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“Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho”

Análise sócio-histórica do filme “A central do


Brasil”

Disciplina: Fenômenos e Processos II: Psicologia Sócio-histórica


Profa. Lígia Márcia Martins

Aluno(a)(s):

Bárbara Barcello Gaspar RA: 920835


Flávia
Franciane Ortega Dias RA: 923532
Mariana Carvalho Koga RA: 922994
Marina Leonel Soares RA: 924385
Rafael Piccolo Feliciano RA:1026437
Stephanie Olivato RA: 1020099
Yuri Navarrete de Faria Rosa RA: 1026402

Novembro/2010
O filme “Central do Brasil” foi escolhido como objeto de análise para a
articulação com a teoria sócio-histórica no presente trabalho. O longa-metragem se
baseia na relação de Dora, a escrevedora de cartas e Josué, o garoto que, após a morte
da sua mãe, inicia uma busca incessante por seu pai, junto à Dora. A história se inicia
tendo a Central do Brasil (estação de trens no subúrbio do Rio de Janeiro) como
cenário. Dora é uma professora aposentada que escreve cartas para analfabetos – mais
especificamente, para a população migrante que almeja manter laços com os parentes
distantes, e é revelada como uma pessoa sem compromisso com valores éticos e morais,
uma vez que não coloca todas as cartas dos clientes nos correios e quase colocou Josué
como vítima de tráfico externo. Tal ambiente é uma amostra da realidade dos migrantes
nordestinos que se mudam para a cidade do Rio de Janeiro em busca de melhores
condições de vida, mas que num contexto de desigualdade social, na luta pela
sobrevivência são entregues ao assalto, ao tráfico de forma a aumentar o quadro da
violência urbana.
Ana é uma das clientes de Dora, que leva o seu filho Josué, um garoto de nove
anos, para escrever uma carta para o seu pai, o qual deseja conhecê-lo. Na saída da
estação, Ana sofre um acidente de carro ao ser atropelada, que causa a sua morte. Desta
forma, Josué fica abandonado na cidade e é o momento em que definitivamente decide
procurar o seu pai. A única opção de Josué é pedir para que Dora escreva uma carta para
atender a essa necessidade dele. Dora, no entanto, não parece se sensibilizar com a
situação do garoto num primeiro momento. Posteriormente, se envolve com ele na sua
busca pelo pai com destino à Bom Jesus do Norte, na Bahia.
No discorrer do filme, vários obstáculos são postos para que alcancem sua meta,
ao mesmo tempo em que os dois personagens conquistam uma relação de amizade cada
vez mais afetuosa, passado o momentos inicial da rejeição recíproca. A trajetória dos
personagens em busca do pai de Josué no sertão de Pernambuco e da Bahia é, portanto,
o cerne sobre o qual se constrói o desenvolvimento do longa-metragem, no qual se
inserem todos os personagens secundários, os equívocos nos endereços possíveis para a
casa do pai de Josué e como a relação de Josué e Dora assume novos caminhos à
medida que convivem, de forma a causar mudanças em suas atitudes.
Nos momentos conclusivos do filme, eles são encontrados pela família do pai: os
irmãos de Josué, os quais aguardavam pelo pai que saiu de casa e não mais retornou.
Neste contexto, se mostra a revelação da carta do pai de Josué a Ana, na qual revela que
tinha a intenção de reencontrá-la e reunir a família para que vivessem juntos. Desta
forma, Dora, que obteve o sentido da sua trajetória concluído, retorna ao Rio de Janeiro.
De acordo com a psicologia sócio-histórica, através da dialética existente entre
singular, particular e universal é possível compreender o homem como um ser social,
isto é, um indivíduo que depende fundamentalmente desta relação para formar sua
essência humana, através das apropriações e objetivações feitas ao longo de sua vida, no
processo chamado de humanização.
No movimento que constitui tal dialética, o singular se constrói no universal e
este se concretiza através da atividade histórico-social desenvolvida pelo indivíduo, o
trabalho. Isto só se torna possível através da mediação feita pelo particular, com as
apropriações adquiridas pelo indivíduo em seu contexto de vida. O acúmulo de
experiências leva à maior complexificação do sujeito. No filme, o personagem Josué
vivia somente com sua mãe, Ana, pois seu pai morava no Nordeste e não mantinha
contato algum. Ana, por não ter condições de viajar ao encontro do marido, mandava
cartas a ele através da escrevedora Dora, que nunca às colocava no Correio. O menino
Josué, um indivíduo singular, vivia em contato com uma realidade social em que nem
todas as objetivações feitas pelo homem eram possíveis de serem apropriadas, uma vez
que a estrutura social na qual estava inserido, junto de sua mãe, não dava acesso a elas,
devido ao modo de produção vigente, o capitalismo. A forma como todas as
experiências sociais o afetaram, resultou nas construções de vínculos de acordo com a
sua condição concreta de vida. Tais experiências tiveram um papel particular na vida de
Josué, ou seja, a apropriação que ele fez da realidade foi subjetiva, já que ela diferencia-
se entre os indivíduos, de forma que suas funções cognitivas e emocionais produziram
um grau de apropriação da realidade distante da objetivação do gênero humano, ou seja,
do universal.
Além de que, o homem como um ser social, indivíduo singular, se constrói a
partir da relação existente com a genericidade parte esta, de sua sociedade. A primeira
trata-se da relação com as objetivações históricas humanas (universal): o homem se
apropria delas e objetiva-se como sujeito ativo e participante das transformações do
contexto em que vive, inclusive da construção de sua individualidade (particular). E é
no cerne da segunda relação - entre indivíduo e sociedade, por meio de relações
concretas e históricas - que a primeira se realiza. Esse contato com as objetivações do
gênero humano torna-se fonte de mediação para o homem estabelecer objetivamente sua
individualidade e se constituir como um ser social e genérico, isto é, universal, sem
abdicar da singularidade alcançada, que manifesta toda universalidade já conquistada
pelo gênero humano.
Segundo Duarte (1999) o gênero humano pertence à categoria histórica, ou seja,
é conquistada socialmente, e se realiza no interior das relações sociais concretas e
históricas nas quais cada homem se insere.
Dora, no início do filme, é uma mulher amarga e cínica, que sobrevive com o
dinheiro que recebe transcrevendo cartas para supostos analfabetos. A ação
humanizadora que este trabalho poderia ter, se ela utilizasse seu aprendizado como
professora para ajudar os outros, perde seu sentido a partir do momento em que ela não
envia as cartas, mas as deixam guardadas em uma gaveta, fazendo delas verdadeiras
mercadorias. Ocorre a mudança de alguns traços do caráter de Dora na medida em que
estabelece uma relação com Josué, o menino que quer conhecer o pai de qualquer
maneira, ainda mais depois da morte de sua mãe. Ao acompanhá-lo na viagem em busca
do pai, Dora e Josué aproximam-se e identificam-se, fazendo com que suas
singularidades se confrontem e se complementem, pois buscam conhecer a si mesmos,
não possuem família – acentuada ausência da figura paterna – e estão aprendendo a
sobreviver por conta própria desde muito novos. É uma relação mediadora para ambos,
em que eles transformam um ao outro e são transformados, em um processo que suporta
desavenças e abandonos. Dora compra roupas novas, torna-se mais vaidosa por
influência do menino, muda a atitude em relação às cartas, não as guardando mais ou
jogando-as no lixo. Josué passa a ser mais alegre e mais confiante em relação aos outros
e deposita em Dora a figura materna e paterna ausentes. Entre pessoas desconhecidas e
um cenário marcado pela pobreza, ambos humanizam-se e encontram no outro uma
singularidade até então desconhecida, que torna possível a construção de suas
identidades, novos elementos individuais e de personalização.
O homem com sua singularidade se resultam em uma síntese de múltiplas
determinações, ou seja, é uma síntese complexa em que a universalidade se concretiza
socialmente e historicamente, através da atividade vital humana, que é social, o
trabalho. ***Atividade é o meio/modo pelo qual o ser humano se relaciona com a
realidade, buscando a satisfação de suas necessidades. Toda atividade é gerada por uma
necessidade, que por sua vez é criada pelas condições concretas da vida, do meio social
no qual o indivíduo está inserido.
O fator determinante para a humanização dos antepassados animais do homem e,
conseqüentemente o surgimento da sociedade foi o surgimento do trabalho. Todas as
modificações anatômicas e fisiológicas devidas ao desenvolvimento de atividades
acarretaram necessariamente uma transformação global do organismo, dada a
interdependência natural dos órgãos e o surgimento da atividade vital humana –
trabalho. É um processo que liga o homem à natureza, no qual ele age sobre a mesma,
transformando-a e concomitantemente se transformando.
O trabalho é caracterizado por dois elementos interdependentes, sendo o
primeiro deles o uso e o fabrico de instrumentos. O segundo consiste em que o trabalho
somente pode ser efetuado em condições de atividade comum coletiva, de modo que o
homem não entra somente em uma relação determinada com a natureza, mas com outros
homens, membros de uma dada sociedade. É através do intermédio desta relação com
outros homens que o indivíduo se encontra em relação com a natureza.
Para Duarte (2000), Leontiév e Vigotski utilizam o conceito de atividade/ação
diretamente com o de trabalho humano, como podemos observar na teoria marxista:

(...) o trabalho é, para Marx, uma atividade que distingue o


ser social do ser natural, isto é, define a especificidade do
ser humano como um ser histórico, social e cultural, por
possuir essas três características: a de ser uma atividade
conscientemente dirigida por uma finalidade previamente
estabelecida na consciência, a de ser uma atividade
mediatizada pelos instrumentos e a de ser uma atividade
que se materializa em um produto social, um produto que
não é mais um objeto inteiramente natural, um produto
que é uma objetivação da atividade e do pensamento do
ser humano. (Duarte, 2000, p. 208)

A partir do referencial marxista, a atividade humana caracteriza-se por três


aspectos fundamentais: ela é teleológica, faz uso de instrumentos de mediação e produz
algo que se pode caracterizar como elemento da cultura – ora pela existência física, ora
pela simbólica – a qual consiste na objetivação do ser humano.
Segundo Bonin (1996), Vigotski buscou criar uma teoria que englobasse uma
concepção de desenvolvimento cultural do ser humano através do uso de instrumentos,
em especial a linguagem, tida como instrumento do pensamento. Eles são os meios
externos utilizados pelos seres humanos para interferir na natureza, mudando-a e, por
conseqüência, provocando mudanças nos mesmos.
A atividade pode ser mediada, segundo Vigotski, através dos signos enquanto
instrumentos psicológicos produzidos socialmente, sendo estes utilizados pelos
indivíduos na comunicação com os outros com os quais se relacionam e consigo
mesmos. A apropriação caracteriza-se pela internalização dos signos, a partir daí
transmutados em significação no psiquismo humano.
Toda atividade humana produz cultura e, no processo dessa produção, objetiva o
ser humano e ao mesmo tempo o subjetiva; para tanto o resultado de qualquer atividade
é tanto a produção da realidade humanizada quanto a humanização do indivíduo que a
empreende.
A linguagem é o instrumento da comunicação constituída de um sistema de
mediação simbólica, sendo através desta função comunicativa que o ser humano se
apropria do mundo externo, estabelecendo interações nas quais abrangem negociações,
reinterpretações das informações, de conceitos e significados. De acordo com Vigotski,
a linguagem materializa e constitui as significações construídas no processo social e
histórico. A partir do instante em que os seres humanos a interiorizam, passam a ter
acesso a estas significações que, por sua vez, servirão de base para significar suas
experiências, e serão estas significações resultantes que constituirão suas consciências,
mediando assim suas formas de sentir, pensar e agir.
Se considerarmos a origem do ser humano, em sua ontogênese, dois saltos
qualitativos incidem em seu desenvolvimento: o primeiro, quando este adquire a
linguagem oral, e o segundo, quando adquire a linguagem escrita.
No desfecho do filme pode-se observar a ausência deste segundo salto
qualitativo, uma vez que a personagem Dora, como se pode observar na cena inicial do
filme, na qual várias pessoas formam fila na Central do Brasil e ela, sentada atrás de
uma mesa, escreve o que lhe é solicitado pelas pessoas supostamente analfabetas, como
cartas para parentes distantes, amigos, etc. Como pagamento desta atividade, ela recebe
um real pela carta escrita e mais um real pelo envio da mesma. O ato de escrevê-la
constitui a sua ação. E a operação é modo pelo qual ela realiza a ação de escrever as
cartas: uso dos instrumentos (caneta e papel, por exemplo) e o manuseio desses.
O motivo de sua atividade é o próprio sustento. Depois de aposentada é o único
meio pelo qual ela optou de garantir sua sobrevivência. Já a finalidade é ganhar
dinheiro. Por fim, pode-se inferir que Dora exerce a atividade de produção social, sendo
de princípio professora e posteriormente, escrevedora de cartas.
A linguagem (instrumento) como sistema de signos é a base da atividade de
Dora; e, é através dos conteúdos do pensamento (conceitos e juízos) que ela se
comunica com as pessoas. Pelas funções interpessoal, de transição e intrapessoal ela
organiza a sua relação com o outro, a relação com ela mesma e com sua consciência.
É interessante observarmos o ponto crucial da mudança da vida da personagem,
assim como o surgimento de uma nova atividade para Dora. Quando Ana, a mãe do
garoto Josué, morre e este se encontra na Central, sozinho, à espera de sua mãe, a cena
que se segue é a de Dora conversando com o garoto e dizendo que sua mãe não voltará,
que esta morreu. A partir deste momento Dora convida Josué a ir com ela para sua casa.
Depois de Dora vender o garoto à Iolanda e se arrepender do feito, a escrevedora
consegue recuperar Josué e estes iniciam uma atividade em comum, com necessidades
distintas na medida em que se inicia um processo no qual o objeto e o motivo não
coincidem, pois Josué necessita encontrar o pai e que ele seja seu cuidador, isto é, tem a
carência de uma reconstituição familiar. Já Dora tem como motivo de sua atividade
ajudar o garoto a encontrar seu pai, e quando realizar tal atividade, esta se encerrará aí.
Para Josué, o desenvolvimento de sua atividade foi dirigido à busca de seu pai,
seu motivo era conhecer o pai, já que sua mãe foi embora do Nordeste grávida de Josué.
Além disso, durante sua vida Ana lhe falava muito bem de seu pai, o que fazia com que
ele fantasiasse um perfeito ‘pai de família’. Pode-se exemplificar uma ação de Josué na
cena em que, para executar tal atividade, o garoto entra no ônibus com Dora com
destino à Bom Jesus do Norte.
Concluindo, Josué exerce no decorrer do filme a atividade de procura ao pai;
ainda que fosse pertinente a atividade de estudo, como se requer num desenvolvimento
típico. Ainda pode-se inferir que possivelmente passará a exercer uma nova atividade, a
de carpintaria, podendo esta vir a ser uma atividade de produção social – trabalho, uma
vez que passaria a se apropriar da atividade executada pelos seus irmãos, como é
demonstrado no encerramento do filme.
Remetendo-se aos demais personagens do filme, pode-se dizer que Pedrão
exerce a atividade de trabalho, uma vez que é segurança dos camelôs da Central do
Brasil, sendo que os últimos lhe garantem um salário para a execução de sua atividade,
de forma que se utiliza de suas objetivações para que transforme a realidade em que está
inserido. Como por exemplo, na cena em que ocorre um roubo de um camelô, e ele
captura o efetuador do roubo, assassinando-o; assim, ressalta-se a realidade apropriada
pelo mesmo, a partir da qual se fez mais adequado excluir da sociedade o sujeito dito
não adequado a ela. Já o personagem César pode-se dizer que exerce a atividade de
trabalho de “caminhoneiro”, isto é, dirige para diversos lugares com o principal objetivo
de fazer entregas, de maneira que recebe um salário para que objetive suas apropriações
de forma a estabelecer transformações na realidade que lhe é posta. A respeito dos
irmãos de Josué pode-se dizer que eles exercem atividade de carpintaria, de forma que é
ilustrada no filme a objetivação de suas apropriações acerca da atividade, ou seja, os
personagens exercem a atividade de produção social.
A atividade acaba por constituir a consciência e esta por sua vez a regula. O
indivíduo vai desenvolvendo a sua consciência conforme se apropria continuamente dos
fenômenos no complexo de relações que o sustentam, assim vai adquirindo uma
proximidade do significado real, ao invés da alienação em nível maior em que a maioria
dos sujeitos está posta; e com isso as objetivações deste sujeito agora serão direcionadas
de outra maneira para os fins da atividade. Deste modo, a estrutura da consciência
humana está intimamente ligada à estrutura da atividade humana, como mencionado
anteriormente.
Quando nos referimos à estrutura da atividade devemos ter como pontos de
análise as condições sociais e as relações humanas que as sucedem. No entanto, ao
referimo-nos à consciência de um indivíduo isolado, devemos levar como pontos
relevantes as condições objetivas em que se encontra disposto em suas circunstâncias.
A base da consciência é o conteúdo sensível, que transforma as qualidades do
estímulo em fato da consciência; é o momento inicial do reflexo da realidade. Intrínseco
a ele, a significação é a forma pela qual o homem assimila a experiência humana
generalizada e refletida; independentemente da relação individual ou pessoal do
indivíduo com a realidade objetiva, é formado o reflexo psíquico da realidade, e este por
sua vez é fixado sob a forma de conceitos – “modo de ação” generalizado, norma de
comportamento, etc. Posteriormente, a significação é refletida e fixada na linguagem, o
que lhe confere estabilidade, uma vez que as significações lingüísticas, que constituem o
conteúdo da consciência social, tornam-se a consciência real dos indivíduos.
No decorrer da vida do homem, ele assimila as experiências das gerações
precedentes, e essa aquisição de significações acaba por culminar na apropriação
gradual e potencial do patrimônio humano genérico, que poderá ser somado a conteúdos
objetivados pelo sujeito, e assim sucessivamente pelas gerações posteriores.
O sentido é adquirido a partir das experiências do sujeito, através dessa
apropriação maior de consciência. Assim, é a tomada subjetiva e pessoal da significação
para o indivíduo; e expressa a relação do mesmo com os fenômenos objetivos
conscientizados. Para além da ligação entre os organismos vivos e o meio, em que o
desenvolvimento da atividade se dá de maneira estritamente biológica e há a formação
do reflexo psíquico proveniente dessa condição, o homem distingue essa relação como
sendo a sua e toma consciência dela. Por fim, “(...) esse sentido consciente é criado pela
relação objetiva que se reflete no cérebro do homem, entre aquilo que o incita a agir e
aquilo para o qual a sua ação se orienta como resultado imediato.” (LEONTIEV. 1978:
103). Ou seja, o sentido compreende o motivo e a finalidade para que a ação se orienta,
considerando que o motivo é a relação entre a necessidade, qualidade essencialmente
biológica e o objeto, sendo este quem dirige a ação correspondente a atividade em
questão.
Os signos são mediadores do processo de construção do sentido, uma vez que
são instrumentos artificiais introduzidos pelo homem na atividade psicológica e
cumprem a função de auto-estimulação.
Segundo Vigostki, o desenvolvimento dos fenômenos e processos psicológicos,
assim sendo, da consciência, dá-se num primeiro momento pela apropriação dos objetos
da realidade objetiva, ou seja, o sujeito forma um reflexo psíquico a partir da atividade
que executa enquanto interage com a realidade material que o cerca, sendo que essa
apropriação varia qualitativamente frente às relações vitais em que está sustentada.
Posteriormente, há a objetivação do conteúdo ora apropriado, o que culmina na
ampliação do acervo histórico-social.
A criança como ainda não se apropriou amplamente dos fenômenos da realidade
objetiva e está adquirindo de forma primordial os conteúdos do patrimônio humano
genérico, partilha da consciência do adulto enquanto a sua se encontra em
desenvolvimento e o outro passa a ter papel fundamental na constituição da sua
consciência.
Josué vive somente com a mãe e busca o pai que desapareceu sem deixar
indícios, para tal, procura Dora para que escreva uma carta para este, visto que sua mãe
não aprendera a escrever. Há poucos indícios no filme de uma possível alfabetização do
garoto, e não é sinalizado se freqüenta uma escola. Contudo, observamos que a
principal fonte de apropriação dos instrumentos e conhecimentos da cultura, é sua mãe e
posteriormente, com a morte da mesma, Dora, a escrevedora de cartas da Central do
Brasil, que parte numa viagem não-planejada em busca do pai de Josué. Em cenas do
filme evidenciamos a apropriação acerca da realidade pelo garoto, tendo Dora como
mediadora e a linguagem como elemento mediador, como a cena em que Josué
questiona Dora: “Como se conta um quilômetro?” e ela responde indiferentemente:
“Eles inventam.”; a cena em que o garoto ingere a bebida alcoólica que a professora
carregava em sua bolsa e fica bêbado, e quando Dora questiona a sua postura, alega que
ela também fazia uso dessas bebidas e não poderia corrigi-lo; e a cena em que quando
no nordeste, Dora volta a escrever cartas para garantir que conseguissem se manter e
continuar a busca pelo pai de Josué, e na volta de um dia de trabalho o garoto pega as
cartas sinalizando jogá-las no lixo, como a professora fazia na central; considerando que
ele encontrou a carta de sua mãe em uma gaveta da casa de Dora. No entanto, ela o
surpreende alegando que dessa vez entregará as cartas; vê-se que o garoto tinha se
apropriado de uma certa característica da atividade de escrever carta e agora a
objetivava jogando as cartas no lixo, dando a entender que o produto final da atividade
não tinha valor algum. Assim, se a atividade consistia num produto final de entregar as
cartas no correio, então sua atividade estava alienada.
A cena em que Josué observa o quadro na casa de Dora, cujo desenho é de uma
casa, evidencia os conteúdos da consciência, uma vez que o estímulo casa tivera se
tornado fato da sua consciência, e possui um significado, ou seja, é uma objetivação da
humanidade no decorrer da história, cujo sentido universal foi desenvolvido a partir de
apropriações; remete-nos ao ideal de família. Traz em seu bojo o sentido estabelecido
pelo garoto de uma estrutura familiar, como almejava no decorrer do filme, remetendo-
o à figura do pai, que era carpinteiro e construía casas e às figuras da mãe, que morre e
de seus irmãos, que não conhecia.
Observa-se na obra que Josué possui um ideal de família, sendo que questiona às
pessoas que conhece se são casadas e tem filhos, como num modelo de família nuclear.
E a ausência de uma família nos personagens Josué e Dora acaba por culminar numa
identificação dos personagens, que passam a se apropriar de conhecimentos diversos, os
quais são expostos por suas interações entre si e também entre demais pessoas que
surgem no enredo do filme, tanto no âmbito material como no subjetivo.
A personagem Dora, professora aposentada, procura garantir condições
melhores de vida ao se dedicar a escrever cartas para pessoas supostamente desprovidas
de alfabetização na Central do Brasil, frente ao salário e reputação inexpressivos
atribuídos ao professor em nosso país. Ela provém de uma estrutura familiar constituída
por um pai alcoólatra, que logo abandona o lar, e por uma mãe submissa ao controle
paterno; traz consigo lembranças de sua infância marcada por conflitos familiares.
Dedicou-se a ao trabalho de professora, em que não encontra subsídio para garantir sua
sobrevivência, e acaba por ser corrompida pela instituição escolar, defasada por
políticas públicas corruptas e pela perda do ideal de ensino e aprendizagem; e pela
sociedade, marcada por desigualdades sociais e pela luta de classes.

A consciência de Dora se modifica conforme vai se relacionando com Josué,


visto que até então exercera em sua atividade pedagógica uma relação alienada e o
mesmo se dá posteriormente quando se torna escrevedora, uma vez que mostrava
indiferença às outras pessoas para quem escrevia cartas, ao invés de ensiná-las a
escrever. Torna-se assim, instrumento de manutenção do ideal burguês, mantendo a
classe proletária longe das apropriações do conhecimento. Para além desta relação, Dora
estabelece um vínculo materno com Josué, fornecendo a ele proteção e cuidados, o que
é amplamente interiorizado pelo garoto, que aparece em uma das cenas do filme, numa
ação de afeto, carinho, enquanto Dora se recuperava do desmaio na sala religiosa.
Irene, amiga de Dora, também é professora aposentada, e reflete a realidade
corrompida da instituição escolar, políticas públicas e da sociedade, por conseguinte.
O caminhoneiro César, marcado por sua religião aguçada, mostra-se como ser
intermediador de consciência, ao passo que faz uso de sua consciência para o
desenvolvimento de Dora e Josué; quanto à questão de Josué de exercer a atividade de
caminhoneiro e à Dora quanto ao seu envolvimento com outras pessoas, visto que
demonstra envolvimento emocional com o caminhoneiro.
Tratando-se da personagem Yolanda, que vende as crianças cabe a pergunta se
há uma consciência social real ou quais as representações dela quanto ao ser humano
como sujeito detentor de vida, tendo em vista que trata os seres humanos apenas como
um “produto” por assim dizer, vendendo crianças a outras pessoas. Talvez as
apropriações quanto à visão do indivíduo como sujeito foram distorcidas ao longo da
sua história de vida, sendo objetivadas através de sua atividade da forma como se dava.
De certa forma neste filme é mostrada uma visão pouco humanizada por parte
dos personagens como também no caso do segurança da central, Pedrão, que todas as
noites enxotava as crianças do local e em uma das cenas mata um rapaz que roubou um
camelô; havendo também a possibilidade de causar algum dano à sua, até então, amiga
Dora.
Do ponto de vista das relações sociais como estão postas no filme, nota-se que as
pessoas se relacionam não como sujeitos, mas como objetos de valor ou não, e leva-nos
a pensar se conforme o decorrer do tempo o ser humano passa a ser mais humanizado
ou mais hominizado novamente, apenas respondendo aos estímulos que estão postos na
sociedade, saciando suas necessidades cada vez mais instantaneamente. Isto parece ser
resultado da escola como um dos instrumentos de humanização da sociedade pouco
efetivo da forma como está estruturada, com o ensino cada vez mais desvalorizado,
tanto pela burguesia quanto pela prole e então acaba por ser um instrumento de poucas
apropriações. Restam à sociedade apenas as relações objetivadas em suas atividades,
como observamos através do filme, em que a consciência se faz pouco desenvolvida e
com as funções psíquicas cada vez menos superiores e cada vez mais elementares.
A maioria das realidades demonstradas no filme carece de muitos recursos para
que ocorra um desenvolvimento considerado saudável e que proporcione a humanização
ilimitada dos indivíduos que se encontram nelas. Isto, de acordo com a psicologia
histórico-cultural, diz respeito à periodização do desenvolvimento, pela qual ocorrem
estágios essenciais para que este ocorra de maneira humanizadora.
Segundo Facci (FACCI. 2006: 11), Elkonin formula seis períodos, cada qual
possui uma atividade principal, ou seja, atividade que ocorre de maneira mais
significativa para suprir as principais necessidades e assim, poder se desenvolver em
cada estágio. A passagem de um período para o outro é uma relação dialética em que é
representada por estas atividades que vão se superpondo uma sobre as outras sem
desconsideração das demais; denominados “crises” os processos que ocorrem de um
para o outro.
Elkonin diz que a partir do momento em que o bebê nasce, ele está em interação
com outros seres humanos por meio da chamada comunicação emocional, porque é o
início de interações com os outros por meio das emoções para que posteriormente
desenvolva a linguagem. Então, se comunica por meio de reflexos e expressões
copiadas dos adultos, como por exemplo, sorrisos, balbucios, ruídos, múrmurios choro,
etc.
Com um ano de idade mais ou menos a criança passa a requerer contato maior
com as ações humanas, assimilando-as à medida que as pessoas vão mostrando ações,
objetos e formas de se relacionar e proceder diante deles. Nesta fase a comunicação
emocional, então, passa a ter uma colaboração prática, é chamada de objetal
manipulatória.
Assim, na fase denominada pré-escolar a atividade mais importante é a
designada jogo de papéis, aquela em que a criança começa a utilizar-se da assimilação
de objetos desenvolvida para reproduzir ações humanas e o momento em que a criança
começa a se esforçar de fato para agir como um adulto, assim que começa a ter
consciência sobre elas. Neste estágio de esforço maior, a criança consegue resolver a
contradição de não conseguir executar operações e necessitar agir, pois simula através
das brincadeiras e jogos, essas operações, ações, relações, mas não consegue realizá-las
de fato. Pode-se dizer que a criança possui dois círculos de relações - um com os pais e
irmãos e outro com a sociedade a partir do momento em que entra na escola.
Quando a criança começa a frequentar a escola, sua principal atividade é o
estudo, portanto tal período é chamado de atividade de estudo, porque é quando ela terá
contato com objetivações, das quais irá se apropriar e aprender elucidativamente a
linguagem. Sendo assim, ao passar dos anos, se esta escola for dotada de um ensino
satisfatório, de uma educação que visa à humanização do indivíduo e que promova
possibilidades de tornar o indivíduo alienado em menores graus para com as relações
que estabelece com sua realidade e com as demais, a criança terá se desenvolvido de
forma ideal.
O próximo estágio é o de comunicação íntima pessoal, no qual ocorre uma
mudança na posição em que o adolescente ocupa diante dos adultos, sendo agora muito
próximo a eles. É o estágio em que a crítica urge. A consciência é direcionada para a
compreensão do trabalho como atividade para organizar interações sociais com as
pessoas, a partir da convivência com companheiros de estudo.
Após o término da escolarização fundamental e média, tal como é conhecida no
Brasil, o adolescente, agora denominado adulto, terá que optar por algum tipo de
atividade profissional/estudo, que em nossa sociedade capitalista se traduz em formas
de vender sua força de trabalho.
No início de “Central do Brasil” são mostradas algumas das condições concretas
e, portanto, as realidades de muitos indivíduos que vivem naquele local ou próximo
dali, mostrando a própria Central do Brasil, que é um tipo de mercado popular, onde
matar e roubar são atividades corriqueiras e na qual nos transportes públicos as pessoas
entram pelas janelas.
É importante notar as cenas iniciais, nas quais as pessoas procuram Dora, uma
escrevedora de cartas, para que ela mande carta para algum ente querido. Pode-se
perceber as dificuldades relacionadas ao estágio de atividade de estudo, no qual a
criança deveria ser, a priori, alfabetizada. Logo em seguida, deve prosseguir nos demais
anos da escola para desenvolver outras funções psicológicas, para que seja feita a
transição do pensamento empírico ao teórico, o que no início do filme mostra-se como
uma grande dificuldade para tais pessoas. Pode-se citar também a ausência de uma
gama de apropriações e desenvolvimento adequado de tais pessoas, uma vez que, se
estão solicitando o trabalho de Dora é porque não sabem ler nem escrever ou se sabem,
muito pouco. Uma das dificuldades pode ser elucidada por uma personagem que ao
ditar uma carta não descreve o endereço para onde quer mandar, e diz - “… põe a
terceira casa, depois da padaria, não sei dizer direito não”, por não ter conhecimento do
mesmo e desconhecimento do funcionamento dos correios (que se consegue a partir do
pensamento abstrato).
No personagem Josué, percebe-se que ele possui certa apropriação de
conhecimentos cotidianos, que à primeira vista poderia ser atribuída a uma
escolarização, no entanto são conhecimentos que provém das suas relações com os
demais indivíduos. Como por exemplo, na cena em que pergunta à Dora “o que é um
quilômetro?”, em que lê “km” em uma placa na estrada, é possível dizer que esta
apropriação adveio a partir do signo “km” - abreviação da palavra “quilômetro”,
contudo sem o estabelecimento de seu significado, seu conteúdo, que se dá pelo
entendimento da palavra a nível supra-individual, isto é, pela significação desta palavra
na linguagem que faz parte da sociedade brasileira, em questão. Então subtende-se que
ele se apropriou a partir de relações sociais as quais não forneceram este entendimento e
que careceram de ensino desta linguagem.
Percebe-se em Josué uma necessidade de conhecer seu pai, que pela
interpretação do filme, conviveu somente alguns anos com ele. Com isso, nota-se
também que o menino sempre pergunta para novas pessoas que conhece se estas
possuem família, de modo que podemos estabelecer relação com o contexto em que ele
se encontra: necessidade de entender melhor como se dá sua relação com as outras
pessoas de forma que ainda pode vir a depender delas e de forma que aprende a
reprodução de ações, relações e operações.
Pode-se citar a cena em que Josué pergunta a Dora sobre a morte da sua mãe:
“Onde será que ela está agora?” Sabe-se que Josué esteve em contato com a morte pelo
menos uma vez em sua vida, quando presenciou sua mãe sendo atropelada na rua. Após
ter negado o fato da morte da sua mãe a Dora, compreendeu a sua ausência e que não a
veria mais. Na sequência desta cena, ele e Dora amarram o lenço que Ana, mãe de
Josué, carregava consigo em um pilar em Bom Jesus do Norte, demonstrando que Josué
compreendera o conceito de morte, um conceito abstrato.
Não há dados no filme que confirmam se Josué foi alfabetizado regularmente.
Entretanto, considerando sua realidade nas condições precárias de vida no subúrbio do
Rio de Janeiro, que inclui a alfabetização e educação formal insatisfatórias, e o convívio
com a sua mãe que também era pouco alfabetizada, mesmo que Josué estivesse
freqüentando o ensino fundamental em dadas condições, não teria alcançado o
desenvolvimento escolar ideal para a sua idade, e o seu pensamento, portanto, estaria
bastante restrito ao empirismo. A aprendizagem da criança, no entanto, começa antes da
aprendizagem escolar. Para Vigotskii, há a existência de uma pré-história da
aprendizagem escolar:

“O curso da aprendizagem escolar da criança não é


continuação direta do desenvolvimento pré-escolar em
todos os campos: o curso da aprendizagem pré-escolar
pode ser desviado, de determinada maneira, e a
aprendizagem escolar pode também tomar uma direção
contrária. Mas tanto se a escola continua a pré-escola
como se impugna, não podemos negar que a aprendizagem
escolar nunca começa no vácuo, mas é precedida sempre
de uma etapa perfeitamente definida de desenvolvimento,
alcançado pela criança antes de entrar para a escola.”
(Vigotskii, p. 110)

Pode-se atribuir, portanto, a aprendizagem de Josué não somente a uma eventual


aprendizagem escolar – embora o ideal fosse se desenvolver em condições
satisfatoriamente humanizadoras, passando devidamente por todos os estágios de
desenvolvimento.
As realidades apresentadas tanto no subúrbio do Rio de Janeiro quanto na cidade
de Bom Jesus do Norte no contexto do filme mostram-se inadequadas para o
desenvolvimento das máximas potencialidades do psiquismo humano, pois não
obtiveram escolaridade formal ou esta foi insatisfatória, portanto sem passar
devidamente por todas as fases propostas na periodização do desenvolvimento.
Falar em desenvolvimento do psiquismo é falar do desenvolvimento do sistema
interfuncional complexo de cada indivíduo que diz respeito às funções psicológicas que
cada um pode ter, o que vai depender, da educação deste ser humano desde seu
nascimento, da realidade e do contexto em que ele está inserido para que desenvolva
cada vez mais ou não todas elas: sensação, percepção, atenção, memória, linguagem,
pensamento, imaginação, emoção e sentimento.
As primeiras funções que começam a se desenvolver a partir da existência de um
ser humano são a sensação e a percepção. Estas são consideradas funções elementares,
porque não precisam inicialmente da linguagem como base para seu desenvolvimento,
isto é, não há a necessidade do emprego de signos para sentir, perceber algo, mas dela
precisará para aperfeiçoar e estabelecer outras mais inúmeras conexões com realidades
concretas, daí a começar a significar – união de percepção imediata com percepção
categorial. É existente também desde aí a função emoção, à qual corresponde a reflexos
sensoriais diretos, aparecendo nesta primeira etapa de desenvolvimento como adaptação
ao meio, o que, por meio da evolução filogenética, foi formando certos padrões de
emoções como não só respostas fisiológicas como chorar, mas também cerebrais
(tristeza, alegria, raiva).
No filme pode-se notar desde o começo com várias pessoas ditando cartas até
aos personagens principais como Josué e Dora, diferentes níveis de desenvolvimento
das funções psicológicas, ou seja, alguns déficits e dificuldades em relação a elas, não
muito ao se dizer das funções sensação e percepção.
Quando Dora pergunta a uma moça qual é o endereço ao qual quer enviar a
carta, a mesma diz “não sei dizer direito não, põe assim: terceira casa, depois da
padaria, Mimoso, Pernambuco”; esta cena demonstra que ela disse o que havia
percebido em relação à localização da casa a qual quer que chegue a carta, ou seja, a
partir da síntese de uma análise daquele objeto “casa” ela havia estabelecido conexões
com a padaria perto dela e de quantas casas depois ela estaria, disse o que garantia sua
imagem unificada da localização daquela casa, mas não o nome de sua rua, bairro,
número da casa e etc. Uma vez que isso se refere à formação de conceitos pode-se dizer
que a dificuldade se deu em nomear a rua, bairro e número da casa, além do
desconhecimento desta necessidade para que a carta chegue ao seu destino, portanto,
pode-se dizer que ela tem um déficit em relação ao desenvolvimento do pensamento
teórico, já que este é marcado por abstração que depende, portanto, de uma
representação mental baseada em conceitos e na superação da imagem da “casa”
sensório-perceptual.
É perceptível o destaque das emoções quando, por exemplo, um moço que
começa a ditar uma carta e descreve “Dalva, meu tesão, senti seu corpo junto ao meu,
carne se unindo naquela cama de motel, nosso suor se misturando eu ainda me sinto-me,
me sinto-me...”; isto porque diz respeito à características fisiológicas e sensoriais, mas
diferentemente daquela ao início do desenvolvimento, carrega agora um significado e
certo sentido.
O transporte público do local é um trem o qual a maioria das pessoas entram
pelas janelas, devido a rapidez com que ele passa e, assim sendo, entrar pela porta
parece demorar mais. Destaca-se a partir daí o desenvolvimento de sensação e
percepção destas pessoas, sendo que elas precisaram analisar e sintetizar aquela imagem
do transporte com suas possíveis vias de entrada, o que não foi meramente por meio de
uma percepção primitiva e sim também ortoscópica, a qual necessita da integração de
outras funções, estabilidade, significação e acuidade discriminativa para que funcione.
Quando Josué e Ana procuram Dora pela segunda vez para refazer a carta, Dora
fica impaciente e se irrita com eles e acaba por não colocar a carta e a foto em um
envelope; Josué duvida se ela colocará ou não no correio, já que não havia feito com a
anterior até então. Esta é outra cena em que a percepção ortoscópica é destacável, não
só ela, como além da sensação, é claro, e demais funções como a atenção.
A memória se caracteriza por ser uma função na qual a imagem é produzida
através da evocação por meio dos processos de fixação, armazenamento e reprodução
das experiências. É uma função elementar, mas que para seu desenvolvimento se
aperfeiçoe depende das relações sociais que a permeiam e também, muitas vezes, da
carga afetiva que é depositada nestas. Pode-se verificar tal afirmação, na cena em que
um dos irmãos de Josué (Isaías) pega a carta guardada a seis meses que seu pai havia
mandado para Ana (mãe de Josué), porque, ao Isaías descrever a situação em que
encontravam quando seu pai foi embora, há sete anos, e contar o que havia acontecido
em relação a Ana e o pai deles, demonstra de forma evidente os processos pertencentes
à memória de modo que essa lembrança permanece muito forte, isso porque a função
psicológica foi desenvolvida de modo que infere-se o seu aperfeiçoamento pela carga
afetiva ligada aos acontecimentos, pessoas envolvidas.
A imaginação é caracterizada pela construção antecipada da imagem do produto
da atividade, de forma que no filme pode-se visualizar esta função na cena em que
Josué, na casa de Dora, observa uma pintura que ilustra uma casa. A partir disso, diante
do ocorrido com o garoto e da vontade deste de conhecer o pai, pode-se dizer que Josué
cria uma imagem do lar em que possivelmente irá morar com o pai em Bom Jesus do
Norte. Diferentemente de imaginação, a fantasia consiste no desconhecimento da
realidade concreta a qual estaria imbricada com o produto de determinada atividade,
sendo assim, a fantasia pretere as leis objetivas que regem a realidade. Josué, ao dizer
que deseja ser caminhoneiro e ao sentar-se no colo de César para ajudá-lo a guiar o
caminhão, fantasia a respeito de uma profissão que deseja ter, mas que, por não possuir
contato com elementos da realidade concreta, isto é, apropriações a partir de
objetivações que permitam o pensamento a respeito desta e também o seu “produto
final”, não se pode dizer que ele imagina.
Na cena em que César chega para fazer sua entrega na mercearia, Josué executa
a ação de furtar alguns alimentos do local e, assim, é possível observar que ele sente,
percebe, atenta-se em relação aos objetos que deseja ter e ao ambiente ao seu redor que
parece estar isento de empecilhos para que a ação seja realizada, sendo que, esta é
permeada pelo desenvolvimento do pensamento efetivo e do pensamento figurativo, os
quais são constituintes do pensamento empírico. Ao mostrar o que roubou para Dora ela
o repreende e coloca em sua bolsa os alimentos trazidos por ele dizendo que iria
devolvê-los, mas logo após, quando se dirige à mercearia não cumpre o que acabara de
dizer, como também furta ainda mais. Com isso ao oferecer estes alimentos ao menino
não revela o que acabou de fazer como também mente que pagou o que ele havia
pegado e que ainda comprou mais, ficando claro que ela se contradiz em suas ações.
Isto porque com a ação de repreender subtende-se que Dora pretende ensinar a Josué
valores de cidadania, como o de ser honesto, ao contrário de furtar. Este valor de
honestidade é um conceito no qual certos juízos são constituintes de forma que nesta
ação pode-se inferir que ela tem como objetivo implícito a estimulação da criação da
abstração em Josué para que este valor seja aprendido, o que será apropriado a partir do
pensamento empírico em direção ao teórico.
As emoções e os sentimentos se formam a partir da relação sujeito-objeto, por
meio das experiências vividas, sendo elas subjetivas e afetivo-cognitivas. Diferente das
funções sensação e percepção que ocorrem pela formação de imagens de objetos e
fenômenos, elas se realizam a partir de cada relação com dado objeto, por isso são
sempre particulares. Como por exemplo, quando Dora resgata Josué da cada de Iolanda,
emoções como raiva e desespero são evidentes nos três personagens.
Os sentimentos, diferentemente das emoções, são formados por conceitos
sociais, portanto, históricos, o que faz com que sejam duradouros e pertencentes à
cultura, diferenciando-se delas. Na cena em que Dora está com César no restaurante,
quando diz que ficou feliz por ter perdido o ônibus e consequentemente ter o conhecido
e então se aproxima fisicamente do mesmo de modo a pegar em suas mãos, é possível
perceber que Dora se expressou de forma a demonstrar sua carência para com
relacionamentos e também o desejo de constituir uma família, sendo este representado
também em sua relação com Josué. Pode-se considerar carência como um sentimento
de forma que é um conceito social e se expressa em Dora a partir do estabelecimento de
relações afetivas com Josué, de forma que se pode inferir que este seja já duradouro.
Por meio da relação de Dora com Josué ao desenrolar do filme, é possível dizer
que é uma relação permeada de muitas emoções e sentimentos, sendo que estes últimos
vão se formando e transformando-se na medida em que os dois personagens vão se
aproximando ao que se dizer ao vínculo afetivo. No começo do filme quando Josué e
Dora se conhecem, a relação deles é permeada por emoções como a raiva; assim,
quando Ana, sua mãe, morre e Josué e Dora convivem alguns dias na Central do Brasil,
essas emoções continuam evidentes de forma que vão se transformando em tristeza, e
sentimentos como compaixão e pena se tornam evidentes em Dora para com Josué.
Estes embarcam juntos para a busca do pai de Josué e com isso a relação se intensifica a
medida em que conversam, trocam experiências e vivem algumas destas juntos. Assim
que, mais a partir da segunda metade do filme é possível dizer que Dora e Josué
parecem gostar muito um do outro e emoções como alegria e excitação aparecem com
frequência, e sentimentos como preocupação e desespero também. É interessante
verificar o quanto estes dois personagens se identificam ao que se dizer sobre a história
familiar.
A personalidade diferencia-se da individualidade no sentido de que a
individualidade consiste em disposições inatas resultantes do desenvolvimento
filo/ontogenético, síntese de peculiaridades congênitas adquiridas, enquanto a
personalidade resulta de relações dialéticas entre os fatores externos e internos,
sintetizados na atividade social do indivíduo; a personalidade é construída ao longo da
história do indivíduo. Estas duas são interdependentes, pois a personalidade representa
uma objetivação da individualidade e ao mesmo tempo em que a última influenciará a
formação da personalidade, o mesmo ocorrerá na direção contrária.
O temperamento, disposição biológica fundada na individualidade, é constituído
por traços que se caracterizam por disposições neurofisiológicas e bioquímicas
relativamente estáveis, portanto, é uma disposição inata. No entanto, uma vez que a
natureza do homem é social, as particularidades inatas se unem às experiências do
indivíduo, e estas conferem ao temperamento a propriedade de ser mutável.
Para ilustrar um dos indicadores da manifestação da atividade nervosa superior,
isto é, do temperamento, atentemo-nos à personagem Dora que em sua trajetória inicial
pode ser caracterizada como uma pessoa pouco tolerante, impaciente e sarcástica,em
que supõe-se que seu temperamento possa ser compreendido a partir do indicador que
segue: “desequilíbrio, com força do processo de excitação que culmina em uma alta
excitabilidade emocional e interrupções nervosas” (MARTINS, 2007). No entanto,
observa-se no decorrer do filme que seu temperamento assume novos delineamentos,
uma vez que em suas experiências ao lado de Josué e para com este, cria-se um
equilíbrio entre as forças de excitação e inibição, ou seja, passa a haver a alternância
entre excitação e inibição, o que culmina em uma regularidade e autocontrole mais
acentuados.
Em Josué, pode-se apontar forças de excitação e inibição (influenciados por uma
alta mobilidade e baixo equilíbrio, que diferem em suas combinações e se expressam
em cada pessoa de maneira singular) que acabariam por influenciar na formação de sua
personalidade e assim, no seu modo de agir no meio social em que vivia; considerando
que o seu temperamento foi se modificando ao longo da sua trajetória até a casa de seu
pai, e presume-se que também posteriormente. Partindo dessa premissa, pode-se
retomar que devido à alta plasticidade do cérebro, a trajetória de vida do sujeito permite
grandes mudanças da atividade nervosa, devido às condições objetivas nas quais o
indivíduo está submetido, isto é, as propriedades do temperamento não estão restritas às
qualidades naturais do sistema nervoso.
Aptidões são disposições anátomo-fisiológicas que condicionam o indivíduo a
execução exitosa da atividade. As aptidões não determinam o desenvolvimento de
capacidades, mas é um fator de auxílio na formação das mesmas. Não é possível inferir
a partir de elementos do filme, alguma aptidão que facilitasse a construção de
capacidades e a execução da atividade de professora e posteriormente escrevedora de
cartas em Dora; tampouco constatar aptidões que poderiam auxiliar a formação de
capacidades em Josué, no tocante de sua provável atividade de carpintaria.
A forma como o sujeito irá se apropriar do patrimônio genérico humano
influenciará no seu reflexo psíquico da realidade, nas suas relações sociais que são
sintetizadas na atividade, bem como no desenvolvimento das capacidades, habilidades e
também na constituição do caráter.
Por exemplo, no filme, Josué supostamente não tendo a atividade escolar
regular, irá ter déficits no que rege o desenvolvimento de sua personalidade e o
desenvolvimento de suas funções psíquicas superiores enquanto capacidades – sistema
de atividades psíquicas generalizadas, originárias da atividade humana e que tem por
objetivo satisfazer as necessidades. Estas são desenvolvidas pela apropriação da
linguagem, instrumentos de trabalho, ciência, arte e etc., e são construídas à medida que
tais apropriações e objetivações são conquistadas. Sua possível futura atividade então de
carpintaria irá atuar em suas capacidades e conseqüentemente em sua personalidade,
alterando então a forma subjetiva de relação entre sujeito e objeto; e sua atividade
também irá influenciar em seus traços de caráter, já que a sua formação de caráter se dá
na relação do indivíduo com a coletividade, no sentido em que Josué irá se relacionar
agora com o mundo tendo sua atividade de carpintaria como mediadora das relações
sociais, e sua expressão subjetiva se dará agora através de tal atividade.
O caráter é constituído por traços de caráter, um conjunto de características que
tornam cada indivíduo um ser particular, e determinam atitudes que criam automatismo
diante das circunstâncias. Tal reação é aprendida – provém de um processo de
apropriação, ou seja, depende de uma vida social; e através da última, o homem assimila
modelos de reação, sustentados por uma Ideologia – conjunto de ideais, valores,
costumes, etc. Os traços se objetivam na estrutura do caráter, formada por dois grandes
sistemas, o de reações à realidade externa e o de reações à realidade interna.
Pode-se identificar inicialmente em Dora traços referentes ao sistema de
realidade externa como o egoísmo e individualismo, e quanto ao sistema de realidade
interna, traços como a arrogância. Na cena em que está trabalhando na central e Josué,
após a morte de sua mãe, a procura a fim de que escreva uma carta a seu pai, ela lhe
nega auxílio sendo arrogante e egoísta no sentido de que sabia da morte de sua mãe e
mesmo assim recusou lhe oferecer ajuda. Já em Josué podemos identificar quanto ao
primeiro sistema: sinceridade e arrogância e quanto ao segundo, perseverança. A cena
em que Josué questiona sobre a confiabilidade do trabalho de Dora ao perguntar à sua
mãe “como você sabe que ela vai por as cartas no correio?” na presença da escrevedora
traduz seus traços de sinceridade e arrogância. Já como exemplo de perseverança pode
ser citada toda sua trajetória em busca de seu pai.
Vale ressaltar que tais traços de caráter são modificados à medida que ambos são
expostos a novas circunstâncias sob mediação da consciência e com isso são alteradas
as suas respectivas formas de ação sobre a realidade e seus valores. Dora, no início do
filme, tinha a atitude de jogar no lixo as cartas que escrevia, e no decorrer da viagem,
estreitando sua relação com Josué, ao surgir a necessidade de executar sua atividade de
escrevedora de cartas novamente, indica que então enviará as cartas que escreveu. Esta
mesma relação fez com que os traços de caráter de Josué também fossem
transformados, uma vez que de princípio o mesmo não aceitava a companhia de Dora
em sua busca pelo pai, no entanto, em uma das cenas que Dora desmaia em uma capela
de Bom Jesus do Norte, Josué vai acudi-la e mostra uma atitude de carinho, fato que
mostra um estreitamento dos vínculos afetivos.
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