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A maior inovação técnica é o uso de máquinas fotográficas digitais para registrar o filme.
Ao todo, foram batidas 109 mil fotos. Todo esse material foi animado com o uso de um
programa caseiro de computadores, o Apple Final Cut. Ao contrário do que muitos pensam,
Burton não esteve nos sets durante as filmagens. Enquanto dirigia “A Fantástica Fábrica de
Chocolate”, ele se reunia diariamente com o co-diretor Mike Johnson para aprovar e
supervisionar o andamento do trabalho. Em outras palavras, a produção de “A Noiva-Cadáver”
foi muito diferente do que existe normalmente nos bastidores de um longa-metragem, e muita
gente chegou a temer que a ausência física do diretor no dia-a-dia das filmagens pudesse ser
prejudicial ao trabalho.
O resultado final dissipou esses medos, e isso em parte se deve ao caráter mais intimista
com que Tim Burton conduziu o projeto. Ele se cercou de amigos e colaboradores de longa data,
como Danny Elfman (trilha sonora) e John August (roteiro). Além disso, colocou boa parte do
elenco do outro filme que fazia para gravar vozes de “A Noiva-Cadáver”, inclusive o amigo
Johnny Depp e a esposa Helena Bonham Carter. A mistura de tudo isso gerou um filme cheio de
energia e criatividade. Curto e engraçado, “A Noiva-Cadáver” apresenta as marcas registradas de
Burton por toda parte, a começar pelo visual gótico-vitoriano dos filmes de horror B. Ainda por
cima, corrige pequenos defeitos do antecessor de 1993, tendo menos cenas musicais, por
exemplo, e portanto ritmo mais ágil.
A concepção visual distinta dos dois mundos é um dos maiores trunfos de “A Noiva-
Cadáver”. O diretor mostra os vivos em tons monocromáticos, cinzentos e melancólicos, quase
sem vida; já o universo dos mortos é apresentado em cores explosivas, alegres e vibrantes, muito
vivas. É uma inversão curiosa que ilustra bem a visão de mundo do diretor. O estonteante
trabalho visual dos animadores cria personagens bem divertidos. O mais interessante deles é a
minhoca que vive na cabeça de Emily e funciona como uma espécie de consciência, uma
referência sutil ao grilo falante de “Pinóquio”. Há também um barman cujo crânio é carregado
por besouros, e esqueletos por toda a parte. Lá, no mundo dos mortos, Victor reencontra o cão de
estimação da época quando era criança, obviamente agora um esqueleto canino (“Role! Finja-se
de morto! Ops!”).
Além das peripécias visuais, o roteirista John August e Tim Burton providenciaram
uma grande quantidade de referências a filmes e personagens do mundo do cinema. O piano que
Victor e Emily dividem numa das melhores cenas na cidade dos mortos, por exemplo, é da
marca Harryhausen, o sobrenome do maior de todos os mestres do stop-motion, Ray,
responsável por muitos filmes nos anos 1950. O personagem do pastor, vivido pela voz
cavernosa de Christopher Lee, usa um cajado e caminha encurvado, assim como o mago
Saruman “O Senhor dos Anéis”, papel anterior do ícone dos filmes B de horror. O cão de
estimação do protagonista lembra “O Estranho Mundo de Jack”. Um dos personagens declama
romanticamente a célebre frase de encerramento de “E o Vento Levou” (interessante notar que
pouca gente na platéia percebe a referência). Há referências em profusão e de todos os tipos,
para quem quiser procurar.
De nada adiantaria nada disso, contudo, se o texto não fosse bom – e as roteiristas
Pamela Pettler e Caroline Thompson (o roteiro recebeu forma final pelas mãos de John August)
entregam um texto seco e vigoroso, cheio de tiradas refinadas com o melhor do humor negro
estilo britânico, ferino sem ser escrachado. Só como exemplo: em certo momento, Victoria
questiona os pais sobre casamento sem amor. “E se eu e Victor não gostarmos um do outro?”. A
mãe responde: “Como se isso tivesse a ver com casamento! Você acha que eu e seu pai nos
gostamos?”, pergunta a senhora Everglot. “Um pouco”, murmura Victoria. “É claro que não!!”,
grita Finnis, o pai.