novo código não foi aprovado. Ainda segundo as autoras, essa possibilidade trouxe pânico
ao movimento de mulheres, pois perderiam muitas que trabalhavam ativamente no movimento.
20

homens gays sempre foi excludente com mulheres e lésbicas. Assim, as


identidades lésbicas se diferenciam radicalmente das experiências e culturas
homossexuais masculinas.

Além disso, a própria noção de identidades naturalizadas, dadas por


alguma condição psicológica ou natural, foram criticadas por feministas, por fazer
parte de um esforço de omitir a possibilidade de escolha pela lesbianidade e
comunidades femininas, apontado então como real motivo do por quê da censura
à essa possibilidade na mídia, literatura, cinema e tantos outros veículos
produtores de representações correntes (RICH, 1980).

Os teóricos do construcionismo social (LOURO, 2010) corrente de


pensamento desenvolvida no contexto dos movimentos e pesquisas
antropológicas que transformavam os significados dados a sexualidade nos anos
80, tinham por noção que a sexualidade era construída de forma diferenciada
através das culturas e do tempo (PARKER, 2010) e que esses movimentos
inspiravam uma reconfiguração analítica das categorias de sexualidade e gênero.
Os construcionistas também propõem ruptura com a noção das identidades
essencialistas da construção de ―minoria sexual‖, e sustentam que os regimes de
sexualidade são moldados seja por regimes de poder como colonialismo, seja
pelo rol de categorias e classificações sexuais disponíveis em cada tempo e
cultura.

As identidades sexuais são para eles referentes de identidades coletivas,


criadas nos contextos de subculturas sexuais de resistência. Semelhante à noção
das feministas lésbicas, as identidades são promotoras de articulações coletivas
de luta, muito mais que a definição das vidas ou simplesmente da prática privada
e sexual de um sujeito (WEEKS, 2010).

Porém, as categorias de ―Heterossexualidade‖ e ―Homossexualidade‖


foram criadas historicamente, pelos discursos médicos, científicos e psicológicos,
primeiramente num esforço de qualificar as segundas como desviantes, anormais
e patológicas (KITZINGER, 1987). Também paradoxalmente, junto à categoria de
homossexualidade, surge a de heterossexualidade. Sedgwick (1991) diz que
essas dicotomias presentes nos discursos sociais subjetivam as formas de viver a
21

sexualidade socialmente, de uma forma particular ―enrustida‖, dividida: a persona


social ―dentro do armário‖, que omite sua condição, e a ―fora‖ deste, que é vivida
em espaços determinados, como no caso do âmbito privado. Ao mesmo tempo,
produzem uma forma de conhecimento, chamada por ela de epistemologia do
armário. Essa epistemología organizaria o conhecimento e a ignorância.
Marcando nossas concepções de sexualidade, opera de forma binária:
homossexual/heterosexual, feminino/masculino, privado/público,
segredo/revelação, ignorância/conhecimento, inocência/iniciação, dentro/fora.
Esses pares de opostos colocados pela autora como ―pseudosimétricos‖, já que
um não é realmente o inverso democrático do outro24, são tornados auto-
evidentes, e na dialética mesma do ―armário‖, este é suposto oferecer a certeza e
a incerteza também epistemológica da privacidade e da proteção. Ao mesmo
tempo, diz a autora, são construídas essas identidades sob a noção de um
público e privado, e as discriminações por identidade sexual, por serem da ordem
da sexualidade, são consideradas como uma questão privada e não de interesse
público. O marco dessas identidades na sexualidade seria, portanto,
problemático, ao não evidenciar claramente o caráter de opressão vivido, já que
seriam ―práticas privadas, que não são da conta de ninguém‖.

Kitzinger (1987) fez a crítica à idéia de minoria sexual, dizendo encontrar-


se esta num marco sexológico e liberal. Diz a autora que da construção da
Psiquiatria da lesbianidade enquanto doença, passou-se ao extremo oposto: a
caracterização da lesbianidade, assim como a homossexualidade masculina,
como orientação sexual e estilo de vida individual, por uma emergente literatura
sexológica nos anos 70 no contexto da produção anglo-saxônica. Para essa
autora, a construção das identidades enquanto sexuais surgiram de um esforço
de assimilação dessas identidades dentro do conceito liberal de ―Diversidade
Sexual‖, em que nada se diferiam da heterosexualidade e caracterizada por uma
igualdade humanista. O esforço desse novo discurso público, para a autora, era
retirar essas identidades do marco político e militante que ganharam junto às
comunidades que passaram a se mobilizar contra a patologização e exclusão de
homossexuais e lésbicas. Quem passa a ser patologizado é o ―Homofóbico‖,

24
A heterossexualidade não é uma diversidade sexual mas sim uma hegemonia sexual. Senão
teríamos a sigla LGBTIH, o que não faz sentido.
22

figura que emerge então e passa a ganhar destaque no discurso social coletivo,
com um novo caráter de ―progressividade‖ democrática e inclusividade. Ainda
segundo Kitzingzer, o conceito de ―homofobia‖ não nasceu do movimento social,
mas da disciplina acadêmica da Psicologia, despolitizando e des-
responsabilizando as ações anti-lésbicas e anti-LGBTs que motivam as violências
exercidas por Instituições e sujeitos.25

A construção das identidades é, para Kitzingzer, determinada pelas


condições sociais e discursos correntes, e portanto, são construções ideológicas
as próprias identidades e os discursos produzidos sobre estas. Podemos assim
pensar, que nos discursos que serão vistos nas análises das entrevistas,
encontraremos um dizer das vidas lésbicas e a construção mesma das suas
vidas, assim como significação de suas condições, marcadas por significantes,
representações e discursos sociais vigentes, que impõem os limites e
possibilidades de significação dessas mesmas existências. A ilusão do sujeito
autônomo foi criticada pelas disciplinas baseadas no Materialismo-Histórico, mas
não foram superadas enquanto discursos sociais presentes (capitalistas e liberais)
que moldam as existências e as significações que damos à elas, e portanto as
próprias identidades encontram os limites das determinações sociais. As
identidades sexuais quando são compreendidas como orientações sexuais iguais
às heterosexuais acabam por omitir as relações de poder que fundamentam
essas categorias, e se baseiam num essencialismo que, se não é mais o da
Biologia, é o da Psicologia26, o que elimina o caráter histórico dessas construções
identitárias e acaba por ocultar a opressão institucional heterosexista, assim como
o aspecto necessariamente desigual das relações entre os grupos sociais
favorecidos e desfavorecidos na hierarquia sexista e heteronormativa. Assim, ao
definirem-se essas identidades como práticas sexuais privadas, corrobora-se a
invisibilidade destes segmentos e induz ao recurso da privacidade como proteção
à discriminação.

25
Sarah Lucia Hoagland recomenda que retomemos o termo ―Heterosexismo‖ no lugar de
Homofobia, para recuperar este caráter de denúncia de forças políticas, e não ‗irracionais‘, que
motivam ações de violências, exclusão e silenciamento de lésbicas.
26
Compreendida aqui no aspecto histórico da Psicologia enquanto uma Instituição que justifica um
regime dominante, normalizando e adaptando quem está inconforme e criando noções
naturalizadas sobre a injustiça social sofrida.
23

As perspectivas de luta que reclamam a sexualidade enquanto um ―Direito


Privado‖ a ser respeitado são criticadas por Reinoso (2008a, p. 3):

Não se trata de fazer „outing‟ [revelação] do que alguém faz na


cama porque isso não sabemos nem nos importa. Se alguém não
diz que é lésbica eu não sei se é lésbica. Por que sabemos que
alguém é lésbica? Porque tem um comportamento social como
lésbica. E é sobre esse comportamento social, que não é privado,
que há que se incidir. Se trata de um direito meu de não guardar
silêncio a respeito de um comportamento social que é igual a
qualquer outro. Assim sendo, basta de acordos de silêncio. Basta
de assumir o mecanismo social do armário.27

A privacidade seria um direito liberal-conservador que apela à tolerância


enquanto que o sair do armário apelaria à liberdade e a igualdade, sendo
ademais, um Direito Social.

Butler (2010) propôe que os próprios modelos de identidade em si devem


ser abandonados, apela à estratégia queer28 como uma postura crítica às
identidades, sejam as sexuais ou as genéricas. Diz ela:

Essas categorias falham continuamente ao descrever o completo


que somos. […] É o novo vocabulário que permite ver que nossas
vidas sempre foram mais completas do que as categorias
tradicionais permitem. Quando alguém diz ‗sou gay, sou
heterossexual, sou bissexual‘ que querem dizer com isso?[…]É
certo que uma pessoa se transforma e evolui, não ? Como
registramos a dinâmica da sexualidade em seu sentido complexo?
[…] Creio que necessitamos de políticas que nos permitam
27
Tradução nossa.
28
Queer poderia ser traduzido por ―estranho‖, é utilizado na língua inglesa como um termo mais
amplo para designar a comunidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, intersex,
e outros. Vem sendo apropriado dentro de um contexto de políticas mais radicais desde os anos
90 e de estudos de gênero de vertentes pós-estruturalistas e criticando a assimilação do
movimento LGBT pelas lógicas do Estado e Mídia. A teoria e movimento queer surgiu no contexto
da crise da AIDS na metade dos 80 e vêm se caracterizando por uma crítica e recusa das
identidades e revalorização da sexualidade num contexto de pânico sobre esta, gerado pela
epidemia. Recebeu críticas dos movimentos feministas e lésbicos por seu caráter masculino-
centrado e acadêmico, além de que a desistência das identidades possa consistir em um modelo
possivelmente individualista de resistência que em muito coaduna com o avanço do neoliberalismo
nas sociedades ocidentais (JEFFREYS, 1996).
24

arriscar o que é o ininteligível. Arriscamos sugerir que o ser


humano pode ser de outra forma.29

Com isso a autora quer dizer que as identidades sexuais não passam de
categorias limitadas, criadas sob a mesma lógica das demais identidades
normativas, e que não esgotam a riqueza que somos e nem acompanham a
constante transformação a que somos sujeitos.

Os movimentos de lésbicas feministas fizeram a crítica a essa noção


essencialista de identidade gerada pelos movimentos homossexuais reformistas,
não somente pelo essencialismo em si, mas pela despolitização que promoviam.

Diferentemente dos movimentos radicais sexuais, nos anos 70 e 80 em


contexto ocidental, os movimentos lésbicos propõem as identidades não como
sexuais, mas como políticas, e criam assim o conceito de lesbianismo político, em
que a identidade lésbica passa a ser significada dentro de um rechaço ao
Patriarcado e às Instituições Masculinas, politizando a condição radical das
lésbicas no questionamento dessa ordem (FALQUET, 2006). Assim, a repressão
às lésbicas, assim como sua invisibilização, não estaria primordialmente motivada
pela transgressão sexual como no modelo das identidades radicais gays, mas por
representarem enquanto mulheres ―um rechaço a um modo de vida obrigatório‖ e
também ―um ataque direto e indireto ao direito masculino de acesso às mulheres‖
(RICH, 1980, p. 36).

A lesbianidade é caracterizada também, por Wittig (2004) em seu ensaio


intitulado ―Não se nasce mulher‖ de 1981, como uma ruptura com a própria
categoria mulher no que caracteriza a organização patriarcal de sua existência:

Lésbica é o único conceito que conheço que está mais além das
categorias de sexo (mulher e homem), pois o sujeito designado
(lésbica) não é uma mulher, nem economicamente, nem
politicamente, nem ideologicamente. Pois o que faz uma mulher é
uma relação social específica com um homem, uma relação que
chamamos servidão, uma relação que implica uma obrigação
pessoal e física e também econômica (―residência obrigatória‖,

29
Tradução nossa.
25

trabalhos domésticos, deveres conjugais, produção ilimitada de


filhos, etc.), uma relação a qual as lésbicas escapam quando
rejeitam tornar-se o seguir sendo heterossexuais.30 31

Para a autora, a lesbianidade é uma ruptura com a heterosexualidade


enquanto um sistema que cria as categorias sociais de homens e mulheres, e
portanto, as próprias categorias de gênero, criando ao mesmo tempo a ―doutrina
da diferença sexual‖ para justificar-se e implantar-se ideologicamente.32

A lesbianidade buscou uma condição própria, em definições políticas

feministas, para constituir-se além do marco de mais uma Diversidade Sexual, por

sua inclusividade representar uma nova invisibilização já que o que não se

nomeia é masculino, sob uma hegemonia em que apenas os registros e

produções masculinas permanecem e ganham vigência. Neste intento, os

movimentos lésbico feministas distinguiram-se do marco sexual das identidades,

referenciando a condição política das lésbicas e definindo um projeto.

2.2. A Invisibilidade como condição de subjetivação das lésbicas

A invisibilidade é característica da vivência lésbica, muito mais do que a


discriminação pública, o que de qualquer maneira, também ocorre. Para Rich

30
Tradução nossa.
31
―Mulher‖ para Wittig não se trata de um conceito que diria referência a uma condição natural,
pelo contrário: categorias de sexo só são possíveis por meio de relações de dominação, que as
criam e as justificam ideologicamente pelo que a autora chama de ―O Pensamento Hetero‖. Assim
como com o fim da exploração do Capital se acabariam as sociedades de classes, com o fim da
opressão sexual não existiriam mais as categorias sexuais, pois são desigualdades produzidas
para fins de exploração. Não faz sentido falar de um proletariado em uma sociedade não-
capitalista. Com isso ela queria também desvencilhar-se do movimento de mulheres francês, que
sob essa identidade excluía as demandas lésbicas e promovia invisibilidade de demais categorias
dentro dela.
32
―Pelo menos, para uma mulher, querer ser um homem significa que escapou a sua programação
inicial. Mas, ainda se ela, com todas suas forças, se esforça por conseguí-lo, não pode ser um
homem, porque isso lhe exigiria ter, não apenas uma aparência externa de homem, mas também
uma consciência de homem, a consciência de alguém que dispõe, por direito, de dois—se não for
mais—escravos ―naturais‖ durante seu tempo de vida. Isso é impossível, e uma característica da
opressão das lésbicas consiste, precisamente, em colocar à mulheres por fora de nosso alcance,
já que as mulheres pertencem aos homens. Assim, uma lésbica tem que ser qualquer outra coisa,
uma não-mulher, um não-homem, um produto da sociedade e não da natureza, porque não existe
natureza na sociedade.‖ (WITTIG, 2004)
26

(1980) a destruição dos traços, das memórias e dos escritos que atestavam a
realidade da existência lésbica foi característica de sua história. Também, a não
menção de sua existência e a censura à visibilidade dessa existência visam
conservar a Heterosexualidade Compulsória enquanto regime social que garante
o acesso masculino às mulheres enquanto bens emocionais, sexuais e
econômicos.

Para Rich (1983), o silêncio caracterizaria a vida das mulheres como um


todo, refletindo a condição da feminilidade. Mas o grande silêncio que envolve
suas vidas teria, como principal motivação, a obstrução de um ressurgimento
poderoso de uma comunidade de mulheres, e a entrega das mulheres umas às
outras, algo fortemente ameaçador ao Patriarcado.

Indurria (2008) define invisibilidade como sendo o indicador que determina


o grau de aceitação ou não na sociedade, afetando o coletivo de lésbicas e gays.
Porém, se no primeiro grupo esta característica é mais marcante, isso se deve ao
sexismo e a construção diferenciada por gênero numa sociedade patriarcal. A
visibilidade ou não joga um papel decisivo na experiência e construção das
identidades lésbicas. Assim, a existência lésbica se fez historicamente, e se faz
socialmente, num jogo permanente de revelação e ocultação, de dúvida,
mensagens ambíguas, silêncios, entrelinhas.

Reinoso (2008b, p. 2) diz que a visibilidade não se trata simplesmente do


desejo de ser vista e reconhecida. Visibilidade significa existência. Pois, segundo
ela, ―o que não é visível não existe e o que não existe permanece fora do âmbito
da cidadania reconhecida‖33. A negação da existencia pública é para a autora
precisamente a recusa da admissão da existência legítima e visível da
lesbianidade.

Esse não reconhecimento para a autora faz parte do que chama de


―mecanismo social do Armário‖ cujo objetivo é que as sexualidades ou
identidades não normativas não se visibilizem, já que a possível visibilidade
destas é potencialmente desestabilizadora da heteronormatividade. ―O Armário

33
Tradução nossa
27

existe para que não tenham representação pública as existencias que ameacem a
ordem heterosexista‖ (2008b, p. 5).

Miñoso (2007) diz que a ignorância é uma forma produtiva de Poder. ―Não
é falta ou ausência de conhecimento, senão um efeito do conhecimento‖. A
invisibilidade e o desconhecimento sobre a vida das lésbicas indicam a presença
de um percebido, que se prefere ignorar. Juliano & Platero (2008) argumentam
que se trata de um jogo do ―Não penso nisso, logo não existe‖ ou ―Não se fala
disso, logo não existe‖, parte específica do controle social exercido pela ordem
patriarcal à lesbianidade, não tão caracterizado pela estigmatização e
perseguição que são alvo os coletivo de gays e prostitutas por exemplo, mas pela
estratégia da negação e minimização de sua sexualidade (MIÑOSO, 2007).

O exercício de atividades públicas e sociais por mulheres que não ligados


aos papéis tradicionais da feminilidade, assim como da sexualidade em um
âmbito autônomo fora do controle masculino, são características mais marcantes
das identidades lésbicas que a mera existência enquanto minoria sexual. A
visibilidade de uma existência autônoma para mulheres é um risco para o
Patriarcado, oferecendo a essas outros modelos de existência que não o de
esposa e mãe heterosexuais, funcionais a ele. A invisibilização, a censura e a
procura pela não menção às vidas lésbicas resulta mais eficaz para a
manutenção da ordem estabelecida, ao neutralizar seu potencial subversivo
(JULIANO & PLATERO, 2008). Evitar a polêmica pública dificulta a legitimação da
opção transgressora, silencia as possíveis argumentações a favor e impede sua
presença simbólica pública. De igual maneira, a produção simbólica e os registros
desta existência, sejam na forma de arte e literatura, assim como sua história e
narrativas, são inibidas ou eliminadas, dentro de uma campanha constante e
violenta.

Hawthorne (2007) fala da necessidade de se desenvolver uma Metodologia


do Silêncio na pesquisa sobre lésbicas,para que se possa chegar até essas vidas:
―O Silêncio é o fator crucial nos desafios metodológicos de realizar pesquisa em
lésbicas. A chave para a metodologia lésbica é abrir os silêncios e fazer visível o
escondido‖.
28

Diz valeria flores34 (2005) que para transformar as condições de visibilidade


social, e, portanto de integridade subjetiva, assim como redefinir o campo do
visível, do que se pode ver, é preciso se situar num espaço discursivo, é preciso
falar. E falar significa revelar, mostrar, descobrir ou manifestar o ignorado, o
secreto, proporcionar indícios ou certezas de algo. Portanto, fazer-se visível
diante dos ordenamentos discursivos e institucionais que nos tornam
impensáveis, invisíveis ou impossíveis. Para a autora, configurar sentido desde o
silêncio não é nada fácil frente à assimetria de um diálogo que quase não existe
para as lésbicas, já que se vêm imersas no silêncio social que caracteriza sua
existência, possuindo um caráter fundante das identidades lésbicas. ―Por isso
falo, por isso digo‖ (FLORES, 2005 p. 4).

Tudo o que não é nomeado, não descrito em imagens, tudo que


se omite das bibliografias, o censurado nas coleções de cartas,
tudo que se disfarça com um nome falso, o que se fez de difícil
alcance e tudo quanto está enterrado na memória por ter sido
desvirtuado seu significado com uma linguagem inadequada ou
mentirosa, se converterá não somente no não dito mas também
no inefável (RICH, 1983, p. 235).

O lesbianismo foi, durante a história, desconhecido suscessivamente nos


discursos sociais. O que não se reconhece não se faz ser discutido. O objetivo é
não somente invisibilizar, mas também fazer ininteligíveis essas vidas.

Butler (2002, p.. 238) diz do preço pago pela exclusão do simbólico: ―Se
você não é real, pode ser difícil manter-se como tal com o passar do tempo‖. Para
a autora, o Estado monopoliza os recursos do reconhecimento, e se pergunta se
é possível gerar outras formas de reconhecimento, pedindo que nos
mantenhamos críticos com os desejos de legitimação quando a supõem dentro
das referências de uma ordem normativizante. Para ela, porém, o campo do

34
Seu nome aparece na maior parte dos documentos em letras minúsculas, não encontrando
explicação, deduzi que seja referência à bell hooks, filósofa feminista negra que escrevia muitos
ensaios sobre linguagem e colonização, e que também redigia seu próprio nome em letras
minúsculas de modo a questionar tanto a própria linguagem quanto para dizer que o que
interessava nas suas obras era o que escrevia, e não quem ela era. Outras feministas, geralmente
de tendência queer, vêm fazendo isso para questionar as políticas de identidade e para quebrar as
próprias regras da língua que determinam o que é o ―normal‖.
29

abjeto e a condição de abjeção 35 eu caracteriza essas identidades permite a elas


ao mesmo tempo o questionamento das categorias sexuais vigentes e do que é
considerado legítimo e verdadeiro. Afinal, o regime de visibilidade é
heterocêntrico.

Rich (1983, p. 239) apela à estratégia do nomear:

A palavra ‗lésbica‘ deve ser confirmada porque descartá-la é


colaborar com o silêncio e a mentira acerca da nossa existência,
ao nos fazer cair no jogo da clandestinidade e retornar à criação
do inefável.

35
O conceito de abjeção na obra da Butler foi tomado de empréstimo da psicanalistica e
semióloga Julia Kristeva, situada entre teóricas do chamado ―Feminismo da Diferença‖ francês. O
abjeto é tido como aquilo que, tal qual os excrementos expelidos do corpo, se exclui do Si para
definir como não-Eu. O que é expulso é tornado outro, repulsivo, e não é reconhecido como ―meu‖
e como ―igual‖, indica aquilo que o Eu exclui de si para definir como Não-Eu, e que garantem sua
coerência (KRISTEVA, 1988). Paradoxalmente é algo ao mesmo tempo inseparável e necessário
a este, algo do qual continuamente se afasta pela periculosidade que representa à garantia da
coerência interna desse Eu. Judith Butler tomou esse conceito para definir as identidades de
gênero como sendo produzidas por esses atos de exclusão pelo qual o Mesmo se define como
mais-Humano, gerando sujeitos abjetos. Esse procedimento discursivo lembra bastante à de
Beauvoir quando fala da mulher como o Outro, e que o homem se define como o Mesmo através
dela, situando o feminino sempre num campo do negativo.
30

CAPÍTULO III. DISCURSOS LÉSBICOS

3.1. As entrevistas e entrevistadas

As entrevistas que seguem foram realizadas no período de agosto e


novembro de 2010. Durante o procedimento de pesquisa, desejou-se buscar uma
diversidade de relatos de lésbicas, quanto à: idade, raça, atividades profissionais
e formativas, construções identitárias, classe social, que contemplasse a riqueza
de experiências que compõem esse grupo social. Realizou-se sete entrevistas, e
fez-se contato com um número total de oito outras lésbicas que não chegou a
ocorrer, por razões de tempo, mudanças de cidade, distância e disponibilidade
das voluntárias, assim como disponibilidade e tempo da própria entrevistadora
para realizar, transcrever e analisar as entrevistas a ser realizadas.

Das sete entrevistas realizadas, cinco foram transcritas e apenas quatro


das transcritas foram selecionadas para o trabalho. Escolheu-se essas quatro por
terem sido realizadas em duplas, em momentos distintos, e por contemplarem
uma riqueza quanto à idade, atividades e formas de conceber as identidades
lésbicas.

A razão da limitação do número para quatro se devia à necessidade de


aprofundamento requerida por todo material coletado, que exigiria muito tempo de
análise e escrita para o prazo existente de conclusão deste trabalho. Prezando
qualidade e aprofundamento adequado e sabendo da riqueza dos conteúdos
existentes mesmo em um número pequeno de entrevistas, foram selecionadas as
quatro cujos relatos se apresentam no capítulo que segue.

Das entrevistas concluídas, a faixa etária em que se encontravam as


participantes ia dos 17 aos 26 anos, podendo se dizer que a pesquisa trata de
jovens lésbicas. Uma explicação para que não tenha sido possível contemplar
lésbicas com idades acima de 30 anos é de que o contato com as jovens foi mais
fácil, por não possuírem família para cuidar, viverem ainda com os pais, serem
universitárias em formação, terem residências, trabalhos e escola /universidade
próximas à regiões centrais, assim como maior disponibilidade de tempo para
envolvimento em militância, eventos e organizações políticas. Entre as lésbicas
31

que se tentou contato, três possuíam filhas e filhos, duas eram também de
militância negra, duas viviam em outra cidade vindo às vezes para Curitiba, e uma
foi contato realizado apenas por internet.36

A forma de encontrar voluntárias para essa pesquisa foi por contato


realizado com grupos de militâncias e organizações, como o Artêmis, organização
lésbica de Curitiba e a Associação Paranaense de Lésbicas, por meio de e-mail e
comparecimento às reuniões do grupo que são abertas à comunidade de
mulheres, lésbicas e trans.

Uma das dificuldades iniciais para este contato foi a desarticulação do


grupo, que voltou a se reunir somente em Julho deste ano.37

Duas das entrevistas foram realizadas durante o evento ―III Seminário


Paranaense de Lésbicas‖, que reuniu lésbicas de interior do estado do Paraná,
Curitiba e região Metropolitana, dos dias 27 a 29 de agosto de 2010 na cidade de
Curitiba.

O contato prévio por e-mail, enviando o projeto de pesquisa e a proposta


de realização de entrevistas para a lista de e-mail que reunia algumas das
participantes do seminário foi um facilitador, tendo sido boa a recepção do projeto
por elas, por verem a possibilidade de contribuição social da pesquisa e pro seu
benefício igualmente. Houve muitas candidatas mas pouca possibilidade de
tempo e disponibilidade da entrevistadora de realizar todo procedimento de
escuta, gravação, transcrição e análise com todas, o que talvez possa ser feito
em projeto futuro.

36
O fator racial também pode ser apontado como dificultador do acesso para entrevista, sabendo
que vivemos em um país onde as hierarquias sociais são brancas, masculinas e heterossexuais.
Se mulheres são mais mal-remuneradas que homens, recebendo salários até 30% mais baixos
que os deles, temos um país em que a pobreza é estruturalmente racista afetando mais à
população negra que a branca, certamente influenciando na disponibilidade de tempo fora da
produção capitalista desse segmento. Fonte: Agência Patrícia Galvão.
37
A dificuldade de encontrar as voluntárias de pesquisa dentro de um procedimento adequado de
busca e delimitação da população pode ser refletida aqui se a própria invisibilidade social das
lésbicas não dificultou a realização desta pesquisa. A busca de grupos ativistas se baseia na
suposição de que nestes o assumir de uma identidade lésbica e de uma identidade lésbica pública
possam ser mais facilmente encontráveis e que se dirigir supondo uma identidade não constitua
em uma violência.
32

Outras duas entrevistas foram realizadas no próprio local das reuniões do


grupo Artêmis, na ONG Dignidade que funciona como um Centro de Referência
LGBT, sendo realizado simultaneamente com o casal38 de lésbicas, uma de 17 e
outra de 18 anos. Ambas estudam (Ensino Médio), trabalham e freqüentam o
grupo. A primeira chamarei por Rosa e a segunda por Clara39, de modo a não
identificar as entrevistadas.

As outras duas candidatas possuem 25 e 26 anos, uma é formada em


Artes e trabalha como fotógrafa e de atendente em loja, a outra é estudante e
estagiária de Serviço Social. A primeira chamarei de Maria e a segunda de Vera,
também por motivos de segurança das entrevistadas.40 As entrevistas também
foram realizadas, as destas duas, simultaneamente, para aproveitamento do
tempo disponível no Seminário.

Realizadas com gravação em vídeo dos depoimentos, as entrevistas foram


orientadas por um roteiro de questões semi-estruturada, elaboradas em reflexão
junto à literatura lida até então assim como a vivência em campo 41, e
aperfeiçoada ao longo da prática de outras entrevistas.

3.2. Metodologia

Sendo a entrevista também um método utilizado dentro da compreensão


sócio-histórica, e portanto não compreendido apenas como um instrumento
técnico, ela também fez parte da própria concepção dialética, e o roteiro foi sendo
transformado e aperfeiçoado, e também dependendo do contexto, utilizado de
forma não estanque para que as questões melhor se relacionassem com aquele
contexto. O roteiro servia de orientação geral às perguntas, mas elas mesmas
não sobrepunham o momento material-dialético imprevisível da entrevista, nem
consistiam em um modelo rígido de perguntas a serem devidamente respondidas.
38
Por casal subentenda-se que são companheiras amorosas, e não no sentido de um par binário.
39
Ia colocar letras no lugar de nomes, mas como me parecem despersonalizar e uma herança do
tratamento instrumental dado às ciências de legado empírico aos seres humanos, coloquei nomes
que nem nada lembram seus nomes originais.
40
A segurança não se deve somente à questão da ética em pesquisa, mas porque não podemos
negar que nos encontramos em uma sociedade lesbofóbica e anti-mulher, e se muitas lésbicas
não são visíveis e não participam de pesquisas ou movimentos é justamente pela violência
existente como reação à existência pública dessas identidades.
41
Por vivência em campo se entende a inserção da pesquisadora nos movimentos lésbicos, com
participação em atividades formativas, encontros, oficinas, seminários.
33

Priorizou-se o conteúdo e a fala que surgiam no momento e da pessoa, e também


se levou em conta a singularidade das entrevistadas.

Dentro da perspectiva Sócio-Histórica, ao analisar as falas das


entrevistadas, o objetivo é a construção de um conhecimento, e ir em busca das
determinações históricas e sociais que configuram o sentido atribuído e
constituído pelo sujeito e que constituiriam tais formas de significar,
compreendendo o fenômeno como inserido num conjunto de relações sociais,
históricas e materiais (AGUIAR, 2001).

Além disso, deve-se ter em conta que, na entrevista, o sujeito que se


expressa se expressa sim como singularidade, mas também é ele a concreção de
muitos determinantes materiais, históricos, sociais e ideológicos. Portanto, sua
voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero,
etnia, classe, momento histórico (FREITAS, 2002).

Para Vygotsky (1991 apud FREITAS, 2002), um método sempre reflete um


olhar. A escolha pela Sócio-Histórica também se deve, como justificado
anteriormente, por ser um modelo que contempla a condição material e a
intersubjetividade. O momento da entrevista é uma relação intersubjetiva e
dialética, e os discursos produzidos pelo indivíduo são a transmissão não de
conteúdos de uma ―interioridade‖ essencial e ―verdadeira‖, mas de
representações do mundo em que ele vive, apropriados pela atividade humana e
transformados dialeticamente em uma realidade subjetiva sua (LANE, 1987).

Na concepção de sujeito para a Psicologia Sócio-Histórica, o ser humano é


produtor da própria existência por meio da atividade, se relacionando com os
outros e sendo produzido pelo social. O sujeito também, por meio da atividade,
afeta a produção dos demais enquanto individualidade, se humaniza e humaniza
o meio (CODO, 1987).

Deste modo, pesquisar é uma práxis (LANE, 1987), uma relação de ação-
reflexão, síntese e novamente ação, uma atividade material e que afeta e
transforma as condições presentes.
34

Foi criticada anteriormente neste mesmo trabalho a pretensão de


neutralidade da Ciência. A escolha pela metodologia materialista também consiste
na possibilidade de percepção de que o processo de produção de conhecimento
também é a expressão do posicionamento do pesquisador diante da realidade
histórica (AGUIAR, 2001), em que este, sendo um sujeito subjetivado em
circunstâncias materiais-históricas, tem sua presença na ciência e na relação com
a comunidade como não-neutra: o pesquisador exerce uma atividade histórica, é
um elemento participativo e potencialmente transformador das condições
históricas. A construção do conhecimento não pressupõe, para o método
materialista, uma relação unilateral para com um objeto do qual se extrai um
conhecimento objetivo de uma realidade, como foi apontada anteriormente a
ciência empírica que objetificava o ser humano. A pesquisa é uma atividade não
só material, mas também ideológica, podendo estar a serviço da ideologia
dominante ou a serviço da superação da alienação. Num contexto histórico pode
ser motivada por um ―conhecer para atuar‖, e a pesquisa ganha assim um
propósito militante (NETO, 2003) se afastando da ilusão oferecida pelo Empirismo
de não-envolvimento do sujeito na produção do Saber, que longe de garantir
eficácia metodológica, encobria todas demais práticas científicas enquanto
ideológicas e a serviço de produção de justificativas morais para a classes
dominantes.

Deste modo, o pesquisador não se relaciona com um objeto passivo nem


busca o dado puro (AGUIAR, 2001). Nos discursos que emergem, dentro da
concepção metodológica escolhida, vai-se em busca das explicações nos
aspectos sociais e históricos nos quais os sujeitos se constituíram, e na reflexão
sobre os conteúdos das falas, junto à literatura, se realiza uma análise que
produza uma discussão e um conhecimento sobre o objeto, conhecimento sempre
limitado e não-final sobre este.

Com a noção de Ideologia, a relação entre o pesquisador e o entrevistado


pode ser tida também como uma relação de poder na sociedade de classes
(LANE, 1987), papel agravado pelo lugar da Psicologia que também veio sendo
uma instituição reguladora das relações sociais. Essa relação pesquisador-sujeito
35

e pesquisador-comunidade que deve ser objeto de atenção e reflexão por parte


do pesquisador como parte do método dialético e material a que se propõe.

Assim, sempre existe participação do pesquisador: esta pode estar a


serviço das classes dominantes (enquanto atividade acrítica, alienada) ou
escolher pelo compromisso social, coisa que também motiva a eleição pelo
método Sócio-Histórico.

No momento de reflexão sobre os conteúdos apresentados pelas


entrevistadas, foram os discursos delas, após transcritos, lidos e re-lidos de forma
a serem separados em categorias que pudessem organizar a compreensão do
fenômeno em núcleos de significados (AGUIAR, 2001) organizando as falas de
modo facilitar a reflexão sob a pregunta: “O que esses discursos estão me
falando?”. Assim, organizados sob referenciais conceituais da Sócio-Histórica e
da literatura lida (em Teoria Feminista, Estudos de Gênero, Estudos Lésbicos e
Gays, materiais produzidos pelos movimentos, entre outros) pode-se vislumbrar
melhor o que as falas poderiam estar dizendo sobre as condições de subjetivação
e de constituição daquelas identidades.

As categorias de análise foram construídas como descrições da


compreensão do que os discursos das entrevistadas diziam, podendo ser
reunidos alguns sob categorias semelhantes. Isso funcionou como um método de
análise que facilitasse com que a junção de todas as categorias ao fim pudessem
fazer a pesquisadora refletir ou pensar a partir de núcleos temáticos, construídos
ao longo das leituras suscessivas, sendo identificados e re-identificados nas
entrevistas e posteriormente reduzidos em seu número.

Os elementos que apareceram diziam respeito a sua referência enquanto


lésbicas e a compreensão disso, assim como sua história de vida, a sua
compreensão da heteronormatividade, percebida em suas vivências e elaborada
enquanto reflexão, e as relações sociais diversas que vivem. Essas categorias
foram denominadas, respectivamente, Processo Identitário, Percepção e Vivência
da Heteronormatividade, Relações Sociais – esta última subdividida em outras 5
categorias: Família, Relações Afetivas Íntimas e Sexuais, Trabalho, Ambientes de
Sociabilidade gerais (como escola, universidade e outros) e Comunidade LGBT.
36

3.2. Reflexão sobre os depoimentos

A) IDENTIDADE

As falas que trazem sobre o processo identitário das lésbicas trazem narrativas e
significações pessoais e comuns das experiências das lésbicas, e uma reflexão sobre as
condições do mundo em que vivem atravessados por instituições como Família, Religião,
Escola. Suas subjetivações nessas instâncias são marcadas nas suas histórias de muitas
formas. Definindo Instituição como padrões de controle, dotadas de força coercitiva e
autoridade moral (BERGER, 1980), elas invocam um direito à legitimidade. São também
uma das primeiras condições de subjetivação dos sujeitos, por serem transmitidas pela
Linguagem, condição primeira de constituição da subjetividade. Ao mesmo tempo, somente
por meio da própria linguagem, que contrói o universo de significados por meio dos quais as
instuições se materializam, podem permanecer as instituições atuantes. As instituições que
regulam as subjetividades só podem ser mediadas e transmitidas pelas significações que
compõem aquelas.

As Instituições são capazes de repreender os sujeitos se estes violam suas


imposições, exercendo estímulos sempre eficientes, que resultam na sensação de vergonha
e culpa (BERGER, 1980) e em sofrimento. Alguns Estados reservam à pena de morte à
infração de alguns costumes.42

A era clássica viu nascer a grande estratégia política e militar segundo a


qual as nações defrontam suas forças econômicas e demográficas; mas
viu nascer também a minuciosa tática militar e política pela qual se
exerce nos Estados o controle dos corpos e das forças individuais
(FOUCAULT, 1987, p. 141).

Com tal imposição coerciva, como podemos entender as identidades que ―desviam‖
em relação às exigências institucionais? Como elas escapam à programação prevista pela
sua ação repressora? Não se constituiria em um paradoxo que sendo tão fundantes
enquanto mediações simbólicas dos sujeitos, as imposições normativas falhassem em
constituir os corpos dóceis (FOUCAULT, 1987), mesmo com tantas condições restritivas

42
Vale lembrar que a Homossexualidade é ilegal em 80 países do mundo, e punida com morte em
sete destes. Em Curitiba e região Metropolitana o número de assassinatos por motivo homofóbico
está em torno 25 ao ano (fontes: uol e gazeta do povo).
37

impostas à vivência alternativa a estas, como violências, marginalização, clandestinidade e


exclusão?

A possibilidade é de entendermos que, mesmo que as transmissões culturais


normativas transmitidas por meio da Linguagem e signos culturais, de formas tão intensas
como nas mídias e veículos de comunicação, pelos papéis, valores e noções transmitidas
pela Família e pelos livros escolares, nos brinquedos com os quais a criança aprende suas
identidades produtivas no capitalismo e suas identidades de gênero (a boneca Barbie que
ensina a mulher ideal, o Mito43, relativo ao homem, as bonecas infantis com as quais a
menina aprende a ser mãe enquanto sua identidade natural, resultando em futura
sobrecarga de trabalho feminino), essas transmissões de significados e sua instauração nas
identidades não é feita sem conflitos, negociações, adaptações por parte dos indivíduos, e
que o processo de aquisição dos signos é dialética. O aprendizado social não se dá pelo
sujeito como se este fosse uma ―tábula rasa‖, e suas disposições fossem inscritas
passivamente em sua subjetividade, mas o sujeito é, como ser histórico, ativo na aquisição
dos sentidos, sendo que estes sofrem uma transformação ao serem subjetivados. A
Heterosexualidade e as tecnologias de gênero ―falham‖ o tempo todo na função para a qual
foram concebidas: criar os corpos produtivos, aptos também a reproduzir as normas e
instituições sociais, morais:

... Eu comecei a perceber porque eu me sentia atraída pela minha


professora de Geografia. E chegou num nível que eu falei... ‗Não, não é
normal. Tá acontecendo alguma coisa errada comigo‘. E daí foi que
eu... que me deu aquele insight e eu falei: ‗Eu não posso ser lésbica‘.
Porque dentro da minha cabeça [...] da cultura na qual eu fui criada, eu
acreditava piamente que eu ia pro inferno. Por isso foi um choque muito,
muito grande (Vera).

Pra mim foi tranquilo porque eu, na hora que eu fiquei com uma
menina... na verdade assim eu também, por causa da religião falava
―não, isso aqui tá errado, ficar com pessoas do mesmo sexo‖ e assim,
dentro do futebol sempre tem as meninas lésbicas e até então eu nunca
tinha ficado com nenhuma. Aí quando me descobri, quando eu tipo falei,
―Meu, vou experimentar‖ e aí eu acabei gostando e assim, pra mim me

43
Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo.
38

descobrir foi um alívio pra eu... eu não tava só querendo agradar, eu


tava me agradando, eu achava mais importante me agradar... tipo
eu estava cansada de agradar às pessoas sendo que eu não estava
feliz. E fiquei mais aliviada. E aí eu me descobri lésbica e depois que eu
fiquei com meninas eu nunca mais quis ficar com meninos. Eu não via...
eu não sabia o sentido de ficar com meninos. (Clara, grifo nosso)

As tentativas de agir de acordo com as normas sociais são evidentes nas falas, mas
os sentimentos de liberdade e autenticidade que nos transmitem os discursos se mostram
como experiências que mediam a construção identitária num contexto repressor, motivando
a recusa da tentativa de pertencimento na normatividade de gênero e sexualidade,
superando as formas alienadas de vivê-las.

Radicalesbians44 (1970) define a lésbica como ―a fúria de todas as mulheres


condensada até o ponto da explosão‖:

O que é uma lésbica? [...] ela é a mulher que, muitas vezes numa idade
muito jovem, começa a atuar de acordo com sua necessidade
compulsiva de ser um ser humano mais completo e livre que – talvez
então mais tarde – a sociedade onde vive a deixará ser. Essas
necessidades e ações ao longo dos anos conduzem a um conflito
doloroso com as pessoas, situações, formas aceitáveis de pensar, de
sentir e se comportar, até que se encontra num estado de guerra
permanente contra tudo a sua volta e geralmente também com ela
própria. Pode não estar totalmente consciente das implicações políticas
do que para ela começou como necessidade pessoal, mas num dado
plano não foi capaz de aceitar as limitações e a opressão imposta pelo
papel mais básico da sua sociedade – o papel de mulher.45

Assim a característica fundamental da lésbica seria a ruptura com a expectativa de


uma socialização feminina, e sendo na construção de gênero a feminilidade uma
disciplinação para o exercício da heterossexualidade, a recusa dos papéis de gênero pode
se dizer constitutivo das construções das identidades lésbicas, como pode ser visto nos
depoimentos:

44
Um coletivo lésbico-feminista que nos anos 1970 escreveu o manifesto ―A mulher que se identifica
com a mulher‖, em reação à exclusão das lésbicas pelo movimento de libertação de mulheres nos
Estados Unidos.
45
Tradução nossa
39

E também quando pequenininha eu adorava andar sem camiseta assim.


Aí todo mundo achava que eu era piá, até eu achava que eu era piá.
Andava assim descalço, só de shorts assim, e ficava traquinando,
parecia que nem um piazinho... (Rosa)

E é até engraçado assim, pelo meu irmão ser todo... ele tentava me
arrumar assim, pra ir pra festas, e tipo, ai, passa maquiagem, e coloca
brinquinho, e não sei o que, e eu não, eu não quero, e tal. Acho que eu
tenho duas fotos maquiadas só. Disso tudo, eu ficava nervosa quando
tentavam me arrumar. ―Vamo pra loja, comprar roupa decente‖, eu só
usava roupa de molecão assim. Sempre tinha que ter um shortão assim,
uma regata... (Clara)

Em ―O Segundo Sexo‖, Simone de Beauvoir apresenta a experiência da


feminilização como socialmente construída. Assim, ―não se nasce mulher, torna-se‖ (1967),
e nenhum destino anatômico determina o gênero, e demonstra como ser mulher foi e é um
aprendizado que tem por conseqüência o ―cortar-lhe as asas‖ e limitar suas ações assim
como sua plena humanização e as possibilidades da experiência existencial humana. Em
seu capítulo sobre a lesbianidade, de Beauvoir apresenta a lésbica como transgressora da
ordem supostamente natural de gênero e da submissão masculina. Assim, coloca-se em
questão se são as lésbicas que são desviantes da feminilidade, ou se só a masculinidade
concentra o direito de se ser um ser humano, uma pessoa, e não necessariamente a
execução de um papel de gênero limitador e mesmo nocivo a subjetividade.

Além da recusa da feminilidade, em algumas falas se nota uma narrativa que apela
à formulas essencialistas, dizendo de um sentimento de ser lésbica ―desde nascença‖, o que
viria a negar a literatura construcionista, feminista, anti-identitária discutida e a perspectiva
Sócio-Histórica adotada46:

Eu acho que eu fui lésbica desde... sempre. Porque eu era bem


molecona, fazia tudo de piá, pegava roupa de piá, quando eu era
pequenininha andava sem camiseta em casa, bem molecão assim, vivia
na rua jogando futebol, nossa era viciada em bafo, aquelas figurinhas
sabe? E eu sempre tipo... olhava as meninas. Olhava mais as meninas
do que os meninos. Mas eu preferia estar sendo hetero, uma coisa

46
Todas convergem entre si por rejeitarem o essencialismo, mesmo que o façam de diferentes
formas.
40

que não existe em mim, pra ser certas pros meus tios, pros meus
pais, sei lá. Mas assim, se eu pudesse me revelar, no caso, me aceitar
desde pequena, com certeza eu viraria, eu seria lésbica... Mesmo
porque, eu não vejo graça em homem assim. (Clara, grifo nosso)

Porém, na fala acima, poderia ser extraída, mais que a suposição de um


essencialismo, o questionamento da heterosexualidade obrigatória, porque apesar do
discurso social que nega a sexualidade infantil, este supõe a heterosexualidade à toda
criança e a todos nós, desde que nascemos, seja na completa invisibilidade de personagens
gays e lésbicos em desenhos animados infantis, seja na compulsoriedade com a qual
veiculam imagens de feminilidade, família nuclear heterossexual também nas animações
televisivas e nos cinemas, e nos jogos infantis como bonecas que possuem sempre um
namorado (Ken, o namorado da Barbie). Assim a totalidade das representações sociais
dirigidas à infância intenta orientar a sexualidade e as identidades para a
Heterossexualidade, também qualificando quem não atende essa expectativa como
desviante. Em contrapartida, proliferam debates em TVs e jornais em que psicólogos
defendem a ameaça que a adoção gay representará para a infância (BUTLER, 2003).

A infância é um objeto altamente investido pelas instituições heterossexuais,


políticas, educacionais e Estatais justamente por ser um projeto: o projeto da sociedade de
Capital e o projeto familiar burguês. A idéia de infância foi criada na Modernidade para
respaldar a ascenção da família burguesa, núcleo fundamental de apoio à ascenção dos
Estados Nacionais modernos. O corpo da criança emerge nesse contexto como fator
produtivo social. Juntamente com ela, foi criada a Maternidade, destinada a conservar o
corpo da criança e educar este corpo na transmissão da ordem moral (VOLNOVICH, 1993).
A maternidade também foi criada como algo natural, de forma que o Estado promove uma
economia de corpos através do estímulo à conservação dos filhos, também se desonerando
da atividade de formação dos cidadãos e de adequados trabalhadores.

A reprimenda social às famílias, cobradas e responsabilizadas pela formação dos


sujeitos, e às ―mães desnaturadas‖, o apêlo da infância nas nossas sociedades e até mesmo
a criminalização do aborto podem ser vistas como expressão desse cuidado conservador em
relação às instituições sociais e estatais. A família é considerada por Althusser um dos
aparelhos ideológicos do Estado (REIS, 1993) e ao se representar não somente como a
41

normalidade, mas como a única possibilidade, nada mais faz do que cumprir a função
ideológica que a respalda.

Assim mesmo a noção de uma experiência essencialista da identidade é contraposta


e questionada por outras entrevistadas:

Então a partir daí eu passei a ter uma formação assim de procurar, de ir


atrás. Realmente eu me propor a ir atrás daquilo que eu queria saber o
que era. Por isso eu geralmente entro em conflito com quem diz: ‗Ah eu
nasci assim‘. Eu acho isso muito batido porque você nascer assim é
uma coisa... mas você se auto-afirmou indo atrás do que você quer.
(Maria)

Foi falado bastante da recusa da feminilização enquanto uma socialização restritiva,


presente no discurso de algumas entrevistadas. Porém, Vera apresenta sua história de uma
outra maneira, em que a aceitação de si mesma e a identificação com a lesbianidade fez
com que, nas palavras da entrevistada, vivesse e assumisse mais livremente uma forma de
ser sua, significada por ela dentro da noção de uma ―feminilidade‖:

É assim, eu tava analisando esses dias, eu nem tinha percebido, mas é


que eu parei pra pensar: os caras chegam em você e você fala: sou
lésbica. ―Mas nossa, nem parece‖. Né? Pra eles tem um estereótipo de
ser lésbica, e tal. Aí comecei a pensar que, quando eu não era
assumida, eu não me arrumava, eu gostava de usar roupa larga, eu
usava pra esconder meu corpo, não gostava de mostrar o meu corpo...
Porque eu achava que aquilo era... que ia atrair homem, e ia ficar
homem em cima de mim [...] E depois da fase que eu me assumi, eu
falei: agora que eu sou assumida... eu vou me arrumar, passar
maquiagem, vo colocar um shortinho, vestido... (Vera)

NESTLE (1981 apud GOODLOE, 1993) faz uma defesa das identidades lésbicas
femininas e masculinas e uma crítica ao reducionismo feminista que classifica muitas vezes
os casais em que uma é ―mais feminina‖ e outra ―mais masculina‖, ou as identidades
lésbicas que apresentam uma identificação com esses papéis, de estarem reproduzindo a
Heterossexualidade. Essa análise para ela é produtora de invisibilidade, e além de definir um
modelo ―ideal‖ de lesbianidade, oculta a história de resistência que representaram essas
42

identidades. Diz do roubo realizado pelas butchs47 dos trajes e comportamentos masculinos:
―Elas nunca se apresentaram para mim como homens. Elas anunciavam a elas mesmas
como mulheres-tabu que desejavam identificar sua paixão por mulheres vestindo roupas que
simbolizavam a tomada de responsabilidade‖48. Também diz que as lésbicas masculinas
―sempre estiveram se opondo ao Patriarcado no passado, talvez tanto mais quando se
pareciam mais com homens‖49. Diz o mesmo quanto às lésbicas femme50 (1984 apud
GOODLOE, 1993), e considera esses jogos de papéis como uma ―conversação erótica entre
mulheres‖, de grande valor histórico: uma mulher femme, vestida no que poderia ser
considerado convencionalmente feminino e portanto, concebido para atrair os homens,
estava de fato subvertendo essa convenção por usar isso para atrair mulheres.

Butler (1999) fala da nossa tendência a tomar a Heterossexualidade enquanto uma


matriz legítima, quando dizemos que as drag queens, travestis, transexuais, e lésbicas
masculinas ou femininas estão a copiar a ―Heterossexualidade‖. Desta forma, não há um
gênero real, pois todo gênero é uma ficção construída por atos performativos que precisam
ser reiterados continuamente para se manter e produzir a ilusão das identidades de gênero.
‖Gênero é um tipo de persistente impersonificação que passa como real‖ (p. 31).

Isso nos diz da diversidade que compõem as identidades lésbicas, e das diferentes
estratégias identitárias e subjetivas usadas para contornar e contrapôr o heteropatriarcado.

Essas produções identitárias muitas vezes são celebradas pelas lésbicas. A vivência
desses sentidos coletivos e singulares, assim como a expressão da sexualidade, é produtora
de prazer:

Tipo, eu até brinco assim, né. Que eu me segurei por tanto tempo que
quando chegou o momento de eu sair eu fui com tudo assim. Fui
fazendo filas assim. (Clara)

Ah eu gosto de ser... sapatão (ri). Eu me sinto mais confortável com


as roupas que eu uso. Eu não trocaria calça jeans por um mini-shorts,
por uma regatinha assim, eu me sinto bem, eu acho que eu me sinto
bem, eu devo estar feliz do jeito que eu me sinto bem sabe [...] Eu me

47
Termo em inglês para o que teríamos por equivalente o ―Bofinho‖ no Brasil.
48
Tradução nossa
49
Tradução nossa.
50
Termo em inglês para o nosso equivalente ―Lady‖.
43

sinto melhor usando essas roupas e não mudaria. Eu amo boné, adoro
boné... (Clara, grifo nosso)

―Sapatão‖ aqui pode ser compreendido, no uso feito por Clara, como a
característica de ser facilmente percebida como lésbica e disso ser visível, geralmente pelo
comportamento e trajes que indicam uma não-conformidade de gênero. ―Sapatão‖, assim
como outros termos surgidos em contexto de homofobia, são apropriados nestes contextos,
e deixam de ser pejorativos. Utilizada por heterossexuais, é uma forma de ofensa, e de
acusar que uma mulher é diferente do que se espera que ela seja. Existe para gerar medo e
para implantar uma vigilância sobre o adequado seguimento da normatividade de gênero.
Pelas lésbicas, é apropriada no sentido dessa auto-acusação e de reconhecimento mútuo
entre estas. Ser ―Sapatão‖ se torna uma forma de consciência comunitária, expressão de
uma cultura lésbica comum.

Há portanto, nas lógicas identitárias lésbicas, valorização das características


compartilhadas por outras lésbicas , geração de códigos e comunicações, e diferentes
maneiras de ser lésbica com significados que podem variar muito na forma como os
interpretamos e são vividos.

B) RELAÇÕES SOCIAIS: DESTITUIÇÃO E RECONSTITUIÇÃO DOS ESPAÇOS

DE PERTENÇA

Frente à vivência da exclusão e da discriminação, com muitas vezes a falta de


aceitação nas suas famílias, a impossibilidade de dividir suas vidas com aqueles que não
sabem ou ―não vão entender‖ (como fala uma das entrevistadas), o desconforto em outros
ambientes sociais, a insuficiência da mera tolerância por parte dos demais com quem
convivem e a insegurança no trabalho, lésbicas são levadas à busca de reconstituição de
um espaço de pertencimento social, que aparece de muitas formas em algumas falas, e as
estratégias variam para a busca de ambientes mais tolerantes ou específicos de iguais
(lésbicas ou LGBTs51):

51
Sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, será utilizada aqui para evitar o termo
genérico ―gay‖ e os riscos de invisibilidade que apresenta, assim como por representar várias categorias
dissidentes sexuais.Também é utilizada a sigla LGBTTI, incluindo então os travestis e transexuais como
experiências separadas de gênero e sexualidade e incluindo a população intersex. Termos inclusivos
44

Também me solto mais com pessoas gays… sei lá me sinto mais


segura e as pessoas, querendo ou não, as pessoas gays são as
pessoas que você pode mais conversar, mais confiar […] Na verdade
como eu falei, eu me sinto mais segura conversando, assim, falando
com pessoas que gostam das mesmas coisas, sabe?[…] Eu prefiro
conversar com pessoas que gostam da mesma coisa… (Clara)

Nesta fala, a comunidade de outros LGBTs é caracterizada como um espaço de


acolhimento e compreensão, assim como de identidade, no sentido de reconhecimento e
partilhamento de vivências, por outro lado, caracterizando os demais espaços sociais como
espaços em que não se encontra esse conforto e entendimento que essas comunidades
oferecem.

Ah, é um tipo de código, você chega lá e ‗Ah, essa sapatão‘. Eu acho


legal isso. Que você não é só um grupinho assim, que em qualquer
lugar que você vá, as pessoas vão te ver e ‗Nossa, aquela menina
lésbica‘, reconhecem já de cara assim. Ah, eu me sinto bem assim, as
pessoas tipo ‗Ah piazinho, sapatão‘, to nem aí pro que as pessoas
falam. (Clara)

A constituição de comunidades e coletivos lésbicos é marcada pela produção de


uma linguagem e cultura própria, em que dêem sinais umas às outras de sua existencia e
criem cumplicidade. Sinais que ao mesmo tempo, não são claramente evidenciados pela
heteronormatividade, mesmo que se constituam em uma espécie de afronta a seus valores.

A Família aparece nos discursos das jovens lésbicas entrevistadas como um espaço
bastante valorizado, e igualmente, de decepção. É colocado como um espaço primeiro de
apoio social, que se queixam, contudo, não ter tido, tendo que constituir outros espaços de
referência, sejam nos relacionamentos íntimos, sejam nos relacionamentos afetivos em geral
ou na comunidade LGBT. Também, a família é tomada como uma instância de legitimação
no processo de auto-representação social:

Assim, tem mais aceitação dos amigos, da galera do trabalho, do que...


em casa eu tenho aceitação mas não a que eu queria sabe?[...]

desenvolvidos em substituição ao termo genérico gay, já que caracterizaria a experiência de


homossexuais masculinos como representativa dos demais segmentos, promovendo invisibilidade
sexista, pois na história são as experiências dos homens as que conseguem a possibilidade de
representação e registro.
45

Esperava um pouquinho mais de apoio, que nos compreendessem


sabe? Que ela às vezes insiste que eu deveria ter um homem, e pra, sei
lá. Tipo eu to mostrando pra ela que não precisa disso, pra ser feliz nem
nada. Eu tenho uma pessoa que eu quero, eu tô feliz com ela... (Clara)

...eu sou uma pessoa muito carente. O que eu não recebo em casa eu
recebo dela. (Clara, se referindo à Rosa)

...eu não posso fazer uma coisa assim por mim [processar a empresa
que demitiu por discriminação] se não tenho nem minha mãe que é por
mim. (Rosa)

Hoje é só meus pais mesmo, porque todo mundo me aceita. (Rosa)

A Família se torna também muitas vezes, o primeiro e mais estratégico espaço de


enfrentamento do Heterosexismo, sendo que após o processo de auto-aceitação na
identidade lésbica, o passo seguinte é a revelação aos familiares, nem sempre receptiva, e
onde muitas vezes reencontram a demanda de omissão de suas identidades:

E por isso né, ela [mãe] pediu que eu não assumisse pra minha família,
que eu não contasse pros meus amigos, né, que eu tentasse camuflar,
e esconder. Que foi o ponto em que eu divergi com ela [...]Eu só tinha
uma coisa em mente: que eu não ia ficar com homem porque a minha
mãe queria isso. (Vera)

A aceitação também é colocada como ambígua, e nem sempre bem sucedida:

Eles aceitam porque sou eu. Não aceitam minha condição de lésbica. É
uma ‗aceitação‘. (Maria)

Na fala das entrevistadas, outros espaços também são colocados como importantes
espaços de busca de sua identidade lésbica ou comunitária LGBT, ou espaços mais cômodo
de convívio e lazer, como por exemplo: grupos de atuação política e militância, internet,
lugares de freqüência da população de lésbicas, ou de gays e lésbicas (GLS)52, também
chamados de espaços ―alternativos‖ (baladas, bares, cafés, etc), assim como busca cultural
(filmes em temática lésbica ou LGBT), e a convivência com grupos mais abertos à questão,

52
Sigla para Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Essa sigla foi mudada pelo movimento social, que utiliza
LGBT, mais inclusivo, não omitindo os sujeitos Trans. Essa terminologia, contudo, permanece sendo
utilizada por estabelecimentos comerciais para essa população, ou como forma de se referir à estes.
46

e até mesmo a busca por cidades em que haja maior presença de lésbicas, gays, bissexuais
e outros nas ruas e ambientes públicos. Lugares em geral onde se encontrar ―iguais‖. Há
também uma expectativa em espaços abertos ao debate social e político como universidade,
mas havendo diferentes experiências de aceitação ou de tolerância nestes espaços nos
relatos que trouxeram. A perda da identificação com heterosexuais e até um rechaço e
evitação do convívio com eles também é evidente nos relatos:

Não sei, eu tenho a opinião de que é meio grosseiro o hetero… tanto


homem… mais homem do que mulher. Neste ponto. (Clara)

…porque alguns amigos heteros, na verdade um em especial, eu contei


alguma coisa para ele e ele fala: ‗Ah, eu to me sentindo sujo agora que
você me contou isso‘, alguma coisa assim. (Rosa)

Essa evitação do convívio com heterossexuais não pode ser compreendida fora
do contexto em que vivenciaram exclusões, rejeições, pressões por adaptação, e a própria
obrigatoriedade social da heterossexualidade, que tornaram aversivo e hostil esse contato,
tornando a busca por uma identidade diferenciada e a comunidade de iguais em um
mecanismo também de proteção.

Não somente a busca por espaços em que transitem ―iguais‖ se torna estratégia
de sobrevivência deste grupo, mas também os relacionamentos afetivos e as vivências de
sexualidade possuem um papel importante seja na definição de suas identidades, seja no
confronto com os modelos de sexualidade hegemônicos, seja como fonte de apoio
emocional ou material. Muitas vezes aparecem nos discursos de Rosa e Clara como fontes
de reconstrução de um espaço de acolhimento:

Também, eu acho que é mais fácil assim, eu conversar com ela e poder
assim, que ela fale comigo e eu fale com ela, já que a gente não tem
essas coisas assim mais entre a gente, porque não é muito seguro
contar para outra pessoa, e a gente nunca sabe quando essa pessoa
realmente aceita. (Rosa)

Eu acho que as lésbicas são mais carinhosas, carentes assim, e elas


procuram, quando elas encontram uma pessoa elas se afastam do
mundo para viver o relacionamento delas. Por isso que em baladas
você vê poucas lésbicas, em barzinhos. Elas vivem mais a vida delas,
47

quando elas encontram a pessoa delas, elas vivem mais isoladas do


mundo (…) Eu acho que os gays tem mais presença por isso. As
lésbicas não, no nosso convívio assim, a gente prefere ficar mais em
casa que sair pra balada assim (Clara).

Aqui, a entrevistadora procura dar uma resposta, de acordo com sua vivência, da
invisibilidade lésbica. Podemos pensar presença da construção social da feminilidade nessa
experiência da existência lésbica, que segundo Indurria (2008, p. 141) acentua a
invisibilidade destas como consequência da socialização de gênero, marcando o lugar social
das mulheres como sendo o da passividade e da invisibilidade. Mas também, podemos
pensar nas vantagens da invisibilidade igualmente, servindo como uma espécie de
―proteção‖, ao impedir a rejeição social e a exposição às atenções da ordem dominante.
Essa proteção é um engano para lésbicas, pois como diz de Oliveira (2006):

A exclusão e marginalização a que as mulheres lésbicas estão sujeitas


reafirma a imposição da vivência clandestina e silenciosa das emoções,
o não compartilhar seus amores, sonhos e seu cotidiano com a família,
com os amigos. Este silêncio é uma tentativa de eliminar as diferenças,
como se a sociedade, negando a lesbianidade e a homossexualidade,
pudesse impedir sua existência.

No entanto, muitas lésbicas mantêm esse segredo por medo de perder apoios
sociais importantes como família, amigos, emprego, religião.

Porém, na fala de uma entrevistada, a maior tendência à relações estáveis de


lésbicas relatada pelas demais entrevistadas como uma forma de proteção, reconfigurando
um espaço de domesticidade e que poderia ser um dos aspectos da sua invisibilidade em
espaços de LGBTs ou espaços públicos em geral, não é confirmada como resultado de uma
escolha pela invisibilidade e omissão, mas contrariamente, é tida como uma contestação dos
modelos de visibilidade gay53 fornecidos por uma sociedade heterosexista:

Só que eu acho também que a gente não precisa aparecer em balada


também, a gente tem que aparecer mesmo em lugares públicos

53
Usei o termo gay por representar historicamente a expressão dessa tendência, por ter sido uma
identidade bastante alvo do liberalismo e da mercantilização do movimento. Muitos gays assimilaram a
lógica do sistema, pensando realmente que possuir espaço social é ter nichos de mercado específicos,
poder econômico, acesso à indústria sexual e à outras instituições sociais que são na verdade
heterosexistas e cúmplices do racismo e da homofobia.
48

pros heteros verem a gente, e não os gays verem a gente. Eles já


estão acostumados, os gays sempre têm uma amiga lésbica. (Rosa,
grifo nosso)

Para Rosa, também não interessa a busca de ambientes como baladas gay uma vez
que possui um relacionamento estável, e os espaços das baladas tem em sua concepção
inicial favorecer encontros sensuais e sexuais para esta população, já que no restante da
sociedade a invisibilidade dificulta o encontro de relações amorosas com tanta facilidade.
Embora tenham em sua origem esse propósito, acabam se tornando um espaço de
socialização importante para LGBTs.

C) HETERONORMATIVIDADE E INSTITUIÇÕES QUE NORMALIZAM

Rich (2010) entendeu a Heterosexualidade enquanto sendo também uma Instituição


Política, podendo ser entendida como o cerne de tantas outras instituições sociais pelo lugar
estratégico que ocupa a Família e a reprodução, assim como os papéis de gênero na
sustentação do sistema capitalista:

O fracasso de examinar a heterossexualidade como uma instituição é o


mesmo que fracassar ao admitir que o sistema econômico conhecido
como capitalista ou o sistema de casta do racismo são mantidos por
uma variedade de forças, incluindo tanto a violência física como a falsa
consciência. Tomar passo a favor do questionamento da
heterossexualidade como uma ―preferência‖ ou ―escolha‖ das mulheres
– e, assim, fazer o trabalho intelectual e emocional que vem a seguir –
irá exigir coragem de uma qualidade especial das feministas que se
definem como heterossexuais, mas acho que a recompensa será
grande: uma libertação do pensamento, a exploração de novos
caminhos, a dissolução de outro grande silêncio, uma nova claridade
nas relações interpessoais54 (RICH, 2010, p. 19).

54
Não acho que a autora esteja invalidando a vida de muitas mulheres que vivem e constróem suas
vidas com homens ao dizer isso. Ao apontar a Heterosexualidade enquanto instituição se está retirando
esta da ―Ordem da Natureza‖ (GUILLAUMIN, 2005) e situando historicamente no contexto das relações
de poder entre homens e mulheres, fato este que não pode ser negado. Se não fosse uma construção
hegemônica e transmitida pela quase totalidade das instituições sociais, por que a categoria de
homossexuais seria uma minoria (quantitativamente falando) social, por ser uma condição natural? Isso
iria contra o que foi refletido até agora. A própria categoria ―heterossexual‖ só é possível porque a
medicina criou a categoria ―homossexual‖ e tendo sido até então uma construção que privilegiou mais
49

A vivência da heteronormatividade se mostra em diferentes formas e em diferentes


espaços sociais nos discursos analisados. Família, Educação, Trabalho, Religião,
Psiquiatria, Psicologia são instituições que aparecem nas entrevistas, atravessando a
experiência de construção das identidades das lésbicas e diferenciando das condições de
subjetivação que constróem os sujeitos de demais grupos sociais, caracterizando de outra
forma a experiência coletiva de LGBTs com resultantes na Saúde Mental. Uma das
entrevistadas relata desenvolvimento de transtornos psicopatológicos:

Nesta fase de eu tentar ser normal, eu desenvolvi doenças


psicológicas, T.O.C., pânico, depressão… Porque era uma coisa que eu
tentava forjar, né, que eu tentava mentir o tempo inteiro, e você tentar
mentir o tempo inteiro é uma coisa que… né, desgraça a sua vida.
(Vera, grifo nosso)

Independente das críticas possíveis à construção de Saúde Mental nos discursos


sociais dominantes e a reprodução destes ou não nas entrevistas, o relato traz, para além
das classificações psiquiátricas, que a tentativa de encaixar-se na Heterossexualidade
dominante se revela como produtora de sofrimento psíqüico.

Também a Psicologia é uma Instituição Normalizadora presente nas falas:

Ela pediu que eu contasse para o meu pai, eu não queria contar, de
nenhuma forma, que eu também tinha muito medo assim… aí acabou
rolando, ela falou né, daí meu pai me mandou para quem? O
Psicólogo. Né, é uma coisa bem normal (Maria, grifo nosso).

Além do ―Pai‖ estar bem representado nessa fala como um referente simbólico da
ordem e como uma instância máxima, quase parecida com o próprio Estado ou Deus, que
chega pela fala da mãe como incubida socialmente de mediar essa relação55, também a

homens do que mulheres, me parecendo ilegítimo que mulheres reivindiquem uma construção de
sexualidade e identidade inventada pelos homens e não por elas. É o mesmo que reclamar a
feminilidade, coisa que já foi superada no começo dos estudos feministas e apontada como uma
construção hegemônica e que jamais gera autonomia, somente desumanização. ―De fato, a melhor
maneira de assegurar uma dominação é se fazer amar e desejar pelos dominados‖ (SWAIN, 2000, p.
35). O contexto descrito por Swain explica parte das violências empregadas sobre sexualidades
dissidentes, já que elas ameaçam uma estrutura de poder Masculina e Capitalista. Cabe recusar esses
modelos e construir novas relações entre seres humanos.
55
Os Pais das outras lésbicas não apareceram nos discursos delas. No discurso de ―Maria‖ ele aparece
mediado pela fala da mãe. ―A estrutura da vida familiar tal como a conhecemos se baseia na premissa
50

Psicologia nesta fala é interpretada, mesmo reconhecendo-se seus possíveis benefícios,


como uma tentativa de adaptação, quando empregada no contexto da repressão familiar,
instrumentos que, aliás, falham em seu intuito inicial:

Para mim foi bom, foi um tipo de auto-ajuda, eu fui, freqüentei algumas
sessões, mas eu não ia mudar de idéia por causa daquilo. […] Mas o
Psicólogo não resolve nada, ele não vai modificar ninguém. (Maria,
grifo nosso)

Além da Psicologia e da Psiquiatria, a Religião se torna dispositivo importante de


adaptação quando empregada de formas específicas e em contextos de
heteronormativização:

No dia em que aconteceu esse debate na sala sobre minorias e etc, que
eu acabei no fervor do debate me assumindo pra sala, professora
depois me procurou e perguntou se eu queria fazer parte da Igreja dela.
Então eu me senti violentada, pois foi uma coisa assim que, né, eu não
sou doente, eu não sou anormal, né, eu não preciso da igreja dela, da
igreja de qualquer outro, pra que eu me cure, porque eu não tenho nada
[...] e foi assim, uma forma de violência também que tem que ser
apontada, porque às vezes a pessoa sofre isso e não entende como
violência. O importante é você perceber que está sendo violentado o
tempo todo. (Vera)

Daí... eu vou lá, teve uma época até que ela me mandou prum Retiro,
assim, numa Igreja, acho que eu fiquei... uma semana lá. Aí veio uma
mulher e me falou que eu tava com pomba-gira, demônio... e começou
a orar por mim, e que eu ia estar liberta... uma coisa assim. (Rosa)

Em outros casos, as próprias mulheres buscavam corrigir sua conduta, por meio de
tentativas de adaptação, na história de sua lesbianidade:

... eu até fiquei com uns piás porque a religião sempre falava que era
errado e aí eu achava que era errado, e eu fazia o que achava que era
certo. Mas eu não sentia muita atração sabe. Aí eu fazia o possível para

de eu a esposa tem o dever de confirmar a virilidade do marido e confirmar aos filhos a função fálica do
pai‖ (KAPLAN, 1994, tradução nossa). O papel materno é construído no heteropatriarcado como o de
transmissão da ordem do Pai – a ordem social.
51

namorar com piá mas não dava certo, sentia nojo... não dava certo.
(Rosa)

Depois de relatadas tentativas de relacionamentos com homens, maior parte deles


no intuito de recuperarem uma condição de heterossexualidade, as lésbicas vão em busca
de relações com mulheres.

Muitos dos relacionamentos com mulheres são caracterizados pela vivência


clandestina, por relacionamentos escondidos, não assumidos para membros da familia e
outros ambientes de convívio humano (trabalho, universidade, escola). Fim de
relacionamentos amorosos com outras mulheres são também relatados e interpretados
como resultando das pressões da falta de aceitação da familia ou da auto-aceitação das
parceiras. A instabilidade de relacionamentos e a falta de auto-aceitação das lésbicas como
prejudicando as relações interpessoais pode ser observada:

Eu acho que se a pessoa não é assumida, assim pelo menos pra si


própria, ela tem um preconceito muito grande até mesmo com a
parceira começando por aí […]… o caso da menina que era assumida e
me aceitava tranqüilo, o caso da outra que a familia não sabia, mas saía
comigo né, pegava na minha mão, me beijava, tudo mais, e o caso da
terceira que não, não queria nada, não podia fazer nada que
incomodava ela. Eu não posso dizer por elas entendeu, mas com
certeza, atingiu mais a questão da cabeça de cada uma assim, do que
elas pensavam […]. Cada pessoa com quem me relacionei reagiu de
uma forma, tinham namoradas que se assumiam do meu lado
perfeitamente, tinham namoradas que não podiam encostar a mão no
ombro que tinha medo que alguém olhasse. Claro que aquelas que
evitam mais têm uma questão de auto-preservação e uma questão de
não estar assumida com uma probabilidade bem maior do que a outra,
né, que não tinha esse problema […] Então, cada cabeça, sua
sentença. (Maria)

Quando a relação pode ser vivida abertamente, quebra com as narrativas freqüentes
de sofrimento e relações difíceis:

Você não ter que sair escondida dentro de casa, ou você não ter que
mentir pra onde você vai pra não ter que falar pra sua mãe que você foi
52

dormir na casa do seu namorado mesmo ela sabendo que você namora
com mulher. Então esse último relacionamento foi muito bom neste
sentido. (Vera)

As narrativas dramáticas e trágicas são colocadas por Swain (2000) como parte de
uma construção ocidental da lésbica. Quando temos acesso às representações de
lesbianidade, a lésbica é retratada como doente e infeliz, autodestrutiva, e não possuindo
nenhum romance que não seja frustrado, reconfigurando um imaginário favorável ao
Patriarcado onde todas mulheres são devolvidas então aos braços de um homem no final.
Esse imaginário parece se materializar à força nas relações concretas das lésbicas, sendo
destruídas pelas pressões da heteronormatividade.

A cumplicidade com a invisibilidade como uma forma de proteção anteriormente


apontada, fazendo com que tenham que achar estratégias constantes de se esconderem e
disfarçarem, para não serem notadas como divergentes, com o tempo gera desgaste
psíquico, levando à mudança de condutas:

Mas assim, a idéia de se esconder assim, é a sensação de que você


tem que viver com uma máscara assim sabe. Você entra num lugar com
uma máscara, aí você sai você tira. É horrível você ficar se escondendo
das pessoas. (Clara)

...e eu, já que eu tinha me assumido pra ela [mãe], eu queria me


assumir pra minha família, pros meus amigos, pra sociedade... porque
chega um ponto em que você não se sente mais você. (Vera, grifo
nosso)

Olha, às vezes eu fico realmente pensando assim, se é um pecado,


coisa assim. Mas eu... eu não ligo muito sabe. Porque se for um
pecado, eu prefiro estar cometendo um pecado do que estar contra...
contra meus conceitos. Estar com um homem sabe? Eu não vou... não
vou ‗tá feliz, de estar com um homem... Eu prefiro assim então, sabe.
Ficar infeliz... (Rosa)

Porém, assim mesmo, a invisibilidade permanece presente em muitos momentos da


existência lésbica nos diversos espaços sociais, geralmente como estratégias de
preservação pessoal como pode ser visto nas falas que seguem:
53

Até hoje meus tios nunca ouviram da minha boca ‗ Eu gosto de mulher‘.
Eles desconfiam, eles sabem, né, tem aquele burburinho de família,
mas ninguém perguntou [...] Com certeza subliminarmente eles sabem
[...]Eu não vou chegar pros meus tios e meus primos e falar ‗Vem cá,
vou te falar uma coisa agora‘. Pra mim não faz diferença eles ‘tarem
sabendo [...] Foge do entendimento, ter que ficar comentando coisas
particulares da minha vida com meus tios, padrinho, madrinha em
geral. (Maria, grifo nosso)

Mas mesmo assim, eu ainda me reservo, principalmente no


trabalho, eu não vou chegar ‗Ah sou lésbica‘ numa entrevista nem
nada. Acho que isso nem convém falar. (Maria, grifo nosso).

Assim, no meu emprego eu nunca cheguei a mentir. Eu sempre omitia.


(Clara, grifo nosso).

Como argumentado, o ―Armário‖ é uma cilada que parece oferecer a ilusão de


proteção e conforto, mas custa uma vida cheia de restrições e mentiras. Embora as falas em
geral apontem para o reconhecimento da vivência não desmentida, desconversada, omitida
e escondida da lesbianidade, essas falas em específico falam de abrir uma concessão ao
―Armário‖ quando se trata do trabalho. Assim pode ser compreendido que o que motiva a
cumplicidade com a invisibilidade por parte de muitas lésbicas é a possível privação
econômica. A existência da lesbo-homofobia torna mais delicada a condição de LGBTs em
espaços de trabalho, ao mesmo tempo que, ao serem muitas vezes não aceitos nas famílias
de origem, são os que mais necessitam de independência financeira, o que certamente deve
afetar também a sua qualificação profissional por não poderem ser sustentados pelos pais
como é a condição de muitos jovens. A privação econômica também é uma motivação para
o segredo dentro da família, como fonte esta também econômica e de existência material.

A sexualidade é uma vivência íntima, e vivida de forma privada56. A lesbianidade é


construída não como a síntese de toda produção da existência de uma mulher que ama e
deseja uma mulher, em seus âmbitos culturais, intelectuais, profissionais, artísticos,
espirituais,57 mas como um comportamento e ato sexual privado. A condição de se realizar
uma luta política na questão da sexualidade é justamente que essas existências são

56
Ao menos, desde a Modernidade, ou desde o surgimento das civilizações Patriarcais.
57
Designando espirituais aqui não por espírito mas por espiritualidade, de forma a contrapôr o livre
exercício de práticas religiosas-culturais com as instituições religiosas demonstradas nas falas.
54

definidas como sexualidade, em uma concepção de sexualidade que além de se reduzir à


prática, desvia a percepção desses sujeitos em seu aspecto mais total. Além da nossa
sociedade possuir uma herança cristã e patriarcal que controla e reprime duramente o
desejo e o corpo, numa sociedade de classes e liberal o direito a privacidade se constituiu
enquanto o que de mais básico define a cidadania, e a democracia veio se articulando na
esfera Patriarcal das leis enquanto garantia de direitos privados (PATEMAN,1993, p. 35).

O desafio para a desconstrução das relações homo-lesbofóbicas exige


necessariamente que se redefina as identidades sexuais enquanto identidades políticas, por
serem geradas em condições políticas que não são iguais às de heterossexuais. 58 São
políticas por serem alvos de violações de Direitos Humanos, violências, repressão, uma
vivência mais prejudicada, maiores dificuldades de acesso à Justiça. A sexualidade não é
um direito e exercício privado, é um produto da atividade histórica humana e, em última
instância, a prevenção aos arranjos diferentes de uniões eróticas e relacionais que as
hegemônicas talvez digam respeito ao barramento de novas configurações de parentesco
(BUTLER, 2003) que viriam a derrubar a estrutura na qual se organizam as relações raciais
e a sociedade patriarcal e de classe.

A privação econômica é uma ameaça maior às mulheres, que na estrutura patriarcal


não possuem nem os meios de produção nem os próprios meios reprodutivos, ou seja, o
próprio corpo é expropriado nas relações patriarcais, seja no casamento, na prostituição, nas
representações feitas pela pornografia e nas revistas femininas que ditam uma subjetividade
alienada. A feminilização é não só uma imposição, mas uma necessidade para a admissão
no sistema masculino que é também o sistema que detém os recursos materiais de vida.
Sendo a passividade, a obediência, a invisibilidade e o silêncio aquilo que o Patriarcado
requere às mulheres – a submissão59, características estas justamente as resultantes da

58
Um exemplo são os grupos que dizem representar a ―Parada do Orgulho Hetero‖, que invadem as
paradas da Diversidade todos os anos no país com heterossexuais segurando cartazes e se dizendo
reprimidos pelo crescimento da Homossexualidade, muito semelhante às brincadeiras feitas com as
camisetas pretas geradas pelo movimento negro que tinham escritas ―Orgulho Negro‖, tendo uma época
surgido camisetas estampadas com ―Orgulho Branco‖. Essas atitudes não podem ser compreendidas
como não sendo Homofóbicas e Racistas, por constituírem-se em reações de grupos que se vêem
prejudicados em seus privilégios e questionados em sua hegemonia. A Heterossexualidade não pode ser
compreendida como o inverso de Homossexualidade. A Heterossexualidade é um regime político que
criou todas categorias e definições sexuais que temos. Tais reações partem também de uma premissa
liberal do direito privado.
59
Punindo em muitos países com morte às mulheres insubmissas, com o apedrejamento das mulheres
no Irã, clitorectomia em alguns da África, imposição da burca em outros países do Oriente Médio, os
feminicídios anuais no México e mortes por aborto clandestino sem assistência médica no Brasil, por ser
55

invisibilidade lésbica para as suas subjetividades, a feminilidade se torna compulsória


porque necessária ao mundo do trabalho (MACKINNON, 1979 apud RICH, 2010, p. 11).

É porque tem pessoas assim, não sei por quê, mas eles vão fazer uma
entrevista de emprego eles tem que perguntar se você tá namorando,
se você tem filho ou alguma coisa íntima. Eu não sei por quê, não tem
necessidade deles saberem isso. Daí acho que acaba ficando mais
difícil assim. Porque eles vêem uma aliança no meu dedo eles acham
que eu tenho namorado. Daí eles ficam perguntando... (Rosa, grifo
nosso)

Ah, eu também, eu não minto, mas eu omito assim. Se eu... eu vou


adiando assim. Mas se chegar e perguntar eu não vejo problema
nenhum assim. Talvez se prejudicar meu trabalho, se eu souber que vai
prejudicar meu trabalho, eu posso esconder mais. Não vou esconder,
porque isso aí é vida pessoal, não tem nada haver com a vida
profissional. (Rosa, grifo nosso)

As violências homo-lesbofóbicas, assim, não se manifestam sempre na forma mais


direta: demissões em emprego, assédio moral e até mesmo ameaça de estupro foram
também elementos comentados pelas entrevistadas.60

Os custos da invisibilidade também são coletivos. Somente coletivamente se supera


opressão. Quanto mais invisíveis, menos direitos, menos informação, menos presença
social, menos presença nas políticas públicas e em âmbitos de decisão. O discurso de
―minha vida pessoal não diz respeito a ninguém‖ não protege aquele que se omite, e ainda
expõe outras lésbicas em condição de vulnerabilidade.

Mas a invisibilidade não é um campo sem presença ativa dos sujeitos: ela se
apresenta também nos regimes de códigos e nos silêncios, nos não-ditos ou semi-ditos,
engendrando economias simbólicas alternativas de comunicação em meio a um regime de
repressão, em que as lésbicas procuram enunciar ou comunicar algo de sua condição, criar
alianças:

crime e ilegal, números que totalizariam e se comparariam com os genocídios étnicos e holocaustos
ocorridos na história, podemos entender como a feminilidade se torna compulsória e porque a
lesbianidade representa o risco maior à hegemonia patriarcal, e porque invisibilidade é uma forma das
lésbicas se ―feminilizarem‖ e serem assim, mais admitidas no sistema.
60
Nas entrevistas ou no contato verbal, não registrado por falhas técnicas durante gravação.
56

...Eu procuro dar pinta de ser lésbica do que eu mesmo ter que falar
assim. Por isso que assim, eu tenho uma corrente, que tá escrito Rosa
[...] e assim, eu sempre procuro deixar bem à mostra assim, pra tipo, se
a pessoa tem dúvida, aquilo esclaresça a dúvida. (Clara)

Então, outras formas de dizeres são eleitos na comunicação, formas indiretas,


subliminares, sutis, deslocamentos de sentidos, em vez da palavra.

A invisibilidade é produto da própria economia de Saberes ainda no espaço familiar


e no acesso desse saber, com relação às suas sexualidades, o que gera o próprio processo
de assumir61:
Eu sempre senti atração por mulher desde que eu tinha uns 10 anos,
que eu lembro, mais ou menos. Só que isso era bem confuso e eu não
sabia nada, em parte da sexualidade, meus pais não comentavam nada
comigo. (Maria)

A invisibilidade causa ainda a idéia socialmente difundida de que lésbicas sofrem


menos opressão que homens gays62, noção resultante da própria construção das mulheres
enquanto disponíveis ao prazer masculino. Lésbicas pareceriam não ameaçadoras ao
patriarcado porque mulheres são erotizadas por este. Não se entende que isso não constitui
em sinal de aceitação e sim de ódio à mulher63 e negação da lesbianidade, e coloca as
representações heteropatriarcais da lesbianidade enquanto as dominantes e válidas:

Mas assim, eu acho que os gays sofrem mais preconceito, porque ―Ah,
duas meninas juntas, que fofinho‖. (Clara)

61
Afinal, nenhum heterosexual precisa passar por uma fase ou processo de entender-se ou assumir-se
heterosexual, já que é pressuposta a heterossexualidade à todos e todas pessoas.
62
Sempre que sai os números anuais de assassinatos de gays e transexuais, aparecem poucos
assassinatos de lésbicas em relação aos de gays e os exorbitantes assassinatos transfóbicos.
Assassinatos registrados, porque uma característica da violência contra a mulher e sua consequente
morte, por ser algo naturalizado socialmente e por ser naturalizada a idéia de que mulheres pertencem
aos homens, é que as violências e crimes são sub ou não-notificadas e muito menos adequadamente
punidas. Não seria diferente em relação aos assassinatos de lésbicas: muitas devem ser enterradas sem
que saibamos ao menos por que morreram ou se de fato eram, e os centros de referência LGBT, tendo o
L só no nome, em geral não possuem assistência adequada nem especializada para lésbicas, e nem os
Centros de Referência às Mulheres Vítimas de Violência sabem acolher a questão da lesbianidade
ainda. Raramente uma ONG LGBT vai ter um projeto em lésbicas e é por isso que estas vêem
constituindo suas próprias organizações e espaços.
63
Outro termo para misoginia, mais direto.
57

E portanto, isso nem sempre se confirma: a Heteronormatividade é tornada algo


evidente na vivência das entrevistadas, que chegam à questioná-la:

Eu acho que isso é errado, tipo... todo mundo tem que nascer mulher,
casar com homem, ter filho... e ficar casado com ele a vida inteira até
ele morrer, sabe? Eu acho isso injusto tipo, acho que a sociedade não
pensa ―Ah, você tem que fazer o que você se sente bem pra ser feliz‖.
Você estando com uma pessoa que você não ama sabe? Você não é
obrigada a fazer isso. E eu acho muito injusto isso. As pessoas
geralmente não pensam no que você sente, elas querem impôr tipo, eu
quero que você faça aquilo, e se você fugir você tá totalmente errada,
entende? Eu acho muito injusto isso. Eu fico triste por ver que a
sociedade, não todos, mas a maioria, se importa assim [...] E outra: a
gente não tá fazendo nada de mal ao próximo, a gente não tá
prejudicando ninguém. Só queremos nosso direito de ser feliz. (Clara)

... Eu não acho que o que a gente esteja fazendo seja tão errado assim
pra eles olharem com diferença. Eles preferem às vezes aceitar
pessoas se drogando, pessoas traficando, sei lá criança dormindo na
rua eles preferem isso do que sei lá, as lésbicas. (Rosa)

A imposição dos modelos sociais aceitáveis e e supostamente ―bons‖ de


existência são refutados, em busca de seus próprios desejos. A moralidade
comum é igualmente interrogada, e a condição de estranheza, outrora
endereçada à elas, é dirigida ao projeto dominante.

Butler (1993, p.161) fala sobre os efeitos da exclusão como constitutivos de uma
zona de abjeção do reconhecível no humano, da ininteligibilidade que caracteriza o encontro
com as subjetividades estranhas (queer). Porém, o humano e inteligível só se constitui por
essas exclusões, pelo que é deixado de fora (no caso, as subjetividades não reconhecidas
pelo sistema simbólico falogocêntrico e heteronormativo). Os sujeitos por ela chamados de
estranhos (queer) são constituídos por esse mecanismo de exclusão, mas ao mesmo tempo,
essa mesma estranheza é possibilidade de subversão e questionamento, e de desestabilizar
aquilo que é tomado como normal ou original. Se existem, é porque mostram que não existe
de fato um ―original‖:

Essas atribuições ou interpelações alimentam aquele campo de


discurso e poder que orquestra, delimita e sustenta aquilo que pode ser
58

descrito como ‗humano‘. Nós vemos isto mais claramente nos exemplos
daqueles seres abjetos, que não parecem apropriadamente
generificados; é sua própria humanidade que se torna questionada. Na
verdade, a construção de gênero atua por meios excludentes, de forma
que o humano não é apenas produzido sobre e contra o inumano, mas
através de um conjunto de exclusões, de apagamentos radicais, os
quais, extritamente falando, recusam a possibilidade de articulação
cultural (…). Esses locais excluídos vêm a limitar o ‗humano‘ com seu
exterior constitutivo, e a assombrar aquelas fronteiras com a persistente
possibilidade de sua perturbação e rearticulação. Paradoxalmente, a
investigação sobre os tipos de apagamento e exclusões pelos quais a
construção do sujeito atua não é mais construcionismo, mas também
não é essencialismo. Pois existe um ‗exterior‘ relativamente àquilo que é
construído pelo discurso.
59

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa trouxe um grau de conscientização sobre as condições


materiais que moldam as subjetividades, e uma reflexão sobre as origens
históricas da estrutura social sexista e heteronormativa. A constatação desses
fatores faz com que a pesquisa também reflita seu papel social, e que também ela
se articule como instrumento de transformação e superação das contradições
presentes.

As identidades coletivas são apoiadas numa história em comum, que nos


contextos patriarcais existentes através dos quais se constituiu significam
posições de resistência à modelos hegemônicos.

No caso da lesbianidade, na condição de mulheres, mesmo que fujam às


definições do que seja ―mulher‖, a opressão de lésbicas se revela em dinâmicas
mais silenciosas, não podendo ser desvinculadas, portanto, das dinâmicas sociais
gerais de vitimização feminina. Neste contexto, a pesquisa se torna uma ação
necessariamente política, ao nomear, debater e retirar do silêncio essas
experiências, discursos e vidas.

O silêncio em torno do lesbianismo e da sexualidade das mulheres


expressa a construção negativa que existe em torno da lesbianidade, cujas
expressões nem sempre são óbvias, justamente por operarem na lógica do
silêncio e da invisibilidade.

O referencial teórico da Sócio-Histórica se mostrou útil para motivar um


olhar que não individualize e consiga olhar pras condições de vida e para
historicidade das relações sociais.

Contrariamente à construção de que a lesbianidade é mais aceitável que a


homossexualidade, o Dossiê ―Saúde das Mulheres Lésbicas: Promoção da
Equidade e da Integralidade‖ produzido pela Rede Feminista de Saúde (2006)
acusa que lésbicas assumem menos sua orientação do que homens
homossexuais, principalmente com relação à colegas de trabalho,
escola/faculdade e profissionais de saúde. Temos portanto, que a opressão de
lésbicas não deve levar em conta apenas à questão da discriminação por
60

orientação sexual, mas também a questão do sexismo e gênero que as afeta


enquanto na condição de mulheres64.

A invisibilidade prejudica individualmente as mulheres lésbicas, gerando


vulnerabilização, e invisibilidade social, dificultando o acesso à essa população
aos serviços públicos e direitos sociais, assim como sua contemplação pelos
programas de políticas públicas. A construção negativa que há sobre a
lesbianidade também contribui para a exigência dobrada que pesa sobre elas,
que precisam ―provar‖ ser respeitáveis no exercício dos papéis designados às
mulheres: boas mães, responsáveis com a família, trabalhadoras eficazes, para
que superem os mitos e preconceitos relacionados à lésbicas.

As experiências de exclusão, invisibilidade e enfrentamento do preconceito


atuam como estressores, e uma questão de grande relevância na Lesbianidade é
justamente a de Saúde Mental, onde os modelos de Saúde que predominam na
assistência às mulheres/ao corpo-mulher são os ligados à Saúde Sexual e
Reprodutiva, não tendo em conta a diversidade destes corpos em suas condições
étnicas, raciais e sexuais e também não atendendo à Saúde na sua integralidade.

Assim, temos um corpo construído enquanto heterossexual e reprodutivo


que predomina nas práticas médicas e nas políticas de saúde. A lésbica significa
uma ruptura com este corpo, e o resultado é sua exclusão, na carência de outros
sistemas simbólicos que não os heterossexuais:

A busca de um corpo lesbiano parte da negação de um corpo


colonizado como é o da mulher, um corpo construído ao serviço
da heterosexualidade para a reprodução social e biológica,

64
Embora tenha sido exposto que Wittig considera que ―lésbica‖ é o único conceito que para ela
se encontra mais além das categorias de sexo, dizendo que lésbicas não são mulheres, de modo
a recusar o marco natural dessas categorias, ela afirma simultaneamente que ―mulheres‖ é
produto de uma relação social. Eu considero mulheres como um grupo social que se caracteriza
por condições materiais de opressão. Logo, assim que uma lésbica sai de casa, ela é mulher: vai
receber cantadas grosseiras na rua, é passível de sofrer estupro se andar numa rua mal iluminada
a noite. Essa é a realidade da classe ―mulheres‖ e ainda considero que lésbicas se encontram
nela, não porque precisamos convencer que somos aquele corpo que convém aos interesses
estatais, mas porque sua condição de dissidência é justamente por representar uma heresia ao
mito ―Mulher‖ que o Patriarcado quer garantir, com todas implicações que se subentende à isso.
61

aprisionado em formatos, medidas e formas que deterioram a


saúde. (MONGROVEJO, 2006 p. 63)65

Como acolher, desde o que trouxe a reflexão junto às categorias da


Psicologia Sócio-Histórica, os sujeitos lésbicos na atividade do Psicólogo e em
outras instâncias de Saúde?

Tendo em conta que a Medicina se estabeleceu como instrumento do


Estado para controle social, temos as ações em Saúde na história como
expressando o caráter regulatorio dos corpos realizados por essa instância,
garantindo-os enquanto produtivos e reprodutivos, o que explica o por quê da
exclusão das lésbicas na assistência em saúde: por não representarem estas o
paradigma reprodutivo requerido que contempla as mulheres em Saúde nas
sociedades capitalistas-patriarcais.

É necessário a mudança na concepção de Saúde e suas práticas, e para a


realização de atendimentos adequados à esses segmentos, a formação de uma
visão não julgadora e que não naturalize, que consiga olhar para o sujeito inserido
em um contexto material.

Também, a mudança da construção social do próprio lugar da Psicologia e


do psicólogo, que coloque a necessidade de envolvimento social. Para implantar
essas mudanças, serão necessárias ações institucionais por meio de políticas
públicas, estímulo à pesquisa e debate público, pressões da sociedade civil.

É importante que os cursos de graduação de Psicologia preparem e


capacitem os profissionais enquanto atores sociais futuros, incluindo nos
currículos a temática de gênero e sexualidade, para que possam atuar nos
diversos âmbitos da Psicologia como organizações, serviços públicos e
instituições de saúde, organizações políticas e na prática em consultório.

Nestes âmbitos, é necessária a promoção da compreensão de que a


homofobia e o sexismo são institucionalizados, e de que as construções de Saúde
Mental acerca da sexualidade que patologizam e adaptam são herança da própria
Psicologia enquanto uma instância de controle social e à serviço das classes

65
Tradução nossa
62

dominantes, onde identidades sexuais possuem como história seu surgimento das
categorias médicas. Essa historicidade certamente determina até hoje as práticas
clínicas e intervenções de muitos profissionais de Psicologia e, portanto, os
profissionais devem estar atentos aos contextos raciais, de gênero e sexualidade
nos quais se encontram os indivíduos.66

A recepção adequada das lésbicas no SUS e demais serviços e instituições


de Saúde também se torna uma necessidade, a ser implementada por meio de
campanhas que visibilizem a questão e promovam sensibilização, projetos de
capacitação, debates, fóruns, seminários, publicações, cartilhas. Os profissionais
devem estar habilitados a realizar uma escuta e acolhimento adequados,
sensíveis e que garantam privacidade e confiabilidade.

No âmbito da violência doméstica e homo-lesbofóbica, fator maior que


afeta a saúde de mulheres e LGBTs em idade produtiva, a prevenção de
violências e mortes de lésbicas, interseptando casos de violência doméstica e e
violência lesbofóbica por meio de atendimento e escuta atenta, constituindo
portas de entrada para esses casos, por essa população acabar recorrendo mais
aos postos de saúde e hospitais antes de buscar os centros de referência à
mulheres e LGBTs em grande parte dos casos.

Também, o apoio aos centros de referencia LGBT e sua difusão, e a


inclusão do quesito ―orientação sexual‖ nos estudos populacionais.

A Lei Maria da Penha deve ganhar efetividade crescente por meio da


expansão dos mecanismos de combate à violência contra a mulher, ampliando e
aumentando a presença de Centros de Referência à Mulheres Vítimas de
Violência e outras políticas de enfrentamento da violência sexista. Esses serviços
e políticas públicas voltadas para a violência contra a Mulher devem acolher a
população de lésbicas. Essa população, devido à invisibilidade, não chegará tão
facilmente até esses serviços sem ações que possibilitem maior acolhimento.
Para isso, a importância de campanhas divulgando serviço às lésbicas, para que
66
No movimento negro, existe o costume de se usar um bottom que leva a frase: ―Onde você
esconde seu racismo?‖. Essa pergunta é válida para a homo-lesbofobia e o sexismo, o
etnocentrismo, e outras atitudes, pois o costume entre os psicólogos é falar que ―não possuem
preconceito e atendem de forma igual‖, mas os sujeitos são produtos de relações materiais e
modos de pensar que tornam essas dinâmicas sempre presentes em quase todos indivíduos.
63

tomem conhecimento e rompam barreira de medo. Também, a capacitação de


assistentes sociais, psicólogos, da parte jurídica e demais trabalhadores destes
serviços para oferecer um ambiente de escuta e acolhimento que garanta o sigilo
e a proteção, para que as lésbicas não se sintam julgadas nem expostas ao
buscar atendimento, orientando sobre medidas para denúncias de homofobia,
relacionando-se e formando redes com Centros de Referência LGBT, incluindo o
quesito ―orientação sexual‖ nas fichas de atendimento.

A estimulação e garantia da notificação obrigatória de violência nos


sistemas de saúde por parte dos profissionais e nos registros das demandas de
serviço de saúde também é um mecanismo importante no enfrentamento da
violência e na vibilização maior as problemáticas dessas populações.

Divulgar uma cultura de auto-cuidado entre lésbicas é relevante para que


façam exames preventivos, busquem informações sobre seus corpos, proteção
contra DSTS, exames papanicolau e de mama, conscientização sobre a
necessidade de adesão na luta pela descriminalização e legalização do aborto,
seus direitos, de forma a desconstruir os estereótipos associados à lesbianidade
em saúde que naturalizam a condição das lésbicas quanto à saúde mental e
quanto às crenças e sensos comuns em torno da doenças sexualmente
transmissíveis, em um contexto de feminilização da AIDS. A idéia de que lésbicas
representam um grupo sem risco é promotora e vem da própria invisibilidade
social deste grupo e da noção de que o sexo entre mulheres é‖inofensivo‖,
gerando uma cultura de mistério e silêncio em torno dele que não contribui para a
oferta de serviços de qualidade à estas, refletindo na verdade uma visão patriarcal
sobre a sexualidade lésbica.

Mudar concepção moralista sobre consumo de álcool e drogas nesta


população é importante também para um acolhimento não julgador e que previna
o uso abusivo, que não pode ser vistos descontextualizados das condições de
sociabilidade restrita de LGBTs, da sobrecarga de trabalho de mulheres e do
estresse pela conciliação entre manutenção do emprego e da vivência da
orientação sexual, assim como do sofrimento psíquico experienciado por exclusão
na escola, rejeição nas famílias, demissões e violência.
64

Para a garantia de adequada Saúde Mental, é preciso garantir o usufruto


pleno de todos âmbitos em que o sujeito produz sua existência. Por isso o bem-
estar destes nos ambientes escolar, de trabalho, familiar são imporantes.

No campo da Educação, é preciso haver capacitação dos docentes quanto


à Diversidade Sexual, com a presença da discussão de gênero e sexualidade
nos currículos de graduação, projetos, na noção da transmissão de currículos
ocultos androcêntricos, racistas, colonialistas e lesbofóbicos em sala de aula, na
presença visível dos LGBTs no espaço escolar e dos diversos arranjos de família.

As famílias LGBTs devem ser protegidas de discriminação pelos aparatos


legais e sociais e a união estável entre pessoas do mesmo sexo deve ser
reconhecida. O não reconhecimento das uniões entre casais homossexuais, além
de colocarem estes numa condição de clandestinidade, privam de muitos direitos
que são concedidos à heterossexuais e reconhecidos como legítimos somente a
eles, entre alguns estão: a não possibilidade de assumir a guarda do filho ou filha
do conjuge (em caso de falecimento por exemplo), não ter direito à adoção, não
ter licença maternidade para nascimento de filha de parceira nem licença luto em
caso de morte de parceira, não recebem auxílio funeral, direito à permanência no
lar em caso de falecimento da parceira, à visita íntima na prisão, acompanhar
parceira no parto, não podem autorizar cirurgia de risco ou determinar rumo de
tratamentos médicos da parceira, não podem deduzir do imposto de renda o
imposto pago em nome da parceira, não são reconhecidos como entidades
familiares, e sim como sócios. Não podem somar renda para aprovar
financiamentos, incluir parceiros como dependentes nos planos de saúde 67,
garantia da metade dos bens em caso de separação ou de pensão alimentícia.
Tendo em conta a necessidade de manutenção de família e filhos por muitos,
essas restrições se apresentam como dificuldades.68

67
Claro que o ideal é a garantia da Saúde Universal e pública, mas é preciso ter em conta que
LGBTs se encontram em contextos de sociedades capitalistas e são privadas e privados de muitas
condições econômicas pelo preconceito e marginalização dos direitos civis, isto se constitui em um
desestímulo e uma dificuldade na manutenção de suas famílias, criação de filhas e filhos, e sua
manutenção material em geral.
68
Fonte das informações: http://iiimarchalesbicadepoa.blogspot.com
65

A união civil entre pessoas do mesmo sexo foi legalizada em 2010 na


Argentina69 e isso vem ocorrendo em muitos países nos anos recentes.

De igual modo, lésbicas devem acessar recursos tecnológicos e legais


para a realização da maternidade se escolherem e desejarem, e garantia da lei do
acompanhante no caso de parto.

Além disso, a proteção da lésbica no ambiente trabalho, para que possa


viver sua identidade abertamente sem ser prejudicada e tenha acesso à recursos
jurídicos em caso de sofrimento de discriminação homo-lesbofóbica. Por meio do
Ministério do Trabalho, políticas que implementem combate à discriminação e a
promoção de sensibilização dos gestores públicos. Em caso de demissões por
motivo de homofobia e assédio moral, poder ser indenizadas e criar cultura de
respeito aos direitos de LGBTs, garantindo a estabilidade no emprego.

Também é importante a garantia do Estado Laico e da Liberdade religiosa,


crescimento do domínio dos instrumentos legais e do controle social do SUS por
parte de LGBTS e incorporação de lésbicas no poder público, aumento das
pesquisas sobre essa população. Nas universidades e em âmbito acadêmico,
incentivar os Estudos de Gênero e pesquisas em sexualidade e gênero, fomentar
debate e gerar espaços de discussão e aumento de extensão na área de Direitos
Humanos LGBTs e de mulheres.

Ações vêm sendo realizadas, como o Programa Brasil sem Homofobia


lançado em 2004 que visa promover os Direitos Humanos LGBT e combate à
violência e discriminação. A sociedade civil também vêm se organizando, tendo
em 2010 sido realizado VII Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE) reunindo
organizações e militantes de todo Brasil. O SENALE foi um espaço criado pela
necessidade de organizações lésbicas encontrarem suas próprias vozes e
demandas antes não encontradas nos espaços mistos LGBTs ou nas
organizações de mulheres. Após o I SENALE realizado no Rio de Janeiro em
1996 vários outros encontros de lésbicas passaram a acontecer, e nele foi criado
o 29 de agosto, dia da Visibilidade Lésbica, data em que se realizou o encontro.
Um dia de memória e visibilização.

69
―Lei do Matrimônio Igualitário‖ termo corretamente utilizado no país.
66

Neste trabalho foi constatada a necessidade de aprofundar os aspectos de


classismo e racismo que são igualmente constitutivos do
heterosexismo/homofobia-lesbofobia-transfobia, o que não foi desenvolvido neste
trabalho, e ampliar o debate sobre a construção das subjetividades lésbicas, de
modo a permitir futuras contribuições. Acredita-se que não foi devidamente
exploradas as intersecções de raça, classe, etnia, imigração. É preciso realizar
estudos em lésbicas de segmentos mais pobres, lésbicas no campo, lésbicas
negras, indígenas, imigrantes, setores mais vulnerabilizados e necessitados de
visibilização e de auto-organização por direitos. Não tomar as identidades
lésbicas como universais, de forma a não considerar as vivências de lésbicas
brancas, de classe média, urbanas ou universitárias como representativas de
todas demais lésbicas. Pode-se dizer que, embora a pesquisa tenha revelado
aspectos comuns à muitas desta população, esta não é homogênea, e a pesquisa
revela a realidade de uma parcela que a compõe, portanto a importância da
proliferação de estudos no tema.

Entende-se que a pesquisa não esgotou as possibilidades de estudo dessa


população, e por seu caráter justamente incompleto, que possa ser incentivo para
que outras pesquisas surjam e se vejam inspiradas a ampliar e continuar o
debate. Também, que relações entre academia, militância e inserção comunitária
devem acontecer, de modo a que de forma ampla a sociedade civil se organize
por suas demandas e por mudanças.

―Uma nova definição de pessoa e do sujeito para toda Humanidade está


para ser encontrada para além das categorias de sexo homem/mulher‖ 70
(WITTIG, 1992).

70
Tradução nossa.
67

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Wanda Maria Junqueira, A Pesquisa em Psicologia Sócio-Histórica:


contribuições para o debate metodológico. In Psicologia Sócio-Histórica: Uma
perspectiva crítica em Psicologia. BOCK, Ana Mercês Bahia, Et. al. São Paulo:
Cortez Editora, 2001. P. 113-140.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: A experiência vivida. São Paulo:


Difusão Européia do Livro, 1967. Acessível em
http://brasil.indymedia.org/media/2008/01//409680.pdf. Último acesso: 31 de
janeiro de 2011.

BERGER, Peter L; BERGER, Brigitte. O que é uma instituição social? In:


MARTINS, José de Souza (org). Sociologia e Sociedade: leituras de
introdução à Sociologia. Rio de Janeiro, LTC – Livros Técnicos e Científicos
Editora. 1977. P. 193-199.

BERNARDES, Lúcia Helena Garcia. Subjetividade : um objeto para uma


psicologia comprometida com o social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.

BUNCH, Charlotte. "LESBIANS IN REVOLT". The Furies: Lesbian/Feminist


Monthly, vol.1, Janeiro,1972. P.8-9. Acessível em:
http://scriptorium.lib.duke.edu/wlm/furies/ Último acesso: 31 de janeiro de 2011.

BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and Subvertion of Identity. New


York: Routledge, 1999. Acessível em
http://bermudaradical.files.wordpress.com/2010/12/gender-trouble-feminism-and-
the-subversion-of-identity.pdf. Último acesso: 30 de janeiro de 2010.

BUTLER, Judith. O parentesco é sempre tido como heterossexual? Cadernos


Pagu, volume 21, 2003.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: Sobre os limites discursivos do sexo. In


LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo
Horizonte: Editora Autêntica.3ª edição. 2010. P. 153 a 172.
68

CODO, Wanderley. O fazer e a consciência. In: LANE, Silvia T. M; CODO,


Wanderley. Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1993. P. 48-57.

COLETIVA DO RIO COMBAHEE. Uma declaração Feminista Negra. In:


MORAGA, Cherríe; CASTILLO, Ana. Esta Puente, mi espalda – voces de
mujeres tercermundistas em los Estados Unidos. San Francisco: Ism Press,
1988. P. 172-185.

CIAMPA, Antonio da Costa. Identidade. In: LANE, Sylvia T; CODO, Wanderley.


Psicologia Social. O Homem em Movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1993. P. 58-75.

FADERMAN, Lillian; BRIGITTE, Eriksson. Lesbians in Germany: 1980’s-1920’s.


Tallahassee: The Naiad Press, 1990.

FALQUET, Jules. De La cama a La calle: perspectivas teóricas lésbico-


feministas. Bogotá: Editora Brecha Lésbica, 2006.

FALQUET. Jules. Romper el Tabú de la Heterosexualidad, acabar com la


―Diferencia de los Sexos‖: Aportes del lesbianismo como movimento social y
teoria política. Genré, Sexualité et Societé, n. 1, 2009.
http://gss.revues.org/index705.html

FLORES, Valeria. Notas Lesbianas. Reflexiones desde La disidencia sexual.


Rosário: Hipolita ediciones, 2005.

FLORES, Valeria. Tribadismo o el arte del frotamiento: uma antigua práctica


lesbiana. Artículos de Ciudad de Mujeres, 5. Mai. 2006. Acessível em:
http://www.ciudaddemujeres.com/articulos/Tribadismo-el-arte-del-frotamiento.
Último acesso: 20 de dezembro de 2010.

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A abordagem Sócio-Histórica como


Orientadora da Pesquisa Qualitativa. Cadernos de Pesquisa, n. 116, jul. 2002.
69

Acessível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-


15742002000200002&script=sci_arttext&tlng=en (último acesso: 30 de janeiro de
2010).

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1987.


Acessível em http://www.scribd.com/doc/6987238/Michel-Foucault-VIGIAR-E-
PUNIR-10-Os-Corpos-Doceis Último acesso: 31 de janeiro de 2011.

FURNALI, Jimena. Políticas Identitárias na Educação Sexual. In GROSSI, Miriam


Pillar et al. Movimentos Sociais, Educação e Sexualidades. Rio de Janeiro:
Garamond, 2005. P. 219-238.

GONÇALVES, Maria da Graça Marchina. A Psicologia como Ciência do Sujeito e


da Subjetividade: a historicidade como noção básica. In: BOCK, Ana Mercês
Bahia, Et. al. Psicologia Sócio-Histórica: Uma perspectiva crítica em
Psicologia. São Paulo: Cortez Editora, 2001. P: 37-52.

GONÇALVES, Maria da Graça Marchina. A contribuição da Psicologia Sócio-


Histórica para a elaboração de políticas públicas. In BOCK, Ana M.Bahia.
Psicologia e Compromisso Social. São Paulo: Cortez, 2003. P. 277-293.

GOODLOE, Amy. Lesbian Identity and the Politics of Butch-Femme. 1993.


Acessível em: http://www.lesbian.org/essays/bf-paper.html

GUILLAUMIN, Colette. Práctica del Poder e Idea de Naturaleza. In: CURIEL,


Ochy; FALQUET, Jules. El Patriarcado al Desnudo: Tres Feministas
Materialistas. Buenos Aires: Editora Brecha Lésbica, 2005. P. 19-56.

HAWTHORNE, Susan. The Silences Between: Are Lesbians Irrelevant? World


Social Forum, Mumbai, India. Journal of International Women’s Studies, V. 8,
n. 3, 16-21 Janeiro/Abril: 2007. Acessível em:
http://www.bridgew.edu/SoAS/jiws/April07/Hawthorne1.pdf. Último acesso: 19 de
dezembro de 2010
70

HAWTHORNE, Susan. Heteropatriarchy: Globalization, the Institution of


Heterosexuality and Lesbians. International Feminist Summit, 17-20 jul. 2007.
Acessível em: http://www.feministagenda.org.au/IFS%20Papers/Susan2.pdf

HOAGLAND, Sarah L. Lesbian Ethics: Toward New Values. California: Institute


Of Lesbian Studies, 1992.

HORKHEIMER, Max. Materialismo e Metafísica. In: ____. Teoria Crítica: uma


documentação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990. P. 31-
58.

ILGA. Queer como crítica de Identidad: Aurore entrevista a Judith Butler. In:
Movimientos Lésbicos: Rupturas y Alianzas. Belgica: 2010. P.46-48.

INDURRIA, Pilar Villalba, ¿Trecho de cristal o armarios de doble fondo? Análisis


de discurso sobre el lesbianismo y la homosexualidad desde una perpectiva de
género. In: PLATERO, Raquel et al. Lesbianas, Discursos y Representaciones.
España: Editorial Melusina, 2008. P. 139-171.

JEFFREYS, Sheila. La herejía lesbiana: perspectiva feminista de la


revolución sexual. Madrid: Cátedra, 1996.

JULIANO, Dolores; PLATERO, Raquel. Prólogo: las estratégias de la negación.


Desentenderse de las entendidas In: PLATERO, Raquel et al. Lesbianas,
Discursos y Representaciones. España: Editorial Melusina, 2008. P. 7-16.

KAPLAN, Louise J. El Niño como Salvación.In: Perversiones Femeninas – Las


tentaciones de Emma Bovary, Paidós: Buenos Aires, 1994. P. 245-286.

KITZINGER, Celia. Social Construction of Lesbianism. Bristol: Sage


Publications, 1987.

KRISTEVA, Julia. Poderes de la perversión. Buenos Aires: Catálogos/Século


XXI, 1988.
71

LANE, Silvia T. M. A Psicologia Social e uma nova concepção de homem para a


Psicologia. In: LANE, Silvia T. M; CODO, Wanderley. Psicologia Social: O
homem em movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. P. 10-19.

____. Consciência /alienação: a ideologia no nível individual. In: ____CODO,


Wanderley. Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1993. P. 40-47.

LAURETIS, Teresa de. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film and


Fiction. Bloomington: Indiana University Press, 1987. Acessível em
http://books.google.com.br

LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: Pedagogias da Sexualidade.


Minas Gerais:Editora autêntica, 2010.

MACKINNON, Catherine. Hacia una Teoría Feminista del Estado.Madrid:


Ediciones Cátedra, 1995.

MACKINNON, Catherine. Sexual Harassment of Working Women: A Case of Sex


Discrimination (New Haven, Conn: Yale University Press, 1979. In: RICH,
Adrienne. Heterosexualidade Compulsória e Existência Lésbica. Bagoas,V4, n. 5,
jan/jun. 2010. Acessível em:
http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v04n05art01_rich.pdf.Último acesso: 3 setembro
2010.

MARTÍN-BARÓ, Ignácio. Qué estudia la Psicología Social? In: ____. Acción y


Ideologia. San Salvador, El Salvador: UCA Editores, 1999. P. 1-51.

MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. A La busqueda de um sujeto lesbiano. Buenos


Aires: 2007. Acessível em:
http://www.alem.org.br/modules/AMS/index.php?storytopic=0&start=10. Último
acesso: 19 de dezembro de 2010.
72

MIRANDA, Marília Gouvea de. O Processo de socialização na escola: a evolução


da condição social da criança. In: LANE, Silvia T. M; CODO, Wanderley.
Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1993. P. 125-135.

MOLON, Susana Inês. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky.


Petrópolis: Vozes, 2003.

MONGROVEJO, Norma et. al. Dissidencia Sexual e identidades sexuales y


genéricas. México: Conapred, 2006.

MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: O sexismo na escola.


São Paulo: Editora Moderna, 1999.

NETO, José Francisco de Melo. Pesquisa-Ação: aspectos práticos da pesquisa-


ação nos movimentos sociais populares e em extensão popular. In: Pesquisa-
ação: princípios e métodos. Roberto Jarry Richardson (Org.). João Pessoa:
Editora Universitária da UFPB, 2003. Acessível em:
http://www.prac.ufpb.br/copac/extelar/producao_academica/artigos/pa_a_pesquis
a_acao.pdf. Último acesso 20 de dezembro de 2010.

OLIVEIRA, Caroline Schweitzer de. Assumir-se Lésbica: Desafios e


Enfrentamentos. Seminário Internacional Fazendo Gênero 7. 28-30 ago. 2006.
Acessível em:
http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/C/Caroline_Schweitzer_de_Oliveira_2
0.pdf Último acesso: 29 de janeiro de 2010.

PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

PARKER, Richard. Cultura, Economia, Política e Construção Social da


Sexualidade. In LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: Pedagogias da
Sexualidade. Minas Gerais:Editora autêntica, 2010. P. 150-172.
73

RADICALESBIANS. The Woman-Identified Woman. Pittsburgh: Know, Inc., c.


1970. Acessível em http://scriptorium.lib.duke.edu/wlm/womid/ Último acesso: 31
de janeiro de 2011.

REDE FEMINISTA DE SAÚDE, Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas:


Promoção da Equidade e da Integralidade. Belo Horizonte, 8 mar. 2006.l

REINOSO, Beatriz Gimeno. Repensando o Armário ou o Público e o Privado


denovo. Artículos de Ciudad de Mujeres, 13 mai. 2008. Acessível em:
http://www.ciudaddemujeres.com/articulos/Repensando-el-armario-o-lo-privado
Último acesso: 20 de dezembro de 2010.

REINOSO, Beatriz Gimeno, El Armario como Coartada. Artículos de Ciudad de


Mujeres, 9 set. 2008. Acessível em:.
http://www.ciudaddemujeres.com/articulos/El-armario-como-coartada. Último
acesso: 20 de dezembro de 2010.

REIS, José Roberto Tozoni. Família, enoção e ideologia. In: LANE, Silvia T. M;
CODO, Wanderley. Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993. P. 99-124.

RICH, Adrienne. Sobre mentiras, Secretos y Silencios. Barcelona: Icaria, 1983.

RICH, Adrienne. Heterosexualidade Compulsória e Existência Lésbica.


Bagoas,V4, n. 5, jan/jun. 2010. Acessível em:
http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v04n05art01_rich.pdf.Último acesso: 3 setembro
2010.

RUBIN, Gayle. The Traffic in Women: notes for a political economy of sex. In:
Retter, Rayna R. Toward an Antropology of Women. New York: Monthly
Rewiew Press, 1975.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação e
Realidade, V.20(2), 1995. Acessível em
74

http://sistema.clam.org.br/biblioteca/files/Genero%20-
%20Joan%20Scott%5B1%5D.pdf

SEDGWICK, Eve Kosofsky. A Epistemologia do Armário. Cadernos Pagu, 28.


Janeiro-Junho de 2007.

SHOWALTER, Elaine. Anarquia Sexual. Sexo e Cultura no Fin de Siècle. Rio


de Janeiro: Rocco, 1993.

SWAIN, Tania Navarro. Feminismo e Lesbianismo: A identidade em questão.


Cadernos Pagu, Vol. 12, 1999.

SWAIN, Tania Navarro. O que é o lesbianismo? São Paulo: Editora Brasiliense,


2000.

VOLNOVICH, Jorge. A Psicose na Criança. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,


1993.

WEEKS, Jeffrey, ―Movimientos de afirmación: La política de La Identidad‖, In El


Malestar de La Sexualidad. Significados, mitos y sexualidades modernas.
Madrid: Talasa ediciones,1993. P. 293-320.

WEEKS, Jeffrey. O Corpo e a Sexualidade. In LOURO, Guacira Lopes. O Corpo


Educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2010.
P. 35-82.

WITTIG, Monique. El Pensamiento Heterosexual y otros ensayos. Madrid:


Editorial Legales, 1992.
75

6. ANEXOS
76

ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARESCIDO


77

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidada a participar voluntariamente da pesquisa A


construção da subjetividade lésbica: invisibilidade e saúde.

Esta pesquisa tem como objetivo compreender as condições em que


mulheres lésbicas se subjetivam num mundo predominado pelos paradigmas que
tomam a heterosexualidade como modelo normal e correto de existência, assim
como analisar as consequências da invisibilidade e exclusão sofridas por essa
população nas formas como mulheres lésbicas vivem.

Isso será feito por meio da realização de entrevistas com mulheres lésbicas
em contextos diversos como organizações não-governamentais, universidades e
outros tipos de associações. Estas entrevistas visam traçar a história de vida das
participantes a fim de obter elementos de análise para o desenvolvimento da
pesquisa.

Para a realização das entrevistas, os depoimentos serão filmados, mas as


imagens só poderão ser utilizadas com devido consentimento das participantes,
visando num primeiro momento apenas a escuta do depoimento.

Nesta pesquisa será garantido que não haverá qualquer desconforto ou


risco para as participantes, bem como não envolve compensações financeiras e
nenhum tipo de despesa.

Todos os dados obtidos e a identificação das participantes são


confidenciais. Os resultados serão utilizados para publicações e apresentações
científicas, sem identificar as participantes, garantindo a privacidade, a proteção
da imagem e a não-estigmatização.

A participante pode desistir da pesquisa em qualquer de suas etapas,


sendo que esta decisão não acarreta nenhuma perda, punição ou dano à
78

participante. Ainda é assegurado o direito de recusar-se a responder perguntas


que causem constrangimentos de qualquer natureza.

Quaisquer dúvidas, favor entrar em contato com o Prof. Marcio Ferraciolli


(CRP 08/11.793), na Universidade Federal do Paraná, situada na Praça Santos
Andrade, 50, Departamento de Psicologia, 1º andar, salas 114/120.

DECLARAÇÃO

Eu, ________________________________________________________,

residente e domiciliada na Rua

__________________________________________, portadora do RG

___________________, declaro estar ciente das informações acima descritas, da

finalidade desta pesquisa e aceito participar da entrevista.

Curitiba, _____ de ______________ de 2010.

Ass. Participante _______________________________

Ass. Entrevistador _______________________________

Obs: Este termo está sendo elaborado em duas vias, ficando uma em
posse da participante e a outra com o pesquisador responsável.
79

ANEXO B – ROTEIRO DE ENTREVISTAS


80

Questionário

- Qual é seu nome?/Idade/ Onde nasceu (cidade de origem)/ Cidade atual/ ...
- Como passou a entender a si mesma como lésbica? Como foi isso?
- Como foi/é a aceitação de sua família e comunidade de origem? Como foi sua
auto-aceitação e como é hoje? Houve conflitos (internos e sociais)?
- Como você acha que isso (conflitos ou visibilidade ou assumir sua identidade
e orientação sexual) impactou emocionalmente em você? (ou: o que isso
representou para você, ou: como você se sentiu?).
- Como é ser uma lésbica no trabalho/ na sua família/ na escola/ universidade?
Se sente aceita? Como foi para tornar isso de conhecimento das demais
pessoas de convívio?
- Você já escondeu sua orientação sexual? Como era vivenciar isso?
- Você vivenciou situações em que se viu obrigada ao silêncio sobre sua
identidade lésbica? Em que meios? Como é vivenciar este silêncio?
- Você sente que já sofreu preconceito ou sofre devido à sua orientação sexual?
Como foi enfrentar isso/ Como lidou com isso? Que impactos acha que teve
sobre sua auto-confiança, etc. o preconceito vivido?
- De que forma acha que a discriminação, exclusão e expressões de hostilidade
contra lésbicas se diferenciam das demais expressões homofóbicas? (homens
gays, transexuais...).
- (Se mudou de cidade) Sua vinda a uma outra cidade crê ter sido motivada por
uma busca de um lugar mais livre para vivênciar sua identidade e
sexualidade? Você teve uma mudança de residência gerada pelo desconforto
em viver na casa de seus pais, relacionada ao fato de ser lésbica?
- Qual foi o caso mais violento que sofreu de discriminação? Algum ato
homofóbico/lesbofóbico te marcou em especial?
- Você acha que a violência contra lésbicas é invisível ou invisibilizada?
- Como foi sua experiência em geral ao recorrer aos serviços de saúde? (por ex:
ginecologia ou psicologia, saúde mental). Se sentiu respeitada na sua
sexualidade? Faz uso frequente desses serviços?
81

ANEXO C – PROJETO BREVE DE MONOGRAFIA


82

A construção da subjetividade lésbica – invisibilidade e saúde

Justificativa

- Carência de estudos neste tema;


- Verificar a necessidade ou não de atenção específica por parte dos profissionais de
saúde e outras áreas;
- Evidenciar a existência de desassistência causada à essa população, devido aos
modelos normativos de saúde e sexualidade;
- Vulnerabilidade social dessa população;

Objetivos

- Compreender as condições em que mulheres lésbicas se subjetivam num mundo


predominado pelos paradigmas heteronormativos;
- Analisar as consequências da invisibilidade e exclusão na saúde mental das mulheres
lésbicas;
- Fomentar a discussão sobre a visibilidade lésbica e saúde;
- Fornecer subsídios para atendimento adequado, dada a situação de vulnerabilidade
social em que se encontram (causada pela invisibilidade das lésbicas);
- Compreender a dinâmica da sexualidade, relações amorosas e as complicações nos
laços sociais (trabalho, escola, família) ocasionados pela discriminação, isolamento e
construção da subjetividade lésbica, ou as formas positivas como são significadas as
suas vidas na divergência política, ética e cultural do modelo heteronormativo;

Referências:

Dossiê ‗A Saúde das Mulheres Lésbicas – Promoção da equidade e integralidade‘; Rede


Feminista de Saúde; Belo-Horizonte-BH; 2006

―La Salud de las Lesbianas y Mujeres Bisexuales: cuestiones locales, preocupaciones


comunes‖; ILGA (International Lesbians and Gays Association); Abril/2007

BACCI, Irina: Lésbicas, estigmas e vulnerabilidades. Coletivo Lésbico Feminista; São


Paulo-SP.

MYERS, Helen & Lavender :LESBIANS AND HEALTH ISSUES A COAL Research Paper;
Coalition of Activist Lesbians Australia - 1997

WITTIG, Monique: O pensamento hetero; 1970.

RICH, Adrienne: Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence; 1980.

Vous aimerez peut-être aussi