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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia da SBP—2003, Vol.

11, no 2, 134– 146

A prática educacional com crianças surdocegas


Fátima Ali Abdalah Abdel Cader-Nascimento
Maria da Piedade Resende da Costa
Universidade Federal de São Carlos

Resumo
Esta pesquisa descreve e analisa três fases de um procedimento de intervenção com duas crianças surdoce-
gas pré-lingüísticas. O estudo foi desenvolvido em uma escola especial de Brasília e nas residências, duran-
te nove meses. O objetivo foi implementar e avaliar procedimentos de intervenção com os sujeitos, basea-
dos na abordagem co-ativa de van Dijk e na perspectiva sócio-histórica. Os resultados sugerem que as es-
tratégias propostas por van Dijk na década de 60 mostraram-se eficazes quando associadas a práticas de
sala de aula que privilegiaram o uso simultâneo de vários recursos alternativos de comunicação (Libras,
gestos, movimentos corporais coordenados, Tadoma, escrita, fala, objetos de referência etc.). As alunas,
que inicialmente apresentaram uma comunicação expressiva elementar, no final da pesquisa, passaram a
apresentar novas competências comunicativas baseadas no uso de sinais, escrita, bem como melhoraram no
desempenho nas suas tarefas, concentração e comunicação, passando a demandar mais informações do seu
meio.
Palavras chave: criança surdocega, comunicação, ensino especial, movimento co-ativo.

Educational practice with deaf-blind children


Abstract
This research describes and analyzes three phases of an intervention procedure with two deafblind pre-
linguistic children. The study was carried out at a special school in Brasilia and at their residences, for nine
months. The objective was to implement and evaluate intervention procedures with the subjects, based on
the co-active van Dijk approach and on the socio-historical perspective. Results suggest that the strategies
proposed by van Dijk in the ‘60s were effective when associated with classroom practices that favored the
simultaneous use of several alternative communication tools (Libras, gestures, coordinated body
movements, Tadoma, writing, speech, reference objects, and so on). The students, who initially
demonstrated elementary expression communication, evidenced new communicative competences at the
end of the research, based on the use of signs and writing, having improved their performance in their tasks,
their concentration and communication, and having started to demand more information from their
environment.
Key words: deaf-blind children, communication, special education, co-active movement.

O presente estudo refere-se à questão do desenvolvimento da comunicação e do processo de escolari-


zação de crianças surdocegas pré-lingüísticas, sem outros comprometimentos aparentes. Para tanto, desen-
volveu-se uma pesquisa de intervenção em sala de aula, com o objetivo de implementar e avaliar procedi-
mentos de intervenção baseados na abordagem co-ativa e na perspectiva sócio-histórica. O objetivo da in-
tervenção consistiu em criar novas competências e desenvolver novos repertórios de comportamento envol-
vendo a aprendizagem de vários recursos de comunicação. A pesquisa foi desenvolvida numa escola espe-
cial pública de Brasília, durante um período de nove meses e envolveu duas crianças surdocegas.
_________________________________________________________________________________

Trabalho apresentado XXXIII reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Belo Horizonte, MG, outubro de
2003.
Apoio financeiro: FAPESP e CAPES
Endereço para correspondência: Via Washington Luís, km 235 – Caixa ostal 676 – São Carlos – SP – CEP13565-905.
E-mail: pabdalah@bol.com.br
135 Prática educacional com crianças surdocegas

Considerou-se no desenvolvimento lares de comportamento, necessitando de aten-


deste estudo que o sujeito é antes de tudo uma dimentos específicos.
pessoa, singular, única e dinâmica, conseqüen- A abordagem co-ativa de van Dijk
temente, a intervenção precisa ser específica e (1968) apresenta procedimentos que podem
dinâmica; e, que seu desenvolvimento depen- possibilitar condições adequadas ao desenvol-
derá essencialmente das modalidades de ativi- vimento da comunicação em surdocegos pré-
dades de como são propostas no meio escolar e lingüísticos. Esta abordagem parte do princípio
familiar. que as atividades propostas precisam ser reali-
zadas em conjunto com a criança, através do
Revisão teórica
movimento de mão sobre mão. Para isto é fun-
Os registros sobre a educação da criança
damental o envolvimento afetivo dos partici-
surdocega, relatam nomes de pessoas que con-
pantes. A relação afetiva promoverá um ambi-
seguiram aprender a ler e escrever. Em geral,
ente no qual a criança sentir-se-á com uma
as informações são imprecisas em relação ao
margem de segurança para poder participar das
perfil dos surdocegos e ao método empregado
atividades. O autor ao abordar os vários níveis
na comunicação receptiva e expressiva. Para
de comunicação reporta-se às seis fases, identi-
Amaral (2002) a história da educação dos sur-
ficadas por ele como: nutrição, ressonância,
docegos sempre esteve próxima da educação
movimento co-ativo, referência não representa-
de surdos. Assim, o método gestual desenvol- tiva, imitação e gesto natural. Estas fases cons-
vido na França e o oral na Alemanha sofreram
tituem-se em um processo dinâmico de incor-
algumas adaptações, entre elas: acrescentou-se,
poração de estímulos sociais, podendo ser se-
a percepção tátil ou a alteração do espaço de
qüenciais ou cumulativas.
sinalização segundo a condição visual do sur-
Segundo Writer (1987) a nutrição con-
docego.
siste no desenvolvimento do vínculo social
Collins (1995) aponta Victorine Morri-
acolhedor entre a criança e o professor. Para
seau como a primeira mulher surdocega a rece-
McInnes e Treffry (1997) este vínculo acontece
ber educação formal, em Paris, em 1789, sendo
gradualmente, podendo ocorrer um processo
a França pioneira na instituição da educação
interativo com oito etapas, no qual a criança
formal para esta população na Europa. Keller
surdocega: (1) resiste à interação; (2) permite e
(1961) relata que a educação de Laura Brigdg-
a admite; (3) colabora passivamente; (4) de-
mam iniciou-se quando esta tinha oito anos em
monstra prazer e satisfação em participar; (5)
1837, na Escola Perkins, nos Estados Unidos
responde aos estímulos; (6) acompanha e a ori-
pelo professor Dr. Samuel Gridley Howe. O
enta; (7) imita condutas; (8) inicia por si mes-
trabalho com Laura consistia na utilização da
ma a interação. Todas estas etapas pressupõem
soletração manual para a transmissão e recep-
a cumplicidade afetiva e competências profis-
ção das informações. Este recurso de comuni-
sionais adicionais necessárias a interação com
cação influenciou e contribuiu para o desenvol-
crianças surdocegas.
vimento de programas educacionais em dife-
No campo pedagógico a ressonância
rentes países, entre eles a Alemanha em 1887.
consiste na realização de uma atividade con-
Outros casos são relatados na literatura,
junta na qual criança e professor se percebem
o mais conhecido deles é a história de Helen
agindo juntos. O objetivo é despertar no outro
Keller (1880-1968), educada a partir dos sete
a consciência dos efeitos de seus movimentos
anos em 1887, pela professora Anne Mansfield
no corpo do interlocutor. Para tanto, faz-se ne-
Sullivan parcialmente cega, sendo a primeira
cessário promover a variação do binômio: con-
surdocega a concluir ensino superior. O méto-
tato físico e interrupção da atividade, como
do de comunicação utilizado foi a soletração
lembram McInnes e Treffry (1997).
das unidades de cada palavra através do alfabe-
O movimento co-ativo consiste na orien-
to manual (Keller, 2001).
tação da mão da criança pelo professor no esta-
Freeman (1991) comenta que os distin-
belecimento de contato com o objeto do conhe-
tos graus de surdez e as inúmeras possibilida-
cimento. Faz-se necessário que a mão do pro-
des de deficiência visual, quando aparecem
fessor esteja em contato com o objeto, manten-
associadas geram, inicialmente, quadros singu-
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do a mão da criança sobre a sua. Gradativa- uma ênfase nas indicações táteis como uma
mente, o professor vai permitindo que a criança forma de viabilizar às crianças o acesso às
entre em contato com o objeto do conhecimen- informações através do movimento e das sen-
to. O objetivo é ampliar a ação motora do sur- sações, maximizando e otimizando seus senti-
docego no ambiente. dos remanescentes. Proporcionam-se, assim,
Durante a fase da referência não repre- novas condições da relação entre as influên-
sentativa introduz-se o uso do objeto de refe- cias recíprocas dos fatores biológicos
rência como um recurso mediador da interação. (habilidades e recursos que a criança dispõe) e
O objetivo é relacionar determinados objetos sócio-culturais, na aprendizagem de novos
com as atividades a serem realizadas (Bloom, repertórios de comportamentos das crianças
1990). A apresentação do objeto inicialmente surdocegas (Vygotsky, 1988).
precisa ser contextual; depois se promove sua Para o desenvolvimento desta aborda-
descontextualização, passando a utilizá-lo co- gem na prática escolar, é necessário um pro-
mo uma referência que antecipa a atividade grama educacional cuidadosamente determi-
programada. Para tanto, o objeto reduzido ou nado. A organização do ambiente de trabalho
simplificado, precisa ter uma equivalência sim- ajuda o surdocego a memorizar a disposição
bólica com o real e com a atividade a ser de- dos materiais permanentes facilitando sua ori-
senvolvida. entação e mobilidade no espaço da sala de
A quinta fase é a imitação, representa a aula. O estabelecimento da rotina é fundamen-
continuação do movimento co-ativo de forma tal porque viabilizará melhores condições para
mais rica, uma vez que o surdocego começa a a criança evocar, combinar e se orientar nas
re-criar os elementos simbólicos assimilados a atividades do dia, podendo futuramente ante-
fim de conseguir a satisfação de suas necessi- cipar as atividades mediante o objeto de refe-
dades. rência da mesma. Para isto é importante colo-
O gesto natural é a última fase descrita car estes objetos em um espaço definido
por van Dijk (1968). Nesta fase, o surdocego (caixas de memória, mesa), segundo a seqüên-
começa a criar seus próprios gestos para repre- cia das tarefas a serem desenvolvidas no dia,
sentar algo que deseja conquistar. Transforma de tal forma que quando a criança chegar à
os movimentos corporais em instrumento de sala de aula possa tomar conhecimento da
comunicação. Assim, os primeiros gestos a programação. Após a realização da atividade,
serem utilizados no trabalho com surdocegos o objeto de referência é retirado do local, indi-
devem imitar um jogo motor, no qual todo o cando o fim da atividade (McInnes, 1999).
corpo participa da identificação do objeto ou
da situação. O que importa é representar os Método
objetos a partir do que se pode fazer com eles, Participantes
tornando claro o que se pretende realizar, exe- Participaram deste estudo duas crianças
cutar em um momento específico. Outro passo surdocegas, pré-lingüísticas, do sexo femini-
necessário é o nível co-ativo dos gestos natu- no, sem outros comprometimentos aparentes,
rais, isto é, o professor deverá repetir muitas porém com atraso no desenvolvimento da co-
vezes de forma atraente e lúdica o movimento municação. As crianças eram de famílias com
do gesto, antes da criança ser capaz de realizá- baixo nível socioeconômico. As duas residiam
lo de forma independente. Muitas vezes, é ne- em cidades do Distrito Federal distantes cerca
cessário que os gestos e os sinais sejam realiza- de 35 km de Brasília.
dos no próprio corpo da criança. Quando esta A identificação das alunas será 9I e 7G,
conseguir realizar o gesto sem ajuda, evidenci- os números representam a idade cronológica
ará que possui condições de falar sobre algo de cada uma durante o período de coleta de
que está ausente. Neste estágio, o mediador dados e as letras foram aleatórias. O compro-
deverá estimular a expressão da criança por metimento auditivo e visual em ambas foi de-
meio de perguntas. corrente da Síndrome da Rubéola Congênita.
Percebe-se que em todas as fases desen- A 9I possui oito anos de experiência escolar
volvidas e descritas por van Dijk (1968), há na rede pública de ensino especial e a 7G, três
anos.
137 Prática educacional com crianças surdocegas

A 9I possui surdez profunda (106dB em atender solicitações, seguir orientações, manter


orelha direita e 111dB em orelha esquerda, nas um diálogo (com gestos ou sinais) e antecipar
freqüências da fala 500, 1000 e 2000Hz). En- situações. Elas não responderam a perguntas
quanto 7G possui surdez profunda (130dB em simples realizadas em sinais, gesto e fala, por
ambas orelhas). As alunas não apresentavam exemplo: O que é isto? Quantos têm? Que dia
capacidade auditiva funcional para ouvir e inte- é hoje?
ragir com o ambiente. Desta forma, não res-
pondiam ao chamado verbal, bem como não Local e materiais
conseguiam emitir palavras que pudessem ser As atividades realizadas durante este
compreendidas. Além disto, apresentavam difi- estudo foram desenvolvidas em locais habitu-
culdade em compreender as informações, defa- ais para as alunas: a sala de aula e em suas resi-
sagem para atender solicitações, seguir orienta- dências. Utilizaram-se, também, espaços públi-
ções, manter um diálogo e antecipar situações. cos como: passeios em shopping, zoológico,
Elas não responderam a perguntas simples rea- “fast food”, lojas, parque da cidade, etc. Estes
lizadas (pela pesquisadora, professora e famí- passeios contaram sempre com a presença de
lia) em sinais, gesto e fala, por exemplo: O que alguém da família.
é isto? Quantos têm? Que dia é hoje? Os materiais foram planejados e confec-
Em relação à deficiência visual a 9I tem cionados em parceria com a professora de sala,
atrofia de olho direito e apresenta catarata e segundo a necessidade de cada situação de a-
glaucoma de ângulo fechado em olho esquerdo prendizagem, entre eles: ficha de chamada em
de difícil controle. Realizou quatro cirurgias de lixa e em botões de camisa na cor preta
glaucoma (aos 4, 7, 8 e 9 anos), com prognósti- (simbolizando os pontos do sistema braile),
co de perda total de visão. A 7G foi submetida fichas com diversos alfabetos, fichas tridimen-
a quatro cirurgias de catarata (aos 9 meses, 4, 5 sionais da rotina-diária com objetos de referên-
e 7 anos), apresenta visão apenas no olho direi- cia colados em papel cartão preto nas dimen-
to. sões de 17 X 10 cm. Os objetos colados nesta
Quanto à funcionalidade visual a 9I a- base variavam de acordo com as atividades do
presentava impedimento no campo visual peri- dia. Assim, na ficha de segunda-feira foram
férico, dificuldades para detalhes, dificuldades colados miniaturas de lápis, colher, instrumen-
de leitura de impressos com letra Arial menor to musical e pedaço de toalha, indicando as
que fonte 48 ou impressos apagados, necessita- atividades de: sala de aula, lanche, música e
va do sistema braile para leitura e escrita. A natação.
aluna 7G apresentava impedimento no campo Organizaram-se, também, seis caixas de
visual central, necessitava de material impresso memória, confeccionadas com potes de sorvete
bem marcado. Ambas apresentavam dificulda- com capacidade para dois litros. As caixas fo-
des em visualizar a lousa a mais de 1 metro de ram identificadas com os números de 1 a 6
distância, sem sair do lugar (baixa acuidade com sua respectiva representação. Dentro das
visual para longe); realizavam acomodação e caixas eram colocados os objetos e materiais
adaptação visual para identificar objetos de referentes às atividades programadas. Foram
modo incomum (muito perto do globo ocular); confeccionados, também, cartões tridimensio-
realizavam aproximação dos objetos a 10 cm nais de identificação de ambiente. A base des-
do globo ocular, percebiam sinais a 20 cm de tes cartões foi feita em papel cartão preto nas
distância. No caso da 9I era comum identificar dimensões de 22 X 17cm. Em cima desta base
sinais e letras do alfabeto dactilológico através foram coladas miniaturas de objetos que fazi-
do toque. Ressalta-se que o resíduo visual das am referência à atividade desenvolvida no inte-
alunas podia ser aproveitado no trabalho esco- rior da sala, por exemplo, colocou-se uma bo-
lar, de orientação e mobilidade e no desempe- neca simbolizando a sala de atendimento a be-
nho de atividades de vida diária, desde que o bês.
material fosse adaptado. Após haver obtido dos pais, o termo de
As alunas apresentavam dificuldade em consentimento e participação no estudo, foram
compreender as informações, defasagem para desenvolvidas três fases de investigação: uma
138 F. A. A. A. Cader-Nascimento e M. P. R. da Costa

avaliação inicial do repertório das alunas em sendo solicitado.


comunicação e conhecimentos relacionados à
pré-escola, a intervenção e uma avaliação pos- Intervenção
terior à intervenção. Foram realizados 130 en- Após uma análise prévia do desempe-
contros num total de 650 horas de atividade de nho e das habilidades das alunas durante a
campo, durante nove meses. avaliação inicial, deu-se prioridade na inter-
venção as seguintes áreas do desenvolvimen-
Avaliação inicial to: linguagem (exposição a vários meios de
A avaliação inicial consistiu na realiza- comunicação alternativa), socialização
ção de entrevistas com os pais, visita as resi- (ampliação dos contatos com ambientes e pes-
dências, leitura e análise de exames clínicos e soas), cognição (ênfase em atividades envol-
relatórios educacionais, bem como na aplica- vendo conceito corporal, leitura e escrita, ma-
ção de tarefas próprias da sala de aula, respei- temática, orientação espacial e temporal), ori-
tando as características individuais de aprendi- entação e mobilidade. Trabalharam-se as á-
zagem de cada aluna. Foram avaliadas cinco reas: AVD, motricidade, treino de visão sub-
áreas do desenvolvimento: AVD, coordenação normal (TVS) e treino auditivo com base na
motora, linguagem, socialização e cognição. A integralização dos conteúdos.
avaliação inicial foi realizada no mês de abril. O método da estimulação multi-
Durante a avaliação inicial buscou-se sensorial (EMS), foi enfatizando durante a
avaliar os seguintes aspectos do desenvolvi- intervenção uma vez que prevê a apresentação
mento: orientação temporal (fazem uso do ca- diferenciada da mesma informação através da
lendário, qual a noção de tempo que as alunas ação, do pensar e do fazer associados ao con-
possuem?), orientação espacial (orientação e teúdo emocional e motivacional, conforme
mobilidade), conceito corporal (conhecem e destaca Bruner (1976). Neste processo, teve-
registram todas as partes do próprio corpo), se o cuidado de conhecer e determinar a via
atividade de vida diária (são independentes?), de sentido mais eficiente para cada aluna (9I
estimulação auditiva (percebem, localizam, por meio da via tátil-cinestésica e 7G pela via
discriminam sons? Quais?), leitura visual). Exemplificando o método da EMS:
(reconhecem letras, palavras em códigos dife- contornava-se o corpo de uma aluna na lousa,
rentes?), escrita (realizam escrita espontânea, depois a estimulava para que contornasse com
fazem uso de pseudoletras ou letras?) e mate- seu dedo a forma desenhada. Através desta
mática (conhecem os algarismos? Quantifi- atividade combinava a estimulação tátil-
cam?). cinestésica do toque e do traçado com a visu-
As áreas mencionadas possibilitaram al. Quando ocorria dispersão visual, dirigir o
avaliar os recursos de comunicação receptiva e olhar para outros estímulos, a pesquisadora se
expressiva utilizados pelas alunas. Observou-se aproximava e segurava na cabeça da aluna, de
nas atividades como elas manipulavam os obje- modo que seus olhos fossem direcionados
tos: se o faziam ao acaso, isto é, se os utiliza- para o desenho. Combinando com a aproxi-
vam inadequadamente, não distinguindo nem mação realizava-se o encorajamento verbal
analisando como são; ou se utilizavam os obje- estimulando a audição através da vibração do
tos de maneira funcional; ou ainda, se os mani- corpo.
pulavam de forma criativa e simbólica; ou en- Tendo em vista o método da EMS pla-
tão, se brincavam com os objetos reinventando nejou-se as atividades de modo a articular os
coisas do mundo. conteúdos presentes em uma mesma tarefa.
Todas as atividades foram apresentadas Para tanto, estabeleceu uma rotina de trabalho
para as alunas por meio dos seguintes recursos que teve por objetivo situar as alunas num
de comunicação: sinal, gesto, fala, expressão espaço e num tempo definidos e concretos,
facial e corporal, contração ou relaxamento da conforme Cader e Costa (2000). Foram pro-
musculatura, objetos de referência, escrita im- gramadas e executadas as seguintes ativida-
pressa e em braile e exemplos, isto é, muitas des: (a) música e oração de entrada (realizada
vezes foi necessário demonstrar o que estava por toda escola), (b) orientação espacial
139 Prática educacional com crianças surdocegas

(quantificação das portas e leitura das indica- Costa (1997);


ções táteis do percurso); (c) conversa de roda 3. repetição da brincadeira, usada no item 1 encon-
(temas selecionados com a família); (d) calen- tro casual (no caso de duas amigas);
dário (compreensão da mudança cíclica dos 4. apresentação do registro alfabético em escrita
dias); (e) chamada (identificação do próprio ampliada associada a letras avulsas;
nome); (f) merenda; (g) recreio, e (h) novida- 5. percepção tátil da produção do som. A aluna posi-
des (passeios, dramatização de histórias, jogos cionava sua mão na face da pesquisadora,
com e sem a participação dos pais). quando esta realizava a marcação fonológica
As atividades tiveram em comum os se- das unidades da palavra e da associação das
guintes procedimentos: (a) demonstração con- mesmas;
textual por meio da representação corporal do 6. fixação do registro escrito da palavra no plano ver-
conteúdo; (b) segmentação de uma palavra tical (lousa), depois no horizontal;
(sinal) geradora presente na representação; (c) 7. representação contextual, social e cultural do signi-
repetição da representação com ênfase na pala- ficado durante o recreio;
vra (sinal); (d) apresentação do registro alfabé- 8. fixação do registro escrito no plano horizontal, medi-
tico em escrita ampliada e braile associado a ante diferentes formas de ditado:
letras avulsas; (e) Tadoma (percepção tátil da - ditado oro-tátil (a pesquisadora falava e a
fala); (f) fixação escrita no plano vertical e, aluna realizava a leitura oro-tátil);
depois no horizontal, conforme Séguin (1846 - a aluna emitia o som e a pesquisadora ou
apud Costa, 1994); (g) representação sócio- professora registrava-o;
cultural do significado; (h) fixação do registro - realizava-se a leitura do registro escrito: si-
escrito através de várias formas de ditado; (i) nal, fala e dactilologia;
generalização e aplicação da aprendizagem. - ditado dactilológico (realizava-se a soletra-
No caso, do ensino de palavras, as ati- ção digital e a aluna registrava);
vidades tiveram em comum os seguintes proce- - aluna soletrava a palavra e a pesquisadora ou
dimentos: professora a registrava;
1. demonstração contextual por meio de representação - pesquisadora ou professora realizava o sinal
corporal total da situação (Cader, 1997). Exemplifi- e a aluna registrava a palavra;
cando: o encontro vocálico "OI", não era intro- - aluna realizava a leitura do registro através
duzido como tal, mas como uma interação em do sinal, fala, dactilologia.
uma situação contextual criada para este fim. Caso houvesse alguma correção, as alu-
Para isto a pesquisadora pegava a bolsa e avi- nas eram orientadas a realizarem a comparação
sava que ia sair, andar. De repente ela encon- entre o modelo correto e o próprio registro.
trava com uma amiga, a vê e a cumprimenta / 9. generalização e aplicação da aprendizagem. No
Oi/ (fala acompanhada de sinal), dando dois exemplo citado da palavra "Oi", a pesquisadora
beijos na face da mesma. Esta cena se repetia estimulava as alunas a cumprimentarem pesso-
várias vezes, alternando os participantes, até as conhecidas na escola. Para isto, juntas, du-
que as alunas conseguissem entender o signifi- rante o recreio, a pesquisadora cumprimentava
cado social e cultural da palavra /oi/. Neste as pessoas de forma que as alunas conseguis-
exemplo, têm-se: (a) movimento, ação global; sem acompanhar o movimento do sinal. Depois
(b) fala; (c) dactilologia; (d) sinal; (e) represen- cada aluna era estimulada a repetir a ação, atra-
tação cultural e social do ato (beijos na face, de vés dos seguintes passos:
acordo com o costume local); - marcava a soletração dactilológica da pala-
2. segmentação da palavra em unidades. Realizava-se vra "oi";
a aproximação das letras avulsas ou das fichas - realizava o sinal no espaço, tendo a mão da
contendo o registro das letras. No caso citado aluna sobreposta à mão da pesquisadora;
da palavra ”oi”, realizava-se a aproximação - tocava com o dedo indicador a parte inferior
das unidades (o e i) acompanhada da emissão dos lábios de cada aluna, impulsionando-o
“oi”. A emissão da unidade "o" era prolonga- para frente, para lembrá-la da emissão da pala-
da até que a união entre a vogal "o" e "i" ocor- vra. Este procedimento fez-se necessário na
resse, conforme procedimento descrito por interação com crianças cegas;
140 F. A. A. A. Cader-Nascimento e M. P. R. da Costa

10. registro escrito em braile, mediante o uso do segundo a modalidade de serviço oferecido.
brailex e larabraile (materiais produzidos pela O objetivo foi proporcionar as alunas à
instituição Laramara situada em São Paulo), e oportunidade de comparar os objetos, identifi-
máquina braile modelo Perkins. car a mudança do espaço físico e orientar-se
Portanto, o procedimento mencionado em relação à seqüência de atividades e a mo-
priorizou a ação (movimento e representação), dalidade do atendimento, bem como se deslo-
estimulou à síntese visual (gráfica), a síntese car de uma sala para outra de forma autôno-
oro-tátil (vibração da emissão verbal). Além ma. Deste modo, elas eram estimuladas a en-
disto, incentivou a utilização de diferentes for- contrar salas, ou ainda, a levarem ou busca-
mas de registro (soletração dactilológica, braile rem material em salas diferentes.
digital, fonológica, gráfica, letras avulsas), re- 3. Conversa de roda. Teve por objetivo am-
presentação em Libras, aplicação e generaliza- pliar o vocabulário em sinais, palavras e ex-
ção do significado contextual, social e cultural pressões mediante a alternância de turnos de
da palavra. Buscou-se manter uma rotina de conversação. Inicialmente, estes momentos se
trabalho marcada pela regularidade e freqüên- restringiram a perguntas realizadas pela pes-
cia destes procedimentos, com vistas a ampliar quisadora com indução das respostas.
e diversificar o vocabulário. A título de exem- 4. Calendário. Teve por objetivo possibi-
plo descrever-se-ão outras atividades que fize- litar às alunas condições para se situarem em
ram parte da rotina. relação a: (a) atividade (começo, meio e fim);
1. Música. Teve por objetivo familiarizar os (b) sucessão das situações de aprendizagem
sujeitos com a seqüência, o ritmo e a melodia em espaços distintos e com outros profissio-
dos sinais e com a atividade comum aos de- nais; (c) renovação cíclica dos períodos (dias
mais alunos da escola. A interpretação em Li- da semana, meses), e (d) compreensão do ca-
bras era realizada pela pesquisadora, que ficava ráter irreversível do tempo (segunda-feira já
em frente à aluna (9I), no mesmo nível. Nesta passou). Enfatizou-se um tempo dinâmico,
posição, realizavam-se as seguintes etapas: (a) envolvendo relações de passado, presente e
marcação de cada sinal de forma lenta; (b) re- futuro dos acontecimentos. Para tanto, utiliza-
petição dos sinais através do movimento co- ram-se os seguintes materiais: ficha tridimen-
ativo; (c) realização dos sinais no campo visual sional (3D): rotina diária e do tempo; ficha 2D
ou no braço, mão da aluna; (d) indicação da nomes: dia, mês e ano; calendário adaptado e
música, através do sinal de referência. caixa de memória, conforme descritos anteri-
2. Orientação espacial. Teve por objetivos (a) ormente.
explorar as relações entre os objetos no espaço; A atividade do calendário foi dividida em
(b) locomover-se; (c) quantificar as portas exis- três partes: (a) tempo; (b) dia da semana e do
tentes a partir de um referencial; (d) identificar mês, e (c) organização da caixa de memória.
o espaço através dos indícios táteis e cinestési- O item referente ao tempo foi explorado em
cos associados à via visual durante a locomo- seis etapas, são elas: (1) pegar as fichas 3D-
ção, conforme lembram Huebner et al. (1995). tempo; (2) ir para o pátio; (3) selecionar as
As alunas eram estimuladas e orientadas a res- fichas representativas do dia (sol, frio etc.);
peito das pistas táteis presentes na parede e no (4) retornar à sala de aula; (5) representar na
piso da escola, bem como quantificar as portas. lousa e depois no papel as condições do dia;
Assim, com a mão fechada e tendo a mão da (6) guardar as fichas. Inicialmente, as etapas
pesquisadora abarcando a mão de uma aluna, eram orientadas pela pesquisadora, depois
liberava-se para cada porta um dedo da mão da pela professora, no final as alunas as realiza-
aluna e os demais permaneciam na posição vam sem ajuda.
original. No início, esta atividade foi realizada O item referente ao dia da semana e do
de maneira co-ativa, com ajuda total, depois mês consistiu em um processo de sete etapas:
com ajuda parcial, por fim a realização era in- (1) realizar a identificação e reconhecimento
dependente. de cada ficha 3D: rotina diária; (2) marcar o
Outra técnica consistiu no uso de objetos dia da semana; (3) estabelecer a correspon-
de referência para identificar as salas da escola dência entre o sinal e nome; (4) soletrar o no-
141 Prática educacional com crianças surdocegas

nome do dia; (5) identificar as atividades do dado apenas o comando.


dia; (6) identificar e distinguir o dia com uma Quanto à leitura foi disponibilizado le-
fita; (7) guardar as fichas 3D: rotina diária no tras (em vários alfabetos) e palavras já ensina-
quadro de pregas. No final do primeiro semes- das na escola. Avaliou-se a capacidade das alu-
tre estas fichas passaram a orientar a organiza- nas em reconhecer, decodificar e conceituar as
ção das caixas de memória, só depois desta palavras contextualizadas (rótulos) e isoladas.
organização que as fichas (3D: rotina diária) A escrita foi avaliada através do registro
eram guardadas no quadro de pregas. escrito de uma situação vivenciada em sala
5. Chamada. Esta atividade era realizada (escrita espontânea) e do ditado de palavras
com fichas 2D: nomes (lixa e braile), e teve por conhecidas pelas alunas. Em matemática avali-
objetivo trabalhar a leitura e escrita no nível da ou-se a distinção dos numerais de letras, rela-
palavra mais próxima das alunas, despertando ção entre quantidade e sua representação nu-
o interesse pelo próprio nome, reconhecendo-o mérica, organização da seqüência de 1 a 6 na
enquanto uma identidade pessoal e intransferí- ordem crescente e decrescente, registro da se-
vel. A chamada constituiu-se em uma estraté- qüência numérica de 1 a 10, agrupamento em
gia de ensino para conteúdos específicos, entre diferentes bases (3, 4 e 5), participação em jo-
eles: (a) reconhecer as letras do alfabeto e do gos respeitando as regras dos mesmos, reco-
sistema braile; (b) comparar letras no próprio nhecimento e identificação dos antecessores e
nome; (c) comparar letras entre nomes diferen- sucessores de 1 a 6.
tes; (d) relacionar letra impressa com a dactilo-
logia; (e) relacionar letra impressa com o fone- Resultados e Discussão
ma (via Tadoma); (f) quantificar as letras e /ou Para analisar os dados utilizaram-se a
vogais iguais; (g) identificar a letra inicial e abordagem qualitativa (análise de conteúdo -
final; (h) realizar o registro espontâneo do no- Lüdke e André, 1986; Marcuschi, 1998) e
me; (i) copiar o nome com apoio visual, tátil e quantitativa (freqüência e percentagem). Proce-
com ajuda, etc.. deu-se a uma análise específica do desempenho
O procedimento consistia na apresenta- de cada aluna, nas atividades propostas durante
ção de uma ficha por vez. Às vezes as fichas as fases da pesquisa. Os resultados foram quan-
eram apresentadas na mesa, outras vezes reali- tificados segundo as menções estabelecidas (B
zava-se a atividade em pé, no mesmo plano das para baixo desempenho, M para médio desem-
alunas. Realizava-se a leitura do nome através penho e A para alto desempenho).
da soletração manual, do movimento labial Foram realizados 130 encontros com as
acompanhado de sons e da marcação do seg- alunas, num total de 650 horas. Nestes encon-
mento da leitura (da esquerda para direita). tros, verificou-se que a 9I freqüentou 58% e a
Com isto introduzia-se o segmento da leitura e 7G apenas 14% do previsto. Vale ressaltar que
a representação da composição quirêmica do ambas residem em cidades satélites de Brasília,
sinal em Libras para a palavra “nome”. Duran- a uma distância aproximada de 40 (9I) e 30
te toda a atividade questões eram realizadas: (7G) km da escola. Apesar da distância, os lo-
"de quem é este nome?" "Nome é seu?" "É cais são de fácil acesso, neste sentido a distân-
seu?" "Este nome é dela?". Após a identifica- cia não pode ser considerada uma justificativa
ção e registro as fichas eram colocadas no qua- para o não comparecimento às aulas, pois elas
dro de pregas. possuíam passe livre com direito a acompa-
nhante.
Avaliação final Em decorrência das dificuldades dos
Na avaliação final realizou-se entrevistas com pais em garantir a presença da filha 7G às aulas
os pais e aplicou atividades semelhantes àque- foi sugerido à família que a aluna passasse a
las da avaliação inicial, porém com um maior usar o transporte da Associação de Deficientes
grau de dificuldades, no mês de dezembro. As- Visuais de Brasília. Apesar do receio da mãe,
sim, com relação ao conceito corporal, foi soli- os pais aceitaram a sugestão. Assim, no segun-
citado às alunas que desenhassem no papel a do semestre 7G passou a utilizar o referido
representação do corpo humano, tendo sido transporte e sua freqüência passou de 28% para
142 F. A. A. A. Cader-Nascimento e M. P. R. da Costa

39% no segundo semestre. Apesar do índice tível com os comportamentos apresentados no


não chegar a 50% nota-se que houve um maior início deste estudo, entre eles: mostrava-se
comparecimento às aulas, sendo que suas faltas apática em relação ao espaço escolar e às pes-
passaram a serem justificadas pela família. soas, produzia barulhos intensos e constantes
Este contexto configurou-se em uma ao manipular objetos, não possuía o hábito de
variação na intensidade e duração dos atendi- fechar (ou encostar) a porta do banheiro ao
mentos oferecidos a 7G, fato não previsto no utilizá-lo. Em qualquer espaço da escola, ti-
projeto inicial da pesquisa. Assim, apesar dela nha o hábito de levantar a roupa para arrumar
ter freqüentado apenas 123 horas-aulas de um as peças do vestuário de baixo. Os recursos de
total de 650, apresentou um bom aproveita- comunicação expressiva utilizados restringi-
mento em todas as áreas do desenvolvimento am-se a: gritos, birra, choro, movimentos cor-
enfatizadas durante este estudo. Esta informa- porais, pontapés, gestos naturais, bem como
ção permitiu inferir que apenas a intensidade e possuía o hábito de conduzir as pessoas pelo
duração dos atendimentos, por si só não são braço para alcançar o objeto de seu desejo.
determinantes da aprendizagem e desenvolvi- Em relação às atividades de vida diária
mento, mas sim a qualidade e as condições 7G, durante a avaliação inicial, apresentou um
pedagógicas dos atendimentos oferecidos no melhor desempenho, provavelmente, as carac-
espaço escolar e familiar. A Figura 1 apresenta terísticas intrínsecas desta área contribuíram
os resultados obtidos por 7G nas avaliações de com este resultado. Como o universo social da
abril e dezembro. 7G era restrito ao contexto familiar no qual as
dificuldades de comunicação eram o principal
conflito vivenciado e descrito pela família, o
Desempenho da aluna 7G em abril resultado apresentado em abril evidencia o
100
fre q ü ê n c ia d e

que a 7G conseguiu aprender e desenvolver


re s p o s ta s %

segundo as condições sócio-culturais dadas.


50 Apesar de sua baixa freqüência no pri-
meiro semestre letivo, há um progressivo e
surpreendente resultado no desempenho da
0 7G em dezembro, em todas as áreas do desen-
volvimento. Entre as mudanças comportamen-
baixo médio alto tais destacam-se: atenção compartilhada, inte-
resse em aprender sinais mediante a imitação
AVD Desempenho dalinaluna
motor guagem7G em dezembro
social cognição e repetição dos mesmos de forma contextuali-
100 zada ou não. Passou a fazer uso da letra inicial
fre q ü ê n c ia d e

do nome de algumas pessoas para referir-se a


re s p o s ta s %

elas em sua ausência ou presença.


50
Em decorrência das alterações positivas
no comportamento apresentado pela 7G, no-
0 tou-se a redução de fatores estressantes pre-
baixo médio alto sentes no ambiente familiar, principalmente
em relação às condições de interação dos pais
AVD motor linguagem social cognição com a filha, como se pode perceber nas falas:
“agora eu entendo minha filha”; “minha filha
Figura 1. Desempenho da aluna 7G, nas áreas agora é outra. Eu falo para ela ficar sentada,
avaliadas durante a pesquisa. ela fica” (mãe).
O desempenho da 9I nas avaliações
Observa-se na Figura 1 que a 7G obteve em realizadas em abril e dezembro nas áreas do
abril um desempenho, predominantemente baixo desenvolvimento enfatizadas durante a coleta
em todas as áreas do desenvolvimento avaliadas, de dados, consta na Figura 2.
principalmente, em: coordenação motora fina, Observa-se na Figura 2 que a 9I obteve
linguagem, e cognição. Este resultado é compa- em abril conceitos mais altos nos comporta-
143 Prática educacional com crianças surdocegas

mentos relacionados a AVD e motor. Em rela- combinar os recursos distintos de expressão


ção à linguagem, socialização e cognição al- (gesto, registro escrito, sinal, dactilologia, fala,
cançaram conceitos baixos com destaque para representação funcional da situação) nas intera-
a área da linguagem. Estes resultados são com- ções no meio familiar e escolar. Com isto hou-
patíveis com os comportamentos apresentados ve uma redução do estresse dos pais em relação
durante a avaliação inicial, entre eles: dificul- às condições de interação com a filha, confor-
dades na realização de movimentos adequados me mostra as falas: “agora é mais fácil enten-
para a higiene bucal; produção de barulhos a- dê-la”; “agora eu posso sair e falar aonde eu
través da ação de arrastar os objetos permanen- vou, que ela fica me esperando. Ela agora me
tes da sala de aula; desinteresse em conhecer os entende” (mãe).
detalhes dos rótulos de produtos como cor, for- Portanto, os resultados evidenciaram um
ma, cheiro ou pistas táteis; desconhecia o signi- progressivo e evidente desenvolvimento das
ficado das pistas táteis permanentes na escola, possibilidades de intervenção com surdocegos.
apesar de já freqüentá-la há dois anos. Situações inesperadas como a baixa freqüência
da 7G nas atividades de sala de aula geraram
Desempenho da aluna 9I em abril indícios de que a combinação das variáveis: (a)
100 diversificação das experiências vivenciadas em
fre q ü ê n c ia d e

relação ao local, tema e situações; (b) interação


re s p o s ta s %

entre profissionais e a família; (c) respeito à


50 diversidade e as condições apresentadas inici-
almente pelas alunas e suas famílias; (d) orien-
0 tação teórica de van Dijk, principalmente, às
fases de nutrição e movimento co-ativo; contri-
baixo médio alto buíram com a aprendizagem e desenvolvimen-
to obtido pelas alunas no final da coleta de da-
AVD motor da alluinnaguagem
Desempenho 9I em dezembrosocial. cognição
dos.
100 Ao longo do desenvolvimento deste es-
fre q ü ê n c ia d e

tudo foi possível constatar que não há distinção


re s p o s ta s %

na relação triádica entre professor, aluno sur-


50 docego e conhecimento desde que seja: (a) res-
peitados as características e necessidades; (b)
0 oferecidas condições adequadas de acesso à
informação, mobilidade e comunicação; (c)
baixo médio alto otimizados os recursos de comunicação apre-
sentados pelos alunos mediante procedimentos
AVD motor linguagem social cognição adequados.
Com este estudo foi possível constatar a
Figura 2. Desempenho da aluna 9I nas áreas necessidade de se proporcionar ao professor
avaliadas durante a pesquisa. regente apoio e formação em serviço em rela-
ção à aprendizagem e ao aperfeiçoamento de
Além dos comportamentos mencionados, competências específicas e necessárias no tra-
a 9I apresentava atenção compartilhada, desde balho com alunos surdos (conhecimento da
que o adulto utilizasse vocativo de chamada, Libras); com cegos (sistema braile, sorobã e
suas respostas aos estímulos eram induzidas. técnicas de adaptação e ampliação de material),
Quando não conseguia entender a informação e com surdocegos (objeto de referência, movi-
ela imitava os sinais, gestos e movimentos do mento co-ativo, ressonância, técnica de adapta-
interlocutor. Durante a intervenção, demons- ção de sinais e letras, Tadoma). Todo este qua-
trou respostas progressivas evidentes em rela- dro precisa estar em um espaço pedagógico no
ção ao processo de aprendizagem dos conteú- qual alunos, pais e profissionais possam cres-
dos. cer como seres que se respeitam.
A partir de agosto 9I passou a utilizar e Enfim, os dados evidenciaram que:
144 F. A. A. A. Cader-Nascimento e M. P. R. da Costa

quando a criança surdocega possui no seu am- dos à forma encontrada por elas para exterio-
biente familiar e escolar uma reciprocidade e rizar o interesse no estabelecimento e manu-
disponibilidade na utilização diversificada de tenção das relações interpessoais. Provavel-
recursos de comunicação, suas condições de mente, esta característica que emergiu nos
aprendizagem se ampliam melhorando suas resultados seja pertinente à tese de Chomsky
interações com seu meio físico e humano e, (1973) sobre a existência nos seres humanos
conseqüentemente, deste para com ela. de uma programação inata destinada a desen-
A teoria de van Dijk (1968) mostrou-se volver aptidões para a linguagem.
básica na estimulação da aprendizagem de sis- Porém, a presença apenas da motivação
temas alternativos de comunicação em crianças para a conversação não promoveu uma intera-
surdocegas, desde que consideradas suas parti- ção prazerosa. A motivação constituiu-se no
cularidades e as especificidades de seu contex- passo inicial do processo, no entanto a função
to histórico, social e cognitivo. Neste processo, cultural da comunicação demonstrou que: (a)
é importante não perder de vista que qualquer o apoio às intenções comunicativas das alu-
deficiência influencia o estabelecimento das nas, interpretando suas contribuições com ba-
relações interpessoais e exige a organização de se no contexto imediato e no objeto; (b) a ex-
novos padrões de interação. Para isto, as fases posição delas aos modelos alternativos de
de nutrição, ressonância, movimento co-ativo e conversação; (c) a participação em experiên-
uso do objeto de referência consistiram nos cias de interação apropriadas e adaptadas às
pilares básicos para o apoio e a ampliação dos particularidades da surdocegueira, evitando
recursos de comunicação utilizados pelos parti- sua exclusão das atividades promovidas no
cipantes deste estudo. âmbito escolar e familiar; foram condições
A realização dos movimentos co-ativos que contribuíram com a ampliação dos recur-
na apresentação de objetos, gestos, sinais ou sos de comunicação das alunas. Este fato re-
dactilologia se mostrou uma estratégia bastante percutiu positivamente no ambiente familiar
eficiente na medida em que proporcionou uma promovendo novos padrões de interação. En-
margem de segurança para as alunas explora- fim, não há um único fator desencadeador do
rem de forma sistematizada o ambiente próxi- desenvolvimento da comunicação, mas uma
mo, bem como contribuiu com a superação das série de situações que se relacionam, determi-
dificuldades de configuração das mãos na reali- nam e reforçam-se mutuamente promovendo
zação dos sinais ou das letras do alfabeto dacti- formas específicas de comportamento.
lológico. Os resultados nas áreas de AVD e mo-
Os dados obtidos durante a intervenção tricidade (coordenação e controle dos grandes
levaram a redefinir o papel do objeto de refe- e pequenos músculos) mostraram que a surdo-
rência na comunicação com surdocegos, uma cegueira não comprometeu o acesso das alu-
vez que, inicialmente, não era possível compa- nas a estes conhecimentos e, principalmente, a
tibilizar a atenção das alunas em relação à in- aprendizagem e desenvolvimento de habilida-
formação funcional do objeto com os comple- des a eles relacionadas. No entanto, quando se
mentos da interação entre os participantes. Foi passa do nível do contato com objetos concre-
necessário primeiro canalizar a atenção das tos e manuseáveis para o nível abstrato das
alunas para a pesquisadora, desenvolvendo relações e interações entre indivíduos da mes-
assim a atenção compartilhada e, só depois, ma espécie e do conteúdo cultural, verifica-se
apresentar o objeto de referência. Com isto, que o grau de acesso pelos surdocegos altera-
evitou-se a interação privilegiada entre sujeito se. Esta alteração evidencia a necessidade de
e objeto presente no comportamento apresenta- adaptação que promova as condições adequa-
do pela 7G, e introduziu-se a importância do das de aprendizagem. Este resultado confir-
outro na exploração do objeto do conhecimen- mou o que a literatura da área evidencia como
to. uma das principais implicações da surdoce-
Durante a pesquisa foi possível constatar gueira: acesso à comunicação expressiva e
que as alunas demonstravam motivação para a receptiva (Watkins e Clark, 1991; Wheeler e
conversação, sendo os movimentos coordena- Griffin, 1997).
145 Prática educacional com crianças surdocegas

Considerações finais cation option. The Royal New South Wales


A teoria do crescimento da consciência Institute for deaf and blind children. Mono-
simbólica de van Dijk viabilizou condições graph, Austrália: North Rocks Press.
específicas para promover o desenvolvimento Bruner, J. S. (1976). Uma nova teoria de a-
da comunicação entre a criança surdocega e o prendizagem. 4 ed. Rio de Janeiro: Bloch.
ambiente, rompendo a barreira imposta pela Chomsky, N. (1973). Linguagem e pensamen-
deficiência. As duas participantes deste estudo to. 3 ed. Petrópolis: Vozes.
passaram a compreender e fazer uso do voca- Collins, M. T. (1995). History of Deaf-Blind
bulário da língua de sinais e da dactilologia, no Education. Journal of Visual Impairment &
entanto para atingirem este nível precisaram Blindness, 89 (3), 210-212.
compreender a existência, as funções e os efei- Cader, F. A. A. A. (1997). Leitura e escrita na
tos da comunicação no meio e, isto, foi possí- sala de aula: uma pesquisa de intervenção
vel pela via gestual e só depois pelo sinal. com crianças surdas. Dissertação de Mes-
Evidenciou-se com este estudo a impor- trado. Brasília: Faculdade de Educação.
tância dos programas educacionais especializa- Cader, F. A. A. A.; Costa, M. P. R. da. (2000).
dos destinados a oferecer o máximo de oportu- Possibilidades de intervenção pedagógica
nidades com atividades variadas para que os com crianças surdas com comprometimento
surdocegos possam engajar-se de forma ativa e visual. CD-Rom da 23ª. Reunião da AN-
criativa no ambiente. Para isto, é necessário ter PED. Caxambu: ANPED, 1-14.
o veículo de contato com eles. Somente depois Costa, M. da P. R. (1994). O deficiente auditi-
de vencer o isolamento no qual se encontra é vo: aquisição da linguagem, orientações
que os programas poderão ser desenvolvidos para o ensino da comunicação e um proce-
em sua essência. Desta forma, todo o trabalho dimento para o ensino da leitura e escrita.
inicial precisa concentrar-se no desenvolvi- São Carlos: EDUFSCar.
mento da habilidade de comunicação. Costa, M. da P. R. (1997). Alfabetização para
Em fim, este estudo permitiu constatar deficientes mentais. 3 ed. São Paulo: Edi-
que a aprendizagem de recursos alternativos de con.
comunicação é possível com repercussão nas Freeman, P. (1991). El bebé sordociego. Um
outras áreas do desenvolvimento humano. Isto programa de atención temprana. Madrid:
leva a afirmar que se o objetivo do trabalho Editora Espanhola.
educacional for à comunicação, então a exposi- Keller, H. (1961). Lutando contra as trevas.
ção dos surdocegos a todos os recursos possí- 2ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cul-
veis e disponíveis de comunicação é o meio tura.
mais viável e promissor para atingir a meta. Se Keller, H. (2001). A história de minha vida.
o objetivo da educação for a aprendizagem da São Paulo: Ed. Antroposófica.
linguagem oral, o Tadoma se mostra um méto- Lüdke, M. e André, M. E. D. A. (1986). Pes-
do eficiente para alcançar esta meta. No entan- quisa em Educação: abordagens qualitati-
to, se o objetivo da educação for sua escolari- vas. São Paulo: EPU.
zação, então neste caso, sua exposição a recur- Huebner, K. M.; Prickett, J. G.; Rafalowski-
sos variados e distintos de comunicação pode Welch, T. e Joffee, E. (1995). Hand in
não ser o melhor caminho. Este fato demanda a hand: essentials of communication and
realização de pesquisas básicas na busca de orientation and mobility for your students
novas descobertas. who are deaf-blind. New York: American
Foundation for the blind.
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planning and support for individuals who Wheeler, L. e Griffin, H. C. (1997). A


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Especial Reunião Geral Anual da are sensory impaired/ multihandicapped.
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