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ENTRE A SALVAÇÃO MARÍTIMA E O REBOQUE


A PROPÓSITO DO AC. STJ 05.06.2003
- O CASO DO "ILHA DA MADEIRA"

MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES


Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

SUMÁRIO:1. Introdução; 2. Os requisitos da salvação


marítima no CCom e na CB 1910; 3. A salvação marítima na
LSM; 4. A salvação e o reboque; 5. O Ac. STJ 05.06.2003 e
a jurisprudência anterior; 6. Os vários perigos; 7. Conclusão.

L Conforme resulta com clareza do texto do Ac6rdão do STJ de


05.06.20031, encontrando-se o nayjo 'lha da Madeira à deriva no mar com
avaria na má uina rincipal e sem hip6teses de re ara ão no local, ôfes:.
pectivo capitão contactou o Insu ar, que navegava a cerca de 45 milhas de
distância.

00 São as seguintes as principais abreviaturas utilizadas: Ac.=Acórdão; Acs.=Acór-

dãos; aI.=alínea; art.=artigo; BMJ=Boletim do Ministério da Justiça; CB=Convenção de


Bruxelas; CC=Código Civil; CCom=Código Comercial; CJ=Colectânea de Jurisprudência;
CJ-STJ=Colectânea de Jurisprudência 1 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça;
CL=Convenção de Londres; DL=Decreto-Lei; DMF=Droit Maritime Français; LSM=Lei
da Salvação Marítima (DL 203/98, de 10 de Julho); n.=nota; NssDl=Novissimo Digesto
Italiano; NvDl=Nuovo Digesto Italiano; p(p).=página(s); RDE=Revista de Direito e Eco-
nomia; RDES=Revista de Direito e Estudos Sociais; RDM=Revista de Direito Marítimo;
ROA=Revista da Ordem dos Advogados; STJ=Supremo Tribunal de Justiça; t=tomo.
A identificação de cada elemento bibliográfico é feita na primeira citação.
1 CJ/STJ, XI, t. IlI2003, p. 97 e ss ..
I

Na sequência do contacto estabelecido, o Insular foi ao encontro do


Ilha da Madeira, lançou o cabo de reboque sem dificuldades e rebocou-o
até junto do. porto do Funchal, a cerca de 1,4 milhas de distância do res-
pectivo molhe, tendo sido, então, rebocado pelo Cabo Girão.
T ~
Socorrendo-se basicamente de Azevedo Matos e de Cunha Gonçal-
ves, o STJ considerou que a salvação supõe um "perigo iminente" de a
~mbarcação e a respectiva carga se perderem, entendendo que "da matéria
de facto aprovada não pode extrair-se a ilação de que, na realidade, haja
9s tripulantes do Insular identificados no Acórdão accionaram a
~Qçiedade proprietária do Ilha da Madeira, pretendendo a condenação
desta a pagar-lhe salário de salvação, por entenderem que a actividade
1 ocorrido uma situação de perigo iminente de perda do navio "Ilha da
Madeira" e da carga que transportava".
~o que tange..a!Lp~dido ..sub_sidiID'io-: iá formulado 1!! apelação - de
prestada se insere no âmbito da previsão do DL 203/98, de 10 de Julho uma retribuição pelo reboque, o STJ afastou-a com base em dois argu-
.(LSM), preenchendo os requisitos que este diploma erege para que haja mentos. <;) primeiro, já focado na Relação, é de ordem processual: a invo-
lugar a salvação marítima e! em consequência! a salário de salvaçã02. câção do regime do reboque seria matéria nova, entendendo, face à ausên-
Para o feito, os AA., que, em escudos, pediam um salário não infe- cia de matéria alegada que desse suporte à "via" do reboque, estarmos
rior a 20.000 contos, invocavam, para enquadrar a situação no âmbito do "perante um caso típico de ausência de relação lógica entre a causa de
regime de salvação, que o Ilha da Madeira estava à deriva no mar encres- 'pedir e o pedido, que ao tribunal é vedado suprir, até por força da necessi-
pado, longe de qualquer porto ou lugar susceptível de amarração, não \ dade de observância dos princípios do dispositivo e do contraditório".
podia navegar pelos seus próprios meios e se encontrava em perigo imi- 2. segundo argumento, já não estritamente processual (embora se
\ nente, com possível perda total ou parcial do navio, caso não tivesse sido reconduza a uma situação de ilegitimidade) mas maritimista, _~o de que o
socorrido pelo Insular. contrato de reboque, .~r existido! teria sido celebrad2..,entre o proprietá-
J}. sentença do Tribunal Mª-Útimo de LisQoa foi no seotido de julgar .no ou armador do Insular e o proprietário e armador do Ilha da Madeira,
,a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido. A Relacão de Lisbga, eelo que a retribuição decorrente do rebogue caberia ~o RroPtietáriQ.,2u
p~a onde tinham apelado os AA.dulgou no mesmQ sçntido. ,armador d~.!nsular e não aos respectiv~t!.!2ulantes.
Decorre do Acórdão do STJ que, aquando da apelação, os AA. sus-
citaram, subsidiariamente, a questão da aplicação do regime do reboque,
disciplinado pelo pL 431186. de 30 de Dezembro, pretendendo que, caso 2. Qs requisitos da salV~ão marítima no CCom e na CB 1910
a actividade desenvolvida não fosse considerada como de salvação, sem- I. A matéria da salvação encontra-se regulada na Convenção de Bru-
pre o deveria ser.como de reboque, sendo, consequentemente, devida a xelas de 1910 para a Unificação de certas Regras em matéria de Assistên-
remuneração prevista no art. 5 do referido DL 4311-8,6. cia e Salvação (CB 1910) e pela~.
A Relação de Lisboã' considerou que não podia tomar conhecimento
da qu~stão suscitada, por ser nova, não tendo havido, sequer, alegação de I
I
A um outro nível, há que considerar também, pela influência nalgu-
mas opções legislativas tomadas pela LSM, a Convenção de Londres de
I maténa de facto con,dIzente com a nova prerensão. 1989 sobre Salvação (lnternational ConventionCof Salvage) - adIante, CL
i '1989 - apesar de não ter sido ratificada por PortugaP-4. -
11. No que respeita ao pedido de condenação da proprietária do Ilha
da Madeira no pagamento de um salário da salvação, o STJ negou-o cla- ~ ,l, 3 Como observa MÁRIORAposo, Notas sobre o Dec-Lei n. o 203/98, de /O de Julho,
ramente, por entender, acompanhando a Relação, não estarem verificados in "Estudos sobre o novo direito marítimo. Realidades internacionais e situação portu-
os requisitos necessários para a aplicação do regime de salvação marítima. guesa", Coimbra Editora, Coimbra, 1999 (=Notas sobre o DL 203/98), p. 19, até Portugal
Em causa está o "perigo no mar", exi,gido no art. 1/1 da LSM, como requi- ratificar a Convenção de 1989, haverá um "medio tempore" em que o nosso direito interno
é baseado naquela Convenção, enquanto que ao direito internacional se aplica a CB 1910.
,~ . Os textos relevantes nesta matéria podem ser consultados em M. 1. COSTA GOMES. Leis
marítimas, Almedina, Coimbra, 2004 (=Leis marítimas), pp. 423 e ss., 525 e ss. e 529 e ss ..

-
2 Os factos ocorreram no ano de 1999, já depois, portanto, da entrada em vigor do 4 A dimensão universal da CL 1989, em função do regime estabelecido no seu art.
DL 203/98 e da correlativa revogação dos arts. 676 a 691 CCom. 2, é justamente salientada por BONASSIES,La convention intemationale de 1989 sur l'as-
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Entre a Salvação Marítima e o Reboque

Para o caso do Acórdão em apreciação, verdadeiro interesse directo pação é O facto de o CCom 1888 - em repúdio do justamente demonizado
só terá o DL 203/98, já que, sendo todos os interessados portugueses e por- ius naufragii9- começáf o título "Da assistência e salvação" com uma dis-
tuguês o tribunal que conheceu da causa, a CB 1910 não era aplicável (art. posição (art. 676)10 ,proibindo a ~propriação,pel.a OC~P~()L?~~1Jar~a-
1512.°). Contudo, tratando-se, para mai;, de uma área do direito onde o ções naufragadas e outros bens. Ia o CCom 1833 msena a matena da aSSIS-
internacionalismo é patenteS, não podemos deixar de atentar, ainda que tência e salvação no título (arts. 1584 a 1609) "Do naufrágio, varação e
para mero confronto seja, nos regimes daeÇB 191p e da CL 1989. Tempo- fragmentos náufragos".
ralmente a montante do regime do qL 203/98, importa atentar também no
regime do CCom sobre a matéria, apesar de revogag06. n. O CCom 1833 separava, no âmbito do socorro de navio ou fazen-
Conforme tem sido salientado pelos autores7, a institucionalização de das em perigo ou naufragadas, a assistência do salvamento ou salvado.
regimes de salvação preventiva só começou verdadeiramente após as ino-
vações tornadas possíveis pela Revolução Industrial, ao nível da propulsão
marítima e do aparecimento das telecomunicações. Até então, o direito
que a situação de risco do primeiro fosse devida à muita idade do navio ou a risco próprio
desconhece a salvação preventiva, limitando-se, praticamente, a discipli- ou da construção". E explica: "De facto, um navio de vela descaindo para a costa sob a
nar as consequências dos naufrágios8. Ainda manifestação dessa preocu- acção de um temporal soprando do largo, dificilmente podia contar com um socorro eficaz
da parte de outro veleiro; na época da navegação à vela procurava-se, sobretudo, atenuar
as circunstâncias de um sinistro já verificado e recolher os destroços ou os sobreviventes
sistance, in DMF 635, 2003 (=La convention internationale de 1989 sur l'assistance), p. do naufrágio".
242. De acordo com o art. 2, a Convenção é aplicável sempre que num Estado contratante 9 Sobre a bárbara prática do ius naufragii e as tentativas e iniciativas para lhe pôr
se instaurem processos judiciais ou arbitrais relativos a questões tratadas na mesma Con- cobro, mesmo antes da Ordenança de Luís XIV, cf., por todos, CUNHA GONÇALVES,
venção. Também LIMA PINHEIRO,Contributo para a reforma do direito comercial mad- Comentário ao Código Comercial Português, IlI, Empresa Editora José Bastos, Lisboa,
timo, in ROA, ano 60,IlI (2000), p. 1118, se refere ao "carácter uniformizador e univer- 1918 (=Comentário, IlI), p. 473, VASCONCELOSEsTEVES,Acontecimentos de mar. Abal-
sal" da Convenção, "aplicando-se tanto a relações internas como internacionais e roamento, assistência e salvamento e avarias mar(timas, Petrony, Lisboa, 1987 (=Acome-
independentemente de qualquer conexão com os Estados contratantes". Cf. ainda, entre cimentos de mar), p. 48 e ss., ANTONIOSCIALOJA,Naufragio, in NvDI VIII, p. 866 e 8S.,
outros, MÁRIORAposo, Notas sobre o DL 203/98, p. 20 ("a lex fori levada a um ponto FERRARINI,Naufragio, in NssDl XI, p. 72 e ss., GIORGlOBERLINGlERI,Salvatagio. assis-
máximo) e GABALDóNGARCIA/RUIzSOROA,Manual de derecho de la navegación mad- tenza, ricupero e ritrovamellto di relitti della navigazione, in NssDI XVI (=Salvatagio.
tima, 2.· ed., Marcial Pons, Madrid, 2002 (=Manual de derecho de la navegación mar(- assistenza, ricupero e ritrovamento di relitti della navigazio/le), p. 435 e ss., IGNACIO
tima2), p. 655 ("define.su campo de aplicación en una forma que no atiende a la interna- ARROYO,Curso de Derecho Mar(timo, Bosch, Barcelona, 2001 (=Curso de DerecllO Mad-
. cionalidad o domesticidad dei supuesto de hecho"). timo), p. 714 e ss., MORRALSOLDEVILA,El salvamellto mar(timo (Especial referencia al
5 Cf., v. g., RODIERElPONTAvICE, Droit maritime, 12" ed., Daloz, Paris, 1997 (=Droit Convenio de 1989), Bosch, 1997 (=El salvamento marftimo), p. 67 e ss., MÁRIO RAposo,
maritimel2), p. 23 e ss., CARBONE,/l diritto maritimo attraverso i casi e le clausole con- Assistência marítima. Evolução e problemas, in "Estudos sobre o novo direito marítimo.
trattuali, 2." ed., Giappichelli Editore, Torino, 2002 (=/l diritto marittim02), p. lO e ss., e Realidades internacionais e situação portuguesa", Coimbra Editora, Coimbra, 1999
MATILLAALEGRE,Internacionalidad dei derecho madtimo y jurisdicción internacional, (=Assistência madtima), pp. 75-76; cf. também MOTA PINTO, Acerca da distinção, em
I .,

Universidad de Deusto, 1999, p. 47 e ss .. direito marftimo. entre salvação e assistência de navios e recolha de achados, in RDES
6 Pensamos, na 'verdade, que é importante estudar a génese e a evolução dos insti- XV (1968) (=Acerca da distinção. em direito mar(timo. entre salvação e assistência de
tutos, de modo a captarmos a sua natureza e mesl)1o aspectos de regime. É essa circuns- navios e recolha de achados), p. 229, considerando que o reconhecimento, nos vários sis-
tância que está na base do facto de, nas nossas Leis Madtimas, inserirmos as disposições temas jurídicos, de situações especiais em que um terço do valor das coisas recuperadas
revogadas do CCom respeitantes ao comércio mai'ffi'mo. - pertence ao recuperador é ainda um resquício do repudiado ius naufragii.
7 Cf., V.g., RIVEROALEMÁN,El salvamento mar(timo, Dijusa, Madrid, 2003 (=El
10 Cf., sobre este dispositivo, CUNHAGONÇALVES,Comelltário, III, p. 473 e ss ..
salvamento marftimo), p. 37 e ss. e PULIDOBEGINES,Las avedas y los accidentes de la Aliás, a situação encontrava-se ressalv~da pelo próprio art. 428 do Código de Seabra, sobre
navegaci6n mar(tima y aérea, Marcial Pons, Madrid, 2003 (=Las avedas), p. 227 e ss .. "Ocupação das embarcações e de outros objectos naufragados", que remetia para as dispo-
8 Daí que, como refere SERRABRANDÃO,Direito Internacional Madtimo, Lisboa,
sições do Código Comercial e das leis administrativas "tudo o que diz respeito a embarca-
1963 (=Direito Internacional Marüimo), p. 134, durante muito tempo só foi considerado o ções naufragadas, à sua carga, ou a quaisquer fazendas ou objectos de domínio particular,
problema da salvação: "quando um navio se encontrava em perigo sob um temporal, qual- que o mar arroje às praias ou que se apreenderem no alto mar"; cf. também DIASFERREIRA.
quer outro que pretendesse socorrê-lo encontrar-se-ia em idênticas circunstâncias a não ser Codigo civil a/lnotado, I, 2." ed., Coimbra, Imprensa da Universidade, 1894, p. 292.
+-
I
Entre a Salvação Marítima e o Reboque

identidade material e jurídica nos dois factos, não será j~ais possível ~al-
o art. 1600 estabelecia ser devido salário de assistência "quando o cular o salário que seria devido pela salvação, para depOls ser ele redUZIdo,
navio e carga conjunta ou separadamente são repostos no mar e conduzi-
por se tratar duma assistência". _. A •

dos a bom porto". Já seriam casos de salvamento ou salvado, dando lugar Prova evidente da difícil fronteira entre a salvaçao e a aSslstencla era,
a salário de salvamento ou salvados, os elencados no art. 1601: "- recu- por exemplo, o confronto entre o n.o ~.o do art. 68~ e ~,n.o 2. do art, ?82.0

perando-se e salvando-se um navio ou fazendas encontradas no mar alto .Para o primeiro, havia lugar a salário de salvaçao, quando o n~vlO e
ou nas praias sem direcção; - salvando-se fazendas dum navio dado à carga, conjunta ou separadamente, são repostos no mm: ou CO?dUZldo~a
costa ou varado sobre penedos em tal perigo que se não possa considerar bom porto com auxilio de terceiro"; para o segundo, ~avI~ salári~ de aSSIS-
nem de segurança para as fazendas nem de asilo às gentes da tripulação; tência "quando o navio, achando-se no mar com avarIa, e socomdo e con-
- retirando-se fazendas dum navio efectivamente partido; - finalmente duzido a bom porto com auxilio de terceiro". .,
se achando-se um navio em perigo iminente ou sem segurança é aban- A partir do n.o 2. do art. 682, Adriano Antherol2 exphcava, aSSIm, a
0

donado pela tripulação; - ou quando, tendo-se esta ausentado, o navio diferença face ao n. 5. do art. 681: "Faz diferença do n.o ~,.o?o art. 681.
0
O 0
;

é ocupado pelos que querem salvá-lo e conduzido ao porto com toda ou . porque, na hipótese desse outro número, supõe-se: co~o ~a dIssemos, qu:
parte da carga". o navio, embora não esteja abandonado, está em nsco lmmente, porque l~
-t7 O CCom 1888 continuou na mesma linha de diferenciação entre
assistência e salvação. Q art. 682 enunciava os casos em que era devido
;alário de assistência: 1.o; quando o navio encalhado ou varado é reposto
j se fala na salvação do navio e carga conjunta ou separadamente. E aqUi,
neste n.° 2. do art. 682. não se fala da carga, pela razão que demos de
0 0
,

que, não estando ainda o navio em perig~ iminente, também a carga o n~?
com ou sem carga no mar com o auxilio de terceiro; 2. quando o navio,
0
:
está, e de ql1e o simples auxilio ao naVIO basta para salvar essa carga ..
achando-se no mar com avaria, é socorrido e conduzido a bom porto com Perante esta movediça diferenciação, compreende-se que o pr6pno
auxilio de terceiros". Adriano Antherol3 elogiasse o facto de a CB 1910 não distinguir entre ser-
Por sua vez, o art. 681 referia-se às situações que davam lugar a salá-
viços de assistência e salvação.
rio de salvação: 1.°~o os navios ou fazendas encontradas sem direc-
ção no mar alto ou nas praias são salvos e recuperados; 2. salvando-se
0
:
m. Eram patentes as dificuldades da doutrina e da jurisprudência em
fazendas de um navio dado à costa ou varado sobre penedos em perigo tal, definir um critério delimitativo, lendo-se em Adriano Antherol4 que a
que não possa oferecer segurança à carga e asilo à tripulação; 3. reti-
0
:
assistência "é o socorro prestado em circunstâncias difíceis melindrosas
rando-se as fazendas de um navio efectivamente partido; 4.0: quando o para obstar a um perigo já declarado, embora não iminente e fatal, mas que
navio em perigo iminente e sem segurança, abandonado pela tripulação ou ameaça tornar-se tal e tornar-se até sinistro c.onsumado, caso !alte o
tendo-se esta ausentado, é ocupado pelos que querem salvá-lo e conduzi- socorro"; a salvação seria já "o conjunto de medIdas ou de op:raçoes que
lo ao porto com toda ou parte da carga; 5. quando o navio e carga, con-
0
:
têm por fim obstar a um perigo iminente e fatal o~ r.ecol~er e por em segu-
junta ou separadat11ente, são reposto~ no ~ar ou conduzidos a bom porto rança pessoas ou cousas, depois de efectua~o o SI~IS~O:
com auxilio de terceiro. Apreciando as diferenças entre salvaçao e asslstencla, o mesmo autor.
A co i . d distin ão estava na remuneração ou salá- referia haver diferença não s6 quanto ao ~bjecto de uma e outra~ mas tam-
rio, superior no caso da salvação; o § 1. -do art. 686 CCom 88 esta e-
0

bém quanto ao perigol5: "E quanto ao pengo, no caso de salvaçao, a perda


lecia mesmo QU~ "o salário de assistência deve ser fixado em menos ão \
que o de salvação": o que não deixava de suscitar as dificuldades de que 12 Comentario ao Codigo Commercial Portuguez, m, 2.· ed., Companhia Portu-
"dánota Cunha Gonçalves 11: "Esta norma, porém, além de fundada no cri- guesa Editora, Porto (=Comentario, IlF), p. 435.
tério demasiado apriorístico de que "a assistência é menos custosa do que 13 Comentario, IlF, p. 440.

a salvação", é de mui difícil execução prática, visto que, não havendo 14 Comentario, IlF, p. 433. . .
15 Comentario, IlF. p. 433. Os termos da diferenciação, tal qual feita por Adnano
Anthero, passaram a constituir, de algum modo, referência para vários autores; cf., v. g.,
Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos

do navio ou carga era infalíveL Pelo menos, devia presumir-se que essa ção desse socorro como sucede no desencalhe e no reboque, que são ope-
perda estava iminente, e era fatal sem acção dos salvadores. Pelo contrá- rações típicas da assistência". Irrelevando a aparente confusão do trecho

I rio, no caso de assistência, a perda não era fatal ou infalível imediata- de Cunha Gonçalves entre assistência e reboque, vejamos mais recente- 7

mente, ou, pelo menos, devia presumir-se que o não era, embora se mente, Mário Rapos020; este autor resume assim a diferença: "Embora
pudesse dar, e, naturalmente se daria sem aquele auxílio, pelo decurso do diversos critérios tenham sido alvitrados para caracterizar uma e outra,
tempo". '\ tudo faz crer que a assistência corres ponderá ao socorro prestado a um
Azevedo Matosl6, baseando-se em vária doutrina, considerava que \ navio sujeito a um perigo ainda não concretizado, enquanto que a salvação
"para a gente do mar, em sentido geral, a assistência é o auxílio prestado \dirá respeito a um navio já naufragado ou abandonado, quando ainda não
a barco em perigo, para evitar acidente ou sinistro maior, sendo essencial- 'constituir uma épave",
mente uma tentativa; a salvação é o socorro levado em circunstâncias gra- I As referências às posições doutrinais expostas são largamente sufi-
ves ou depois do facto acontecido, ligando-se à ideia de integridade da cientes para darmos nota da amiúde dificílima diferenciação entre assis-
coisa e de salvar dela o que puder ser salvo". tência e salvação. Esse facto, gerador, como dizem Rodiere / Pontavice21,
No que tange aos critérios jurídicos para delimitar a assistência da de "dificuldades sem fim", justificava plenamente a redução a uma só
salvação, Azevedo Matos17 não enuncia um critério, apresentando a posi- figura.
ção de diversos autores nacionais e estrangeiros, salientando-se a afirma-
IV. A CB 1910 não diferencia a assistência da salvação marítimas,
ção18 de que "pelo que respeita a navio, socorrido por navio, a assistência
pese embora a cumulativa utilização dos dois termos.
e salvação confundem-se".
O art. 1 é expresso no sentido da não existência de uma distinção
Por seu lado, Cunha Gonçalves19 adoptava a seguinte distinção:
entre "estas duas espécies de serviços", só se compreendendo a sinonimi-
"Assim, a salvação é a operação pela qual o navio e a sua carga, atingidos
zação das expressões em causa à luz de um compromisso entre as corres-
por um sinistro e em risco iminente de se perderem, são, conjunta ou sepa-
pondentes designações em língua francesa (assistance) e inglesa (sal-
radamente, total ou parcialmente, recolhidos por terceiro e postos em
segurança pelos seus cuidados, num porto ou na praia, mormente quando vage).
Essencial à assistência ou salvaçã022 - aplicável independentemente
um e outro estavam já abandonados pela tripulação ou esta se encontrava
das águas em que seja prestada (mar ou águas interiores) - é o perigo em
em igual risco e na impossibilidade física de proceder a esta operação. E
que se encontre o navi023 socorrido, sendo que a salvação tanto pode ter
assistência é o socorro prestado a um navio, que, junto com a sua carga e
por objecto o navio em perigo quanto as coisas que se encontrem a bordo,
. as pessoas existentes a bordo, se encontravam em perigo, mas não imi-
nente risco de se perder, podendo a respectiva tripulação auxiliar a presta- o frete ou o preço da passagem.
A CB omite qualquer definição ou caracterização de perigo, o que
tem determinado a necessidade da respectiva concretização pela jurispru-
SERRABRANDÃO,Direito Internacional Mar(timo, p. 135, autor que, no entanto, irrele-
I .
vando, de algum modo, a não coincidência de campos de aplicação da CB 1910sobre assis- dência e a tentativa de estabelecimento de critérios gerais pela doutrina24.
tência e salvação e do €Com, considerava que a distinção entre assistência e salvação tinha
um interesse reduzido, atento o facto de a CB 19~O sobre assistência e salvação não dis-
tinguir os dois institutos. Neste mesmo sentido, pode ver-se MOTAPINTO,Acerca da dis-
tinção. em direito madtimo, entre salvação e assistência de navios e recolha de achados,
p.223.
t 20 Assistência madtima,
21 Droit maritimel2,
p. 77.
p. 446.
22 Cf., numa perspectiva analítica da salvação, GABALDóNGARCIA/RUiZ SOROA,
Manual de derecho de la navegación madtima2, p. 657 e ss..
16 Prindpios de Direito Madtimo, m. Dos acontecimentos de mar. Arribadas - 23 O art. I CB alude a "embarcações marítimas", mas os artigos seguintes (cf. arts.

Abalroação - Assistência e Salvação - Avarias, Edições Ática, Lisboa, 1958(=Prindpios, 3,4,5,6,8,9, 10, 11,14 e 15)referem-se a navio ou a navios. Mais coerente, neste parti-
m), p. 174. cular, é a redacção francesa: no art. 1, lê-se navires de mer e nos demais na vire ou navires.
17 Prindpios, m, pp. 175-176. 24 Cf., v. g., PULIDOBEGINES,Las aver(as, p. 236 e ss., GABALDóNGARCIAlRUiz

18 Prindpios, m, p. 176. SOROA,Manual de derecho de la navegación madtima2, p. 663 e RIVEROALEMÁN,El sal-


19 Comentário, m, p. 469. vamento mar(timo, p. 244 e 5S •.
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Estudos em Memória do Professor Doutor Amónia Marques dos Santos

Uma vez apurado, pela cumulativa verificação dos diversos requisi-


tos, que o acto praticado é de salvação, há lugar a uma remuneração equi- Na linha do âmbito de aplicação traçado pela CL 1989 - que não na
linha da designação - o art. 112 da LSM veio considerar ainda salvação
\ tativa se houver resultado útil (art. 2). Sem prejuízo da questão de saber o
que é resultado útil para efeitos do regime da salvação, designadamente marítima a prestação de socorro em quaisquer outras águas sob jurisdição
à luz da CB 191025, esta Convenção adopta claramente o sistema anglo- nacional, desde que desenvolvidas por embarcações27• Melhor teria
saxónico de fazer depender qualquer remuneração desse resultado: no cure andado o legislador nacional se, querendo manter a designação "salvação
no pay26. marítima" - em merecida homenagem ao berço do instituto - optasse por,
O juiz tem, depois, uma ampla margem de apreciação para fixar no art. 112,dizer algo como o seguinte: "O regime da salvação marítima é
a remuneração (art. 8), considerando, em primeiro lugar (aI. a», o êxito também aplicável à prestação de serviços em quaisquer outras águas sob
obtido, os esforços e o mérito dos que houverem prestado socorro, o pe- jurisdição nacional, desde que desenvolvidas por embarcações".
rigo que tiverem corrido o navio socorrido, os seus tripulantes e passagei-
ros, a sua carga, os salvadores e o navio salvador, o tempo empregado, as 11. Tal como no direito interno anterior, na CB 1910 e na CL 1989,
despesas e danos sofridos, e os riscos de responsabilidade e outros que os o perigo no mar é um requisito essencial da salvação marítima28, afirmado
salvadores tiverem corrido, o valor do material por estes exposto, tendo explicitamente no art. 111,aI. a) da LSM.
em atenção, quando for caso disso, a adaptação especial do navio assis- O problema está na determinação das situações em que, para efeitos
tente" e, em segundo lugar (aI. b», o valor das coisas salvas. do regime da salva~ão, há perigo no mar29• Nessa determinação importará
~omeçar por dejxar claro que o perigo no mar não pode ser sinonimizadO
com risco de mar. Por outro lado, conforme realçam D'Ovidio I Pescatore
I Thlli03o, o §er perigo no mar não significa que o mesmo_d~va estar ~~tri-
.tamente associado aos riscos particulares da navegação marítima, sendo de
I. Como se disse, o.,flL 203198 veio revogar os arts. 676 a 691 abandonar essa_limitaç~o - de contornos, aliás, delicados - em tempos
C,ÇQ.m,estabelecendo um novo regime da salvação marítima. adoptada.
,Na esteira da CB 1910 e da CL 1989,~sa a diferenciação entre . - À partida, cada expedição marítima está sujeita a riscos - à fortuna
a!sistência e salvação, passando a ser tudo salvação marítima. Neste par- de mar - podendo, a priori, identificar-se vários3!. Contudo, como é
ticular - no que concerne à designação - a LSM afasta-se, de algum modo,
.da CL 1989 (/nternational Convention on Salvage) que, como vimos 27 A limitação à prestação por embarcações não tem, assim, no direito interno, cir-
supra, apesar de não ter sido ratificado por Portugal, influenciou clara- cunscrição às águas do mar.
mente algumas soluções constantes da LSM, que não tinham tradução nos 28 Para GIORGlOBERLlNGlERI,Salvatagio, assistenza. ricupero e ritrovamellto di
sucessivos códigos ,comerciais nem na CB 1910. relitti della navigazione, p. 273 e ss., o perigo constitui "piu ancora che una nota essen-
A CL 1989 é uma convenção internacional sobre salvação e a aI. a) ziale, un vero pressuposto per la formazione di quel rapporto giuridico che ricollega ed
accompagna tutte le varie figure di soccorso, e che talmente le penetra, da scolorire tutte le
do art. 1 não definei "salvação marítima" mas "operação de salvação" (sal-
altre note differenziatrici fra di esse".
vage operation), como qualquer acto ou actividade desenvolvida para 29 Diversamente do que se lê em AZEVEDOMATOS, Principios, m, p. 203, o con-
assistir a um navio ou a qualquer outro bem em perigo em águas navegá- ceito de perigo é um conceito de direito e não uma mera questão de facto, o que, obvia-
veis ou em quaisquer outras águas. mente, não invalida a circunstância (que estará, segundo se presume, na base da afirma-
ção do autor) de a conclusão de direito pressupor, amiúde, um complexo e especializado
juizo técnico.
30 Manuale di diritto della navigazione, 9." ed., Giuffre, Milano, 2000 (=Manuale di

25 Cf. AZEVEDOMATOS,Princfpios, m, p. 207, referindo, e bem, que o resultado útil diritto della lIavigaziolle9), p. 652; d. também IGNACIOARROYo, Curso de DerecllO Mar{·
não tem de ser salvação completa. timo, p. 720.
26 Cf., sobre este, por todos, CARBONE,Il diritto marittimo2, p. 369. 31 Cf. a "lista" de riscos inventariados por RIVEROALEMÁN,El salvamellto marí-
I timo, p. 225 e ss..
-~-
,
I
T
No sentido de relevar o perigo não efectivo (ou real) nem inerente,
óbvio, a sujeição de um navio no mar a riscos de mar não o coloca em desde que suficientemente grave, escreve González-Lebrero37: "no es
perigo no mar32. Refere-se Rivero Alemán33 a um iter normal até à ocor- indispensable que el peligro sea inminente o absoluto; es suficiente que
rência de danos: risco-oerjgo-sjnjstro e que enquanto o..risco significa algo sea posible, pero debe ser real y sensible, es decir, efectivo e idóneo para
genérico, o perigo já constitui uma alusão a algo concreto. A esta luz, producir la destrucción de los bienes expuestos a él"; e ainda: "la situación
falar-se em "perigo iminente" significará que existe uma alta probabili-
dade de ocorrência de determinado sinistro, o que vale dizer que é alta a
probabilidade de concretização de um risco Uá antes) associado à aventura
I
de peligro no debe ser imaginada sino resultar de una apreciación razona-
ble, si bien será siempre una cuestión de hecho que deberá resolverse
según las circunstancias particulares de cada caso".
marítima. É pacífico que a identificação do perigo não supõe o início de Entre nós, na literatura mais recente, Vasconcelos Esteves38 entende
concretização do risco (v. g. naufrágio), o qual pode ser iminente. que 0J~erigo não tem~de~_~e~i.tl1inçl1te mas deve ser real e não meramente
Mas aqui entramos num campo onde se impõe a ponderação de todas hipotético. No mesmo sentido, Mário Rapos039 considera que o perigo
as circunstâncias de cada situação concreta e uma apreciação objectiva e tem de ser grave, não tendo, contudo, de ser iminente.
razoável da probabilidade de ocorrência de um determinado sinistro, para Os qualificativos e adjectivações do perigo utilizados pelos autores
usarmos uma expressão quase cativa da linguagem seguradora. Nesse nacionais e estrangeiros são, amiúde, diversos, mas não conduzem, neces-
juízo de probabilidade, devem ser tomados em consideração todos os ele- sariamente, a resultados diferentes. Q determinante é, no nosso entender,
mentos que, para o caso, se apresentem como relevantes, desde os internos ( ..QueO perigp,,gpando não seja imediato. seja de concretização altamente
ao navi034 aos externos, maxime ao estado do mar e às condições mete- .~el •.à luz da experiência das coisas; aqui se incluem as situações em
reológicas. que O perigo é iminente mas também aquelas em que, não o sendo, em-
Mais complexas são as situações de ,.Eeri~irtual, Fntendendo-se I bora, a ocorrência do sinistro surge, num juízo de prognose (também pós-
~p5 a ocorrêncja de uma situ~ão anormal para o nayio Que permita \ tuma), como um efeito normal previsível do conjunto dos elementos
,suRor de maneira razoável"a ocorrência de danos num futuro maisQU conhecidos. Ademais, o perigo deve, em qualquer das variantes referidas,
menos próximo. que não possam ser eyjtados sem ajuda ou assjstêocia. ser objectivamente grave.
Nesta linha e socorrendo-se, aliás, do sentido da jurisprudência espanhola, Um elemento a que é de prestar especial atenção é o pedido de auxí-
Rivero Alemán36 classifica os seguintes graus possíveis de perigo: real, , tiQ e seus te!]los. Dando também nota das posições doutros autores, neste
iminente ou então suficientemente grave, quando o navio, numa previsão particular, Rivero Alemán40 diferencia consoante as situações: se é feito
racional dos acontecimentos, pode temer pela sua integridade ou perda. um pedido de socorro geral e impessoal, isso bastaria para, salvo prova em
contrário, definir e qualificar uma situação como de verdadeiro perigo
32o perigo relevante para efeitos do regime da salvação é o perigo corrido pelo para o barco. Se, ao contrário, é feito um pedido de ajuda concreta, capi-
navio que da mesma é objecto e não também o navio salvador; cf., em crítica a uma cor- tão a capitão, ou através dos armadores ou consignatários, não será de pre-
rente jurisprudencial no s6ntido de que o perigo deveria ameaçar também o navio assistente sumir a existência de uma situação de autêntico perigo.
e a respectiva tripulação~ GABALDóNCARCIA/RuIZSOROA,Manual de derecho de la nave- Mas também aqui não há que absolutizar critérios: todos os critérios
gación madtima2, p. 663. O facto de a aI. a) do art. 8 CB (cf. também o art. 6/1, ai. d) LSM
devem funcionar em termos móveis.
e o art. 13/1, aI. g) CL 1989) referir o perigo corrido pelos salvadores e pelo navio salva-
dor não erege tal perigo em requisito da salvação; de é ,apenas um dos elementos a consi-
derar pelo juiz na fixação do salário. Cf. também RODIERFlPONTAvICE, Droit maritimel2,
p. 456. Sobre o problema, cf. ainda RIVEROALEMÁN,El salvamento madtimo, p. 253.
33 El salvamento marítimo, p. 231.
34 Neste particular, o facto de o navio dispor ou não de meios de propulsão pode 37 Manual de derecho de la navegación, 4.· ed., Depalma, Buenos Aires, 2000, p. 552.
revelar-se fundamental; cf. v. g. REBORA,L'assistance maritime, Presses Universitaires 38 Acontecimelltos de mar, p. 53.
d'Aix-Marseille, 2003 (=L'assistance maritime), p. 81. 39 Assistência marítima, p. 80.
35 Cf., V. g., RIVEROALEMÁN,El salvamento marítimo, p. 245. 40 El salvamento marítimo, p. 274 e ss ..
36 El salvamento marítimo, p. 269.
1066 Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos
Entre a Salvação Marítima e o Reboque

m. Quanto ao objecto da salvação, o art. 1/1. aI. a) refere-se a qual-


/lha da Mad-dra, a circunstância de este navio ter sido rebocado para o
quer acto ou actividade que vise prestar s;;orro a "navi~s, embarcações ou
e0rto do Funchal pelo Insulgr, não impede, de per si, a qualificação da
outros bens, incluindo o frete em risco". Supomos que terão sido as clás-
operação em causa como de salvação, já que o reboque a que nos referi-
sicas dúvidas sobre o que é um navi041 que estarão na base da transfor-
mos quando narramos os factos ocorridos, é o reboque material ou físico.
mação do "vesse1" da CL 1989 em "navio ou embarcação". Presume-se
Podemos dizer, assim, que, identificada a operação material de reboque, a
- articulando agora com o art. 1 do DI, 2Q1198, de 10 de Julho. qye apro-
mesma tanto pode ser juridicamente qualificada como reboque, à luz do
vou o Estatuto Legal do Navio - que estará em causa gualquer "engenho
"pL 4311B6, como I2Qdecorresponder a uma situação de 'salvacão, à luz da
flutuante destinado à navegação por água", sendo as duas exPressões sinó-
CB 1910 e da LSM, integrando a factualidade respectiva.
n~mas Rara efeitos do diploma, que tanto utiliza a palavra embarcação
(v. g., arts. 2/4, 3/1, 3/3,4, aI. e), 5/4, etc.) ~anto a palavra navi.o (art. 9/1,
11. Azevedo Matos45, depois de dar nota da posição de Farifía, cons-
11/2 e 16)42. tatava que o art. 4 da CB 1910 era interpretado confusamente e concluía:
Para além dos navios ou embarcações, quaisquer outros bens - in-
"Na prática, o rebocador invoca sempre serviços de assistência ao rebo-
cluindo o frete em risco - que estejam em perigo no mar podem ser objecto
cado, e este pretende qualificar o facto como simples reboque, para evitar
de salvação. A LSM não estabelece aqui a limitação que consta do art. 1,
o sa~ário ou a rem~neração. Mas a questão não é só de palavras; há que
aI. c) da CL 1989 ("any property not permanent1y and intentionally atta-
avenguar o que eXIste em cada caso de perigo. Se este não surge, trata-se
ched to the shoreline"), limitação esta que se revela, contudo, lógica e
então de autêntico reboque".
natural- nem a exclusão, feita pelo art. 3 da mesma Convenção, das pla-
Noutro pass046, o autor apontava, de forma mais directa, o critério
taformas e unidades de perfuraçã043. decisivo na delimitação entre salvação e assistência: "O critério distintivo
entr~ este e a assistência está no perigo corrido pelo rebocado, e o facto
tem mteresse por causa da remuneração, da classificação das despesas em
4. A salyª,ão
.--- e Oreboqne,
avaria comum e ainda das avarias originadas por culpa do rebocador".
. A~tia, contudo, o autor, tanto a transformação do reboque em
I. para ém e sem re 'uíZQ das dificuldades de delimitar a assistên-
aSSIstênCIa- quando se trate de serviços excepcionais47 - quanto o con-
,çia da salvação, a dou frin a face ao regime anterior , e çou- trári048.
~obre a difícil fronteira, em certas situações, cofre a assistência e salvaçãoz
Com referência ao disposto no n. o 2." do art. 682 CCom, Azevedo
1WT um lado. e o reboque, por outro. Essa é, como diz Vialard44, uma dis-
Ma~os considerava49 que a qualificação da situação aí descrita ("quando o
tinção "pleine de conséquences" .- naVIO, achando-se no mar com avaria, é socorrido e conduzido a bom
Como é evidente, a dificuldade de delimitação a que nos referimos é
porto com auxílio de terceiros") como assistência, suponha necessaria-
a da salvação relativaJillente ao reboque em sentido técnico-jurídico, que
ment~ - diversamen~e do que uma primeira leitura poderia fazer crer - que
não em relação à operação material de reboque. Ilustrando com o caso do
o navlO corresse pengo, sugerindo que, na ausência desse requisito o caso
seria de reboque. '
41 Cf., v. g., FREDERICOMARTINS,Direito Comâcial Marítimo, I, Livraria 1. Rodri-
gues e c.a, Lisboa, 1932, p. 1 e ss., VICfOR NUNES,O conceito
de navio e a sua relevância
45 P:indpios, I1I, p. 178 e ss.. Refira-se que, para AZEVEDOMATOS,Princípios, I1I,
em Direito Marítimo, in RDM 1 (1958), p. 9 e ss., CUNHAGONÇALVES,Comentário, I1I,
p. 173, maIs complexa que esta era a questão da diferenciação entre assistência e salvação.
p. 81 e ss. e VIALARD,Droit maritime, PUF, Paris, 1997 (=Droit marítime), p. 25 e ss..
46 Princípios, I1I, p. 196.
42 Embora com claro predomínio da palavra embarcação. Aliás, nos artigos onde
47 AZEVEDOMATOS,Princfpios, I1I, p. 199.
é feita referência a navio ou navios, surge a alusão alternativa a embarcação ou embar-
. 48 Cf. a referência feita pelo autor, in Princípios, I1I, pág. 197, aos conflituantes
cações,
I?tere:ses dos intervenientes na qualificação como salvação ou reboque, em função das
43 Cf., a propósito, MÁRIORAposo, Notas sobre o DL 203198, p. 27.
sltuaçoes.
44 Droit maritime, p. 204.
49 Princípios, I1I, p. 198.
--
\
Entre a Salvação Marítima e o Reboque

Mais recentemente, Mário Rapos05o traça a diferenciação pela nega- bución de los servicios prestados en su más estricta valoraci6n (remol-
tiva, mas no mesmo sentido: "Tais operações não deverão resultar de uma que)". Nesta linha, o autor erege, pela negativa, como um dos elementos
situação de perigo específico (para além, claro está, dos clássicos e genuí- característicos do contrato de reboque55 ser a "operaci6n realizada en cir-
nos riscos de mar) no navio rebocado". cunstancias que no entranen peligro".
Lê-se, finalmente, em Morral Soldevila56: "aunque para ejecutar el
m. Conforme é dito, desde logo no preâmbulo do DLA31/86, de 30 salvamento es necesario remo1car el buque en peligro un lugar de seguri-
de Dezembro, l! caracterização de uma determinada operação como rebo- dad, en el remolque no esiste una situaci6n de peligro de los elementos
que ou àssistência (1eia:S.e•.J}gora, salYa(@~~llli..Prática, como difícil remo1cados, mas propria de salvamento y, a la vez, requisito esencial de
e cQDtroy"rsJl: "o navio que dá a sua força motriz estará sempre interes- esa institución". E ainda: "El remolque se presta sin que exista una situa-
sado em que a sua actuação seja configurada como assistência, porque ción de peligro en el buque que se remo1ca. En cambio, en e1 salvamento
muito melhor remunerada"; e citando Dor e Villeneau: "o reboque é o la existencia deI peligro es una nota esencial, de tal suerte que si no se
parente pobre da rica assistência". presta el servicio, el buque corre la posibilidad de perderse".
~Aacentuação do perig.o no mar como critério para distinguir a salva-
ção do reboque é salientada pela generalidade dos au~res. Rodiêre / Pon- IV. Regulando directamente um problema de fronteiras entre a sal-
taviceSI consideram que o traço distintivo da assistência e do reboque é o vação e o reboque, o controverso art. 4 CB 191057 estabelece que o rebo-
perigo: "L'assistance doit avoir été prêtée à un navire en danger de se per- cador só terá direito a remuneração pela salvação do navio rebocado ou da
dre". Contudo, os autores dão nota do fácto de a jurisprudência francesa se sua carga "quando houver prestado serviços excepcionais, que não possam
mostrar "assez large sur ce point", em termos de considerar em perigo um ser considerados como cumprimento do contrato de reboque".
navio privado da sua hélice ou do seu governo, mesmo com mar calmo, na Na mesma linha, embora com uma previsão mais ampla, o art. 17 CL
medida em que estará, então, sujeito aos acontecimentos de mar. 1989 estabelece que não é devido, no âmbito desta Convenção, qualquer
Também Vialard52 distingue o reboque da assistência, considerando pagamento, excepto. se os serviços prestados excederem o que puder ser
que o navio rebocado "n'est pas exposé à des dangers particuliers"; il n'est \ razoavelmente conSIderado como normal execução de um contrato cele-
pas en danger de se perdre comme l' est, par hypothese, le navire assisté". brado antes do aparecimento do perig058.
Le Prado53, concordando que o critério essencial é a determinação Consentâneo com este regime, o art. 4 do DL 431186 estabelece que
"se o navio rebocado estava ou não em perigo de se perder", considera que . a operação de reboque só pode dar lugar a remuneração por salvação (à
"la seule constatation d'un aléa ne suffit pas à qualifier 1'opération d'as- data, ainda "assistêocia ou salvação") qoaodo, durante a sua execoção,
sistance, en 1'absence de situation périlleuse du navire". forem prestados serviços excepcionais não enquadráveis no âmbito do
Lê-se, por sua vez, em Pulido Begines54: "La distintión entre salva- \ contrato de reboque.
mento y remolque depende de la existencia o inexistencia de un estado de Decorre claramente, quer do art. 4 CB 1910 quer do art. 4 DL 431/86
peligro en el buque iremo1cado, en funci6n de 10 qual corresponderá aI que a questão dos serviços excepcionais supõe uma prévia qualificação de
remo1cador una recompensa pecuniaria ele~ada (salvamento), o una retri- uma determinada operação como de reboque. No mesmo sentido vai o art.
17 da CL 1989.
50 Assistência marítima, p. 79.
51 Droit maritimel2, pp. 455-456.
52 Droit maritime, p. 204.
53 Le remorquage devant la Cour de Cassation, in "Études de droit maritime à 55 Los contratos de remolque marítimo, p. 88 e ss ..
I'aube du XXI siecle. Mélanges offertes à Pierre Bonassies», Éditions Moreux, Paris, 2001, 56 El salvamento marítimo, p. 215, n. 365.
p. 183. 57 Cf. REBORA, L'assistance maritime, p.108 e ss., dando nota, sucessivamente, da
54 Los contratos de remolque marftimo, Bosch, Barcelona, 1996 (=Los contratos de "interpretação francesa" e da "interpretação inglesa" do art. 4 CB 1910.
remolque marítimo), p. 89. 58 Cf., v. g., REBORA, L 'assistance maritime, p. 116 e ss ..
Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos
~
À partida, há quatro soluções possíveis. A primeira é a do cúmulo de
Isto significa que uma primeira não identificação do perigo no ';lar pretensões, mas de exercício alternativo: o rebocador-salvador escolheria
(requisito essencial da salvação) e consequente en~ua~amento n~ reglI~e a via do reboque ou a da salvação, exigindo, em c0l!~equência, a remune-
do reboque - satisfeitos que estejam, como parece ObVlO,os demaIS requ;~ ração pelo reboque ou salário de salvação. A segu~a alternativa é a da
sitos deste, à luz do disposto no art. 1 do DL 431/86, de 30 de Dezembro consunção do reboque pela salvação: o concurso seria resolvido a favor da
_ não impede que a dúvida sobre a dicotomia salvação-reboque se volte salvação, (só) podendo o rebocador-salvador exigir salário de salvação.
a colocar, não já, como é óbvio, na já "arrumada" qualificação da op~ra- A tercef'fa via seria a (inversa) consunção da salvação pelo reboque: o con-
ção contratada, mas na superveniente questão do relevo dos servzços curso seria resolvido a favor do reboque, em detrimento da salvação, pri-
excepcionais. vilegiando-se a base contratua1 da operação, um pouco à semelhança da
~este quadrQ, peASanlQSque taAtQ Q m. 4 CB 1910 quanto o art. 4 defesa, feito por alguma doutrina62, da consunção da responsabilidade
~L 431186 devem ser objecto de uma interpretação restritjya: ,não 1wrtará I
extracontratual pela contratua1: o rebocador-salvador só poderia, então,
2ãfa QUea remuneração 20r salvação possa e~istir, que o~ serviços exce2- exigir a remuneração pelo reboque, nos termos do art. 5 DL 431/86,
cionais 2restados não se enquadrem no âmbIto dos prevIsto~ ~o_copt~·ato A.quarta via, 9.ue não é confundíve1 com a segunda Será admitir a pre-
de reboque (reguisito negativo);.é. ainda necessária6~ q.ue ta 8 8ePllç~s l
tç,nsão baseada DO reboqne e uma pRlt-eRsãe Qàisienal. r-elevando os servi-
",excepciÔÕais (requiyito positiva) me.eçam. g 'lnaliúQatl~'Q de acta O!? actI- ~os excepcionais, mas em termos, parece-nos. de a remuneração global
vidade de salvação. em face da ideutiuGaçãQ (superveRleRte) de perrgºmJ final não exceder a da salvação.
_. Não pode, no nosso entender, deixar de ser assim, sob pena de grave , .A' pnmelra
. o
Ylsta, 8n a terce1raupotese
o . ,h0 , 1 'd a, 4'
parecerIa es t ar expu
o
lace
ilogicidade: de se permitir pela via doreboq~e. - digamos que_a reboque ao art. 4 CB 1910 e art. 4 DL 431/86. Admitimos. contudo, que, face aos
do reboque - a qualificação como acto ou actiVId~de de:.s~lv~ç~o de actos ?lspositivos citados, s~É!:ainda de excluir, não só-a segunda a1temativa indi-
ou actividades que, a priori, não teriam essa quahficaçao JundIca. ~ada - que determmaria a irre1evância do contrato de reboque e seus termos
- mas também a primeira, que, a ser possível, permitiria - 1-
V. Numa situação deste jaez, o rebocador-salvador teria, a pr~ori: v~dor optar pela VIa a s açao em e mento da via do rebOQue.
duas pretensões61: uma baseada no contrato de reboque - yretensao a
remuneração (art. 5 DL 431186) - e outra fundada na operaçao d: salva- VI. Haverá, com certeza, serviços não enquadráveis no âmbito da
ção - pretensão ao salário de salvação (art. 5 LSM). O concurso nao pode operação de reboque, tal qual contratada, que são excepcionais, precisa-
ser resolvido em termos cumulativos absolutos, isto é: o rebocador-salva- mente por estarem fora desse âmbito. Não nos parece, porém, conforme
dor não pode perceber, a um tempo, a remuneração de reboqu: e ~ salário exposto, que seja neste sentido que devem ser interpretados os referidos
de salvação, como se, quanto a este, as operações em causa nao tIvessem arts. 4 CB 1910 e 4 DL 431/86: serviços excepcionais são os que não se
tido início como reboque contratado. enquadram na operação contratada e se enquadrem no âmbito do regime
,
--------, da salvação. O mesmo se passa em relação aos serviços que "exceed what
59 Cf., por todos'i COSTEIRADA ROCHA,O contrato de transporte de mercadori~.
can be reasonab1y considered as due performance of a contract entered
Contributo para o estudo da posição jurfdica do destinatário no contrato de tran.sporte de
mercadorias, Almedina, Coimbra, 2000 (=0 contrato de transporte de mercadOrias), p. 92 into before the danger arose", do art. 17 da CL 1989.
e
e ss. e MÁRIORAposo, Assistência marítima, p. 78 ss.. . . Assim, o que sejam serviços excepcionais é, claramente, uma ques-
60 Cf. também REBORA,L'assistance maritime, p. 111, preocupado com a delImIta- tão de direit063 - uma delicada questão de direito, que não prescinde,
ção do campo de aplicação do art. 4 CB 1910 face ao "remorquage ~xcepcionn~I": "Po~r como é óbvio, de uma quiçá complexa e especializada ponderação factual.
permettre de qualifier les services rendues par le remor~ueur de servlces eXCepCI?n~e1~,I1
est impératif que le bien assisté soit en danger. Cette notlon de danger permet la dlstmctlOn 62 Cf., v. g., ALMEIDACOSTA,Direito das Obrigações, 8.· ed.,.Almedina, Coimbra,
entre assistance et le remorquage excepcionnel". 2000, p. 490 e ss ..
61 Em geral, sobre o concurso de pretensões, cf., por todos, TE~~E1RA DE SOUS~, O 63 Cf., porém, AZEVEDOMATOS,Princípios, m, p. 199: "Mas que se deve entender
concurso de títulos de aquisição da prestação. Estudo sobre a dogmatlca da pretensao e por serviços excepcionais? É tudo uma questão de facto e de técnica. Esses serviços podem
do concurso de pretensões, Almedina, Coimbra, 1988, passim.
Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos Entre a Salvação Marítima e o Reboque

Afastamos a hipótese de enquadrar no âmbito de aplicação do art. 4 5. O Ac. STJ 05.06.2003 e a jurisprudência anterior
CB 1910 ou do art. 4 DL 431/86 as situações em que, no decurso da ope-
ração de reboque, surge um perigo agravado para o rebocador, sem que o L O Ac. do STJ de 05.06.2003 considerou, como vimos, que o Ilha
mesmo seja "acompanhado" de um perigo para o navio objecto do rebo- da Madeira não estava em perigo no mar. É importante vermos como
que. Tais situações - que estão na base da ideia de um tertium genus64 é que o aresto caracteriza o perigo: o que é que "faltava" para que de sal-
- poderão, ainda assim, como dizíamos, legitimar um acréscimo de remu- vação e não de (mero) reboque se tratasse. Neste ponto, o Ac., à seme-
neração, não já com base nos referidos arts. 4 CB 1910 e 4 DL 431/86, mas lhança, aliás, de outra jurisprudência nacional e estrangeira, considera
no regime geral do art. 437 CC. essencial a ponderação dos factos nas diversas situações concretas, enten-
Fora do âmbito de aplicação do art. 4 da CB 1910 e do art. 4 do DL dendo não ser possível formular regras fixas. Destacamos algumas direc-
431/86 - bem como, com maior clareza, do art. 17 da CL 198965 - estão trizes deste Ac. que, para o efeito, se socorre de anterior jurisprudência,
os casos de serviços, também excepcionais, que satisfazem o requisito também do STJ, maxime dos Acs. de 12.02.1975 e de 11.03.1999. Refere-
negativo acima enunciado (não se enquadrem no âmbito dos razoavel- -se, assim, o Ac. a:
mente previstos no contrato de reboque concreto) mas não preenchem o a) "perigo iminente", que "deve ser real e não meramente hipo-
requisito positivo identificado (constituírem, à luz da CB 1910, da LSM ou tético"68;
da CL 1989, acto ou actividade de salvação). Uma via de enquadramento b) necessidade de "um perigo real, uma situação crítica, um
do regime a aplicar a esses actos é a da modificação do contrato (de rebo- perigo sério, iminente ou, pelo menos, seriamente provável"69;
que) por alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437 do CC66, c) necessidade de "perigo real ou iminente ou extremamente
podendo, por essa via, o contratante-rebocador conseguir um aumento da provável de perda da embarcação ou da sua carga"70.
retribuição acordada antes da verificação dos, serviços.
lI. Vejamos agora, sumariamente, como é que a mais recente juris-
Fora, também, do âmbito de aplicação do art. 4 CB 1910 e do art. 4
prudência dos nossos tribunais superiores tem as situações em que é dis-
DL 431/86 estão outros serviços excepcionais específicos como seja um
cutida a delimitação entre a salvação e o reboque.
desencalhe67, a não ser na medida em que o mesmo constitua matéria de
Remontemos ao Ac. STJ de 03.11.196771 no qual estava em causa a
salvação, pela verificação do requisito do perigo no mar.
caracterização de uma situação concreta como salvação ou recolha de acha-
dos. O STJ considerou que, no caso, a barca e carga assistidas e material-
mente rebocadas não constituíam um caso de recolha de achados mas de
consistir em reboque, tendo por fim evitar um sinistro maior ao rebocado, em pilotagem, salvação, uma vez que tinham sido "atingidas por sinistro marítimo e em
por exemplo, no caso do rebocador navegar ao lado do navio em risco, pronto a todas as perigo iminente de se perderem". Neste Ac., o STJ não desenvolveu argu-
eventualidades, ou ainda em fornecimento de força motriz, sem que haja reboque no sen- mentação centrada no perigo, uma vez que o mesmo era evidente e assu-
tido exacto da palavra". ,I , mido pela autora, estando em causa a delimitação da salvação face a uma
64 Cf. as referências feitas, v. g., por REBORA,L'assistance maritime, p. 111 e ss.,
designadamente à posião lio "Doyen" Ripert; cf. também MÁRIO RAposo, Assistência situação que está, digamos, a jus ante da mesma: a recolha de achados72.
mar(tima, p. 82, para quem a ideia deste tertium genu~ ué, no entanto, controvertfvel, por
arrastar a uma infixidez não menos tacteante do que a que resulta, pura e simplesmente, da 68 CJ/STJ, XI, t. II (2003) p. 99 (1.8 coluna).
dicotomia reboque-assistência". 69 CJ/STJ, XI, t. II (2003) p. 99 (I." coluna), seguindo os Acs. STJ de 11.02.1975 e
65 A maior clareza do art. 17 da CL 1989 decorre do facto de esse artigo, diversa- 11.03.1999.
mente do que ocorre com o art. 4 da CB 1910 e com o art. 4 do DL 431/86, deixar claro 70 CJ/STJ, XI, t. II (2003) p. 99 (2." coluna).
que os serviços excepcionais aí previstos são prestados em situação de perigo (u... before 71 BMJ 171, p. 322; cf. também M. J. COSTAGOMES,Direito Marítimo. Jurispru-
the danger arose"). dência seleccionada para as aulas práticas, AAFDL, 2002 (=Direito Marítimo. Jurispru-
66 Cf., sobre este regime, por todos, MENEZESCORDEIRO,Da boafé no direito civil, dência seleccionada), p. 27 e ss..
lI, Almedina, Coimbra, 1985, p. 903 e ss .. 72 Cf. a importante anotação de MaTA PINTO,Acerca da distinção, em direito marí-
67 Cf. MÁRIORAposo, Assistência mar(tima, p. 81. timo. entre salvação e assistência de navios e recolha de achados, passim. A "trilogia con-
Entre a Salvação Marítima e o Reboque

o Ac. STJ de 03.02.197073 pronunciou-se directamente sobre uma Inda, que fora abairoado na proa, encontrando-se no mar com água aberta;
situação em que estava designadamente em causa tratar-se de assistência após ter estabelecido, sem dificuldade, o cabo de reb?que, o Montalto
ou de reboque. A embarcação Maria Armanda saíra do porto de Lobito rebocou o Monte Inda, que, entretanto, estava todo metido de popa, pres-
para trazer do mar, onde se encontrava avariado, o palhabote Maria Isa- tes a afundar-se, para o porto de Leixões, não logrando, porém, evitar_o
bel. Contrariando o Acórdão da Relação - que considerava tratar-se de um afundamento do navio que, no entanto, pôde ser recuperado. O STJ nao
simples reboque, que não dava lugar a salário de assistência - o STJ con- apreciou a verificação concreta dos requisit?s da assistência ou da salva-
siderou74 que, em função do risco que o Maria Armanda correra e o ser- ção marítimas, certamente por a ter por paCIfica. .. .
viço que prestou, trazendo para o porto de abrigo um navio sem governo, No Ac. STJ de 19.06.197977, o STJ teve de deCIdIr sobre a caracte~l-
o caso não era de simples reboque. zação de uma determinada situação como assistência ou reboque. O naVIO
Temos, assim, a aceitação, pelo STJ, neste Ac. de 1970, como assis- Império, que, afretado pelo Estado português, navegava carregado de
tência, de um caso em que, como ocorria na situação do Ac. de 05.06.2003, material de guerra e mantimentos destinados às ~orças .armadas que com-
em análise, o navio socorrido estava apenas sem governo no mar. O Ac. batiam nas, então chamadas, províncias ultramarmas, ficou, a certa alt~ra,
não dá nenhuma outra informação que permita identificar uma situação de imobilizado em pleno Atlântico, com água aberta, a casa das máq~mas
perigo iminente ou real do Maria Isabel, aceitando sem reservas ou consi- inundada e impossibilitado, por isso, de utilizar as mesmas ~áq~m~s:
derações adicionais o caso como sendo de assistência 75. "enfim no alto mar sem governo, à deriva"78. No caso, tanto as mstancms
No Ac. STJ de 21.07.197276, estava em causa o âmbito de aplicação quanto' o STJ consideraram haver uma situação ~e perigo:. ":,. as~im tam-
do regime da assistência e salvação, numa dupla perspectiva: a da aplica- bém quaisquer dúvidas sobre tratar-se de um .servlço de asslstencla ou sal-
ção a embarcações de pesca (conforme veio a ser decidido) e da aplicação vação e não apenas de um simples reboque, fIcaram do mesmo passo afas-
do regime da CB 1910 (e da legislação internl;l sobre socorro prestado pe- tadas"79. Refere ainda o Ac. um passo que, para o caso, é fundamental:
las Capitanias dos portos) quando o navio salvador é pertença do Estado. "Dessa assistência beneficiou inclusivamente o afretador Estado, salvando-
Fazendo uma correcta aplicação do disposto no art. 14 da CB 1910, o STJ se a carga que correu o risco de perder-se nas circunstâncias expostas".
considerou que, no caso, o rebocador era exclusivamente empregado em Este Ac. de 1979 revela-se, assim, importante por traçar claramente
serviço público, razão pela qual não era aplicável o regime da CB 1910. a linha de fronteira entre a assistência ou salvação, por um lado, e o rebo-
Quanto à situação concreta que deu lugar ao processo, os serviços tinham que, por outro, traduzida na existência deperigo n~ mar. Contudo, quanto
sido prestados pelo rebocador Montalto, adstrito ao serviço dos Portos do à caracterização do perigo no mar, o Ac. e pobre, nao se sabend?, ao certo,
Douro e Leixões, traduzindo-se no socorro ao arrastão espanhol Monte se bastaria a situação de estar no alto mar sem governo, à denva, para a
identificação do perigo ou se, para o caso, foi determinante a água aberta.
ceital" de que fala o Ac. STJ de 03.11.1967 é apenas aparentemente sufragada por Mota
Pinto, se atentarmos no facto de, a dado passo, (op. cit., p. 223), o autor considerar "pura-
mente académica" a vexa ta quaestio da distinção entre assistência e salvação, invocando, 77 BMJ 288, p. 431 e ss ..
para o efeito, o art. 1 da CB ~91O 78 BMJ 288, p. 433. .
73 BMJ 194, p. 233 e ss .. 79 BMJ 288, p. 434. No caso, estava apenas em discussão o salário d~vI~O pela
74 BMJ 194, pp. 234-235. assistência ou salvação da carga, propriedade do Estado afretador do navIO, Já que,
75 Independentemente de o Ac6rdão em causa revelar pouco estudo, o STJ ter-se-á, quanto ao navio, o salário já fora pago pela companhia fretadora. Um out~o ponto, de
porventura, deixado impressionar pelo facto de a pr6pria companhia de seguros ré não con- algum modo a montante deste, estava em discussão: o de saber se, em funçao de ~e tra-
testar que fosse devido salário de "salvação e assistência", sustentando, em recurso, que a tar de um navio afretado pelo Estado para transporte de material de guerra, esta~lamos
autora recorrida, proprietária do Maria Armanda só ter direito a metade do salário, já que, no âmbito de aplicação do art. 14 da CB 1910. O STJ considerou que não se. verificava
segundo o art. 688 CCom, a outra metade pertenceria ao capitão e à tripulação do Maria essa excepção (não aplicação da Convenção aos navios .de g~er~a e a?,s navIos per,t~n-
Armanda, embarcação essa que não era nem um rebocador nem um vapor especialmente centes ao Estado e exclusivamente empregados em serviço pubhco), Ja que o Imper~o,
destinado a salvação, reboques e assistência no mar. que não era navio de guerra, estava fretado ao Estado português, que não era, obVia-
76 BMJ 219, p. 230 e ss ..
mente, seu proprietário.
Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos
Entre a Salvação Marítima e o Reboque

°,
No Ac. de 07.10.19868 a RL, tendo embora ensejo para versar a real perigo para a embarcação"; e ainda: "se o auxílio é uma necessidade,
questão da delimitação entre a assistência e a salvação, face ao reboque, a prestação dele pode revestir formas diversas e não assume premência
por um lado, e face à empreitada de remoção de destroços por outro, cen- igual em todas as situações". E concluindo neste ponto: "consequente-
trou-se na questão de saber se a tarefa de renovação do célebre Tollan, mente, não serve o disposto no art. 514 do Código de Processo Civil para
encalhado de casco para o ar, no Tejo, frente ao Terreiro do Paço, consti- afirmar, como notória, uma situação de perigo real, dispensando a alega-
tuía, efectivamente, conforme era pretendido pela empresa encarregada ção e prova do circunstancialismo verificado em cada caso".
dessa tarefa, um caso de assistência ou salvação. A RL, numa decisão a Quanto à caracterização do perigo marítimo, legitimador da conclu-
que, em termos de conclusão, nada há a criticar, concluiu que inexistia são pela existência de salvação, o Ac. invoca Vasconcelos Esteves para
salário de assistência ou salvação por, no caso, o navio não estar numa referir que o mesmo "não tem de ser iminente mas deverá ser real e não
situação de perigo: "( ... ) não integram quaisquer actos de salvação ou meramente hipotético"86.
assistência, porque não houve qualquer acto de socorro nem o Tollan se No caso, o STJ considerou que a situação concreta dos arrastões
encontrava em perigo marítimo real ou iminente"81.
socorridos não era de perigo real87, sendo, para o caso, irrelevante o facto
No Ac. STJ de 11.03.199982 estava também em causa uma situação de a própria operação - que assim qualifica como reboque - envolver ris-
de delimitação entre salvação e reboque83, em que o auxílio fora solicitado cos que lhe são inerentes88: "a maior dificuldade que nessa tarefa se
pelo capitão. Um dos "pontos fortes" da argumentação do autor - capitão depara a um "rebocador" que não seja embarcação especialmente conce-
da embarcação assistente - era o de que seria facto not6rio "que os navios bida para esse tipo de operação, não pode levar à caracterização de uma
desembaraçados à deriva em alto mar se encontram em situações de perigo situação de perigo superior àquele que realmente existe, como as incidên-
real, uma vez que não têm meios próprios para se deslocarem ou mano- cias que ocorram já depois de iniciada a tracção, como quebra ou soltura
brarem e para se defenderem de todo o tipo de agressões, como sejam cli- de cabo de reboque".
matéricas, mar de vaga, existência de outros navios"84. O STJ não aceitou
que tal situação constituísse facto notório de perigo real85: "( ... ) no caso
não é de aceitar como sendo do conhecimento geral, o da grande maioria
dos cidadãos do país, normalmente informados, que a imobilização de um
navio no alto mar, por avaria, cria de imediato e sem mais uma situação de I. E quanto ao risco - ao perigo, se quisermos - corrido pelo navio
assistente?
80 CJ XI (1986),t. 4, p. 139e ss.. O Ac. em análise refere-se-Ihe mas não parecendo retirar daí qual-
81 CJ XI (1986),t. 4, p. 140.No caso, fora requerido o arresto preventivo do Tollan quer requisito para a salvação. Assim, refere 89 que a salvação pressupõe
Justificando-o com um alegado crédito de salvação e assistência. Para a RL, "não havend~ "que o navio salvador vá acudir a uma situação que oferece perigo con-
operação de assistência ou de salvação, não existe qualquer probabilidade da existência dos
creto, forçando, por isso, a manobras que envolvem riscos anormalmente
créditos dos arrestantes, que ai fundamentaram precisamente na prática desses actos de
socorro". i acrescidos". Noutro passo 90, o Ac. alude à dificuldade da operação
82 Reproduzido in M. 1. COSTAGOMES,Direito Marítimo - Jurisprudência selec- concreta, em virtude de o Insular não estar concebido para este tipo de
cionada, p. 35 e ss.; o Ac. em causa foi retirado de www.dgsi.pt. operações. Contudo, essa referência serve para, na esteira do Ac. STJ
83 Na realidade, estavam em causa duas situações, já que o autor se baseava em dois 11.03.1999, concluir que essa dificuldade "não pode levar à caracteriza-
acontecimentos diferentes, um ocorrido em 24.04.1990e outro em 07.11.1990,ambos em
águas da Terra Nova. No primeiro caso, o arrastão assistido estava impedido de navegar
pelos seus próprios meios, devido a avaria na máquina principal. No segundo, o arrastão
86 Cf. M.1. COSTAGOMES,Direito Marítimo -Jurisprudência seleccionada, pp. 46-47.
assistido estava impedido de navegar pelos seus próprios meios por ter enrolada na hélice
parte do aparelho de pesca ou outro objecto. 87 Cf. M. 1. COSTAGOMES,Direito Marítimo - Jurisprudência seleccionada, p. 47.
88 Cf. M. 1. COSTAGOMES,Direito Marítimo - Jurisprudência seleccionada, p. 47.
84 Cf. M. J. COSTAGOMES,Direito Marítimo - Jurisprudência seleccionada, p. 38.
89 CJ/STJ, XI, t. II (2003),p. 99 (1.8 coluna).
85 Cf. M. 1. COSTAGOMES,Direito Marítimo - Jurisprudência seleccionada, p. 45.
90 CJ/STJ, XI, t. II (2003),p. 99 (2.8 coluna).
Entre a Salvação Marítima e o Reboque

claramente daquelas - relevantes após a CL 1989 e, entre n~s, ~pós o DL


ção de uma situação de perigo superior àquele que realmente existe com 203/98 - em que a situação perigosa do navio resulta da cna~ao de uma
as incidências que são integrantes dos riscos próprios daquela operação". ameaça de poluição ambiental95, situação essa que o aut~r desIgna por.de
O perigo que está em causa para que de salvação se trate, é o perigo perigo particular - e que talvez possamos melhor desIgnar por pengo
que corre o navio objecto da operação, que não aquele que corre o navio específico. . _ .
assistente91. Contudo, quer à luz da aI. a) do art. 8 CB 1910 quer à luz da Demonstrativo das dificuldades de caractenzaçao do pengo rele-
aI. d) do art. 6/1 do DL 203/98, é ponderado o risco corrido pelo salvador. vante é o modo como, na análise de Rebora96 - nas situações de navio des-
No entanto, essa ponderação não é idónea para a qualificação de uma ope- provido de meios de propulsão e ou de ~irecção - ~.jurisp~dência fran-
ração como salvação, colocando-se, antes, a jusante dessa qualificação, no cesa evoluiu, cronologicamente, no sentido de um as.sou~hss~ment de~
âmbito da fixação de salário de salvação. Também a CL 1989, no âmbito caracteres de ce danger", desde a exigência de um per~go. IInedl::to~ até .a
dos "criteria for fixing the reward", considera (art. 13/1, aI. g)) "the risk of suficiência do perigo previsível. Numa primeira fase, a JunsprudencI~ eXI-
liability and other risks run by the salvors or their equipment". gia o carácter imediato (ou actual) do perigo, perigo esse que devena ser
Aliás, já o CCom dava, no art. 688, um relevo especial a estas situa- insurmontable. .
ções, ao estabelecer uma repartição diferente da solução geral estabele- Esse rigor foi mais tarde abandonado no senti.do de que.~. perIgo
cida no art. 687, em situações que envolveriam presumivelmente maior deveria ser grave e ainda que não fosse actual, devena ser ~erto. le da~-
dificuldade para o assistente: aquelas em que o serviço de salvação ou ger sera reconnu dans les cas ou le péril encouru par le naVlre est. un pénl
assistência fosse "prestado por outro navio, que não seja rebocador ou grave, qui à default d'être actueI, est certain":7 ..No caso dos navlosAC~e-
vapor especialmente destinado a serviços de salvação, reboques e assis- liff e Algeria98 foi já tomada em conta a verosAlm~lhançad~~co?sequenclas
tência"92. favoráveis do perigo (pese embora a referencla a um per~go grave e
A dificuldade dos serviços prestados tem sido abordada também pela actual"): "( ... ) se trouve dans un danger grave et actuelle navrre en panne
jurisprudência nacional mais recente, destacando-se os Acs. STJ de de moteur a 15 milles d'une côte rocheuse vers laquelle un coup de vent
11.03.199993 e o Ac. de 05.06.2003, ora em análise, nos quais tem sido pouvait le porter sans qu'il ait possibilité de s'échapper par ses propres
seguida a boa orientação de não confundir os planos, ou seja de não con- moyens (... )". .'
fundir o risco assumido pelo navio que socorre - maxime quando não seja Ilustrativo da dificuldade em conclUIr pelo perIgo no mar é a consta-
navio apetrechado e preparado para o efeito - com a situação de perigo - tação de uma diferença de critérios entre juízes e árbitros99 e o facto de,
o perigo no mar - do navio objecto dos serviços. numa sentença de 25.04.1955, a Cour de Cassation ter condenado "le

11. Estamos, no caso, perante uma daquelas situações a que, com 9S Sobre o relevo factor ambiental na CL 1989 e no DL 203/98, cf., entre nós, MÁRIo
Rebora 94, podemos chamar situação de perigo clássico, para distinguir RAposo, Assistência marítima, p. 90 e SS. e O nov~ direit~ comer~iall~Jarfti~lIo p~rtuguês,
in "Estudos sobre o novo direito marítimo. Realidades mternaClOnalS e sltuaçao po~u-
guesa", Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 266 e ss .. Como diz BO~ASSIES,La co.~ventl~n
91 Realçando o perigo Ida própria operação de reboque, pode ver-se, v. g. PESTEL- intemationale de 1989 sur l'assistance, p. 244, a protecção do ambJ.ente está no . coraçao
DEBORD,Le remorquage maritime: controverses et contentiewc, in DMF n.o 636 (2003), do sistema" da CL de 1989; cf. também IGNACIOARROYO,ComentarlOs ai cOllvemo de sal-
p. 324: "L'activité du remorquage maritime est dangereuse, les accidents sont fréquents. vamento de 1989, in "Estudios de Derecho Marítimo", Bosch, Barcelo~a, 1995, p. 33~,
Les dangers les plus fréquents sont les risques d'abordage lors de la prise de remarque et para quem a CL de 1989 persegue três objectivos: a unificação internacIOnal, a protecçao
de se retrouver en travers par rapport à I'axe de la remorque». do meio ambiente e o estímulo aos salvadores.
92 Cf. sobre este dispositivo, os comentários, aliás lacónicos, de ADRlANOANTHERO, 96 L'assistance maritime, p. 75 e ss ..
Comentario, I1J2,p. 453, CUNHAGONÇALVES, Comentário, m, p. 475 e AZEVEDOMATOS, 97 REBORA,L'assistance 11lariti11le,p. 76.
Princfpios, m, p. 240. 98 REBORA,L'assistance mariti11le, p. 77 e ss ..
93 Cf. M. J. COSTAGOMES, Direito Marítimo - Jurisprudência seleccionada, p. 99 REBORA,L'assistance 11larifi11le,p. 75: "Ies juges plus séveres que les arbi-
35 e ss .. tres (... )>>.
94 L'assistance maritime, p. 74 e ss ..
1080 Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos

laxisme des juges qui reconnaissent qu'un navire est en danger alors qu'il
n'est que dans une situation difficile"100. A Cour de Cassation foi então riam suscitar a jus ante, relacionadas com a modalidade de reboque e res-
chamada a apreciar uma situação de uma das embarcações nos mares da pectivo regime104.
Terra Nova, em situação similar àquela que o STJ foi chamado a decidir Afastada a caracterização da operação de reboque material como
no Ac. de 11.03.1999101; aquando de uma campanha de pesca nos bancos sendo salvação marítima, o STJ negou aos AA., de modo consequente, o
da Terra Nova, a hélice do Volontaire ficou presa pela rede de arrasto; não pretendido salário de salvação marítima. A ter havido perigo no mar, legi-
conseguindo soltar a rede pelos seus próprios meios, o comandante do timador da aplicação do regime da salvação, ter-se-ia, no caso concreto,
Volontaire pediu· a ajuda do Madiana que se encontrava na zona. A Cour verificado o requisito fundamental para a existência de salário de salvação,
d'Appel de Rennes considerou que não havia lugar a salário de assistência, traduzido no resultado útil, exigido - em aplicação do princípio no cure no
já que o navio não estava em situação perigosa mas simplesmente difícil. payl05 - no art. 5/1 da LSM e, a nível internacional, no art. 2 CB 1910 e
No recurso para a Cour de Cassation, o proprietário do Madiana preten- no art. 12 CL 1989106.
dia fazer valer um argumento a favor da aplicação do regime da assistên- Não sendo salvação marítima, não poderia estar, à partida, em causa
cia: o facto de que "la notion d'assistance n'impose pas que le danger soit uma pretensão à compensação especial prevista nos arts. 5/2107 e 9 LSM,
iminent mais simplement qu'il soit possible et prévisible"102. A Cour de por clara inspiração do art. 14 CL 1989. Aliás, mesmo que salvação marí-
Cassation confirmou a Cour d'Appel, considerando que «le danger doit tima fosse, o direito à compensação especial não se colocaria, no caso,
être iminent à défault d' être immédiat» 103. quer por ter havido resultado útil (art. 5/1 LSM) quer por não ter havido,
nem estar, de resto, em causa, um "resultado útil ambiental"108.

104 Sobre as modalidades de reboque, em particular sobre o reboque-manobra eo


reboque-transporte, cf. RODlERFlPONTAVICE, Droit maritimel2, p. 413 e ss., VIALARD,Droit
o
navio Ilha da Madeira encontrava-se à deriva no mar, não podendo maritime, p. 205 e ss., D'OVIDlO/PESCATORElTULUO, Manuale di diritto della navigazione9
p. 628 e ss., COSTEIRADA ROCHA,O contrato de transporte de mercadorias, p. 92 e ss.,
navegar pelos seus próprios meios, em consequência de avaria na máquina
VASCONCELOS ESTEVES,Contratos de utilização do navio, Petrony, Lisboa, 1988, pp. 217-
principal e sem hipóteses de reparação no local. Estes elementos são sufi- -218, PUUDOBEGlNES,Los contratos de remolque mar(timo, p. 13le ss. e 257 e ss.; cf. tam-
cientes para concluir que o Ilha da Madeira estava em perigo no mar? bém VfCTORNUNES, O contrato de reboque em direito marítimo, in RDM n.o 3 (1959),
O STJ decidiu que não e decidiu bem. Esses elementos poderiam, p. 14 e ss ..
noutra situação concreta, com outras circunstâncias, designadamente de 105 Cf. sobre este, v. g., CARBONE,II diritto marittim02, p. 369, AZEVEDOMATOS,
Princípios, m, p. 232, MÁRIORAposo, Assistência marítima, p. 95, HODGEs/HILL,Princi-
mar, metereológicas e de costa, consubstanciar uma situação de perigo
ples ofmaritime law, L.L.P., London - Hong-Kong, 2001, p. 203, BAUGHEN,Shipping law,
grave, se não iminente, pelo menos seriamente provável. Mas nada disso 2.· ed., Cavendish, London, 2003, p. 286 e ss., GABALDóNCARCIA/RUlZSOROA,Manual de
se verificava no caso concreto: o mar estava em bom estado, havia boas derecho de la navegación marítima2, p. 664 e ss. e MORRALSOLDEVILLA, El salvamento
condições de tempo e não existiam baixios, leixões ou outros obstáculos marftimo, p. 283 e ss ..
de qualquer natureza contra os quais o navio pudesse ser impelido. 106 A previsão de uma compensação especial (special compensation), associada a
A partir daqui, concluído que se tratava d~ uma operação de reboque preocupações de ordem ambiental, no art. 14 CL 1989, veio, porém, relativizar o princípio.
Sobre a crise do princípio no cure no pay, cf. MORRALSOLDEVILA,Algunas consideracio-
e não de salvação, o STJ não se pronunciou sobre as questões que se pode-
nes en tomo a la reforma del régimen jurídico espaliol en mate ria de salvamento marítimo,
in "Estudios en Homenaje a Ricardo Vigil Toledo", Bosch, Barcelona, 2000, p. 268 e ss ..
107 Apesar de (mal) misturada com o salário de salvação mar(tima, parece claro que
100 REBORA,L'assistance maritime, p. 79. a compensação especial não integra este último conceito, o que tem, de resto, importantes
101 Cf. M. 1. COSTAGOMES, Direito Marítimo - Jurisprudência seleccionada, p. consequências a nível de regime, mesmo fora do âmbito específico do regime da salvação:
35 e ss .. pense-se, v. g., no art. 2/3 da CB 1926 sobre privilégios e hipotecas marítimas ou na aI. c)
102 Cf. REBORA,L'assistance matitime, p. 79. do art. 1/1 da CB 1952 sobre o arresto de navios de mar.
103 Cf. REBORA,L'assistance matitime, p. 79. 108 Como é evidente, este resultado útil ambiental, de aqui se fala, não se confunde
com aquele que é pressuposto da regra no cure no pay, do art. 5/1 LSM; cf. também
1082 Estudos em Memória do Professor Doutor Amónia Marques dos Santos

Os AA. tinham, porém, sustentado109 que, mesmo a entender-se que


não tinha ocorrido uma situação de salvação marítima, haveria, pelo menos,
lugar à compensação pelo reboque, nos termos do art. 5 DL 431186.
Quer as instâncias quer o STJ consideraram que, não tendo a questão
sido suscitada nos articulados, se tratava de questão nova que não poderia
ser conhecida, considerando o STJIlO que "a causa de pedir invocada pelos
recorrentes foi a salvação marítima e daí a decorrência do pedido de paga- A DlRECTIVA DOS PROSPECTOS:
mento de salário da salvação marítima". E ainda: "se a causa de pedir CONTEXTO, CONTEÚDO E CONFRONTO
tivesse sido a efectivação do reboque, poderia, então, o pedido ser a quan- COM O DIREITO POSITIVO NACIONAL
tia pecuniária referente a esse serviço". Em relação ao argumento dos AA.
de que se trataria de "mera qualificação de factos alegados", o STJ consi-
derou que estaríamos, antes, "perante um caso típico de ausência de rela- PAULO CÂMARA*
ção lógica enter a causa de pedir e o pedido, que ao tribunal é vedado Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa e Director da CMVM
suprir".
Com a reserva de desconhecermos exactamente o processo, temos, à
partida, algumas reservas relativamente à argumentação do STJ, neste par-
ticular, já que o arsenal de factos trazidos ao processo tendo em vista a tese
da salvação é, em princípio, "excedentário", relativamente ao necessário a I- Ainda hoje persiste uma irreprimível tendência para se considerar
um "mero reboque". Tenderíamos, assim, neste ponto, a admitir a ponde- que o sistema de regulação do mercado de capitais baseado na informação
ração da aplicação do regime do reboque. (full disclosure) tem raízes no mercado norte-americano. Todavia, a ideia
Havia, no entanto, um obstáculo de peso à prevalência da pretensão não é totalmente acertada, nomeadamente porquanto no Reino Unido e na
decorrente de reboque, obstáculo esse bem salientado pelo STJ: os credo- Alemanha já no final do séc. XIX se conhecia a figura do prospecto. A cul-
res da retribuição devida pelo reboque não seriam os AA., membros da tri- tura da informação foi até anterior, no Reino Unido, ao reconhecimento
pulação do Insular, mas o proprietário ou armador deste navio 11 1. legislativo da limitação da responsabilidade das sociedades: nesse per-
curso histórico têm lugar de destaque o Companies Act britânico de 1844,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Dezembro de 2004.
a introduzir o princípio de informação através do registo de prospecto nas
ofertas de acções dirigi das ao público, impondo a divulgação dos docu-
GABALDóNGARCIAlRUIZSaRoA, Manual de derecho de la navegaci6n marítima2, pp. 421- mentos estatutários e financeiros, em termos mais tarde desenvolvidos
422 e TETILEY, Maritime transportation, vol. XII de ','Law of transport", Intemational através do Companies Act de 1867; não pode escamotear-se, além disso, o
Encyclopedia of Comparatil"e Law, Mohr Siebeck, Tübingen, 2001 p. 278. papel do Directors' Liability Act de 1890 na cominação de uma responsa-
109 CJ/STJ, XI, t. 11 (2003) p. 99 (2." coluna).
110 CJ/STJ, XI, t. 11 (2003) p. 100 (l.a coluna). . bilidade por negligência aos autores do prospecto informativo. A alargar a
111 De resto, é bem diferente o regime aplicávef ao salário de salvação. De acordo
análise até à génese histórica do prospecto de admissão em bolsa, também
com o art. 7 LSM, o pagamento do salário de salvação marítima é feito pelos salvados, de com determinante função informativa, chame-se a atenção para o papel
harmonia com as regras aplicáveis à regulação da avaria grossa ou comum; cf., sobre esta, pioneiro da Borsengesetz germânica de 1896 e do sistema adjacente de
v. g., FERRElRABORGES,Commentarios sobre a legislação portuguesa acerca d'avarias, responsabilidade' civil ali consagrado. O prospecto constitui, assim, indis-
Londres, 1830, passim, CUNHAGONÇALVES,Comentário, m, p. 396 e ss., FRANCISCO
cutivelmente, uma figura de origem europeia.
FARliilA, Derecho comercial marítimo, 111, 2.a ed., Bosch, Barcelona, p. 527 e ss.,
RODIERElPONTAvlCE, Droit maritimel2, p. 470 e ss., e YVESTASSEL,Regards sur l'avarie
commulle,le coeur du droit maritime, in "Roger Roland - Liber Amicorum", Larcier, Bru-
xelles, 2003, passim.

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