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A questão do défice

Ando deveras perplexo com a situação da economia nacional: então não é que escassos
meses depois de um primeiro-ministro nos ter presenteado com a boa-nova de que a
recessão estava ultrapassada, vem outro primeiro-ministro que, de papéis na mão,
proclama que a coisa está muito pior do que se pensava, pelo menos do que pensava
para aí uma meia dúzia de portugueses porque os outros, como eu, aderiram em peso à
prática dos dois pensamentos por semana e pensar no próprio país vem sempre em
terceiro lugar nas nossas prioridades a seguir a: que parvoíce é que vou comprar agora e
a: onde é que vou buscar outro empréstimo para a comprar? De modo que nunca
pensamos nisso e é por não pensarmos nisso que depois ficamos muito admirados ao
saber que somos os mais pobres da Europa, os mais burros em Matemática, os mais
timoratos em capitais de risco, os mais foleiros em jet-set; que os nossos cantores são
menos europeus que os da Estónia, Letónia e Lituânia e que em breve serão inferiores
aos do Kupráquistão…
E tudo isto porquê?
Porque o Estado é demasiado pesado, claro!
E o Estado é demasiado pesado porquê?
Porque a função pública é uma estância de férias vitalícias para calões. Os subalternos,
bem visto, porque os quadros dirigentes, esses, trabalham vinte e cinco ou vinte e seis
horas diárias, escrevendo, simultaneamente, um memorando com cada uma das mãos
enquanto vão ditando uma nota de serviço pelo que precisam, no mínimo, de um
assessor e o Estado é ainda mais obeso porque todos os velhos, só por serem velhos, se
tornaram funcionários do Estado a posteriori e só o que fazem é receber a pensão, jogar
à sueca e dizer mal de quem passa nos largos das nossas vilas e aldeias…Ergo,
emagreça-se o Estado!
E como é que se emagrece o Estado?
Ora bem: tudo tem de começar com a implementação de uma nova perspectiva
administrativa do território nacional, tarefa que, por ser terreno pantanoso onde se têm
afundado na lama imerecida alguns dos nossos melhores espíritos, requer arrojo,
audácia e desprezo pela vida política.
E então é assim: extinguem-se os distritos, concelhos, ccrs, e sonhos húmidos de
regionalização, conservando-se apenas as juntas de freguesia para organizar jogos de
solteiros contra casados e excursões ao Bom Jesus de Braga. O país dividir-se-á em
apenas duas zonas: a Zona do Litoral e Bacias Sinérgicas, estendendo-se de Caminha a
Vila Real de Santo António com penetrações para o interior ao longo das principais
redes hidrográficas e a Zona da Outra Merda Toda, desde a costa até à raia seca com o
Reino de Espanha.
Definido o território, deslocalizar-se-ão as poucas empresas que ainda resistem na Zona
da Outra Merda Toda para a Zona do Litoral e os cidadãos em idade activa,
evidentemente, segui-las-ão.
Um dos resultados mais imediatos e salutares desta medida será a espectacular retoma
do estratégico sector da construção civil, em virtude da urbanização de toda a costa
alentejana, proeza que, até hoje, nenhum dos nossos grandes grupos conseguiu juntar ao
seu palmarés.
Da forte concentração de recursos numa zona restrita resultarão evidentes mais-valias
quer para o sector público como para o privado. Por outro lado, o esvaziamento do
interior, onde só ficarão pensionistas e funcionários públicos, tornará desnecessárias as
auto-estradas colocando-se, assim, um ponto final na desgastante questão das portagens
ao mesmo tempo que se pouparão muitos milhões em despesas de conservação da rede
viária.
Consolidadas estas medidas estruturantes, atacar-se-á decididamente a verdadeira mãe
de todos os défices, isto é, os reformados e os servidores do estado. Como é que isto se
faz? Ora bem. Depois de considerar maduramente as diversas hipóteses, creio que a
mais vantajosa, em termos quer de economia quer de rapidez de processos é a seguinte:
o Estado em dieta organizará, mensalmente, batidas aos idosos e aos funcionários em
toda a zona interior, sendo as presas abatidas dedutíveis no irs dos caçadores. Por
exemplo: um transmontano com oitenta anos e três dentes valerá cinquenta euros
enquanto que um pensionista alentejano, nas mesmas circunstâncias mas com placa de
acrílico, valerá sessenta, ou sessenta e cinco se usar boné puxado para a frente; uma
beirã septuagenária com artroses dará direito a uma redução de trinta euros mas, sendo
diabética, dará azo a uma bonificação suplementar de cinco e meio por cento.
As maiores taxas de abatimento decorrerão, como está bom de se ver, do abate de
funcionários: um chefe de finanças, duzentos e cinquenta euros; um médico ou um
professor no décimo escalão, quinhentos euros; um director-geral, seiscentos euros; um
oficial da GNR ou da PSP trezentos e cinquenta euros, fardado, e duzentos e vinte, à
civil; um presidente de uma concelhia afecta ao partido do governo, setecentos e
cinquenta euros; militando na oposição, dezoito cêntimos.
Sei que isto soa muito desumano mas, a avaliar pelo que oiço dizer aos nossos mais
altos responsáveis, este é o único caminho para a salvação da nossa independência...
Cá por mim, já me dispus: estou pronto a sacrificar-me pela pátria. Peço apenas uma
morte rápida, de preferência quando estiver a dormir no emprego…

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