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Introdução
Questão de grande relevo, atualmente, consiste em saber se é possível deixar de utilizar,
na resolução de problemas jurídicos, a técnica de ponderação de princípios, realizada através da
aplicação do postulado da proporcionalidade. Isso porque, tendo em vista a larga difusão de
teorias segundo as quais princípios são mandamentos de otimização, cujos conflitos devem ser
resolvidos através do postulado da proporcionalidade, surgiram vozes no sentido de que tal
técnica seria irracional, permitiria a prática de arbitrariedades por parte do Judiciário (que teria
seus poderes hipertrofiados), além de minar a segurança e a certeza do Direito.
Neste texto, se revisitam essas críticas, para, em seguida, investigar-se se é possível
interpretar e aplicar normas jurídicas sem recorrer a essa técnica de conciliação de princípios.
Afere-se, ao final, se seu afastamento não conduziria a resultados eivados, com ainda maior
*
Advogado em Fortaleza. Mestre em Direito pela UFC. Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza – Unifor. Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários. Professor de Processo Tributário
da pós-graduação da Unifor. Professor de Direito Tributário da Faculdade Christus e da Faculdade Farias Brito.
Conselheiro Seccional da OAB/CE (triênio 2007/2009). Email: hugosegundo@machado.adv.br. Blog:
www.direitoedemocracia.blogspot.com
intensidade, dos mesmos defeitos que se lhe apontam, aos quais se somaria a falta de clareza e de
explicitude, a inviabilizar o controle racional e intersubjetivo da atividade do intérprete.
2
característica do positivismo lógico-dedutivo” (BONAVIDES, 1997, p. 452). De qualquer sorte,
não se pode negar que os teóricos contemporâneos têm o mérito de teorizar e procurar demonstrar
racionalmente como esse processo de ponderação deve acontecer.
3
Os princípios, hoje se reconhece, guiam a elaboração, a interpretação e a aplicação das
regras. Daí porque se faz referência a um “direito por princípios”, direito este que representaria a
evolução do vetusto “direito por regras”, chegando a teoria dos princípios, no dizer de Bonavides,
aos
seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação
metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor
de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção
nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão
da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera
da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade;
a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua
positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras
e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão
máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a
total hegemonia e preeminência dos princípios. (2002, p. 265)
O direito por princípios, como se sabe, tem toda relação com o postulado da
proporcionalidade. Isso porque as Constituições contemporâneas positivaram uma série de
princípios (ou disposições nelas contidas passaram a ser assim consideradas). Alguns deles
impõem vedações ao Poder Público, afirmando o que este não deve fazer. Muitos outros, porém,
preconizam o cumprimento de deveres positivos: proteger o meio ambiente; assegurar o pleno
emprego; proteger a família, a criança, o idoso etc. Note-se que muitos desses deveres não podem
ser atendidos ao mesmo tempo de modo integral e absoluto. É o caso da livre iniciativa e da
proteção ao meio ambiente. Para prestigiar o princípio da livre iniciativa, é necessário assegurar
aos cidadãos a livre utilização de sua propriedade e de sua criatividade na consecução de seus
fins empresariais. Para proteger o meio ambiente, porém, é necessário restringir o uso da
propriedade de sorte a que não se destruam matas, não se matem animais, não se polua o ar etc. O
pleno atendimento do primeiro princípio esvazia inteiramente de sentido o segundo, e vice-versa.
É necessário conciliá-los, para possibilitar que ambos sejam observados proporcionalmente.
Como observa Karl Larenz,
hay que encontrar una composición del conflicto que permita la subsistencia de
cada uno de los derechos con el máximo contenido posible. Esto significa que ningún
derecho tiene que retroceder más de lo que sea necesario para no recortar el del otro de
un modo que sea no exigible. (2001, p. 63)
4
Na verdade, esta discussão é meramente terminológica. Cada autor está a designar a
mesmíssima realidade com palavras diferentes. Tudo depende de saber o que cada um pretende
dizer com os termos princípio, regra, e postulado.
A respeito das várias significações que pode ter a palavra princípio, Paulo Bonavides
doutrina, fundado nas lições de Ricardo Guastini:
Em primeiro lugar, o vocábulo ‘princípio’, diz textualmente aquele jurista, se
refere a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um
alto grau de generalidade.
Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocábulo ‘princípio’
para referir-se a normas (ou a disposições que exprimem normas) providas de um alto
grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem
a qual não seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.
Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam a palavra
‘princípio’ para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter
‘programático’.
Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas às vezes fazem
do termo ‘princípio’ é para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas)
cuja posição na hierarquia das fontes de Direito é muito elevada.
Em quinto lugar – novamente Guastini – ‘os juristas usam o vocábulo princípio
para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham função
‘importante’ ou ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente considerado,
ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do
Trabalho, o Direito das Obrigações)’
Em sexto lugar, finalmente, elucida Guastini, os juristas se valem da expressão
‘princípio’ para designar normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas a
órgãos de aplicação, cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou das
normas aplicáveis nos diversos casos. (2002, p. 231)
A doutrina brasileira clássica geralmente adota, de modo não muito preciso, todas as
definições acima transcritas. Batiza de princípio, por isso, a legalidade, a anterioridade, a
isonomia etc. Não se perquire a respeito de sua estrutura normativa2, definindo-se como
princípio, também, as normas que atendem à terceira definição acima transcrita, ou seja, normas
que apontam um fim ou um objetivo a ser seguido, sem necessariamente indicar os meios (v.g.
capacidade contributiva, livre iniciativa, proteção ao meio ambiente etc.), e até mesmo a sexta
definição (princípio hierárquico, princípio da especialidade, princípio cronológico...).
Por essa definição clássica, e bastante abrangente, o dever de proporcionalidade decorre,
sim, de um princípio. Preenche, com precisão, a sexta definição transcrita: a proporcionalidade
determina qual princípio é aplicável, ou deve preponderar, nos diversos casos.
2
Não se perquire se a norma possui a estrutura de regra (hipótese – conseqüência), ou de mandamento de otimização
(mera indicação de fim a ser seguido). Para Humberto Ávila, a propósito, o princípio não é propriamente um
“mandamento de otimização”, mas sim “normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com
pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação
entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua
promoção.” (Cf. ÁVILA, 2004, p. 70)
5
Todavia, é de observar que, pela doutrina de Robert Alexy, quem mais popularmente
teorizou a aplicação da proporcionalidade na concretização de princípios, a legalidade e a
anterioridade seriam regras3, e não princípios. Mesmo assim, não se devem fazer duras críticas
àqueles que se reportam ao princípio da legalidade ou ao princípio da anterioridade. O termo está
consagrado (PEREIRA, 2006, p. 323), e o importante é saber do que se está tratando (saber qual é
a “estrutura” do princípio), a fim de não se pretender “sopesar” ou “relativizar” normas cuja
estrutura não permite tal procedimento.
Os autores que preferem afirmar que o dever de proporcionalidade decorre de uma regra,
em verdade, fazem-no porque adotam a definição de princípio jurídico dada por Robert Alexy,
que é um pouco diferente, e mais estreita, que a definição prevalente na doutrina brasileira. Para
Alexy, como se sabe, princípio é aquela norma que não prescreve uma conduta específica, em
face de uma “hipótese de incidência” determinada, mas sim consagra a positivação de um valor,
de uma meta ou de um fim a ser seguido (mandamento de otimização). Para ele, princípio é
apenas a disposição que se enquadra na terceira das definições acima transcritas. Nesse sentido,
realmente, a proporcionalidade não é um princípio (não deve ser atendida “na medida do
possível”, gradualmente). Para Virgílio Afonso da Silva, por esses fundamentos, a
proporcionalidade é uma regra jurídica (2004, p. 87).
Humberto Ávila, por sua vez, refuta que o dever de proporcionalidade decorra de uma
regra jurídica. Para ele, trata-se de uma exigência do ordenamento, intrínseca à sua estrutura, e
que decorre do próprio reconhecimento da positividade das normas dotadas da estrutura de
mandamentos de otimização. O dever de agir proporcionalmente, para ele, não é um all or
nothing. Não decorre da incidência de uma regra sobre a concretização, no mundo fenomênico,
dos fatos nela previstos. Pelo contrário, trata-se de uma “metanorma”, ou norma de sobredireito,
que ele prefere denominar de “postulado”, e que se diferencia tanto das regras quanto dos
princípios (2004a, p. 88), pelo menos se dermos a estes últimos o estreito significado que lhes
atribui Alexy.
A razão parece estar com Ávila. Realmente, a proporcionalidade não decorre de uma
norma jurídica, seja elas regra ou princípio. O dever de proporcionalidade decorre da própria
positividade dos princípios. É o mesmo que ocorre com os critérios hierárquico, cronológico e da
especialidade, para solucionar conflitos entre regras: são exigências lógicas do sistema, e não
precisam estar positivadas em nenhum ato normativo para serem invocadas. De qualquer sorte,
considerando que a doutrina clássica dá acepção bastante ampla ao termo princípio (cogitando
inclusive de um “princípio hierárquico”), não vemos qualquer impropriedade em se denominar a
proporcionalidade de princípio. O importante é saber que não são mandamentos de otimização, e
não podem, por isso, ser “relativizados” em face de outros princípios.
6
Moreira Alves – DJ de 24.11.2000, p. 89). Autores conceituados consideram que são dois nomes
utilizados para designar a mesma realidade. Apenas a origem das expressões seria distinta: o
termo razoabilidade é oriundo do direito anglo-americano, enquanto proporcionalidade seria
preferido pelos autores germânicos.
A rigor, as palavras apenas designam parcelas da realidade. Não há proibição em se
empregar uma, ou outra, desde que se saiba o que se está a designar com elas. E não se pode
negar que, consideradas as expressões razoabilidade e proporcionalidade em seu sentido
coloquial, há realmente equivalência. Algo desproporcional será necessariamente irrazoável, e
vice-versa. (SILVA, 2004, p. 89)
Exame atento às origens das expressões “razoabilidade” e “proporcionalidade”, contudo,
revela que, originalmente, seus significados não são inteiramente equivalentes.
É certo que assim como a proporcionalidade, a razoabilidade possibilita um maior
controle dos atos do Poder Público quando estes tenham uma finalidade lícita, e empreguem na
consecução dessa finalidade meios não admissíveis, seja porque excessivos, seja porque
desviados. Há um núcleo comum, pois tanto um como o outro postulado exigem que os atos
sejam adequados e necessários para chegar à finalidade a que se destinam. Entende-se por
adequado aquele meio que, uma vez empregado, realmente conduza à finalidade que se diz com
ele pretendida. Tal meio passa a ser necessário quando não existir nenhum outro que seja
igualmente adequado, e ao mesmo tempo menos gravoso a outros valores fundamentais inerentes
ao problema.
Entretanto, sabe-se que o ato, mesmo adequado e necessário, pode ainda assim ser
inválido. Há uma terceira exigência a ser cumprida, e é neste ponto que razoabilidade e
proporcionalidade se diferenciam.
Para ser razoável, em sentido estrito, o ato deve ser, além de adequado e necessário,
compatível com o senso comum, o que conduz a uma idéia de consenso, de legitimidade, de
compatibilidade com os valores prevalentes naquela comunidade na qual o princípio será
aplicado (MORAES, 2004, p. 130). Há como que uma válvula de escape jusnaturalista para
viabilizar uma contenção de arbitrariedades contidas no Direito positivo, quando estas não sejam
inválidas à luz de critérios fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico. A rigor, um ato,
normativo ou não, que seja adequado e necessário, mas seja irrazoável em sentido estrito, na
verdade é um ato injusto. Há, nesse particular, uma janela (a irrazoabilidade) para afastar a
aplicação de uma norma formalmente válida, mas contrária aos padrões de boa-fé, justiça e
prudência.
A razoabilidade, nesse sentido, seria uma decorrência direta da racionalidade humana. O
racional, com efeito, é aquilo que pode ser compreendido e aceito pelos demais. Uma seqüência
de sons é uma música, e não uma série desordenada de ruídos, quando os seus ouvintes nela
reconhecem harmonia, melodia e ritmo. Uma ordem jurídica, do mesmo modo, para ser
reconhecida como tal, há de possuir um mínimo de razoabilidade, sob pena de não ser aceita pela
sociedade à qual se dirige, e perecer por ineficácia. A coação, sozinha, não lhe garante a
efetividade (VASCONCELOS, 2001): quando muito retarda um pouco uma revolução
(MIRANDA, 2000, p. 116). Por conta disso, a ciência jurídica “debe intentar lograr aquellas
interpretaciones jurídicas que pudieran contar con el apoyo de la mayoria en una comunidad
7
jurídica que razona racionalmente” (AARNIO, 1991, p. 286). Sempre está presente a idéia de
consenso, de aceitação.
Por isso mesmo, a razoabilidade não tem utilidade apenas no controle da relação entre
meios e fins, mas também em muitas outras circunstâncias, tais como na determinação do
critério de discriminação a ser usado na concretização do princípio da isonomia em seu aspecto
material, no emprego da equidade quando da interpretação e da aplicação de regras jurídicas etc.
(ÁVILA, 2004a, p. 104)
Já o princípio da proporcionalidade realiza especificamente o controle da relação entre
meios e fins, e o faz através da ponderação dos valores constitucionalmente positivados inerentes
ao problema. Caso o meio seja adequado e necessário, tem-se ainda de ponderar se o valor por ele
prestigiado não está sendo demasiadamente sobreposto a outros, igualmente nobres. Nesse último
exame, através do qual os teóricos do Direito procuram objetivar tanto quanto possível as
valorações feitas pelo intérprete da norma, deve ser dada preponderância ao valor que, em
prevalecendo, cause menores estragos aos demais que com ele se chocam.
Assim, embora seja pouco provável, pode ocorrer de um ato ser irrazoável e não ser
desproporcional, ou ser desproporcional e não ser irrazoável. É certo que diante de uma
Constituição como a brasileira, que contém princípios fundamentais que conferem grande
abertura ao sistema jurídico, como o da dignidade da pessoa humana, é difícil que um ato seja
irrazoável e não seja, também, desproporcional. Pode ocorrer, porém, em outro contexto
normativo, de um ato ser irrazoável, embora não seja desproporcional. Ademais, a maneira como
tais postulados são aplicados, e a fundamentação da decisão que o faz, são assaz diferentes. É por
isso que dizemos que tais princípios não se excluem, nem se confundem: devem ser somados, na
difícil tarefa de conter os abusos do Poder Público. J. J. Gomes Canotilho, a propósito, reconhece
que com a razoabilidade, e a proporcionalidade, “é possível recolocar a administração (e, de um
modo geral, os poderes públicos) num plano menos sobranceiro e incontestado relativamente ao
cidadão.” (2002, p. 268)
8
álcool no organismo (e também que se recusem a se submeter ao bafômetro), o Judiciário deverá
analisar não apenas a literalidade de suas disposições gramaticais, a relações de umas com as
outras ou a razão que levou o legislador a editá-las. Além disso, deverá ser feita uma ponderação
entre o direito à livre-iniciativa que assiste a bares e restaurantes, a valorização do emprego dos
que trabalham nesses estabelecimentos, a autonomia da vontade e a liberdade de quem deseje
consumir pequena quantidade de álcool não passível de interferir em seus reflexos, o direito de
não produzir provas contra si mesmo (em relação ao uso do bafômetro), e também o direito à
vida e à integridade física de todos os que poderiam ser vítimas de condutores alcoolizados.
Afinal, todos esses aspectos a serem ponderados decorrem de normas com estrutura de princípio,
positivadas na ordem jurídica brasileira.
Tal procedimento tem sido alvo de críticas, embora em escala muito menor que a adesão
por ele recebida. Tais críticas, mutuamente relacionadas, serão abaixo resenhadas para, em
seguida, serem examinadas.
9
da ponderação de bens – que se encontra intrinsecamente ligado aos conflitos de direitos
fundamentais – é também severamente criticado. Afirma-se que esta técnica, ao atribuir
ao Judiciário o papel de estabelecer uma solução que envolve, necessariamente, juízos
de valor subjetivos, compromete a garantia da segurança jurídica e desqualifica a
legitimidade democrática das decisões. (PEREIRA, 2006, p. 158-159)
4
Para Ortega, racionalidade é “la facultad que posee exclusivamente el hombre y que le permite captar y
comprender el entorno que le rodea”. Para ele, o termo “racional”, atribuído a uma conduta ou ao produto desta
conduta, é demasiado amplo, e tem múltiplos sentidos, pois a razão “puede ser utilizada com muy distintos fines”.
(ORTEGA, 1998, p. 15).
10
uma objetividade da qual mesmo a física – nascedouro do cientificismo oriundo do paradigma
cartesiano/newtoniano – abriu mão.
Quanto à questão do déficit democrático das decisões judiciais, que teriam maior poder
para declarar a inconstitucionalidade de uma lei, trata-se de argumento falso, que suscita um
pseudo-problema. Isso porque não é a técnica de ponderação que dá ao Judiciário o poder de
afirmar a inconstitucionalidade de uma lei. Trata-se de decorrência do princípio da separação de
poderes ou funções, essencial e inerente ao Estado de Direito, e fruto de um aperfeiçoamento
necessário do modelo grego de democracia. A técnica da ponderação, ao revés, permite ao
Judiciário que se chegue a esse mesmo resultado (afirmar a inconstitucionalidade da lei), mas
exige dele uma justificativa antes obscurecida. Em vez de maior poder, portanto, a técnica traz à
atividade judicial – se corretamente aplicada – mais rígidos limites. Jane Reis Gonçalves Pereira
observa, a esse respeito, que a ponderação “é uma técnica indispensável quando se trata de
solucionar conflitos entre princípios, sendo, dentre as diversas alternativas que se apresentam, o
método que confere maior transparência e controlabilidade à hermenêutica constitucional”
(PEREIRA, 2006, p. 113).
Realmente, ao apreciar a validade de um ato (normativo ou não), deve-se aferir se, através
dele, será realizada a finalidade determinada por um princípio constitucional. Deve-se verificar,
ainda, se o ato de cuja validade ou invalidade se cogita é um meio ou um instrumento que
realmente atingirá essa finalidade; se não existem outros meios que atingem com menor sacrifício
a outros princípios a serem igualmente preservados; e, finalmente, se a maior efetividade obtida
com a medida (relativamente ao princípio que a justifica) supera a compressão aos princípios
eventualmente antagônicos. Na lição de José de Melo Alexandrino, há no caso exigências
metodológicas diferenciadas: “observação empírica, primeiro; comparação entre alternativas,
num segundo momento; e pesagem entre vantagens e sacrifícios, no final.” (2007, p. 127)
Já o problema ligado à hipertrofia do trabalho das Cortes Constitucionais, que seriam
assoberbadas como conseqüência do fato de que “toda questão passaria a ser constitucional”, o
problema novamente não decorre da ponderação, mas do fato de se ter uma Constituição
analítica, que trata de diversos assuntos, e que direta ou indiretamente dá suporte de validade a
toda a ordem jurídica. Os mecanismos para se resolver essa questão, contudo, não dependem da
supressão da técnica da ponderação, mas, antes, de critérios como o da “repercussão geral”, já
adotado pela Constituição brasileira, ou o do não conhecimento de recursos em relação aos quais
se discute a interpretação da lei e, de modo apenas reflexo, uma ofensa indireta à Constituição.
12
– Por Zeus! Claro que do lado da justiça. (2000, p. 230)
Assim, o que se tem é o seguinte: diante de um texto claro, dois positivistas ortodoxos
podem divergir à vontade, que a sua ciência será incapaz de resolver o problema. Um ministro do
STF decide uma questão de uma maneira, invocando a interpretação literal, e outro colega seu de
outra maneira, invocando a sistêmica, e ambos não aceitam discutir pois estão apenas cumprindo
a lei – ou a Constituição – que o outro abertamente viola. E ambos acreditam piamente nisso,
sendo precisamente esse tipo de situação que Dworkin explora para criticar aqueles que ignoram
a distinção entre o direito em um momento pré-interpretativo e o direito como produto da
interpretação. Em suas palavras,
Os juizes considerados liberais e os chamados conservadores estão de acordo
quanto às palavras que formam a Constituição enquanto texto pré-interpretativo.
Divergem sobre o que é a Constituição enquanto direito pós-interpretativo, sobre as
normas que mobiliza para avaliar os atos públicos. Cada tipo de juiz tenta aplicar a
Constituição enquanto direito, segundo seu julgamento interpretativo do que ela é, e
cada tipo acha que o outro está subvertendo a verdadeira Constituição.” (1999, p. 428)
A ponderação de princípios, nesse contexto, permite que o debate entre tais juízes, com
opiniões contrárias, continue, não sendo interrompido com um "é assim porque é claro!" e ponto.
E Kelsen, não se pode ignorar, deu passos importantíssimos para isso: i) reconheceu a
insuficiência da ciência "pura" para dar uma solução para cada problema; ii) reconheceu que
essas soluções podem ser diferentes para cada caso; iii) reconheceu que a solução será encontrada
pelo intérprete em cada caso. Ele só não aceitava que isso tudo fosse científico. Mas,
considerando que a idéia que se tem de ciência, hoje, é bem diferente da existente no início do
Século XX, a superação desse obstáculo não representa qualquer dificuldade.
Considerações finais
Em razão do que foi visto ao longo deste pequeno texto, pode-se concluir, em suma, que
não há como reconhecer a aplicabilidade de princípios jurídicos sem recorrer à técnica da
ponderação, por meio do postulado da proporcionalidade. A ponderação é a técnica que oferece a
objetividade, a racionalidade e a controlabilidade possível a esse processo. Evitá-la não agrega
segurança, nem afasta o poder discricionário do Juiz, levando em verdade ao resultado contrário.
A rigor, proporcionalidade, ponderação, fórmula do peso, são apenas tentativas de teorizar
a racionalidade que orienta inconscientemente as escolhas humanas, a cada passo. Basta ver a
"ponderação" que um médico faz antes de receitar um remédio, sopesando se com ele se
alcançará a cura (adequação), se não há outro mais barato, ou com menos contra-indicações
(necessidade), e se os efeitos colaterais, se inevitáveis, não são piores que a própria doença
14
(proporcionalidade em sentido estrito). É algo tão lógico que eles, os médicos, devem ficar
impressionados que tanto se teorize a respeito nos cursos - logo onde! - de Direito.
Referências
15
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16