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Cadernos de Educação de Infância

Jan./Mar. 2004
Fontes

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“Quem tem meninos pequenos . . . “


Maria Isabel Mendonça Soares

À medida que nos debruçamos sobre as tradições populares, cada vez maior é o
respeito e a admiração que nos suscita a sabedoria do povo.
Basta ver a filosofia de vida, ora mordaz ora pedagógica, encerrada nos provérbios;
a sensibilidade dos quadros e do romanceiro, a harmonia e engenho da cerâmica e
de todas as restantes manifestações do artesanato regional.
Mas, acima de tudo, aquilo que mais nos deslumbra é o alto valor pedagógico das
lengalengas (cantilenas ou cantarelos, como também são por vezes designados).
Criação de mães e avós, certamente iletradas, bem longe de saberem que, séculos
volvidos, sábios doutores (Freud, Maria Montessori, Claparède, Decroly, Piaget)
iriam “descobrir” a importância dessas rimas ingénuas na educação e
desenvolvimento afectivo, cognitivo e motor da criança.
Porque de tudo isso se compõe a simples recitação de uma qualquer lengalenga
portuguesa, de uma nursery rhime anglo-saxónica, de uma comptime ou formulette
de língua francesa, ou de uma cultura europeia, africana, asiática ou americana, que
os há em todo o mundo onde haja também crianças e adultos carinhoso que lhas
ensinem.
Brinquedos verbal porque a sua sonoridade rítmica e a repetição de fonemas
convidam a criança a querer imitá-las, a princípio conseguindo apenas exprimir o
som das vogais tónicas, pouco a pouco articulando as palavras mais ou menos
correctamente, até obterem a dicção perfeita.
Brinquedo psicomotor, simultaneamente, porque sempre acompanhando as palavras
com movimentos de mão, de dedos ou do balanço do corpo.
Das mais elementares constituem as “gracinhas” que fazem o enlevo enternecido de
pais e avós; por exemplo, as “palminhas olaré palminhas/que a mãezinha dará
maminhas/ e o pai quando vier /comerá do que trouxer”. O bebé baterá as mãos
sempre que enviar a sua recitação meio entoada pelo adulto.
A “Bichinha gata, que comeste tu? / Sopinhas de leite/Onde as guardaste? / Debaixo
da arca da cozinha/Sape, sape gata para casa da avozinha.”
Numa primeira infância, o pequeno ouvinte, se não pode ainda apreender toda a
sequência de diálogo, afinal uma história com as suas perícias e actores, registará

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alguns vocábulos familiares - gata, leite, avozinha - umas sobretudo sentirá com
agrado a carícia da sua mãozinha na face, e a surpresa divertida do sape, sape, leve
“bofetada”, gesto que, rindo, irá por sua vez imitar na cara do adulto.
O grande pedagogo que foi João dos Santos chamava a atenção para a
extraordinária potencialidade da conhecidíssima lengalenga “Aqui põe a galinha o
ovo, e o (a) menino(a) papa-o todo”.
A criança aponta com o indicador direito a palma da mão esquerda, levando esta, de
seguida, à boca; excelente exercício de coordenação motora de uma e outra mão.
“Pico, pico, serenico,/ quem te deu tamanho bico/, ou de oiro ou de prata/ Esconde a
mão neste buraco”.
O toque sucessivo nos dedos, até que a última sílaba decrete quem o dedo deve ser
dobrado, é outro exercício muito útil de motricidade.
Vai a criança crescendo, e as suas lengalengas podem utilizar-se com outras
finalidades: as lengalengas, trava-línguas que exigem um cuidado maior na
pronúncia, como por exemplo:
“Por debaixo daquela pipa está uma pita, quando pinga a pipa, pia a pita” (Pita no
falar nordestino tem o significado de galinha; podemos, no entanto, substituía-la por
pinta, mais familiar à criança do sul).
Outra: “Pardal pardo, porque palras? /Palro sempre e palrarei/porque sou pardal
pardo, palrador de el-rei”.
Ou então: “Se a pega papa a fava/porque é que a fava não papa a pega?”
Mais ainda: “Um, dois, três tigres” e “Copo copo gericopo, gericopo copo cai. Quem
não disser três vezes copo copo gericopo, gericopo copo cá, desta água não
beberá”.
“Vi um ninho de mafagafos com cinco mafagafinhos. Quando a mãe mafagafa sai e
vai ao mar, ficam os mafagafinhos todas a mafagafar.”
Uma das características das lengalengas populares é o seu humor decorrente do
absurdo. “Nonsense stories” dizem os ingleses. Não interessa, pois, a lógica que
existe na narrativa de um conto, mas sim o divertimento sonoro que os fonemas
articulados proporcionam.
Poderíamos ainda referir as lengalengas de repetição acumulativa ou parlendas, tais
como “A Formiguinha e a Neve” ou “O Cuco que não gostava de couves”. Nestas
pretende-se um treino de memorização, já compatível com outra faixa etária.

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Todos estes recursos podem e devem ser utilizados, com bons resultados, também
no ensino especial para crianças com problemas de linguagem ou de coordenação
motora.
Assim, de geração em geração, recebe-os a preciosa herança de um ensinamento
que o povo empiricamente praticou para, afinal, serem atingidos objectivos
essenciais ao desenvolvimento harmonioso do ser humano.

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