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A INSTITUICAO COMO VIA DE ACESSO A COMUNIDADE Jacyara C. Rochael Nasciuti As questies ligadas as instituigdes sociais tam despertado cada vez mais a atencao e o interesse de estudiosos das iéncias humanas e sociais. Isso pode ser constatado tanto nos meios académicos, com objetivos de construcio teéri- ca e de pesquisas, quanto nos grupos de atuacao eminen- temente pratica, cujos objetivos primeiros so: a aco social ea reflexao sobre as diferentes praticas e seus efeitos junto aos grupos interessados. O objetivo deste texto é 0 de buscar clarificar as interrelagdes entre instituicdes e comunidade e discutir 0 lugar que esse tema ocupa na psicossociologia. Assim sendo, & importante iniciarmos essa exposicio contextua- lizando os conceitos utilizados, para em seguida, refe- renciando-nos em pressupostos tedricos e metodolégicos espectficos, discutirmos a pratica do psicossocidlog> em instituigBes, nas perspectivas da psicossociologia de comu- nidades'. 1A preferencia pelo temo “psicossociologia" ao de “pscologa soca” segue a Matson inverso, mas pressupce sim uma inleragio ente ambos (Malsannine 1977) Por que a instituicao? Quando alguém ingressa como aluno em uma univer- sidade, seja ela qual for, tem certas expectativas com relac3o a sua vida nessa instituicao, a maneira como vai ser visto e tratado pelos funciondrios, pelos professores, pelos colegas e até mesmo por pessoas estranhas & universidade, Da mesma forma, espera que essas pessoas se comportem conforme os lugares que ocupam na hierarquia institucio- nal, assim como pressupde que os conhecimentos que al Ihe serdo transmitidos sejam coerentes com o prestigio ea fungio de uma universidade, da qual espera ainda obter um diploma que seja reconhecido publica e oficialmente, the permitindo assim o ingresso no mercado de trabalho. Enfim, 0 aluno pressupde que seus objetivos, de forma geral, coincidam, pelo menos em parte, com os abjetivos das outras pessoas que ali se encontram e da prépria universidade enquanto instituigao de ensino. Isso também acontece quando alguém se interna em um hospital, como aciente, ou quando ingressa no mesmo hospital como profissional (médico, enfermeiro, psicélogo, técnico-admi- nistrativo etc.) Sabemos que, quando ingressamos em uma instituigo qualquer, temos que nos conformar as regras, cumprit exigéncias, desempenharmos um papel que jé nos pres- crito de antemao. £ um pequeno mundo, uma pequena sociedade na qual vivemos. Por outro lado, é ali também que queremos ser reconhecidos em nossa singularidade, que queremos fazer valer nossos direitos e vontades, re Zar nossos objetivos individuais. E assim como nés, todos 0s outros que ali se encontram, nao importa a posigao ou papel desempenhado, todos buscam o mesmo (isto é, cada um visa atender seu objetivo individual), se deparando, entretanto, com um mesmo quadro institucional. De um. lado, 0 coletivo, o social, determinante das regras, das leis, 101 dos papéis e das formas estabelecidas de inter-elacdo entre 08 individuos. De outro, as diferentes necessidades (cons- ientes) e desejos (quase nunca conscientes) de diferentes, individuos, também determinantes de suas aces. E 0 palco das articulagdes e desarticulacdes entre tais determinantes de origens diversas (social e psicolégica) é justamente a instituigao. Viver coletivamente implica, assim, em instituirse em organizacoes, o que significa divisao de papéis, divisio de trabalho e, bem ou mal, hierarquizacdo das relacdes sociais, estabelecendo-se, como conseqiéncia, as relacdes ce po- der que permeiam toda e qualquer relacio social Voltemos entdo & questo colocada: Por que a instituigo? A instituigo, como campo de pesquisa e de acao para a psicossociologia de comunidades, se mostra como lugar iado, pois constitul o espaco socialmente organizado ino qual se dio as articulagdes entre os diferentes elementos sociais (econdmicos, ideoldgicos, culturais e politicos) e os elementos psicologicos. Essas articulagées, como veremos mais a frente, podem ser apreendidas através da andlise psicossocial realizada no proprio real institucional (Rochael Nasciutt, 1991). Os dispositivos institucionais oferecem (bem ‘ou mal) aos individuos a possibilidade de manifestacoes psiquicas, de confrontacao interpessoal e de aco individual, ‘20 mesmo tempo em que representam, em sua estrutura organizacional, as imposicbes legais, politicas e econdmicas que regulamentam a sociedade. Lugar, portanto, do conflto inerente & vida coletiva e & inter-relacdo entre os individuos, Contflto que pode se manifestar através do disfuncionamento manifesto no nivel organizacional, ou nivel subjacente, mas- carado em priticas rtualizadas. Mas, 0 que ven a ser mesmo uma instituigao? O termo “instituigio” vem sendo usado, no contexto da psicossociologia, por diferentes teéricos, fundarnenta- 102 dos principalmente em Castoriadis’, para designar, em principio, tudo aquilo que no social se estabelece, aquilo que € reconhecido por todos como fazendo parte de um amplo sistema social. De maneira geral, podemos dizer que tudo aquilo que se tornou instituido, reconhecido como tendo existéncia materializada na vida social é instituigac Nessa concepcao ampla do conceito, o “menino de ru por exemplo, passou a ser uma instituicdo social em nosso pafs atual, uma vez que a existéncia de uma ampla legiao de “meninos de rua” é reconhecida pela sociedade civil e mesmo oficialmente pelo Estado. Pademos citar os siste- mas formais de ensino, de satide, 0 casamento, a Igreja e © Estado, como exemplos de grandes instituicbes que regulamentam a vida em sociedade. Essas grandes institui- des, no entanto, se concretizam na realidade social em redes de estabelecimentos de ensino (colégios, universida- des}, em hospitais, nas familias, nas paréquias locais e nas repartigGes piblicas, distribuidas (de forma equilibrada ou nao) pelas diferentes comunidades que compdem o tecido social. Na verdade, essas “unidades organizacionais insti como uma universidade, por exemplo, passam a existir n30 sé como parte, como estabelecimentos das grandes ituigdes (no caso, a instituigéo educagao), mas passam a ter vida propria e so instituicBes em si mesmas. Elas sao ligadas a cultura local, fluenciando e sendo influenciadas pelos contextos social, politico e econdmico nos quais se inscrevem, atravessadas pelo imagindrio soci incluindo ainda um sistema simbélico proprio. Podemos. assim falar em instituigdes existentes dentro de outras 2, Comelius Castriadis, pensador de oxgem grea, faz parte da intlectulidade francesa cantemporanea. Seu ivo."A insta imapinia ca sociedade™ Serv de base para o desenvolvimento de diversas estudos eters igadas 20 imapinsrio 103 instituigdes mais amplas. Além disso, existem inGmeras outras instituicdes sociais autonomas que permeiam a namica social, com diferentes objetivos, surgidas espontanea- mente dos movimentos sociais e da realidade hist6rico-soci (como as associacdes de trabalhadores, de moradores ou as Organizacdes Nao-Governamentais). A importincia que as, instituigdes tém na organizacao da vida social, tanto quanto na organizaco da vida individual, é reconhecida pela psicos- sociologia, que faz destas um de seus objetos privilegiados de estudo, como colocado acima. Situemos, a seguir, os principios tedricos que embasam essa linha de estudos. Os pressupostos da psicossociologia Na perspectiva da psicossociologia, 0s processos ini viduais (conscientes e inconscientes) so considerados ‘como tendo o mesmo grau de importéncia que os proces: 508 sociais. Assim, nesse espaco de articulacao teérica que a psicossociologia se insere, nfo hé uma redugio dos processos sociais as projecdes imaginarias individuais nem se considera que o psiquismo individual seja totalmente sujeito aos determinantes objetivos da realidade social. € verdade que o social atua de forma determinante sobre 0 comportamento individual e mais ainda se inscreve no corpo e no psiquismo do individuo, na representacio que ele faz de si mesmo e dos outros, e nas relacdes que ele mantém com 0 outro. Porém, esse mesmo social obedece, em sua organizacao, aos ditames das vicissitudes humanas, das exigencias psiquicas individuais. Nessa dtica, “social” é tudo aquilo que se refere 4 coletiva organizada e “psicolégico” é tudo o que se refere a0 individuo, tanto no nivel consciente quanto no incons- ciente (como ator social responsével e como sujeito do \consciente), embora no sejam entidades estanques e idependentes entre si, Pelo contrario, sao indissocidveis: 86 podemos nos referir ao social e ao psicolégico como forma didatica de falarmos de espagos que na realidade se confundem. Se a psicossociologia considera seu objeto de estudo (0 homem em situacdo social) como complexo atravessado por miltiplos determinantes, € conseqiente- mente logico que procure estabelecer relagées e articula- GSes entre contribuices teéricas das diversas disci que sob suas especificidades analisam as questdes que chamamos de psicossociais. Assim, os fundamentos tedri- cos da psicossociologia sao multi-referenciais: contetidos principalmente da sociologia e da psicandlise vém se juntar, aos contetidos da psicologia social, assim como os de disciplinas afins como a antropologia e a historia. Esses diferentes saberes que se complementam sdo articulados entre si, na tentativa de apreensao do sentido das atividades sociais humanas, Articulacées dificeis e pe- rigosas, pois a transposigao de conceitos elaborados dentro de um corpo tedrico para outros campos de saber nao pode se dar de forma a descaracterizé-los ou torndos sem sentido, ou, pior, desvirtué-los das significagGes epistemo- l6gicas nos quais foram moldados. Trata-se, na verdade, de relages possiveis de serem estabelecidas entre orienta- Bes congruentes dessas disciplinas, onde os conceitos especificos resguardam e respeitam seus contextos de origem. Mesmo em uma dinica disciplina, como na propria, psicologia, existem diferentes olhares, conceitos diferentes ‘ou até divergentes entre si. E mesmo nessa "forma interior” de teorizacao, decorrente da postura de tedricos e pesqui- sadores em psicologia, frente 4 vida, as ciéncias e ao conhecimento comum, mesmo assim, buscamos estabele- cer relages entre nossas teorias, visando uma maior com- preensio da realidade complexa, esta, sim, impossivel de ser explicada e compreendida a partir de um nico olhar disciplinar. 105 O campo da psicossociologia € 0 dos grupos, das instituigbes, dos “conjuntos concretos” (conforme define psicossocidlogo francés E. Enriquez, 1983), nos quais o individuo se encontra e que mediatiza sua vida pessoal ea coletividade. Diversos tedricos da sociologia e psicossocio- logia contemporanea, como Alain Touraine, Pierre Ansart e Eugene Enriquez, na Franca, enfatizam aspectos indi ais e psfquicos na dinémica social, principalmente no que se refere A sua constituicdo simbélica e imagindria. Por ‘outro lado, as obras ditas sociolégicas de Freud’ contri- buem para a compreensao da organizacao social quanto 4 carga de projecdes psiquicas que ela comporta. A concepcio do “ser hist6rico” para a psicologia social (conforme desenvolvida por S. Lane) inclui os aspectos ideol6gicos e da consciéncia que marcam a atividade do homem na sociedade, contribuindo assim para a andlise psicossocial junto a grupos, instituicées e comunidades. Historicamente, a anilise psicossocial institucional se liou a correntes tedricas e metodolégicas de diferentes origens. De Kurt Lewin, herdou a nogio de campo dina 0, cujos elementos se encontram em interdependéncia e ‘gfupos € instituicBes reais. Através da psicandlise freudiana, busca a compreensdo dos investimentos psicolégicos na formacao do social e das formas de manifestagao e proje- des do inconsciente nas relacdes sociais, nas quais 03 individuos reeditam as relacdes “pais e filhos” e fantasias arcaicas. De Marx, a nogao de que o social é a condigao hist6rica e determinante da existéncia humana, o materia- mo hist6rico, analisado em termos de conflto de classes. Das proposicdes aparentemente inconciliaveis de Freud (0 homem € 0 lobo do homem) e de Marx (a existéncia humana é social por natureza), diversos estudiosos funda- ram seus projetos teéricos (mesmo se alguns desses cafram no ostracismo académico, como Reich e Marcuse), recor- rendo ainda a te6ricos da sociologia e da antropologi O movimento institucionalista, de origem basicamente francesa, se apéia nessas principais correntes acima citadas, Desse movimento fazem parte e tém relagdes préximas com a psicossociologia: 1) A sociopsicanalise, de Gerard Mendel, busca conciliar as referéncias a Freud e a Marx, intervindo em institu ‘Bes onde busca responder a demanda de uma “classe institucional” conforme o lugar que esse segmento ocu- pa no aparelho de produgao da instituicdo, nas relagdes de poder, atento as projecdes inconscientes dos indivi- duos. Por exemplo, intervindo em sua companhia de 6nibus urbanos, solcitado pelo segmento dos motoris- las, ele trabalhou sobre as relacbes dos motoristas com 05 outros setores e analisou afetos ligados as suas ativi- dades e ao lugar que ocupavam na empresa. 2) A psicoterapia institucional, representada, principalmen- te em suas origens, por Tosquelles, |. Oury e Guattari, se interessa basicamente pelas instituigoes psiquiatricas € a forma como estas reproduzem as relagdes de alie- nagao e de cristalizaco na perpetuacdo da doenca mental. Todo 0 movimento de desinstitucionalizagao desenvolvido na Italia e liderado por Basaglia nos hospi tais psiquidtricos visa o questionamento da eficécia des- sas instituigdes e busca sua dinamizagao, através da ruptura do “instituido”. Nessa perspectiva, 0 lugar de cada profissional no hospital e sua "funco terapéutica” sdo questionados, seja 0 médico ou 0 faxineiro. 107 3) A socioandlise, ou anal cconforme conce- bida por Lapassade e Lourau, tem origem na sociologia. A andlise institucional visa a revelacio do nio-dito, do “recalque politico”, revelagio esta que nao é feita pelo analista, mas pelos analisadores, que sao sintomas con- traditérios, reveladores do disfuncionamento, das con- tradiges e conflitos institucionais (uma greve, um sui- Cidio, um caso de assédio sexual, por ex.). (O que se busca, em todas essas linhas, apesar de suas diferengas, é uma mudanca nas relagSes sociais, pelo ques- tionamento de praticas instituidas e cristalizadas, pela refle- xio sobre a condi¢Zo histérica que permeia as inter- relagGes institucionais. Buscase 0 movimento onde se manifesta a estagnagao, a naturalizacao do instituldo, e essa busca se dé através dos atores sociais. Daf, a impossibilida- de de dissociacao do social e do psicol6gico. Dai, o sentido clinico da pesquisa e da pratica ~ a intersubjetividade, onde fenémenos psiquicos ocorrem entre individuos, isto socialmente: nos grupos, nas instituicdes, nas comunida- des, no social mais amplo. © dogmatismo, que marca um corte na rede das ciéncias humanas e sociais, ndo impede que diversos estu- diosos defendam a idéia da teoria sempre em construcio, jamais conclufda. Mesmo mantendo suas especificidades te6ricas, procuram, através da interdisciplinaridade, chegar ‘um pouco mais perto desse “objeto-sujeito” de estudo que somos nés, seres que se inter-elacionam socialmente. icossociologia nas inst icdes © administrador de empresas olha para a instituicdo enquanto organizacao de trabalho, buscando “azeitar a maquina”, com objetivos de aumentar a producio e 0 108 lucro, mesmo que para isso se interesse pelo homem enquanto peca de produgao. O sociélogo vé nas ‘organizacao social do trabalho ou das relacdes s6cio-eco- nd- mico-politicas, sob a égide do determinismo social. A psicanilise busca enxergar as rias das mazelas e desejos do inconsciente individual. O psicélogo da inddstria dirige seu olhar para 0 comporta- mento, as habilidades e capacidades individuais (mensuré- veis em escalas) € 0s processos grupais, seguindo uma légica instrumental das relacdes mercant O psicossociélogo, quanto a este, tentaré olhar para a realidade institucional enquanto “objeto complex” de pesquisa, dotado de um sistema simbélico que Ihe dé um sentido social, atravessado por um imaginério social, pro duto e produtor de imaginérios individuais. A instituicao € muito mais que uma organizagao, na verdade a primeira \clui a segunda. £ composta, em parte, pelos determinan- tes sociais e em parte “construfda” com tijolos e janelas do psiquismo humano. O conceito de institui¢ao como estru- tura social inclui, além da organizacdo, 0 espaco social simbélico (0 c6digo, a regra), imaginério (representacdes, mitos) e psicolégico onde se encontra a organizacao. Constitui assim uma identidade instituida sobre uma lei propria, interiorizada num sistema de regras e inclui ainda a transmissao de um saber que lhe é proprio, ligado a uma isos, & formacao da sociedade e da cultura, conforme analisa J. Barus-Michel. E do lugar dessa interacdo psicossocial que 0 psicosso- cidlogo, ao fazer uma anilise da instituico, vai dirigir seu olhar tanto para 0 que é de ordem do insttuido (lugar da instituigdo no sistema sécio-econémico-politico, identidade social, histria), tanto para o que é da ordem do funcional (hierarquia, sistemas de decisao e de comunica¢io, funcio- namento formal, divisdo de papéis), assim como procurara 109 aprender 0 que é da ordem do sujeito e das relagées interpessoais. € através, ainda uma vez, da interacdo, do intercruzamento desses diferentes niveis, que uma leitura da instituico se apresenta. Nao de forma total, mas 0 mais abrangente possivel, buscando integrar os diferentes deter- minantes, considerando a complexidade da realidade com a qual lidamos. Além disso, 0 fato de sermos objetos e sujeitos a0 mesmo tempo nao nos permite a pretensio (nem nos dé a isengao), de apreendermos completamente a realidade na qual estamos inseridos. O sentido dessa lade € buscado nas entrelinhas dos meandros, mas também das evidéncias institucionais. As instituigdes so manifestacdes e concretizacdes das realidades da vida em sociedade. Nao precisam de estabe- lecimentos para existirem, mas sempre se estabelecem, ccriam suas leis, suas regras, seus cédigos, suas ideologias. Impdem costumes, prémios e punicdes, transmitem valores € estabelecem limites. Produzem coisas ou pessoas, mas também protegem, dao garantias; alimentam egos e ilusdes € servem como projecdo para as fraquezas e anseios da alma humana. Sao espacos de mediacao, como dissemos, entre a vida individual e a vida coletiva. Falar da dinamica institucional é falar dessas relagdes que se tecem entre individuo e instituicao e que, longe de serem estaticas, se mover em todas as direcdes, A relacdo individual a instituico se enraiza na identidade social, cultural e politica, que se “r na pratica cotidiana, mobilizando nos atores sociais investimentos e repre- sentacSes, Ihes permitindo assim se identificarem ao con- junto soci E considerando todos esses aspectos que 0 olhar do pesquisador pata a instituicdo deve ser o mais abrangente possivel. E através da andlise dos mecanismos institucionais, das relacdes institufdas e institucionalizadas em seus dife- 110 rentes niveis, que @ possivel aprender, no contexto da realidade objetiva, as relacdes sociais nos pontos de articu- lagdo entre a ordem social e a ordem psicolégica A questao do método Um niimero crescente de pesquisas tém sido realizadas ‘em instituicdes, abordando diferentes aspectos da rea de institucional. Esses estudos segue metodologias vari das conforme os pressupostos teéricos que as orientem, A psicossociologia tem privilegiado uma metodologia que se baseia nos principios da pesquisa-acao. A pesquisaagio se define essencialmente pelo elo entre o saber e o fazer’. Ela parte de uma perspectiva epistemolégica interdisciplinar e que inclui assim di saberes académicos, além da relacao entre saber cientifico e saber popular “A metodologia propria 4 pesquisa-aco leva em conta as relacbes entre Homem x Cultura x Meio-Ambiente, implicando como conseqiiéncia a reelaboragao coletiva de aspirages e valores psicossociais, a participaggo comuni- titia e a acdo organizada. Nesse sentido, a metodologia val ser desenvolvida, conforme, simultaneamente, os objetivos voltados para a busca do saber e os rumos da ago. A pesquisa-agao visa a conquista do conhecimento através da pesquisa, e a transformagao através da aco. Supde uma troca, mais do que uma devolucao elaborada, do que se aprende numa reflexo teérica, juntamente com os atores sociais envolvidos” (Rochael Nasciutti, 1992). € fundamen- tal que haja um planejamento rigoroso da pesquisa, onde Lum objeto claro seja definido e hipéteses construidas, como num projeto de pesquisa cientifica. Mas as diferencas da pesquisa-acio com a pesquisa dita cientifica existem e se manifestam em variados aspectos: A propria postura do pesquisador frente a seu objeto de pesquisa se distancia da postura do pesquisador cient fico ortodoxo*: Aqui o pesquisador entende que o principio da “neutralidade cientifica” € um mito. Ele se encontra implicado com seu objeto até a alma (no sentido estrito e lato da palavra). Implicado pela sua posicao técnico-profis- sional, ele planeja, elabora hipéteses, pesquisa sobre obje- tos psicossociais e analisa resultados a partir de uma po: do social que nao pode the ser indiferente, j6 que lhe assegura o poder de um saber. Implicado existencialmente, enquanto ser-histérico, o pesquisador é sujeito de uma ideologia, de valores sociais e realiza julgamentos que Ihe fazem olhar para a realidade que pesquisa sob uma certa 6tica/ética. Implicado psicoafetivamente, ele “gosta” o ndo da realidade social que apreende (tanto cientifica quanto vivencialmente), projetanela e na interpretaco que dela faz contedidos de seu inconsciente, utiliza-a em seus mecanismos de defesa, investe-a de suas vontades cons- cientes. A nocao de implicacao, se opondo a postura de isen- do e neutralidade, supe o envolvimento do pesquisador com seu objeto de pesquisa nesses diferentes niveis acima comentados, Stor aqusle que representa um papel que Ie € “eeator=aquele que tua, que age sobreo social que sobre ele age. Intrage. 2 Na pesquisa-agao, a implicago é elemento fundamen- é a partir da compreensao de que a neutralidade é impossivel, posto que qualquer “acdo” de pesquisa, por mais que as varidveis em jogo (e por acaso as sabemos todas?) sejam controladas ou manipuladas, é uma ago oriunda de um ator social (0 pesquisador) olhando para outro(s) ator(es) soci com o(s) qual(is) de alguma forma interage. A velha piada do rato de laboratério que diz ao outro rato: “condicionei esse cara direitinho. Toda ‘vez que pressiono a barra, ele me da uma gota d'agua’, exemplifica com perfeic30 0 que afirmo acima. O objeto ‘com o qual estamos interagindo através da pesquisa (mes- ‘mo que seja um ratol) nos olha, nos controla, nos analisa, como nés, enquanto pesquisadores, 0 olhamos, controla- mos, analisamos. Além disso, existe um saber que é proprio & realidade social e aos atores sociais nela envolvidos que nem sempre © pesquisador apreende através dos métodos cientificos tradicionais. € o saber da praxis. Em suma, na perspectiva da pesquisa-agdo, formas diferentes de saber sdo associa- das, Em principio, pela postura interdisciplinar do pesquisa- dor. Associandose a esse campo de saber, 0 saber “de quem faz", podemos nos aproximar mais da complexi do real: pela acao dos diferentes atores socials envolvidos na situagdo - universo de pesquisa + pesquisador. Dessa forma, 0 saber académico se enriquece e a reflexio con. junta e acdo dinamizam o social, rompendo formas crista- lizadas de funcionamento e instituindo-se mobilidade e transformagées na realidade social, “num contexto do fa- zer-produzir-saber que norteard um outto fazer, que gerard um outro saber...” (Rochael Nasciutti, 1992) Em termos de técnicas de pesquisa apropriadas & pes- quisa-aco, nao ha uma delimitacao definitiva das mesmas, posto que as situacdes reais € que serio determinantes dessas escolhas. Podemos, no entanto, citar as entrevistas 113 semi-estruturadas, os questionérios, a observacio livre e/ou sistematica, a etnometodologia, a anilise de contetido docu- mental e hist6rica através de material disponivel, a anélise do discurso, os grupos operativos e a dingmica de grupo. ‘A metodologia das “historias de vida", oriunda das cién- cias sociais, tem se mostrado um referencial metodolégico de grande importancia no estudo dos grupos, instituigdes e comunidades. A anélise da “historia de vida’, segundo Quei r0z (1977), permite a apreensio da interacdo entre a vida individual e 0 social, ultrapassando assim 0 caréter individual do que é transmitido pelo ator social em seu relato e que se sere na coletividade 4 qual pertence o narrador. E toda uma historia coletiva, uma verdade subjetiva do grupo que se manifesta na histéria individual com um “espelho do seu tempo e de seu grupo” (Poirier, 1983). © cruzamento das histérias de vida de individuos pertencentes a um mesmo grupo social permite ao pesqu sador a apreensao da inter-relacao entre dados fragmenté- rios, do alcance a significagao dos relatos recolocados em seus contextos s6cio-econémico-culturais e ainda uma sin- tese dos elementos constitutivos de um discurso do grupo a varias vozes. A nivel individual, ambas as lOgicas (social € psicolégica) da apreensdo da realidade (formalizada, representada e vivida) percebida pelo sujeito podem ser identificadas, explicitando a relacdo deste com as situaces sociais, com as quais se defronta. ‘Assim, um grupo social pode ser analisado quanto a diferentes aspectos da vida de seus componentes, como: estrutura familiar de origem, escolaridade, vida profissional € inserco social, representacdes coletivas, mecanismos de agdo e movimento social. A heranga econdmica, social e cultural so elementos psicossociais que contribuem na determinacao das trajet6rias de vida, formando um patrimé- inio em comum (Pereira Nobrega e Rochael Nasciutt, 1994) Essa abordagem metodolégica contribui para a com- preensdo mais ampla do comportamento humano em situa- (Ges sociais em fungao de seus miltiplos determinantes, € permite a identificacdo de elementos a serem trabalhados juntamente com o grupo, A instituigao como via de acesso a comunidade Segundo Pierson (1974), “as comunidades surgem do simples fato de vivermos em simbiose, isto é, de viverem juntos num mesmo habitat individuos tanto semelhantes quanto diferentes e da ‘competicao cooperativa’ em que se empenham’. As comunidades so estudadas como partes organizadas funcionalmente num sistema de inter- dependéncia intrincada e continuamente mutivel, enfati- zando a divisio de trabalho, a especializacao de atividades € a concentragio dos individuos em instituicdes. No Brasil, via de regra, quando se fala em “estudos comunitérios’, ou Yestudos de comunidades", a associacao imediata que se faz é de que se trata sempre de comunida- des carentes, desfavorecidas, favelas. Essa associacao tem sua razo de ser, jf que a maioria dos trabalhos publicados, principalmente nas areas de sociologia e servico soci referem-se efetivamente a estudos em comunidades caren- tes, Podemos supor, sem grandes riscos de erro, que a énfase e a prioridade dada a esse trabalho se deve as graves questdes sociais brasileiras, ao imenso fosso que separa os grupamentos sociais em funcao das desigualdades de ren- da e de condigses de vida, a0 descaso dos setores pablicos para com essas comunidades. Cabe, no entanto, ressaltar que para a psicossociologia 0 conceito de comunidade engloba evidentemente as comunidades carentes mas ndo se restringe a elas. us Se a comunidade caraterizase pela distribuicfo em ‘espacos, de homens, instituicdes e atividades - unidade de vida em comum e de ac¢ao coletiva e de controle social formal - se a instituico se apresenta como espaco de mediacdo entre 0 que é da ordem do social e o que é da ordem do individual, podemos perceber a nitida inter-rela- gio e interdependéncia entre instituicao e comunidade e mais, repito, a importancia de se privilegiar a instituicao como campo de pesquisa e aco sobre a comunidade. As consideragBes e proposig6es tebricas e metodolé- gicas desenvolvidas até aqui referemse a grupos, institut Bes e comunidades de modo geral, sem especificacdes que caracterizem um ou outro como objeto de pesquisa em particular. Exemplos de objetos ou situacSes especificas de pesquisa ou de intervencdo psicossocial sd0 muitos. Um nimero crescente de trabalhos tém sido desenvolvidos nos Lltimos anos em nosso pais, ligados, por exemplo, & ques- to educacional, envolvendo agao sécio-educativa realiza- da por equipe interdisciplinar, como 0 projeto desenvolvido na comunidade/favela da Rocinha®, no Rio de Janeiro, onde as relagGes universidade x comunidade so repensadas e as possibilidades de maior integracdo entre ambas so apontadas visando beneficios miituos. Por outro lado, ins- tituicdes como as ONGs (Organizacdes Nao-Governamen- {ais) &m sido objeto de andlise sob diferentes aspectos, que vao desde os lugares que ocupam no social, sua identidade social, até a reflexdo aprofundada sobre suas formas de aco e objetivos’. Na linha da ecologia social, pesquisado- 6.Aandze dese proto enor) PUC fol objeto da exe de mestrao da coordenadors Jo ‘projet, Maing Lemette Mores “Universidade e Camunidode = Repencsn. ‘So’ Educagao”, Mesvado do Proprama EICOS/IP/UFR), 1994, 7. “OrganizagBes N¥o\Govermamentis: Aspecos de construct de uma iden dsdaaponpoctna daprcosocslogh dsragio dened dene {Scerda Pamplona, Programa E1CO3/P/UFR), 1985, izado pelo NEAM (Nico de Estudos © Aco sobre 116 res da psicossociologia buscam entender as relagées do homem e de grupos com o espaco construido, seja nas metrépoles ou nas zonas rurais, seja na remocao de comu- nidades e suas conseqiiéncias no ambito da fami profissdo, do lazer etc. Instituigdes tém sido analisadas quanto as suas proprias estruturas e caracteristicas funcionais e ideolégicas que definem, em grande parte, o modo como so vivenciadas pelos que delas participam, como afirmei no infcio deste texto. Um exemplo é a intervengao sécio-analitica desen- volvida em uma prisdo militar, utiizando metodologia par- ticipativa, na qual além da anélise psicossocial envolvendo 05 diferentes nivels da organizacao da instituicSo foram desenvolvidos grupos operatives com grupos de presos*. As telaces de poder relacionadas ao papel determinante da ideologia e aos investimentos psiquicos feitos pelos individuos nas instituigdes foram analisadas em uma insti- tuicdo universitéria, numa pesquisa por mim elaborada, seguindo a grade de leitura institucional proposta por J. Barus-Michel’. Ainda uma pesquisa-acao realizada em uma unidade de internacio de um hospital piblico, junto a equipe de profissionais e pacientes internados, buscou analisar as formas de investimentos desses pacientes na instituigao hospitalar, relacionadas as suas historias de vida projetos, assim como as quest&es e conflitos produzidos nas interrelagdes entre os membros da equipe e entre equipe e pacientes". Muitos outros trabalhos tm sido 9, Idéologe, powoir et taut du suet - Une anahse psychosocale dune ion universitaire tose de doutorado, Université Pas Vl, 1991 10, "Vida e ruptura: pode lidar com imponderivelt, Jacyara C. Rachael 7 desenvolvides em todo o pais e seria interessante que 0 leitor consultasse periédicos e livros da érea para vislumbrar todas as possibilidades de pesquisa e acio que tornam relevante 0 trabalho do psicossocislogo. Como conclusao e ilustracdo das considera¢des teéri- cas e metodolégicas desenvolvidas, 0 ensaio que se segue, elaborado a partir de um trabalho desenvolvido na érea das instituig6es de satide mental, sob a ética da anilise psicos- social clinica, pode clarificar ainda mais nossas propostas contribuir para a reflexio do leitor. ‘Mudancas no modelo assistencial nas instituigdes de satide mental no Bra: A historia da assisténcia aos portadores de doenca mental no Brasil € conhecida mais pelos seus desacertos do que por modelos assistenciais efetivos, Esses desacertos incluiam uma politica de exclusao referenciada no modelo do macro-hospital, do asilo, do “campo de concentracéo", do “depésito de loucos”. A filosofia subjacente a esse modelo tradicional implicava numa representacao do doen- te mental como um “ndo-ser soc ao qual todos os direitos reservados ao cidadao eram negados e como um “nao-ser humano”, do qual eram retirados toda a individua- lidade e respeito humanos e negada a identidade. Conse- qlentemente, as praticas institucionais e sociais voltadas xo 6 ruta de um wabstho de intervencio ‘coordenada pelo Prot, Or. Eduardo lites do NESCON/UFMG, 6rgio que financiou o projet, desenvohido no CHPE/FHEMIG/MG. Este trabalho ot apresentado, no. Seminario Intemacional de Desenvohinvento Social, da ‘htedra UNESCO de Desenv. Durivel na UFR), 1994 118 para a assisténcia a esses individuos resumiam-se primaria- mente a, quando muito, garantirlhes a sobrevivéncia fisica e, secundariamente, a mantélos inofensivos, através de procedimentos inibidores, como as cirurgias ou as drogas. Uma legiio de “zumbis" vagavam e, infelizmente, ainda vagam pelos pitios das instituigdes ditas de "assisténcia & satide mental’. De que satide se trata af é um dos pontos que pretendo desenvolver pelo viés da questio institucional. Apesar de sabermos que esse olhar e essa concepgao predominante da doenca mental, com todas as implicagdes psicossociais decorrentes, ainda persistem em alguma par- te das instituigdes hospitalares e asilares brasileiras, as consideragdes que teci acima foram colocadas no pretérito propositadamente. Isto porque mudangas tém ocorrido que nos permitem 0 otimismo e a expectativa de que novos modelos assistenciais que tém sido implantados aqui ¢ servirdo como multiplicadores de uma nova filosofia assis- tencial que privilegie 0 cidadao e a pessoa doente mental Sob influéncia de um amplo movimento internacional, centrado principalmente na Itélia, em Cuba e de alguma forma (tida como equivocada) nos Estados Unidos, e to- mando como referéncia local a estrutura asilar predomin: te em nossas instituigbes (pdblicas ou privadas), prot sionais da satide mental de diferentes formacBes tém ques- tionado 0 modelo vigente e proposto formas alternativas, de assisténcia ao doente mental ao mesmo tempo em que se reflete sobre as atuacdes disciplinares que visem a profilaxia e agdes preventivas na satide mental de maneira global © Ministério da Sade e o Legislativo, por sua vez, se comprometem com 0 movimento e estabelecem regras € normas que implicam na reestruturagao ou na elaboracao de novos modelos assistenciais que contemplem a criacdo de dispositivos terapéuticos e mudangas nos atendimentos 19 prestados & clientela e que se apéiam numa nova concep- 80 do “lugar psicossocial” do cliente portador de “sofri- mento psiquico grave", principalmente no que conce:ne 08 aspectos de reconhe: ,reinsercao social ¢ familiar e descronificacio para os ja inseridos no modelo vigente (pacientes asilares) e de formas de atendi ‘mento que evitem a internacao e conseqiiente cronificagio dos pacientes ambulatoriais. Em ambos os casos deve pre- valecer 0 principio da ndo-exclusao e do respeito a pessoa humana. Observa-se, no entanto, uma grande resisténcia, por arte das grandes instituigdes asilares e de alguns setores da sociedade, a efetivacao dessas mudancas, embora todos reconhecam a faléncia do modelo assistencial atual. Essa resisténcia pode ser entendida como motivada e justificada por diferentes fatores psicossociais. Numa perspectiva am- pla e social, predomina uma representa¢o social “nega " da doenca mental e seu portador, implicando em atitudes preconceituosas, estereotipadas e excludentes por Parte da sociedade e dos préprios profissionais dessas instituigbes que, embora exercam suas funcdes (terapéuti- cas ou administrativas) em contato com esses clientes, estdo, obviamente, to sujeitos aos mecanismos de forma. ‘So de representacées sociais quanto qualquer outro mem- bro de sua cultura e sociedade. Diversos estudos t8m mos- trado sob diferentes angulos de andlise (filos6fico, psicolé- sico, sociolégico: Foucault, D. Jodelet, entre outros) 0 quanto a “loucura” habita 0 imaginario social nos remeten- do ao questionamento de nossa propria razio (daqueles considerados “sios”) e do pavor de perdéla. Afastar 0 doente mental, segregilo, isolélo de nossos olhares convivéncia, retirarlhe os atributos e prerrogativas de cida- dio e de ser humano é 0 mecanismo conseqiiente que nos sossega e nos faz crer que nao corremos 0 mesmo risco. 120 Resumidamente, grosso modo, a internacao e cronificagao assim se justficam, Acontece que no so apenas os doentes que se cro- nificam na internagao hospitalar/asilar. A repetigdo conti nua de praticas ao longo do tempo, a estrutura burocrati coadministrativa que rigidamente se instala pela crista- izacio das inter-elaces institucionais, reproduz na pré- pria instituicdo assistencial o modelo cronificador dos pa- cientes. A rigidez organizacional e terapéutica, indis- socisvel da filosofia a elas adjacente, mas associada ainda a outros determinantes culturais, politico-sociais e psicol6- gicos, faz com que essas instituigbes funcionem como pequenos feudos de reproducio social, isolados do mundo (como os “loucos” que abrigam), alheios as mudangas do mundo c4 de fora, focos de resisténcia aos movimentos social A esses fatores juntas um outro elemento extrema- mente poderoso na sociedade capitalista em que vivemos: © financeiro. A “inddstria da loucura” tem retorno moneté- rio seguro, rentavel e permanente. Hé uma grande resistén- cia, por parte dos que vivem da insanidade do outro (hé honrosas excec6es), em abandonar estratégias instituidas de ganhos financeiros seguros que a cronificagio aporta e que garante a perpetuaco dos hospitais-asilos. Novas for- mas de atendimento ao usudrio podem ser interessantes para o préprio, mas garantem a continuidade do “custo-be- neficio” de quem lucra com 0 modelo atual? Mudar 0 modelo assistencial em satide mental significa assim deter minacao ética e politica que passa por e acarreta mudancas nos niveis: social, institucional e individual. Social, através de uma ampla reflexdo junto aos mais diversos setores da sociedade civil, buscando criar no imaginério social um novo lugar na representacdo da doen- 121 a mental e de seu portador. Nesse sentido, 0 discurso e a atuacao dos profissionais da sade mental é fundamental” Institucional, em seus diferentes niveis: 1) No nivel do instituido, compreendendo os proprios alicerces dos hospitais e asilos - instalagSes, infra-estrutura, estatutos, leis, normas e regras intemas e fundamentalmen- te, na filosofia norteadora do projeto terapéutico que Ihe & proprio e que deve conjugar as determinacdes mi ¢ legais com sua realidade local, seus objetivos e projetos prOprios, sua inserciio na comunidade, sua clientela, suas relagdes com outras instituigdes sociais. 2) No nivel funcional, promovendo uma dinamica nas redes de deciso e de comunicagao entre setores e servi G05, criando uma nova “cultura organizacional” que pri ze a gestio participativa, a partir da redefinicdo das metas Jo, vad un deca de ore uma spo eplepes condvtopicas que te sido ‘Syponsive eto saint de qunte tOcs afin for par Se um apes oP" anos ve ievamando una enome poms Sone ao poe cavern parece e Gur no mimo s edigdo dos mepiae daicem felere 30 tema proposto: 0 ee al luem a ciagdo de ‘de convivencia, cauipes volanies, grupos de shred ¥ es profesona ick ente tanto outos ‘gaia de pacientes conics. os pela nternacdo protongada Em lodos esses pracesmenos, oFesgate dscdadsnia ‘como abjetivo fundamen 30 lado das fungBes feta ene Psicossoctal do portador de 122 3) No nivel relacional, redefine-se o lugar e 0 papel do ator social envolvido no processo. A cria¢do de equipes efetivamente interdisciplinares e ndo apenas multidiscip nares" permite a maior integraco entre os profissionais de diferentes categorias € posicdes hierrquicas e estabelece ‘que cada ator seja um agente terapéutico dentro da din’ mica organizacional/funcional/assistencial, o que significa ainda mudangas nas relagdes profissionais x cliente No nivel individual manifestam-se todas as transforma- ‘Bes referidas no nivel do instituldo, do funcional e do relacional institucional, O ator social, ao ver redefinida sua insercao profissionabinstitucional, ao perceber diferente mente seu objeto de trabalho, seu papel e seu lugar de sujeito-ator no processo terapéutico, se resitua, se re-avalia e se transforma. Um trabalho realizado em um grande hospital psiquia- trico do pats, dentro de um amplo projeto de intervencao ‘com objetivos de reestruturagao do modelo da estrutura e organizacao, revela (entre diversos outros elementos apenas parcialmente presentes neste trabalho) a caréncia de “reconhecimento e valorizacao individual € queixa de isolamento e de falta de treinamento, 0 desco- nhecimento da din&mica funcional global, por um lado, e, ‘ontibul para © proprio conhecimento fenriquecimento e sadangas propia, Nese inspiando em uma con reeusandoe a 3e tans pesdem 123 Por outro, uma grande preocupacio com o bemestar dos pacientes e com seu proprio bemestar psiquico, A andlise evidenciou ainda a cristalizaco do modelo de macro-hos- pital com tendéncias centralizadoras, grandes investimen- tos na infra-estrutura em detrimento da assisténcia, e um imagindrio institucional que conduzia a estagnagao. Essas observacées foram objeto de reflexio e andlise de cami- nihos possiveis, realizadas conjuntamente pela equipe de consultoria e os diversos segmentos que compéem a co- munidade hospitalar, Haveré um ponto de partida para essas mudangas? Seria necessério se comear pela sociedade ou pelo ator social? Se considerarmos, como considero, que hé uma interagao dinamica entre todos esses niveis ~ soci tucional e individual ~ e, ainda, que determinantes sociais, culturais e psicol6gicos se articulam, produzindo formas de representacio e de atuacio com relacio aos diferentes objetos psicossociais (nos quais incluo a doenca mental ¢ seu portador), podemos perceber que ndo existe um Gnico ponto de partida, E através dos movimentos instituintes, da integragio hospital-comunidade e da aco planejada dos diferentes atores sociais envolvidos, que novos modelos assistenciais poderdo efetivamente ser implantados com possibilidades de sucesso. Mas, principalmente a instituigao, enquanto ‘mediador entre 0 que é da ordem social e cultural eo que 6 da ordem do individuo/sujeito/ator, se revela como 0 centro dinamizador das transformacdes sociais. ‘As mudangas no modelo assistencial nas instituigSes de satide mental no Brasil esto ocorrendo e podem contribuir de forma eficiente e efetiva para o desenvolvimento huma- no e social, por um lado, reduzindo a distancia fisica e 0 isolamento psicossocial desses marginalizados, pessoas que, por sofrerem psiquicamente, so excluidas da socie- 124 dade, e, por outro lado, redimensionando a insercdo € identidade social das instituigdes e de seus atores sociais. BIBLIOGRAFIA J, Le sujet social, Paris, Dunod, 1987. ria da sociedade, S30 BARUS-MICHE CASTORIADIS, C. A instituicdo imagir Paulo, Ed. Paz e Terra, 1986. :: Connexions ENRIQUEZ, E. “loge de la Psychosoci (EP), n® 42, Paris, 1983. ~. Da horda ao Estado, Rio de Janeiro, Zahar, 1990. LANE, §, e CODO, W. (org). 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Hucitec, ROTELLI, et 1990. 125 THIOLLENT, M, Metodologia de pesquisa-a¢i tez Ed, 1988, , Sao Paulo, Cor VASCONCELOS, E.M. Do hospicio & comunidade, Belo Horizon- te, Ed. Segrac, 1992. 126 QUALIDADE DE VIDA E HABITACAO Naumi A. de Vasconcelos Por uma psicossociologia da habitacdo (a) A nogio de corpo indefeso - do qual a casa constitui veste protetora, simbélica de uma situacao existencial satisfatoria, ou, a0 contrario, carente que tantas vezes se manifesta na expressao conjunta de ‘corpo doente, mal abrigado e mal vestido”” Que o habitar faz parte de qualidade de vida, parece ser uma dessas afirmacdes incapazes de levantar qualquer polémica. Mas a polémica nao tarda a surgir desde que passe a conceituar a propria expresso qualidade de vida. Seri ela correlata de género de vida (Max Sorre) ou ainda de nivel de vida, com 0 que essa expresso comporta de ascensao econémica e sor ‘Como avaliar essa qualidade em nossas sociedades de consumo, sem toméla correlata da nogo de quantidade (de bens de artigos domésticos de consumo)? E como atuam os modelos culturais na concei- tuacio de qualidade de vida e no que em este artigo 1. Matis Heloisa Fénéion Costa, Representagescolethas e Jaci, MS, 1975 127

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