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CURITIBA
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
JANAÍNA MARINA ROSSI
CURITIBA
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
__________________________________
VISTO DO PROFº. ORIENTADOR
__________________________________
VISTO DA ACADÊMICA
CURITIBA
2010
AGRADECIMENTOS
Safo de Lesbos
Monique Wittig
RESUMO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 1
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 59
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 67
6. ANEXOS............................................................................................................75
1
INTRODUÇÃO
1
Termo utilizado para designar lésbicas que vivem identidades onde uma se apresenta com
aspecto mais masculinizado e outra, mais feminilizado, o que não necessariamente significa ou
implica na reprodução de papéis sexuais de gênero ou em papéis eróticos de atividade e
passividade. É um tipo de identidade lésbica com sua própria história, e entendê-la como uma
―réplica da heterossexualidade‖ resulta simplista e reforça a a heterossexualidade enquanto o
modelo legítimo de existência da qual as demais variam.
2
Montserrat Moreno, autora de ―Como se ensina a ser menina: O sexismo na escola‖ (Editora
Moderna, São Paulo: 1999) denuncia o androcentrismo das narrativas contidas nos livros de
história, onde se lêem frases como "Os agricultores subiram até à bacia do Elba..." e "Os
camponeses europeus começaram então a contralar os cereais espontâneos..., mesmo tendo sido
a agricultura descoberta por mulheres. Além de não deixarem nenhum vestígio que informe sobre
as atividades que mulheres desempenharam ao longo do tempo, transmitem uma idéia de que a
2
São histórias que não sabemos. Histórias que imaginamos. Histórias que
contamos, e re-contamos. Histórias oficiais que questionamos. História que
buscamos, nos registros possíveis, nos relatos perdidos. Histórias que
guardamos, e guardadas por muitas, em silêncio. História que lembramos.
Histórias que resgatamos.
história só foi feita por homens, e que só os parâmetros socialmente construídos do masculino que
são legítimos de ganharem suas páginas. Isso faria parte da transmissão de um currículo oculto,
androcêntrico, que apaga a emergência de outros valores que não os associados com a
competição e mortes.
3
poderiam ser percebidas sob o risco de verem ameaçadas suas liberdades, algo
ainda proibido ao feminino - de imaginar, de conseguir imaginar a história das
mulheres, a história das lésbicas, arriscar duvidar ou de ter certezas, “Será que
ela é /era?”.
3
Safo de Lesbos, poetisa grega nascida entre 630 e 612 a.C., fundou uma escola só para
mulheres e teve grande prestígio em seu tempo, mas de sua obra só restaram poucos fragmentos,
destruídos gande parte durante a Idade Média.
4
Tribadismo seria traduzido equivalente a ―friccionistas‖, forma de caracterizar as práticas sexuais
lésbicas no século IX, assim como algumas vezes, suas identidades. Por apresentar um risco à
economia de prazer hetero e falocêntrica(FLORES, 2006), acabou desaparecendo na sexologia
emergente no século XX .
5
Alguns termos brasileiros para ―lésbicas‖.
6
Os dois últimos, como explicado anteriormente, termos para definir os casais de lésbicas em que
uma é masculina e outra feminina.
7
Os três últimos, termos em espanhol para lésbicas.
8
Tomboy seria um termo em inglês para as meninas que na infância, tem preferência por roupas,
atividades, e companhias de garotos.
9
Termo em inglês para caminhoneira.
4
10
Embora sejam tópicos sumamente interessantes e tenham aparecido excelentes trabalhos,
conheço muitas lésbicas que preferiram se dedicar a estudos de gênero ou queer que à estudos
lésbicos e feministas, assim como escrever sobre Homofobia, Casamento Gay, Transexualidade,
do que escreverem sobre si mesmas. Será que a identidade inclusiva é confortável pela menor
exposição?
11
Termo desenvolvido por Simone de Beauvoir, em seu livro ―O Segundo Sexo‖ de 1949, onde
argumenta que a mulher foi construída como um ―Outro‖ fundamental, sempre relativo e
legitimador do Homem (sujeito masculino) e primeiro tipo de desigualdade social, uma alteridade
primordial, variedade mal-feita do Homem, encarnada na feminilidade que seria produto das
representações produzidas pela classe masculina sobre as mulheres.
5
IDENTIDADE:
12
Períodos investigados com pesquisa na internet.
13
É o discurso utilizado, afinal a Revolução Francesa produziu a ―Declaração dos Direitos do
Homem e Cidadão‖, e assim como na Grécia Antiga, a característica de ser homem é a
característica de ser cidadão e humano, ou seja: não-mulher, não-criança e não-escravo, nascido
na cidade e não imigrante, explicando porque até hoje se utiliza o termo ―Homem‖ em lugar de
―Sujeito‖, ―Ser humano‖, etc, e seu caráter inerente de exclusão de diversos grupos sociais. O
termo ―Homem‖, portanto, não vem a ser representativo do universal, mas sim invisibilizador de
muitas categorias que não são contempladas nesse conceito. Deixo minha crítica a forma como
essa categoria é utilizada muitas vezes nos textos dos autores da Sócio-Histórica, que acabam por
não questionar a reprodução do androcentrismo nele.
8
14
Movimento filosófico que se baseou nas idéias de Augusto Comte (1798-1857), influenciando as
Ciências, onde seria possível construir um conhecimento preciso e real através da experiência
sensível (empírica).
9
Pois o saber não está no objeto, mas na relação deste com o signo. ―A
própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a
encarnação material dos signos‖ (BAKHTIN, 1988, p. 33 apud FREITAS, 2002, p.
23).
Isso demonstrou que todo esforço do Idealismo até então foi a justificação
das condições materiais presentes, e na Filosofia e Ciência, quebrou a ilusão
gerada pelo positivismo, que não permitia compreender que os próprios
enunciados deste eram em si ideológicos e longe de serem completamente
neutros. O materialismo acusou a ideologia na ciência e criticou os sistemas de
verdade produzidos nela, por compreender que o conhecimento possuia uma
característica de infinitude, sendo uma relação intersubjetiva sujeito-objeto
mediada por signos e não passando da produção de significados nessa relação.
Pois a cada nova relação se produz novas construções sobre o fenômeno, já que
o sujeito, irrevogável participante nessa relação é ele mesmo constituído na e
pela linguagem. As significações não pertencem nem à ordem das coisas nem à
das representações, mas à ordem da intersubjetividade que, ao mesmo tempo
que é por elas constituída, é constituinte de toda subjetividade (MOLON, 2003).
Logo, a própria produção do conhecimento e a Ciência é humana, pois a Ciência
é uma atividade humana e é inevitavelmente mediada pela subjetividade.
15
―Acreditamos que a política mais profunda e potencialmente mais radical deve se basear
diretamente na nossa identidade, e não no trabalho para acabar com a opressão de outra gente.
No caso das negras, esse conceito é especialmente repugnante, perigoso e ameaçador, e
portanto, revolucionário porque é óbvio ao ver todos movimentos políticos antecedentes ao nosso
13
que neles qualquer pessoa merece a libertação mais que nós. Recusamos pedestais, ser rainhas,
e ter que caminhar dez passos atrás. Ser reconhecidas como humanas, igualmente humanas, é
suficiente‖ (Uma declaração Feminista Negra – Coletiva do Rio Combahee. Tradução nossa).
14
16
Uso o termo sexuais não no sentido de prática sexual, mas identidades que surgem nesse
campo de ruptura – consciente ou não - com a própria organização social do sexo que cria classes
sexuais. Não acredito ser possível entender a lesbianidade enquanto uma identidade sexual, pois
como disse Charlotte Bunch em 1972 no manifesto ―Lesbian in Revolt‖, pelo coletivo The Furies, o
Patriarcado definiu as lésbicas como um ato sexual por reduzir às mulheres em geral a sexo. A
necessidade de auto-redefinição onde homens vieram definindo o que mulheres são é feita
necessária, e Bunch diz que a lesbianidade não se trata de uma preferência sexual nem uma luta
por afirmação de uma, mas um ato e uma escolha política, porque as relações entre homens e
mulheres são relações políticas de dominação. A lésbica desafia uma ordem política patriarcal,
portanto, quando escolhe uma mulher. Não vejo melhor definição que esta. O intento de classificar
a lésbica como uma sexualidade vem da Medicina e das políticas de Estado, e refletem uma
motivação liberal de individualização dessas identidades. Lembrando que, para feministas, o fato
do poder masculino tenha poder determina que este imponha os significados sobre sexualidade,
enquanto sexualidade dominante (MACKINNON, 1995), logo a Sexualidade para feministas é
entendida como um dos sistemas pelos quais se concretiza a dominação masculina.
17
Preferia usar o próprio conceito de sexo a usar o conceito de gênero, por não compreender que
sexo seja natural e gênero sua expressão cultural (RUBIN, 1975), mas porque acredito que os
significados socialmente construídos sobre o que chamamos ―sexo‖ (ou seja, o gênero) constrói a
própria diferença sexual e a própria sociedade de sexos (MATHIEU, 1991 apud FALQUET, 2009).
Vou usar o conceito de gênero, no entanto, no sentido de sistemas de significados construídos
que criam as identidades de ―Homem‖ e ―Mulher‖. Meu problema com o conceito de gênero é que
ele acaba por não visar uma perspectiva em que se acabe com essas diferenças, mas diz que o
problema está nas significações serem rígidas e que sempre vão existir sentidos atribuídos ao
sexo, concepção que parte da herança levi-straussiana e psicanalítica de Rubin e dos estudos de
gênero de corrente pós-estruturalista em geral, que dizem que a pertença à Cultura passa pela
necessidade da Diferença Sexual. Essa concepção reflete uma construção normativa, misógina e
ocidental de Cultura que se presta à preservação das estruturas sexuais elas mesmas.
16
18
Na América Latina algumas teóricas feministas e lésbicas, dentro de uma proposta de retorno às
aliança com as demais categorias de movimentos sexuais, o fazem dentro do termo ―dissidência
sexual‖ (MONGROVEJO; 2006). O termo é utilizado no lugar de diversidade sexual, por este ser
produto e ainda se apresentar num marco heterocêntrico, onde o diverso gravita em torno de um
legítimo, ou seja: a heterosexualidade. Assim este termo é mais útil para apresentar a
característica que une essas subjetividades e identidades: a dissidência e ruptura com a
sociedade e instituições heterosexuais, em substituição ao termo LGBT ou LGBTTI-Q (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais ou Lésbicas, Gays, Transexuais, Travestis, Intersex e
Queer) que não apresenta uma crítica explícita à heterosexualidade compulsória, e não
necessariamente mostra o caráter político dessas comunidades e subjetividades. Logo o conceito
redefine a radicalidade dessas identidades.
17
Para a autora Elaine Showalter (1993) essas décadas, situadas entre 1880
e 1890, foram anos que chama de ―Anarquia Sexual‖, e compara com os atuais
tempos da AIDS. A autora defende em seu livro que todo período de final de
século é acompanhado de um pânico moral sobre a crise das instituições, e
surgimento de movimentos conservadores. Essa reação se deveria ao abalo
objetivo das estruturas sexuais e raciais de um tempo. Com o surgimento do
feminismo, a ―Questão da Mulher‖ desafiava as tradicionais instituições do
casamento, trabalho e família. Nas artes e literatura, proliferou imagens de
mulheres fatais, ameaçadoras, produzidas pelo movimento Simbolista 21, sendo
célebres as imagens de Klimt e Baudelaire. As mulheres são tomadas nessas
produções como símbolos da desordem, transgressoras em potencial,
característica geralmente associada, diz a autora, ao feminino, mas que neste
momento espelhava uma certa desordem promovida nas relações de gênero.
19
Natalie Clifford-Barney foi uma artista e intelectual que mantinha salões de arte e cultura para
mulheres, em sua maior parte lésbicas, no começo do século XX na Europa. Apoiava
financeiramente as artistas. Foi um período com muitas artistas mulheres (lésbicas) que se
destacaram, como Tamara de Lempicka, Marie de Laurencin, Reneé Vivien, Djuna Barnes. A
historiadora Joan Nestle (GOODLOE, 1993) resgata também a história das comunidades lésbicas
nos 40 e 50 no contexto anglo-saxão, por meio das comunidades compostas por lésbicas da
classe trabalhadora urbana, baseadas em seus próprios códigos de comportamento e auto-
identificação enquanto lésbica por meio dos papéis butch e femme (masculinas e femininas).
20
Nome pelo qual se chamou o momento das artes e literaturas que representava uma quebra dos
cânones do classismo e realismo, era um termo pejorativo dado pelos críticos de arte por verem
nisso um retrocesso.
21
Movimento artístico que explorava nas pinturas e literatura temas ligados ao Fantástico e ao
Sobrenatural, possuindo uma estética também soturna e pessimista, reflexo do entre-guerras e da
crise dos ideais do positivismo.
18
Não são muitas pessoas que podemos ouvir afirmando ‗Eu sou
heterossexual‘, este é o grande pressuposto. Mas dizer ‗eu sou
gay‘ ou ‗eu sou lésbica‘ significa fazer uma declaração sobre
pertencimento, significa assumir uma posição especifíca em
relação aos códigos sociais dominantes (WEEKS, 2010, p. 70).
22
Correção da tradução nossa.
19
24
A heterossexualidade não é uma diversidade sexual mas sim uma hegemonia sexual. Senão
teríamos a sigla LGBTIH, o que não faz sentido.
22
figura que emerge então e passa a ganhar destaque no discurso social coletivo,
com um novo caráter de ―progressividade‖ democrática e inclusividade. Ainda
segundo Kitzingzer, o conceito de ―homofobia‖ não nasceu do movimento social,
mas da disciplina acadêmica da Psicologia, despolitizando e des-
responsabilizando as ações anti-lésbicas e anti-LGBTs que motivam as violências
exercidas por Instituições e sujeitos.25
25
Sarah Lucia Hoagland recomenda que retomemos o termo ―Heterosexismo‖ no lugar de
Homofobia, para recuperar este caráter de denúncia de forças políticas, e não ‗irracionais‘, que
motivam ações de violências, exclusão e silenciamento de lésbicas.
26
Compreendida aqui no aspecto histórico da Psicologia enquanto uma Instituição que justifica um
regime dominante, normalizando e adaptando quem está inconforme e criando noções
naturalizadas sobre a injustiça social sofrida.
23
Com isso a autora quer dizer que as identidades sexuais não passam de
categorias limitadas, criadas sob a mesma lógica das demais identidades
normativas, e que não esgotam a riqueza que somos e nem acompanham a
constante transformação a que somos sujeitos.
Lésbica é o único conceito que conheço que está mais além das
categorias de sexo (mulher e homem), pois o sujeito designado
(lésbica) não é uma mulher, nem economicamente, nem
politicamente, nem ideologicamente. Pois o que faz uma mulher é
uma relação social específica com um homem, uma relação que
chamamos servidão, uma relação que implica uma obrigação
pessoal e física e também econômica (―residência obrigatória‖,
29
Tradução nossa.
25
feministas, para constituir-se além do marco de mais uma Diversidade Sexual, por
30
Tradução nossa.
31
―Mulher‖ para Wittig não se trata de um conceito que diria referência a uma condição natural,
pelo contrário: categorias de sexo só são possíveis por meio de relações de dominação, que as
criam e as justificam ideologicamente pelo que a autora chama de ―O Pensamento Hetero‖. Assim
como com o fim da exploração do Capital se acabariam as sociedades de classes, com o fim da
opressão sexual não existiriam mais as categorias sexuais, pois são desigualdades produzidas
para fins de exploração. Não faz sentido falar de um proletariado em uma sociedade não-
capitalista. Com isso ela queria também desvencilhar-se do movimento de mulheres francês, que
sob essa identidade excluía as demandas lésbicas e promovia invisibilidade de demais categorias
dentro dela.
32
―Pelo menos, para uma mulher, querer ser um homem significa que escapou a sua programação
inicial. Mas, ainda se ela, com todas suas forças, se esforça por conseguí-lo, não pode ser um
homem, porque isso lhe exigiria ter, não apenas uma aparência externa de homem, mas também
uma consciência de homem, a consciência de alguém que dispõe, por direito, de dois—se não for
mais—escravos ―naturais‖ durante seu tempo de vida. Isso é impossível, e uma característica da
opressão das lésbicas consiste, precisamente, em colocar à mulheres por fora de nosso alcance,
já que as mulheres pertencem aos homens. Assim, uma lésbica tem que ser qualquer outra coisa,
uma não-mulher, um não-homem, um produto da sociedade e não da natureza, porque não existe
natureza na sociedade.‖ (WITTIG, 2004)
26
(1980) a destruição dos traços, das memórias e dos escritos que atestavam a
realidade da existência lésbica foi característica de sua história. Também, a não
menção de sua existência e a censura à visibilidade dessa existência visam
conservar a Heterosexualidade Compulsória enquanto regime social que garante
o acesso masculino às mulheres enquanto bens emocionais, sexuais e
econômicos.
33
Tradução nossa
27
existe para que não tenham representação pública as existencias que ameacem a
ordem heterosexista‖ (2008b, p. 5).
Miñoso (2007) diz que a ignorância é uma forma produtiva de Poder. ―Não
é falta ou ausência de conhecimento, senão um efeito do conhecimento‖. A
invisibilidade e o desconhecimento sobre a vida das lésbicas indicam a presença
de um percebido, que se prefere ignorar. Juliano & Platero (2008) argumentam
que se trata de um jogo do ―Não penso nisso, logo não existe‖ ou ―Não se fala
disso, logo não existe‖, parte específica do controle social exercido pela ordem
patriarcal à lesbianidade, não tão caracterizado pela estigmatização e
perseguição que são alvo os coletivo de gays e prostitutas por exemplo, mas pela
estratégia da negação e minimização de sua sexualidade (MIÑOSO, 2007).
Butler (2002, p.. 238) diz do preço pago pela exclusão do simbólico: ―Se
você não é real, pode ser difícil manter-se como tal com o passar do tempo‖. Para
a autora, o Estado monopoliza os recursos do reconhecimento, e se pergunta se
é possível gerar outras formas de reconhecimento, pedindo que nos
mantenhamos críticos com os desejos de legitimação quando a supõem dentro
das referências de uma ordem normativizante. Para ela, porém, o campo do
34
Seu nome aparece na maior parte dos documentos em letras minúsculas, não encontrando
explicação, deduzi que seja referência à bell hooks, filósofa feminista negra que escrevia muitos
ensaios sobre linguagem e colonização, e que também redigia seu próprio nome em letras
minúsculas de modo a questionar tanto a própria linguagem quanto para dizer que o que
interessava nas suas obras era o que escrevia, e não quem ela era. Outras feministas, geralmente
de tendência queer, vêm fazendo isso para questionar as políticas de identidade e para quebrar as
próprias regras da língua que determinam o que é o ―normal‖.
29
35
O conceito de abjeção na obra da Butler foi tomado de empréstimo da psicanalistica e
semióloga Julia Kristeva, situada entre teóricas do chamado ―Feminismo da Diferença‖ francês. O
abjeto é tido como aquilo que, tal qual os excrementos expelidos do corpo, se exclui do Si para
definir como não-Eu. O que é expulso é tornado outro, repulsivo, e não é reconhecido como ―meu‖
e como ―igual‖, indica aquilo que o Eu exclui de si para definir como Não-Eu, e que garantem sua
coerência (KRISTEVA, 1988). Paradoxalmente é algo ao mesmo tempo inseparável e necessário
a este, algo do qual continuamente se afasta pela periculosidade que representa à garantia da
coerência interna desse Eu. Judith Butler tomou esse conceito para definir as identidades de
gênero como sendo produzidas por esses atos de exclusão pelo qual o Mesmo se define como
mais-Humano, gerando sujeitos abjetos. Esse procedimento discursivo lembra bastante à de
Beauvoir quando fala da mulher como o Outro, e que o homem se define como o Mesmo através
dela, situando o feminino sempre num campo do negativo.
30
que se tentou contato, três possuíam filhas e filhos, duas eram também de
militância negra, duas viviam em outra cidade vindo às vezes para Curitiba, e uma
foi contato realizado apenas por internet.36
36
O fator racial também pode ser apontado como dificultador do acesso para entrevista, sabendo
que vivemos em um país onde as hierarquias sociais são brancas, masculinas e heterossexuais.
Se mulheres são mais mal-remuneradas que homens, recebendo salários até 30% mais baixos
que os deles, temos um país em que a pobreza é estruturalmente racista afetando mais à
população negra que a branca, certamente influenciando na disponibilidade de tempo fora da
produção capitalista desse segmento. Fonte: Agência Patrícia Galvão.
37
A dificuldade de encontrar as voluntárias de pesquisa dentro de um procedimento adequado de
busca e delimitação da população pode ser refletida aqui se a própria invisibilidade social das
lésbicas não dificultou a realização desta pesquisa. A busca de grupos ativistas se baseia na
suposição de que nestes o assumir de uma identidade lésbica e de uma identidade lésbica pública
possam ser mais facilmente encontráveis e que se dirigir supondo uma identidade não constitua
em uma violência.
32
3.2. Metodologia
Deste modo, pesquisar é uma práxis (LANE, 1987), uma relação de ação-
reflexão, síntese e novamente ação, uma atividade material e que afeta e
transforma as condições presentes.
34
A) IDENTIDADE
As falas que trazem sobre o processo identitário das lésbicas trazem narrativas e
significações pessoais e comuns das experiências das lésbicas, e uma reflexão sobre as
condições do mundo em que vivem atravessados por instituições como Família, Religião,
Escola. Suas subjetivações nessas instâncias são marcadas nas suas histórias de muitas
formas. Definindo Instituição como padrões de controle, dotadas de força coercitiva e
autoridade moral (BERGER, 1980), elas invocam um direito à legitimidade. São também
uma das primeiras condições de subjetivação dos sujeitos, por serem transmitidas pela
Linguagem, condição primeira de constituição da subjetividade. Ao mesmo tempo, somente
por meio da própria linguagem, que contrói o universo de significados por meio dos quais as
instuições se materializam, podem permanecer as instituições atuantes. As instituições que
regulam as subjetividades só podem ser mediadas e transmitidas pelas significações que
compõem aquelas.
Com tal imposição coerciva, como podemos entender as identidades que ―desviam‖
em relação às exigências institucionais? Como elas escapam à programação prevista pela
sua ação repressora? Não se constituiria em um paradoxo que sendo tão fundantes
enquanto mediações simbólicas dos sujeitos, as imposições normativas falhassem em
constituir os corpos dóceis (FOUCAULT, 1987), mesmo com tantas condições restritivas
42
Vale lembrar que a Homossexualidade é ilegal em 80 países do mundo, e punida com morte em
sete destes. Em Curitiba e região Metropolitana o número de assassinatos por motivo homofóbico
está em torno 25 ao ano (fontes: uol e gazeta do povo).
37
Pra mim foi tranquilo porque eu, na hora que eu fiquei com uma
menina... na verdade assim eu também, por causa da religião falava
―não, isso aqui tá errado, ficar com pessoas do mesmo sexo‖ e assim,
dentro do futebol sempre tem as meninas lésbicas e até então eu nunca
tinha ficado com nenhuma. Aí quando me descobri, quando eu tipo falei,
―Meu, vou experimentar‖ e aí eu acabei gostando e assim, pra mim me
43
Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo.
38
As tentativas de agir de acordo com as normas sociais são evidentes nas falas, mas
os sentimentos de liberdade e autenticidade que nos transmitem os discursos se mostram
como experiências que mediam a construção identitária num contexto repressor, motivando
a recusa da tentativa de pertencimento na normatividade de gênero e sexualidade,
superando as formas alienadas de vivê-las.
O que é uma lésbica? [...] ela é a mulher que, muitas vezes numa idade
muito jovem, começa a atuar de acordo com sua necessidade
compulsiva de ser um ser humano mais completo e livre que – talvez
então mais tarde – a sociedade onde vive a deixará ser. Essas
necessidades e ações ao longo dos anos conduzem a um conflito
doloroso com as pessoas, situações, formas aceitáveis de pensar, de
sentir e se comportar, até que se encontra num estado de guerra
permanente contra tudo a sua volta e geralmente também com ela
própria. Pode não estar totalmente consciente das implicações políticas
do que para ela começou como necessidade pessoal, mas num dado
plano não foi capaz de aceitar as limitações e a opressão imposta pelo
papel mais básico da sua sociedade – o papel de mulher.45
44
Um coletivo lésbico-feminista que nos anos 1970 escreveu o manifesto ―A mulher que se identifica
com a mulher‖, em reação à exclusão das lésbicas pelo movimento de libertação de mulheres nos
Estados Unidos.
45
Tradução nossa
39
E é até engraçado assim, pelo meu irmão ser todo... ele tentava me
arrumar assim, pra ir pra festas, e tipo, ai, passa maquiagem, e coloca
brinquinho, e não sei o que, e eu não, eu não quero, e tal. Acho que eu
tenho duas fotos maquiadas só. Disso tudo, eu ficava nervosa quando
tentavam me arrumar. ―Vamo pra loja, comprar roupa decente‖, eu só
usava roupa de molecão assim. Sempre tinha que ter um shortão assim,
uma regata... (Clara)
Além da recusa da feminilidade, em algumas falas se nota uma narrativa que apela
à formulas essencialistas, dizendo de um sentimento de ser lésbica ―desde nascença‖, o que
viria a negar a literatura construcionista, feminista, anti-identitária discutida e a perspectiva
Sócio-Histórica adotada46:
46
Todas convergem entre si por rejeitarem o essencialismo, mesmo que o façam de diferentes
formas.
40
que não existe em mim, pra ser certas pros meus tios, pros meus
pais, sei lá. Mas assim, se eu pudesse me revelar, no caso, me aceitar
desde pequena, com certeza eu viraria, eu seria lésbica... Mesmo
porque, eu não vejo graça em homem assim. (Clara, grifo nosso)
normalidade, mas como a única possibilidade, nada mais faz do que cumprir a função
ideológica que a respalda.
NESTLE (1981 apud GOODLOE, 1993) faz uma defesa das identidades lésbicas
femininas e masculinas e uma crítica ao reducionismo feminista que classifica muitas vezes
os casais em que uma é ―mais feminina‖ e outra ―mais masculina‖, ou as identidades
lésbicas que apresentam uma identificação com esses papéis, de estarem reproduzindo a
Heterossexualidade. Essa análise para ela é produtora de invisibilidade, e além de definir um
modelo ―ideal‖ de lesbianidade, oculta a história de resistência que representaram essas
42
identidades. Diz do roubo realizado pelas butchs47 dos trajes e comportamentos masculinos:
―Elas nunca se apresentaram para mim como homens. Elas anunciavam a elas mesmas
como mulheres-tabu que desejavam identificar sua paixão por mulheres vestindo roupas que
simbolizavam a tomada de responsabilidade‖48. Também diz que as lésbicas masculinas
―sempre estiveram se opondo ao Patriarcado no passado, talvez tanto mais quando se
pareciam mais com homens‖49. Diz o mesmo quanto às lésbicas femme50 (1984 apud
GOODLOE, 1993), e considera esses jogos de papéis como uma ―conversação erótica entre
mulheres‖, de grande valor histórico: uma mulher femme, vestida no que poderia ser
considerado convencionalmente feminino e portanto, concebido para atrair os homens,
estava de fato subvertendo essa convenção por usar isso para atrair mulheres.
Isso nos diz da diversidade que compõem as identidades lésbicas, e das diferentes
estratégias identitárias e subjetivas usadas para contornar e contrapôr o heteropatriarcado.
Essas produções identitárias muitas vezes são celebradas pelas lésbicas. A vivência
desses sentidos coletivos e singulares, assim como a expressão da sexualidade, é produtora
de prazer:
Tipo, eu até brinco assim, né. Que eu me segurei por tanto tempo que
quando chegou o momento de eu sair eu fui com tudo assim. Fui
fazendo filas assim. (Clara)
47
Termo em inglês para o que teríamos por equivalente o ―Bofinho‖ no Brasil.
48
Tradução nossa
49
Tradução nossa.
50
Termo em inglês para o nosso equivalente ―Lady‖.
43
sinto melhor usando essas roupas e não mudaria. Eu amo boné, adoro
boné... (Clara, grifo nosso)
―Sapatão‖ aqui pode ser compreendido, no uso feito por Clara, como a
característica de ser facilmente percebida como lésbica e disso ser visível, geralmente pelo
comportamento e trajes que indicam uma não-conformidade de gênero. ―Sapatão‖, assim
como outros termos surgidos em contexto de homofobia, são apropriados nestes contextos,
e deixam de ser pejorativos. Utilizada por heterossexuais, é uma forma de ofensa, e de
acusar que uma mulher é diferente do que se espera que ela seja. Existe para gerar medo e
para implantar uma vigilância sobre o adequado seguimento da normatividade de gênero.
Pelas lésbicas, é apropriada no sentido dessa auto-acusação e de reconhecimento mútuo
entre estas. Ser ―Sapatão‖ se torna uma forma de consciência comunitária, expressão de
uma cultura lésbica comum.
DE PERTENÇA
51
Sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, será utilizada aqui para evitar o termo
genérico ―gay‖ e os riscos de invisibilidade que apresenta, assim como por representar várias categorias
dissidentes sexuais.Também é utilizada a sigla LGBTTI, incluindo então os travestis e transexuais como
experiências separadas de gênero e sexualidade e incluindo a população intersex. Termos inclusivos
44
A Família aparece nos discursos das jovens lésbicas entrevistadas como um espaço
bastante valorizado, e igualmente, de decepção. É colocado como um espaço primeiro de
apoio social, que se queixam, contudo, não ter tido, tendo que constituir outros espaços de
referência, sejam nos relacionamentos íntimos, sejam nos relacionamentos afetivos em geral
ou na comunidade LGBT. Também, a família é tomada como uma instância de legitimação
no processo de auto-representação social:
...eu sou uma pessoa muito carente. O que eu não recebo em casa eu
recebo dela. (Clara, se referindo à Rosa)
...eu não posso fazer uma coisa assim por mim [processar a empresa
que demitiu por discriminação] se não tenho nem minha mãe que é por
mim. (Rosa)
E por isso né, ela [mãe] pediu que eu não assumisse pra minha família,
que eu não contasse pros meus amigos, né, que eu tentasse camuflar,
e esconder. Que foi o ponto em que eu divergi com ela [...]Eu só tinha
uma coisa em mente: que eu não ia ficar com homem porque a minha
mãe queria isso. (Vera)
Eles aceitam porque sou eu. Não aceitam minha condição de lésbica. É
uma ‗aceitação‘. (Maria)
Na fala das entrevistadas, outros espaços também são colocados como importantes
espaços de busca de sua identidade lésbica ou comunitária LGBT, ou espaços mais cômodo
de convívio e lazer, como por exemplo: grupos de atuação política e militância, internet,
lugares de freqüência da população de lésbicas, ou de gays e lésbicas (GLS)52, também
chamados de espaços ―alternativos‖ (baladas, bares, cafés, etc), assim como busca cultural
(filmes em temática lésbica ou LGBT), e a convivência com grupos mais abertos à questão,
52
Sigla para Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Essa sigla foi mudada pelo movimento social, que utiliza
LGBT, mais inclusivo, não omitindo os sujeitos Trans. Essa terminologia, contudo, permanece sendo
utilizada por estabelecimentos comerciais para essa população, ou como forma de se referir à estes.
46
e até mesmo a busca por cidades em que haja maior presença de lésbicas, gays, bissexuais
e outros nas ruas e ambientes públicos. Lugares em geral onde se encontrar ―iguais‖. Há
também uma expectativa em espaços abertos ao debate social e político como universidade,
mas havendo diferentes experiências de aceitação ou de tolerância nestes espaços nos
relatos que trouxeram. A perda da identificação com heterosexuais e até um rechaço e
evitação do convívio com eles também é evidente nos relatos:
Essa evitação do convívio com heterossexuais não pode ser compreendida fora
do contexto em que vivenciaram exclusões, rejeições, pressões por adaptação, e a própria
obrigatoriedade social da heterossexualidade, que tornaram aversivo e hostil esse contato,
tornando a busca por uma identidade diferenciada e a comunidade de iguais em um
mecanismo também de proteção.
Não somente a busca por espaços em que transitem ―iguais‖ se torna estratégia
de sobrevivência deste grupo, mas também os relacionamentos afetivos e as vivências de
sexualidade possuem um papel importante seja na definição de suas identidades, seja no
confronto com os modelos de sexualidade hegemônicos, seja como fonte de apoio
emocional ou material. Muitas vezes aparecem nos discursos de Rosa e Clara como fontes
de reconstrução de um espaço de acolhimento:
Também, eu acho que é mais fácil assim, eu conversar com ela e poder
assim, que ela fale comigo e eu fale com ela, já que a gente não tem
essas coisas assim mais entre a gente, porque não é muito seguro
contar para outra pessoa, e a gente nunca sabe quando essa pessoa
realmente aceita. (Rosa)
Aqui, a entrevistadora procura dar uma resposta, de acordo com sua vivência, da
invisibilidade lésbica. Podemos pensar presença da construção social da feminilidade nessa
experiência da existência lésbica, que segundo Indurria (2008, p. 141) acentua a
invisibilidade destas como consequência da socialização de gênero, marcando o lugar social
das mulheres como sendo o da passividade e da invisibilidade. Mas também, podemos
pensar nas vantagens da invisibilidade igualmente, servindo como uma espécie de
―proteção‖, ao impedir a rejeição social e a exposição às atenções da ordem dominante.
Essa proteção é um engano para lésbicas, pois como diz de Oliveira (2006):
No entanto, muitas lésbicas mantêm esse segredo por medo de perder apoios
sociais importantes como família, amigos, emprego, religião.
53
Usei o termo gay por representar historicamente a expressão dessa tendência, por ter sido uma
identidade bastante alvo do liberalismo e da mercantilização do movimento. Muitos gays assimilaram a
lógica do sistema, pensando realmente que possuir espaço social é ter nichos de mercado específicos,
poder econômico, acesso à indústria sexual e à outras instituições sociais que são na verdade
heterosexistas e cúmplices do racismo e da homofobia.
48
Para Rosa, também não interessa a busca de ambientes como baladas gay uma vez
que possui um relacionamento estável, e os espaços das baladas tem em sua concepção
inicial favorecer encontros sensuais e sexuais para esta população, já que no restante da
sociedade a invisibilidade dificulta o encontro de relações amorosas com tanta facilidade.
Embora tenham em sua origem esse propósito, acabam se tornando um espaço de
socialização importante para LGBTs.
54
Não acho que a autora esteja invalidando a vida de muitas mulheres que vivem e constróem suas
vidas com homens ao dizer isso. Ao apontar a Heterosexualidade enquanto instituição se está retirando
esta da ―Ordem da Natureza‖ (GUILLAUMIN, 2005) e situando historicamente no contexto das relações
de poder entre homens e mulheres, fato este que não pode ser negado. Se não fosse uma construção
hegemônica e transmitida pela quase totalidade das instituições sociais, por que a categoria de
homossexuais seria uma minoria (quantitativamente falando) social, por ser uma condição natural? Isso
iria contra o que foi refletido até agora. A própria categoria ―heterossexual‖ só é possível porque a
medicina criou a categoria ―homossexual‖ e tendo sido até então uma construção que privilegiou mais
49
Ela pediu que eu contasse para o meu pai, eu não queria contar, de
nenhuma forma, que eu também tinha muito medo assim… aí acabou
rolando, ela falou né, daí meu pai me mandou para quem? O
Psicólogo. Né, é uma coisa bem normal (Maria, grifo nosso).
Além do ―Pai‖ estar bem representado nessa fala como um referente simbólico da
ordem e como uma instância máxima, quase parecida com o próprio Estado ou Deus, que
chega pela fala da mãe como incubida socialmente de mediar essa relação55, também a
homens do que mulheres, me parecendo ilegítimo que mulheres reivindiquem uma construção de
sexualidade e identidade inventada pelos homens e não por elas. É o mesmo que reclamar a
feminilidade, coisa que já foi superada no começo dos estudos feministas e apontada como uma
construção hegemônica e que jamais gera autonomia, somente desumanização. ―De fato, a melhor
maneira de assegurar uma dominação é se fazer amar e desejar pelos dominados‖ (SWAIN, 2000, p.
35). O contexto descrito por Swain explica parte das violências empregadas sobre sexualidades
dissidentes, já que elas ameaçam uma estrutura de poder Masculina e Capitalista. Cabe recusar esses
modelos e construir novas relações entre seres humanos.
55
Os Pais das outras lésbicas não apareceram nos discursos delas. No discurso de ―Maria‖ ele aparece
mediado pela fala da mãe. ―A estrutura da vida familiar tal como a conhecemos se baseia na premissa
50
Para mim foi bom, foi um tipo de auto-ajuda, eu fui, freqüentei algumas
sessões, mas eu não ia mudar de idéia por causa daquilo. […] Mas o
Psicólogo não resolve nada, ele não vai modificar ninguém. (Maria,
grifo nosso)
No dia em que aconteceu esse debate na sala sobre minorias e etc, que
eu acabei no fervor do debate me assumindo pra sala, professora
depois me procurou e perguntou se eu queria fazer parte da Igreja dela.
Então eu me senti violentada, pois foi uma coisa assim que, né, eu não
sou doente, eu não sou anormal, né, eu não preciso da igreja dela, da
igreja de qualquer outro, pra que eu me cure, porque eu não tenho nada
[...] e foi assim, uma forma de violência também que tem que ser
apontada, porque às vezes a pessoa sofre isso e não entende como
violência. O importante é você perceber que está sendo violentado o
tempo todo. (Vera)
Daí... eu vou lá, teve uma época até que ela me mandou prum Retiro,
assim, numa Igreja, acho que eu fiquei... uma semana lá. Aí veio uma
mulher e me falou que eu tava com pomba-gira, demônio... e começou
a orar por mim, e que eu ia estar liberta... uma coisa assim. (Rosa)
Em outros casos, as próprias mulheres buscavam corrigir sua conduta, por meio de
tentativas de adaptação, na história de sua lesbianidade:
... eu até fiquei com uns piás porque a religião sempre falava que era
errado e aí eu achava que era errado, e eu fazia o que achava que era
certo. Mas eu não sentia muita atração sabe. Aí eu fazia o possível para
de eu a esposa tem o dever de confirmar a virilidade do marido e confirmar aos filhos a função fálica do
pai‖ (KAPLAN, 1994, tradução nossa). O papel materno é construído no heteropatriarcado como o de
transmissão da ordem do Pai – a ordem social.
51
namorar com piá mas não dava certo, sentia nojo... não dava certo.
(Rosa)
Quando a relação pode ser vivida abertamente, quebra com as narrativas freqüentes
de sofrimento e relações difíceis:
Você não ter que sair escondida dentro de casa, ou você não ter que
mentir pra onde você vai pra não ter que falar pra sua mãe que você foi
52
dormir na casa do seu namorado mesmo ela sabendo que você namora
com mulher. Então esse último relacionamento foi muito bom neste
sentido. (Vera)
As narrativas dramáticas e trágicas são colocadas por Swain (2000) como parte de
uma construção ocidental da lésbica. Quando temos acesso às representações de
lesbianidade, a lésbica é retratada como doente e infeliz, autodestrutiva, e não possuindo
nenhum romance que não seja frustrado, reconfigurando um imaginário favorável ao
Patriarcado onde todas mulheres são devolvidas então aos braços de um homem no final.
Esse imaginário parece se materializar à força nas relações concretas das lésbicas, sendo
destruídas pelas pressões da heteronormatividade.
Até hoje meus tios nunca ouviram da minha boca ‗ Eu gosto de mulher‘.
Eles desconfiam, eles sabem, né, tem aquele burburinho de família,
mas ninguém perguntou [...] Com certeza subliminarmente eles sabem
[...]Eu não vou chegar pros meus tios e meus primos e falar ‗Vem cá,
vou te falar uma coisa agora‘. Pra mim não faz diferença eles ‘tarem
sabendo [...] Foge do entendimento, ter que ficar comentando coisas
particulares da minha vida com meus tios, padrinho, madrinha em
geral. (Maria, grifo nosso)
56
Ao menos, desde a Modernidade, ou desde o surgimento das civilizações Patriarcais.
57
Designando espirituais aqui não por espírito mas por espiritualidade, de forma a contrapôr o livre
exercício de práticas religiosas-culturais com as instituições religiosas demonstradas nas falas.
54
58
Um exemplo são os grupos que dizem representar a ―Parada do Orgulho Hetero‖, que invadem as
paradas da Diversidade todos os anos no país com heterossexuais segurando cartazes e se dizendo
reprimidos pelo crescimento da Homossexualidade, muito semelhante às brincadeiras feitas com as
camisetas pretas geradas pelo movimento negro que tinham escritas ―Orgulho Negro‖, tendo uma época
surgido camisetas estampadas com ―Orgulho Branco‖. Essas atitudes não podem ser compreendidas
como não sendo Homofóbicas e Racistas, por constituírem-se em reações de grupos que se vêem
prejudicados em seus privilégios e questionados em sua hegemonia. A Heterossexualidade não pode ser
compreendida como o inverso de Homossexualidade. A Heterossexualidade é um regime político que
criou todas categorias e definições sexuais que temos. Tais reações partem também de uma premissa
liberal do direito privado.
59
Punindo em muitos países com morte às mulheres insubmissas, com o apedrejamento das mulheres
no Irã, clitorectomia em alguns da África, imposição da burca em outros países do Oriente Médio, os
feminicídios anuais no México e mortes por aborto clandestino sem assistência médica no Brasil, por ser
55
É porque tem pessoas assim, não sei por quê, mas eles vão fazer uma
entrevista de emprego eles tem que perguntar se você tá namorando,
se você tem filho ou alguma coisa íntima. Eu não sei por quê, não tem
necessidade deles saberem isso. Daí acho que acaba ficando mais
difícil assim. Porque eles vêem uma aliança no meu dedo eles acham
que eu tenho namorado. Daí eles ficam perguntando... (Rosa, grifo
nosso)
Mas a invisibilidade não é um campo sem presença ativa dos sujeitos: ela se
apresenta também nos regimes de códigos e nos silêncios, nos não-ditos ou semi-ditos,
engendrando economias simbólicas alternativas de comunicação em meio a um regime de
repressão, em que as lésbicas procuram enunciar ou comunicar algo de sua condição, criar
alianças:
crime e ilegal, números que totalizariam e se comparariam com os genocídios étnicos e holocaustos
ocorridos na história, podemos entender como a feminilidade se torna compulsória e porque a
lesbianidade representa o risco maior à hegemonia patriarcal, e porque invisibilidade é uma forma das
lésbicas se ―feminilizarem‖ e serem assim, mais admitidas no sistema.
60
Nas entrevistas ou no contato verbal, não registrado por falhas técnicas durante gravação.
56
...Eu procuro dar pinta de ser lésbica do que eu mesmo ter que falar
assim. Por isso que assim, eu tenho uma corrente, que tá escrito Rosa
[...] e assim, eu sempre procuro deixar bem à mostra assim, pra tipo, se
a pessoa tem dúvida, aquilo esclaresça a dúvida. (Clara)
Mas assim, eu acho que os gays sofrem mais preconceito, porque ―Ah,
duas meninas juntas, que fofinho‖. (Clara)
61
Afinal, nenhum heterosexual precisa passar por uma fase ou processo de entender-se ou assumir-se
heterosexual, já que é pressuposta a heterossexualidade à todos e todas pessoas.
62
Sempre que sai os números anuais de assassinatos de gays e transexuais, aparecem poucos
assassinatos de lésbicas em relação aos de gays e os exorbitantes assassinatos transfóbicos.
Assassinatos registrados, porque uma característica da violência contra a mulher e sua consequente
morte, por ser algo naturalizado socialmente e por ser naturalizada a idéia de que mulheres pertencem
aos homens, é que as violências e crimes são sub ou não-notificadas e muito menos adequadamente
punidas. Não seria diferente em relação aos assassinatos de lésbicas: muitas devem ser enterradas sem
que saibamos ao menos por que morreram ou se de fato eram, e os centros de referência LGBT, tendo o
L só no nome, em geral não possuem assistência adequada nem especializada para lésbicas, e nem os
Centros de Referência às Mulheres Vítimas de Violência sabem acolher a questão da lesbianidade
ainda. Raramente uma ONG LGBT vai ter um projeto em lésbicas e é por isso que estas vêem
constituindo suas próprias organizações e espaços.
63
Outro termo para misoginia, mais direto.
57
Eu acho que isso é errado, tipo... todo mundo tem que nascer mulher,
casar com homem, ter filho... e ficar casado com ele a vida inteira até
ele morrer, sabe? Eu acho isso injusto tipo, acho que a sociedade não
pensa ―Ah, você tem que fazer o que você se sente bem pra ser feliz‖.
Você estando com uma pessoa que você não ama sabe? Você não é
obrigada a fazer isso. E eu acho muito injusto isso. As pessoas
geralmente não pensam no que você sente, elas querem impôr tipo, eu
quero que você faça aquilo, e se você fugir você tá totalmente errada,
entende? Eu acho muito injusto isso. Eu fico triste por ver que a
sociedade, não todos, mas a maioria, se importa assim [...] E outra: a
gente não tá fazendo nada de mal ao próximo, a gente não tá
prejudicando ninguém. Só queremos nosso direito de ser feliz. (Clara)
... Eu não acho que o que a gente esteja fazendo seja tão errado assim
pra eles olharem com diferença. Eles preferem às vezes aceitar
pessoas se drogando, pessoas traficando, sei lá criança dormindo na
rua eles preferem isso do que sei lá, as lésbicas. (Rosa)
Butler (1993, p.161) fala sobre os efeitos da exclusão como constitutivos de uma
zona de abjeção do reconhecível no humano, da ininteligibilidade que caracteriza o encontro
com as subjetividades estranhas (queer). Porém, o humano e inteligível só se constitui por
essas exclusões, pelo que é deixado de fora (no caso, as subjetividades não reconhecidas
pelo sistema simbólico falogocêntrico e heteronormativo). Os sujeitos por ela chamados de
estranhos (queer) são constituídos por esse mecanismo de exclusão, mas ao mesmo tempo,
essa mesma estranheza é possibilidade de subversão e questionamento, e de desestabilizar
aquilo que é tomado como normal ou original. Se existem, é porque mostram que não existe
de fato um ―original‖:
descrito como ‗humano‘. Nós vemos isto mais claramente nos exemplos
daqueles seres abjetos, que não parecem apropriadamente
generificados; é sua própria humanidade que se torna questionada. Na
verdade, a construção de gênero atua por meios excludentes, de forma
que o humano não é apenas produzido sobre e contra o inumano, mas
através de um conjunto de exclusões, de apagamentos radicais, os
quais, extritamente falando, recusam a possibilidade de articulação
cultural (…). Esses locais excluídos vêm a limitar o ‗humano‘ com seu
exterior constitutivo, e a assombrar aquelas fronteiras com a persistente
possibilidade de sua perturbação e rearticulação. Paradoxalmente, a
investigação sobre os tipos de apagamento e exclusões pelos quais a
construção do sujeito atua não é mais construcionismo, mas também
não é essencialismo. Pois existe um ‗exterior‘ relativamente àquilo que é
construído pelo discurso.
59
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
64
Embora tenha sido exposto que Wittig considera que ―lésbica‖ é o único conceito que para ela
se encontra mais além das categorias de sexo, dizendo que lésbicas não são mulheres, de modo
a recusar o marco natural dessas categorias, ela afirma simultaneamente que ―mulheres‖ é
produto de uma relação social. Eu considero mulheres como um grupo social que se caracteriza
por condições materiais de opressão. Logo, assim que uma lésbica sai de casa, ela é mulher: vai
receber cantadas grosseiras na rua, é passível de sofrer estupro se andar numa rua mal iluminada
a noite. Essa é a realidade da classe ―mulheres‖ e ainda considero que lésbicas se encontram
nela, não porque precisamos convencer que somos aquele corpo que convém aos interesses
estatais, mas porque sua condição de dissidência é justamente por representar uma heresia ao
mito ―Mulher‖ que o Patriarcado quer garantir, com todas implicações que se subentende à isso.
61
65
Tradução nossa
62
dominantes, onde identidades sexuais possuem como história seu surgimento das
categorias médicas. Essa historicidade certamente determina até hoje as práticas
clínicas e intervenções de muitos profissionais de Psicologia e, portanto, os
profissionais devem estar atentos aos contextos raciais, de gênero e sexualidade
nos quais se encontram os indivíduos.66
67
Claro que o ideal é a garantia da Saúde Universal e pública, mas é preciso ter em conta que
LGBTs se encontram em contextos de sociedades capitalistas e são privadas e privados de muitas
condições econômicas pelo preconceito e marginalização dos direitos civis, isto se constitui em um
desestímulo e uma dificuldade na manutenção de suas famílias, criação de filhas e filhos, e sua
manutenção material em geral.
68
Fonte das informações: http://iiimarchalesbicadepoa.blogspot.com
65
69
―Lei do Matrimônio Igualitário‖ termo corretamente utilizado no país.
66
70
Tradução nossa.
67
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ILGA. Queer como crítica de Identidad: Aurore entrevista a Judith Butler. In:
Movimientos Lésbicos: Rupturas y Alianzas. Belgica: 2010. P.46-48.
REIS, José Roberto Tozoni. Família, enoção e ideologia. In: LANE, Silvia T. M;
CODO, Wanderley. Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993. P. 99-124.
RUBIN, Gayle. The Traffic in Women: notes for a political economy of sex. In:
Retter, Rayna R. Toward an Antropology of Women. New York: Monthly
Rewiew Press, 1975.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação e
Realidade, V.20(2), 1995. Acessível em
74
http://sistema.clam.org.br/biblioteca/files/Genero%20-
%20Joan%20Scott%5B1%5D.pdf
6. ANEXOS
76
Isso será feito por meio da realização de entrevistas com mulheres lésbicas
em contextos diversos como organizações não-governamentais, universidades e
outros tipos de associações. Estas entrevistas visam traçar a história de vida das
participantes a fim de obter elementos de análise para o desenvolvimento da
pesquisa.
DECLARAÇÃO
Eu, ________________________________________________________,
__________________________________________, portadora do RG
Obs: Este termo está sendo elaborado em duas vias, ficando uma em
posse da participante e a outra com o pesquisador responsável.
79
Questionário
- Qual é seu nome?/Idade/ Onde nasceu (cidade de origem)/ Cidade atual/ ...
- Como passou a entender a si mesma como lésbica? Como foi isso?
- Como foi/é a aceitação de sua família e comunidade de origem? Como foi sua
auto-aceitação e como é hoje? Houve conflitos (internos e sociais)?
- Como você acha que isso (conflitos ou visibilidade ou assumir sua identidade
e orientação sexual) impactou emocionalmente em você? (ou: o que isso
representou para você, ou: como você se sentiu?).
- Como é ser uma lésbica no trabalho/ na sua família/ na escola/ universidade?
Se sente aceita? Como foi para tornar isso de conhecimento das demais
pessoas de convívio?
- Você já escondeu sua orientação sexual? Como era vivenciar isso?
- Você vivenciou situações em que se viu obrigada ao silêncio sobre sua
identidade lésbica? Em que meios? Como é vivenciar este silêncio?
- Você sente que já sofreu preconceito ou sofre devido à sua orientação sexual?
Como foi enfrentar isso/ Como lidou com isso? Que impactos acha que teve
sobre sua auto-confiança, etc. o preconceito vivido?
- De que forma acha que a discriminação, exclusão e expressões de hostilidade
contra lésbicas se diferenciam das demais expressões homofóbicas? (homens
gays, transexuais...).
- (Se mudou de cidade) Sua vinda a uma outra cidade crê ter sido motivada por
uma busca de um lugar mais livre para vivênciar sua identidade e
sexualidade? Você teve uma mudança de residência gerada pelo desconforto
em viver na casa de seus pais, relacionada ao fato de ser lésbica?
- Qual foi o caso mais violento que sofreu de discriminação? Algum ato
homofóbico/lesbofóbico te marcou em especial?
- Você acha que a violência contra lésbicas é invisível ou invisibilizada?
- Como foi sua experiência em geral ao recorrer aos serviços de saúde? (por ex:
ginecologia ou psicologia, saúde mental). Se sentiu respeitada na sua
sexualidade? Faz uso frequente desses serviços?
81
Justificativa
Objetivos
Referências:
MYERS, Helen & Lavender :LESBIANS AND HEALTH ISSUES A COAL Research Paper;
Coalition of Activist Lesbians Australia - 1997