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História da comunicação humana

Introdução

É impossível imaginarmos que atualmente exista alguém que nunca


tenha assistido a um programa de televisão, lido um jornal ou revista, ouvido
notícias ou músicas no rádio, ido ao cinema ou assistido a um vídeo, assim
como é quase inimaginável uma pessoa que não tenha ouvido falar ou tenha
usado computadores ou a Internet. Obviamente, como todos sabemos, existem
milhares, senão milhões, de pessoas em várias partes do mundo que nunca
tiveram acesso a esses meios de comunicação, mas, mesmo assim, para nós
que vivemos em grandes e médios centros urbanos, é muito difícil conceber tal
situação.
Hoje em dia vivemos no que se convencionou chamar de sociedade
midiática, ou seja, numa sociedade onde as relações sociais são mediatizadas,
são mediadas, pela mídia, ou seja, pelo conjunto dos meios de comunicação,
tais como jornal, rádio, televisão, Internet, cinema, outdoors, propagandas, etc..
Se vocês tiverem curiosidade e forem procurar no Dicionário Aurélio, irão
descobrir que a palavra mídia vem do latim medium, que significa meio, centro, e
é, normalmente, classificada em quatro grupos:

- mídia alternativa – uma mídia de menor custo que se utiliza de veículos


de recurso e de alcance restritos, como os painéis que encontramos em
mobiliários urbanos, em cartazes no metrô e pontos de ônibus, em luminosos de
táxis, em filipetas, etc.;
- mídia digital – aquela baseada na tecnologia digital, como a Internet e a
TV digital, e que utiliza a gravação digital de dados, como disquetes, CD-ROMs,
fita DAT, etc.;
- mídia eletrônica – mídia que inclui, especialmente, o rádio e a
televisão, sendo que também podem ser incluídos nessa categoria o cinema e
outros recursos audiovisuais; e,
- mídia impressa – jornais, revistas, catálogos, folders, mala-direta, etc.

No livro Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet, os


historiadores Asa Briggs e Peter Burke, baseados no Oxford English Dictionary,
nos informam que foi somente na década de 1920 que as pessoas começaram a
falar de “mídia” e menções sobre uma “revolução da comunicação” só
apareceram a partir dos anos 50. Para esses autores, entretanto, o interesse
sobre os meios de comunicação é muito mais antigo, remontando à Grécia e à
Roma antigas, com seus estudos sobre a retórica.
Mas, se pensarmos na comunicação apenas como o ato de emitir,
transmitir e receber mensagens vamos descobrir sua importância mesmo entre
os mais primitivos animais, incluindo entre eles nossos remotíssimos ancestrais,
os primatas superiores.
O que estamos querendo dizer aqui, e que veremos a seguir, é que a
comunicação precede o uso da palavra articulada ou escrita como meio de
expressão e de diálogo entre as pessoas, ou seja, o ato da comunicação
antecede, de muito, a linguagem.
Os teóricos da comunicação Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach
defendem que a história da existência humana deve ser explicada em função
das etapas distintas no desenvolvimento da comunicação humana: a era dos
símbolos e sinais, a era da fala e da linguagem, a era da escrita, a era da
impressão e a era da comunicação de massa. Lucia Santaella, atualmente
pesquisadora em mídias digitais, acrescenta entre essas eras, que ela prefere
chamar de formações culturais, a cultura das mídias e a cultura digital.
Lembrem-se de que quando falamos em eras, em divisões temporais, não
estamos dizendo que esses são períodos lineares, onde uma era desaparece
para dar lugar a seguinte. Como enfatiza Santaella, e todos os teóricos que
trabalham com datação cultural, há sempre um processo cumulativo de
complexificação, onde uma forma de comunicação vai se integrando na anterior,
provocando nela reajustamentos e refuncionalizações. Isso quer dizer que, ao
contrário do que pregam os apocalípticos, uma nova tecnologia não determina a

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morte da que a antecedeu, ela faz com que esta se aperfeiçoe. Dessa forma, a
fotografia não matou a pintura, assim como o cinema não matou o teatro ou a
televisão e a Internet não mataram o livro ou a mídia impressa.
Neste curso iremos fazer uma viagem através da história da comunicação
humana, desde os seus primórdios até o surgimento do ciberespaço, para que
possamos compreender nossa evolução como espécie, para que possamos
encarar de forma consciente e participar ativamente dessa sociedade da
informação onde vivemos cada vez mais, como diz o sociólogo catalão Manuel
Castells, entre a rede e o ser.
Embora respeitemos a periodização defendida pelos autores
anteriormente citados, nossa jornada começará um pouco antes da era dos
símbolos e sinais, afinal, como todos sabem, no princípio não era o verbo.

1.1 No princípio eram somente sons....

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E também o gesto, as expressões faciais e corporais, o olhar, o cheiro, o
tato. No alvorecer da espécie humana não havia a linguagem, nem a falada e
tampouco a escrita. Nossos mais remotos ancestrais, conhecidos como
primatas (SAIBA MAIS - Animais mamíferos que, em sua maioria, costumam viver
principalmente em árvores, mas possuem hábitos terrestres também. Algumas de suas
principais características são os membros muitos desenvolvidos, a existência de duas
tetas na região peitoral, cinco dedos, com unhas achatadas e com os polegares
geralmente opostos, e a visão e a audição bem desenvolvidas. Seu olfato é menos
desenvolvido do que em outras espécies. Entre os primatas estão os micos, macacos,
gorilas, chimpanzés, orangotangos, lêmures e babuínos, conhecidos como símios, e os
seres humanos e outros humanóides), comunicavam-se entre si por meio de gritos,
urros, grunhidos, rosnados, uivos, expressões corporais e faciais que mostravam
a necessidade de comer, de acasalar, de brincar, a dor, o imperativo de lutar ou
alertas de perigo.
Difícil de acreditar, não é? Mas, para que possamos entender melhor,
façamos um pequeno exercício de imaginação. Vamos fantasiar que estamos
vivendo, por exemplo, em alguma região do continente africano há mais ou
menos cinco ou quatro milhões de anos. Naquela ocasião, segundo a
paleantropologia (SAIBA MAIS – ciência que estuda as espécies ancestrais da
humanidade, a família dos hominídeos, a partir das evidências fósseis.) , ainda não
éramos classificados como humanos e sim como membros de uma das 180
espécies da ordem dos primatas que, na realidade, surgiu há, pelo menos, 70
milhões de anos, quando os grandes répteis foram extintos. Esses primatas
eram divididos em primatas inferiores, conhecidos como prossímios, que
significa “quase macacos”, e os primatas superiores, denominados símios, onde
se incluem, por exemplo, os macacos, os gorilas e os hominídeos.
Muito bem, se, em nossa fantasia, há quatro milhões de anos, somos da
mesma espécie do macaco e do gorila, não é natural que nos comuniquemos
como eles? Pois era assim que acontecia, pelo menos na opinião dos
estudiosos no assunto.
Mas, mesmo dentre os primatas superiores, algumas espécies foram
evoluindo mais do que outras, dando origem, primeiro, aos antropóides, ou pré-

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hominídeos, e, depois, aos hominídeos, criaturas que já possuíam a forma
semelhante à do homem moderno. (SAIBA MAIS/ATIVIDADE – Além dos
especialistas acadêmicos, escritores e cineastas tentaram reproduzir esse período tão
distante de nós. Dentre eles, merece destaque o filme 2001: Uma odisséia no espaço,
do diretor americano Stanley Kubrick, baseado no livro do mesmo nome, do escritor
inglês Arthur C. Clarke, que escreveu o roteiro em parceria com Kubrick. Na primeira
parte do filme, que foi lançado em 1968, podemos assistir de que maneira a espécie
humana foi evoluindo tecnologicamente, a partir do surgimento de um monólito, que é
um enorme bloco de pedra, até chegarmos ao ano 2001. Vale a pena assistir).
Conforme essas espécies iam evoluindo morfologicamente suas formas
de comunicação, em conseqüência, iam se tornando mais complexas. O que
inicialmente era uma manifestação natural de necessidades físicas e
momentâneas, com o tempo foi se transformando no que chamamos hoje de
linguagem onomatopaica, ou seja, aqueles primeiros hominídeos começaram a
imitar, de forma intencional, os sons dos animais e da natureza para expressar
suas necessidades, assim como, quem sabe, seus sentimentos e pensamentos,
como defendia o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau.
Em seu Ensaio sobre a origem das línguas, Rousseau considera que
desde que um homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante
e semelhante a si próprio, ele sentiu a intensa necessidade de comunicar a esse
outro suas emoções e reflexões ou idéias, nascendo dessa precisão a
linguagem.
Se concordarmos com Rousseau, poderemos determinar o início desse
processo com o surgimento do Homo habilis, o representante mais antigo do
gênero homo. Homo habilis significa homem habilidoso, com habilidades
manuais. Esse hominídeo, que viveu aproximadamente há 2,5 milhões de anos
antes de nossa era, recebeu tal classificação por terem sido encontrados
vestígios de ferramentas confeccionadas com fragmentos de pedras entre seus
fósseis. Embora haja discussões se ou não o Homo habilis pertence ao gênero
Homo, principalmente por suas características – já uma forma bípede, mas
ainda com os braços muito longos, as características faciais mais próximas das
dos Australopithecus, ou Australopitecos, e uma cavidade craniana menor do

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que a do Homo erectus –, uma grande parte dos especialistas defende que sua
inteligência e sua rudimentar organização social eram bem mais sofisticadas que
as de seus antecessores, podendo, por isso, ser considerado o ancestral mais
remoto do homem moderno.
O fato de confeccionarem ferramentas e possuírem um mínimo de
organização social nos leva a acreditar que esses hominídeos já faziam uso da
palavra articulada, mesmo que de forma ainda muito rudimentar. Talvez tenha se
originado aqui o primeiro elo de uma cadeia de códigos, signos, símbolos, sinais
que compõe o processo comunicacional.
Finalmente, há aproximadamente dois milhões de anos, surgiu o Homo
erectus, um tipo com a postura definitivamente ereta e um volume cerebral
médio bem próximo do volume do homem moderno (SAIBA MAIS – O volume
cerebral médio do homem moderno é de 1500 cm3, enquanto que o do homo erectus
variava de 900 a 1200 cm2).
Vocês devem estar se perguntando: mas o que isso significa? Ora, o
aumento da massa encefálica, entre outras mudanças morfológicas, permitiu
não só o fabrico crescente de ferramentas e outros produtos da indústria
paleolítica, mas, principalmente, sua padronização, o que endossa a hipótese de
transmissão dos conhecimentos e das técnicas de fabricação de instrumento,
fato que só é possível, todos nós sabemos, com a presença de uma linguagem
razoavelmente eficiente.
Outro fator que apóia a proposição acima é o processo migratório do
Homo erectus, da África para a Ásia e Europa. Os arqueólogos descobriram
inúmeros artefatos fabricados por estes ancestrais, em distintos sítios
arqueológicos dos três continentes, apresentando bastante semelhança entre si.
Para o professor Roberto Godofredo Fabri Ferreira, do Departamento de
Morfologia da Universidade Federal Fluminense, a presença de uma indústria de
armas, ferramentas e outros utensílios de uso cotidiano, obedecendo a
características comuns nos três continentes e mantendo-se por centenas de
milhares de anos, indica um padrão artesanal estável e comprova a presença de

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uma linguagem transmissora de tais conhecimentos1.
Ainda segundo o professor Ferreira, antropólogos e neurofisiologistas
defendem a hipótese de um desenvolvimento concomitante dos processos
lingüísticos e motores, ou seja, tanto as áreas anatômicas da expressão da
linguagem quanto os centros de planejamento motor e dos movimentos faciais e
das mãos, encontram-se em estreita associação evolutiva.
Essa caminhada de milhões de anos culminará, finalmente, com o
surgimento da estirpe do Homo sapiens, ou Homo sapiens sapiens, entre
100.000 e 35.000 anos atrás. (SAIBA MAIS – Embora não seja da alçada deste curso
discussões paleoantropológicas, é interessante saber, mesmo que só por curiosidade,
que a comunidade paleoantropológica divide-se em relação ao conceito de Homo
sapiens. De um lado, há os que defendem que o Homo sapiens teria surgido na África,
há cerca de 1 milhão de anos, e de lá, movido pela necessidade de abrigo e comida,
teria migrado para outros continentes, sendo o antecessor direto do homem moderno.
Do outro lado, estão os que, baseados em pesquisas genéticas mais recentes, são
favoráveis à hipótese de que o Homo sapiens passou por uma mudança genética
brusca e teria se transformado no Homo sapiens sapiens, isso entre 300 mil e 50 mil
anos, sendo este o nosso antepassado, já que, melhores preparados, haviam
provocado a extinção do Homo sapiens.
Em relação à migração da África para os demais continentes, também não há um
consenso. Enquanto alguns estudiosos defendem a hipótese da radiação, da África
para o mundo, outros defendem a evolução multiregional, ou seja, várias populações
regionais foram evoluindo lentamente e se espalharam por miscigenação, ou fluxo
gênico, que significa a transferência de genes de uma população para outra).

1.2 E, então, finalmente, fez-se o verbo.

Se Homo sapiens ou Homo sapiens sapiens, não temos competência

1 A filogênese da linguagem: novas abordagens de antigas questões. In www.scielo.br/pdf/anp/v58n1/1279.pdf.


Consultado em 24/10/2006.

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para discutir. O que nos interessa é que esse antepassado, conhecido como
homem de Cro-Magnon, já havia trocado a pedra lascada pelo sílex, havia
aprendido a polir a pedra produzindo lâminas de corte, machados e serras, entre
outros instrumentos, começava a utilizar-se da cerâmica para a produção de
jarros, potes, vasos e panelas em que pudesse armazenar, conservar e cozinhar
alimentos, assim como de ossos e outros materiais para a concepção de
adornos, de fibras vegetais e pêlos de animais para a criação de roupas, etc..
Esse homem já havia aprendido a exprimir suas idéias, sentimentos e
crenças desenhando nas paredes e tetos de grutas e cavernas, assim como em
superfícies rochosas ao ar livre, símbolos e figuras que representavam suas
necessidades cotidianas e situações mágico-religiosas. Essas pinturas são
conhecidas como pinturas rupestres ou parietais e as mais antigas são as
encontradas na França, na caverna de Lascaux, e na Espanha, na caverna de
Altamira. Além da pintura, também se dedicavam à gravura e à escultura, sendo
a mais antiga a de Vênus de Willendorf, uma estatueta de 11.1 cm de altura
encontrada nas proximidades de Willendorf, na Áustria, em 1908.
Além da Vênus de Willendorf, foram encontradas outras estatuetas
femininas, como a Dame de Sireuil (França), a Mulher com corno de Bisonte
(relevo na rocha, França), a Vénus de Vĕstonice (República Checa) e aquela
que é considerada a mais antiga representação de uma face humana, a
estatueta de Kostienki, encontrada na Rússia. São figuras que mostram
deformações significativas, seios grandes e enormes ventres e nádegas, que
procuravam, provavelmente, simbolizar a fertilidade, a fecundidade e a
abundância nutricional. Essas estatuetas são conhecidas entre os especialistas
como Vênus Esteatopígeas (SAIBA MAIS – Esteatopigia é o acúmulo excessivo de
gordura nas nádegas). (ATIVIDADE: Seria interessante que vocês procurassem em
livros de História da Arte ou na Internet imagens dessas estatuetas) . Essas estatuetas,
utensílios domésticos e sítios de arte rupestre, ou parietal, por representarem a
referência mais antiga da atividade humana, de seu cotidiano, de suas crenças,
de sua sensibilidade, são patrimônios cultural da humanidade, não apenas em
seu valor histórico, mas também em seu valor estético.

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Esses primeiros acontecimentos datam do período denominado
paleolítico. No final dessa era, passando pelo período mesolítico, e chegando ao
neolítico, que significa Idade da Pedra Polida, a terra atravessou o fim da última
era glacial, provocando mudanças profundas, tanto climáticas quanto em relação
à fauna e à flora. A alteração climática, a escassez de alimentos e as hordas que
chegavam à Europa e Ásia modificaram de maneira intensa o modo de viver dos
vários grupos espalhados por várias regiões. De caçadores nômades e
coletores, começaram a construir habitações de junco, peles de animais,
madeira e barro e dedicar-se ao cultivo de cereais, tubérculos, frutas e
hortaliças, à domesticação de animais e ao pastoreio, que lhes propiciava leite e
carne, vestuário e a possibilidade de puxar objetos pesados e arar a terra. Esse
período é historicamente designado como revolução neolítica.
Com o sedentarismo, a produção e aperfeiçoamento de artefatos e o
desenvolvimento da agricultura e do pastoreio é natural o processo de
acumulação de bens e, logo, a comercialização dos mesmos entre os vários
grupos agora espalhados pela Europa, Oriente Médio, África e Ásia. Mas, vocês
devem estar se perguntando, se esses povos estavam vivendo em regiões tão
distintas e distantes, como eles se comunicavam na hora de comercializar seus
produtos? Seria possível que todos falassem uma mesma e única língua? Aqui
existe, ainda hoje, uma grande interrogação.
Como os lingüistas ou cientistas da linguagem trabalham com
documentos, escritos e/ou falados, considera-se que não passa de mera
especulação a defesa de um monogenismo lingüístico, ou seja, a existência de
uma língua original comum a todos os povos, já que não existem quaisquer
registros de como os homens pré-históricos falavam. Por outro lado, se
ousarmos ingressar na área da narrativa mítica, única maneira que todas as
sociedades possuem para explicar a origem da linguagem e a diversidade das
línguas, segundo o lingüista José Luiz Fiorin [2002], descobriremos que tudo não
passou de um castigo de Deus.
Para Fiorin, “As línguas e a linguagem inscrevem-se num espaço real,
num tempo histórico e são faladas por seres situados nesse espaço e nesse

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tempo. No entanto suas origens se dão num tempo mítico, num mundo
desaparecido e os protagonistas de seu aparecimento são os heróis
fundadores”. No caso das civilizações judaicas-cristãs encontramos seus
protagonistas nos relatos de Moisés sobre a Criação, o Dilúvio e sobre o
Começo das Nações e dos Idiomas, eventos citados no livro do Gênesis, o
primeiro dos cinco livros bíblicos que compõem o Pentateuco.
No capítulo 1 do Gênesis, que, como vocês sabem, significa Origem,
Nascimento, lemos que no princípio de tudo a terra era sem forma e vazia e,
nesse momento, Deus cria o mundo falando. “Deus disse: haja luz. E houve luz.
Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas”. Por ser a
linguagem um atributo da divindade, ao mesmo tempo em que Deus vai fazendo
as coisas, vai também nomeando-as: “E Deus chamou à luz dia, e às trevas
noite. E foi a tarde e a manhă, o dia primeiro”. (SAIBA MAIS - Caso vocês se
interessem pela leitura da Bíblia, e não a tenham impressa, sugerimos dois endereços
na rede Internet que têm a edição do Antigo e do Novo Testamento on-line. O Bíblia
Católica Online, em www.bibliacatolica.com.br e o Bíblia Sagrada - Introdução e
comentários - tradução protestante, em
http://protestantes.renascebrasil.com.br/bibliaonline/)
Nos capítulos seguintes vamos entendendo a criação do primeiro homem,
Adão, e de seus descendentes, a procedência das nações e das línguas. Tudo
começou no sexto dia. Depois de criar os animais e os répteis, Deus disse:
“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. E o
homem foi feito, modelado com o pó da terra e com o sopro divino, que o
transformou numa alma vivente. Deus atribui ao homem o dom da linguagem, já
que é ele quem nomeará todas as coisas viventes, inclusive a mulher que havia
sido feita de sua costela: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha
carne; ela será chamada varoa, porquanto do varão foi tomada”.
Expulsos do Jardim do Éden por terem comido o fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal, Adão e Eva foram lavrar a terra e, de seus
descendentes, nascerão Sem, Cam e Jafé, filhos de Noé, que depois do dilúvio,
gerarão suas famílias que serão responsáveis pelo povoamento da terra, dando
origem às nações e às línguas, finalizando o predomínio da linguagem

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primordial, a língua adâmica.
No capítulo 11 Moisés narra que até então a terra tinha uma só língua e
um só idioma e que os descendentes de Sem haviam se deslocado para a
região de Sinar, no extremo sul da Mesopotâmia, nome dado pela Bíblia à
Suméria. Ali eles começaram a edificar uma cidade e uma torre “cujo cume
toque no céu, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre
a face de toda a terra”.
Ao ver a cidade e a torre Deus entendeu que, se os filhos do homem
continuassem, não haveria restrições para suas pretensões. Decidiu ali mesmo
chamar a cidade de Babel e confundir aquela linguagem até então única. Deus
disse “Que sejam confundidos”. A partir desse instante os homens deixaram de
se entender e, espalhando-se pelo mundo, deram origem às primeiras famílias
lingüísticas, que foram denominadas a partir dos nomes dos três filhos de Noé. A
família de Sem suscitou as línguas semíticas, da linhagem de Cam nasceram as
línguas camíticas, enquanto os descendentes de Jafé fomentaram as línguas
jaféticas.
Precisamos lembrar que estamos aqui falando de um dos infinitos mitos
[SAIBA MAIS – Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa, como a
origem dos astros, da Terra, dos homens, etc.] que envolvem a história humana, ou
seja, da palavra que narra a origem dos deuses, do mundo, dos homens, das
técnicas, como o fogo e a agricultura, e da vida do grupo social ou da
comunidade. Para a filósofa Marilena Chauí [2000: 137-138], “pronunciados em
momentos especiais – os momentos sagrados ou de relação com o sagrado –
os mitos são mais do que uma simples narrativa; são a maneira pela qual,
através das palavras, os seres humanos organizam a realidade e a interpretam.
O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são ditas ou
pronunciadas”.
Falamos a pouco sobre a criação das famílias lingüísticas, mas, o que
vem a ser isso? Uma família lingüística é um grupo de línguas que derivam de
um ancestral comum, a proto-língua, como, por exemplo, a família indo-
européia, a sino-tibetana e a afro-asiática. Hoje em dia existem centenas de

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famílias lingüísticas, sendo que os maiores grupos são os das famílias Níger-
Congo, Austronésia, Trans-Nova Guineense, Indo-européia, Sino-tibetana e Afro-
asiática, conforme dados coletados por Raymond Gordon Jr, editor do
Ethnologue: Languages of the World2, em 2005.(SAIBA MAIS - Existem línguas que
não possuem parentesco com nenhuma língua conhecida, como, por exemplo, a língua
basca e a língua suméria. Essas línguas são denominadas como línguas isoladas.
Existem também as línguas planejadas, como o esperanto, e as línguas artificiais,
conhecidas como conlangs, do inglês constructed language, língua construída, como,
por exemplo, as criadas por J.R.R. Tolkien, autor dos livros da série O Senhor dos
Anéis).
Ao explicarmos o que é uma família lingüística, devemos, naturalmente,
esclarecer o que vem a ser a própria língua. Todos sabemos que
anatomicamente a língua é um órgão muscular alongado, móvel, situado na
cavidade bucal, a cuja parede inferior está preso pela base, e que serve para a
degustação e para a deglutição, e desempenha papel importante na articulação
de sons. Por outro lado, é o conjunto das palavras e expressões usadas por um
povo e o conjunto de regras da sua gramática. É o idioma que falamos. Para os
lingüistas, é um sistema de signos que permite a comunicação entre os
indivíduos, sendo que esses signos são convencionais, isto é, surgem de
condições históricas, geográficas, econômicas e políticas determinadas.
Agora vocês devem estar se perguntando o que são esses signos, uma
vez que vocês já deduziram que não estamos falando aqui daqueles doze
signos da Astrologia. Um signo é uma unidade lingüística que possui um
significado, aquilo que uma língua expressa acerca do mundo em que vivemos
ou acerca de um mundo possível, e um significante, a expressão oral de uma
língua. Enquanto o significado corresponde ao conceito, o significante
corresponde à forma.
Um signo também é, em termos semiológicos, todo objeto, forma ou
fenômeno que representa algo distinto de si mesmo, como, por exemplo, a cruz
significando ‘cristianismo’; a cor vermelha significando ‘pare’ (código de trânsito);
uma pegada indicando a ‘passagem’ de alguém, etc..

2 Em www.ethnologue.com/. Consulta realizada em 10/2006.

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Em termos correntes, entretanto, o termo signo significa a palavra, aquela
mesma palavra que os gregos chamavam de mythos, em contraposição à
palavra logos, que exprime a faculdade de raciocinar. É o discurso, a razão, a
verdade. Colocados numa mesma dimensão, o mythos e o logos constituem o
que chamamos de linguagem. E o que é a linguagem?
No Novo Dicionário Aurélio lemos que linguagem é o uso da palavra
articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas;
é a forma de expressão própria de um indivíduo, de um grupo; é o vocabulário
específico usado numa ciência, numa arte, numa profissão; é tudo quanto serve
para expressar idéias, sentimentos, modos de comportamento, como, por
exemplo, a linguagem musical; é o vocabulário; é todo sistema de signos que
serve de meio de comunicação entre indivíduos e pode ser percebido pelos
diversos órgãos dos sentidos, o que leva a distinguir-se uma linguagem visual,
uma linguagem auditiva, uma linguagem tátil, etc., ou, ainda, outras mais
complexas, constituídas, ao mesmo tempo, de elementos diversos; é, por fim, a
faculdade humana da fala, uma vez que os humanos nascem com uma
aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite
expressarem-se, naturalmente, pela palavra, e é essa capacidade de expressão
natural que distingue o homem dos demais animais.
Para Aristóteles, filósofo grego nascido em 384 a.C., o homem é um
animal político porque é dotado de linguagem, porque possui a palavra (logos),
enquanto os demais animais possuem apenas voz (phone). Enquanto essa
permite expressar dor e prazer, aquela exprime o bom e o mau, o justo e o
injusto. Exprimir e possuir valores comuns é o que torna possível a vida social e
política.
Voltando aos nossos primitivos ancestrais vimos que eles já haviam
alcançado esse estágio cultural, ou seja, eles já dominavam a linguagem falada
e estavam a um passo de sair da pré-história para entrar na história.
Adivinharam o que falta?

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1.3 O nascimento da escrita.

Vimos anteriormente que nossos ancestrais, em determinado momento,


começaram a representar animais e caçadores nas cavernas que habitavam,
provavelmente como uma parte importante de seus rituais de magia. Talvez no
princípio fizessem isso de maneira aleatória, mas, com certeza, com o tempo
foram desenvolvendo significados padronizados para suas representações
pictóricas.
A instauração da agricultura e o crescimento da atividade comercial e
outras necessidades pertinentes a uma economia agrícola exigiram a criação e
padronização de símbolos que representassem os objetos e seres
comercializados a fim de que pudessem ser registrados. Essas alegorias, assim
como a arte rupestre, podem ser vistas como a primeira tentativa de armazenar
informações.
Segundo os pesquisadores Philippe Breton e Serge Proulx [2202: 18], a
história da invenção da escrita, como técnica de transcrição da língua falada, se
realiza em duas grandes ondas sucessivas, correspondentes a dois modos de
escrita materialmente diferentes: a escrita ideográfica e a escrita alfabética.
No princípio de sua atividade comercial, os homens pré-históricos
controlavam os volumes negociados por meio da utilização de seixos de vários
tamanhos. Com o tempo os seixos passaram a ser substituídos por marcações
gravadas em pedras de argila e, a seguir, por figuras que representavam os
animais e os objetos negociados, assim como suas quantidades. De fácil
compreensão entre todos os povos, esse sistema, com o aumento das
transações, apresentou dois graves problemas: o volume excessivo dos
símbolos, que ia aumentando em conformidade com o avanço social, econômico
e cultural das civilizações (calcula-se que existiam mais de 2000), e o volume e
peso do suporte.
O primeiro povo a usar esse sistema pictográfico de escrita foi o sumério,
que habitava a região sul da Mesopotâmia, em torno de 3400 a.C..

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Considerados os construtores da mais antiga das civilizações, os sumérios
também foram os primeiros a estilizar seus desenhos para que estes perdessem
a conotação direta com as coisas representadas e os primeiros a tentarem
representar os sons da linguagem falada, passando de uma escrita pictórica
para uma escrita ideográfica, mais abstrata que a anterior e que possibilitava a
representação não apenas de animais, objetos ou idéias, mas também dos sons
com que tais animais, objetos e idéias eram nomeados no respectivo idioma.
Essa técnica é conhecida como rébus, ou seja, é o ideograma no estágio em
que deixa de significar diretamente o objeto que representa para indicar o
fonograma correspondente ao nome desse objeto.
Para que você possa entender melhor a diferença entre essas duas
formas de escrita vamos imaginar que você viveu na Suméria naquela época e
negociou um camaleão com o seu vizinho. Na época da escrita pictográfica você
simplesmente pegaria uma tábua de argila e desenharia o camaleão exatamente
como você o via. No caso da escrita ideográfica, a palavra camaleão seria
designada por intermédio do desenho de uma cama e de um leão.
O passo seguinte foi a tentativa de representar os sons da linguagem
falada, que culminou com a instauração da escrita silábica, uma forma de escrita
totalmente abstrata, composta de uma série de marcas na forma de cunhas e
com um número muito menor de caracteres. Esta forma de escrita ficou
conhecida como cuneiforme (do grego, em forma de cunha) e era escrita em
tabletes de argila molhada, usando-se uma espécie de caneta de madeira, com
a ponta na forma de cunha, que eram postas para secar ao sol ou cozidas numa
espécie de forno, garantindo sua durabilidade e longevidade. (SAIBA MAIS –
Inicialmente os sumérios registravam suas informações em seqüências verticais e
descobriram que podiam rotacionar aqueles ideogramas, passando a escrevê-los
horizontalmente).

[Imagem 1 – Exemplo de uma tabuleta sumeriana. In http://i-


cias.com/e.o/cuneiform_img.htm]
Além de armazenarem contratos legais, vendas e transferências de
terras, animais e objetos, inventários, registros e contabilidade dos templos,

15
essas placas de argila com sua escrita cuneiforme permitiram a preservação de
hinos, de textos divinatórios e das primeiras obras-primas da literatura [SAIBA
MAIS – Como exemplo, podemos destacar o Épico de Gilgamesh, poema lírico sumério
escrito na primeira metade do segundo milênio antes de Cristo, que conta a história de
um tirânico e poderoso rei de Uruk, Gilgamesh, que saiu em busca da imortalidade a
fim de se transformar num ser mais completo. Foram encontrados traços desse poema
na Odisséia de Homero e no Antigo Testamento (In GONTIJO, Silvana, 2001: 36)],
como deram origem a um sistema postal na região.
Naturalmente o sistema de escrita cuneiforme envolveu várias culturas e
línguas e, durante aproximadamente 3.000 anos, foi o mais difundido e
importante sistema de escrita no antigo Oriente Próximo, permitindo, como dito
anteriormente, armazenar a memória da história, ciência e literatura da biblioteca
da Babilônia. Podemos dizer que esse sistema foi o primeiro meio de
comunicação gráfico internacional da história.
A escrita pictográfica era utilizada também pelos egípcios que, em torno
de 3100 a.C. desenvolveram a sua hierós glyphós, ou “escrita sagrada”, como
os gregos a chamavam. Era uma escrita criada a partir de desenhos estilizados
de cabeças humanas, pássaros, animais, plantas e flores que permitiam o
registro quase completo da língua falada, cujos temas variavam da agricultura,
leis, educação até preces religiosas, histórias e peças literárias.
A escrita hieroglífica além de constituída por pictogramas também era
composta por fonogramas – sinais gráficos que representam um ou mais sons,
num sistema semelhante ao rébus dos sumérios, e por signos determinativos,
signos usados para indicar qual categoria de objetos ou seres está em questão.
A criação desses sinais determinativos aconteceu porque, muitas vezes, um
mesmo som era utilizado em várias palavras, provocando interpretações
confusas de um determinado desenho. Para resolver tal problema, os egípcios
introduziram mais dois sinais, sendo um para indicar como elas deveriam ser
lidas e outro para lhes dar um sentido geral. Vamos dar um exemplo com a
palavra ra, que significava sol para os egípcios. Essa única palavra contém dois
fonogramas, r e a, onde r significava uma boca aberta e o a simbolizava um

16
antebraço estendido. Então, a união dos dois fonogramas não significava
absolutamente que tinha alguém de boca aberta com o antebraço estendido,
expressava, como dito anteriormente, o sol.

[Imagem 2 – Uma tábua com os hieróglifos e seus correspondentes em nosso alfabeto. In

http://www.jimloy.com/hiero/yourname.htm]

Os hieróglifos eram escritos em vários sentidos, da esquerda para a


direita, da direita para a esquerda ou mesmo de cima para baixo. A colocação
das palavras, do ponto de vista gramatical, era seqüencial, primeiro o verbo,
seguido pelo sujeito e pelos objetos direto e indireto.
A escrita hieroglífica era monumental e religiosa, uma vez que era
utilizada principalmente para inscrições formais nas paredes de templos e
túmulos e para registrar os acontecimentos mais importantes do império. Para o
uso cotidiano, os egípcios desenvolveram mais dois tipos de escrita: a hierática,
por volta de 2400 a.C., escrita cursiva utilizada na maior parte dos textos
literários, administrativos e jurídicos, e o demótico, a escrita do povo, por volta
de 500 anos antes de nossa era. A escrita demótica era uma simplificação da
escrita hierática, que, por sua vez, era uma redução da hieroglífica.

3
[Imagem 3 – A pedra de Roseta , no Museu Britânico. In http://i-cias.com/e.o/index.htm]

Além de escreverem nas paredes dos templos e túmulos, os egípcios


também utilizavam pedras, madeira e couro. Mas, um dos grandes legados da
cultura egípcia, segundo Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach [1993], foi a
criação da primeira mídia portátil: o papiro.
A utilização da pedra como suporte de registro tinha a capacidade da
durabilidade, mas não a da transportabilidade através do espaço, o que exigiu
dos povos antigos a necessidade de desenvolver novos meios com os quais a

3 A pedra de Roseta foi descoberta em 1799 pelos soldados de Napoleăo na cidade de Rashid
(Roseta), a leste de Alexandria.e tem gravado um decreto de Ptolomeu V, datado de 196 A.C.,
registrado em caracteres hieróglifos, em caracteres demóticos e em caracteres gregos. A pedra foi decifrada
pelo francês Jean François Champollion em dois anos, de 1822 a1824.

17
escrita pudesse ser transportada mais facilmente.
Por volta de 2500 a 2200 a.C. os egípcios descobriram que podiam utilizar
as películas da parte exterior da haste da planta aquática papiro como suporte
para seus registros. Primeiro eles cortavam as películas em lâminas muito finas
e as colavam formando uma espécie de compensado de folhas. Essas folhas
eram superpostas com as fibras cruzadas para aumentar a espessura e a
resistência do produto, eram polidas com óleo, colocadas para secar e
comprimidas com uma pedra lisa.

[Imagem 4 – Papyrus of Nes-Min. In

http://www.dia.org/collections/ancient/egypt/1988.10.13larger.html]

Como suporte de escrita o papiro foi adotado pelos gregos, romanos,


bizantinos e árabes, provocando uma mudança significativa na organização
social e cultural da sociedade. Segundo o economista canadense Harold Innis,
em sua obra Empire and Communications, o uso dos materiais mais pesados
para a comunicação, aqueles relativamente duráveis, levou as sociedades a
adotarem um viés cultural com relação ao tempo e às organizações religiosas,
enquanto os materiais mais leves, como o papiro, podiam ser transportados
rapidamente a distâncias maiores, resultando em uma tendência relacionada a
espaço e organizações políticas [Apud BRIGGS, Asa & BURKE, Peter, 2004:
18].
Destacamos aqui apenas as escritas suméria e egípcia, mas outros
povos, como os chineses, os hindus e os maias também já utilizavam a
linguagem escrita.
Dentre os vários povos existentes então, havia um que se destacou pela
constituição de um extenso império de navegação, comércio e construção de
portos em volta de todo o Mediterrâneo: eram os fenícios, que viveram ao longo
da costa da Síria e do Líbano, e constituíram. Para que tal fosse possível, ou
seja, para que pudessem estabelecer comunicação com povos de diferentes
línguas, diferentes escritas e diferentes níveis de desenvolvimento cultural e
tecnológico, esse povo criou um código composto por vinte e dois signos com os

18
quais poderiam escrever qualquer palavra.
Unindo a praticidade do silabário cuneiforme com o grafismo da escrita
hierática egípcia, os fenícios criaram, entre 2.000 e 1.700 a.C., um código com
vinte e oito letras, das quais vinte e seis eram consoantes, daí sua nomeação
como alfabeto consonantal. Com o tempo, o alfabeto passou a ter apenas vinte
e duas letras e foi adaptado por vários povos em consonância com suas línguas,
tais como a árabe, a hebraica, a aramaica, a tamúdica, a púnica e,
principalmente, a grega.
Embora os fenícios sejam considerados os criadores do alfabeto, em
1905 de nossa era, em Serabit el Khadim, na península do Sinai, arqueólogos
descobriram 30, ou 31, inscrições, de 1600 a.C., que mostram tanto signos
hieroglíficos quanto sinais da língua semítica ocidental. Esses pesquisadores
nomearam essa escrita como proto-sinaítica e a consideram como o sistema
precursor do primeiro alfabeto consonantal, uma vez que conseguiram identificar
de maneira inequívoca as letras B, H, L, M, N, Q, T e dois sons hebraicos, aleph
e ayin.
Para nós, ocidentais, é quase, se não de todo, impossível compreender
como é plausível falar ou escrever somente com consoantes. Mas, para todos os
sistemas de escrita derivados da escrita fenícia as vogais não são
necessariamente transcritas, mas basicamente memorizadas, ou melhor, o som
das vogais, poucas nas línguas semíticas, deveria ser memorizado.
O alfabeto consonantal, apesar do enorme avanço em relação às escritas
cuneiforme e hieroglífica, ainda dava margem a muitas ambigüidades. Mas, em
decorrência de sua forte inclinação para o comércio, os fenícios mantiveram por
muito tempo um extenso contato com um povo que habitava a Ásia Menor e
algumas ilhas do Mediterrâneo Oriental, os gregos, estes “que ainda nos
governam de além dos próprios túmulos desfeitos”, como dizia o grande poeta
português Fernando Pessoa.
Ao contrário das línguas semíticas, as línguas faladas nas cidades gregas
possuíam uma variedade de sons vocálicos fundamentais para suas flexões. O
método de escrita constituída só de consoantes mostrava-se inconveniente para

19
os gregos, por isso resolveram adaptar alguns dos caracteres fenícios para
representar algumas das vogais gregas. Inicialmente foram cinco sinais
verdadeiramente vocálicos, mais tarde introduziram alguns caracteres
suplementares para figurar outros sons vocálicos e também sinais vocálicos,
inteligentemente combinados aos pares, para formar ditongos como ai, ei, oi, ou,
etc. Criaram também outros caracteres para representar determinados sons
consonânticos peculiares à sua língua.

[Imagem 4 – Tabela do alfabeto grego com os vários tipos de sinais usados pelas diferentes polis.

In http://victorian.fortunecity.com/vangogh/555/Spell/Gk-alph2.gif].

O alfabeto, palavra formada pelas duas primeiras letras do alfabeto grego


- alfa (α) e beta (β) -, desenvolveu-se de maneiras um tanto diferentes em
diversas regiões da Grécia antiga, predominando, com o passar dos tempos, o
alfabeto oriental e o alfabeto ocidental. O primeiro, o mais antigo dos dois, veio a
ser o alfabeto do ramo jônico do povo grego, usado primeiro nas ilhas do Mar
Egeu e em muitas cidades gregas da costa da Ásia Menor, e, mais tarde, no
continente grego. Depois da guerra do Peloponeso, tornou-se o alfabeto da
antiga Atenas, substituindo uma forma ática primitiva. O alfabeto grego ocidental
é importante para nós, porque entrou na Itália e ai se tornou o precursor do
alfabeto que utilizamos atualmente. A maior parte dos seus caracteres eram os
mesmos do alfabeto oriental, embora alguns tivessem mudado completamente
de forma e posição.
Motivo de deslumbramento para quase todos, a descoberta e uso do
alfabeto grego não agradou àquele que talvez seja, ainda, o mais famoso de
todos os gregos, o filósofo Sócrates. Para ele, o uso da escrita tinha o poder de
produzir o esquecimento nas almas, fazendo-as negligenciar a memória, assim
como a retórica, a técnica de comunicação própria da Antiguidade, segundo
Breton e Proulx.
A retórica é a persuasão através da argumentação, excluindo o uso da
força. Ao contrário das dúvidas em relação à origem da linguagem articulada,
das várias línguas, das escritas antigas e do alfabeto, sabe-se, com certeza, que

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a retórica nasceu em Siracusa, na Magna Grécia, no século V a.C. e teve sua
origem relacionada às novas relações sociais advindas do surgimento da polis, a
Cidade, entendida entre os gregos como a comunidade organizada por leis e
instituições e constituída pelos cidadãos, os homens nascidos no solo da
Cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis, a isonomia
(igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público
opiniões sobre ações que a Cidade deve ou não deve realizar), conforme
definição de Marilena Chauí (Op. Cit., 371) [SAIBA MAIS – Nas cidades antigas
reconhecia-se como cidadão todo o homem que tomava parte no culto dos deuses da
cidade, e por eles combatiam, e era esta participação obrigatória que lhe garantia todos
os seus direitos civis e políticos].
Os professores precursores desta nova disciplina foram o filósofo grego
pré-socrático Empédocles de Agrigento, o primeiro a desenvolver um estudo
sistematizado sobre o poder da linguagem como instrumento de persuasão
[SAIBA MAIS – Vamos nos lembrar aqui que até a pouco tempo, dentro do contexto de
nosso curso, todas as coisas existentes eram explicadas através do mito. Entretanto,
entre o final do século VII e início do século VI antes de Cristo, os gregos, com uma
originalidade excepcional, transformaram de forma surpreendente a sabedoria e a
cultura das regiões mais avançadas do Oriente, como a persa, a egípcia, a babilônica, a
cretense e a micênica, entre outras, e criaram um modo de pensar e exprimir os
pensamentos sobre a origem, causas e transformações da realidade natural e humana
de maneira racional, lógica e sistemática. A essa nova forma de pensar e de se
expressar o filósofo grego Pitágoras de Samos, que viveu no século V antes de Cristo,
chamou filosofia. A Filosofia grega conheceu quatro grandes períodos: o pré-socrático
ou cosmológico, o socrático ou antropológico, o período sistemático e, por fim, o
período helenístico ou greco-romano. Sua importância reside no fato de que, por razões
históricas e políticas, tornou-se o modo de pensar e de se exprimir predominante da
cultura européia ocidental, da qual nós, brasileiros, em decorrência da colonização
portuguesa, também fazemos parte. Para aqueles e aquelas que, como nós, são
apaixonado(a)s pela filosofia sugerimos a leitura do livro de Marilena Chauí, Convite à
filosofia.], Corax, seu aluno, e Tísias, sendo de autoria dos dois últimos o primeiro
tratado de retórica, escrito em 465 a.C.. Esse tratado defendia vítimas dos
arbítrios de expropriação, deportação e transferência de pessoas cometidos por

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dois dos tiranos de Siracusa, o que nos mostra que a retórica nasceu em
conseqüência de processos de propriedades.
O pleno desenvolvimento da retórica só aconteceu após a consolidação
da democracia ateniense, que, como é sabido por todos nós, mais do que
permitia, exigia a participação direta de todos os cidadãos atenienses nas
assembléias populares, sendo que essas possuíam funções legislativas,
executivas e judiciárias. Segundo Breton e Proulx (Op.Cit., 28), um dos
prováveis fatores da difusão da retórica foi a exigência da justiça grega de que
os requerentes se defendessem pessoalmente. Naturalmente, como nem todos
os cidadãos tinham a habilidade de raciocinar, falar e argumentar corretamente
diante de um tribunal aconteceu uma demanda por peritos ou professores com
formação jurídica suficiente para escrever todos os tipos de discursos, sendo
que Corax e Tísias deram início à sistemática de se cobrar por essas aulas.
É importante ressaltar que a arte da retórica não pode ser confundida com
o “falar bem” em uma conversa entre amigos ou entre familiares. Para os
gregos, a primeira era um ato político, só cabível na esfera pública, ou seja, aos
cidadãos enquanto exercendo suas funções na polis; a segunda pertencia à
esfera privada, à vida em família, doméstica, cotidiana [SAIBA MAIS - Não há
espaço neste curso para uma discussão sobre as esferas pública e privada, mas, para
aqueles que quiserem se aprofundar no assunto, há o belíssimo, e clássico, livro da
filósofa e pensadora política alemã Hannah Arendt, A condição humana]. Lembremos
que, como dito anteriormente, a retórica era a técnica de comunicação por
excelência na Antiguidade e não apenas, como pejorativamente ficou conhecida,
uma técnica sofística.
Só por curiosidade, vamos, mais uma vez, dar asas à nossa imaginação.
Vivemos no século V a.C., e somos cidadãos atenienses.

. pertenc à esfera pública e não privada o que outras formas Esses


primeiros peritos foram os sofistas, chamados por Aristóteles de “tecnólogos”.

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Em paralelo à evolução das formas escritas, o desenvolvimento de outras
técnicas também foi fundamental nesse processo de emancipação. Podemos
resumir esse longo período histórico parafraseando Ésquilo, em Prometeu
acorrentado: os “seres indefesos chamados humanos”, agora dotados de lucidez
e razão, aprenderam também a construir casas com tijolos endurecidos pelo sol
e a usar a madeira, foram instruídos sobre a ciência básica da elevação e do
crepúsculo dos astros e sobre a ciência dos números e das letras, aprenderam a
subjugar as bestas e a atrelar os carros aos cavalos, a construir navios e a usar
as folhas e frutos que serviriam como alimentos, remédios e bálsamos e
adquiriram conhecimento sobre as artes divinatórias, os presságios e sobre os
sonhos. (SAIBA MAIS – Ésquilo é um dos maiores autores trágicos da Grécia antiga e
é considerado o fundador da tragédia. Os historiadores acreditam que ele tenha escrito
entre 79 e 90 tragédias, das quais sobreviveram apenas sete: Os persas, Os sete
contra Tebas, As suplicantes, Prometeu acorrentado e a trilogia que compõe a Oréstia –
Agamêmnon, Coéforas e Eumênides.).
Descobriram também que era sua capacidade de produzir, armazenar e
fazer circular a informação a força motriz de sua evolução e sobrevivência como
espécie humana.

As informações começam a circular.

Os primeiros registros de um serviço postal datam de aproximadamente


2000 a.C., e foi utilizado primeiro pelos egípcios. Eram basicamente despachos
governamentais levados por cavaleiros de uma região a outra. Os persas, os
chineses e os gregos usavam o mesmo sistema e, em casos de longa distância,
utilizavam-se de um sistema de revezamento. A cada número de quilômetros, o
mensageiro parava em uma casa postal para trocar de cavalo ou para passar a
correspondência a outro emissário que a levaria adiante.
Foram os romanos que desenvolveram o mais eficiente, seguro e
duradouro serviço postal da antiguidade, o cursus publicus. Seus mensageiros

23
chegavam a percorrer, por dia, 70 quilômetros a pé ou 200 quilômetros a cavalo
Havia, ainda, um sistema de inspeção constante para prevenir seu uso
abusivo pra propósitos privados.
Breton e Proulx defendem a idéia de que Roma, tanto na República
quanto no Império, foi, por excelência, uma sociedade de comunicação e nela
tudo se organizava em torno da vontade de fazer da comunicação social uma
das figuras centrais da vida cotidiana. Tanto assim que difundiram e
universalizaram, no tempo e no espaço, a cultura latina e foi o pragmatismo de
sua língua que permitiu o nascimento da idéia de informação, ou seja, de um
conhecimento que se pode elaborar, sustentar, e, sobretudo, de um
conhecimento transmissível, notadamente por meio do ensino.
A palavra latina informatio designa, de um lado, a ação de moldar, de dar
forma. De outro, significa, de acordo com o contexto, ensino e instrução, ou
idéia, noção, representação. A coexistência desses dois sentidos, segundo os
autores, indica que, ao contrário da cultura grega, a cultura romana não
dissociava a técnica do conhecimento.
Por essa altura, o rolo de papiro já havia sido substituído pelo
pergaminho, produto feito geralmente com peles de gado, antílopes, cabras e
ovelhas, especialmente animais recém-nascidos, por este ser mais flexível
possibilitando a dobra de suas folhas para a montagem de cadernos, conhecidos
como códices ou manuscritos. Os primeiros livros foram escritos em
pergaminho, como, por exemplo, os livros do antigo testamento, a Ilíada e a
Odisséia e as primeiras tragédias gregas. Embora o papel tenha sido inventado
na China, no ano 105, por Ts'ai Lun, um alto funcionário da corte do imperador
Chien-Ch'u, da dinastia Han (206 a.C. a 202 da era cristă) contemporânea
do reinado de Trajano em Roma, só em 1150, através dos árabes,
chegou à Espanha, onde foi criada a primeira indústria de papel da
Europa.
Ainda como códice o livro começou a ser um suporte de comunicação e,
segundo Pierre Grimal, “Em Roma, as livrarias, como as salas de declamação,
eram o ponto de encontro dos connaisseurs, que debatiam problemas literários:

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os jovens escutavam, os antigos clientes peroravam, em meio aos livros cujos
rolos, cuidadosamente reproduzidos, alinhavam-se acima deles. A porta da loja
era coberta de inscrições que anunciavam as obras à venda. (...) A publicidade
estendia-se nos pilares vizinhos. Essas lojas de livreiros situavam-se,
naturalmente, nas vizinhanças do fórum”4.
Foi em Roma, também, que surgiu o primeiro verdadeiro jornal, os Acta
diurna, uma publicação gravada em tábuas de pedra e afixada nos espaços
públicos, criada em 59 a.C. por ordem de Júlio César, que registrava trabalhos
do Senado, fatos administrativos, notícias militares, obituários, crônicas
esportivas, e vários outros assuntos.
No final do Império Romano, e antes do advento da imprensa, já haviam
sido estabelecidos pelo menos quatro tipos de redes de comunicação, segundo
estima John B. Thompson [1998]: A primeira era a estabelecida e controlada
pela Igreja Católica; a segunda, aquelas mantidas pelas autoridades políticas
dos estados e principados, que operavam tanto dentro dos territórios particulares
de cada estado quanto entre os estados que mantinham relações diplomáticas;
a terceira rede estava ligada à expansão da atividade comercial; e, finalmente, a
constituída por comerciantes, mascates e entretenedores ambulantes. Esses
disseminavam as informações nas reuniões em mercados ou em encontros nas
tabernas.
Segundo Thompson, ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, essas redes de
comunicação foram submetidas a dois desenvolvimentos-chave. Em primeiro
lugar, alguns estados começaram a estabelecer serviços postais regulares que
rapidamente cresceram em disponibilidade para uso geral, e, em segundo, foi o
uso da imprensa na produção e disseminação de notícias.

Dos incunábulos ao Le Journal de Paris.

[Imagem. 5 - Summa de vitiis et virtutibus – 1270 - Guilelmus Peraldus. In

4 Apud BRETO, Philippe & Prouxl, Serge.

25
www.dartmouth.edu/~speccoll/westmss/003104.shtml]

[Imagem 6 - Book of hours, use of Paris. Paris: Phillippe Pigouchet for Simon Vostre, 25 April 1500. Printed

on vellum. In http://www.grolierclub.org/incunabula.htm]

Os códices, tal como os rolos de papiro e pergaminho, eram,


naturalmente, escritos à mão, daí serem denominados manuscritos, e sua
confecção, principalmente na Idade Média, entre os séculos VII a XIII, tornou-se
uma atividade essencialmente monástica, principalmente pelo alto custo do
suporte e da cópia, pela lentidão em sua confecção – um bom copista trabalhava
em média duas folhas e meia por dia – e para evitar a disseminação do
conhecimento entre os homens comuns.

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