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APLICAÇÃO DA LEI PENAL

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Toda e qualquer lei existe para ser aplicada aos fatos praticados pelos indivíduos,
em determinado tempo, num Estado.

Há mais de uma centena de Estados no planeta, cada qual com sua sociedade e
com seu direito. Os homens relacionam-se internacionalmente e daí advêm problemas
e conflitos de aplicação das leis.

As sociedades estão em pleno movimento. Leis são criadas, modificadas,


substituídas, eliminadas. O tempo passa, as leis ficam ou também passam.

É preciso verificar as normas que regem a aplicação das leis penais no tempo, no
espaço e em relação a algumas pessoas que, pelas funções que exercem, recebem
tratamento especial, como se verá.

5.1 APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO

As leis penais, regra geral, são feitas para se aplicarem apenas aos fatos ocorridos
após sua vigência, que é o momento em que elas adquirem força obrigatória. Pela regra
da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei brasileira começa a vigorar, salvo disposição
expressa em contrário, 45 dias após sua publicação no Diário Oficial da União.

Na prática, todavia, as leis entram em vigor na data de sua publicação, por força de
disposição expressa nesse sentido.

Em vigor, a lei passa a ser aplicada a todos os fatos que ocorrem daí em diante.
Acontece, todavia, que as leis podem ser modificadas por outras, que lhes sucedem,
umas mais severas, outras mais brandas, como já visto.

5.1.1 Tempo do crime

O primeiro ponto a ser esclarecido quanto à eficácia da lei no tempo é o que diz
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles

respeito ao tempo do crime: quando é que se deve considerar praticado um crime.


Grande parte dos fatos considerados crimes é constituída por um comportamento
humano que tem como conseqüência determinado evento, como, por exemplo, no
homicídio.

Quando João dispara uma arma de fogo, matando Pedro, verifica-se o


comportamento (disparar a arma) e sua conseqüência (a morte de Pedro).

Quando ação e resultado ocorrem no mesmo dia, não há problemas, mas pode
acontecer que a ação de João ocorra num dia e a morte de Pedro só se dê dias ou até
meses depois. De se perguntar quando ocorreu o homicídio: no dia em que João
disparou os tiros ou no momento em que Pedro morreu?

A solução deste problema é importante, por exemplo, nessa hipótese: João tem
17 anos, 11 meses e 20 dias no dia em que disparou os tiros, e 18 anos e 10 dias no dia
da morte de Pedro. Se se considerar como dia do crime a data da ação, João não será
punido, porque, menor de 18 anos, não tem capacidade penal. Se, entretanto, entender-
se como dia do crime a data da morte de Pedro, então João será punido.

Outra situação. No dia em que alguém comete a ação, está em vigor uma Lei X,
e no dia em que ocorre o resultado, vigora a Lei Y, que dá tratamento diferenciado ao
crime. Quando este aconteceu?

Para explicar o tempo do crime, a doutrina construiu três principais teorias: a


da atividade, que considera praticado o crime no momento da ação, a do resultado, que
o considera praticado no momento da ocorrência do resultado, e a mista, ou da
ubiqüidade, que o considera praticado nos dois momentos.

Esta última é inaceitável, pois que, em vez de solucionar os problemas


apontados, pode gerar situações de absoluta e insolúvel perplexidade.

Entre as duas primeiras, a da atividade é a correta e, por isso, adotada pelo


Código Penal Brasileiro, que em seu art. 4º dispõe: “Considera-se praticado o crime no
momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”

O que mais importa no crime é, primordialmente, o comportamento do homem,


com todas suas características, seu desvalor, que o diferencia, e não a conseqüência da
conduta.

Sem comportamento, não existe resultado, ao passo que, se é certo que o Direito
Penal busca proteger os bens jurídicos mais importantes das lesões mais graves, não
menos exato é que podem existir lesões sem que haja, necessariamente, resultado,
conseqüência da conduta definida como crime.
Aplicação da Lei Penal - 3

Há casos em que um comportamento, independentemente de causar esta ou


aquela conseqüência, constitui uma lesão ou uma ameaça de lesão a determinado bem
jurídico, e que já é considerado crime, como na conduta do médico que deixa de
comunicar, à autoridade pública, a ocorrência de uma doença cuja notificação é
compulsória (art. 269, CP).

Neste caso, não é necessário nenhum contágio. Nenhuma contaminação. Basta


que o médico deixe de realizar a comunicação. Este seu comportamento – de inércia – por
si só já é considerado crime, já constitui uma lesão à saúde pública, sem, contudo, existir
qualquer conseqüência natural. Por isso também, quanto ao tempo do crime, a teoria
correta é a da atividade, abraçada pelo Código Penal.

5.1.2 Solução dos conflitos

Sucedendo-se leis no tempo, eventuais e aparentes conflitos se resolvem com a


aplicação de regras muito simples. A primeira é a de que se aplica, em princípio, a lei do
tempo do fato, tempus regit actum. Se Alfredo cometer um crime sob a vigência da Lei
A, esta, em princípio, é a lei a ser aplicada.

Em seguida, toma-se como regra o princípio da extra-atividade da lei penal mais


favorável. Sucedendo lex gravior, lei que dá ao fato tratamento mais rigoroso, ela não
retroagirá. Sucedendo lex mitior, aquela que, de qualquer modo, beneficia o infrator da
norma, ela retroagirá.

5.1.3 Abolitio criminis

Pode ocorrer que uma lei que define certo fato como crime venha a ser revogada
por outra lei, em atenção ao desejo da sociedade de não mais punir aquele
comportamento humano. Desaparece, assim, do ordenamento penal aquela figura de
crime. É claro que essa lei posterior vem beneficiar todo aquele que tiver praticado o tal
fato antes considerado criminoso.

É possível que haja pessoas sendo processadas, outras até cumprindo penas,
quando entra em vigor a lei nova abolindo o crime. Esta lei vai retroagir, vai aplicar-se a
todos os fatos ocorridos antes de sua vigência. Extingue-se o processo que estiver em
curso. Liberta-se o sentenciado que estiver cumprindo sua pena.

O art. 2º do Código Penal complementa aquele princípio constitucional:


“Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,
cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.”
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles

5.1.4 Novatio legis in mellius

Pode ocorrer que uma lei posterior venha a dar tratamento mais brando a um
crime, por exemplo, diminuindo o grau máximo da pena cominada, ou criando uma
circunstância atenuante, eliminando uma agravante, enfim, beneficiando, de qualquer
modo, o infrator da norma penal.

Essa lei, igualmente, vai retroagir, consoante bem esclarece o parágrafo único
do mesmo art. 2º do Código Penal:

“A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em
julgado.”

5.1.5 Novatio legis in pejus

O contrário também ocorre; aliás, nos últimos anos, é o que mais tem ocorrido
no Brasil, pois o legislador vem, equivocadamente, utilizando-se do Direito Penal como
fosse ele instrumento de combate ao crime, e não têm sido poucas as propostas de
endurecimento do Direito Penal.

Exemplo é a Lei nº 8.072/90, que definiu os chamados crimes hediondos, que


exacerbou penas e agravou a situação dos acusados desses delitos. Essas leis são
absolutamente irretroativas.

Somente serão aplicadas aos fatos ocorridos após sua vigência. A lei anterior, a
lei do fato, deve, pois, ser aplicada, por ser a mais favorável. É essa, portanto, ultra-
ativa.

5.1.6 Lex intermedia

Pode acontecer uma situação peculiar. Um fato ocorre sob a égide de uma Lei X,
que para ele comina uma pena de, por exemplo, reclusão de quatro a oito anos. Iniciado
o processo, antes de sua conclusão, entra em vigor a Lei Y, com pena entre dois e seis
anos; portanto, mais favorável ao acusado. Esta Lei Y, contudo, acaba por ser revogada,
pouco tempo depois, pela Lei Z, que comina pena de cinco a 12 anos de reclusão.

Em vigor esta lei, chega o momento da prolação da sentença condenatória. Qual


Lei deverá o juiz aplicar? A do fato, X, que é mais benéfica que a lei que está em vigor?
Pode ele aplicar a Lei Y, que é a mais favorável, mas que não é a lei do fato e que nem
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está mais em vigor? Pode ser aplicada uma lei revogada, que não seja a lei do fato?

Se, entre o fato e aplicação concreta da lei, se sucederem mais de duas leis,
regulando o mesmo fato, e uma delas, que não a do fato, nem a do tempo da aplicação,
for a mais benéfica, será, mesmo assim, aplicada ao caso. Será ultra-ativa e retroativa,
pois vai ser aplicada, mesmo não estando em vigor, a fato ocorrido antes de sua
vigência.

É que o acusado do crime adquiriu o direito de ser punido pela lei mais favorável,
a intermediária, no exato momento em que ela entrou em vigor, não podendo ser
prejudicado em razão da demora na conclusão do processo.

A lei do tempo da sentença – mais severa – não pode ser aplicada, pois, se assim
fosse, estaria retroagindo, o que, por ser mais dura, não se admite, em nenhuma
hipótese.

A lei penal mais benéfica é, portanto, extra-ativa.

5.1.7 Lex tertia

Outra situação bastante interessante. Imagine-se que vigore no país a Lei A, que
define certo fato-crime e comina, para seu cometimento, uma pena de reclusão de
quatro a 10 anos, e estabelece o regime fechado para o início de cumprimento da pena,
qualquer que seja a quantidade fixada. Se o agente daquele crime vier a ser condenado
à pena mínima, ainda assim iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

Sob a égide desta lei ocorre o fato por ela considerado crime, iniciando-se o
processo, quando entra em vigor a Lei B, que estabelece, para o mesmo fato, a pena de
seis a 12 anos, todavia, manda o juiz observar, no que diz respeito à fixação do regime, a
norma do Código Penal, que diz:

“a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la


em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a
4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la
em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual
ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime
aberto” (art. 33, § 2º).

Se o juiz for condenar o infrator à pena mínima, como deverá proceder? Aplicará
quatro anos em regime fechado, de acordo com a lei do fato, ou seis anos em regime
semi-aberto, de acordo com a lei da sentença?
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Poderia ele aplicar quatro anos, em regime aberto, combinando os dispositivos


das duas leis, a pena cominada pela Lei A e o regime de cumprimento fixado pela Lei B?

Diverge a doutrina sobre ser possível combinar dispositivos legais de mais de uma
lei, extraindo de ambas o que, em cada uma, for mais favorável ao agente do fato. Para
os que combatem esta possibilidade, se assim fizesse o juiz, estaria criando uma
terceira lei, inexistente e, por isso, invadindo a esfera do Poder Legislativo, o que não se
pode admitir.

Mas, se a Constituição Federal manda a lei penal mais benéfica retroagir sempre, o
que se pode afirmar é que apenas o dispositivo benéfico retroage, irretroativo o mais
severo. O desejo da lei maior é que retroaja a norma mais benéfica, e não o texto legal
integral, a não ser que fosse ele, integralmente, mais favorável. Se num mesmo texto há
vários dispositivos, uns benéficos, outros prejudiciais, é claro que só aqueles retroagem.

Ao combinar os dispositivos de duas leis, o juiz não cria uma terceira lei, mas
apenas obedece ao preceito constitucional, maior, que não manda a lei retroagir por
inteiro, mas determina a retroatividade de todo e qualquer dispositivo legal que vier
favorecer o réu.

A conclusão é de que o juiz não só pode, como também tem o dever de aplicar os
dispositivos mais benéficos ao acusado, não importa se estiverem contidos em duas,
três ou quantas leis diferentes.

5.1.8 Lei excepcional e lei temporária

Algumas leis existem para vigorar por certo tempo, dependendo da ocorrência de
certa condição ou de certo termo. Em determinadas situações, pode o legislador criar
leis para ter vigência por um prazo determinado (90 dias, um semestre, um mês, um
ano, uma semana), ou, enquanto perdurar certa situação (uma guerra, uma epidemia
etc.).

As leis temporárias, após o término do prazo de sua vigência, e a lei excepcional,


com o fim da situação que a determinou, serão, mesmo assim, aplicadas aos fatos
ocorridos durante sua vigência, depois de findo aquele prazo ou cessada aquela
situação determinante.

Não podia ser diferente. Se se pensasse que tais leis só seriam aplicadas enquanto
estivessem em vigor, nenhum de seus destinatários, nenhuma das pessoas evitaria a
prática dos fatos por elas coibidos, na certeza de que, mais cedo ou mais tarde, a lei não
mais vigoraria, e, nesse tempo, nenhum processo chegaria a seu termo, pelo que não
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haveria motivo para obedecer-lhe. Seriam leis inócuas.

A regra do art. 3º do Código Penal é clara:

“A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua


duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato
praticado durante sua vigência.”

Não se está diante de uma exceção ao princípio da extra-atividade da lei penal


mais benéfica, já que não se trata de lei posterior mais favorável revogando a anterior,
mas de lei anterior excepcional e temporária. Como bem alerta CERNICCHIARO,

“o conceito de lei mais favorável é relativo. Há de haver pelo menos duas para
confronto. (...) Cessação de vigência não se confunde com revogação. Esta
retira a lei do ordenamento jurídico. Aquela, apesar de expirado o prazo legal,
permanece no Direito, evidentemente apenas quanto às relações jurídicas
constituídas durante a vigência e ainda não desconstituídas por outro fato”1.

5.1.9 Síntese

A conclusão a que se deve chegar é que a lei penal mais benéfica, o dispositivo
penal mais brando, mais favorável ao acusado da prática de um crime, deve ser
aplicado sempre.

O fato definido como crime é o ponto de partida. Verifica-se a lei então vigente e as
leis posteriores, para descobrir qual delas é a mais benéfica.

Se a mais benéfica é a lei do tempo do fato, apesar de revogada, vai ser aplicada, e,
nesse caso, estará sendo ultra-ativa. Será aplicada mesmo já não estando em vigor.

Se a mais benéfica é a norma da lei posterior à do fato, a do tempo da sentença, ou


mesmo posterior a esta, será aplicada, e, portanto, retroativa.

Algumas vezes, o julgador pode ver-se diante de enorme dificuldade na definição


de qual das leis é a mais benéfica. Neste caso, impõe-se ouvir o acusado, por si ou por
seu defensor, que saberão indicar ao juiz qual a mais benéfica.

Não há segredo, nem dificuldade: a lei mais benéfica sempre será aplicada. Ela
será, pois, retroativa ou ultrativa, numa palavra: extra-ativa.

1 CERRNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR., Paulo José. Direito penal na constituição. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1990. p. 67.


8 – Direito Penal – Ney Moura Teles

5.2 APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO

As leis são elaboradas para ser aplicadas no território do Estado que as elaborou. A
lei brasileira, no Brasil, a japonesa, no Japão.

O mundo, todavia, não é um conjunto de compartimentos estanques. As pessoas


comunicam-se, interagem, independentemente das fronteiras nacionais. Os homens
relacionam-se apesar das várias nações. Assim como se rompem barreiras no sentido
de uma sociedade futura sem limitações, sem preconceitos, também a outra face da
moeda se faz notar: a criminalidade, igualmente, não respeita as fronteiras dos países.
Cometem-se crimes à distância. Comportamento realizado no Brasil pode produzir
efeitos no Paraguai, na China e na Noruega, ao mesmo tempo, no mesmo dia.

Com um gesto realizado em Hong-Kong, um homem pode apropriar-se de


dinheiro depositado num banco situado em Berna, de propriedade de pessoas
residentes em Berlim, Cingapura, Brasília e Paris.

Uma única ação realizada num ponto do planeta, num Estado, vai produzir efeito
noutro, importando na lesão de bens cujos titulares são nacionais de quatro outros
Estados distintos.

À medida que mais se desenvolvem as relações entre os vários povos, mais


facilmente podem ocorrer crimes.

Conflitos de leis de vários Estados podem estabelecer-se e devem ser resolvidos.


São necessárias regras para dirimir eventuais situações de perplexidade. Onde ocorreu
o crime? Qual lei aplicar? Como fazer?

5.2.1 Lugar do crime

A primeira tarefa é definir onde ocorreu o crime. No lugar onde a conduta foi
realizada, ou onde o resultado aconteceu?

Imagine-se a seguinte hipótese, bem simples. Eduardo, da cidade de Santana do


Livramento, no Rio Grande do Sul, efetua um disparo de arma de fogo em direção ao
outro lado da rua, atingindo a pessoa de Pablo, cidadão uruguaio, que se encontra na
cidade de Rivera, produzindo-lhe ferimentos que dão causa a sua morte, que ali ocorre,
imediatamente.

As duas cidades situam-se exatamente na fronteira entre Brasil e Uruguai,


separadas por alguns poucos metros de uma simples rua.

A conduta ocorreu no Brasil, o resultado, no Uruguai. Onde ocorreu o crime: lá


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ou cá? A hipótese, bastante simples, torna-se cada vez mais comum e sofisticada, com o
uso do computador e das comunicações telefônicas e por satélite, pela Internet,
especialmente com o tráfico internacional de entorpecentes, e outros crimes que
envolvem o sistema financeiro internacional.

Três teorias buscam explicar o lugar do crime: a da atividade, que o considera


praticado no lugar do comportamento, a do resultado, que leva em conta o lugar onde
ocorre a conseqüência do comportamento, e a mista, ou da ubiqüidade, que considera
praticado o crime num como noutro lugar, tanto lá, quanto cá.

Aqui, diferentemente do raciocínio realizado quando se tratou do tempo do


crime, é preciso pensar na seguinte hipótese: no país A, vigora a teoria da atividade e no
país B, a teoria do resultado.

No país B, Cláudio dispara um tiro de revólver contra Antônio que, ferido, é


transportado para o país A, onde vem a falecer.

‘Houve um homicídio, é óbvio, pois Cláudio queria e conseguiu matar Antônio.


Onde ocorreu o crime de homicídio?

Se no país B, onde aconteceu a conduta, vige a teoria do Resultado, o Direito


desse país considera que aí não aconteceu o crime, pois Antônio não morreu aí. Apenas
Cláudio realizou a conduta.

Se no país A, onde aconteceu o resultado, vale a teoria da atividade, o direito


desse país considera que aí não aconteceu o crime, pois Cláudio não realizou nenhum
comportamento aí. O que houve foi o resultado, a morte de Antônio.

Apesar de Cláudio ter agido com vontade de matar e de Antônio ter morrido em
conseqüência do comportamento daquele, o crime não terá acontecido em nenhum
lugar, o que equivale a dizer que não houve crime, o que é um absurdo.

Por isso, o Código Penal brasileiro adota a teoria da ubiqüidade, que é a correta,
no art. 6º, assim:

“Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no


todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o
resultado.”

No exemplo dado, o crime ocorreu no Brasil e no Uruguai. No outro exemplo,


ocorreu nos dois lugares, A e B. Esta teoria evita a possibilidade de o crime ficar sem
punição.

É certo que ninguém será punido duas vezes, em dois países distintos, por um
único fato, uma vez que há um princípio geral de Direito – escrito em alguns
10 – Direito Penal – Ney Moura Teles

ordenamentos, inclusive no Código Penal (art. 8º) – que proíbe a dupla punição pelo
mesmo fato, vedando o chamado bis in idem.

5.2.2 Princípios de direito penal internacional

Definido o lugar do crime, onde ocorreu a conduta e onde aconteceu o


resultado, ainda assim permanece a possibilidade de conflitos.

Pense-se na seguinte situação: o Presidente da República do Brasil, em viagem à


China, tem sua liberdade pessoal agredida, por terroristas internacionais que o
seqüestram, exigindo, do governo brasileiro, a libertação de certo prisioneiro.

Trata-se, pois, da agressão de um bem jurídico da mais alta importância para o


país – a liberdade pessoal do Chefe do Estado Brasileiro – realizada fora do território
nacional. Qual lei será aplicada?

Outra hipótese: Sérgio, brasileiro, comete um crime na Alemanha, e consegue


fugir para o Brasil, antes de ser preso e processado. O governo alemão, desejoso de
punir o brasileiro que violou sua lei penal, pede ao governo brasileiro que lhe entregue
Sérgio, para que, em Bonn, seja julgado. O Brasil entregará seu cidadão?

Outra situação. Quadrilhas internacionais realizam tráfico de drogas,


praticando atos em locais situados em cinco países diferentes. Qual deles será o
competente para julgar tais crimes?

Para solucionar esses problemas, existem cinco princípios que cuidam do


âmbito de eficácia espacial da lei penal de cada Estado.

5.2.2.1 Princípio da territorialidade

O princípio da territorialidade, ou princípio territorial exclusivo, afirma que a


lei penal do Estado aplica-se ao crime ocorrido dentro, e tão-somente dentro, do
território do referido Estado. A lei penal só tem aplicação no território do Estado que a
determinou, pouco importando a nacionalidade do infrator da norma e a do indivíduo
ofendido. Por este princípio, a lei penal de um Estado nunca seria aplicada a um fato
ocorrido no território de outro Estado.

Se tiver havido um crime, em Brasília, praticado por um espanhol, contra um


holandês, a lei a ser aplicada é a brasileira, pouco importando que as leis da Espanha ou
da Holanda sejam mais favoráveis ou mais severas para o infrator da norma penal. Este
princípio exclui, portanto, a aplicação da lei penal de um Estado a um crime ocorrido
no estrangeiro.
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5.2.2.2 Princípio da nacionalidade

Diz o princípio da nacionalidade que a lei penal do Estado será aplicada a seus
cidadãos, onde quer que eles se encontrem. A razão do princípio é que o cidadão deve
obediência à lei de seu país, ainda que fora dele se encontre.

Se um brasileiro cometesse um crime na Hungria, aplicar-se-ia a lei brasileira.


Do mesmo modo, se um cubano cometesse um crime no Brasil, a lei a ser aplicada seria
a de Cuba.

O princípio – apesar de ponderáveis razões em seu favor, especialmente as de


ordens histórica, sociológica e psicológica – não resolve os problemas verificados.
Como aplicar ao crime cometido no Brasil a lei da China? Onde seria ela aplicada, lá ou
cá? A soberania dos Estados nacionais restaria gravemente violada.

Impossível, ainda, a aplicação do princípio, irrestritamente, levando-se em


conta a diversidade dos vários ordenamentos penais. Aquilo que é definido como crime
num Estado pode não ser em outro, e vice-versa.

Este princípio se desdobra em dois. Chama-se princípio da nacionalidade ativa


aquele segundo o qual se aplica a lei do Estado ao delinqüente, onde quer que ele se
encontre. Já o princípio da nacionalidade passiva exige que, além de ser nacional o
sujeito ativo do crime, seja nacional também o titular do bem jurídico atacado ou
ameaçado de lesão.

5.2.2.3 Princípio da defesa ou princípio real

Este preceito leva em conta exclusivamente a nacionalidade do bem jurídico


atacado, independentemente do local onde aconteceu o ataque, e da nacionalidade da
vítima.

Segundo o princípio, a lei penal do Estado seria aplicada ao crime praticado


contra o bem jurídico nacional, onde quer que fosse o lugar do crime e
independentemente da nacionalidade do delinqüente.

Por ele, a lei brasileira seria aplicada ao crime cometido contra bem jurídico
nacional, ou cujo titular fosse nacional, qualquer que fosse o lugar do crime. Se o
automóvel de João, brasileiro, viesse a ser furtado na Argentina, por um argentino,
equatoriano ou canadense, a lei brasileira seria aplicada.
12 – Direito Penal – Ney Moura Teles

5.2.2.4 Princípio da justiça penal universal

Pelo princípio da justiça penal, cada Estado poderia punir qualquer crime, seja
qual fosse a nacionalidade de seus sujeitos ou o lugar de sua prática, bastando que o
delinqüente ingressasse no território desse Estado.

Se Pedro, brasileiro, cometesse um crime no Equador, contra um alemão, e fugisse


para a Hungria, seria punido segundo a lei húngara. Se tivesse entrado na Dinamarca,
ali seria julgado, conforme a lei dinamarquesa.

Se este princípio pudesse ser adotado em todos os Estados, ficaria diminuída, em


grande parte, a impunidade, pois a fuga seria inócua. Todavia, no atual estágio da
organização dos Estados, é praticamente impossível a adoção integral desse princípio.
As dificuldades com a instrução dos processos, com a apuração dos fatos, aliadas à
inexistência de um Direito Penal único, em todo o planeta, mantêm o princípio ainda
no campo da utopia.

5.2.2.5 Princípio da representação

Este princípio, para melhor compreensão do leitor, será estudado no item 5.2.4.2.

5.2.3 Territorialidade

Para a resolução dos conflitos espaciais das leis penais, o Código Penal Brasileiro
encontrou a fórmula mais utilizada entre todos os povos modernos. Adota o princípio
da territorialidade como regra, e os demais princípios como exceção.

Diz-se, por isso, que entre nós vigora a territorialidade temperada. Dispõe o art. 5º
do Código Penal: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e
regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.”

Esta é a regra: a lei brasileira será aplicada aos crimes que forem cometidos dentro
do território nacional. Excepcionalmente, poderá ser aplicada a crimes cometidos fora
de nosso território. A propósito, importa, em primeiro lugar, conceituar, juridicamente,
território.

5.2.3.1 Território jurídico

Território jurídico é todo o espaço em que o Estado exerce sua soberania. O


território nacional é o espaço terrestre, marítimo e aéreo, sujeito à soberania do Estado,
Aplicação da Lei Penal - 13

quer seja compreendido entre os limites que o separam dos Estados vizinhos, ou do
mar livre, quer esteja destacado do corpo territorial principal ou não. Esta é a definição
que NELSON HUNGRIA2 apresenta, de acordo com MANZINI.

5.2.3.2 Extensão do território nacional

São consideradas extensões do território nacional as embarcações e as aeronaves


brasileiras públicas, ou a serviço do governo, onde quer que se encontrem.

Os aviões da Força Aérea Brasileira, ou o de propriedade particular que estiver a


serviço do governo brasileiro, são considerados extensão do território brasileiro, em
qualquer parte do planeta, de modo que, ocorrendo um crime no interior de uma
dessas aeronaves, mesmo que ela se encontre em pouso no aeroporto de qualquer
nação do mundo, ou em vôo pelo espaço aéreo sujeito à soberania de outro país, o
crime terá ocorrido no território brasileiro, aplicando-se a ele, por isso, a lei brasileira.

Igualmente, são consideradas extensões do território nacional as aeronaves e


embarcações brasileiras mercantes privadas, quando se encontrarem no espaço aéreo
correspondente ao alto-mar, local em que nenhuma nação exerce soberania. É a norma
do art. 5º, § 1º, do Código Penal.

Obviamente, as aeronaves e embarcações estrangeiras públicas, ou a serviço de


governos estrangeiros, quando em pouso ou ancoradas em território brasileiro, ou
mesmo no mar territorial e no espaço aéreo nacional, são consideradas território
estrangeiro.

E, como não poderia deixar de ser, havendo crime no interior de embarcações ou


aeronaves estrangeiras privadas, quando no território brasileiro, ou no espaço aéreo ou
no mar territorial, aplicar-se-á a lei brasileira.

5.2.4 Extraterritorialidade

Excepcionalmente, a lei penal brasileira poderá ser aplicada a fatos ocorridos fora
do território nacional. Pelas mais diferentes razões, em algumas situações particulares,
torna-se indispensável que a lei brasileira seja aplicada a fatos ocorridos no estrangeiro.

Em alguns casos, isso ocorrerá independentemente de qualquer condição. Noutros,


a lei exige algumas condições para que possa ser aplicada ao fato ocorrido fora do Brasil.

2 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 1, t. 1, p. 155.
14 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Vejam-se, primeiramente, os casos de crimes que, ocorridos no estrangeiro, ficarão


sujeitos à lei brasileira, independentemente de qualquer condição.

5.2.4.1 Extraterritorialidade incondicionada

Dispõe o art. 7º, I, do Código Penal, que ficarão sujeitos à lei brasileira, embora
cometidos no estrangeiro, os seguintes crimes:

a) praticados contra a vida ou a liberdade do Presidente da República. Se o Chefe


do Estado brasileiro, em viagem ao exterior, vier a tornar-se vítima de homicídio (art.
121, CP), tentativa de homicídio (art. 121, c/c 14, II, CP), ameaça (art. 147, CP),
seqüestro e cárcere privado (art. 148, CP), constrangimento ilegal (art. 146, CP), a lei
penal brasileira será aplicada. Trata-se da adoção do princípio da defesa, pois se leva
em conta a nacionalidade do bem jurídico e, é óbvio, a sua importância. A vida e a
liberdade do Chefe da Nação são bens da mais alta consideração, não em razão da
pessoa do Presidente, mas da função que exerce;

b) os crimes contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, das


unidades federadas, dos municípios, de empresas públicas, sociedades de economia
mista, autarquias ou fundações instituídas pelo Poder Público. Incluem-se entre tais
crimes: roubo (art. 157, CP), furto (art. 155, CP), estelionato (art. 171, CP), falsificação
de moeda (art. 289, CP), falsidades de títulos públicos (art. 293, CP) e outras falsidades.

c)os crimes contra a administração pública, por quem estiver a seu serviço, como, por
exemplo, o peculato (art. 312, CP) e a concussão (art. 316, CP);

d) os crimes de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Os


crimes de genocídio estão definidos pela Lei nº 2.889, de 1º-10-1956, assim:

“Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,


étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar
lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe
a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir
os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de
crianças do grupo para outro grupo.”

Na hipótese da ocorrência desses crimes, a lei brasileira será aplicada


independentemente de qualquer condição, inclusive se o infrator da norma tiver sido
absolvido ou condenado no estrangeiro.

Para evitar, nesses casos, o bis in idem, que é a possibilidade de vir alguém a
Aplicação da Lei Penal - 15

sofrer punição duas vezes pelo mesmo fato, o art. 8º do Código Penal determina que a
pena que tiver sido cumprida no estrangeiro vai atenuar aquela a ser imposta no Brasil,
se for diferente. Se for idêntica, será computada na pena a ser aplicada no Brasil.

Exemplo: no Japão, um indivíduo tenta contra a vida do Presidente da


República do Brasil. Lá é preso, julgado e condenado. Será igualmente julgado aqui no
Brasil, onde acaba por ser, também, condenado. Tendo cumprido pena no Japão, e
ingressado no território brasileiro, por ter o governo japonês atendido ao pedido de
extradição de nosso governo, sua situação será a seguinte: (a) se a pena cumprida no
Japão tiver sido de reclusão de cinco anos, e aqui tiver sido condenado a oito anos de
reclusão, aquele tempo será computado nos oito, e ele só cumprirá três anos no Brasil;
(b) se lá tiver cumprido pena de detenção, e aqui vier a ser condenado a pena de
reclusão, terá esta pena atenuada, diminuída em alguma quantidade de tempo.

5.2.4.2 Extraterritorialidade condicionada

Em outras situações, a aplicação da lei brasileira a crimes ocorridos no


estrangeiro dependerá do preenchimento de algumas condições.

Os crimes estão relacionados no art. 7º, II, Código Penal, entre eles os que, por
tratado ou convenção, o Brasil tiver-se obrigado a reprimir. Incide o princípio da justiça
universal. Por razões de interesse político de todos os Estados, eles celebram tratados
de cooperação internacional também no campo do Direito Penal, para combater, por
exemplo, o tráfico ilícito de entorpecentes.

Outra situação difícil. Um cidadão brasileiro comete um crime no estrangeiro e


consegue retornar ao Brasil, sem que tenha sido preso. O Estado estrangeiro tem
interesse em aplicar sua lei penal, posto que o brasileiro a desrespeitou. Sem que ele ali
compareça, não poderá o Estado estrangeiro aplicar a sua lei, isto é, não poderá ser
imposta a pena a que terá sido condenado o cidadão brasileiro.

Para resolver situações como essa, o direito internacional criou o instituto da


extradição, um instrumento jurídico por meio do qual se dá a entrega de uma pessoa,
por um Estado, a outro, para que, por este, seja ela julgada ou punida.

Pois bem, se o governo estrangeiro solicita a extradição daquele brasileiro, o


governo entregará o cidadão nacional?

Não, porque segundo manda a Constituição Federal, art. 5º, LI, o Brasil não
extradita nacionais. Assim, diz a Carta Magna:

“Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime


16 – Direito Penal – Ney Moura Teles

comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento


em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.”

O brasileiro nato, portanto, não será extraditado em nenhuma hipótese. O


naturalizado, sim, em duas situações. Se o pedido for pela prática de crime comum,
somente poderá ser extraditado se o tiver praticado antes da obtenção da nacionalidade
brasileira. Se o motivo da extradição for tráfico ilícito de entorpecentes, o naturalizado
só será extraditado se já estiver condenado no estrangeiro, por sentença transitada em
julgado.

Se o Brasil não extradita seus nacionais, deverá, então, julgá-los aqui, segundo a
lei brasileira, pois, se não o fizesse, estaria consagrando a impunidade para seus
cidadãos que delinqüissem fora do Brasil e conseguissem aqui se homiziar. Por isso, a
alínea b do inciso II do art. 7º do Código Penal inclui, entre os casos de
extraterritorialidade condicionada, os crimes praticados, no estrangeiro, por brasileiro,
incidente, aí, o princípio da personalidade ativa.

Outra situação: um crime é cometido no interior de uma aeronave ou


embarcação brasileira mercante ou de propriedade privada, em território estrangeiro,
e, por qualquer razão, não é julgado nesse país. Acontece, por exemplo, quando a
aeronave já se encontrava no espaço aéreo de outro Estado, mas a caminho do Brasil, e
seu comandante não retorna ao aeroporto estrangeiro, preferindo continuar até seu
país. Esse crime ocorreu no estrangeiro e lá não será punido. Nesse caso, a lei brasileira
também pode ser aplicada, por força do disposto no art. 7º, II, c, do Código Penal. Este
é o princípio da representação.

Para que a lei brasileira seja aplicada nessas hipóteses, é necessário o concurso
das seguintes condições (art. 7º, § 2º):

1ª entrar o agente no território nacional. É necessário que o infrator da norma entre


no Brasil, seja espontaneamente, seja por força de extradição;

2ª ser o fato punível também no país em que foi praticado. É indispensável que o fato
praticado seja definido como crime no país estrangeiro e no Brasil. Por exemplo, se
Maria, brasileira, realiza aborto consentido na França e retorna ao Brasil, não poderá
ser punida aqui, apesar de o aborto aqui ser proibido;

3ª estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição;

4º não ter sido o agente absolvido no exterior ou não ter aí cumprido pena. Se ele já
tiver sido julgado e absolvido ou cumprido a pena, não poderá a lei brasileira ser
Aplicação da Lei Penal - 17

aplicada;

5º não ter sido o agente perdoado no estrangeiro, ou não estar extinta a punibilidade,
segundo a lei mais favorável.

A lei penal brasileira ainda poderá ser aplicada ao crime praticado fora de nosso
território por estrangeiro contra brasileiro se – além das condições previstas no § 2º do
art. 7º – não tiver sido pedida ou tiver sido negada sua extradição e houver requisição
do Ministro da Justiça (art. 7º, § 3º, CP).

5.3 APLICAÇÃO DA LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS

A lei penal existe para ser aplicada a todas as pessoas; vale, portanto, erga omnes,
alcançando a todos, sem distinção, até porque todos são iguais perante a lei.

A esta regra torna-se indispensável excepcionar alguns casos. Algumas


pessoas, não por suas qualidades pessoais, mas pela importância das funções que
exercem, necessitam ficar fora do alcance das leis penais. Essa condição desses
sujeitos chama-se imunidade, porque ficam imunes à lei penal, que não os alcança.

No direito brasileiro estão contempladas imunidades diplomáticas,


parlamentares, e outras, como a do advogado, relativamente a alguns crimes.

5.3.1 Imunidades diplomáticas

Como bem ressalvou o caput do art. 5º do Código Penal, a lei brasileira aplica-
se ao crime cometido no território brasileiro, “sem prejuízo de convenções, tratados e
regras de direito internacional...”

Ao longo dos anos, multiplicaram-se as nações no planeta, e, ao mesmo tempo,


elas foram estabelecendo relações entre si, as mais diversas, comerciais, culturais,
científicas etc. Também os conflitos entre os Estados continuam.

Depois da Segunda Grande Guerra Mundial, o mundo dividiu-se: o mundo


socialista e o capitalista, além, é certo, de um terceiro mundo marginalizado, em que se
situa o Brasil. Recentemente, o mundo assistiu ao fim da União Soviética, com
modificações no sistema político dos países do leste europeu.

A China parece ter realizado nova revolução silenciosa, permanecendo, do


ponto de vista político, fiel ao socialismo, mas economicamente aceitando os
mecanismos da sociedade capitalista: um mistério ainda.
18 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Árabes e judeus ainda não encontraram a solução para seus problemas. Rabin,
chefe do Governo israelense, foi morto por um jovem judeu, lamentavelmente
estudante de Direito.

O mundo ainda não encontrou a paz, que é a aspiração de toda a humanidade. Os


Estados relacionam-se e este relacionamento deve ser o mais amistoso possível, a fim
de que se possa caminhar no rumo da construção da paz global entre todos.

Para melhor estreitarem o relacionamento entre si, os Estados estabelecem, nos


territórios estrangeiros, escritórios de representação, onde são mantidos funcionários
que os representam, encarregados dos interesses nacionais junto ao Estado amigo.
Essas relações, chamadas diplomáticas, são indispensáveis para que os povos possam
colaborar mutuamente, intercambiar suas experiências, sempre com o objetivo de
alcançar tempos de paz e de prosperidade. Seus funcionários são chamados agentes
diplomáticos (embaixadores, secretários etc.).

Para procurar preservar o bom nível do relacionamento entre os Estados,


evitando constrangimentos e represálias, os vários Estados estabeleceram as
imunidades diplomáticas, instituto segundo o qual os agentes diplomáticos são imunes
à lei penal do país em que estiverem servindo.

MAGALHÃES NORONHA diz que “não se trata evidentemente de privilégio à


pessoa física do representante estrangeiro, mas de acatamento à soberania da nação
que ele representa”3 lembrando, ainda, que as imunidades diplomáticas devem ser
recíprocas.

Significa que, se o embaixador de uma nação amiga cometer, no Brasil, um fato


definido como crime, a lei penal brasileira a ele não será aplicada. Em verdade, o fato
ocorreu, é proibido, mas quem o praticou não será processado, nem julgado no Brasil,
mas em seu país, segundo sua lei.

A imunidade alcança apenas seu titular – o agente diplomático – daí que, se


outra pessoa, sem imunidade, tiver participado do fato considerado crime, a ela será
aplicada a lei nacional. Exemplo: o embaixador e um seu amigo brasileiro, dentro da
embaixada do país estrangeiro em Brasília, obrigam uma mulher a praticar com ambos
atos libidinosos diversos da conjunção carnal, realizando assim o fato definido como
crime de atentado violento ao pudor (art. 214, CP). O embaixador será julgado por seu
país, segundo sua lei, e o brasileiro aqui no Brasil, nos termos do Código Penal.

As sedes das representações diplomáticas não constituem território estrangeiro,

3 Direito penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 1, p. 90.


Aplicação da Lei Penal - 19

como se dizia no passado. Qualquer sede diplomática situada no Brasil – embaixada,


consulado – é território brasileiro. São, todavia, invioláveis, por força de tratados
internacionais, mas ao crime cometido em seu interior aplica-se a lei brasileira, que não
será aplicada apenas ao agente diplomático.

As imunidades foram estabelecidas pela Convenção de Viena, de 18-4-61,


aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 103, de 1964, ratificada em 23-2-65, e
alcançam os agentes diplomáticos – embaixador, secretários de embaixada, pessoal
técnico e administrativo das representações, membros de suas famílias, funcionários
das organizações internacionais, chefes de Estado estrangeiro em visita ao país e os
membros de suas comitivas.

5.3.2 Imunidades parlamentares

Uma segunda espécie de imunidade é a de que gozam os parlamentares,


deputados federais e senadores da república.

Para que o membro do Poder Legislativo possa desempenhar com plena


liberdade sua função de representante do povo, foram instituídas imunidades, que são
prerrogativas destinadas a assegurar a maior liberdade de atuação possível.

Imaginem o deputado que viesse a defender, em público, a revogação da norma


penal que proíbe a aquisição de maconha, para uso próprio, crime definido no art. 28
da Lei nº 11.343/2006.

Tal parlamentar poderia, para mostrar a justeza de sua proposição, alardear


como benéfico para a saúde o uso da referida droga, até porque existem opiniões
científicas que demonstram certo poder calmante na referida substância.

Pois bem, este deputado, ao fazer a propaganda do uso da maconha, poderia


estar realizando um comportamento proibido pela norma do art. 287 do Código Penal:
“Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena –
detenção de 3(três) a 6(seis) meses, ou multa.”

O parlamentar representa o povo, a sociedade. E mais, relembre-se, o Direito


Penal é produto da vontade da sociedade. Se uma parcela desta – que elegeu o tal
deputado – deseja permitir o uso da substância, ou não deseja considerar crime a
aquisição da maconha para uso próprio, essa sua opinião deve ser, livremente,
divulgada no seio da sociedade e, para tanto, seu representante precisa estar imune
àquela lei que o proíbe de defender o fato criminoso.

Noutras situações, o parlamentar, que é, além de elaborador das leis, encarregado


20 – Direito Penal – Ney Moura Teles

da fiscalização da ação do Poder Executivo, tem a necessidade de formular críticas


severas a funcionários públicos ou a outros cidadãos da sociedade. Em certas situações,
necessita inclusive relatar fatos que atingem a honra do indivíduo, como, por exemplo,
quando denuncia a prática de atos de improbidade administrativa. Precisa, às vezes, até
mesmo, ofender a dignidade de um Ministro de Estado.

Para que o parlamentar possa exercer, com plena liberdade, seu mandato, a
Constituição Federal estabelece as imunidades parlamentares, que são absolutas ou
relativas.

5.3.2.1 Imunidades parlamentares absolutas

Dispõe o art. 53, caput, da Constituição Federal: “Os deputados e senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

Significa que os parlamentares não cometem os chamados delitos de palavra ou


de opinião, neles incluídos os crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria), de
incitação ao crime, apologia do crime ou do criminoso, nem aqueles delitos de opinião
definidos na Lei de Imprensa e na Lei de Segurança Nacional.

É evidente que são imunes às leis penais que definem tais crimes, quando
praticarem os fatos respectivos durante e em razão do exercício do mandato
parlamentar. Se um deputado ofender a reputação de sua mulher, por questões
meramente pessoais, particulares, não estará imune à lei, mas como simples cidadão, a
ela estará sujeito.

Como se vê, a imunidade é para o parlamentar, e apenas para amparar o


exercício legítimo do mandato.

5.3.2.2 Imunidades parlamentares processuais ou relativas

O legislador constituinte de 1988 estabeleceu, no mesmo art. 53, as chamadas


imunidades relativas ou processuais, que alcançam todos os outros crimes. Segundo as
normas então criadas, o parlamentar, desde a expedição do diploma pela Justiça
Eleitoral – documento que lhe assegura a posse e o exercício no cargo para o qual foi
eleito –, não poderia ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem
processado criminalmente, em nenhuma hipótese, sem prévia licença de sua casa.

Quando a licença não fosse concedida, ou na ausência de decisão a esse respeito,


não corria a prescrição – a perda, pelo Estado, do direito de punir o infrator da norma
Aplicação da Lei Penal - 21

penal, pelo decurso do tempo. Encerrado o mandato, o processo reiniciar-se-ia, como


se não tivesse decorrido nenhum tempo.

Muito se criticou essas imunidades parlamentares, sob a alegação de que se


tratava de verdadeira impunidade. Havia um número ponderável de pessoas acusadas
da prática de crimes que conquistaram mandatos parlamentares exatamente para
fugirem aos processos, na certeza que tinham de que, uma vez diplomados e
empossados, seus pares dificilmente concederiam licença para o prosseguimento do
processo.

Verdade também que certos indivíduos obtiveram mandatos exatamente com o


fim de cometerem crimes e ficarem acobertados pela imunidade processual.

Amplas manifestações na mídia levaram o Congresso Nacional a discutir as


imunidades relativas, acabando por alterar as normas constitucionais então vigentes,
por meio da Emenda Constitucional nº 35, promulgada em 20 de dezembro de 2001.
As mudanças foram importantes.

Os parlamentares continuam imunes à prisão, salvo no caso de flagrante de


crime inafiançável. Nesse ponto, não houve qualquer modificação em relação ao texto
constitucional anterior.

Considera-se em flagrante delito quem:

a) está cometendo o fato definido como crime;

b) acabou de cometê-lo;

c) é perseguido, logo após, em situação que faça presumir ser ele o infrator da
norma; ou

d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que


façam presumi-lo autor do fato.

Esta é a definição do art. 302 do Código de Processo Penal. Em qualquer uma


dessas condições, a pessoa está em flagrante.

A fiança criminal é uma caução, uma garantia do cumprimento das obrigações


processuais do acusado da prática de um fato definido como crime. O preso em
flagrante, pode obter a sua liberdade, mediante o pagamento da fiança, e assim passa
a responder ao processo.

O ordenamento jurídico brasileiro considera insuscetíveis de fiança os crimes


mais graves, quando determina que são inafiançáveis os crimes punidos com reclusão
cuja pena mínima seja superior a dois anos (art. 323, I, CPP).
22 – Direito Penal – Ney Moura Teles

De conseqüência, os crimes cuja pena seja de detenção ou com pena mínima de


reclusão de até dois anos podem ser afiançados.

O parlamentar não pode ser preso em flagrante, se tiver praticado fato definido
como crime afiançável.

Caso o fato seja definido como crime inafiançável, a prisão em flagrante do


parlamentar pode ser efetuada, mas, nesse caso, o auto de prisão em flagrante deve ser
remetido dentro de 24 horas à Câmara ou ao Senado, que, então, pelo voto secreto da
maioria de seus membros, decidirá sobre a prisão: manterá ou a relaxará.

A mudança fundamental diz respeito ao processo. Na ordem anterior, o


processo contra o parlamentar dependia de licença da casa legislativa. Pela nova regra,
o parlamentar pode ser processado, independentemente de licença, perante o Supremo
Tribunal Federal, que, ao receber a denúncia, deverá comunicar à casa respectiva.

Se se tratar de crime cometido antes da diplomação, o processo terá seu curso


normal, e não cabe sequer a comunicação pela Corte Suprema. Se, todavia, for
instaurada a ação penal por crime ocorrido após a diplomação, a comunicação será
feita, mas o processo pode ser sustado, desde que a requerimento de um partido
político representado na Casa do parlamentar, aprovado pelo voto da maioria dos
membros da Casa.

O pedido de sustação do processo poderá ser feito a qualquer tempo, antes, é


óbvio, da decisão final do Supremo Tribunal, e deverá ser votado pela casa no prazo de
45 dias de seu recebimento pela Mesa Diretora. Por decisão final, deve-se entender o
trânsito em julgado, daí que, mesmo após a sentença final suscetível de recurso, poderá
a Casa sustar o andamento do feito.

Concedida a sustação do processo, ficará suspenso o curso da prescrição


enquanto durar o mandato, reiniciando-se o processo, após, como se não tivesse
decorrido tempo algum.

Com esse novo tratamento dado à imunidade processual, é de se perguntar se


continua em vigor a norma do § 2º do art. 55 da Constituição Federal, que exige seja a
perda do mandato do parlamentar que sofrer condenação criminal transitada em
julgado

“decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e
maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.

Ora, essa norma só tinha sentido no regime anterior, quando a casa legislativa
Aplicação da Lei Penal - 23

tinha o poder de decidir sobre a instauração ou continuidade de processo penal contra


parlamentar. Era um complemento daquele sistema de imunidades que reservava à
casa legislativa o direito de condicionar a instauração e prosseguimento da ação penal.

Agora, quando a casa legislativa não pode impedir a ação penal por crime
cometido antes da diplomação, poderá ela impedir a perda do mandato decorrente de
condenação criminal transitada em julgado? A meu sentir, é uma incoerência.

Se o trânsito em julgado de condenação criminal de um parlamentar referir-se a


crime posterior à diplomação, terá sido sem sustação do processo pela casa legislativa,
o que significa que a casa considerou, implicitamente, necessário o curso do processo.

Poderá, ainda assim, o condenado conservar o mandato, por decisão do


Parlamento?

Penso que há uma incompatibilidade gritante entre o novo sistema de


imunidade processual e esse dispositivo constitucional, o qual, por isso, a meu ver, está
revogado tacitamente pela Emenda Constitucional nº 35/2001.

Além dessas imunidades processuais, os parlamentares não são obrigados a


testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do
mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.

O novo tratamento constitucional conferido aos parlamentares, relativamente


ao processo penal, é, evidentemente, um avanço em relação à ordem anterior.
Doravante, a instauração e o desenvolvimento da ação penal – o processo – não
depende de licença, e só poderá ter impedido seu curso, se houver pedido expresso
formulado por um partido político representado na Casa do parlamentar acusado, e
aprovação pela maioria absoluta, isto é, por mais de cinqüenta por cento dos membros
da Casa. E não alcança os crimes cometidos antes da diplomação.

Desse modo, a conquista de um mandato parlamentar não mais servirá a


pessoas que estejam sendo processadas. Por outro lado, cometido crime após a
diplomação, o processo somente será sustado se houver interesse expresso de um
partido político – que arcará com o ônus de promover o requerimento, enfrentando a
opinião pública – e a aprovação da maioria dos membros da Casa Legislativa.

5.3.3 Imunidade do advogado

O art. 133 da Constituição Federal estabelece:

“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por


24 – Direito Penal – Ney Moura Teles

seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

O art. 142 do Código Penal, de 1940, dispõe:

“Não constituem injúria ou difamação punível: I – a ofensa irrogada em juízo,


na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.”

Já a Lei nº 8.906/94, no § 2º do art. 7º, assim estatui:

“O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação


ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua
atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante
a OAB, pelos excessos que cometer.”

O Supremo Tribunal Federal concedeu, em 5 de outubro de 1994, liminar na


Ação de Declaração de Inconstitucionalidade nº 1.127-8, proposta pela Associação dos
Magistrados Brasileiros, suspendendo a eficácia da expressão “ou desacato”, e,
julgando o mérito, em 17 de maio de 2006, declarou a inconstitucionalidade da
expressão, contida no § 2° do art. 7° da Lei n°8.906/94.

A imunidade do advogado, em verdade, não se destina a sua pessoa, mas ao


exercício de sua função, que, segundo a própria Carta Magna, é indispensável à
administração da Justiça. Com efeito, o advogado, para postular em juízo o direito de
seu constituinte, necessita de ampla liberdade de expressão do pensamento,
especialmente no relato de fatos e na emissão de opiniões sobre as pessoas contra as
quais se deduzirá a pretensão, sobre testemunhas, sobre funcionários da justiça, enfim,
sobre situações e sujeitos.

Não pode ficar manietado no momento da comunicação das idéias, diante da


possibilidade de vir a cometer os delitos de difamação e injúria. Esta imunidade vem
estatuída no próprio Código Penal, desde as Constituições anteriores.

Por exemplo, ao elaborar o pedido inicial de uma ação de separação judicial, o


advogado poderá necessitar, algumas vezes, fazer o relato de fatos ofensivos à
reputação do outro cônjuge, como violadores do dever do matrimônio, por exemplo a
prática de atos homossexuais.

Não há dúvida em relação à justeza da imunidade quanto aos crimes de


difamação e injúria.

Por que o advogado não goza da imunidade em relação ao crime de calúnia? E por
que também não quanto ao crime de desacato, como decidiu, em liminar, o Supremo
Tribunal Federal?

Caluniar é atribuir, falsamente, a alguém, um fato definido como crime (art. 138,
Aplicação da Lei Penal - 25

CP). Para haver este crime, o caluniador deve saber que o fato que atribui a outro é
falso. É óbvio, portanto, que não se poderia conferir ao advogado o direito de falsear a
verdade. Se, no processo instaurado perante o poder judiciário, se busca a verdade, não
se pode legitimar a conduta do advogado que, para defender o interesse de seu cliente,
usa da falsidade.

Já desacatar é ofender, humilhar, ultrajar o funcionário público, em razão de suas


funções.

No exercício de sua função, o advogado necessita de plena liberdade de


manifestação de seu pensamento e, em algumas situações, diante do delegado
arbitrário, do promotor perseguidor, do juiz autoritário, precisa levantar sua voz com
galhardia, criticando atitudes desses funcionários, mostrando-lhes a arbitrariedade, o
espírito perseguidor, o autoritarismo, por exemplo: “Vossa Excelência, MM. Juiz, está
sendo autoritário, ignorando o direito do acusado. Respeite o réu, Excelência, não o
chame de criminoso!”

Ou, para o Promotor, durante os debates no Tribunal do Júri: “O Sr. Promotor de


Justiça mentiu para os jurados, quando afirmou que o réu estava com a arma na mão.
Vossa Excelência, Dr. Promotor, deve estudar melhor os autos e agir com seriedade na
condução da acusação.”

É evidente que tais expressões trazem forte conteúdo ofensivo ao juiz e ao


promotor. O primeiro foi implicitamente chamado de autoritário, ignorante,
desrespeitador. O segundo, de mentiroso, de não ser sério, de não estudar o processo.

Tais comportamentos do advogado configuram ofensa ao funcionário público, em


razão de suas funções e, como tal, o fato definido como crime de desacato.

É evidente que, sem a imunidade, a atividade do advogado restaria, nessas


hipóteses, cerceada, e não é esse o desejo da Carta Constitucional.

A questão, parece, não é saber se a imunidade abrange o desacato ou restringe-se


à difamação e injúria, e tampouco se não pode ser dirigida ao juiz. O cerne do problema
é saber se a ofensa era necessária, para o desempenho da atividade do advogado, pouco
importando tenha ela sido dirigida a funcionário público ou não.

No mandado de segurança contra ato judicial, a pretensão é deduzida contra juiz


de direito. Como não ofendê-lo, às vezes, se ele é parte no processo? Como não mostrar
o absurdo, ou o abuso da decisão impugnada? O mesmo se diga do magistrado na
exceção de suspeição, quando ele pode estar agindo com interesse pessoal no deslinde da
causa. No processo criminal, o promotor é parte. E no habeas corpus em que o direito
de liberdade do paciente se deduz contra o ato praticado pelo juiz?
26 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Enfim, a ofensa do advogado pode dirigir-se contra qualquer pessoa, inclusive o


juiz e o promotor. O que não pode ser admitido é a ofensa desnecessária, gratuita.

Para que seja necessária, é indispensável que seja proferida na discussão da


causa, em razão dela, em juízo ou fora dele, instaurado ou não o processo judicial ou
administrativo.

A imunidade do advogado é, portanto, do profissional, mas destina-se a proteger


os interesses dos cidadãos na defesa de seus direitos legais e constitucionais.

5.3.4 Presidente da República e governadores de Estado

O Presidente da República não goza da imunidade absoluta, não está imune à lei
penal, mas só poderá ser processado, após licença da Câmara dos Deputados, mediante
o voto de, pelo menos, dois terços de seus membros, em votação aberta, e somente
poderá ser preso depois de sentença condenatória.

Tratando-se de fato definido como crime comum, o Presidente será julgado pelo
Supremo Tribunal Federal e, se definido como crime de responsabilidade, pelo Senado
Federal, devendo ser afastado das funções, por 180 dias, quando da instauração do
processo no Supremo, pelo recebimento da denúncia ou da queixa, ou no Senado
Federal (art. 86, CF).

Além disso, o Presidente da República, na vigência do mandato, não pode ser


responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86, § 4º, CF).

A quase totalidade das Constituições dos Estados da Federação reproduziu os


dispositivos do art. 86, outorgando aos governadores idênticas prerrogativas
processuais, especialmente a imunidade à prisão em flagrante, temporária ou
preventiva (§ 3º) e a imunidade a qualquer processo penal por delitos estranhos à
função governamental (§ 4º).

O Supremo Tribunal Federal, todavia, tem decidido que esses dois dispositivos
das constituições estaduais são inconstitucionais, porque tais prerrogativas são
compatíveis apenas com a condição de Chefe de Estado, exclusivas do Presidente da
República, em face do princípio republicano.

Os governadores dos Estados, portanto, gozam apenas da prerrogativa de


somente serem processados após prévia licença das Assembléias Legislativas, sendo o
Superior Tribunal de Justiça o foro competente para seu julgamento, como manda o
art. 105, I, a, da Constituição Federal.
Aplicação da Lei Penal - 27

5.3.5 Deputados estaduais, distritais e vereadores

Por força do que dispõe o art. 27, § 1º, da Constituição Federal, também os
deputados estaduais e distritais gozam das imunidades parlamentares, absoluta e
relativa. Não cometem os delitos de palavra e só podem ser presos em flagrante de
crime inafiançável, e mantidos na prisão se a Casa legislativa não a relaxar. Quanto ao
processo penal, o tratamento a eles conferido é o mesmo dado ao parlamentar federal
(item 5.3.2).

Já os vereadores gozam apenas da imunidade absoluta, ou material; são invioláveis por


suas opiniões, palavras e votos “no exercício do mandato e na circunscrição do
Município”.

5.3.6 Prefeitos municipais

Os prefeitos municipais não gozam de imunidade, nem material, nem processual;


todavia, serão julgados pelo Tribunal de Justiça dos Estados, consoante determina o
art. 29, VIII, da Constituição Federal. Trata-se de prerrogativa de função que
acompanha o prefeito, pelo crime cometido durante o mandato, mesmo depois de este
estar encerrado. Não se trata, como possa alguém entender, de um privilégio; muito
ao contrário, trata-se de uma medida da mais alta importância no sentido de fazer
prevalecer o princípio da igualdade, tratando os desiguais desigualmente.

É certo o prestígio político do prefeito municipal no âmbito de seu município,


indiscutíveis sua força moral, sua influência sobre os cidadãos, a comunidade e, até
mesmo, o Juiz de Direito, que pode sentir-se pressionado no momento em que tiver de
julgar o atual ou o ex-prefeito.

Tratando-se de julgamento pelo Tribunal do Júri – o júri popular – composto de


cidadãos leigos da sociedade, competentes para julgar, por exemplo, o homicídio
intencional, é de se antever que dificilmente um prefeito seria condenado, dada a força
de seu prestígio junto a seus pares, ou do temor que infunde, igualmente.

Por isso, o dispositivo constitucional é da mais alta importância, uma vez que os
membros do Tribunal estadual, além de infensos às influências políticas, realizarão
julgamento técnico.

5.3.7 Magistrados e Membros do Ministério Público


28 – Direito Penal – Ney Moura Teles

A Lei Complementar n° 35, de 14.3.79, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional


– LOMAN, estabelece, no art. 33, inciso II, que é prerrogativa do magistrado “não ser
preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o
julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará
imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que
esteja vinculado”.

A Lei Complementar n° 75, de 20.5.1993, o Estatuto do Ministério Público da


União, no art. 18, inciso II, alínea d, também assegura aos membros do Ministério
Publico da União a prerrogativa de “ser preso ou detido somente por ordem escrita do
tribunal competente ou em razão de flagrante de crime inafiançável, caso em que a
autoridade fará imediata comunicação àquele tribunal e ao Procurador-Geral da
República, sob pena de responsabilidade”.

A Lei n° 8.625, de 12.2.1993, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público,


estabelece, no art. 40, incisos III e IV, asseguram aos membros do Ministério Público a
prerrogativa de somente ser preso por ordem judicial escrita, salvo em flagrante de
crime inafiançável, devendo a autoridade, em no máximo 24 horas, comunicar a prisão
e apresentá-lo ao Procurador Geral de Justiça. Também tem a prerrogativa de ser
processado e julgado pelo Tribunal de Justiça do seu estado.

Como se demonstrou neste Capítulo, as imunidades, dos senadores, deputados


federais, distritais, vereadores, do presidente da república, governadores, prefeitos
municipais, advogados, todas elas, tem sua matriz na Constituição Federal.

Em relação à prisão processual, a Constituição Federal limitou-se a impedir a sua


execução contra o Presidente da República, enquanto não prolatada a sentença
condenatória, e proibiu a prisão por crime afiançável para os Senadores e Deputados,
Federais, Estaduais e Distritais. Não contemplou Governadores, Prefeitos, Vereadores e
nem advogados com qualquer prerrogativa em relação à prisão.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu por diversas vezes, em Ações


Diretas de Inconstitucionalidade, que “o Estado-membro, ainda que em norma
constante de sua própria Constituição, não dispõe de competência para outorgar ao
Governador a prerrogativa extraordinária da imunidade a prisão em Flagrante, a prisão
preventiva e a prisão temporária, pois a disciplinação dessas modalidades de prisão
cautelar submete-se, com exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por
efeito de expressa reserva constitucional de competência definida pela Carta da
Republica. - A norma constante da Constituição estadual - que impede a prisão do
Governador de Estado antes de sua condenação penal definitiva - não se reveste de
validade jurídica e, conseqüentemente, não pode subsistir em face de sua evidente
Aplicação da Lei Penal - 29

incompatibilidade com o texto da Constituição Federal. (...) Os Estados-membros não


podem reproduzir em suas próprias Constituições o conteúdo normativo dos preceitos
inscritos no art. 86, PAR.3. e 4., da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas
nesses preceitos da Lei Fundamental - por serem unicamente compatíveis com a
condição institucional de Chefe de Estado - são apenas extensíveis ao Presidente da
Republica”. (ADI 1014/BA, relator para o Acórdão, Ministro Celso de Mello, DJ
17.11.1995, pág. 39199).

Vê-se, portanto, que somente a Constituição Federal pode conceder a prerrogativa


relativa a prisão e flagrante, preventiva e prisão temporária.

A Constituição, no art. 95, trata das garantias e prerrogativas dos juízes, e no art.
128, § 5°, I, as garantias dos membros do Ministério Público, e, em nenhum preceito,
há qualquer menção à prisão cautelar. Logo, se a Constituição Federal não conferiu a
eles, qualquer imunidade à prisão, não pode a Lei Complementar ou a Lei Ordinária
fazê-lo, daí porque penso que são inconstitucionais os dispositivos que asseguram aos
juízes e membros do Ministério Público imunidade à prisão em flagrante de crime
afiançável.

5.4 OUTRAS DISPOSIÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI


PENAL

O Código Penal estabelece nos arts. 9º, 10, 11 e 12 outras disposições pertinentes à
aplicação da lei penal, relativas à eficácia da sentença penal estrangeira no Brasil, às
contagens de prazo, frações não computáveis na pena e sobre a chamada legislação
especial, que devem, nesta oportunidade, ser analisadas.

5.4.1 Eficácia da sentença penal estrangeira

Sentença penal, como já se falou, é a decisão final do juiz acerca do fato definido
como crime atribuído a alguém. A sentença prolatada em país estrangeiro pode
produzir efeitos aqui no Brasil.

Em algumas hipóteses, não é necessária nenhuma condição, bastando que seja ela,
por documento autêntico e idôneo, apresentada ao Presidente do Supremo Tribunal
Federal, para ter eficácia em nosso país. Isto ocorre, por exemplo, quando certo agente
de fato definido como crime praticado no estrangeiro que se encontra no território
brasileiro, para evitar a aplicação da lei penal brasileira, apresenta a sentença
estrangeira provando ter sido absolvido ou perdoado no estrangeiro (art. 7º, § 2º, d e e,
30 – Direito Penal – Ney Moura Teles

CP).

Em algumas outras situações, para que a sentença penal estrangeira produza


efeitos no Brasil, deverá ser homologada, pelo juiz brasileiro. Tal exigência diz respeito
a dois efeitos: (a) obrigar o condenado a reparar o dano, a restituições e a outros efeitos
civis; (b) sujeitar o condenado à medida de segurança. Nas duas hipóteses, a sentença
estrangeira deve ser, previamente, homologada, convalidada pelo órgão competente da
justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal.

Para o primeiro caso, a parte interessada deve requerer a homologação, e para o


segundo, é indispensável que exista, entre o Brasil e o país onde foi prolatada a
sentença, tratado de extradição, ou, se inexistente este, é preciso requisição do Ministro
da Justiça.

5.4.2 Contagem de prazo

As penas estabelecidas no Código Penal são fixadas e devem ser aplicadas por
certo lapso temporal: por exemplo: cinco anos, seis meses etc.

O prazo é o espaço do tempo situado entre o início e o final, e a norma do art. 10


do Código Penal estabelece que “o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo”. Se
alguém começar a cumprir uma pena às 20 horas de certo dia, este dia será computado
por inteiro como o primeiro dia do cumprimento da pena.

A segunda parte da norma manda que os dias, meses e anos sejam contados
segundo o calendário comum, o gregoriano. O dia é o período de tempo compreendido
entre a meia-noite e a meia-noite seguinte. O mês é contado de acordo com o número
de dias que cada um tem, 28 ou 29 (fevereiro), 30 (abril, junho, setembro e novembro),
e 31 os demais. O ano terá 365 ou 366 dias.

5.4.3 Frações não computáveis na pena

Manda o art. 11 do Código Penal que as horas, que são as frações de dia, sejam
desprezadas nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direito, e, na de
multa, as frações de cruzeiro, hoje real, os centavos.

Ninguém será condenado, por exemplo, a uma pena de 30 dias e doze horas.

5.4.4 Legislação especial


Aplicação da Lei Penal - 31

Finalmente, o art. 12 manda sejam aplicadas as normas gerais contidas na parte


geral do Código Penal – as normas penais permissivas e explicativas – aos fatos definidos
como crime em outras leis, se estas não dispuserem de modo diferente.

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