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Princípios Constitucionais Penais

Luiz Luisi

a) O princípio da Legalidade; b) O Princípio da Intervenção Mínima; c) O Princípio da Humanidade; d)


Os Princípios da Pessoalidade e Individualização das Penas.

a) O Princípio da Legalidade

A Constituição de 1988 incluiu em seu texto uma série de princípios especificamente penais. Alguns
estão inequivocadamente explicitados. Outros se deduzem do contexto das normas constitucionais por
nele implícitos. Dentre estes princípios merecem especial destaque, o da legalidade, o da intervenção
mínima, o da humanidade, o da pessoalidade da pena e o da individualização da pena.

O princípio da legalidade, segundo a doutrina mais contemporânea, se desdobra em três postulados1. Um


quanto as fontes das normas penais incriminadoras. Outro concernente a enunciação dessas normas. E um
terceiro relativo a validade das disposições penais no tempo. O primeiro dos postulados é o da reserva
legal. O segundo é o da determinação taxativa. E o último é o da irretroatividade.

a) Reserva Legal

O postulado da Reserva Legal está claramente prescrito no artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal
vigente, e o seu teor é o seguinte: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.

Ressalte-se que o princípio em causa tem historicamente gabarito constitucional. A nossa primeira
Constituição, a de 1824, em seu artigo 179, XII, a de 1891 no artigo 72, parágrafo 15, a de 1934, no
inciso 26 do artigo 113, a de 1946 no artigo 141, parágrafo 25 a de 1967, no parágrafo 16 do artigo 150 e
nos parágrafo 16 do artigo 153 da Emenda Constitucional n.º 1 de 17/10/69, consagram o postulado da
Reserva Legal.

Quanto a origem do princípio as opiniões são divergentes. Vincenzo Manzini2 sustenta que o postulado
da Reserva Legal teve origem no direito romano, entendendo-o expresso neste fragmento do Digesto:
“Poena non irrogatur, nis i quae quaquelege vel que alio jure specialiter hic delicto imposita est”. Todavia
penalistas como L. Jimenez de Asua 3 contestam tal entendimento. Outros autores, –– entre eles Nelson
Hungria, –– divisam a origem da Reserva Legal na Magna Carta Inglesa de 1215 por dispor esta que
nenhum homem livre pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus
pares. (Nullus liber homo expiatur vel imprisoned, nisi per legale judicium purium suorim vel per legem
terrae). L. Jimenez de Asua, citando Max Radin e Jenks diverge, de certo modo, desse entendimento, e
referindo-se ao primeiro dos estudiosos por ele citado sustenta que os autores modernos vem submetendo
este mito a uma revisão crítica. Outros penalistas, entre eles J. Frederico Marques, por sua vez, afirmam
que o princípio da Reserva Legal se encontra já formulado no direito medieval, “mormente nas
magnificas instituições do direito ibérico”. Segundo o Mestre paulista, “nas Cortes de Leão, em 1188
declara Afonso IX, sob juramento, que não procederá contra pessoa e a propriedade de seu súdito,
enquanto não fosse chamado perante a cúria. E nas Cortes de Valladolid foi proclamado em 1219 que
ninguém podia ser privado da vida e da propriedade enquanto a sua causa não for apreciada segundo o
Fuero e o direito. Em 1351 essas mesmas Cortes pediram a Dom Pedro I que ninguém fosse executado ou
preso sem investigação do Foro e do direito, a que acedeu o rei. E essa promessa foi depois renovada
com ênfase por Herique II nas Cortes de Toro em 1371”4. Todavia é a partir da pregação dos teóricos do
chamado iluminismo que realmente surge como real apotegma político o princípio da Reserva Legal. Ele
tem seu fundamento histórico como lucidamente ensina a H. H. Jescheck, na teoria do contrato social do
iluminismo.
Pregando esta teoria a construção do Estado como se tivesse origem em um contrato social, faz do Estado
um mero instrumento de garantia dos chamados direitos do homem. A missão do Estado praticamente se
limita a proteção efetiva desses direitos. Nascido com a preocupação de reagir ao absolutismo
monárquico, o iluminismo preconiza a limitação do poder do Estado, garantindo ao cidadão uma faixa de
ação. Ou seja: somente não é lícito aquilo que a lei proibe. Dentre esses direitos se insere o da Reserva
Legal, ou seja: somente a lei, e anteriormente ao fato, pode estabelecer que este constitui delito, e a pena a
ele aplicável.
Diversos pensadores iluministas como consectário natural de seu ideário, sustentam a necessidade da
contenção do arbítrio judicial, e a submissão do Juiz a lei, pois só esta pode estabelecer o que é anti-
jurídico e a sua sanção. Nesse sentido são conhecidos os textos pertinentes de F. Bacon, S. Puffendorf, C.
L. Secondat de Montesquieu, e de T. Hobbes, um partidário da teoria do contrato social, mas para
justificar o absolutismo. Porém a lição mais notável e clara se encontra no “Dos Delitos e das Penal”, o
pequeno grande livro de Cesare Bonesana, Marques de Beccaria, “Só as leis” –– diz o nobre lombardo, ––
“podem decretar as penas para os delitos. Esta autoridade não pode residir senão no legislador, que
representa toda a sociedade organizada por um contrato social”.

Com a derrocada das monarquias absolutas e instauração dos regimes democráticos, o princípio da
reserva legal passou a integrar os textos constitucionais e os códigos penais. Pode-se surpreender o
postulado em causa nas Constituições americanas de Filadélfia, de 1784 e nas de Virgínia e Maryland,
ambas de 1786, e na legislação toscana de Pedro Leopoldo também de 1786. Mas é a partir de sua
inserção na Declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão de 26 de agosto de 1789 que o
princípio ganha relevo, e inicia o processo da sua universalização. Posteriormente a quase totalidade das
Constituições políticas e dos Códigos Penais do século XIX adotam a Reserva Legal. E em 1813
princípio em causa ganha a sua enunciação clássica por obra de Ludwig Anselm Von Feuerbach, o
fundador da ciência penal alemã moderna. A ele se deve a fórmula latina pela qual o postulado é
mundialmente conhecido: “nullum crime e nulla poena, sine previa lege”. Feuerbach também procura dar
ao princípio em questão um fundamento jurídico vinculando-o a prevenção geral como fim da pena.

No século em curso, o princípio em causa é contestado em algumas legislações, e por certos setores da
doutrina, E, também, é objeto de um melhor e mais exaustiva análise.

No plano legislativo, com a subida do chamado nacional Socialismo ao Poder da Alemanha, o velho
Código Penal do Reich de 1871, por força de lei datada de 28 de junho de 1935 teve reformulada a
redação no seu artigo 2º que previa a Reserva Legal. O referido artigo por força da lei mencionada passou
a Ter a seguinte redação: “será castigado quem cometa um fato que a lei declara punível ou que mereça
castigo segundo o conceito básico de uma lei penal e segundo o são sentimento do povo. Se nenhuma lei
determinada pode se aplicar diretamente ao fato, este será castigado conforme a lei, cujo conceito básico
melhor lhe corresponder”.

Também na Rússia Soviética, os seus primeiros Códigos, o de 1822 e o de 1926, permitiam


expressamente a analogia. O artigo 16 do Código de 1926 tinha o seguinte teor: “quando algum ato
socialmente perigoso não esteja expressamente previsto no presente código, o fundamento e a extensão de
sua responsabilidade se determinarão em conformidade com os artigos do mesmo relativos aos delitos de
índole análoga”.

Todavia tais disposições não persistem tanto na legislação penal Alemã como na Soviética. O artigo 2º do
Código teuto de 1871 teve sua vigência restabelecida em princípios de 1946. Atualmente a Reserva Legal
está prevista no artigo 103, II da Lei Fundamental da República Federal Alemã de 1949, e na nova parte
geral do Código Penal de 1969, vigente a partir de 1975. Na União Soviética a reforma penal iniciada a
partir de 1958, após o fim da era Stalinista, fez inserir na legislação penal o postulado da Reserva Legal.

Porém em alguns Códigos em vigor a Reserva Legal continua não prevista. É o caso dos códigos Penais
da China, da Albânia e da Coréia do Norte. E também dos Códigos Penais da Dinamarca e da Groelândia.
Embora nesses países nórdicos o princípio tenha vigência por força de decisões judiciais.

Pode-se, apesar das exceções mencionadas dizer que o postulado da Reserva Legal é um patrimônio
comum da legislação penal dos povos civilizados, estando, inclusive, presente nos textos legais
internacionais mais importantes do nosso tempo. Basta lembrar o que dispõe o artigo II, 2 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de
dezembro de 1948: “ninguém será condenado por atos ou omissões que no momento em que se
cometerem não forem crimes segundo o direito nacional ou Internacional. Tão pouco se imporá pena mais
grave que aplicável no momento da comissão do delito”.

Alguns setores da doutrina penal também tem contestado o princípio da Reserva Legal. A respeito são
conhecidas as posições de R. Garofalo, F.F.Falchi e de F. Carnelutti, limitando este último a usa
impugnação ao aspecto da pena. No Brasil, apesar da permanente vigência do princípio em questão, foi o
mesmo objeto de severa crítica, chegando-se a se sustentar ter apenas “caráter retórico”.

Enfatize-se, ainda, que o postulado da Reserva Legal tem merecido pela doutrina penal algumas análises
a respeito de seu alcance e de suas modalidades.

Alguns setores da dogmática jurídica falam em Reserva Absoluta e Reserva Relativa. Pela Reserva
Relativa, segundo ensina F. Mantovani, –– o legislador fixa as linhas fundamentais, delegando o seu
detalhamento à administração. Pela Reserva Absoluta, –– segundo o Mestre de Florença –– só a lei pode
disciplinar a matéria criminal, excluindo-se qualquer outro tipo de disciplina normativa, mesmo no
concernente aos aspectos secundários e marginais7.

Também se procura distinguir a legalidade formal da legalidade substancial. Esta seria anterior, e poderia
ser mesmo contra a lei, tendo como fonte uma espécie de direito natural, a ser pesquisado na natureza das
coisas. É evidente que a chamada legalidade substancial implica na negação prática da Reserva Legal,
posto que só no formal da lei é que se pode explicitar o princípio em análise.

Do princípio da Reserva, outrossim, decorre, –– em se tratando de normas incriminadoras, –

– a proibição do direito costumeiro e da analogia como fonte do direito penal. Possível, é, no entanto,
tanto a aplicação de normas costumeiras e de analogia, quando “in bonam parte”, ou seja, em benefício do
réu.

Um problema de indisfarçável relevância é o relativo a incidência do postulado da Reserva Legal nas


normas disciplinadoras da execução da pena. Trata-se de definir se no concernente as penas a
obrigatoriedade da lei prévia para a sua disciplina se limita a sua previsão nas normas incriminadoras, ou
se, também, diz respeito as prescrições relativas a sua execução. Em algumas Constituições existem
disposições expressas, como nas Constituição da Espanha que trata da matéria em seu artigo 25, e na Lei
Fundamental Alemã em seu artigo 104. Referindo-se ao assunto alguns autores tem enfatizado que a
“disciplina da execução penitenciária deixou de ser exclusivamente jurídico político do legislador para
tornar-se objeto de obrigações e deveres constitucionais”8.

Na Constituição de 1988 existem algumas normas concernentes ao cumprimento da pena. É o caso dos
incisos XLVIII, XLIX e L do artigo 5º. O primeiro ordena que a pena será “cumprida em estabelecimento
de acordo com a natureza dos delitos, a idade e o sexo do apenado”. O inciso XLIX assegura “aos presos
o respeito a integridade física e moral”. E no inciso L se determina que às presidiarias se devem garantir
“condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação”. Também
está previsto no texto constitucional vigente que a lei regulará a individualização a pena (inciso

XLVI do artigo 5º). E esta individualização não se limita à previsão e à aplicação da pena, mas terá que se
estender obrigatoriamente ao momento da execução.

Todas essas indicações constitucionais estão a evidenciar que, por força de imperativos constitucionais, o
postulado da Reserva Legal também atinge a execução da penas.

Registre-se, ainda, que o postulado da Reserva Legal, além de arginar o Poder punitivo do Estado nos
limites da lei, dá ao direito penal uma função de garantia, posto que tornando certos o delito e a pena,
asseguram ao cidadão que só por aqueles fatos previamente definidos como delituosos, e naquelas penas
previamente fixadas pode ser processado e condenado. Daí porque é de indiscutível atualidade a lição de
R. Von Hippel quando sustenta que o princípio da Reserva Legal é um axioma destinado a assegurar “a
liberdade do cidadão contra a onipotência e a arbitrariedade do Estado e do Juiz”9.

Ao reiterar na Constituição de 1988 o postulado da Reserva Legal, o constituinte brasileiro não somente
manteve um princípio já secularmente incorporado aodireito pátrio, mas se aliou às Constituições e aos
Códigos Penais da quase totalidade das Nações já que o mencionado princípio é, uma essencial garantia
de liberdade e de objetiva justiça.

b) Da Determinação Taxativa
O segundo colorário lógico do princípio da legalidade é o postulado da “determinação”, também dito da
“taxatividade”, a que prefiro chamar de determinação taxativa.

O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza


incriminadora, , sejam claras e o mais possível certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao
legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas,
equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos. O princípio da
determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do
legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme.

Sem esse corolário o princípio da legalidade não alcançaria seu objetivo, pois de nada vale a anterioridade
da lei, se esta não estiver dotada da clareza e da certeza necessária, e indispensáveis para evitar formas
diferenciadas, e, pois, arbitrárias na sua aplicação, ou seja, para reduzir o coeficiente de variabilidade
subjetiva na aplicação da lei.

Alguns autores têm divisado o fundamento da determinação taxativa na própria estrutura da norma penal,
enquanto ordena ou proíbe determinado comportamento, pois que a obediência ao comando e nela vetado
ou determinado tem como inarredável pressuposto que o destinatário possa compreender o seu conteúdo.
E isto exige que o mesmo esteja linguisticamente formulado com clareza e com precisão. Para outros
penalistas a determinação taxativa encontra embasamento na função intimidadora das normas penais que
impõe, para que a intimidação ocorra, que o destinatário das normas penais tenha delas uma noção clara e
inequívoca10.

Embora pesem terem as posições referidas um conteúdo de verdade, o principal fundamento do postulado
da determinação taxativa é de índole política. A exigência de normas penais de teor preciso e unívoco
decorre do propósito de proteger o cidadão do arbítrio judiciário, posto que fixado com a certeza
necessária a esfera do ilícito penal, fica restrita a descricionariedade do aplicador da lei. Na Constituição
Alemã, a Lei Fundamental de 1984, a determinação taxativa está explicitada no artigo 103/2, posto que
textualmente posta a exigência da determinação das normas penais incriminadoras: “um fato só pode ser
castigado se a punibilidade estiver legalmente determinada por lei antes de seu cometimento”. Também o
princípio em causa está posto de forma exemplar na vigente Constituição da Nicarágua, que no inciso X
do artigo 34 ordena que a norma incriminadora deve ser “expressa e inequívoca”. Comentando a
disposição constitucional do artigo 103/2 da Lei Fundamental Alemã, J. Baumann escreve que o delito
deve estar determinado da lei, e J. Wessels, por sua vez, sustenta que como decorrência do mencionado
artigo 103/2, o emprego de cláusulas gerais não é admissível na legislação penal Alemã, e, “certamente o
alcance e o âmbito da aplicação das leis penais deve ser suficientemente reconhecíveis”11.

Na Itália a Constituição não contém explicitamente o princípio em análise. Todavia a doutrina tem
entendido que o mesmo está implícito no texto da Lei Magna, e dela se pode deduzi-lo com toda a
segurança.

Alguns autores têm sustentado que o princípio em questão deriva do artigo 25 da Constituição Italiana.
Outros, no entanto, lembram que além do artigo 25 se deve levar em conta o artigo 13 da Constituição
Peninsular que consagra ser “a liberdade pessoal inviolável”, e que o encarceramento só é admitido “nos
modos previstos da lei”. E concluem

Ainda, H. H. Jeschek, ob. cit., vol. 1, pág. 182 e 183 e F. Mantovani, ob. cit., pág. 97 e seguintes.
afirmando que além dos artigos 25 e 13 da Constituição é preciso considerar que o princípio da
determinação tem suas raízes na “ratio” inspiradora e presente em todo o texto constitucional, ou seja, no
espírito da inteira Constituição, posto que a indeterminação da lei penal o violenta de modo profundo12.

c) Da Irretroatividade

A irretroatividade da lei penal é, sem dúvidas, um postulado decorrente da legalidade dos delitos e das
penas, constituindo um complemento lógico da Reserva Legal. Expressa ela a exigência da atualidade da
lei, impondo que a mesma, como princípio, só alcança os fatos cometidos depois do início de sua
vigência, não incidindo sobre os fatos anteriores.
Como ensina F. Mantovani, a irretroatividade da lei penal, além de assegurar exigências racionais de
certeza do direito “dá ao cidadão a segurança, ante às mudanças de valorações do legislador, de não ser
punido, ou de não ser punido mais severamente, por fatos que no momento de usa comissão, não eram
apenados, ou o eram de forma mais branda”13.

As Constituições a partir da Declaração Francesa dos Direitos do Homem vem consagrando


expressamente o princípio em causa. E as nossas constituições também assim tem feito, à partir da Carta
Magna de julho de 1934 que o previu no inciso 27 do artigo 113. Mesmo a Constituição outorgada de 10
de novembro de 1937 entendeu que “as penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos
fatos anteriores”. A Constituição de 1946 previu a irretroatividade dispondo que a lei penal “só retroage
quando beneficiar o réu”. A irretroatividade da lei penal está prevista, também, no inciso XVI do artigo
150 da Constituição de 1967, e no inciso XV do artigo 153 da Emenda Constitucional n.º 1 de 17 de
outubro de 1969. Também consagrou a irretroatividade da lei penal, a atual Constituição ao dispor no
inciso XL do artigo 5º que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Na história constitucional do nosso século, todavia, nem sempre tem sido respeitado o postulado em
análise.

Alguns Códigos consagraram expressamente a retroatividade. É o caso do artigo 3 do Código Penal


Soviético de 1922 que previa expressamente a retroatividade, explicável pela exigência do novo Estado
em reprimir todos os atos anti-revolucionários que antes de 1922 não estavam previstos como crimes. O
Código Criminal da União Soviética de 1926 não consagrou a irretroatividade, mas, também não tornou
explícito o princípio da retroatividade da lei penal. Mas, pelo quotidiano da vida forense foi consagrada,
toda vez que se entendeu necessária, a aplicação retroativa da lei para a salvaguarda do regime e da
sociedade socialista. Com a reforma penal iniciada em 1958 foi formalmente consagrado o princípio da
irretroatividade. Todavia, embora pese a previsão legal, tal princípio não foi por vezes respeitado, sendo
exemplo dessa orientação ilegal os decretos que cominaram a pena de morte para os delitos de
especulação cambial, aos quais anteriormente se aplicava a pena de detenção14. Também na China a
retroatividade da lei penal foi norma vigente até o advento do atual Código Penal, em vigor desde de 1º
de janeiro de 1980, que estabeleceu a irretroatividade em seu artigo 9º. No Brasil registrou-se, como
“singularidade odiosa”15 a retroatividade da lei penal no Decreto-Lei n.º 4.766 de 1/10/1942, que em seu
artigo 67 dispôs que com relação aos crimes contra a segurança externa se operaria a retroatividade à data
da ruptura das relações diplomáticas com a Alemanha, a Itália e o Japão.

Também se costuma incluir no elenco das violações dos postulados da reserva legal e da irretroatividade
o ocorrido nos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, que com base em convenções Internacionais
ajustadas após os fatos, condenaram a morte e a prisão perpétua líderes políticos das Nações vencidas,
Alemanha e Japão.

Alguns autores procuram justificar as sentenças dos Tribunais internacionais mencionados, alegando que
não houve violação dos postulados da prévia legalidade e da irretroatividade, porque os fatos cometidos
determinantes das condenações atentavam contra elementares exigências de Justiça e eram
substancialmente criminosos, e pois estavam implicitamente previstos como delito. Dizem esses
estudiosos que não houve realmente uma violação da Reserva Legal e da irretroatividade da lei penal, a
luz de uma perspectiva substancial e concreta. Data vênia se tais condenações se podem talvez justificar
com base em imperativo de justiça concreta, mas é evidente terem sido postergados o princípio da
Reserva Legal e o da irretroatividade. A chamada “legalidade substancial” é de notória equivocidade, e
enseja induvidosamente o arbítrio. Se vencedores tivessem sido os nazistas, talvez as lideranças dos
países seus inimigos teriam sido submetidos a julgamento com base na mesma “legalidade substancial”.

Para os chamados crimes internacionais o caminho real é o da criação de um Código Penal internacional e
de uma Corte Internacional de Justiça16. Mas enquanto esses projetos não se concretizarem a via correta
é a que vem sendo adotada, ou seja, o de convenções multinacionais, que, por força de aprovação dos
Parlamentos Nacionais, se incorporam aos ordenamentos jurídicos de quase todos os países.

A defeituosa disciplina constitucional da irretroatividade da lei penal tem ensejado em alguns países
regulamentação inadequada na legislação ordinária e na sua aplicação pretoriana, de modo a restringir o
alcance da irretroatividade quando beneficia o réu. É o caso ocorrido na Itália, onde na hipótese de
sucessões de leis penais só se aplica a mais favorável ao réu, desde que não tenha já havido uma sentença
definitiva. Na legislação italiana está prevista a irretroatividade, mesmo em prejuízo do réu tanto nas leis
excepcionais como nas leis temporárias.

A atual Constituição brasileira merece encômios por Ter disposto de forma clara a retroatividade quando
benéfica ao réu, isto importa que sempre a lei penal retroage quando em favor do réu, ainda quando haja
sentença com trânsito em julgado. Ao contrário da legislação penal peninsular, a nossa lei penal, por
abarcar todas as hipóteses possíveis consagra que mesmo no caso de uma sucessão de leis, se aplica
dentre elas a mais favorável, mesmo quando tenha havido condenação definitiva.

Merece uma menção especial o problema relativo as chamadas leis excepcionais e temporárias. As
primeiras são as que só adquirem eficácia quando ocorrem fatos e situações especiais. É o caso das
normas previstas no Código Penal Militar, somente efetivas e aplicáveis por ocasião de uma guerra. Uma
vez cessada a guerra perdem a eficácia, mas continuam vigentes. E sobrevindo outra guerra tornam a ter
eficácia. As ditas leis temporárias diferem das excepcionais, porque uma vez decorrido o prazo para sua
vigência não só perdem a eficácia, como deixam de vigorar. Em verdade, deixam de existir.

A nossa legislação penal ordinária, artigo 3 do Código Penal, –– prevê que tanto as leis excepcionais
como as temporárias se aplicam aos fatos ocorridos durante o tempo que estiverem eficazes, embora já
decorrido esse período.

No concernente às leis excepcionais, por vigente, se pode afirmar Ter havido, com sua aplicação após
decorrido o prazo de usa eficácia, retroatividade da mesma. Trata-se de aplicação de lei existente,
formalmente vigente, aplicada a um fato ocorrido

Quando a mesma tinha eficácia. Todavia com relação a lei temporária, prose tratar de norma que não
mais existe, uma vez decorrido o prazo de usa vigência, a sua aplicação, após encerrado o prazo de sua
existência, implica em dar a lei uma ultra atividade em desfavor do réu. Nesta hipótese se pode argüir a
inconstitucionalidade dessa aplicação da lei penal temporária, porque embora cometido o fato durante a
existência da norma, a sua aplicação, quando a mesma não mais existe, implica em violência ao postulado
constitucional, e principalmente em dar eficácia a uma norma que não mais tem existência, em desfavor
do réu.

d) O Princípio da Legalidade e o Estado Social

É induvidoso que o princípio da legalidade, posto como garantia individual, é de inspiração iluminista,
constitui norma fundamental de direito penal, com gabarito constitucional, nos regimes democráticos
liberais instaurados a partir de fins do século XVIII.

Não se pode ignorar que o Estado Democrático Liberal, no qual o poder é apenas guardião dos direitos
individuais, já se integrou na história, e vem sendo gradativamente substituído por um Estado de matiz
democrático, mas de índole social. Ao Staats Recht sobreveio o Staat Sozial. Este, ao contrário de seu
antecedente liberal, exerce uma função ativa, sendo o poder eminentemente participativo, exercendo
múltiplas funções e atividades. E por via de conseqüências, aparece uma legislação disciplinadora desses
novos e variados afazeres do Estado, que pela variedade e número dessas tarefas, implicou no surgimento
de normas elásticas, amplamente abrangentes, que dão ao executivo e ao legislativo uma larga
descricionariedade, posto que esta faixa descricionária enseja formas diferenciadas de entendimento com
conseqüências na sua execução e na sua aplicação.

Também nos quadros do Estado Democrático Social a própria concepção do homem adquiriu uma nova
conotação. O “indivíduo” iluminista, foi substituído pela “pessoa” que não é apenas titular de direito, mas
que por viver em sociedade tem deveres para os seus consorciados, e para a sociedade como um todo,
titular de seus próprios direitos, de natureza transindividual e coletiva.

Em função dessa nova realidade, setores da doutrina constitucional e penal têm advogado um renovado
entendimento do princípio da legalidade, e se chegou a sugerir até a sua prática supressão. Alguns tem
recomendado o uso de tipos indeterminados e abrangentes que possibilitem a subsunção em seu âmbito
de um elenco amplo de fatos, ensejando, em nome de exigências de uma Justiça material, atuante e
presente, um perigoso grau de descricionariedade judicial. Outros tem preconizado o seu prático
abandono, como conseqüência da “necessidade” de proteção imediata de certos bens e interesses
coletivos que face a mora da lei penal com a relação a certos fatos, poderiam ficar ao desabrigo de
indispensável tutela imediata de natureza penal. Essas “exigências” tem feito surgir em certas
Constituições contemporâneas, e em convenções internacionais exceções ao postulado da legalidade dos
delitos e das penas. É o caso da norma contida no artigo 19, 11, da Constituição Portuguesa de 1976 que
embora prevendo no inciso I do mesmo artigo, o postulado da legalidade, dispõe que não fica impedida a
punição, nos limites a lei interna, da ação ou omissão que “no momento de usa prática seja considerada
criminosa segundo os princípios gerais do direito internacional comumente reconhecidos”. Idêntica é a
espécie do inciso II do artigo 7 da Convenção Européia do Direitos do Homem, que prevê como fonte
eventual do direito penal “os princípios gerais do direito reconhecidos pelas Nações civilizadas”.

Ressalte-se que o disposto no artigo 7 da mencionada Convenção Européia dos Direito Humanos, não
teve, neste particular, sua ratificação por todos os firmatários. A República Federal Alemã não aderiu,
sendo perfeitamente explicável esta atitude, pois este país não somente consagra em sua Lei Fundamental,
o princípio da legalidade, com expressa referência a determinação das normas penais incriminadores,
como em seu artigo 97 ordena que “os Juizes são sujeitos somente à lei”.

Em verdade entre o princípio da legalidade dos delitos e das penas, e as exigências do Estado Social não
existem reais incompatibilidades. Os ditos Estados democráticos sociais tem inarredáveis compromissos
com os valores pregados pelo pensamento iluminista, principalmente a liberdade. E para resguardo do
postulado da legalidade penal sem prejuízo da proteção penal dos bens coletivos e da justiça material,
basta, como ensina F. Palazzo, que “o legislador saiba traduzir em leis precisas os valores e interesses
substanciais” cuja tutela se propõe. Talvez uma “indeterminação” das leis penais possa, por vezes,
viabilizar uma mais integral realização da justiça substancial, mas é, na maioria das vezes, a porta pela
qual se introduzem formas variadas, e por vezes cruéis, de criminalidade legalizada17.

Pode-se, a rigor, sustentar que o Estado social contemporâneo, embora pese a sua fisionomia de agente
ativo, construtor de uma sociedade igualitária e justa, tem inserido em seu contexto certos postulados do
Estado iluminista, especialmente o da liberdade pessoal, por constituírem esses “direitos” condições
imprescindíveis ao homem para desenvolver a sua personalidade, e ter participação fecunda na melhoria e
no progresso social.

No Brasil a tradição constitucional, bem como o texto vigente, consagram a liberdade como direito
inviolável e o seu consectário que é o princípio da legalidade dos delitos e das penas. E pode se sustentar
que entre nós, por força de normas de gabarito constitucional, não há crime e não há pena sem lei “prévia,
atual e certa”.

b) O Princípio da Intervenção Mínima

Através do princípio da legalidade se impõem limites ao arbítrio judicial, mas como bem observou Gian
Dominico Romagnosi, –– escrevendo em 1791 –– o Estado, respeitada a prévia legalidade dos delitos das
penas, pode criar figuras delitivas iníquas e instituir penas vexatórias à dignidade humana18. Impõem-se,
para evitar uma legislação inadequada a injusta restringir, e mesmo, se possível, eliminar o arbítrio do
legislador.

Entendendo ser necessário enfrentar e dar solução ao problema em foco, a Declaração Francesa dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 8º determinou que “A lei apenas deve
estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”..., Punha-se, assim, um princípio orientador e
limitador do poder criativo do crime. Surgia o princípio da necessidade, ou da intervenção mínima,
preconizando que só se legitima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio necessário para a
proteção de um determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção se revelam suficientes para a tutela
desse bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de
proteção jurídica é que a mesma se legitima.

Nas legislações constitucionais e penais contemporâneas o princípio em causa, em geral, não se encontra
explicitado. Mas, –– segundo a precisa lição de Everardo da Cunha Luna, –– é um princípio imanente que
por seus vínculos com outros postulados explícitos, e com os fundamentos do Estado de Direito se
impõem ao legislador, e mesmo ao hermeneuta19.

Na literatura jurídico-penal italiana mais recente se tem sustentado que o princípio em análise encontra-se
implícito na Constituição peninsular vigente, podendo-se deduzi-lo de normas expressas da referida Carta
Magna. Tomando por base o texto do artigo 13 da Constituição italiana, que em seu caput, proclama ser
a liberdade pessoal inviolável, certos autores entendem que o constituinte quis limitar o âmbito dos
fatos puníveis dentro dos limites da estrita necessidade.

Também na Alemanha onde é viva e difusa a exigência de uma delimitação da área de interferência penal,
tem se postulado que por ser a pena –– como diz Roxin, –– “uma pesada violação dos valores morais do
destinatário”, deve o uso da mesma se circunscrever somente aos casos de verificada Strafwurdigkeit. E
que o conjunto dos valores constitucionais servem, –– como que Sax, –– de “limite intransponível ao
legislador ordinário, no sentido que nunca deve existir contraste entre o sistema constitucional dos
valores, e o sistema penal”20. E convém lembrar que a Lei Fundamental da Alemanha consagra, como o
fazem outras constituições, que “a liberdade da pessoa é inviolável” e em seu artigo 1º dispõe que a
“dignidade da pessoa humana é sagrada. E todos os agentes da autoridade pública tem o dever absoluto de
a respeitar e proteger”.

A Constituição vigente no Brasil diz ser invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à
segurança e a propriedade (artigo 5º caput), e põe como fundamento do nosso Estado democrático de
direito, no artigo 1º do inciso III, a dignidade da pessoa humana. Decorrem, sem dúvidas, desses
princípios constitucionais, como enfatizado pela doutrina italiana e alemã que a restrição ou privação
desses direitos invioláveis somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal para a tutela de
bens fundamentais do homem, e mesmo de bens instrumentais indispensáveis a sua realização social21.
Destarte, embora não explícito no texto constitucional, o princípio da intervenção mínima se deduz de
normas expressas da nossa Grundnorm, tratando-se, portanto, de um postulado nela inequivocamente
implícito.

Do princípio em análise decorre o caráter fragmentário do direito penal, bem como sua natureza
subsidiária. O direito penal, –– como já notara Binding, –– não encerra um sistema exaustivo de proteção
de bens jurídicos, mas um sistema descontínuo de ilícitos decorrentes da necessidade de criminalizá-los,
por ser este o meio indispensável de tutela jurídica22. Tem se entendido, ainda, que o direito penal deve
ser a ratio extrema, um remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do direito
se revelam incapazes de dar a devida tutela a bens de relevância para a própria existência do homem e da
sociedade23. O direito penal, pois, teria uma fisionomia subsidiária, e sua intervenção só se Justifica
no dizer de F. Munhoz Conde, “quando fracassam as demais maneiras protetoras do bem jurídico
predispostas por outros ramos do direito”24.

Todavia apesar do princípio da intervenção mínima ter sido consagrado no texto da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, editada na Revolução Francesa, e, pois, ser um princípio vinculado ao
pensamento iluminista que pretendeu reduzir a legislação em geral, e especialmente a penal, a “poucas,
claras e simples leis”25, a verdade é que a partir da Segunda década, do século XIX, as normas penais
incriminadoras cresceram desmedidamente, ao ponto de alarmar os penalistas dos mais diferentes
parâmetros culturais.
Carl Joseph Anton Mittermaier, em trabalho datado de 1819 já enfatizava ser um dos erros fundamentais
da legislação penal de sue tempo, a excessiva extensão dessa legislação, e a convicção dominante entre os
legisladores que a coação penal era o único meio para “combater qualquer força hostil que se pusesse em
contradição com a ordem jurídica”. Entendia, ainda, o Eminente penalista tedesco que a criação de um
número avultado de crimes era uma das formas em que se manifestavam a decadência não só o direito
criminal, mas da totalidade da ordem jurídica26.

Em obra aparecida em 1855, o magistrado e criminalista toscano Giuseppe Puccioni27, comentando o


Código Penal da Toscana de 1853, falava em “delitos de mínima importância política” e na “ameaça de
pena aflitiva de prisão a levíssimas lesões pessoais e a simples injúria”. Se sustentava que a ampliação da
área do direito criminal levaria “a duas induvidosas conseqüências: a primeira é de que os Tribunais se
achariam sobrecarregados, retardando a administração da justiça punitiva; e a Segunda é de um
agravamento das finanças públicas sobre quem recai o encargo de manutenção dessa ingente massa de
condenados”28.
Francesco Carrara em monografia datada de julho de 1883, –– “Un nuovo delito”, –– falava da
“nomomania ou nomorréia” penal. A praga de seu tempo, –– escrevia Mestre de Pisa, –– está em ter
esquecido o sábio aforisma da Jurisprudência romana, “mínima nõn cura praetor”29.
Franz Von Listz, por sua vez em 1896, em seu “Lehrbuch”, enfatiza que a legislação de seu tempo fazia
“um uso excessivo da arma da pena”, e que oportuno seria considerar se não seria aconselhável acolher de
novo a velha máxima “mínima non cura praetor”30.

Reinhart Franck, em artigo aparecido em 189831, usa, pela primeira vez a expressão “hipertrofia penal”,
salientando que o uso da pena tem sido abusiva, e por isso perdeu parte de seu crédito, e, portanto, de sua
força intimidadora, já que o corpo social deixa de reagir do mesmo modo que o organismo humano não
reage mais a um remédio administrado abusivamente.

No nosso século têm sido inúmeras as advertências sobre o esvaziamento da força intimidadora da pena
como conseqüência da criação excessiva e descriteriosa de delitos. Francesco Carnelutti fala em inflação
legislativa, sustentando que seus efeitos são análogos o da inflação monetária, pois “desvalorizam as leis,
e no concernente as leis penais aviltam a sua eficácia preventiva geral”32.

Em recente publicação, –– onde o fenômeno da hipertrofia do direito penal é ampla e exaustivamente


analisado, Carlos Enrico Paliero, fala em crescimento “patológico” da legislação penal33.

Todavia o fenômeno do crescimento desmedido do direito penal também ocorre no mundo anglo-saxão.
Herbert Packer em um livro intitulado “The limits of criminal sanction” registra que a partir do século
passado houve um enorme alargamento das leis penais pelo fato de Ter sido entendido que a
criminalização de toda e qualquer conduta indesejável representaria a melhor e mais fácil solução para
enfrentar os problemas de uma sociedade complexa e interdependente em contínua expansão34. Nos
Estados Unidos, Kadish em trabalho a que deu nome de “The Crisis of Overcriminalization” fala do
emprego “supérfluo ou arbitrário” da sanção criminal, ressaltando a existência, em seu país de uma
volumosa legislação extravagante, contendo uma massa de crimes, que em seu quantitativo superam as
disposições incriminadoras previstas nos Códigos Penais35. No Canadá, –– segundo informa Leclerq, ––
a comissão encarregada da reforma penal, fez, em 1974 um levantamento dos crimes previstos na
legislação canadense, tendo chegado ao um número assustador de 41.582 tipos de infrações criminais36.

No Brasil a “nomorréia” penal tem aspectos alarmantes, e, em alguns casos, –– como no Código de
Telecomunicações, até grotescos

O primeiro dos nossos códigos criminais, o do Império, de 16 de dezembro de 1830 sofreu, ao longo de
seus praticamente 60 anos de vigência, um número não muito expressivo de alterações e acréscimos.
Todavia, como já ressaltado em outras oportunidades37 o código em causa se, em parte, quando da sua
elaboração teve em alguns preceitos de transigir com as injunções da estrutura social então existente em
prejuízo de sua inspiração liberal, nas modificações posteriores foi obrigado por força dos interesses das
classes sociais dominantes a adotar normas em aberto em conflito com os princípios iluministas que o
inspiraram.
Diferente foi, no entanto, o ocorrido com o primeiro Código Penal Republicano. Elaborado
açodadamente, sofreu ao longo dos seus 50 anos de vigência, um número alarmante de alterações e
acréscimos, ensejando o aparecimento de uma torrencial legislação extravagante. E tão caótica era a
legislação penal brasileira que o governo se viu obrigado a editar em 1932 uma consolidação das leis
penais para que pudesse ter uma noção, mais ou menos precisa, da legislação penal em vigência.

O Código Penal de 1940, –– cuja parte especial está ainda em vigor, –– foi acrescido por uma série
vultuosa de leis que prevêem novos tipos penais, em sua maioria totalmente desnecessários e em
desacordo com as reais injunções sociais, e outros elaborados de modo a comprometer a seriedade da
nossa legislação penal, chegando em alguns casos a conotações paradoxais e hilariantes.

Na Europa o preocupante problema da infração penal levou a adoção de medidas visando de um lado a
despenalizar as chamadas bagatelas criminais, e de outro a impor ao legislador determinados critérios que
o devem orientar quando se tratar de criminalizar.

Na Itália o esforço de deflação penal começa em 1967 com a Lei n.º 317 de 03 de maio, prossegue com as
Leis n.º 950 de 09 de outubro de 1967 e Lei n.º 706 de 24 de dezembro de 1965, culminando com a Lei
n.º 689 de 1981, que revogou as leis anteriores. Esta lei, –– a de n.º 689 determinou a transformação dos
pequenos delitos em infrações administrativas. Despenalizou praticamente todos os ilícitos penais em que
previa a aplicação de pena pecuniária. E também descriminalizou uma série de tipos previstos no Código
Rocco, como o do artigo 687 que previa como delito o consumo de bebidas alcoólicas em tempo de venda
não consentido, e o do artigo 683 que tipificava o não recebimento de moedas que tinham curso legal.
Também foram objeto de descriminalização uma série de figuras contravencionais relativas a circulação
estradal bem como normas incriminadoras relativas a segurança pública.

Mas além dessa desinflação penal através da transformação desses irrelevantes ilícitos penais em ilícitos
administrativos, se realizou algo importantíssimo na Itália, ou seja, se estabeleceram os critérios que
devem orientar o legislador para que elabore tipos penais. Este instrumento de disciplina, de orientação
do legislador penal foi elaborado por uma série de jovens e talentosos juristas, salientando-se, dentre eles
os professores Francesco Palazzo, da Universidade de Florença e Emilio Dolcini, da Universidade de
Milão. Estas normas foram formalizadas através de circulares do Conselho de Ministro. A primeira
datada de 19 de dezembro de 1983 se chama “critéri orientativi per la scelta fra sanzione penale e
sanzione amministrative”. É datada de 05 de fevereiro de 1986. Fixa critérios orientadores para a escolha
entre delitos e contravenções e para a elaboração dos tipos penais. Os critérios recomendados para a
elaboração de novos tipos penais, segundo as circulares referidas, são o da proporção e da necessidade.
Em primeiro lugar para que se possa elaborar um tipo penal, dispõe as circulares mencionadas, –– é
necessário que o fato que se pretende criminalizar atinja a valores fundamentais, valores básicos do
convívio social, e que a ofensa a esses valores, a esses bens jurídicos, seja de efetiva e real gravidade. E
por outro lado, é indispensável que não haja outro meio, no ordenamento jurídico capaz de prevenir e
reprimir tais fatos com a mesma eficácia da sanção penal. Ou seja: é preciso que haja a necessidade
inquestionável e inalternável de tutela penal. Condição, portanto, para a criação de um novo tipo penal é
que o bem jurídico a tutelar seja de relevância superlativa para o convívio social, e que a forma em que o
fato o violenta seja realmente grave. Não se pode ignorar o igual tratamento dado pela doutrina penal
alemã a mesma matéria. Os tedescos sustentam que para criminalizar é necessário que o fato seja
merecedor da pena. E em segundo lugar que haja necessidade da pena. A rigor, em outra roupagem
semântica, os mesmos critérios referidos nas circulares italianas. O requisito do merecimento da pena se
mede pela relevância do bem agredido e pela gravidade da ofensa, que legitima o uso da sanção penal
pelo Estado38. O requisito da necessidade da pena se apresenta quando a sanção penal constitui o único
meio de reação eficaz, ou seja, no dizer do penalista alemão Günther quando, a não ser a pena, não sejam
disponíveis outras medidas menos radicais e igualmente eficázes39.

Não se pode ignorar, evidentemente, as dificuldades práticas com que o legislador se defrontará para, em
muitos casos, usar com correção, o critério da proporcionalidade e o da necessidade. Todavia, a simples
presença de tais axiomas orientadores na elaboração das normas penais, ainda que difícil, por vezes, sua
prática aplicação, tem o mérito de fazer “prendere conscienza”, quer dizer, tomar consciência por parte do
legislador –– e a expressão é de Francesco Palazzo ––, da necessidade lógica e legal da proporção e de
que, em se tratando da criação de tipos penais, é necessário ao legislador ter presente que ele tem o direito
de intervenção mínima, ou seja, tem o direito de criar o tipo penal quando o caminho da tutela penal se
apresenta como inarredável e inalternavelmente necessário.

c) O Princípio da Humanidade

O princípio da humanidade é, segundo o magistério de Hans Heinrich Jescheck o postulado “reitor do


cumprimento da pena privativa da liberdade”40 e consiste no reconhecimento do condenado como pessoa
humana, e que como tal deve ser tratado. É no não esquecimento que o réu é pessoa humana, –– conforme
escreve Eugênio Raul Zaffaroni, –– que repousa o princípio em causa41.

A consagração do princípio da humanidade no direito penal moderno, deve-se ao grande movimento de


idéias que dominou o século XVII e XVIII, conhecido como iluminismo. Os arautos do pensamento
iluminista advogavam a transformação do Estado, partindo de duas idéias fundamentais. De um lado a
afirmação da existência de direitos inerentes a condição humana, e de outro lado a elaboração jurídica do
Estado como se tivesse origem em um contrato, no qual, ao constituir-se o Estado, os direitos humanos
seriam respeitados e assegurados. Daí um direito penal vinculado a leis prévias e certas, limitadas ao
mínimo estritamente necessário, e sem penas degradantes42.

Com a criação efetiva do Estado preconizado pelo iluminismo, ou seja , como o aparecimento do
Staatsrecht, o elenco dos direitos humanos passou a integrar o instrumento jurídico do pacto social, ou
seja, as Constituições. E nestas se insere, como prerrogativa individual, –– além do princípio da
legalidade dos delitos e das penas, da pessoalidade e necessidade das penas, e outros, –– o princípio da
humanidade.

Já a Emenda VIII à Constituição de Filadélfia, ratificada em 1791, proibia as penas cruéis e incomuns.
Linguagem similar vamos encontrar praticamente em todas as Constituições do século XIX, e nas
atualmente vigentes. Idêntica, também, é a normativa dos mais importantes documentos internacionais
contemporâneos. A Declaração do Direitos do Homem, aprovada na Assembléia Geral da Organização
das Nações Unidas, em seu artigo 5º dispõe que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano e degradante”. A convenção americana sobre direitos humanos por sua vez no
inciso II do art. 5º ordena que ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido a
dignidade inerente ao ser humano. A Convenção Internacional sobre Direitos Políticos e Civis datada de
1966 prevê em seu artigo 10, I, que o preso “deve ser tratado humanamente, e com o respeito que lhe
corresponde por sua dignidade humana”.
A nossa Constituição Federal de 1988 consagrou em diversos dispositivos o princípio da humanidade. No
inciso XLIX do art. 5º está disposto que é “assegurado aos presos o respeito., à integridade física e
moral”; E no inciso seguinte está previsto que “às presidiárias serão asseguradas as condições para que
possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação”. Mas, onde o princípio em
causa assume relevância é no Inciso XLVII do mencionado artigo 5º onde se ordena que não haverá
penas: a) de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter
perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis

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