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Noiva-Cadáver, A

por Rodrigo Carreiro


O segundo filme de Tim Burton lançado em 2005 é um tributo nostálgico aos primórdios
do cineasta na indústria do entretenimento, quando ele trabalhava como animador para a Disney.
“A Noiva-Cadáver” (Corpse Bride, Inglaterra, 2005) é uma animação de visual belíssimo, que
resgata a velha técnica de stop-motion (já utilizada por Burton em “O Estranho Mundo de Jack”,
que ele produziu em 1993) e a leva a um novo patamar. O filme, uma comédia musical, confirma
a fase inspirada por que passa o norte-americano. Ele é o único diretor do cinema atual que
consegue filmar contos soturnos de forma infantil e alegre, mas sem deixar de ser macabro – e
esse é um elogio dos grandes.

A produção de US$ 40 milhões, considerada modesta para os padrões de Hollywood, se


constitui em um feliz casamento entre superprodução e filme caseiro. Em termos de tempo e
esforço, o filme é bem grande. Ao todo, os animadores tiveram que construir 34 cenários em
miniaturas. Para cada um dos 20 personagens importantes, construíram nada menos do que 14
bonecos de aço e silicone. As filmagens duraram 55 semanas, em Londres. Cada equipe de
animadores – uma por cenário – conseguia produzir em média quatro segundos de filme por
semana.

A maior inovação técnica é o uso de máquinas fotográficas digitais para registrar o filme.
Ao todo, foram batidas 109 mil fotos. Todo esse material foi animado com o uso de um
programa caseiro de computadores, o Apple Final Cut. Ao contrário do que muitos pensam,
Burton não esteve nos sets durante as filmagens. Enquanto dirigia “A Fantástica Fábrica de
Chocolate”, ele se reunia diariamente com o co-diretor Mike Johnson para aprovar e
supervisionar o andamento do trabalho. Em outras palavras, a produção de “A Noiva-Cadáver”
foi muito diferente do que existe normalmente nos bastidores de um longa-metragem, e muita
gente chegou a temer que a ausência física do diretor no dia-a-dia das filmagens pudesse ser
prejudicial ao trabalho.

O resultado final dissipou esses medos, e isso em parte se deve ao caráter mais intimista
com que Tim Burton conduziu o projeto. Ele se cercou de amigos e colaboradores de longa data,
como Danny Elfman (trilha sonora) e John August (roteiro). Além disso, colocou boa parte do
elenco do outro filme que fazia para gravar vozes de “A Noiva-Cadáver”, inclusive o amigo
Johnny Depp e a esposa Helena Bonham Carter. A mistura de tudo isso gerou um filme cheio de
energia e criatividade. Curto e engraçado, “A Noiva-Cadáver” apresenta as marcas registradas de
Burton por toda parte, a começar pelo visual gótico-vitoriano dos filmes de horror B. Ainda por
cima, corrige pequenos defeitos do antecessor de 1993, tendo menos cenas musicais, por
exemplo, e portanto ritmo mais ágil.

O enredo do filme é baseado em uma lenda do folclore russo. Passa-se na Europa do


século XIX, e conta a história de um rapaz rico, Victor Van Dort (Depp), que é obrigado a se
casar com uma moça de ascendência nobre, mas cuja família está falida. O detalhe é que
Victoria (Emily Watson) e Victor nunca se viram, até a véspera do casamento. Os dois são
românticos de carteirinha e a empatia é imediata. O problema surge quando Victor, durante uma
passeio noturno pela floresta local, põe a aliança no que pensa ser um galho de árvore que é, na
verdade, o dedo descarnado de uma garota local, assassinada na véspera do casamento. A
brincadeira desperta o defunto de Emily (Bonham Carter) e põe Victor numa torturante jornada
entre duas dimensões, o mundo dos vivos e o dos mortos.

A concepção visual distinta dos dois mundos é um dos maiores trunfos de “A Noiva-
Cadáver”. O diretor mostra os vivos em tons monocromáticos, cinzentos e melancólicos, quase
sem vida; já o universo dos mortos é apresentado em cores explosivas, alegres e vibrantes, muito
vivas. É uma inversão curiosa que ilustra bem a visão de mundo do diretor. O estonteante
trabalho visual dos animadores cria personagens bem divertidos. O mais interessante deles é a
minhoca que vive na cabeça de Emily e funciona como uma espécie de consciência, uma
referência sutil ao grilo falante de “Pinóquio”. Há também um barman cujo crânio é carregado
por besouros, e esqueletos por toda a parte. Lá, no mundo dos mortos, Victor reencontra o cão de
estimação da época quando era criança, obviamente agora um esqueleto canino (“Role! Finja-se
de morto! Ops!”).

Um dos pontos que mais chama a atenção é o extraordinário trabalho de iluminação,


pilotado pelo fotógrafo Pete Kozachik. Preste atenção, por exemplo, como a Noiva-Cadáver
possui uma espécie de aura suave em torno dela, mais ou menos como as antigas donzelas da era
de ouro em Hollywood eram retratadas (anos 1930/40). Para conseguir o efeito, Kozachik usou
três fontes de luz, dispostas de modo a criar uma auréola de luz em volta do boneco, nas cenas
com Emily. Ele fotografava as seqüências utilizando um filtro de difusão acoplado à câmera
digital. O efeito obtido é uma espécie de atualização de um antigo truque dos fotógrafos das
divas de Hollywood, que lambuzavam as lentes com vaselina antes de filmar as estrelas. Ficou
sutil e muito bonito.

Além das peripécias visuais, o roteirista John August e Tim Burton providenciaram
uma grande quantidade de referências a filmes e personagens do mundo do cinema. O piano que
Victor e Emily dividem numa das melhores cenas na cidade dos mortos, por exemplo, é da
marca Harryhausen, o sobrenome do maior de todos os mestres do stop-motion, Ray,
responsável por muitos filmes nos anos 1950. O personagem do pastor, vivido pela voz
cavernosa de Christopher Lee, usa um cajado e caminha encurvado, assim como o mago
Saruman “O Senhor dos Anéis”, papel anterior do ícone dos filmes B de horror. O cão de
estimação do protagonista lembra “O Estranho Mundo de Jack”. Um dos personagens declama
romanticamente a célebre frase de encerramento de “E o Vento Levou” (interessante notar que
pouca gente na platéia percebe a referência). Há referências em profusão e de todos os tipos,
para quem quiser procurar.

De nada adiantaria nada disso, contudo, se o texto não fosse bom – e as roteiristas
Pamela Pettler e Caroline Thompson (o roteiro recebeu forma final pelas mãos de John August)
entregam um texto seco e vigoroso, cheio de tiradas refinadas com o melhor do humor negro
estilo britânico, ferino sem ser escrachado. Só como exemplo: em certo momento, Victoria
questiona os pais sobre casamento sem amor. “E se eu e Victor não gostarmos um do outro?”. A
mãe responde: “Como se isso tivesse a ver com casamento! Você acha que eu e seu pai nos
gostamos?”, pergunta a senhora Everglot. “Um pouco”, murmura Victoria. “É claro que não!!”,
grita Finnis, o pai.

“A Noiva-Cadáver” marca mais um ponto positivo na carreira de Tim Burton, e revela


mais uma verdade fundamental no estilo personalista e exótico do criador. Sim, ele é apaixonado
por visuais melodramáticos e macabros, mas filtra esse universo lúgubre com um olhar infantil
inconfundível. Seus filmes abordam temas pesados, como a morte, com uma leveza e um senso
de humor desconcertantes, o que torna filmes como este apropriados para pessoas de todas as
idades. Ainda por cima, são raras as produções que deixam escapar, como “A Noiva-Cadáver”, o
prazer revigorante do criador que vê suas criaturas ganharem vida. Quando esse prazer acaba por
contaminar também o espectador, como aqui, o filme vira um organismo vivo. No mundo do
cinema, poucas coisas são tão entusiasmantes como isso.

O DVD nacional é da Warner e, embora o disco seja simples, o conteúdo é ótimo. O


filme aparece com excelente qualidade de vídeo (wide anamórfico 1.85:1) e som (Dolby Digital
5.1). Os extras consistem de uma série de featurettes (sete, com 50 minutos ao todo), todos
legendados, abordando temas como a técnica de animação com fotografias digitais, a criação das
vozes e o trabalho de design dos dois mundos. Uma galeria de fotos completa o pacote.

- A Noiva-Cadáver (Corpse Bride, Inglaterra, 2005)


Direção: Tim Burton e Mike Johnson
Animação (vozes de Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Christopher Lee, Emily Watson)
Duração: 76 minutos

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