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1.08 CINEMAS NOVOS DOS ANOS 60£ 90 IMPASSE DA COMUNICAGAO Uma t6nica dos cinemas novos dos anos 60 na Am6rica Latina foi a busca de novas formas de representagiio capazes dedarcontados processos mais fundosde sua realidade especffica. Tal se fez através de uma recusa dos padréesdo cinema industri- al mais voltado para a reprodugao das aparéncias, onde onaturalismo é aconvengio que estabelece limites muito claros para a discussio da ex- periéncia social. Embora nose pos- sa, em termes praticos, separar de modo absoluto determinados géneros tradicionais nema de autor™ © consolidados no mercado, sabe-se que os jovens que lideraram a reno- vucio do cinema latino-americano colocaramem discussaoas formulas usuais, inclusive determinadas for- mas de comédia popular, como a chanchada, ou tradicionais matrizes folhetinescas que haviam alimenta- do os melodramas do passado. Queriam uma dramaturgia liberta de clichés, impulsionadora da expressao autoral, sem as censuras do apa- rato industrial, estimuladora de uma cons- ciéncia critica em face da experiéncia contemporanea. Sem descartar as emogdes co divertimento, enten- diam que dimensao politi- ca das novas poéticas exigiaumalin- guage | ISMAIL KAVIER s | A forga e os | da matriz mi que deveria ir além da transformacao dos problemas em espeliculo. O que significa- Yaaconstrugiode ums linguagemcapazde “fazer pensar”. Ou s¢ja, no bastatia ao melhor cinema politico tematizar proble- mas candentes da vida social; era preciso inventar uma nova maneira de conduzir os dramas pois um trago essencial da produ- Go considerada mais mistificadoracrajus- tamente 0 de abordar os “problemas can- denies” trazendo embutids em sua estruty- ta dramética uma interpretagao redutora, voltada para a reprodugao de preconceitos € ndo para o-esctarecimento das questies (bastavalembrars produgiohollywoodiana, dominante nes mercados, e sua abordagem das quest6es raciaiy, da familia, do mundo: do trabalho). Desde Griffith, 2 indéstria do cinema colhera frutos do seu arrojo ac abordar“pro- blemas candcates” & sus mancira,¢ a expe~ rincia acumulzda dos “produtos de mas- sa” = no cinema, no tédio, na TV - havin mostrado 0 quanto era possivel tocar nas. feridas sem comprometer o estado de coi- sas, Em particular, determinados géncros. sapareciamcomoeficientes sohugéestlecom- ipceen gcc la pe ovidanetie das iniqiiidadescanalizada paraumacatarse que, longedeameacadora, era fatordeequi- \ibrio porque uferecia uma expressiia do- mesticada, reconfortadora, a determinadas inquictagées presentes no seio da socieda- de, Em décadas anteriores, no melodrama. de amor impossivel ou na comédia de cos- tumes, no estiveram ausentes miiltiplas questdes sociais de grande interesse, inclu- sive as que cnvolviam a propria opressio do cinema nacional (caso da chanchads brasileira); no entanto, o tratamento senti- mentaloua"solugzomalandra” em diregao ao final feliz estavam longe de satisfazer os novos cineastas que, mais “analiticos”,pro- curavam oferecer uma compreensio iluminadora da experiéncia histérica da ‘América Latina. Tal compreensio de ques- toes estruturais, julgava-se impossivel alcangé-la através de um cinema feito de dramas domésticos, habitsdo por encamagéesdo Mal aatomentar as figuras do Bem, com sus pedagogia feita de exces- sos sentimentais¢ lances de suspense, bus- cando as vezes a simpatia para 0 “lado cer- to" das forgaserti conflito, mas reduzindo'o social a0 confronto de vilics mal-encara- dos, vitimas inocentes ¢ hetdis redentores.. O novo cinema queris ir além da compai- xdo, das estruturas dramiticas de consola- G30; queria produzir conhecimento. Dentrodessaorientagia, talcinemateve, ‘ios anos 60), uma fase mais aventurosa de experiéncias, onde encontrou novas formas de combinur ficgiue documentirio, conci- liando os recursos do cinents modemo, consciente da linguagem, com a investiga- Gao de um universo social que solicitava (toda uma nova Otica para ganharexpressio mais conseqtionte nas tclas. Na busca do novo, discutiu as velhas {Ormalas para Superi-las: caso do Cinema Novo brasilei- ro frente A chanchada ov ao drama de fumnf- Jin 4 Nelson Rodrigues, caso de filmes cu- banos (lembro Lucia, Membrias do Subde- senvolvimento, O Outro Francisca, entre outtos) frente & tradigao do melodrasna. No ‘entanto, mim processo que é muito nitido, por exemplo, na experiéncia do cinema brasileiro, o novo cinema viu suas pesqui- $5 Se associarem a urna dificuldade de co- municagio com © piblico, 0 que gerou, como estratégia de uma parcela dos reatiza- dores ©, em seguida, como expressio de uma politica oficial de "conquista de mer- cado" nosanos 70, um movimentoderetor- noafGnmulastradicionais, una sedugao pelo naturalismo, pelos esquemas draméticos usuais na grande inddstria, os quais se ins- talaram na condugao de muitos filmes po- Costa-Gavras” ou sem cle. Pars sair do bindmio grandes autores/poueo piiblico, passou-se a procurar a incorparagio dos géneros de sucesso em nom de uma con- tinwidade de produgio, de uma pedagogia menos amibiciosa no plano politico, porque mais apressada ¢ “segum” em seus efeitos. 2. © NATURALISMO DA ABERTURA POLITICA Evocadoo movimento quenostevoudo cinema de autor mais radical dos anos 60, inicio dos 70, para o“retomo dos géneros” num perfodo mais recente, ev gostaria aqui de discutirurna tendéncia do fitme palitico que se vale de formulas de generos tradici onais como estratégia de mercado, dentro do que posso chamar de “nattralismo da aaberiura politica”, tendéncia que eneontre= mosna fiegiiode determinados paises quan= doestavam recém-saidos ov em viasde sait de cogimes militares. Concentro-me em observagies sobre dois exemplos, um de 1977, outto de 1983, que trazem em co mum otemado terrorismode urganizagoes. paramilitares de direita © suas operagdes MOrEVISTA USF extralegais de opressio: Liicio Flavio, o Passageiro da Agonia (1977), 0 filme bra- sileito de Hector Babenco, ¢ A Historia Oficial (1985), o filme argentino de Luis Puenzo, Tomo-os aqui como casos tipicos de um cinema eficiente no mercado, com- petente na fatura enquanto espeticuto, seja na esfera do filme de agéo ou do drama psicoldgico, filmes que buscarn projetar na iela uma verdade encoberia, um dado inconfessavel da ordem vigente,da realida- dede cada pais recalcada pela “hist6ria ofi- cial” de regimes militares caducos. Hé, nesies filmes, um movimento em diregio a ‘um realismo de denincia: reportar fatos polémicos da experiéncia histérica a partir da andlise de uma resposta individual, a da personagem- berbi-heroina a uma rede criminosa cuja dimensio é sociopolitica e guarda relacao diretacom ditaduras focalizadasnomomen- tode sua dissolugio. Meu objetivo € trazer a debate as implicagoes, para um cinema cujo compromisso € com 4 verdade, desta adogiodasfirmulasde géneros industriais, patticalarmente as do dhiller policial ¢ as do drama doméstico burgués. Ou seja, que tipo de verdade os filmes tendem a privile- giar quando atrelam odesmascaramento da mentira oficial a tais fOrmialas. 3. SOBRE LUCIO FLAVIO, © PASSAGEIRO DA AGONIA. Este filme tem como eixo de valores a ‘oposigdo entre a mentira pblica - expressa na grande imprensa, nas versies oficiais e ma TV - ¢ a verdade privada, expressa na vidainterior(aqualofilme tem acesso)ena intimidade do herdi. Observamos # grande rede de traigbes, conchuvos e exploragées que cnvolve policiaise bandidos nomesmo sistema de operagies, uma espécie de in- distria da violencia onde a captacdo darri- queza define uma divisio do trabalho: os bandides fazem o trabalho manial e assu- mem 0 risco maior dos assaltos, enquanto osburocratasdapolicia entram como apoio logistico (protecao, informagées, ete. auferindo lucros como “burgieses” do mundo do crime (a lei, aqui, € pura mira- gent). Em face deste contexto, € tragada, asso a passo, aagonia do bandido famosa m suas tentativas de manter a iniciativa num momento em que alteragGes no apare~ Iho repressive comegam a mudar as regras. do jogo, edecretam 0 colapso do esquema que di eficitncia ¢ Iucratividade as opera- tualidade, testemunhar a . .gbes do seu bando, Sdo momentos drams- ticos vividos pelo protagonista, em cres- cente dificuldade em seu confronto como mecanismo externo, social; momentos que observamos peloefeito que témem sua vida privada, partilhando, digamos assim, de sua perspectiva. Na composicio da agonia de Liicio Flavio, o interesse maior é penetrar ‘no universo pessoal irredutivel onde o fil- me quer encontrar algo essencial-que per manega como verdade maior” da persona- sua agio ¢fetiva como parte de uma engre~ nagem. O filme de Babenco s¢ pée como ports-voz de Licio Flavio, instincia de re- velagio da verdade porque“testemento” de quem sofreu na pele 0 proceso (isso se explicita logo de inicio ¢ o filme, por outro lado, ndo terminasem lembrar oespectador de que tudo 0 gue se relatou foi dito pelo proprio bandido a um repSrter). Temos, entio, o “filmic de agio”, a tramades assal- tos,a.ciranda da vida no fioda navalha, mas também um tratamenta da experiéncia do herGi que destaca, antes de tudo, a sua sin- cetidade, aswa coragem, asia “boa nature za”, tudo que pode colocé-lo na condigao de figdor da autenticidade do relato. Ele é violento, sim, Mas fica bem marcada a sua agdo france, de compo inteiro, onde o crime €um acidente de percurso que nao assume sendo quando est convicto de sua necessi- REVISTA USPREZ dade para a sobrevivéncia, ou de sua legiti- midade enquanto vingangs diante de um ‘laque indigno de quem otorturou protegi- doem sua identidade por um capuzou tee obando por interesse proprio. Esta violén- ia se distingue claramente da aco calcu- lada e fria da policia, onde violéncia ¢ tor- tura sao questdes de método, ea condugio dos gesios ¢ cinica, profissional, protegida pela ordem vigente, o mais das vezes and- ima. O her6i esté cercado pela cngrena- gem do mundo do crime onde 0 poder esti passando das mios de policiais corruptos, ‘com quem ¢ possivel negociar (emboraem condigéesdesfavoraveis),a policiais “linha dura”, igualmente corruptos porém associ- ados a uma doutrina de exterminio, limpe- zado social por todososmeios(ochamado ‘Esquadrioda Morte), Em contraposicgioaos, que nio tém limites nadefesa de interesses ese alinham a um “darwinismo social” de feigdes radicais, o herdi se destaca porque tem limite, dignidade, sentimentos de feal- dade de quem age como um bom menino que circunstincias desencaminharam mas que mantém seus valores basicos: ele des- perta em sua mulher uma paixdo verdadei- Ta, herdica cm sua Iealdade © no zelo a0 filho nascide em condigoes tie desfavors- veis; ele é protegido e recebe conselhos de um velho amigo da sua familia, cujo com portamento cestilosé tormam mais eonvin- centes as qualidades humanas do “bom menino” que chama de Noquinha, menino que viu crescer € ainda vé existit dentro de Liicio Flivio, como niicleo intoeivel para alémdascamadas visiveise piiblicasdesua performance social. A vada passo da natta> tiva, o protagonista reitera a utopia de uma vida nova, longe de tudo, com mulher filho; tenta realizd-ta, masa figura comupta de Moretti, policial, nio odeixa pular fora daengrenagem porque nio pode prescindir de tal fonte preciosa de dinheira. O percur- socfetivoé de crescente falta de safda dian- te do avango do poder do Esquadrio da Morte,com seus cdrceresclandestinos, suas cdimaras de torlura e execugdes sumiérias. Por certo tempo, Liicio Flavio recebe'o tra- tamento de super-herdi, o bandido compe- tente quesabe conduzirognipoe superar as armadilhas. Mas. dimensio realista do espeticulo vai criatide gradualmente um pathos de ragédia que tinge a aventura até © final quando se caracteriza, com toda énfase, a opgio pela verdade presente num Liicio Flavio indignado, que assume com coragem adenineia piiblica do Esquedrio, pret equivale a uma sentenga de mor- Ao configurar a agonia a partir deste acompanhar de perio: a figura do herdi, 0 filme privilegia sun experiéncia individual, sua visio das coisas, em detrimentode uma caracterizagio mais precisa c menos ficial de seu contexto (caso tipico é a “salu- Glo de compromisso” encontrada na repre senttagio da Policia Federal: sabe-se que Liicio Flavio morrew assassinado num momentoem queestava sob custédia desta policia, masela aparece, nofilme, comoum ‘corpo federal exterior &s engrenagens de corupelo denunciadas, espécie de grupo acima de qualquer suspeita como “os intocdveis” da série aorte-americana). O resultado € que prevalece uma nogio de verdade muito particular na representagio do social em Lacio Flavio, verdade que se fica coma idéia de “encenago.corre- ta” de cada episédio tal como vivido pelo protagonista, doador maior de sentido nes- tainvestigagaodo real. funde, se canaliza para a revelagaode uma “nobreza interior” com a qual a platéia se identifica moralmente em oposigsoa0"mai de lama” que a cerce. A estratégia de rela- Go com o piblico' implica, primeira, na encenagéo das proezas do super-herdi, Depois, na dramatizagavda agonia do indi- viduo isolado contra a engrenagem (nos termios da ficgao tipo filme noir), Sé-contra os podernsos, © herdi enconira a lealdade incondicional nas figuras do mundo priva- do, noladamente na paixio de sua mulher Janice, encenada com todos 0s excessos sentimentais de um melodrama que opse a pureza das relagdes familiares a perversio irremedidvel des outros agentes sociais, O valor que sanciona a positividade do herdi €osentimento elementar de lealdade fami- liar, apresencado“bom menino” Noquinha no wiulto Licio Fiivio, que morre porque mantém prineipios ausentes: nas figuras degencratlas que agem em nome da order, A oposigao central do filme € entre Autenticidade ¢ Hipocrisia. A verdade de cada um se alojaem seu nficleo privado, na intimidade que 8 agiio ¢ o discusso publica deixam deladozestaéanogioque alimenta acelebragio do heréi. Tal como natradican, nuturalista, © essencial € esta dicotomia piblico/privado que elege a “Verdade inte rior” do individaa como fonte maior do sentido, chave de interprotagao de sua agao social efetiva, Lembrando 0 melodrama convencional ao contririode se trabalhar o VBREVISTAUST contexto, indomaisfundonailuminagaode uma certa ldgica do social, acentus-se Virtude do herdi como sentimenta natural, “hoa indole" que, presente, resistente, per manece a0 longo do filme associada sos valores tracicionais da fami iio ereio serem muito ai lores que norteiam a representago do pro- blema social em A Histéria Oficial, filme mais complexo em suas articulagdes e de maior alcance tta feflexio sobre uma con- juntura nacional; no entanto, nio menos marcado por excessos sentimentais e 0 re- ‘curso ao suspense, ima vez que sua priori- dade, a0 tematizar a reatidade politica, é « dramatizagio da experigncia mais fntima de uma personagem sensivel afetada peto pprocesso social, foco ideal para sm jogo de projegdes ¢ identificagies de cunho moral queo filme assumeem toda asua intensida- de. 4, SOBRE A HISTORIA OFICIAL Oespago privilegiado da encenacio do drama nacional no filme de Puenzo é a fa- milia. Dentro desta, 0 confronto central envolve,deum lado, smulherburguesa que nJoperdeu um senso minimode identifica. go com a dor allieia, figura cuja sensibili- dade a impede de recuar diante de pergun- tas que podem provocar uma ruptiira em todo oseu sistema doméstico. Eenvolve, de ‘outro, 0 marido que precisa manterasmen- tiras, ou os segredos, que sustentarn oman do da boa aparéncia doméstica para com- pensar a dissalucso de toda uma ordem politica de que se aproveitou para enrique- ‘cer em cumplicidade com grupos interna- sionais, enquantoo pais afundava, O desta- que €, entio, a incidéncia do processo his- t6rivo to plano da intimidade, jomando ‘como referencia o contexto geral onde se ‘poem. 6m pauita a questio dos desapareci- dos, as manifestagdes das modes da Plaza de Mayo, as conversas sobre a guerra das Maivinas, a divida externa deixada pelo govemo militaz, 0 colapso da ditadura © instalagiode um novo quadro institucional dentro do qual os oportunistas de ontem: procuram apagar os sinais dos desmandos ‘encobertos pela repressio, ¢ revelam sua ansiedade diante das verdades que podeme estio vindo a Lona. Desde oinicio, duas énfases:a primeira, aomeiosocialem quese move ocasal (seus ares cosmopolitas, suas fofocas, preconcei- tos, eacionarismo, mesquinhez); a segun- da, aos tragos particulares de cardter de Alicia, muther conservadora mas sincera, capaz. de um enfrentamento direto com dados ou forgas adversas - diante de seus alunos, diante da amiga que volta do exilio para telatar a sua experigncia nas mios da repressio, diantedasinformagdes queemer- gem c deixam claro que sua filha adotiva podeserumadascriangasseqtiestradas, Of de pais assassinados pelo regime. Est4 ter- minado 0 periodo trangiilo, sob protegio da ditadura, cm que ¢la “niio sabia” ¢ nio perguntava 20 marido a origem da criange, ‘como no questionava nenhum dos esque- mas provedores da afluéncia de que usu- fruia. O filme relata 0 momento da crise € sua coragem em levar a interrogagio até o fim, dado de reparagao que a enobrece, em oposigao’s pressdes pars“ndo pensar” das do chefe ds familia. A cena piblica da crise nucionzal sc reflete na crise doméstica que, no fundo, a represenin, num jogo de espelhamumo nagio-familia que permeia toda a narrativa. Nao por acaso, o lado vilanesco do matido, sugerido a cada cena, seacentua na seqdéncin em que o casal vi- sita a farniia dele: 14 encontramos a figura digna do pai, sogro de Alicia, auténtica re- presentante da boa tradicko argentina a apresentar sua condenaco moral enérgica ao procedimento do filho. E, portanto, a propria farnilis do oportunista (seu pai ¢ inmio, num primeiro momento, sua mulher nusis adiante) que se pte como a instincia moral que conduz a cobranga, 0 ajuste de contas,¢o desnuda enquanto agente social ‘comprometida com morte ¢ tortura, vendi- doaosestrangeiros. Uma ver que é“navida ‘em familia” que 0 vilio exibe seu carster, é freqiiente 0 uso de toques melodtaméticos + ele se revela na discussio A mesa, com o pai e o femio, na brincadeira violenta com Octo de guards da casa, ns reacio procura da verdade conduzide pela sua mulher. A atitude de indignagio do sogro de Alicia é ocontrapontodoméstico da agio de protes- fo pela qual as mies as avs vém cobrar, na esfera piiblica, a verdade sobre seus fi Thos desaparecidos, tal comoes estudantes, na sala de aula, vém exigir da professora Alicia umameméria nacional auténtica em Seu curso, a versio hiio oficial de episidios da histéria argentina: © momento € de co- branga geral pela verdade ca modilizagio nacional nioexinte os que “nao sabiam” da ‘cumplicidade ¢ da culpa, Alicia responde a0 momenta com autenticidade - que deve ser imitada, sugere o filme - © conduz a REVISTA USPTO busca da verdade sobre Gaby, tiva. Sofre mas toma a iniciativa, investi aorigem da menina, observa as manifesta- (ges na praca, assume.o problema sem sub- terfigios ¢, quando € abordada pela possi- vel av6 da menina, nio hesita em trazé-ta para dentrode casa, dtimo estigio de uma invastio da domesticidade pelo momento histérico que o marido definitivamente nao aceita. A tensio acumulada explode de modo 2 selar de vez a covardia dele, sua fuga da responsabilidade, sua inclinagio histérica que resulta nos requinies de uma agressfo fisica vingativa, sddica, que proje- ta sobre a cena doméstica a sombra de uma pritica repressiva coma qual sabemosestar cle “tabituado”. O filme, de comego a fim, se pauta por um estilo de expressao bastante eficiente em sua pedagogia; os sentimentos das per- sonagens ficam sempre claros, transparen- tes, 1ipo“vejamcomoeleé” ou"vejamcomo ela sofre a possivel perda da menina mas enfrenta a verdade”. A esta pedagogia sen- timental nio falta aexploragio dos contras- tes entre a inocéacia da menina Gaby 0 -viver seu dia-a-dia e os abalos & sua volta que tém ela propria como centro. A catarse final exacerba esta tencéncia ¢ a intensifi- cagiodo drama chega, ai,a0 excesso maior (0 cara a cara do casal na hora da verdade, a violencia do marido e a fuptura ganham uma pontuagio sentimental na voz da me- nina ao telefone que, entregue por Alicia & familia da marido, permanece em sua ino- céncia). Criadas as tensdes, 0 filme segue sua propria lei e nio sonega a descarga fi- nal, ponto de acumulacao das emogies em toro da crianga cajo destino maniém em suspenso, como uma espécie de metiifora para a propria nado em crise, Ou seja, 0 drama nacional se desenha na medida c nos excessas deste dramadoméstico onde trai- fo A verdade ganha foros de escindalo moral porque realizada na esfera da ofensa aos sentimentos considerados os maisinalu- raise universais, Eporesta via queadentin- cia procura realizar sua intengio politica: desautorizar um regime pelos seus exces- sos (quem chega a este ponto de violéncia nio pode ter razio em qualquer outro pla- no). Maso prego pago € a reducio de todo oprocesso a esta polaridade que opde regi- me criminoso ¢ vitinaas inocentes sem es- pecificar as termos do conflito, Hi um es- forgoem despolitizaras vitimasda ditadura trazidas a primeiro plano: a vilania do regi- me'se desenha no plano do atentado a “na- tureza humana”. Ha o dado central da ino- céacia infantil seqiestrada ¢ transformada ‘em mereadoria pelos earrascos; hd o cuida- do em esclarecer qite a amiga de Alicia ja nao vivia como militantede esquorda quan- do foi presa¢ torturada. Ao mesmo tempo, apassivel avé de Gaby, quando fala do jo- vemcasal desaparecido, seufilhoesuanora, destaca as suas virtudesdomésticas, oamor juvenil, ocasamentona igreja,o respeitoas Iradigaes de familia - tudo se fala para res- saltar 0 que tinham de comum com tantos outros jovens casais, restando © siléncio sobre o que poderia colocar em paula eon- tetidos ideolégicos, explicitar em nome de que valores morreram ¢ que projetos afinal foram destruidos pela ditadura. Tais con- tetidosideolégicos, tais projctos destruidos, uma vez especificados come fonte de valor, lrariam uma definigao do papel histérico conereto da ditadura que fica dificil intro- duzir; ou melhor, nao ha interesse em intro- duzir. A esiraiégia é trabalhiar a repressio como um Mal que se abate sobre a nacio em formios genéricos ¢ ofende os sentimea- tos naturais, gerando a indignagéo, o pro- testo, a resisiéncia em que se destaca a rei- vindicagio da farnilia, a procura dos desa- parecidos, Reivindicagio ¢ procura que ‘constituem, sem divida, experiéncias cora- josas e da mais alta dignidade enquanto ‘oposicao a0 regime, construcaode sua que- Haaium de mobilizacio naci- onal que A Histéria Oficial, com toda pertinéncia, coloca em pauta. O que acen- tuo aqui é 0 fato de fazé-lo de modo a se apoiar no potencial melodramitico da situ- agio, inscrevendo a discussao da luta pol fica numatradigiode género, Filme moder- no, A Hisidria Oficial nio assume « cliché sem deslocé-lode um modo que guarde seu interesse: relata a histéria de uma “tomada de consciéncia” nos moldes que lembram A Mae (Gorki, Pudovkin) ¢ outros filmes, mas se concentra na figura da mac beneficidria da ordem em dissolugao, nio nas figuras matemas.oprimidas ¢ mililan- tes. Alicia ni é heroina de uma pedagogia revolucionéria, nem tampouco heroina de um melodrama mais arcaico onde tudo se redime ¢, no final, a famiflia se recompoe, criancas salvas, adultos felizes. Q marco realista requer um desealice que promova odesmas-caramentoda figura do Male, 0 mesmo tempo, assinale os impasses da questionnacional tal comoexpressosnacena doméstica: quando Alicia sacrifica tudo € abandona casa ¢ marido em nome da verda- 120 REVISTA USP de, resta a pergunta pelo destino de Gaby, queé uma pergunta mais ampla pelo futuro que, afinal, ecoa ac longo do iiltimo plano dofilme (Gaby sozinha nacadeira de balan- go é uma patente alegoria). Este dado de inconclusio eo sactificio de Alicia, toques de modemnidade no tratarmento do melodra- ‘ma matemo, nio impedem que este deixe sua marca no alcance da reflexéo politi canalizada para suspenses ¢ excessos tipi cosdo génerocom suas redugdesdesentido na abordagem da experiéncia histirica. Afinal, hé clara afinidade entreeste género dramético - quando assumido sem a ironia de um Bufuel, por exemplo~e uma certa pedagogia voltada para um diagndstico social que considera, acim de tudo, 0 pro- blema da natureza humana como foco do conflilo. entre disposigées para o Bem © para o Mal, disposigdes que se expressam, ficcionalmente, na lida das personagens com aquelas relaghes consideradas mais natu- mis, elementares, eternas (as que envolvem 6s lagos de sangite). A atengio voltada para a mulher burguesa, pertencente & camada dos que, uma yez despertados para'a crise, assumem dignamente seu compromisso com a yerdade, valoriza a experiéncia de uma personagem que encamaasobreviven- cia, a dignidade ¢ a relevancia de um humanismo burgués (disposigao a respei- tar 0s “lagos naturais”, o espago da privaci- dude) no processo de superagéo do trauma nacional. Alicia seria, nesta Ieitura, a encaragéo de uma “reserva moral” pre~ sente na elite do pais, sua fragio capaz de assumir aculpa, reparar suas omissdes ¢ ser radical na priticadcum civismo que querse levar a sério. Destacada como figura da autenticidade ¢ da “verdade interior” assu- mida, cla age como quem expressa um sen- sonatural deresponsabilidadecapazdegerar © gesio que, motivado pela esfera privada do sentimento, alcanga alta siggnificagio social sem que haja a necessidade de uma identificacio com projets poliiicos defini- dos, ou até mesmo uma discussie deste problema. O opositor de Alicia traz para dentro de casa as marcas da disposigio con- tritia: fuga 4 verdade, inautenticidade, agressio aa espago do outro, E por estas marcas que ele caracteriza € compromete moralmente a ordem que defende. Tal como o marginal Licio Flivio, « burguesa Alicia se dignifica pelaafirmagao de tuma nobreza moral vinculada ao espago da familia, instituigaoque, no filme de Luis Puenzo, € tatada de modo mais explicito, como metifors para a nagio, Com estes pardmetros se trabalha a deniincia, dos cri- mes contra os direitos humanos cometidos por uma ordem social que nie se explica em suas articulagdes, porque se supde intuida em sua esséncia, ou melhor, reco nhecidanaface canhestridosviloes(opres= suposto € que 0 Mal nio se explica, ele se desenhanaaparéncia), A regradojogo,nesta forma “pés-cinenias novos” de retorno dos _generos industrisis, é permaneverno plano mortl, trabalharsempreamesmadicotomia ‘cm que 0 positivo € 0 negativo se expres- sam partit de disposighes de amar e dio, ‘coragem e covardia (tal tendéncia se esten- de em diferentes diregdes, incluindo a tematizagio da violéncia nos filmes humanistas mais recentes de Hollywood, onde se acrescenta, as tradicionais virtudes do herdi, a ostentagio da disciplina do cor- po-méquina ¢ da inteligéncia high tech): Em tal cinema, onde est entao a pedta de toque do valor? Na exclusiva autentici- dade dossentimentos, ouseja, no individuo e sua “verdade interior”, fooo de sua reso- lugdoe de seu sacrificiona condigaoudver- $1.4 que nio se furta. O que acontece nos filmes aqui em pauta - produtos de cinema- togeafias periféricas com as quais, vake re- petir, estamos identificados - reproduz, numa situacao particulaum mecanismo que é recorrente nos filmes dispostos a 'to- car nas feridasdo social sem perder audién- cia, principalmente quando.o que se procu- rag umaadaptagaoao novo regime interna- cional de padtonizagio dos roteiros e das dramaturgiss, Dentro de tims estratégia de relagio com grandes circuitos de mercado, a eleigio do sentimento como pedra de to- que do valor entcontra um perfeito ajuste, pois o privilégio 8 “verdade interior” éam dado que produzo consenso apto a garantir uma boa cumplicidade entre o filme e as mais diversas platéias ciosas do seti humanismo. Nesse sentido, sem querer minimizaro planoéticoouaesfera privada, pilares do drama nos filmes aqui comenta dos, creio serlegitimoquestionaraexclusi- vidatle destes lugares como cixo do debate politico do diagndstico social; creio que se deva sublinhar os limites de um género de discurso que se mostra eficaz na comu- nigagdo, mas cujo prego € reduzit o hori zonte de comprecnsio do social, ‘equacionando-o nos termos de uma dina- mica feits do conflito entre nobreza de ca: rater € vilania como dotes que 0 Individuo deve & Natureza: REVISTAUSP 12D

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