Vous êtes sur la page 1sur 16

É POSSÍVEL AFASTAR A PONDERAÇÃO?

IS IT POSSIBLE TO AVOID PONDERATION?

Hugo de Brito Machado Segundo*

Resumo: Este trabalho visa a examinar a crítica feita ao uso


da ponderação de princípios, no âmbito da interpretação e da
aplicação do direito, dada suas supostas subjetividade e
fluidez. O afastamento da ponderação, contudo, não é possível
diante do reconhecimento da positividade de normas com
estrutura de mandamentos de otimização, além de não conferir
ao ato de interpretar maior objetividade.
Palavras-chave: Ponderação. Subjetividade. Direito por
princípios.
Abstract: The aim of this paper is to analyze the ponderation
of principles in the interpretation of the law, and its critics. It
demonstrates that avoiding or abandoning the use of
ponderation does not increase the objectivity in interpretation,
and is really impossible when we recognize the existence of
principles.
Key-words: Ponderation. Subjectivity. Principles.

Introdução
Questão de grande relevo, atualmente, consiste em saber se é possível deixar de utilizar,
na resolução de problemas jurídicos, a técnica de ponderação de princípios, realizada através da
aplicação do postulado da proporcionalidade. Isso porque, tendo em vista a larga difusão de
teorias segundo as quais princípios são mandamentos de otimização, cujos conflitos devem ser
resolvidos através do postulado da proporcionalidade, surgiram vozes no sentido de que tal
técnica seria irracional, permitiria a prática de arbitrariedades por parte do Judiciário (que teria
seus poderes hipertrofiados), além de minar a segurança e a certeza do Direito.
Neste texto, se revisitam essas críticas, para, em seguida, investigar-se se é possível
interpretar e aplicar normas jurídicas sem recorrer a essa técnica de conciliação de princípios.
Afere-se, ao final, se seu afastamento não conduziria a resultados eivados, com ainda maior

*
Advogado em Fortaleza. Mestre em Direito pela UFC. Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza – Unifor. Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários. Professor de Processo Tributário
da pós-graduação da Unifor. Professor de Direito Tributário da Faculdade Christus e da Faculdade Farias Brito.
Conselheiro Seccional da OAB/CE (triênio 2007/2009). Email: hugosegundo@machado.adv.br. Blog:
www.direitoedemocracia.blogspot.com
intensidade, dos mesmos defeitos que se lhe apontam, aos quais se somaria a falta de clareza e de
explicitude, a inviabilizar o controle racional e intersubjetivo da atividade do intérprete.

1. Direito por princípios e ponderação


1.1. Preliminarmente
Já no Século IV a.C, Aristóteles afirmava que, embora as leis devam ser gerais e abstratas,
é imprescindível que sejam aplicadas com equidade, atentando-se para as peculiaridades de cada
caso concreto (DEL VECCHIO, 1979, p. 47). Essa adequação da lei ao caso concreto, feita pelo
intérprete, tem o claro propósito de fazê-la compatível com os fins que orientaram a sua
elaboração.
Dezenas de séculos depois, buscando objetividade, segurança e certeza, Kelsen defende
que essa adequação não seria uma atividade científica, eis que a ciência jurídica fornece apenas –
para o intérprete de uma norma– um quadro ou moldura com vários significados possíveis, sendo
a escolha de uma deles um ato de vontade do aplicador, guiado por critérios políticos (KELSEN,
2000, p. 390). O acerto dessa afirmação – desde que se parta da mesma premissa de que parte
Kelsen, evidentemente – é demonstrado pela insuficiência do elemento literal na interpretação
das normas jurídicas, aliada à inexistência de hierarquia entre os demais elementos de
interpretação, que podem levar a resultados contraditórios uns em relação aos outros, sem que se
possa afirmar, de forma geral, qual deles deve preponderar sobre os demais (ALEXY, 1989, p. 3).
Entretanto, facilmente se percebe que, adotada em seus moldes originais, a postura
metodológica kelseniana reduz sensivelmente a utilidade da ciência jurídica. Afinal, se o
conhecimento puro e objetivo que se tem do Direito não se presta – sozinho – para solucionar
problemas concretos, mas apenas para iniciar a sua solução, reduzindo sempre a um quadro ou
moldura os vários significados cientificamente possíveis, e transferindo a solução do problema
para outras áreas do conhecimento, vão-se por água abaixo a pureza, a segurança e a objetividade
do conhecimento científico do Direito, especialmente porque a ciência pura não tem controle
sobre essa opção política feita dentro da moldura. Ao banhar a criança – diz Larenz – Kelsen
deitou-a fora com a água do banho (1997, p. 107).
Apesar de todas as críticas que lhe podem ser dirigidas, contudo, não se pode ignorar que
neste ponto Kelsen teve o inegável mérito de reconhecer os limites do positivismo lógico-
dedutivo (PERELMAN, 2000, p. 93). A partir dele, o desafio passou a ser o estabelecimento de
critérios de escolha de significados possíveis dentro da moldura oferecida pela ciência em sua
vetusta concepção positivista, critérios estes que, embora não decorram de um dedutivismo
lógico-formal, devem ser o mais racionais e objetivos possíveis, nos moldes de uma nova visão
de ciência, a qual indica soluções aproximadas, fundadas em verdades construídas e
reconhecidamente provisórias. É o campo propício para o chamado direito por princípios.
É preciso reconhecer, diga-se de passagem, que essa forma de analisar o Direito não é
recente. Como já apontado, no pensamento de Aristóteles observa-se uma acentuada preocupação
com a aplicação da lei abstrata aos casos concretos, sendo ele, aliás, a fonte de inspiração de
Theodor Viehweg para o Tópica e Jurisprudência, o qual, no dizer de Paulo Bonavides, vem à
lume “na hora exata quando as mais prementes e angustiantes exigências metodológicas põem
claramente a nu o espaço em branco deixado pela hermenêutica constitucional clássica,

2
característica do positivismo lógico-dedutivo” (BONAVIDES, 1997, p. 452). De qualquer sorte,
não se pode negar que os teóricos contemporâneos têm o mérito de teorizar e procurar demonstrar
racionalmente como esse processo de ponderação deve acontecer.

1.2. Direito por regras e direito por princípios


Lembrando sempre que a história não é linear, como, aliás, demonstram os exemplos –
Aristóteles e Kelsen – citados no item precedente deste texto, pode-se dizer que a ciência jurídica
ocupou-se de modo precípuo, até o início do Século XX, do Direito enquanto sistema de regras
jurídicas. Construíram-se teorias sobre proposições que prevêem hipóteses e prescrevem
condutas a serem seguidas se e quando essas hipóteses se vierem a concretizar no mundo
fenomênico, e sobre o ordenamento que seria apenas o conjunto hierárquico e sistematizado
dessas prescrições. Nesse contexto – que Paulo Bonavides denomina de primeira fase da
juridicidade dos princípios (2003, p. 259) –, para os partidários do jusnaturalismo, as regras
jurídicas deveriam ser interpretadas e aplicadas em conformidade com os princípios do direito
natural, que seriam deduzidos de um plano metajurídico variável conforme a corrente doutrinária
considerada (a razão humana, razão divina etc.) (RADBRUCH, SCHMIDTH e WELZEL, 1971).
Já os positivistas refutam a existência de tais princípios de direito natural, pugnando pela
consideração apenas das regras positivadas (v.g. Kelsen e o quadro ou moldura aqui já referidos).
Note-se que o positivista não refuta a possibilidade de tais princípios de direito natural
influenciarem de fato na interpretação e na aplicação do direito: apenas afasta a possibilidade de
essa influência contar com explicação científica.
Considerando que alguns princípios poderiam ser induzidos do ordenamento jurídico, a
partir dos valores subjacentes às diversas regras, passou-se a admitir a aplicação subsidiária dos
mesmos. Esta foi a segunda fase na evolução da juridicidade dos princípios: em caso de lacuna
(falta de uma regra jurídica), poder-se-ia recorrer aos “princípios gerais de direito”, que seriam
normas dotadas de elevadíssima generalidade e estariam implícitas no sistema. Não se estaria
recorrendo a um plano metajurídico, mas descobrindo regras no próprio ordenamento existente.
Mesmo assim, cabe observar que o princípio jurídico assumia, nesse contexto, papel secundário.
Não se sobrepunha à lei, mas apenas auxiliava sua interpretação, e evitava o vazio normativo na
hipótese de lacuna.
Finalmente, nas últimas décadas do Século XX, inaugura-se a fase do assim chamado pós-
positivismo. A jurisprudência das Cortes Internacionais de Justiça, seguida posteriormente pela
doutrina, reconhece a força normativa de uma série de princípios fundamentais, que, a partir
então, passam a ser considerados positivados nas Constituições. De uma posição subsidiária à lei,
os princípios são transportados para o centro das Constituições. A partir de então, o dever de
elaborar e interpretar as demais normas do ordenamento de acordo com os princípios deixa de ser
uma recomendação, e passa a ser um dever jurídico, mesmo para os que não aceitam a existência
de um direito natural. Daí porque alguns autores chamam essa fase da Teoria do Direito de pós-
positivismo: seria a superação dialética da divergência entre positivismo jurídico e
jusnaturalismo.1
1
A expressão pós-positivismo é passível de diversas criticas, pois confunde positivismo com positividade, tendo
como superada a divergência apenas porque o ordenamento jurídico tem, atualmente, conteúdo considerado
satisfatório. O aprofundamento deste aspecto, contudo, apesar de dotado de inegável importância, não se comporta
nos limites deste artigo, nem seria relevante para as suas conclusões.

3
Os princípios, hoje se reconhece, guiam a elaboração, a interpretação e a aplicação das
regras. Daí porque se faz referência a um “direito por princípios”, direito este que representaria a
evolução do vetusto “direito por regras”, chegando a teoria dos princípios, no dizer de Bonavides,
aos
seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação
metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor
de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção
nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão
da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera
da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade;
a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua
positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras
e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão
máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a
total hegemonia e preeminência dos princípios. (2002, p. 265)

O direito por princípios, como se sabe, tem toda relação com o postulado da
proporcionalidade. Isso porque as Constituições contemporâneas positivaram uma série de
princípios (ou disposições nelas contidas passaram a ser assim consideradas). Alguns deles
impõem vedações ao Poder Público, afirmando o que este não deve fazer. Muitos outros, porém,
preconizam o cumprimento de deveres positivos: proteger o meio ambiente; assegurar o pleno
emprego; proteger a família, a criança, o idoso etc. Note-se que muitos desses deveres não podem
ser atendidos ao mesmo tempo de modo integral e absoluto. É o caso da livre iniciativa e da
proteção ao meio ambiente. Para prestigiar o princípio da livre iniciativa, é necessário assegurar
aos cidadãos a livre utilização de sua propriedade e de sua criatividade na consecução de seus
fins empresariais. Para proteger o meio ambiente, porém, é necessário restringir o uso da
propriedade de sorte a que não se destruam matas, não se matem animais, não se polua o ar etc. O
pleno atendimento do primeiro princípio esvazia inteiramente de sentido o segundo, e vice-versa.
É necessário conciliá-los, para possibilitar que ambos sejam observados proporcionalmente.
Como observa Karl Larenz,
hay que encontrar una composición del conflicto que permita la subsistencia de
cada uno de los derechos con el máximo contenido posible. Esto significa que ningún
derecho tiene que retroceder más de lo que sea necesario para no recortar el del otro de
un modo que sea no exigible. (2001, p. 63)

O chamado princípio da proporcionalidade, portanto, nada mais é que o método de


conciliação de princípios em conflito, assim como os critérios hierárquico, cronológico e da
especialidade servem para dirimir conflitos entre regras. É por isso, aliás, que alguns autores não
consideram apropriado falar-se em “princípio” da proporcionalidade.

1.3. Princípios, regras ou postulados?


A maior parte dos autores refere-se à proporcionalidade como princípio. Assim também o
faz a jurisprudência brasileira. Há autores, contudo, que refutam essa denominação, preferindo
denominar a proporcionalidade de regra, ou de postulado.

4
Na verdade, esta discussão é meramente terminológica. Cada autor está a designar a
mesmíssima realidade com palavras diferentes. Tudo depende de saber o que cada um pretende
dizer com os termos princípio, regra, e postulado.
A respeito das várias significações que pode ter a palavra princípio, Paulo Bonavides
doutrina, fundado nas lições de Ricardo Guastini:
Em primeiro lugar, o vocábulo ‘princípio’, diz textualmente aquele jurista, se
refere a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um
alto grau de generalidade.
Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocábulo ‘princípio’
para referir-se a normas (ou a disposições que exprimem normas) providas de um alto
grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem
a qual não seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.
Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam a palavra
‘princípio’ para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter
‘programático’.
Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas às vezes fazem
do termo ‘princípio’ é para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas)
cuja posição na hierarquia das fontes de Direito é muito elevada.
Em quinto lugar – novamente Guastini – ‘os juristas usam o vocábulo princípio
para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham função
‘importante’ ou ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente considerado,
ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do
Trabalho, o Direito das Obrigações)’
Em sexto lugar, finalmente, elucida Guastini, os juristas se valem da expressão
‘princípio’ para designar normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas a
órgãos de aplicação, cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou das
normas aplicáveis nos diversos casos. (2002, p. 231)

A doutrina brasileira clássica geralmente adota, de modo não muito preciso, todas as
definições acima transcritas. Batiza de princípio, por isso, a legalidade, a anterioridade, a
isonomia etc. Não se perquire a respeito de sua estrutura normativa2, definindo-se como
princípio, também, as normas que atendem à terceira definição acima transcrita, ou seja, normas
que apontam um fim ou um objetivo a ser seguido, sem necessariamente indicar os meios (v.g.
capacidade contributiva, livre iniciativa, proteção ao meio ambiente etc.), e até mesmo a sexta
definição (princípio hierárquico, princípio da especialidade, princípio cronológico...).
Por essa definição clássica, e bastante abrangente, o dever de proporcionalidade decorre,
sim, de um princípio. Preenche, com precisão, a sexta definição transcrita: a proporcionalidade
determina qual princípio é aplicável, ou deve preponderar, nos diversos casos.

2
Não se perquire se a norma possui a estrutura de regra (hipótese – conseqüência), ou de mandamento de otimização
(mera indicação de fim a ser seguido). Para Humberto Ávila, a propósito, o princípio não é propriamente um
“mandamento de otimização”, mas sim “normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com
pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação
entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua
promoção.” (Cf. ÁVILA, 2004, p. 70)

5
Todavia, é de observar que, pela doutrina de Robert Alexy, quem mais popularmente
teorizou a aplicação da proporcionalidade na concretização de princípios, a legalidade e a
anterioridade seriam regras3, e não princípios. Mesmo assim, não se devem fazer duras críticas
àqueles que se reportam ao princípio da legalidade ou ao princípio da anterioridade. O termo está
consagrado (PEREIRA, 2006, p. 323), e o importante é saber do que se está tratando (saber qual é
a “estrutura” do princípio), a fim de não se pretender “sopesar” ou “relativizar” normas cuja
estrutura não permite tal procedimento.
Os autores que preferem afirmar que o dever de proporcionalidade decorre de uma regra,
em verdade, fazem-no porque adotam a definição de princípio jurídico dada por Robert Alexy,
que é um pouco diferente, e mais estreita, que a definição prevalente na doutrina brasileira. Para
Alexy, como se sabe, princípio é aquela norma que não prescreve uma conduta específica, em
face de uma “hipótese de incidência” determinada, mas sim consagra a positivação de um valor,
de uma meta ou de um fim a ser seguido (mandamento de otimização). Para ele, princípio é
apenas a disposição que se enquadra na terceira das definições acima transcritas. Nesse sentido,
realmente, a proporcionalidade não é um princípio (não deve ser atendida “na medida do
possível”, gradualmente). Para Virgílio Afonso da Silva, por esses fundamentos, a
proporcionalidade é uma regra jurídica (2004, p. 87).
Humberto Ávila, por sua vez, refuta que o dever de proporcionalidade decorra de uma
regra jurídica. Para ele, trata-se de uma exigência do ordenamento, intrínseca à sua estrutura, e
que decorre do próprio reconhecimento da positividade das normas dotadas da estrutura de
mandamentos de otimização. O dever de agir proporcionalmente, para ele, não é um all or
nothing. Não decorre da incidência de uma regra sobre a concretização, no mundo fenomênico,
dos fatos nela previstos. Pelo contrário, trata-se de uma “metanorma”, ou norma de sobredireito,
que ele prefere denominar de “postulado”, e que se diferencia tanto das regras quanto dos
princípios (2004a, p. 88), pelo menos se dermos a estes últimos o estreito significado que lhes
atribui Alexy.
A razão parece estar com Ávila. Realmente, a proporcionalidade não decorre de uma
norma jurídica, seja elas regra ou princípio. O dever de proporcionalidade decorre da própria
positividade dos princípios. É o mesmo que ocorre com os critérios hierárquico, cronológico e da
especialidade, para solucionar conflitos entre regras: são exigências lógicas do sistema, e não
precisam estar positivadas em nenhum ato normativo para serem invocadas. De qualquer sorte,
considerando que a doutrina clássica dá acepção bastante ampla ao termo princípio (cogitando
inclusive de um “princípio hierárquico”), não vemos qualquer impropriedade em se denominar a
proporcionalidade de princípio. O importante é saber que não são mandamentos de otimização, e
não podem, por isso, ser “relativizados” em face de outros princípios.

1.4. Razoabilidade e proporcionalidade


Na doutrina e também na jurisprudência há referências à razoabilidade e à
proporcionalidade como expressões sinônimas (Cf., v.g., STF, ADin 1.922/MC-DF – Rel. Min.
3
A rigor, e com maior propriedade, pode-se dizer que, do enunciado normativo do qual se extrai o chamado
“princípio da legalidade” podem ser construídos, em cada caso concreto, tanto regras (proibição da instituição de
tributo por ato normativo diverso da lei), como princípios (liberdade contratual dentro de certos limites, liberdade
para elaborar planejamentos tributários dentro de certos limites, etc.). Confira-se, a propósito: ÁVILA, 2004, p. 34

6
Moreira Alves – DJ de 24.11.2000, p. 89). Autores conceituados consideram que são dois nomes
utilizados para designar a mesma realidade. Apenas a origem das expressões seria distinta: o
termo razoabilidade é oriundo do direito anglo-americano, enquanto proporcionalidade seria
preferido pelos autores germânicos.
A rigor, as palavras apenas designam parcelas da realidade. Não há proibição em se
empregar uma, ou outra, desde que se saiba o que se está a designar com elas. E não se pode
negar que, consideradas as expressões razoabilidade e proporcionalidade em seu sentido
coloquial, há realmente equivalência. Algo desproporcional será necessariamente irrazoável, e
vice-versa. (SILVA, 2004, p. 89)
Exame atento às origens das expressões “razoabilidade” e “proporcionalidade”, contudo,
revela que, originalmente, seus significados não são inteiramente equivalentes.
É certo que assim como a proporcionalidade, a razoabilidade possibilita um maior
controle dos atos do Poder Público quando estes tenham uma finalidade lícita, e empreguem na
consecução dessa finalidade meios não admissíveis, seja porque excessivos, seja porque
desviados. Há um núcleo comum, pois tanto um como o outro postulado exigem que os atos
sejam adequados e necessários para chegar à finalidade a que se destinam. Entende-se por
adequado aquele meio que, uma vez empregado, realmente conduza à finalidade que se diz com
ele pretendida. Tal meio passa a ser necessário quando não existir nenhum outro que seja
igualmente adequado, e ao mesmo tempo menos gravoso a outros valores fundamentais inerentes
ao problema.
Entretanto, sabe-se que o ato, mesmo adequado e necessário, pode ainda assim ser
inválido. Há uma terceira exigência a ser cumprida, e é neste ponto que razoabilidade e
proporcionalidade se diferenciam.
Para ser razoável, em sentido estrito, o ato deve ser, além de adequado e necessário,
compatível com o senso comum, o que conduz a uma idéia de consenso, de legitimidade, de
compatibilidade com os valores prevalentes naquela comunidade na qual o princípio será
aplicado (MORAES, 2004, p. 130). Há como que uma válvula de escape jusnaturalista para
viabilizar uma contenção de arbitrariedades contidas no Direito positivo, quando estas não sejam
inválidas à luz de critérios fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico. A rigor, um ato,
normativo ou não, que seja adequado e necessário, mas seja irrazoável em sentido estrito, na
verdade é um ato injusto. Há, nesse particular, uma janela (a irrazoabilidade) para afastar a
aplicação de uma norma formalmente válida, mas contrária aos padrões de boa-fé, justiça e
prudência.
A razoabilidade, nesse sentido, seria uma decorrência direta da racionalidade humana. O
racional, com efeito, é aquilo que pode ser compreendido e aceito pelos demais. Uma seqüência
de sons é uma música, e não uma série desordenada de ruídos, quando os seus ouvintes nela
reconhecem harmonia, melodia e ritmo. Uma ordem jurídica, do mesmo modo, para ser
reconhecida como tal, há de possuir um mínimo de razoabilidade, sob pena de não ser aceita pela
sociedade à qual se dirige, e perecer por ineficácia. A coação, sozinha, não lhe garante a
efetividade (VASCONCELOS, 2001): quando muito retarda um pouco uma revolução
(MIRANDA, 2000, p. 116). Por conta disso, a ciência jurídica “debe intentar lograr aquellas
interpretaciones jurídicas que pudieran contar con el apoyo de la mayoria en una comunidad

7
jurídica que razona racionalmente” (AARNIO, 1991, p. 286). Sempre está presente a idéia de
consenso, de aceitação.
Por isso mesmo, a razoabilidade não tem utilidade apenas no controle da relação entre
meios e fins, mas também em muitas outras circunstâncias, tais como na determinação do
critério de discriminação a ser usado na concretização do princípio da isonomia em seu aspecto
material, no emprego da equidade quando da interpretação e da aplicação de regras jurídicas etc.
(ÁVILA, 2004a, p. 104)
Já o princípio da proporcionalidade realiza especificamente o controle da relação entre
meios e fins, e o faz através da ponderação dos valores constitucionalmente positivados inerentes
ao problema. Caso o meio seja adequado e necessário, tem-se ainda de ponderar se o valor por ele
prestigiado não está sendo demasiadamente sobreposto a outros, igualmente nobres. Nesse último
exame, através do qual os teóricos do Direito procuram objetivar tanto quanto possível as
valorações feitas pelo intérprete da norma, deve ser dada preponderância ao valor que, em
prevalecendo, cause menores estragos aos demais que com ele se chocam.
Assim, embora seja pouco provável, pode ocorrer de um ato ser irrazoável e não ser
desproporcional, ou ser desproporcional e não ser irrazoável. É certo que diante de uma
Constituição como a brasileira, que contém princípios fundamentais que conferem grande
abertura ao sistema jurídico, como o da dignidade da pessoa humana, é difícil que um ato seja
irrazoável e não seja, também, desproporcional. Pode ocorrer, porém, em outro contexto
normativo, de um ato ser irrazoável, embora não seja desproporcional. Ademais, a maneira como
tais postulados são aplicados, e a fundamentação da decisão que o faz, são assaz diferentes. É por
isso que dizemos que tais princípios não se excluem, nem se confundem: devem ser somados, na
difícil tarefa de conter os abusos do Poder Público. J. J. Gomes Canotilho, a propósito, reconhece
que com a razoabilidade, e a proporcionalidade, “é possível recolocar a administração (e, de um
modo geral, os poderes públicos) num plano menos sobranceiro e incontestado relativamente ao
cidadão.” (2002, p. 268)

2. Principais críticas à aplicação do postulado da proporcionalidade


2.1. Generalidades
Em face de posições como as acima rapidamente resenhadas, sempre que o juiz cogita da
aplicação de uma lei, de seu significado à luz do caso concreto, deve verificar o princípio a ela
subjacente ou por ela realizado – fim para o qual a medida nela preconizada é meio – de sorte a
aferir qual sentido deve ser atribuído à norma nela veiculada de sorte a mais adequadamente
realizar esse princípio (e os demais a serem com ele conciliados).
Nessa verificação, pode o juiz concluir pela inconstitucionalidade da lei. Seria o caso de
uma lei que veiculasse excessiva restrição a um princípio constitucional, restrição esta não
justificada pela proporcional preponderância do princípio constitucional por ela concretizado.
Pode, também, proceder a uma interpretação da lei conforme a constituição, dando-lhe sentido
mais coerente com a ponderada consideração dos princípios subjacentes ao problema, caso os
limites representados pelo seu texto o permitam.
Exemplificando, ao avaliar a validade, o sentido e o alcance das disposições da Lei
11.705/2008, que impõe severo tratamento aos motoristas que dirijam com qualquer teor de

8
álcool no organismo (e também que se recusem a se submeter ao bafômetro), o Judiciário deverá
analisar não apenas a literalidade de suas disposições gramaticais, a relações de umas com as
outras ou a razão que levou o legislador a editá-las. Além disso, deverá ser feita uma ponderação
entre o direito à livre-iniciativa que assiste a bares e restaurantes, a valorização do emprego dos
que trabalham nesses estabelecimentos, a autonomia da vontade e a liberdade de quem deseje
consumir pequena quantidade de álcool não passível de interferir em seus reflexos, o direito de
não produzir provas contra si mesmo (em relação ao uso do bafômetro), e também o direito à
vida e à integridade física de todos os que poderiam ser vítimas de condutores alcoolizados.
Afinal, todos esses aspectos a serem ponderados decorrem de normas com estrutura de princípio,
positivadas na ordem jurídica brasileira.
Tal procedimento tem sido alvo de críticas, embora em escala muito menor que a adesão
por ele recebida. Tais críticas, mutuamente relacionadas, serão abaixo resenhadas para, em
seguida, serem examinadas.

2.2. Críticas à ponderação de princípios


A primeira crítica que se faz ao procedimento descrito no item anterior (de resto fundado
em tudo o que se explicou no item 1 deste texto), é a de que não é possível o seu controle
racional. O julgador poderia resolver a ponderação tanto em um sentido, como em outro, sem que
se pudesse afirmar ter ele incorrido em acerto ou em erro. Ponderar seria uma desculpa, ou um
eufemismo, para violar um direito sem que seja necessário admitir essa violação.
Diretamente relacionada com a crítica anterior, outra também feita é a de que a técnica
retira a objetividade do processo de interpretação e aplicação do direito. Habermas, por exemplo,
afirma que a teoria de R. Alexy “consiste em interpretar os princípios transformados em valores
como mandamentos de otimização, de maior ou menor intensidade. Essa interpretação vem ao
encontro do discurso da ‘ponderação de valores’, corrente entre os juristas, o qual, no entanto, é
frouxo.” (1997, p. 315) Ainda nas palavras de Habermas, “uma vez que não há unidades de
medida inequívocas, aplicáveis aos assim chamados bens do direito, o modelo economicista de
fundamentação, proposto por Alexy (1985, 143-153) não consegue legar a discussão adiante.”
(1997, p. 321)
Outro problema da técnica apontada seria o de que, com ela, tornar-se-ia possível ao
Judiciário desconsiderar as escolhas feitas pelo legislativo na concretização das normas
constitucionais. Através de uma “ponderação” que chegasse a resultado diferente daquele que
originou uma lei votada pelo parlamento, o Judiciário afirmaria a invalidade desta, em prejuízo
do princípio da soberania popular.
Jane Reis Gonçalves Pereira faz pertinente e fiel descrição das teorias críticas à
ponderação (críticas do que ela chama “teoria externa” de limitação aos direitos fundamentais),
partindo das obras de Friedrich Müller (1996, p. 93) e de Ignácio Otto y Pardo para afirmar:
Os opositores da teoria externa sustentaram que esta, por admitir a possibilidade
de a esfera de proteção dos direitos vir a ser limitada por outros direitos ou bens
constitucionais, favorece a multiplicação desordenada de conflitos entre direitos
fundamentais. A proliferação de colisões entre direitos fundamentais acarretaria,
segundo essa visão, seu enfraquecimento, porquanto não há critérios objetivos que
permitam identificar quando certos direitos devem prevalecer sobre outros. O princípio

9
da ponderação de bens – que se encontra intrinsecamente ligado aos conflitos de direitos
fundamentais – é também severamente criticado. Afirma-se que esta técnica, ao atribuir
ao Judiciário o papel de estabelecer uma solução que envolve, necessariamente, juízos
de valor subjetivos, compromete a garantia da segurança jurídica e desqualifica a
legitimidade democrática das decisões. (PEREIRA, 2006, p. 158-159)

Teriam as críticas procedência? É do que se cuida a seguir.

3. É possível afastar a ponderação? É ela irracional, ou uma decorrência direta e


inafastável da racionalidade?
3.1. Qual a alternativa?
Diante das críticas antes resumidas, a primeira questão que pode ser formulada é a que
batiza este subitem: qual a alternativa?
Com efeito, no item 1 deste texto se procurou demonstrar que o direito por princípios, e a
ponderação à luz do caso, são soluções encontradas – imperfeitas, é certo, mas as existentes e
possíveis – para a insuficiência reconhecida por Kelsen. A alternativa seria o “poder
discricionário” do juiz, de que tratam os positivistas, certamente muito mais inseguro, incerto e
subjetivo. Realmente, se só são válidas - com indagam, com precisão, Chaïm Perelman e Lucie
Olbrechts-Tyteca (2000, p. 3) - as verdades demonstradas pelo cálculo, de forma irrefutável,
objetiva, exata, então os setores do conhecimento humano sobre os quais não é possível aplicar
essa forma de conhecimento devem ser entregues ao irracional? A resposta negativa parece se
impor, não podendo a imperfeição da solução encontrada ser motivo para que seja afastada, a
menos, naturalmente, que se aponte outra melhor, o que não fazem os críticos da ponderação.

3.2. Análise das críticas apresentadas


Quanto à crítica ligada à suposta irracionalidade e ao subjetivismo a que conduz a técnica
da ponderação, é de se observar que, como será adiante demonstrado, a ponderação é atividade
intimamente ligada à racionalidade, e não à irracionalidade. A escolha diante do ambiente que o
cerca, calcada em critérios e parâmetros pré-estabelecidos, é algo que todo ser racional 4 faz a
cada passo, não só na aplicação de normas jurídicas, mas antes da decisão relativa a cada
conduta. Apenas as condutas instintivas não são precedidas de uma ponderação. Já o
subjetivismo, demonstra a moldura de Kelsen e o discricionarismo dos positivistas em geral, não
é aumentado, e sim reduzido, pela técnica de ponderação, que impõe ao aplicador que justifique
explicitamente por que optou por uma e não por outra das soluções “formalmente possíveis”.
Por outro lado, tendo a epistemologia e a hermenêutica contemporâneas afastado a idéia
de uma ciência “neutra” e “objetiva”, capaz de alcançar verdades absolutas, não faria qualquer
sentido continuar pugnando por tais soluções no âmbito do Direito, à cata de uma segurança e de

4
Para Ortega, racionalidade é “la facultad que posee exclusivamente el hombre y que le permite captar y
comprender el entorno que le rodea”. Para ele, o termo “racional”, atribuído a uma conduta ou ao produto desta
conduta, é demasiado amplo, e tem múltiplos sentidos, pois a razão “puede ser utilizada com muy distintos fines”.
(ORTEGA, 1998, p. 15).

10
uma objetividade da qual mesmo a física – nascedouro do cientificismo oriundo do paradigma
cartesiano/newtoniano – abriu mão.
Quanto à questão do déficit democrático das decisões judiciais, que teriam maior poder
para declarar a inconstitucionalidade de uma lei, trata-se de argumento falso, que suscita um
pseudo-problema. Isso porque não é a técnica de ponderação que dá ao Judiciário o poder de
afirmar a inconstitucionalidade de uma lei. Trata-se de decorrência do princípio da separação de
poderes ou funções, essencial e inerente ao Estado de Direito, e fruto de um aperfeiçoamento
necessário do modelo grego de democracia. A técnica da ponderação, ao revés, permite ao
Judiciário que se chegue a esse mesmo resultado (afirmar a inconstitucionalidade da lei), mas
exige dele uma justificativa antes obscurecida. Em vez de maior poder, portanto, a técnica traz à
atividade judicial – se corretamente aplicada – mais rígidos limites. Jane Reis Gonçalves Pereira
observa, a esse respeito, que a ponderação “é uma técnica indispensável quando se trata de
solucionar conflitos entre princípios, sendo, dentre as diversas alternativas que se apresentam, o
método que confere maior transparência e controlabilidade à hermenêutica constitucional”
(PEREIRA, 2006, p. 113).
Realmente, ao apreciar a validade de um ato (normativo ou não), deve-se aferir se, através
dele, será realizada a finalidade determinada por um princípio constitucional. Deve-se verificar,
ainda, se o ato de cuja validade ou invalidade se cogita é um meio ou um instrumento que
realmente atingirá essa finalidade; se não existem outros meios que atingem com menor sacrifício
a outros princípios a serem igualmente preservados; e, finalmente, se a maior efetividade obtida
com a medida (relativamente ao princípio que a justifica) supera a compressão aos princípios
eventualmente antagônicos. Na lição de José de Melo Alexandrino, há no caso exigências
metodológicas diferenciadas: “observação empírica, primeiro; comparação entre alternativas,
num segundo momento; e pesagem entre vantagens e sacrifícios, no final.” (2007, p. 127)
Já o problema ligado à hipertrofia do trabalho das Cortes Constitucionais, que seriam
assoberbadas como conseqüência do fato de que “toda questão passaria a ser constitucional”, o
problema novamente não decorre da ponderação, mas do fato de se ter uma Constituição
analítica, que trata de diversos assuntos, e que direta ou indiretamente dá suporte de validade a
toda a ordem jurídica. Os mecanismos para se resolver essa questão, contudo, não dependem da
supressão da técnica da ponderação, mas, antes, de critérios como o da “repercussão geral”, já
adotado pela Constituição brasileira, ou o do não conhecimento de recursos em relação aos quais
se discute a interpretação da lei e, de modo apenas reflexo, uma ofensa indireta à Constituição.

3.3. É possível não ponderar?


Outro aspecto a ser considerado, no exame que ora se faz, é o de saber se é possível a um
ser racional, agindo racionalmente, não efetuar uma ponderação de elementos à luz de
circunstâncias concretas que justifiquem a atribuição de pesos distintos a eles.
Afinal, princípios são mandamentos de otimização, ou, na visão mais aperfeiçoada de
Humberto Ávila, “são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com
pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma
avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária à sua promoção.” (2004a, p. 70) Não há como conformar
princípios que apontam para direções diversas senão através da ponderação.
11
E isso, aliás, não ocorre apenas no âmbito jurídico. Toda a atividade racional implica uma
avaliação e uma conciliação de fins à luz de circunstâncias que justificam que se lhes atribuam
pesos diversos.
Para usar de um exemplo bem simples, imagine-se alguém que decide entrar em forma, e
também estudar mais para tentar a aprovação em um concurso público. Duas metas distintas, que
exigem condutas eventualmente inteiramente diversas. Promover ao máximo a primeira das
metas demandaria do sujeito passar horas realizando atividade física, deixando assim de estudar
e, por conseguinte, de realizar a outra meta. Mas também passar o dia a estudar, atividade
sedentária, não lhe restituiria a forma física desejada. A necessidade de se encontrar um meio
termo é evidente. Imagine-se, então, que em dada semana o sujeito está gripado, ou contundido, e
por isso proibido por seu médico de praticar exercícios. Poderá, então, dedicar-se plenamente aos
estudos, pois não seria mesmo possível fazer exercícios. Deixar de estudar não seria adequado
nem necessário para realizar a meta de entrar em forma, em face das circunstâncias.
Área na qual a ponderação é feita, todos os dias, e com muita freqüência, é na medicina.
Imagine-se, por exemplo, o médico que trabalha em um hospital de emergência no qual todos os
aparelhos de respiração artificial estão ocupados por doentes em estado grave. Chega, então,
jovem motociclista acidentado, necessitando do aparelho com urgência, sob pena de não
sobreviver. Todos estão, contudo, como dito, ocupados. Um deles, não obstante, está ocupado por
senhor idoso de 95 anos, em coma, portador de câncer em estado terminal. O médico, num
dilema terrível, retira o aparelho do senhor idoso, que morre, e o utiliza para salvar a vida do
jovem acidentado. O idoso tinha como expectativa de vida (vegetativa) talvez mais alguns meses,
no melhor dos cenários. O jovem, sobrevivendo ao acidente, poderia viver com saúde ainda por
muitas décadas. Não houve, no caso, uma ponderação?
E, se o leitor pensar um pouco nas escolhas que faz todos os dias verá que, quando são
verdadeiramente racionais, baseiam-se em ponderação. Como, então, dizer que o procedimento é
irracional?
Esse assunto, aliás, como muitos outros, é bem mais antigo do que se pensa. Basta que se
refira, para demonstrá-lo, o clássico diálogo entre Sócrates e Eutidemo em torno da justiça, que
chegou à contemporaneidade pelas palavras de Xenofonte. Tendo sido estabelecido por Eutidemo
que a mentira e a apropriação seriam ações sempre injustas, e não justas, Sócrates o faz
reconhecer a justiça de tais atitudes, em certas circunstâncias, diante das peculiaridades de certos
casos concretos por ele imaginados, e dos motivos pelos quais mentir e apropriar-se do alheio são
ações consideradas injustas:
- Pois bem – prosseguiu Sócrates -, se, vendo suas tropas desanimadas, anuncia-
lhe falsamente um general que lhes chegam auxílios e dessa forma consegue devolver-
lhes a coragem, de que lado colocaremos essa mentira?
– Do lado da justiça, acredito.
– E se precisando uma criança de remédio e não querendo tomá-lo, seus pais a
enganam, impingindo-lhe o remédio mesclado com alimentos, e assim lhe restituem a
saúde, onde poremos este engano?
– Do mesmo lado.
– Enfim, se vejo um amigo presa do desespero e por temer que atente contra a
vida, tomo-lhe a espada e todas as demais armas, de que lado colocas tal atitude?

12
– Por Zeus! Claro que do lado da justiça. (2000, p. 230)

Assim, o que se tem é o seguinte: diante de um texto claro, dois positivistas ortodoxos
podem divergir à vontade, que a sua ciência será incapaz de resolver o problema. Um ministro do
STF decide uma questão de uma maneira, invocando a interpretação literal, e outro colega seu de
outra maneira, invocando a sistêmica, e ambos não aceitam discutir pois estão apenas cumprindo
a lei – ou a Constituição – que o outro abertamente viola. E ambos acreditam piamente nisso,
sendo precisamente esse tipo de situação que Dworkin explora para criticar aqueles que ignoram
a distinção entre o direito em um momento pré-interpretativo e o direito como produto da
interpretação. Em suas palavras,
Os juizes considerados liberais e os chamados conservadores estão de acordo
quanto às palavras que formam a Constituição enquanto texto pré-interpretativo.
Divergem sobre o que é a Constituição enquanto direito pós-interpretativo, sobre as
normas que mobiliza para avaliar os atos públicos. Cada tipo de juiz tenta aplicar a
Constituição enquanto direito, segundo seu julgamento interpretativo do que ela é, e
cada tipo acha que o outro está subvertendo a verdadeira Constituição.” (1999, p. 428)

A ponderação de princípios, nesse contexto, permite que o debate entre tais juízes, com
opiniões contrárias, continue, não sendo interrompido com um "é assim porque é claro!" e ponto.
E Kelsen, não se pode ignorar, deu passos importantíssimos para isso: i) reconheceu a
insuficiência da ciência "pura" para dar uma solução para cada problema; ii) reconheceu que
essas soluções podem ser diferentes para cada caso; iii) reconheceu que a solução será encontrada
pelo intérprete em cada caso. Ele só não aceitava que isso tudo fosse científico. Mas,
considerando que a idéia que se tem de ciência, hoje, é bem diferente da existente no início do
Século XX, a superação desse obstáculo não representa qualquer dificuldade.

3.4. Não se pode criticar a técnica a partir de sua errada aplicação


Finalmente, em relação aos que consideram perigoso o método acima apontado, sob a
alegativa de que seria excessivamente subjetivo e fluido, servindo como mera escusa para o puro
e simples estiolamento de direitos fundamentais, é preciso ter o cuidado para não criticar a
técnica por conta de sua indevida aplicação.
Com efeito, essa crítica tem lugar porque, por vezes, alguns intérpretes que invocam a
proporcionalidade e a relatividade dos direitos fundamentais, em vez de conciliarem princípios
constitucionais, utilizam-no de modo equivocado e unilateral, para assim obterem a flexibilização
de direitos frente a idéias tão autoritárias quanto vazias, como a da “proteção do interesse
público” (MACHADO, 2007). Para agravar o quadro, esses mesmos intérpretes mudam de
discurso quando tal sopesamento é invocado contra os interesses do Estado, quando não raro a
doutrina jurídica que passa a ser invocada – e infelizmente às vezes aceita pelas Cortes
Superiores brasileiras – retrocede trezentos anos, à escola da exegese, e princípios fundamentais
são mutilados em favor da disposição expressa, literal e isolada de uma regra legal.
Essa má aplicação do método, porém, não desmente a força normativa dos princípios,
nem a validade dos critérios empregados na conciliação destes. Não adianta, aliás, pugnar por um
retorno à visão formalista do Direito, até porque, como insistido ao longo deste texto, a ciência
13
“objetiva” e “neutra” sempre possibilitará a tomada das arbitrárias decisões referidas no
parágrafo anterior, todas situadas dentro do quadro ou moldura por ela oferecido. Não está nela a
solução. Na verdade, será o emprego dos princípios, nos moldes sumariamente explicados no
início deste texto que possibilitará à comunidade jurídica apontar racionalmente por que uma
determinada interpretação é a melhor, possibilitando inclusive uma crítica muito bem
fundamentada àquelas decisões judiciais que desprestigiem valores fundamentais em prol de
outros menos nobres.
O que se deve ter, em última análise, é um redobrado cuidado na escolha dos princípios a
serem proporcionalmente conciliados, e no peso a ser-lhes atribuído, em cada caso, e,
especialmente, na explícita, clara e detalhada fundamentação da decisão que procede à sua
aplicação.
Não é lícito ao intérprete/aplicador do direito afirmar, simplesmente, que não irá observar
o princípio “x” porque o mesmo é “relativo”, e por isso deve ser “ponderado”. É imprescindível
que se explique, também: Com o que ponderar? Por que ponderar? Como a ponderação chegou à
conclusão adotada? A decisão que não fornecer resposta a essas questões não estará
fundamentada, e poderá estar utilizando a “relatividade” do princípio invocado por uma das
partes como desculpa para violá-lo.
Exemplificando, se um cidadão afirma que determinada lei é inconstitucional, por malferir
seu direito à livre iniciativa, não poderá o juiz afirmar apenas que tal direito, consagrado em um
princípio constitucional, é relativo. É preciso que diga: a restrição a esse direito, levada a efeito
pela lei impugnada pelo contribuinte, realiza algum outro princípio constitucional? Qual? Caso
afirmativo, é verdadeiramente adequada para realizar esse princípio? Não existem outras
maneiras de realizar esse outro princípio, menos gravosas que a restrição impugnada pelo
contribuinte? E, mesmo se todas as respostas às perguntas anteriores forem afirmativas: a
promoção ou o benefício que essa lei confere ao outro princípio envolvido no problema supera os
gravames causados ao direito à livre iniciativa?
Caso seja respondida negativamente pelo menos uma das perguntas anteriores, a restrição
ao princípio da livre iniciativa não se justifica, e é inconstitucional. Entretanto, se todas forem
respondidas positivamente, a lei impugnada é válida e veicula restrição (ou “relativização”)
constitucional ao princípio em questão.

Considerações finais
Em razão do que foi visto ao longo deste pequeno texto, pode-se concluir, em suma, que
não há como reconhecer a aplicabilidade de princípios jurídicos sem recorrer à técnica da
ponderação, por meio do postulado da proporcionalidade. A ponderação é a técnica que oferece a
objetividade, a racionalidade e a controlabilidade possível a esse processo. Evitá-la não agrega
segurança, nem afasta o poder discricionário do Juiz, levando em verdade ao resultado contrário.
A rigor, proporcionalidade, ponderação, fórmula do peso, são apenas tentativas de teorizar
a racionalidade que orienta inconscientemente as escolhas humanas, a cada passo. Basta ver a
"ponderação" que um médico faz antes de receitar um remédio, sopesando se com ele se
alcançará a cura (adequação), se não há outro mais barato, ou com menos contra-indicações
(necessidade), e se os efeitos colaterais, se inevitáveis, não são piores que a própria doença

14
(proporcionalidade em sentido estrito). É algo tão lógico que eles, os médicos, devem ficar
impressionados que tanto se teorize a respeito nos cursos - logo onde! - de Direito.

Referências

AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable – un tratado sobre la justificación jurídica.


tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991.
ALEXANDER, Larry e KRESS, Kenneth Kress. “Contra os princípios jurídicos”. In:
MARMOR, Andrei (org.). Direito e interpretação – ensaios de filosofia do direito. tradução de
Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ALEXANDRINO, José de Melo. Direitos fundamentais – introdução geral. Estoril: Princípia.
2007.
ALEXY, Robert. A theory of legal argumentation – the theory of rational Discourse as theory of
legal justification. Oxford: Clarendon Press, 1989.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios, 4.ed, São Paulo: Malheiros, 2004a.
_________. Sistema constitucional tributário, São Paulo: Saraiva, 2004b.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
_________. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
_________. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra:
Almedina, 2002.
CHAÏM, Perelman. Lógica jurídica. tradução de Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
DEL VECCIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. 5.ed. tradução de António José Brandão,
Coimbra: Armênio Amado Editor, Sucessor, 1979.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. traduzido por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
GUASTINI, Riccardo. Dalle fonti alle norme. Turim, 1990.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, tradução de Flávio
Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
LARENZ, Karl. Derecho justo – fundamentos de etica jurídica. tradução de Luis Díez-Picazo.
Madrid: Civitas, 2001.
_________. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. tradução de José Lamego. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

15
MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Interesse público e direitos do contribuinte. São Paulo:
Dialética, 2007.
MARMOR, Andrei (org.). Direito e interpretação – ensaios de filosofia do direito. tradução de
Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito. Atualizado por Vilson Rodrigues
Alves. Campinas: Bookseller, 2000, v.3.
MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. 2.ed. São
Paulo: Dialética, 2004.
MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: Presses Universitaires de France,
1996.
ORTEGA, Manuel Segura. La racionalidad jurídica, Madrid: Tecnos, 1998.
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006
PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação – a nova
retórica. tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RADBRUCH, Gustav.; SCHMIDT, E. e WELZEL, H. Derecho injusto y derecho nulo. tradução
de José Maria Rodriguez Paniagua. Madrid: Aguilar, 1971.
SILVA, Luís Virgílio Afonso. “O proporcional e o razoável”. In: TORRENS, Haradja Leite e
ALCOFORADO, Mario Sawatani. A expansão do direito - estudos de direito constitucional e
filosofia do direito, em homenagem ao professor willis santiago guerra filho. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2004.
TORRENS, Haradja Leite e ALCOFORADO, Mario Sawatani. A expansão do direito - estudos
de direito constitucional e filosofia do direito, em homenagem ao professor willis santiago
guerra filho. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
VASCONCELOS, Arnaldo. Direito e força – uma visão pluridimensional da coação jurídica.
São Paulo: Dialética, 2001.
XENOFONTE. “Ditos e feitos memoráveis de Sócrates”. In: Sócrates – Coleção Os Pensadores.
Tradução de Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

16

Vous aimerez peut-être aussi