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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECiAL

TOMO LIV

Direito das Obrigações: Responsabilidade das empresas de transposte. Exercício ilícito na Justiça. Danos à pessoa.
Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição . Liquidação das obrigações.
Cominação.

TÍTULO LVI

OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS, ATOS-FATOS ILÍCITOS E FATOS ILÍCITOS


ABSOLUTOS “STRICTO SENSU”

(continuação)

CAPÍTULO IX

RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES

§ 5.528.Responsabilidade das empresas ferroviárias e de outros transportes. 1. Estradas de ferro e incêndios. 2.


Legislação especial. 3. Outros transportes
§ 5.529.Abalroação marítima e responsabilidade. 1. Dados históricos. 2. Código Comercial. 3. Convenção de
Bruxelas (1910).4.Navios de mar, conceito. 5. Navio de Estado. 6. Abalroamento causado por falta de um. 7.
Abalroamento por culpa dos dois (ou mais de dois) navios. 8. Abalroamento fortuito ou por fôrça maior. 9.
Abalroamento por culpa de terceiros e abalroamentos sucessivos. 10. Abalroamento e reboque. 11. Abalroamento
em direito fluvial
§ 5.530.Transportes especiais modernos. 1. Automóveis. 2 Colisões
§ 5.531.Aeronaves e danos por elas causados. 1. Aeronaves. 2 Fundamento da responsabilidade. 3. Abalroamento
aérea

CAPITULO X

EXERCÍCIO ILÍCITO, EM JUSTIÇA, DE PRETENSÃO A ADIMPLEMENTO DA DIVIDA

§ 5.532.Cobrança de dívida rido vencida ou já paga. 1. Textos da lei. 2. Dívidas e ofensas ao devedor
§ 5.533.Regras jurídicas de direito processual. 1.Espírito de emulação, mero capricho e êrro grosseiro. 2Análise
dos pressupostos
§ 5.534.Penalidades, e não indenizações. 1. Exame da natureza das regras jurídicas do Código Civil, art. 1.530e
1.531. 2. Dívidas não vencidas. 3. Dívidas já pagas. 4. Abuso do direito e ato ilícito. 4. Abstração do elemento
objetivo do dano. 6. Ação e reconvenção. 7. Desistência. 8. Exercício.9.Ressarcimento dos d.anos causados
§ 5.535.Ação do demandado. 1. Alegação de ser aplicável o art. 1.530 ou o art. 1.531 do Código Civil. 2.
Desistência da ação.3.Extensão dos textos legais

CAPÍTULO XI

DANOS À PESSOA

§ 5.536.Injúria, calúnia e outras ofensas. 1. Ofensa à integridade moral e social da pessoa. 2. Injúria e calúnia. 3.
Ofensas ao corpo que atingem a pessoa

(continuação)
§ 5.537.Honra da mulher e ofensa. 1. Ofensa à honra da mulher virgem e menor. 2. Fonte dos princípios. 3.
Violência, ameaça ou sedução. 4. Indenização a título de dote
§ 5.538.Ofensa à liberdade física e de pensamento. 1. Ofensa à liberdade física. 2. Ofensa à liberdade de
pensamento e outros direitos de personalidade. 3. Conceito de dano não--patrimonial e liquidação de dívida. 4.
Vítimas de dano não-patrimonial. 5. Pessoas jurídicas e danos não-patrimoniais. 6. Reparação em natura e
reparação indenizatória.

CAPÍTULO XII

ACIDENTES DO TRABALhO

5.539. Conceito c natureza do acidente do trabalho. 1. Precisões.2.Problemas de técnica legislativa. 3. Natureza


da responsabilidade por acidentes do trabalho. 4. Conceito de acidente do trabalho. 5. Tempo e lugar do acidente.
6. Limitações ao conceito de acidente do trabalho. 7. Acidentes específicos do trabalho. 8. Agravações e elementos
influentes posteriores
5.540. Sujeitos da relação jurídica nos acidentes do trabalho e responsabilidade do empregador. 1. Acidentes do
trabalho e relação jurídica que dêle se irradia. 2. Empregado e empregador. 3. Responsabilidade do empregador. 4.
Dever de registo dos empregados. 5. Beneficiários. 6. Fôrças armadas e acidentes em serviço
§5.541.Assistência médica., farmacêutica e hospitalar. 1. Deveres cautelares e de reparação em natura. 2.
Acidentes de trabalho, perícia e assistência. 3. Escolha de médico para acompanhamento. 4. Recusa do tratamento
por parte do empregado. 5. Dever de entrega de atestados
§5.542.Morte:aptidão , tratamento e indenizações. 1. Morte do acidentado. 2. Inaptidão total e permanente. 3.
Inaptidão parcial e permanente. 4. Inaptidão temporária. 5. Indenização por morte ou por lesão
§5.543.Remuneração e salário. 1. Conceituação. 2. Salário...
§5.544.Comunicação do a&dente do trabalho. 1. Prazo para comunicar. 2. Impossibilidade absoluta. 3. Dever de
registo.4.Caso de morto e comunicação à autoridade policial. 5. Casos de doença. 6. Acidente do trabalho em
viagem
§5.545.Liquidação das dívidas por acidente do trabalho. 1. Acordos sobre liquidação e adimplemento das
dívidas por acidente do trabalho. 2. Acordos obrigatoriamente homologados.3.Autoridade judiciária competente.
4. Liquidação das dívidas e procedimento judicial. 5. Prescrição e preclusão.
§ 5.546.Revisão. 1. Mudanças no tocante aos danos e revisão. 2. Correções monetárias. 3. Cálculo da indenização
§ 5.547.Readaptação profissional e reaproveitamento do empregado acidentado. 1. Conceituação. 2. Modo de
adaptação.3. Estado e escolas. 4. Reaproveitamento5. Revisão adaptação
§ 5.548.Garantia do pagamento das indenizações. 1. Indenização por acidente do trabalho e seguros. 2.
Impenhorabilidade e privilégio. 3. Renúncia a direitos à indenização. 4. Impostos.. 5.Transferência da
responsabilidade
§ 5.549. Sanções e deveres. 1. Liquidação das dívidas de indenização por acidentes do trabalho. 2. Infração pelo
empregador e direito de segurador. 3. Comunicação de infrações. 4. Processo penal. 5. Verbas para seguros. 6.
Fiscalização das entidades seguradoras
5.550.Regras jurídicas de direito intertemporal. 1. Seguros e empresas. 2. Regulamentação e tabelas de seguros,
finalidade

CAPÍTULO XIII

PRETENSÃO E AÇÃO DE INDENIZAÇÃO

§ 5.551.Pretensão e obrigação de indenizar. 1. Danos e irradiação dos fatos ilícitos. 2. Dano e causação. 3.
Pluralidade subjetiva ativa. 4. Pluralidade subjetiva passiva. 5. Comunhão matrimonial de bens e direitos a
indenização. 6. Mora. 7.Garantias do direito à indenização. 8. Seguro
§ 5.552.Transmissão da dívida de indenização. 1. Transmissão da dívida sem transmissão da responsabilidade. 2.
Texto de direito civil. 3. Transmissão de pretensões e ações de restituIção ou de indenIzação. 4. Cessão do direito
à indenização
§ 5.553.Ações e procedimento. 1. Ações cautelares, ação declaratória e ação de ir4denização. 2. Ação penal e ação

(continuação)
civil. 3. Indenização em dinheiro. 4. Legitimação ativa. 5. Ação para reparação dos danos não –patrimoniais . 6.
Prescrição da ação de indenização. 7. “Beneficium competentiae”. 8. Fôro das ações de reparação dos danos
§ 5.554.Ação de publicação da resposta à imprensa. 1. Direito de resposta. 2. Pressupostos da resposta. 3.
Desatendimento pela empresa . 4. Ação de reparação pela resposta a ação de indenização. 5. Legitimação ativa. 6.
Resposta excessiva. 7. Recurso e provimento
§ 5.555.Juízo cível e juízo criminal. v. Preliminares. 2. Dados históricos do Império. 3. Direito vigente
§ 5.556.Prova de ilicitude absoluta. 1. Princípio de alegação e da .prova. 2. Dificuldade e notoriedade da prova. 3.
Fato ilícito absoluto negativo

TÍTULO LVII

DEVER DE EXIBIÇÃO

CAPÍTULO 5

CONCEITO, NATUREZA E EFICÁCIA DO DEVER DE EXIBIÇÃO

§ 5.558. Pressupostos da ação de exibição. 1. Bem exibível. 2. Direito material e direito processual

CAPÍTULO II

OBJETO EXIBÍVEL E LEGITIMAÇÃO DOS INTERESSADOS

§ 5•559. Exibição de bem móvel ou imóvel. 1. Objeto da exibição.2.Legitimação passiva. 3. Alegação e prova;
lugar da exibição. 4. Riscos e gastos
§ 5.560.Exibição e sentença. 3Desatendsmento pelo demandado.2.Sentença
§ 5.561.Exibição de documento. 1. Pretensão à exibição d,e documento. 2. Legitimação ativa. 3. Lugar, riscos e
despesas. 4. Petição . 5. Decisão. 6.Documento em poder de terceiro.
§ 5.562.Exibição de coisa,livro ou documento. 1. Pretensão à exibição e ação cautelar de exibição . 2. Exibição
incidental e exibição preventiva.3. Exibição parcial e exibição total.4. Alegações do réu

TÍTULO LVIíI

LIQUIDAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

CAPÍTULO 1

LIQUIDAÇÃO EM GERAL

§ 5.563. Conceito e natureza da liquidação. 1. Certeza e liquidez.2.Terminologia defeituosa e terminologia exata.


3. “Quaestiones facti” e “qunestiones juris”
§ 5.564.Impossibilidade absoluta e impossibilidade relativa de adimplir. 1. Impossibilidade anterior e
impossibilidade posterior à vinculação. 2. Impossibilidade de adimplir na espécia ajustada.

CAPÍTULO II

DÍVIDAS NEGOCIAIS E DIVIDAS DE ORIGEM LEGAL

§ 5.565. Espécies de prestações. 1. Fixação do valor e liquidação. 2.Prestação não cumprida. 3. Juros de mora e
prestações ilíquidas
§ 5.566. Liquidação amigável. 1. Conceito. 2. Procedimento da ação de liquidação
§ 5.568. Liquidação de sentença. 1. Conceito. 2. Falta de liquidação.3.Execução em caso de iliquidade . 4.
Integração de liquidação no processo executivo. 5. Operação de liquidação.6. Três meios de liquidação

(continuação)
§ 5.569.Liquidação por cálculo do contador. 1. Cálculo e operação liquidatória . Erro de conta. 3. Sentença de
liquidação.
§ 5.570.Liquidação por arbitramento. Pressupostos. 2. Necessidade de provar. 3. Arbitrador. 4. Lucros cessantes.
5. Rever-são do capital. 6. Prestações devidas e tempo. 7. Inalienabilidade do capital. 8. Determinação sentencial
265§ 5.571.Liquidação por artigos. 1. Conceito de liquidação por artigos. 2. Procedimento. 3. Insuficiência de
provas. 4. Integridade da sentença liquidanda. 5. Eficácia de coisa julgada formal e material. 6. Defesas e exceções

CAPITULO III

FATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS E ILIQUIDEZ DA DÍVIDA

§ 5.572.Liquidação das dívidas por fatos ilícitos absolutos. 1. Regras jurídicas insertas no Código Civil. 2.
Conceituação de dano causado por fato ilícito absoluto. 3. Negócio jurídico solutorso
§ 5.573.Espécies de danos. 1. Danos ressarcíveis . 2. Dano atual,. dano futuro e dano eventual. 3. Danos diretos e
danos indiretos. 4. “Compensatio lucri cum damno’
§ 5.574.Representação e determinação do valor do dano. 1. Conceito. 2.Valor e reparação. 3. Ressarcimento por
bem específico. 4.Elementos para determinação do quanto indenizatório 5.Ressarcimento simbólico. 6. Casos
previstos na lei. 7. Casos não previstos na lei sobre quanto do ressarcimento. 8.Lucro cessante. 9. Tempo para
avaliação do dano. 10. Pena privada. 11. Juros compostos. 12. Concorrência desleal.

TÍTULO LIX

COMINAÇÃO EM DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E EM GERAL

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA COMINAÇÃO

§ 5.575.Ações de preceito cominatório contra quem é ou pode ser responsável por fato ilícito. 1. Preliminares. 2.
Dados históricos. 3. Limitação ao principio da angularidade da relação jurídica processual
§ 5.576.Ação cominatória no direito brasileiro. 1. Cominação e direito brasileiro. 2. Cognição incompleta. 3.
Entidades estatais e comínação em caso de alegação de urgência

CAPÍTULO II

ESPÉCIES DE AÇÃO COMINATÓRIA

§ 5.577.Ação cominatória para prestação le fato ou abstenção de ato.


1. Preceitação cominatória. 2. Rito processual de preceito cominatório. 3. Conceito de cominação. 4. Carga de
eficácia sentonesal. 5. Pretensão à cominação e preceitação.
6.Fiador, satisfação da obrigação pelo afiançado e exoneração da fiança. 7. Deserdado e “provocatio ad
probandum”. 8.Reforço e substituição da garantia. 9. Pretensão cominatória e pretensão a que se prestem contas.
10. Reparações em prédio locado. 11. Mau uso da propriedade. 12. Afastamento da inquietação ou caução de dano
infecto. 13. Proprietário, comuneiro. 14. Desapropriação cominada de direitos autorais. 15. Ação cominatória
contra obras. 16. Obrigação de abster-se e de prestar. 17. Pedido e procedimento. 18. Cominatória e pena negocial.
19. Contestação e rito ordinário. 20. Pena cominada a líbito do autor. 21. Mandados cominatórios sem cláusula.
22. Falta de contestação e decisão imediata do fato
§ 5.578.Caução em ação cominatória. 1. Dano eventual e dano iminente. 2. Indenização
5.579.Construções e outras obras. 1. Construção sem licença.2.Princípios de julgamento
§ 5.580.Procedimento cominatório em caso de edição, ou reedição de obra. 1. Legitimados ativos. 2. Construção
conceptual e procedimento
§ 5.581.Ação de prestação de contas. í. Legitimados ativos e passivos. 2. Prestação de contas pedida pelo que as
deve prestar.3.Prestação de contas pedida por aquêle a quem devem ser prestadas. 4. Forma mercantil e falta de tal
pressuposto.5.Saldo das contas e execução. 6. Custas

(continuação)
§ 5.582.Pré-eliminação negocial do exercício do preceito cominatório.1.Princípios. 2. Plano do direito material
5.583.Considerações finais. 1. Eficácia sentencial na ação de preceito cominatório. 2. Procedimento cominatório e
procedimento executivo, distinção

Título LVI

OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS, ATOS-FATOS ILÍCITOS E FATOS ILÍCITOS


ABSOLUTOS “STRICTO SENSU”

RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES

§ 5.528. Responsabilidade das empresas ferroviárias e de outros transportes

1.ESTRADAS DE FERRO E INCÉNIJIOS. Embora tenha sido permitido às estradas de ferro uso da lenha como
combustível, as empresas são obrigadas a colocar nas chaminés das locomotivas os aparelhos que evitem o
lançamento de fagulhas sobre os terrenos marginais da linha férrea, sobre os trens rebocados, ou sobre os
passageiros. O Supremo Tribunal Federal, a 20 de agôsto de 1924, disse que, quando o incêndio é produzido por
fagulhas expelidas pelas locomotivas de estrada de ferro, há obrigação de indenizar o dano causado, pois não cabe
a alegação de caso fortuito ou de fôrça maior, proveniente de ventos fortes e patinação do trem. O primeiro
motivo, existência de ventos fortes, é fenômeno atmosférico natural, e previsível, principalmente em certas épocas
do ano. Quanto à patinação do trem, de ordinário é atribuível a defeituosa composição do trem, pela qual são
responsáveis as empresas e, perante elas, responsáveis os empregados, que deveriam saber qual a força da
locomotiva.

2.LEGISLAÇIO ESPECIAL. A Lei ii. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, regulou e regula a responsabilidade civil
das empresas de estrada de ferro.
Lê-se na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 26: “As estradas de ferro responderão por todos os danos
que a ‘exploração das suas linhas causar aos proprietários marginais. Cessará, porém a responsabilidade se o fato
danoso fôr conseqüência direta da infração, por parte do proprietário, de alguma disposição legal ou regulamentar
relativa a edificações, plantações , escavações, depósito de materiais ou guarda de gado à beira das estradas de
ferro ,Está em vigor êsse art. 26? Houve quem o negasse, ou por considerar revogada tôda a lei, ou derrogada
quanto ao ~rt. 26, por se tratar de direito civil, e não comercial (contrato de transporte). Regeria o Código Civil,
art. 1.528, segundo a interpretação, literal, que recusamos. Na maioria de seus artigos, a Lei n. 2.681 é de caráter
misto; regula a culpa contratual das estradas de ferro e, por analogia, segundo a jurisprudência, das demais
Companhias de transportes, com o caráter de serviço público. Certo, o dano aos proprietários marginais é de
direito civil, e não comercial, contratual e não contratual Mas, evidentemente, trata-se de relações especiais,
cria da natureza do serviço de comiçâo do público. Os danos causados a terceiro não passageiros, não
proprietários marginais regem-se pelo Código Civil; porque o art. 26 da Lei n. 2.631 não cogitou de outras
pessoaS. Somente se referiu a passageiros e a proprietários marginais. Mas temos de interpretá-lo.
Lê-se no acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 80 de janeiro de 1924: “O art. 17 da Lei ii. 2.681 dispõe que as
estradas de ferro responderão pelos desastres, que, nas ruas, sucederem aos viajantes e de que resulte morte,
ferimento ou lesão corpórea, sendo a culpa sempre pretendida, salvo prova de caso fortuito ou fôrça maior, ou de
culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada. Se é certo que, no caso houve culpa do filho da autora, que
viajava no estribo arriado do bonde, estando suspenso o travessão, verificou-se também a culpa da ré, que não
pode, segundo cláusula contratual, permitir os seus veículos com o travessão nas passagens perigo888, como é o
lado da entrelinha. Ora, já se observou que o travessão estava suspenso. Logo houve culpa da ré que se tornou
responsável, conforme também disp5e o art. 1.528 do Código Civil”.

No art. 26, alínea la , da Lei n. 2.Ctl, de 7 de dezembro de 1912, diz-se que as estradas de fervo respondem por
todos 08 danos que a exploração das suas linhas cause aos proprietários marginais. Na alinea 2a , acrescenta-se
que não há cal responsabilidade (lá se diz: “Cessará, porém, a responsabilidade ) “se o fato danoso fôr
conseqüência direta da infração, por parte do proprietário, de alguma disposição lega! ou regulamentar relativa a

(continuação)
edificação, plantações, escavações, depósito de materiais ou guarda de gado à beira das estradas de ferro”.
No acórdão do Supremo Tribuna] Federal, de 11 (le novembro de 1921, confirmado em embargos, a 4 de janeiro
de 1922, foi julgado que a interpretação do Código Civil havia de ser no sentido de bastar a infringência de dever,
que, no caso. era a falta de faróis para evitar desastre.
Se um automóvel vai a grande velocidade e outro, para evitar a colisão, vira a direita e apanha alguém que andava
pela rua sem imprudência, tem-se de verificar se a velocidade era proibida e se o era a manobra do outro carro. Se
a velocidade não era proibida e o era a manobra, responsável é o motorista que deu a volta (cf. P. LALLEMENT,
L’État de neeessité en matiêre civile, 180). Se ambos infringiram, são co-autores, salvo se a manobra era a única
solução possível para se evitar a colisão. Se nenhum infringiu a lei, o automóvel que causou o dano só se pode
defender com a alegação de estado de necessidade; portanto, se somente não podia não colidir com o movimento
que fêz e, no caso, poderia fazê-lo sem a conseqüência que teve.
Se alguém joga bomba em urna barraca da fÉira e o dono apanha e lança adiante, dando ensejo a que faça o
mesmo o dono da segunda barraca, e assim por diante, até que eia explode noutra barraca ou explode e fere
alguem (cp. na inglaterra, em 1770, o caso Scott ve,wis Sepherd, 2 Wm., I3lack-Stone, 892), responsável foi quem
lançou a bomba. Admita-se, porém, que houve estado de necessidade, sucessivamente, para os outros, e pode ser
responsável o último, com os outros, Solidariamente com a ação regressiva até o que iniciou o perigo (Código
Civil, arts. 160, II, e 1.520).
O que mais importa é que não se cause dano, ou não se concorra para isso. Tem o motorista ou qualquer pessoa
que guie carro, ou animal, de abster-se de qualquer ato que possa ser danoso, haja ou não regra Jurídica proIbitiva.
Nem tudo que se devia proibir está previsto em lei, regulamento ou postura. Aliás, julgados inglêses, por vêzes
sublinham êsse ponto (cf. A. LÉGAL, De ia Négligence et de i’fmprudence comme source de respon.sabtUté
civile, 91). Nos dias de corridas de automóveis quem foi atingido em rua fechada ou estrada fechada, conforme a
deliberação das autoridades publicas, suficientemente conhecidas, não tem direito a indenização (cf.
P.MARTE~AU, De ia Notion dc la Causaíité dans la Responsa’bilité civile, 19).
Se o dono do automóvel empresta a amigo, ou parente, ou pessoa desconhecida, a titulo gratuito, discutiu-Se se é
responsável o dono, ou possuidor registado, ou se são as duas pessoas, ou só o trafegante autor do acidente. Frise-
se o pressuposto: transporte por pessoa que de modo nenhum remunera e sem propósito de lucro por parte da
pessoa que recebe o automóvel.
O’ dono ou possuidor do automóvel não transporta. Não há contrato inominado entre êle e o trafegante (nao ha
algo de parecido com o mandato, nem contrato de beneficência, como pretendeu o Tribunal Civil de Avignon, a 22
de outubro de 1926). A responsabilidade da pessoa beneficiada é pelo ato ilicito absoluto, perante o emprestador a
titulo gratuito; e perante o terceiro, se houve vítima.
Surge a questão de se saber se o terceiro pode ir contra o dono ou possuidor do automóvel, e a resposta há de ser
afirmativa, porque há a responsabilidade transubjetiva. O dono ou possuidor tem ação regressiva contra o
trafegante que causou dano. O lesado, êsse, pode ir contra o lesante, diretamente, se houve culpa, inclusive por lhe
ter esquecido a verificação do carro. O juiz, na açin regressiva, pode atender a dosagem da reparação, conforme a
culpa (LOU!S JOSSERAND, Le 7’rantport bénivole et la Responsabitité des accidrnts d’ai’trrnvobile, 14 sj.
3.OUTROS TRANSPORTES. . No direito brasileiro há o princípio, contido no art. 17 do Decreto n. 2.681, de 7 de
dezembro de 1912, segundo o qual as estradas de ferro respondem pelos desastres que nas suas linhas sucederem
aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corporal, admitindo-se, em contrário, a prova de caso
fortuito ou força maior, ou da culpa do viajante não concorrendo culpa da estrada. O Supremo Tribunal Federal,
em acórdão de 18 de outubro de 1921, aplicou êsse princípio em questão de indenização por acidente ocorrido
com um bonde, de que resultou a morte de um viajante. Assim, equiparou o serviço de transporte de passageiros
em linhas de bonde ao de estradas de ferro. A culpa é contratual, diz-se; poderia haver a apreciação como
extracontratual e não seria diferente a boa solução. A Lei n. 2.681 rege todos os transportes por via férrea e, por
analogia, todos os transportes de empresas de serviços ao público. A interpretação clássica diz: pela mesma razão
da lei. Preferimos escrever: por ter sido a indução do legislador na apreciação de relações, que são as mesmas nos
outros transportes. Dir-se-á que, uma vez admitida a presunção de culpa no art. 1.521, como anteriormente se pôs
por princípio, não tem utilidade a distinção entre casos sujeitos à Lei n. 2.681 e casos sujeitos ao Código Civil.
Mas não é procedente: a Lei n. 2.681, na parte eliminativa do pressuposto da culpa, não coincide com o Código
Civil, arts. 159, 160 e 1.521-1.523.
A decisão da Côrte de Cassação da França, a 16 de junho de 1896, que considerou responsável o dono de
rebocador, que explodira e matara o mecânico, sem que se precisasse provar ter havido culpa, foi memorável. Com
ela estendeu-se às outras coisas a regra jurídica sobre os danos causados pelas coisas que caem ou são lançadas de
alguma casa. Ao mesmo tempo abriu as portas para a solução dos problemas concernentes aos acidentes do

(continuação)
trabalho.
A Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 9 de novembro de 1914 (D. de D., 37, 470), aplicou os arts. 17 e 18 da
Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912 (responsabilidade civil das estradas de ferro) às colisões entre automóveis.
A responsabilidade pelos danos causados pelos meios de transporte, quer às pessoas transportadas, quer a
terceiros, transeuntes ou visitantes, não é responsabilidade pelo fato de coisas. O transporte supõe ato humano que
fêz avançar ou parar o veículo, ou dirigiu o cavalo que puxa o carro. Se o cavalo foi posto no carro por terceira
pessoa, que o deixou na rua, e o cavalo corre e atropela ou mata alguém, há responsabilidade do terceiro, ou do
terceiro e de quem tinha consigo o cavalo, para uso, e foi imprudente ou negligente em não o guardar como
deveria guardá-lo.
Se há o elemento humano necessário ao transporte não e de fato de coisa inanimada, nem de animal, que se há de
cogitar. Não são a mesma responsabilidade de quem não prendeu a janela como devia e essa caiu e causou danos,
ou, a fortiari, de quem é dono da estátua, posta à porta da entrada, e ela tombou com a ventania, e a
responsabilidade do motorista do ônibus, ou do táxi, ou do trem. Qualquer elemento estranho (eletricidade, motor
de canão, fôrça animal) que o homem Liga à coisa, revela a antecedência de ato humano que põe contra a classe a
figura do ilícito. Por outro lado, tem-se de distinguir do dano que sofre o passageiro, ou algum bem do passageiro,
ou remetente, o dano que atinge terceiro ou bem de terceiro. Mais ainda: ambos têm de ser distinguidos dos danos
de que são vítimas empregados do transportador, durante o transporte, ou antes ou após o transporte (acidentes do
trabalho).
A colisão de veículos. não se pode reduzir a colisão de coisas, porque ou houve uma pessoa, que estava guiando.
ou duas guiavam, ou houve outra causa, estranha à atividade humana, que produziu o choque dos veículos, sem
que fôsse fator relevante a atividade de qualquer deles. Tem-se de buscar a origem do encontro, destrutivo,
deteriorante ou contundente, entre os dois veículos.
Quanto aos danos sofridos, durante a viagem, ou simples transporte, pela pessoa que viaja ou se transporta, há: a)
a opinião radical, que afirma existir dever geral e anterior a qualquer negócio jurídico, de modo que o transporte
apenas dá ocasião ao dano regocial <e. ti.. CARTJO V’RANCESCO GAnBA, N’nove Questione di finito eivifr.
II. 127) h’> a opinião que parte da vinculacão negocial. de modo cine o transportador assume dever geral de
transportar quanto à ressoa e aos seus bens. o viajante 011 simnies trnnsnodado (EMI 120 VALSECCHI, Le
Respoiisabilità dei vettore ul l)Crsofle secondo 11 nuovo codice, Rivi.sta di Diritto Privato, 1943, 1, 69)
c)a opinião que faz negociais tôdas as responsabilidades que se refiram a danos causados, durante a viagem, à
pessoa do transportado, se o transportador não prova ter tomado todas as medidas idôneas para evitar o dano (cp.
Código Civil Italiano, art. 1.681).
O contrato de transporte compreende responsabilidade negocial por danos, mas há danos que se têm de considerar
corno geradores de responsabilidade extranegocial (cf. Tomo
XLV, §§ 4.863; 4.864, 2; 4.865; 4.867; 4.868, 2; 4.870; 4.871, 4.872-4.886; 4.887, 2; 4.888, 5). Não há assunção
de risco por parte do transportador, pôsto que se possa falar de responsabilidade pelo risco objetivamente evitável.
As regras jurídicas especiais sobre responsabilidade exti-negocial dos transportadores têm de ser invocadas, e não
a regra geral de responsabilidade extranegocial por dano culposo (Código Civil, arts. 159 e 1.518; cf.
FRANCESCO CIGOLINI, La Responsabilitâ deila circolazione stradaie, 809>. Tem-se de entender que o seguro
pelos danos a terceiro vai até os danos causados a pessoas transportadas Por simples cortesia.
As regras jurídicas sobre automóveis são invocáveis a propósito de quaisquer veículos com tração mecânica,
porque está em causa a probabilidade dos acidentes (cf. FEDERICO PEZZELLA, La Resp.onsabiiitâ dei
proprietario di veicolo negli injortuni dela strada e deitaria, 2 s.). Acentuável é que se estendam as regras
jurídicas a todos os veículos, mesmo se a tração não é mecânica.
A prova liberatória incumbe, em princípio, ao autor do dano porque lhe há de presumir a culpa, uma vez que a
causação existe, mesmo se consistiu em não prever a imprudência do transeunte. Não basta a exata observância
das regras cIo circulação e dos avisos ou sinais.
Uma das provas liberatórias é a de ter sido o veículo guiado por outrem contra a sua vontade (não basta ter sido
sem a sua vontade, cf. ADRIANO DE Curís, Fatti jilicito, Commentario dei Codice Civile a cura de ANTONIO
SCLXLOJA e GnTSEPPE BRANCA, 341). Todavia, não pudemos ficar no plano da simples indagação de ter
havido vontade do transportador contra a vontade do terceiro, que passou a guiar o veículo, ou não ter havido
vontade de que êsse se intrometesse. A empresa tem o dever de guardar, com o devido cuidado, os seus carros.
Não pode deixá-los nas ruas, sem vigia, ou sem as medidas necessárias a mantê-los sem andamento. Nem pode
po-los em garagem aberta, sem porteiro, ou com mau porteiro, ou sem suficiente proteção.
Se o vicio ou defeito do veículo deu causa ao acidente, são responsáveis quem o construiu ou o consertou e quem
é o proprietário, ou usufrutuário, ou locatário.

(continuação)
Com a intensidade do trânsito nas ruas e nas estradas, mais freqüentes são as colisões de veículos do que as de
navios e aeronaves. Tem-se de verificar a importância pecuniária do dano que cada um dos veículos produziu. Até
prova em contrário, presume-se que o valor dos danos foram iguais.
O transportado assume os riscos ordinários da viagem, como o enjôo no mar e a falta de respiração na aeronave
que êle sabe sem compensação. Não os riscos do que é sinistro, como a derrapagem do automóvel, a falta de
decolamento do avião ou a batida no muro, ou na árvore.
Quem toma a posse ou a tença do veículo de outrem, conhecendo-lhe a qualidade e o estado, por sua própria
conta, e não esporadicamente , assume os riscos. lidem, se passa, por conta própria, a exercer atividade perigosa.
Se a pessoa lesada exerce a posse ou a tença por serviço ao dono do veículo, ou do animal, ou há acidente do
trabalho, ou a culpa foi do lesado, ou de terceiro.
É inafastável a presunção de culpa em se tratando de animal, de automóvel ou de aeronave, salvo se há lex
spedalis mais rigorosa. De qualquer modo, se permite a prova liberatória, o critério para se afastar a presunção há
de ser objetivo, e não a simples prova de faltar a culpa, a despeito das expressões, por exemplo, do art. 1.527, 1,
do Código Civil A jurisprudência suíça tem sido clara e enérgica (cf. EMIL HEUBERGER, Der Tier-, Autornobíl-
and Flugzeughalter zm schweizerischefl Haftpfiichtrecht, 17; KARL OPTINGER, Schweizerisches
Haftpftichtrecht, 1, 19 sj.

§ 5.529. Abalroação marítima e responsabilidade

1. DADos HISTORICOS . A colisão entre navios de mar é acidente de que em todas as partes do mundo e em
todos os tempos há exemplos freqúentes. Há texto da Antigúidade, textos da Idade Média e textos
contemporâneos. Mas a relevância jurídica do assunto cresceu no século XIX e no século XX, com o
desenvolvimento da técnica naval. A máquina substitui as velas. Antes, as abalroações eram mais nos portos do
que no alto mar (cf. R. VALIN, Nouveau Comnentaire sur l’Ordennance de la Mer, 177). As pancadas causavam
danos, porém não tanto como hoje. Mesmo as imersões não eram definitivas, porque nos portos se podia trazer à
tona o navio afundado. Hoje, os navios não são mais de madeira e velame, salvo para esporte e pescaria.
A abalroação teve a sua regra jurídica escrita na L. 29, ad legem Aquiliam, 9, 2. Lá está o pressuposto da culpa e a
exculpação pela fôrça maior. Na Idade Média, tal foi o direito que subsistiu como costume do mar Mediterrâneo.
No Atlântico e nos mares do Norte, exsurgiram as regras ditas “Rôles de Oléron”, do Consulado do Mar, do
Costume de Hamburgo. Aquelas primeiras repartiam, simpflsticamente, por metade, as reparações, em caso de
inculpabilidade (havia o juramento).
O consulado do Mar nada estatuiu a respeito. O direito hamburguês continuou com a prática da metade do valor da
reparação, se não houve culpa.
A análise das atitudes que se tomavam diante dos danos que não resultavam de culpa, pelo menos de culpa
provada ou de fácil prova, mostra que a técnica legislativa estava diante de grave problema. Ou a) se deixava
irreparado o dano sofrido, ou 14 se repartiam por metade, ou o) se atendia ao valor de cada navio. A solução 14
essa, beneficiava os pequenos navios.

2. CÓDIGO COMERCIAL. No art. 749 do Código Comercial faz-se responsável pela reparação ao navio
abalroado quem por culpa causou o dano. Se não se pode apurar a culpa, cada um sofre o dano que recebeu (art.
750). Sobre os inquéritos, cf. Lei n. 2.180, de 5 de fevereiro de 1954, arte. 38-52. No art. 752, estatui-se: “TOdas
as perdas resultantes de abalroação pai- tentem à classe das avarias particulares ou simples; excetua-se o único
caso em que o navio, para evitar dano maior de urna abalroação iminente, pica as suas amarras, e abalroa outro
para sua própria salvação (art. 764). Os danos que o navio ou a carga sofre são repartidos pelo navio, frete e carga
por avaria grossa”.
Durante o século XIX as medidas para se evitar abalroamento foram objeto de cuidadosas regras jurídicas e de
instruções. O Acordo franco-inglês de 1848 a propósito das luzes foi o primeiro, que saibamos. Seguiu-se-lhe o de
1874. O Congresso retinido em Washington, em 1889, elaborou completo regulamento das regras de rota, sobre
fogos, sinais de cerração e sinais de velocidade.

3.CONVENÇÃO DE BRUXELAS (1910). Sobreveio a Convenção de Bruxelas, de 23 de setembro de 1910, que


o Brasil ratificou a 12 de outubro de 1913 (Decreto n. 10.773, de 18 de fevereiro de 1914). No art. 1, abstrai-se da

(continuação)
diferença entre as águas (“sans qu’il ait à tenir compte des eaux ou l’abordage s’est produit”). O art. 2 coincide,
em princípio, com o Código Comercial, art. 750 (cp. art. 752). No art. 3 está o principio da culpa. No art. 4, diz-
se: “S’il y a faute commune, la responsabilité de chacun des navires est proportionnelle àla gravité des fautes
respectivement commises; toutefois si, d’aprês les circonstances, la proportion ne peut pas être établie ou si les
fautes apparaissent comme équivalentes, la responsabilité est partagée par parts égales. Les dommages causés soit
aux navires, soit à leurs cargaisons, soit aux effets ou autres biens de équipages, des passagers, ou d’autres
personnes se trouvant à bord, sont supportés par les navires en faute, dans la dite proportion, sans solidarité à
l’égard des tiers. Les na-vires en faute sont tenus solidairement à l’égard des tiers pour les dommages causês par
mort ou blessure, sauf recours de celul qui a payé une part supérieure à celie qui, conformement à l’alinéa ter du
present article. il doit définitivement supor-ter. II appartient aux législations nationales de déterniiner, en ce qui
concerne ce recours. la portée et les effets des dispositions contractuelles et légales cmi limitent la responsabilité
des propriétares de navires ~ l’égard des personnes se trouvant àbord”. Não importa se o pilôto, causador do
acidente, é obrigatório, ou não (art. 5). No art. 6, lY alínea, frisa-se que a ação para reparação de danos oriundos
de abalroamento não depeiide de protesto, nem de qualquer outra formalidade. No ~n. 6, 2•a alínea, diz-se que não
há presunção de culpa quanto à responsabilicade por abalroamento. No art. 11, estabelece-se que a Convenção não
tem aplicação aos navios de guerra e aos navios de Estado, exclusivamente destinados ao serviço público.
As regras jurídicas da Convenção de Bruxelas atingem o Código Comercia] em qualquer ponto em que haja
divergência. São assaz importantes os dizeres da Convenção de Bruxelas, art. 1: “En cas d’abordage survenu entre
navires de mer et bateaux de navigation intérieure, les indemnités dues à raison des dommages causés aux navires,
aux choses ou personfles se trouvant à bord, sont réglées conformément aux dispositiones suivantes, sans qu’i] y à
tenir compte des eaux eu l’abordage s’est produit”. Se o choque é entre navio de mar e com guindaste, ou rêde de
pescar, ou qualquer outro bem que se nao possa desclassificar como navio de mar, a Convenção de Bruxelas não
incide. Incide, sim, o Código Civil, art. 159 (artigo 1.518), ou o art. 1.528 ou o ad. 1.129, conforme a interpretação
que demos. A jurisprudência de muitos Estados signatários é explícita a respeito. Não é equiparável, nem, a
fortiori, identificável com o navio de mar o pontão para sons (Tribunal de Comércio de Brest, 29 de abril de 1949;
Côrte de Rennes, 29 de junho de 1953). Idem, quanto o dack flutuante (Côrte de Rouen, 10 de junho de 1954).

4.NAvIo DE MAR, OONCEITo. Navio de mar é o barco flutuante , destinado à navegação marítima e com os
elementos necessários para isso, O submarino é navio de mar, pôsto nue possa flutuar ou avançar nas profundezas
do mar: a) O navio que naufragou deixou de ser navio de mar, salvo se o seu proprietário continua a ter a imersão
como temporária e cuida de fazê-lo ir à tona, para as reparações (Alta Côrte de Justiça da Inglaterra, 20 de julho de
1925). Trata-se de quaeMio facti (Côrte de Rennes, 5 de março de 1948). O abandono da nau submersa tira-lhe a
classificação como navio de mar.
b) O navio que não é apto para navegação no mar, ou que já não no é, não é navio de mar. Mas, se foi lançado e
causou danos, há de ser responsável a empresa pelo que resultou da abordagem. Os barcos a remo, na Inglaterra,
não são navios de mar. pOsto que possam ir até longe no mar (cf. Merchant Shipping Act, art. 742). Não se
submete à legislação especial inglêsa sobre abalroamento a canoa a remo (Alta COrte Inglêsa, 17 de março de
1939>; porém, no sistema jurídico brasileiro, se o barco é de serviço no mar, mesmo se esportivo e sem
qualidades para ir muito longe, é navio de mar (cf. Tribunal de Roterdãm, 14 de março de 1939). o) O navio tem
de satisfazer exigências que permitam considerar-se navio (hélice, vela, remo). Assim, os botes do clube que
navegam no mar são navios de mar. Qualquer aparelho que, com propulsão, pode navegar no mar, é navio de mar.
A draga que sai para o mar, habitualmente, com propulsão própria, com a equipagem, é navio. Se a abalroação se
dá no mar , no rio, não importa.
A colisão pode ser entre navio de mar e navio fluvial. O que não se rege pela Convenção de Bruxelas é o
abalroamento entre dois barcos ou navios fluviais. É de grande relêvo a proposição, porque abordagens são
freqUentes em rios abertos à navegação marítima, nos grandes lagos e em portos internos. Nas águas fluviais, os
barcos fluviais não ficam adstritos ao regulamento internacional para evitamento de abalroações; salvo se entram
em águas a que se refere o art. 1 da Convenção de Bruxelas. Têm de observar o que lhes exige a legislação
concernente aos rios e ao rio.
As águas a que alude a Convenção de Bruxelas são as águas do mar e as águas fluviais ou outras quaisquer
acessíveis aos navios de mar (ancoradouro, baía, pOrto, estuário, lagos, lagoas e tanque acessíveis a navios de
mar).

5.NAVIO DE EsTADO. A Convenção de Bruxelas pré-exclui a sua incidência no tocante a navios de mar do

(continuação)
Estado, se de guerra, ou se exclusivamente destinados ao serviço público (stricto sensu, e não serviço público e
serviço ao público). Diz-se o mesmo na Convenção de Bruxelas, de 23 de setembro de 1910, sObre assistência e
salvamento marítimos, ratificada pelo Brasil a 23 de outubro de 1913 (Decreto n. 10.773, de 18 de fevereiro de
1914). Na regra jurídica exceptiva ressalta a reminiscência dos tempos em que os Estados que tinham navios de
guerra se julgavam donos dos
mares. Ora, nada justifica que não se respeite o principio de isonomia se a responsabilidade, de que se trata, é pelo
fato ilícito absoluto. Compreender-se-ia que as regras jurídicas de executividade e de processo executivo contra o
Estado fOssem especiais, não as regras jurídicas sobre responsabilidade por ato ilícito absoluto, ato-fato ilícito
absoluto ou fato ilícito stricto sensu absoluto. No Regulamento para evitar os abalroamentos de mar (Reglement
pour prevenir les Abordages de mer), não há limitação (cf. Conferência de Londres, em 1948).
O Brasil ratificou-o. Sobreveio a Convenção Internacional de Bruxelas para unificação de certas regras
concernentes às Imunidades dos navios de Estado, a 10 de abril de 1926, que o Brasil ratificou, a 23 de dezembro
de 1930. No ad. 1, diz-se que as embarcações marítimas pertencentes aos Estados, ou por êles exploradas, as
cargas a êles pertencentes, as cargas e passageiros transportados pelos navios de Estado, bem como os Estados que
são proprietários dêsses navios ou os exploram ou as proprietárias de tais cargas, se submetem, quanto às
reclamações relativas à exploração dêsses navios ou ao transporte das cargas, às mesmas regras de
responsabilidade e às mesmas obrigações que se aplicam aos navios, cargas e equipamentos particulares. No ad. 2,
estenderam-se a êles as regras jurídicas de competência, sObre as ações e o processo relativos a navios mercantes
pertencentes a particulares e às cargas particulares e seus proprietários. (Entenda-se, porém, que se hão de
observar as regras jurídicas da Constituição do Brasil, se do Brasil o navio.) No ad. 3, põem-se fora das
incidências das regras jurídicas referidas os navios de guerra, os iates do Estado, os navios de vigilância, os navios
hospitais, os navios auxiliares, os de abastecimento e outras embarcações pertencentes ao Estado, ou por êle
exploradas e empregados exclusivamente, no momento do ilícito, em serviço governamental e não comercial. Não
são sujeitos a seqUestro, arresto ou detenção por medida judicial, ou qualquer processo judicial in rem. Os
interessados tem direito de reclamar aos tribunais competentes do Estado, dono do navio ou quem o explore, sem
que o Estado se possa prevalecer de imunidade, se a ação é por abalroamento ou outro acidente de navegação, ou
por motivo de assistência , salvamento ou avarias comuns, ou ação de reparação, fornecimento ou contrato
referente ao navio. Tais regras jurídicas se aplicam às cargas pertencentes ao Estado e transportadas a bordo dos
mencionados navios. Também se diz que as cargas pertencentes a um Estado e transportadas em navios mercantes,
com fim governamental, e não comercial, não podem ser seqUestradas, arrestadas ou detidas, qualquer que seja a
medida judicial, nem por processo judicial im rem. No artigo 5, estatui-se que, em caso de dúvida sobre a natureza
governamental, e não comercial, do navio ou da sua carga, o atestado assinado pelo representante diplomático do
Estado a que pertença o navio ou a carga é meio de prova, mas só para o fim de se levantar o seqUestro, o arresto
ou a detenção.
O Protocolo adicional à Convenção Internacional para Unificação das regras relativas às imunidades dos navios de
Estado (Bruxelas, 24 de maio de 1934), que o Brasil ratificou a 3 de março de 1936 (Decreto n. 1.126, de 29 de
setembro de 1936), a propósito da expressão “explorados por êle” (“exploités par lui”), explicitou que os navios
fretados pelos Estados, quer a prazo, quer por viagem, desde que se destinem exclusivamente a serviço
governamental, e não comercial, bem como as cargas que êsses navios transportem, não podem ser objeto de
seqUestro, arresto ou detenção, mas essa imunidade não prejudica, de modo nenhum, outros direitos ou recursos
que caibam aos interessados. O art. 5 ressalva a aplicação das regras jurídicas nacionais de processo nas questões
em que o Estado seja parte.

13.ABALROAMENTO CAUSADO POR FALTA DE UM. E princípio assente que os danos causados por navio
que abalroou têm de ser ressarcidos pelo culpado. O art. 3 da Convenção de Bruxelas apenas reproduziu o que se
fixou em tôdas as legislações marítimas anteriores. Somente se hão de apontar, na doutrina, quais são os
pressupostos da culpa no direito concernente à abordagem e quais as diversas culpas possíveis. No direito
brasileiro, não se há de descer a minúcias, porque qualquer culpa é suficiente, O navio é coisa inanimada, mas
coisa inanimada que está sob a direção e a vigilância de alguém. A vitima doe danos somente tem de alegar
e provar que houve a causalidade, e que houve negligência, ou êrro, ou dolo (qualquer culpa), se não basta a
causação. O ato culposo é positivo, ou negativo. Cumpre não se confundir ou identificar com a taipa do úapitõ4o a
etapa da empresa , porque pode o capitão não ter tido culpa e tudo ter resultado de êrro quanto à distância ou a
velocidade, razão ser que mais importa a causalidade. A fôrça maior tem de ser alegada e provada pelo que causou
o dano; idem, quanto à culpa comum, caso em que cada um tem de reparar o dano ou os danos que sofreu.
A culpa pode resultar provada Por ter havido violação de regulamento, ou de má direção do navio. A atividade na

(continuação)
navegação marítima enseja muitos casos de culpa, a partir das violações de regimento, na direção do navio, fora
do que foi regulamentado. O Regulamento de 1954 cogitou dos fogos ou luzes e das côres, “du coucher ou lever
de soleil”. A diferenciação de côres é de grande minúcia. Os balões ou marcas são os sinais de dia. Os fogos
brancos muito baixos dos submarinos podem levar os outros navios a erros, por se poder pensar que se têm
defronte pequenos navios (Estados Unidos da América, Alta Côrte do Almirantado, 8 de outubro de 1951). O que
importa é que exista a relação de causalidade entre a infração do regulamento e o dano. Se, sem o ato culpeso, não
se teria o acidente, culpa houve e há responsabilidade.
O capitão e os outros membros da equipagem têm de atender a que o radar é aparelho, como os demais, e pode
falhar ou ser mal utilizado, na interpretação dos ecos e no plotting. O número dos abalroamentos diminuiu, com a
introdução dos radares; mas tem-se dito que, com êles, aumentou a gravidade das colisões. Uma das razões está
em que o navio que toma conhecimento, com o radar, de que há outro navio, não sabe se o outro o está vendo. O
capitão que tem navio com radar não se exime da responsabilidade pelo abalroamento. Tem de obedecer,
rigorosamente, às regras de navegação. Um dos problemas consiste no fato de um navio, sem radar, que vai entrar
na baía, ou no rio, ser guiado por um reboque ou fluvio-pilôto que tem radar, e há o abalroamento. Perante o dono
do navio danificado pelo que ia rebocado ou pilotado por outro, responde o dono ou explorador do navio que
abalroou, pois que, ex hypothesi, não houve causação direta do dano pelo reboque ou navio-pilôto. O dono ou
explorador do navio abalroante tem ação regressiva contra a empresa ou o Estado que se incumbiu do serviço de
rebocagem. O capitão do navio indenizante não se poderia eximir pelo fato de alegar e provar que estava sendo
rebocado. Tinha, a despeito disso, de observar as instruções, e até mesmo verificar se o reboque ou navio-pilôto só
se servia do radar e se estava pendente o suficiente trabalho.
Se dois navios tinham radar e houve a abordagem, tem--se de conhecer a causa do dano, pois é possível que só um
tenha tido culpa, ou que culpados sejam os dois. No Mar do Norte, em 1951, avançava durante cerração o navio
“Rogenaes”, quando foi visto diante dêle outro navio, diminuiu a marcha e esperou que o outro navio passasse
pelo bombordo, mas êsse continuou a marcha pelo estibordo, e houve o abalroamento. No julgamento, frisou-se
que o navio, que tem radar, dêle se há de utilizar inteligentemente, e não aproveitar-se do aparelho para velocidade
excessiva no nevoeiro, ou sem ter outras precauções. Outro caso notável de colisão foi, em 1952, o de dois
petroleiros, um francês, o “Mélcong”, e outro inglês, o “British Tradition”.
Quanto à velocidade máxima, os regulamentos locais podem e soem fixar números máximos, principalmente se há
nevoeiro ou noite muito escura.
A regra jurídica de navegação a estibordo é uma das mais importantes (Regra lS.a: “Lorsque deux navires à
propulsion mécanique font des routes directement opposées ou à peu prês opposées, de maniêre à faire craindre
une collision, chacun d’eux doit venir sur tribord, de maniêre à passer àbâbord l’un de l’autre’9. Outra regra de
grande relêvo é a de se tomar a direita do canal ou o meio da passagem se estreite o lugar por onde vai se passar
(Regra 25, a).
No art. 5 da Convenção de Bruxelas alude-se ao pilôto obrigatório. A Côrte de Apelação mista de Alexandria, a 9
de dezembro dé 1987, decidiu que a Companhia do Canal de Suez tem de pagar a metade das avarias se e
responsável pelo pilôto.
Quanto a prioridades para navios em pleno mar, nenhuma regra jurídica existe. Nos estuário~, portos e rios, os
regulamentos locais estabelecem algumas, o que é razoável. Por exemplo: para os navios que saem, para os navios
que sobem, para os navios de mar (em relação aos barcos de navegação interior). Só há prioridade se a regra é
explícita e qualquer interpretação há de ser estrita. Com ela não fica dispensada qualquer regra jurídica,
internacional ou interna, de evitamento de abalroação (cf. Tribunal de Comércio de Marselha, 7 de janeiro de
1936).
As avarias podem ser causadas pelos bulhões de água, oriundos de movimento de hélice, ou pela velocidade, ou
outro fato, pela deslocação, pela sucção, pela negligência na ancoragem ou na amarração, sinal permanente,
serviço de vigia (caso do “Lady Martin”, Alta Côrte da Inglaterra, 1.0 de julho de 1925).
A alegação e a prova da culpa incumbem ao demandante, que afirma ter sido o navio vítima de abalroamento,
além da alegação e prova da causalidade e da existência e valor dos danos. Não há presunção juris tant um. Se
houve negligência, fácil é ao juiz apreciar a presunção facti.
(Nas dissertações sobre danos causados pelos navios e outros meios de transportes, a propósito da culpa, ou da
presunção de culpa, ou mesmo da responsabilidade pelos riscos, tornou-se usual a elipse: culpa do navio,
presunção de culpa do navio, ou responsabilidade do navio, abstraindo-se, mas apenas para simplicidade da
exposição, de quem é o responsável pelo navio. Dá-se o mesmo com os trens, os ônibus, os carros, os automóveis.
O que importa é que se atenda à elipsidade dos enunciados. Não há navio, nem trem, nem ônibus , nem outro
veículo com culpa, ou com presunção de culpa, ou responsável pelos danos.)

(continuação)
‘7. ABALROAMENTO POR CULPA DOS DOIS (Ou MAIS DE DOIS) NAvios. A culpa pode ser por parte de
todos os navios em colisão, ou que causaram danos. Quase sempre, só-mente dois. Mas abalroam, às vêzes,
embora raramente, três ou mais. As abalroações em comum são cêrca de um quarto das que ocorrem. Os navios
culpados logo se apressam em retirar elementos que serviriam à prova da culpa. O art. 4 da Convenção de
Bruxelas trata da culpa comum nos abalroamentos. Cada navio tem o ônus de alegar e provar a culpa do outro e a
relação causal. Desde que o juiz declara que a culpa foi dos dois (ou de todos), tem de determinar a proporção em
que cada culpa contribuiu para os danos. Se o juiz não pode chegar a conclusão sobre a proporcionalidade, cada
um presta a metade ou quota do total dos danos.

8.ABALROAMENTO FORTUITO OU POR FÔRÇA MAIOR. Os casos de fôrça maior ou caso fortuito são
raros. Nos nossos dias, com a meteorologia e a eficiência dos navios a propulsão mecânica, não há, ordinariamente
, a imprevisibilidade e muito fácil é vencer-se o que no passado seria obra do acaso. Afaste-se a discussão em
tôrno dos conceitos de “fôrça maior” e de “caso fortuito”, posto que se tenha cogitado, aqui e ali, de fôrça maior se
o acontecimento é exterior ao navio (tempestade, tremor de terra), e de caso fortuito, se interior (quebra de peça de
máquina, ou da direção, incêndio). O art. 2 da Convenção de Bruxelas tratou da abalroação em caso de fôrça
maior, chamando-a “fortuita”. Se há dúvida sobre ter havido qualquer culpa, ou ter sido de fôrça maior, o caso é
sujeito à regra jurídica sobre fôrça maior (“ou s’il y a doute sur les causes de l’abordage, les dommages sont
supportés par cmix qui les ont éprouvés”).
A ressaca, em princípio, não é imprevisível, nem vencível. Dissemos “em princípio”, porque pode ocorrer que o
pôrto não tenha as amarras suficientes, por ser inesperado o tamanho do navio, como foi, em Rouen, o caso do
petroleiro “Malhomus”, aliás de danos a instalações na terra, e não de abalroamento (Côrte de Apelação de
Rouen, 12 de maio de 1949; cf. Tribunal de Comércio de Alger, 8 de fevereiro de 1932 e 1.0 de junho de 1952).
O abalroamento pelo navio, ou tenha sido causadora a velocidade, ou se proveio do vento, dá ensejo à
responsabilidade (ANTÔNIO DA GAMA, Dreisionum Suvrerni Senatus Lvsitaniae, d. 296); não assim se a água,
em curso, compõe a figura da fôrça maior (o capitão nada podia evitar. d. 296, n. 2). A alegação e a prova de ter
havido fôrça maior incumbem a quem Capontado como responsável e a fôrca maior pré-excluiria a sua
responsabilidade. Se não houve a alegação.
não pode a decisão judicial ser afirmativa da fôrça maior, salvo se a própria exposição do caso, pelo demandante,
lhe dá os elementos necessários e suficientes para o enunciado.

9.ABALROAMENTO POR CULPA DE TERCEIRO E ABALROAMENTOS SUCESSIVOS. Pode dar-se que o


navio abalroante atribua a terceiro a culpa do acidente, corno se o navio B foi abalroado pelo navio A por ter sido
esse abalroado pelo navio C, cujas amarras se romperam. O navio 13 ou propõe a. ação a) contra o navio A,
causador imediato da colisão, ou. b) contra o navio C, causador inicial (o que pressupõe que se conheça a culpa de
C), ou c) contra os dois, o que dá a oportunidade da discussão e solução do problema da culpa. A atitude b) tem o
inconveniente 11e pôr o navio A na situação de agente por fôrça maior (Côrte de Apelação de Bruxelas, 3 de julho
de 1935). A atitude a) tem a conseqUência de retardar a condenação de C, se o juiz chega à conclusão de que não
houve culpa de A. A melhor atitude é a atitude o).
Os abalroamentos sucessivos são os abalroamentos em que há danos a um navio e, depois, outros danos, por não
ser uma sé a colisão, ou as causas de danos. Não é o mesmo o abalroamento com choques sucessivos. Aí, não há
pluralidade de abalroamentos Tem-se de considerar cada um dêles como distinto e separado do outro, ou dos
outros. A Côrte de Apelação de Bruxelas julgou um dêsses casos: o barco a motor “Auto-Transport 1” chocou-se
com o marco “Adelf”, quando em manobras no pôrto; ao mudar de lugar, de nôvo abalroa. o “Auto-Transport 1”.
A apreciação em separado evita confusão quanto às culpas e, na decisão, a Côrte de Apelação de Bruxelas, a 9 de
dezembro de 1983, frisou que, na primeira abordagem, a culpa foi toda do “Adelf”, ao passo que, na segunda, ao
rebocador, e não a ambos, pois o rebocador abandonAra o “Adelf”.

10.ABALROAMENTO E REBOQUE. A responsabilidade pode ser do rebocador, ou do rebocado, um perante o


outro, ou perante terceiro. O reboque ou o navio-pilôto é navio, como os demais; apenas há a especialidade da
função.

§ 5.530. Transportes especiais modernos

(continuação)
1. AUTOMÓvEIs. O automóvel é meio contemporâneo de condução, mas os princípios que o regem já procedem
de outros meios de condução. A especialidade, essa, tem de ser apontada pela técnica legislativa.
Se alguém transporta a título amigável, a responsabilidade extranegocial é a mesma dos transportadores a título
oneroso e há a responsabilidade extranegocial mesmo perante o transportado (cf. FliANcEseo CIGOLINI, La
Responsabilitâ daila circolazione stradale, 809), e a responsabilidade como se tivesse havido contrato.
O dano causado pelo automóvel gera a responsabilidade conforme os princípios gerais sobre fatos ilícitos
absolutos, salvo se há ler specialis que dispense pressupostos ou que agrave as conseqúências. As regras jurídicas
sobre responsabilidade pelos atos dos empregados (responsabilidade transubjetiva) são invocáveis.
Algumas medidas se exigem aos automóveis: velocidade que não exceda o máximo que se estabelece para o lugar
e a hora, ou só para o lugar, ou só para o tempo; a luz, à frente e atrás, a partir de determinada hora, ou
circunstâncias; caderneta para direção (carteira).
Um dos elementos que dão ensejo a negligências dos motoristas é a falta de energia dos prefeitos, devida a
propósitos de evitar impopularidade (L. RIXENS et J. LAFOND, Lé.qisiation d Jurisprudente du Cyclisme et de
l’Autcymobllis,ne,185>.
O fato de estar o motorista na velocidade permitida, ou pequenissima, e de ter telefonado, não pré-exclui ter tido
culpa (ci. LOCIEN AItNETTE, La lá spoúsabihté des Ptapriétaires d’A ato ti ús c t uni Ycs véu , 76 s.).
Temse qtterido (lixei que a responsabilidade das emprê sas, pelos danos causados por seus empregados, ou por
fatos ocorridos com o material, não suyõem culpa. Assim, afastada estaria a responsabilidade por presunção iu;is
tanta a da culpa ia eligúnda e da culpa in vigilanda (cp. GIAcOUO VENEZIAN, Dauno e Risarcimento fuori dei
contratti, Ope;c giuridiche, 1, 278; GAETANO QUACLLÀRIELLO, SuVa flespansabilitá da iliceito ad vigente
Codice deite, 52; ADRIANO Dr Cuns, Fatíl ilieciti, 66 s.) . Dc modo nenhum se pode acolher tal opinião.
No caso de preposição, não se atende apenas ao dever de vigilância, porque, de ordinário, o preposto é adulto (ci.
DALLANT, La Notion dv préposé dans l’article .7384 da Cade Civil, 35), mas o interesse da empresa e a
periculosidade, razão por que não se investiga, em princípio, o caso concreto (BIENENFELD, fie Ifaftnng aluie
Versehulden, 327). Se se permite prova de fato, inclusive a fôrça maior (cp. REINH. GEIGEL u. Ron. GEIGEL,
Der Haftpfliehtprazess, 9a ed., 283-287; E. BÓHMER, Das Saehsehadenhaftpflichtgesetz, .33 s.). pré-excludente,
presumiu-se culpa.
O art. 1.521, III, do Código Civil apanha qualquer pessoa escolhida, nomeada, ou promovida, ou admitida, desde o
momento em que passa a praticar os atos relativos à sua função a sua incumbência, ou qualquer outra relação
jurídica. seJa válido ou não o negócio jurídico entre o empregador, lato senso, e o empregado. Não importa qual o
ramo do direito que rege o negócio juridico, ou de direito público, ou de direito privado, ou regrado pelo direito
nacional ou de outro Estado. As relações jurídicas do empregado com terceiros baia ou Tino presentação pedem
ser negociais. ou não: quando fora. dos podêres outorgados, podem ser decorrentes de atos ilícitos absolutos ou de
atos-fatos ilícitos absolutos (sobre as relações jurídicas com empregados dc restaurantes, ROPERT ScITL~ 34a).

2. COLISÔES. Pode ocorrer que, em vez de só haver um responsável, haja dois ou mais responsáveis em virtude
de regra Jurídica de presunção bois Lantúta de culpa, ou mesmo de responsabilidade objetiva. Há a solidariedade.
Mas há o problema da repartição entre os responsáveis . A ação regressiva há de atender a solução que resulte do
sistema jurídico. Casos há em que um ou dois ou mais respondem sem se precisar alegar e provar culpa, e uns ou
dois ou mais de dois pela culpa provada possam responder. Complica-se o problema.
Se todos são responsáveis por presunção de culpa, ou objetivamente, como se o automóvel vai de encontro ao
carro que transporta gasolina, a colisão faz responsáveis os dois motoristas, ou as duas empresas. Se dois cavalos
brigam e os coices atingem passantes, ou pessoas que estavam sentadas no circo, há concorrência de
responsabilidades. Não há pensar-se, ex hythesi, em caso fortuito. Somente o critério da causalidade pode dar
solução, se se pode determinar a medida em que contribuiram para os danos os responsáveis. Dificilmente se
poderia achar a proporção. Talvez não haja outro caminho que o das quotas ideais, por ser infixável a parte real do
dano atribuível a cada responsável.
Se o automóvel pegou fogo e o pôsto de gasolina estava com as calçadas cheias de óleo, razão por que se
incendiou o prédio vizinho, é possível separarem-se o dano que o automóvel causou e o dano que resultou de falta
de cuidado do pôsto de gasolina, sem que, com isso, se desça ao exame das culpas. A empresa de gasolina tinha
dever de acautelar-se de todos os riscos, portanto de eliminar ou diminuir riscos. Não seja justo que em todos os
casos se ressarcísse em partes iguais <sem razao, MAMO Cozzí, La Responsabilità civile fler danai 4a eo~c. 264
s4. A dificuldade está em se determinar o risco. rara cada um, porque se têm de apreciar tôdas as círcunstârcia? no
caso concreto (cp. REINE. GEmER ii. flor. GEmER.
Com a expansão comercial da aviação, os problemas jurídicos tinham de apresentar-se com minúcias e discussões,

(continuação)
principalmente pela parecença com a navegação de mar e o transporte de terra, ‘mais a eventual queda ou
lançamento de coisas. Os acidentes de automóveis e as soluções jurídicas a respeito tinham de influir.
a) Diz o Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1988, que é o Código Brasileiro do Ar, art. 96: “As disposições
relativas à responsabilidade do transportador, para com terceiros, abrangerão quaisquer aeronaves que trafeguem
sobre o território brasileiro, sejam públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras”. Há, aí, observância estrita do
principio de isonomia. Não se poderia abrir qualquer exceção aos princípios de responsabilidade pelos danos
causados por aeronaves, direta ou indiretamente.
b)Lê-se no Decreto-lei n. 483, art. 97: “Dará direito à reparação, qualquer dano que uma aeronave em vôo,
manobras de partida ou chegada, causar a pessoas ou bens que se encontrem à superfície do solo”. Acrescenta o
parágrafo único:
• Essa responsabilidade só se poderá atenuar, ou excluir, na medida em que à pessoa lesada couber culpa”. No art.
97 não se estabeleceu a responsabilidade por culpa; presumiu-se a culpa, pois que a culpa do ofendido pré-exclui
ou atenua a responsabilidade da empresa, ou proprietário, ou armador, ou locatário, ou possuidor, da aeronave. No
art. 96 empregou-se a expressão “transportador”.
Frisa o Decreto-lei n. 483, art. 98: “Nas mesmas condições , será reparado qualquer dano causado por objeto ou
substância que cair de aeronave, ou dela fôr projetado, não excetuados os alijamentos regulamentares, ou
resultantes de fôrça maior”. O art. 98 corresponde ao art. 1.529 do Código Civil, o que assaz facilita a sua
explicação.
c) Estatui o Decreto-lei n. 483, art. 99: “Serão regulados pelo direito comum os danos causados pela aeronave em
pouso”. Trata-se de regra jurídica remissiva. A aeronave em pouso é como a casa. Se os danos resultam de falta de
reparos, ou de má construção, rege o art. 1 52S do Código Civil.

Se provém de coisa, que cai da aeronave, ou de parte dela, ou dela foi lançada, em lugar indevido, o art. 1.529 é
que é a regra jurídica invocável.
Quanto à ação regressiva, lê-se no Decreto-lei n. 483, artigo 101: “Qualquer das pessoas solidàriamente
responsáveis terá ação regressiva contra o autor do dano”.
d)O Decreto-lei n. 483, art. 100, estabelece: “Serão solidariamente responsáveis pelos danos a que se referem os
artigos precedentes: a) a pessoa em cujo nome estiver matriculada a aeronave; b) a pessoa em cujo uso ou
exploração se encontrar a aeronave; c) quem quer que, de bordo de aeronave, haja ocasionado dano, salvo o caso
de ato intencionalmente cometido por pessoa estranha à equipagem fora do serviço, e que o transportador ou seus
prepostos não puderem impedir”. Acrescenta o parágrafo único: “Em qualquer caso a execução recairá
precipuamente sobre a garantia estabelecida pelos arts. 103 e seguintes”. Os arts. 103-108 do Decreto-lei n. 483
são de grande relevância. A pessoa física ou jurídica em cujo nome está matriculada a aeronave, ou em cujo nome
ou exploração, ela se encontra, tem de dar a garantia de reparação dos danos pessoais ou materiais que a aeronave
causou, “na forma e limites estabelecidos” no Decreto n. 483 (artigo 103). A garantia pode consistir, à escolha do
transportador, do proprietário ou do explorador da aeronave: a) na justificação de que a responsabilidade está
coberta por um seguro contratado com empresa idônea, ouvida a autoridade competente; b) em caução, fiança
idônea, aprovada pelo Govêrno, de pessoa ou empresa com domicílio ou sede no Brasil; c) no depósito prévio, de
dinheiro ou de valôres (Decreto -lei n. 483, art. 104). Acrescenta o art. 105: “Para os efeitos da disposição acima,
poder-se-á subordinar a autorização do certificado de navegabilidade de uma aeronave, ou a sua revalidação, à
apresentação de algumas garantias previstas”. E o art. 106: “Se a garantia consistir em um contrato de seguro
poder-se-á retirar, em qualquer momento, o certificado de navegabilidade da aeronave cujo proprietário,
transportador ou explorador não possa provar estar executando regularmente as cláusulas a que estiver obrigado
pela ap6lice respectiva, e, notôriamente, o pagamento pontual dos prêmios”. Ainda o art. 107: “Exigir-se-á das
aeronaves matriculadas em país estrangeiro, para reparação dos danos que possam causar a pessoas ou bens, em
território brasileiro, a apresentação de garantias pelo menos iguais, ou consideradas equivalentes às das aeronaves
brasileiras”. E o art. 108: “Quem tiver direito à reparação do dano exerce, nos limites da soma que lhe competir,
direito próprio sobre a garantia prestada pelo responsável”.
e)Finalmente, está no Decreto-lei n. 483, art. 102: “A responsabilidade solidária limitar-se-á, para cada acidente:
a) no caso de lesão corpórea, ou morte, à importância máxima de cem mil cruzeiros por pessoa; b) no caso de
dano, ou destruIção de bens, à importância integral do seu justo valor”. Acrescenta o parágrafo único: “A pessoa
responsável não se poderá prevalecer dêsses limites, se o interessado provar que o dano foi causado por dolo”.
Primeiramente, frise-se que o art. 102 só se refere à responsabilidade pelos danos causados a terceiros, porque tal é
o título da seção (“Da responsabilidade para com terceiros”). A responsabilidade negocial foi assunto dos arts. 83-
95; e lá, no art. 91, se alude à convenção em contrário. Em segundo lugar, não só, de ivre condondo, o valor era

(continuação)
inadmissível a quanto máximo, como também não se poderia afastar a invocação do art. 1.537 do Código Civil,
porque o principio da isonomia afasta qualquer discriminação (Constituição de 1946, art. 141, § 1.0). No caso de
ferimento ou outro dano à pessoa, a incidência do artigo 1.538. Há. ainda, de lure condito, a correção monetária.
O art. 128 concerne ao abalroamento culposo. Nada tem tal responsabilidade conforme os arts. 83-95
(responsabilidade contratual) com a responsabilidade conforme os artigos 96-108, pois a empresa de aeronave que
não foi culpada do abalroamento não está exímida daquelas responsabilidades, se não alega e faz a prova da culpa
da outra empresa. O artigo 128 torna devedor do quanto indenizatório a empresa culpada do abalroamento; o art.
130 cogita da pluralidade de culpas.
Lê-se no Decreto-lei n. 483, art. 127: “Abalroamento aéreo é qualquer colisão entre duas ou mais aeronaves em
movimento”. No parágrafo único: “Os danos causados por aeronaves em movimento a outra aeronave também em
movimento e às pessoas nestas embarcadas, consideram-se prejuízos de abalroamento, mesmo que não resulte de
colisão”.
Diz o Decreto-lei n. 483, art. 128: “A indenização, devida por prejuízos causados em caso de abalroamento entre
aeronaves, cabe ao explorador da aeronave que tiver culpa”.
Tendo-se falado de explorador, frisa-se no Decreto-lei ii. 483, art. 129: “Considera-se explorador quem tenha a
aeronave à sua disposição e a utilize por conta própria”. Parágrafo único: “Caso o nome do explorador não se ache
inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro, o proprietário será reputado explorador, até prova em contrario
O princípio da proporcionalidade em relação à culpa é atendido no Decreto-lei n. 483, art. 130: “Se a culpa fôr
comum às aeronaves abalroadas, a responsabilidade é proporcional à gravidade das faltas cometidas”. Parágrafo
único: “Se não puder ser estabelecida a proporção, divide-se a responsabilidade em partes iguais”.
Finalmente, diz o Decreto-lei n. 483, art. 131:: “~ obrigatória a comunicação do abalroamento às autoridades do
aeroporto mais próximo ao acidente, para que prevaleçam os limites da responsabilidade previstos neste Código,
desde que as aeronaves estejam sob jurisdição brasileira”. Parágrafo único: “Essa comunicação, mesmo em mar
alto, é obrigatória para as aeronaves brasileiras
Casos há em que os acidentes de navegação aérea não se enquadram no Código Brasileiro do Ar (Decreto-lei n.
483, de 8 de junho de 1938). No art. 67 fala-se de transportador como sendo quem transporta “com intuito de
lucros” e houve julgado que pretendeu afastar a responsabilidade do Estado, porque o Decreto-lei n. 483 só
disciplina a aviação civil e a comercial. Ora, o art. 96 explicitamente estatui, a respeito de terceiros, que as regras
jurídicas relativas à responsabilidade do transportador, para com terceiros, abrangerão quaisquer aeronaves, que
trafeguem sobre o território brasileiro, sejam públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras.
No Código Brasileiro do Ar, art. 9?, diz-se que “são de ordem pública internacional as normas que vedam, no
contrato de transporte aéreo, cláusulas que exonerem da responsabilidade o transportador, estabeleçam para a
mesma limite inferior ao fixado neste Código, ou pre6crevam o desaforamento do lugar do destino para as
respectivas ações judiciais”. A invalidade é da cláusula, e não do negócio juridico (artigo 92; cf. Convenção de
Varsóvia, arts. 23 e 32). Não importa a alegação da empresa de estar o pílôto , por falta de comunicações, fora do
controle da empresa , nem vale a cláusula que pré-exclua a responsabilidade. Quer no tocante a reparação por
ilícito relativo (negocial), quer por ilícito absoluto. O único elemento atenuativo, quanto ao ilícito absoluto, é a
medida de culpa do lesado.

2.FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE Funda-se na culpa a responsabilidade pelos danos causados por


aeronaves. Ou se daria a solução da presunçâo da culpa ou a da responsabilidade objetiva ou pelos riscos, ou a da
responsabilidade objetiva excetuável, dita, também, limitada. Seria impraticável o exercício da ação de reparação
se se tivesse de apontar a culpa como elemento causal dos danos.
Seria absurdo que se exigisse prova da culpa da empresa de navegação aérea, ou de algum empregado, em caso de
queda ou lançamento de coisas que estavam na aeronave. Coisas, dissemos; mas o lançamento de pessoa, que está
na aeronave, é caso que se submete e na espécie comum. Se alguém so ioga, por suicídio, a responsabilidade é a
mesma, porque não se compreende que as aeronaves não tenham as portas fechadas quando estão em vôo. Trata-
se de mais um exemplo da effusio et dejectio. No art. 97 do Código Brasileiro do Ar, que seguiu a trilha da
Convenção de Roma, diz-se, claramente, que dá direito à reparação qualquer dano que aeronave em vôo,
manobras de partida ou chegada, cause a pessoas ou bens que se encontrem à superfície do solo. A propósito
escreveu JosÉ DE AGUIAR DIAS (Da Responsabilidade Civil, ~J, 4.~ ed., 504) : “... o art. 97 do Código
Brasileiro do Ar, adotando o critério assentado na Convenção de Roma. de 1930, não fêz mais que equiparar as
aeronaves às casas de habitação, consagrando o acêrto da doutrina que PONTES DE MIRÂNDA defendia muito
antes daquele convênio”. A empresa ou outro responsável pelo tráfego aéreo pode objetar que não houve dano, que
não é o legitimado passivo, que não houve qualquer dano, que a vítima fóra culpada, por estar, por exemplo, em

(continuação)
lugar proibido, ou por ~e ter pôsto em frente à aeronave em movimento ou que iria chegar (culpa exclusiva da
vítima) “. O art. 97, parágrafo único, permite a atenuação, e não só a pré-
-exclusão da responsabilidade, se a culpa cabe à vítima. Difícil é provar-se a duplicidade de culpas, porque a
posição das vítimas em caso de manobras, ou de chegada, impede, quase sempre, que a aeronave evite o acidente,
ou mesmo a colisão com outra aeronave.
Diferente é o que se passa com o abalroamento aeronautico. Ao que se invoca para se sustentar o princípio da
responsabilidade objetiva ou pelos riscos, limitada ou não, a propósito dos causados por aeronaves, de jeito
nenhum se pode aludir se a espécie é de abalroamento. Daí o art. 123 do Decreto-lei n. 483, (Código Brasileiro do
Ar)
“A indenização, devida por prejuízos causados em caso de abalroamento entre aeronaves, cabe ao explorador da
aeronave que tiver culpa”. O art. 129 explicita que se considera explorador “quem tenha a aeronave à sua
disposição e a utilize por conta própria”, acrescentando-se, no art. 129, parágrafo único, que, se o nome do
explorador não se acha inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro, “o proprietário será reputado explorador, até
prova em contrário”..
A pessoa que dirige a aeronave assume deveres característicos e a infração dêles pode dar causa a responsabilidade
dela e da empresa, segundo os princípios. O primeiro dever é concernente à rota, quer quanto à orientação, quer
quanto à inclinação . O segundo é no tocante à proximidade das aeronaves que estão saindo, ou que estão voando.
Tem o pilôto ou quem cuide das observações de afastar da outra ou das outras aeronaves aquela que êle dirige, ou
auxilia dirigir, para que não ocorra colisão ou qualquer dano oriundo de estarem perto. No art. 53 do Decreto-lei n.
483 diz-se que tôdas as aeronaves devem submeter-se, assim durante o vôo como na vizinhança dos aeródromos e
aeroportos, “aos regulamentos de luzes e sinais gerais de circulação aérea, expedidos pela autoridade competente”.
A Portaria do Ministério da Aviação, de 26 de novembro de 1926, foi revogada; e o Regulamento do Tráfego
Aéreo foi aprovado pelo Decreto n. 8.352, de 9 de dezembro de 1941. Se o abalroamento resultou de qualquer
infração, culpa houve.
O art. 67 do Decreto-lei n. 483 suscitaria o problema da conceituação do intuito de lucro. O exemplo mais fácil de
caso dúbio é o da aeronave do Estado, para uso próprio. No art. 83, parágrafo único, falou-se do transporte
gratuito ou a título gracioso, com a limitação da responsabilidade aos casos de “dolo ou de culpa grave”. E o art.
96 explicitamente estatui que as regras jurídicas “relativas à responsabilidade do transportador para com terceiros
abrangerão quaisquer aeronaves que trafeguem sobre o território brasileiro, sejam públicas ou privadas, nacionais
ou estrangeiros”. Assim, perde todo o relêvo, no tocante à responsabilidade para com terceiros, a regra jurídica do
art. 67.
Sejam quais forem as instruções, há deveres que independem de regras jurídicas ou de normas. O pilôto tem de
verificar se, por ocasião da decolagem, há risco de colisão com outra aeronave. Salvo em caso de emergência,
nenhuma aeronave há de cruzar o aeródromo ou o aeroporto abaixo de mil metros. Ao pousar, a aeronave tem de
circular o aeroporto ou local de pouso, exceto se a Tôrre de Contrôle lhe deu instruções diferentes, o que só se
justifica se não cria ou não agrava o risco de colisão .
Em qualquer aeroporto a aeronave tem de ficar nas pistas de rolamento ou nos locais para isso previstos. Nas
pistas de decolagem e de pouso as aeronaves hão de estar o menor tempo possível, isto é, o tempo estritamente
necessário.
Se duas aeronaves estão voando com rumos convergentes e estão próximas à mesma altitude, a que tem a outra à
sua esquerda é que tem direito à passagem livre, e a que a deixa passar deve manobrar sempre com giro à direita e
passar pela cauda da outra. No Decreto n. 8.352, de 9 de dezembro de 1941, art. 2.0, c), diz-se: “Quando duas
aeronaves estão aproximando-se frente a frente ou aproximadamente, assim, e houver perigo de colisão, uma deve
alterar o seu rumo à direita, de forma a passar cada uma a um mínimo de 150 metros da outra”.

Quanto ao art. 159, § 1.0, o), e § 2.0, do Decreto-lei número 483, discutiu-se se o prazo é prescripcional ou se é
preclusivo. No sentido de se tratar de prescrição, e não de preclusão, HUGO SIMAs (Código Brasileiro do Ar
anotado, n. 296). Quanto ao prazo do art. 159, § 3Y, o Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo, a 28 de
agôsto de 1944 e a 15 de outubro de 1946, considerou preclusivo o prazo de três anos.
As ações a que se refere o art. 159, ~ iS>, c), e § 2.0, são as ações para a reparação de danos ou cumprimento de
garantia, cujo prazo se conta do dia do acidente, salvo se o interessado prova que, dentro do prazo, não teve
conhecimento do dano, ou de quem foi o responsável, caso em que a contagem é a partir do dia em que teve
ciência. No § 3~O, faz-se extinto o prazo, definitivamente, se da data do dano decorreram três anos.

3.ABALROAMENTO AÉREO. No art. 127 do Decreto-lei n. 483 explícita-se que abalroamento aéreo é qualquer

(continuação)
colisão entre duas ou mais aeronaves em movimento. No art. 127, parágrafo único, consideram-se danos de
abalroamento quaisquer danos causados por aeronave em movimento a outra também em movimento, mesmo que
não resultem de colisão. O passar perto demais, o emitir fumo ou fôgo ou qualquer outro elemento lesivo, ou o
jogar de objetos ou salva-vidas, são exemplos de danos que se têm como de abalroamento mesmo que colisão não
tenha havido. O que se exige é que as duas ou mais aeronaves estejam em movimento. Abalroa-se em decolagem,
em vôo, como em pousada. Também em simples manobra no aeroporto, sem ser para saída ou entrada.
A respeito da pluralidade de culpas, o Decreto-lei n. 483 acolheu o princípio da responsabilidade proporcional à
culpa. Se a culpa foi comum ( de tôdas ou de algumas aeronaves), as culpadas respondem (não as não culpadas) e
há a medida das culpas, para que se estabeleça a proporcionalidade no ressarcimento (Decreto-lei n. 483, art. 130:
“Se a culpa fôr comum às aeronaves abalroadas, a responsabilidade é proporcional à gravidade das faltas
cometidas”). É difícil, quase sempre, achar-se a medida das culpas, para que proporcional-mente se divida o
quanto da reparação dos danos; daí dizer o ‘~rt. 130, parágrafo único: “Se não puder ~r estabelecida a
proporção, divide-se a responsabilidade em partes iguais”. As aeronaves que sofreram danos, sem ter havido culpa
da empresa ou do pessoal, têm legitimação ativa, e não passiva.
No art. 13 do Decrelo-lei n. 483 diz-se que é obrigatória a comunicação do abalroamento às autoridades do
aeroporto mais próximo ao acidente, para que possa incidir o art. 130 (“para que prevaleçam os limites da
responsabilidade previstos neste Código”), “desde que as aeronaves estejam sob jurisdição brasileira”. Entenda-se:
se o acidente foi sobre território ou águas territoriais brasileiras, qualquer que seja a nacionalidade das aeronaves.
Se a aeronave é brasileira, quer seja a lesada quer a lesante, a comunicação é obrigatória, mesmo em alto mar”
(art. 131, parágrafo único).
As avarias grossas, causadas por aeronaves, são reguladas pelo direito comercial marítimo (Decreto-lei n. 483,
artigo 132) ; as simples, pelo direito comum (art. 132, parágrafo único). Cf. Tomo XLV, § 4.946.

EXERCÍCIO ILÍCITO, EM JUSTIÇA, DE PRETENSÃO A ADIMPLEMENTO DE DÍVIDA

§ 5.532. Cobrança de dívida não vencida ou já paga

1.TEXTOS DA LEI. Lê-se no Código Civil, art. 1.530: “O credor que demandar o devedor antes de vencida a
dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a
descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dôbro”. E o art. 1.531: “Aquêle
que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as qua.ntias recebidas, ou pedir mais do que
fôr devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dôbro do que houver cobrado e, no segundo, o
equivalente do que dêle exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação”. Acrescenta o art. 1.532:
“Não se aplicarão as penas dos artigos 1.530 e 1.531, quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide”. A
alusão à contestação apenas se liga A desistência da ação pelo demandante, que cobrara a dívida que vencida não
estava, ou já fôra paga.

2.DÍVIDAS E OFENSAS AO DEVEDOR. As cobranças de dívidas podem dar ensejo à responsabilidade pelos
danos, conforme os princípios sobre atos ilícitos absolutos. A lei focalizou espécies, sem que tal referência faça
exclusivas as regras jurídicas concernentes a elas. Uma é a cobrança de dívidas ainda não vencidas; outra, a de
dívidas já pagas, se já vencidas, ou não.
A propósito do abuso do direito não há regra jurídica especial, que diga qual o elemento subjetivo. A exigência de
haver malícia ou dolo é sem qualquer razão de ser, porque, na falta de lex speciatis, os princípios gerais é que são
invocáveis ~arts. 159, 160, 1, 2.~ parte, e 1.518). Sem razão, o Supremo Tribunal Federal, a 6 de setembro de
1934 (R. de J. B., 38 141); com tôda a razão o voto vencido de EDUARDO ESPÍNOLA. Só se há de exigir
obrigação e prova da culpa, porque não se encontra no Código Civil qualquer regra jurídica que estabeleça, a
propósito do abuso do direito, a presunção juris tantum de culpa, nem, a fortiori, a responsabilidade pelo risco.
Alguns casos já de si mesmos revelam a culpa, como o pedido de busca e apreensão se desnecessária, ou se não se
chegara a ponto de tal medida cautelar ser a que bastasse (cf. NoÉ AZEVEDO, Abuso do Direito no exercício da
demanda, 23; sem razão, in casu, a propósito da patente de invenção, a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 5
de junho de 1925, R. de D., 79,423), ou pedir arresto de bens que o credor sabia não pertencerem ao devedor
(JOSÉ DE AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade civil, II, 4~a ed., 549). É ato ilícito, e não abuso de direito o corte

(continuação)
de luz ou gás ou de luz e gás se o freguês nada deve, mesmo se havia vício do medidor sem ser culpado o freguês
(Côrte de Apelação do Distrito Federal, 11 de agôsto de 1926, R. de D., 82, 605). Não é abuso do direito, porque,
se o freguês não devia, não havia direito; portanto, não se poderia exercer direito que não existia.
Tem-se dito que a responsabilidade civil supõe , necessariamente , o dano. Pode não haver dano patrimonial, nem
dano não-patrimonial, e haver a responsabilidade com a pena privada. Os arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil são
os mais frisantes exemplos e a particularidade de tê-los o sistema jurídico brasileiro dá razão a que sublinhemos a
sua relevância. Pode não ter havido qualquer dano a pessoa demandada. Os arts. 1.530 e 1.531 são regras jurídicas
sobre pena privada, que nos vem do passado, com alterações que não dizem respeito ao elemento do dano, nem os
ligam aos arts. 159 e 1.518.

§ 5.533. Regras jurídicas de direito processual

1.ESPIRITO DE EMULAÇÃO, MERO CAPRICHO E ÊRRO GROSSEIRO. No Código de Processo Civil, art.
3~O, diz-se, explicitamente: “Responderá por perdas e danos a parte que intentar demanda por espírito de
emulação, mero capricho, ou êrro grosseiro”. No parágrafo único acrescenta-se: “O abuso de direito verificar-se-á,
por igual, no exercício dos meios de defesa quando o réu opuser, maliciosamente, resistência injustificada ao
andamento do processo”.
No art. 32 e parágrafo único supõe-se exercício da pretensão à tutela jurídica e da pretensão jurídica-processual,
com abuso do direito pré-processual e do direito processual.
Existe direito de litigar dito direito de ação e nenhuma limitação se faz a êsse direito no Código de Processo
Civil, art. 32 e parágrafo único. Tão-pouco à pretensão à tutela jurídica. Ou ao uso das formas. O que se condena,
no texto legal, é o abuso. A liberdade de se defender em justiça é essencial à própria liberdade de pensamento e de
ação, sem a qual a sociedade se envilece e regride. Onde a justiça falha, a infelicidade humana se insinua; onde se
cerceia a defesa, estrangula-se a liberdade humana, antes mesmo que a justiça falhe. Assim, o abuso do direito
processual só existe quando se compõem os seus pressupostos, segundo o art. 32 e seu parágrafo; e nunca se
aprecia antes de ter produzido os seus efeitos, porque então se estariam a peneirar, liminarmente, a pretensão à
tutela jurídica, a pretensão processual, a ação e a prática dos atos processuaís.
(a)Para que se caracterize o abuso do direito processual, ou para que se aprecie, não é preciso que o acusado tenha
decaído da aÇão, ou que da sentença conste que agiu com qualquer culpa. Se bem que o juiz possa entrar em
considerações sobre a atitude anormal, aberrante, abusiva, ou mesmo dolosa (cf. Código de Processo Civil, art.
63), da partes, ou de quem esteja em situação de parte, ou apenas semelhante, essas considerações não são
necessárias nem suficientes para se assegurar que houve o abuso do direito processual. Salvo se ocorre algum
daqueles casos em que os motivos da sentença fazem coisa julgada, ou em que a matéria do dolo, ou do abuso, é
integrante da res indicata, o juiz, na ação por abuso do direito, está livre quanto à decisão.
(b)Presume-se de boa fé quem vai litigar, ou está iliminando , ou litigou. Tal presunção s~mente pode ser elidida
in casu e quando haja dolo, propriamente dito; a apreciação do abuso do direito processual tem de partir daí.
Outrossim, o recorrente, o requerente de medidas acauteladoras ou provisórias, ou o que, em geral, pratica ato
processual, tem-se de presumir de boa fé. A má fé a respeito de um ato não se contagia a outro, nem cria, a
respeito dessoutro, presunção de má fé. O princípio é o de que se hão de tratar, para os efeitos de se caracterizar o
abuso, separados, pluralisticamente, os atos e omissões do litigante. Se o abuso do direito se deu ab initio quer
dizer, desde o pedido então se estabelece a má fé quanto à ação mesma, à demanda, ao processo, e não só quanto
a parte ou ato do feito. Em todo o caso, à abusividade referente ao pedido podem vir a somar-se abusividades
posteriores, independentes, reforçadoras das perdas e danos, sempre que, se tais novos atos não tivessem sido
praticados, as perdas e danos teriam sido menores. O nexo de causalidade entre ato e perdas ou danos é essencial.
A 1.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, a 27 de novembro de 1959 (D. da J. de 19 de dezembro de 1960),
citou parte do texto acima, e frisou presumir-se de boa fé quem pratica ato processual, inclusive em se tratando de
medidas provisórias ou cautelares.
Oart. 3~0, parágrafo único, do Código de Processo Civil não é de interpretar-se por analogia, nem cabe recorrer-se
a princípios gerais de direito. O que se deve é explicitar, na doutrina, cada um dos conceitos o de emulação, o de
mero capricho, o de êrro grosseiro; e à justiça cabe verificar se o caso em exame entra em algum dêsses conceitos.
O que primeiro se observa é que o Código de Processo Civil, no artigo 32 e parágrafo único, não anuiu em se ser
indiferente ao elemento subjetivo, se bem que não o ponha em relação causal. Não se exige que a emulação tenha
sido a causa das perdas e danos; basta que tenha havido a emulação, o capricho ou o érro grosseiro, ligado, algum
dêles, ao processo. em sua origem. Origem do processo, e não dos danos. O elemento subjetivo pode ser, apenas,
causa remota. Quem pede justiça. Se. em vez de ser essa urgência de prestação jurisdicional o que conduz ao f8ro

(continuação)
o autor, é algum daqueles motivos que prepondera, está composta a figura do abuso do direito, no campo
processual. A justa decisão passou a segunda plana. Perverteu-se o processo. Conspurcou-se o exercício da
pretensão à tutela jurídica ou a invocação da pretensão de direito material, ou o uso da ação, ou a pretensão de
declaração, condenação, constituição, mandado, ou execução. A margem que fica ao autor é enorme, porque, fora
de inépcia do pedido, raro é o caso em que se lhe pode imputar o ter querido por mal a prestação jurisdicional. De
regra, o autor crê, ou sofre as conseqüências psicológicas de crer no que deseja, fato tão explorado, hoje, pela
psicologia, e responsável por tantos distúrbios individuais e sociais. De modo que o escopo errado não é
suficiente, nem é necessário. O autor pode ter tido tôda a razão, ou tôda a razão pode ter tido o réu, e incorrer em
abuso do direito. Por isso mesmo, alguns escritores quiseram transplantar para o processo a distinção, corriqueira
em direito material, entre dolus bonus e dolus malus. Mas, evidentemente, com êsse enxêrto, apenas se veriam
repontar as velhissimas dificuldades no caracterizarem-se os limites entre os dois. Além do contraditório, ~,que faz
êle sentir decantar dolo bom, dolo mau, verdade e falsidade de alegações? A lealdade, que se há de esperar entre as
partes, ~ pode ela vir de outra fonte que da coragem moral, do saber perder, do lado dos que postulam? Razão,
portanto, para que se precisem, quanto possível, os três conceitos.
O princípio, no campo do direito processual, como do direito material, é o de serem irrelevantes os motivos do
exercício dos direitos. Por êsse fundamento, assenta-se, a priori e na doutrina baseada em direito positivo, que o
exercitar-se algum direito no sentido de outro fim que aquêle que fôra o da lei, de maneira nenhuma constitui
infração da lei. O fim da lei serve, quando muito, a justificar interpretações ou sanções (Código de Processo Civil,
art. 273, 1); e o interesse qualquer que seja do que tem alguma pretensão a traçar-lhe limites (e. g., o
aproveitamento do espaço aéreo) ou a dar-lhe ingresso nos juízos (art. 2.0). Fora dêsses e outros poucos casos, a
lei ignora o interesse, a despeito da tentativa obsoleta de RUDOLF VON JTIERTNC, ao querê-lo certo dos
direitos. O fim começa a sair da sua fundamental irrelevância quando se edicta a regra de que o exercicio de um
direito não deve lesar a outrem. Não se apura a intenção. A lei possui a aplicação dêsse princípio excepcional, de
proibição do abuso objetivo do direito, no plano processual, diferente do abuso do art. 32, quando permite ao juiz
a absolvição da instância no caso dos arts. 201, III, 203, ou outra providência similar ao despachar a petição inicial
(art. 160), ou sanear o processo (art. 294, III). Duas opiniões existem: uma afirma e outra nega a atendibilidade do
princípio da relevância da imoralidade e da ofensa aos bons costumes, em se tratando de coisa julgada (contra, A.
VON TLJHR, Der Allgemeine Teu, 1, 559, nota 58); porém aí não se há de pensar, de modo nenhum, em abuso do
direito.
A emulação, o mero capricho e o êrro grosseiro são pressupostos da ação de indenização, segundo o art. 32.
Qualquer dêles basta. Sem um dêles, não há a indenizabilidade por lide temerária (2.~ Turma do Supremo Tribunal
Federal, 23 de setembro de 1947, R. F., 11, 456; 4•a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 81
de agôsto de 1945, D. da J. de 29 de janeiro de 1947, 150; 5.~ Câmara Cível, 28 de junho de 1946, D. da J. de 25
de fevereiro de 1948, 343).

2.ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS. Há emulação se há intenção de aborrecer, ou simples pendor de pleito, que
só se explica como preferência ao litígio, ou à composição por meios ou medidas judiciais.
Há mero capricho se alguém insiste em propor ação sêl)re matéria que já foi julgada, com eficácia de res judicata
(1•~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 4 de dezembro de 1947, D. da J. de 29 de setembro de 1949, 3.124),
salvo se a incompreensibilidade ou dificuldade de se entender a sentença anterior pré-exclui tratar-se de má fé.
Mas o mero capricho também pode existir em quem pela primeira vez litiga sobre a matéria.
Há êrro grosseiro em quem protesta título já estando prescrita a pretensão ou se já solvida a dívida (1.~ Câmara
Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 22 de outubro de 1945, R. dos T., 162, 238: “... bastando que se tenha
verificado a publicação edital pela imprensa, nos têrmos do art. 29 da Lei n. 2.044, de 1908, e que dai haja
decorrido abalo de crédito ou qualquer outro dano para o suposto devedor”).
Para maiores esclarecimentos, Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo 1, 2~a ed., 1948. A cobrança da
dívida, como qualquer outro exercício de pretensão de direito material, se os pressupostos delituais se compõem ,
dá ensejo à responsabilidade sem que se tenha exercido a pretensão à tutela jurídica e a pretensão jurídica
processual. Assim, nos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil fala-se de “demandar”, mas isso apenas se prende à
invocação da regra jurídica especial respectiva.

§ 5.534. Penalidades, e não indenizações

1.EXAME DA NATUREZA DAS REGRAS JURÍDICAS DO CóDIGOo CIVIL, ARTS. 1.530 E 1.531. Os arts.

(continuação)
1.530 e 1.531 do Código Civil não são, rigorosamente, regras jurídicas sobre indenização no tocante a alguns atos
ilícitos absolutos. Dêles não resulta só dever de ressarcimento. Resultam penalidades, por infração de deveres que
a lei criou (cf. arts. 916-927, 1.530 e 1.531). Trata-se de casos de plus petitionibus, pois que o autor pede o que
ainda não se podia exigir ou mais do que se lhe devia. O plus pode ser: a) Re, isto é, quando se Jemanda por mais
do que é devido (§ 33, 1., de actionibus, 4, 6; L. 1-3, C., de plus petitionibus, 3, 10;
B.PHILIP. VICAT, Vocabularium luás, III, 402: “Re autem plus petitur, quum re aut quantitate aliqua certa debita,
res plures, aut maior quantitas petitur”; MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Comrnentaria ad Ordinationes
Regni Portugalliae, 1, 271 e 273): Deve A a B dez e B pede-lhe vinte ou já só lhe deve cinco e B lhe pede dez ou
mais. b) Tempore, isto é, se o credor exige o pagamento se ainda não se impeliu a condição, ou não se atingiu o
têrmo (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, 1, 278:
“Tempore plus petit, qui petit ante diem, vel condicionem pactioni, seu obligationi adiectam”), porque pagar mais
cedo é pagar mais do que se teria de pagar. c) Loco, isto é, quando se exige que se pague em lugar que não é
aquêle em que se tem de adimplir (B. PHILIP. VICAT, Vocabularíum luris, III, 402: “Loca, quum quod ut certo
detur loco cautum est, stipulatione, vel alio modo petitur, non facta mentione loci, in quo peti debuit. Loci nempe
mentione facta, actioneque arbitraria constituta, ut iniquitas loci compensetur, alio loco recte petitur”). d) Causa,
isto é, quando se pede, objetivamente, o que não se deve com a causa invocada (~ 33, 1, de actionibus, 4, 6).
Voltando ao assunto, de haver pena privada nos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil, cumpre-nos frisar: No art.
1.530> somente há o desconto dos juros correspondentes e a pagar as custas em dôbro. A regra jurídica não incide
se ocorre algum dos casos previstos no art. 954, ou algum que lex specialis haja concebido. No art. 1.531, supõe
-se que dívida existia, mas já fôra solvida, no todo; ou em parte, sem que o credor se restringisse a só pedir o que
restava, ou que a haja pedido mais do que se lhe devia. A pena privada consiste em pagar ao devedor o dobro do
que lhe pedira, se a demanda fôra da dívida solvida, ou da parte da dívida ainda não solvida e da parte já solvida.
Não há inconveniente em que se chame a tais sanções penas privadas.
Não se há de dizer que se repara, que há, na regra jurídica, apenas a função de satisfação, se a sanção não cobre os
danos, em natura, ou por outros valôres; e o que se estatui somente submete o ofensor a diminuição dos bens que
lhe tecam, ou de restrição a direitos de personalidade. Caráter primitivo não tem a prestação de soma em dinheiro
se o dano foi moral. Não se pode negar que exista se o que se presta não satisfaz, quer na mesma espécie, quer em
valor. As sanções dos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil de modo nenhum indenizam totalmente. Tanto assim que
o demandado que, pela instauração da lide, foi, por exemplo, levado à decretação da abertura da falência, ou ao
pedido de concordata, pode propor contra o demandante a ação com fundamento nos artigos 159 e 1.518.
Nos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil não se cogitou do lugar e da causa. Provêm êles das Ordenações
Filipinas, Livro III, Títulos 34, 35 e 36. Já assim as Ordenações Afonsinas, Livro III, Títulos 82, 33 e 34. Quanto à
dívida já paga, no todo ou em parte, procederam de Dom Dinis as regras jurídicas. Cf. Ordenações Manuelinas,
Livro III, Títulos 25-27.
De jure condendo, foi contra tais medidas FRANCIScO DE PAULA BATISTA, entendendo que as Ordenações
Filipinas, Livro III, Títulos 34, 35 e 36, estavam revogadas pelo Dec. n. 737, de 25 de novembro de 1850, por ser
processual o assunto. Sem razão, e a inserção das regras jurídicas dos arte. 1.530 e 1.531 no Código Civil veio
confirmar que a pena pode ser pelo exercício da ação (ação, no sentido do direito material) ou pelo exercício do
remédio jurídico processual. Por isso, tanto o Código Civil como o Código de Processo Civil podem conter
sanções que se refiram a abuso do direito.
Se o autor cedeu os seus direitos, o cessionário não fica sujeito às penalidades dos art. 1.530 e 1.531 do Código
Civil. Justa é a ignorância do fato alheio (MANUEL GONÇALVES DA SILvA, Com mentaria ad Ordinationes
Regni Portugctlliae, 1, 279: “Unde cessionarius, qui in ius succedit alterius, plus petens, non damnatur ex expensis
... Justa enim est ignorantia facti alieni, in quo prudentissimus etiam errare po..... . Nisi is, qui ignorantiam facti
alieni allegat, saepius illud tractasset, vel eius tractactioni interfuisset, ut sunt compositores amicabiles, seu
mediatores, vel arbitratores, et c., vel nisi aliquid promulgatum sit, vel factum alienum grave sit, quod non facile
excidat memoria”). Salvo: a) se o cessiouário foi coator ou cúmplice na pina petitio; li) se tão grave foi o fato que
dêle devam ter ciência todos; c) se o cessionário conhecia o fato da plus petitio, como, por exemplo, se era o
procurador ou advogado do demandante; d) se o ignorava, mas, vindo a ter conhecimento do ocorrido, insiste na
ação (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria ad Ordinationes Regni Port ugalliae, 1, 279), caso em
que, logo após a informação, teria o cessionário de retificar a petição (FRANcisco DE PAULA BATISTA,
Compêndio de Teoria e Prática do Processo Civil, ed. de PONTES DE MIRANDA, § 105 e notas). Se o caso não
é para se decretar a pena contra o cessionário, a s~ntença tem de condenar o autor, como se cessão não tivess~
havido.
Se o procurador, sem ciência do autor, pediu mais do que o demandado devia ao autor, então, êle, e não o autor, é

(continuação)
o responsável, salvo se o autor expressa ou tàcitamente ratifica a petição, isto é, se vem a saber do que ocorreu e
não proibe o andamento da causa, ou não exige a retificação (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria
ad Ordinationes Regni Portugalliae, 1, 279: ..... quando petitio facta fuit per procuratorem, qui non dicitur habere
mandatum ad faciendum incidere dominum in poenam... Nisi post motam litem dominaus ratificet tacite, vel
expresse, vel sciens, motam litem fuisse, non prohibuit”).
Ainda que por falta de culpa não se possa punir o autor, basta que haja a do procurador para que, feita a prova, se
lhe aplique a pena. Mas, se não há prova da ignorância por parte do autor, pressume-se que conhecia o que o
procurador fêz, porque procurator non sensetur habere ‘mandatum ad faciendum dominum incidere in poenas.
Primeiramente, advirtamos que a lei apenas determinou, excepcionalmente, duas espécies de danos que os
credores causam, na cobrança das dívidas. De modo nenhum, com isso, se afastam as espécies em que alguém,
cometendo ato ilícito absoluto, cobra divida. O caso principal é o do falso credor, isto é, de quem se diz credor
sem ser. Seria, aliás, absurdo que se considerasse ato ilícito absoluto o de quem cobra dívida antes de vencida, ou
demanda por dívida já paga, ou pede mais do que era devido, e não se tivesse como tal a demanda condenatória
ou executiva pela pessoa que não era credor. Ali, a punição é segundo os pressupostos que apontam nos artigos
1.530 e 1.531 do Código Civil, isto é, se o credor note-se bem: o credor demanda o devedor antes de vencida a
dívida, se é que, na espécie, a lei não o permite, ou por dívida já paga, sem ressalva do que já recebera, ou se pede
mais do que lhe é devido.
Se o demandante não era credor, ou o deixara de ser antes de propor a ação, a reparação dos danos é segundo os
princípios gerais. Aliás, de modo nenhum a incidência, ou a invocabilidade dos arts. 1.530 e 1.531, nas espécies
que êles precisamente designam, afasta a ação de indenização pelo ato ilícito da cobrança, inclusive em
reconvenção.
Quem paga a dívida alheia, crendo que tinha de pagar, inclusive no caso do pagante erradamente se ter
considerado vinculado, ou mesmo como co-devedor, não tem ação de restituição contra quem seria o credor (L.
44, D., de condictione indebiti, 12, 6: “Repetitio nuíla est ab eo qui suum recepit tametsi ab alio quam vero
debitore solutum est”). Se o êrro consistiu em crer-se devedor, discute-se se tem a condic’tio
indebiti contra o credor, ou apenas a ação de regresso contra o devedor, ou se tem a escolha entre as duas. Não se
pode pensar em responsabilidade do devedor como dono do negócio jurídico, porque, ex kppothesi, o pagante não
praticou o ato-fato jurídico do pagamento como gestor de negócios alheios. Só se poderia tratar de ação de
enriquecimento injustificado. ~ Tem êle ação de enriquecimento injustificado contra o credor, pois o que êle
cobrou foi a dívida de outrem? A resposta vulgar é no sentido afirmativo, pois o qúe foi pago foi o que não existia
(e .g., JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 445; ERICH MOLITOR, Schuldrecht, j~j, 2~a ed., 171). O
devedor, se havia, não ficou liberado, como ficaria se o terceiro lhe houvesse pago a dívida. Pode bem ser que não
houvesse devedor. O credor que recebeu sem advertir que o pagante não devia, ou, talvez, que não existisse divida,
procedeu de má fé, ou~ por êrro. A dívida que êle cria sua não existia. Se dívida existia era de outrem e isso êle
não quis pagar. Portanto, conforme a L. 65, § 9, D., de condictione indebiti, 12, 6, há a condictio indebiti:
“Indebitum est non tantum, quod omnino non debetur, sed et quod alii debetur, si alii solvatur, aut si id quod alius
debebat alius quasi ipse debeat solvat”. O texto é de PAULO. O que se considera indevido não é só o que de modo
nenhum se deve, mas também o que se deve a um e se paga a outrem, ou se o que alguém devia outrem o paga
como se devesse.
Aqui, porém, o que nos interessa é a eventual ilicitude. Pode quem se deixou considerar credor ter provocado o
pagamento e o seu ato evidentemente é ilícito absoluto. Dá-se o mesmo se o pagante lhe perguntou se era credor,
ou se era o credor, e o recebedor da quantia em dinheiro ou outra prestação não só errou como foi o culpado do
pagamento injustificado. Aí. há ato ilícito absoluto.

2. DIVIDAS NXO VENOmAS. Nem só a cobrança de dividas não vencidas, ou já pagas, pode constituir ato
ilícito. A cobrança de dívida extinta, sem ser por adimplemento, basta, conforme os princípios s8bre a culpa, para
que a responsabilidade se estabeleça.
Se há títulos de diferentes datas e só um não está vencido, ou só alguns não estão, tem-se, na sentença, de aplicar o
art. 1.530 do Código Civil apenas aos que não estavam vencidos (sem razão, a Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, a 2 de maio de 1952, J. de 1953, 357). As penalidades do art. 1.530 de modo nenhum
afastam a ação de indenização por ato ilícito absoluto, com base no art. 159 ou no art. 1.521. A incidência do art.
1.530 não exige que tenha havido alegação e prova de dano. Daí acertadamente ter dito o
2.0Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de agôsto de 1940 (R. dos T., 131, 602), que
é de se repudiar a afirmativa de que a habilitação legal do advogado seja suficiente para se pré-excluir a culpa, in
eligendo, ou, em certos casos, iu vigitundo, do cliente: presume-se que o advogado seguiu as instruções do cliente

(continuação)
e obrou de conformidade com as instruções recebidas.
No art. 1.530 há dois pontos que merecem exame atento:
faia-se em ficar obrigado o credor a) a esperar o tempo que faltava para o vencimento e b) a descontar os juros
correspondentes. Quanto a a), há apenas explicitação, porque, se a dívida não estava vencida, óbvio é que tem o
credor de esperar que se vença. O legislador não teve a exatidão que se encontrava nas Ordenações Filipinas,
Livro 111, Título 34, pr., onde apenas se dizia como havia de sentenciar o juiz. Quanto a b), os juros, que se
descontam, são os correspondentes ao tempo que antecedera ao vencimento. Se a dívida se venceria em dezembro
e a cobrança fôra em março, como se a dívida estivesse vencida, tendo o devedor pago adiantadamente os juros, de
x por mês, o credor tem de descontar da dívida dez vêzes i, como pena privada. Se os juros teriam de ser pagos
cada mês, o desconto é feito pela exclusão dos pagamentos: deixaram de ser devidos. Observou-se que a
incidência do art. 1.530 é automática. Se o juiz não se referiu à pena, pode o demandado apresentar embargos de
declaração. ~ dever do juiz, que se refere a fatos previstos no art. 1.530, aplicar a lei, que automàticamente
incidira. Dever da aplicar de ofício.
No art. 1.530 nenhuma vez se alude a dolo ou má fé. Nas Ordenações Filípinas, Livro III, Título 24, pr., está o
expressivo “maliciosamente”, duas vêzes. Mas havia a referência à “ignorância, ou simpleza, sem outro engano ou
malícia”, que escusaria, e a margem para a condenação no dôbro das custas, “segundo a simpleza, ou culpa, em
que fôr achado”. “Maliciosamente” também aparece nas Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 25; e nas
Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 32, pr.
Se houve êrro escusável ou engano escusável, a regra jurídica não incide, O ônus de alegar e provar que o êrro
escusável ou o engano escusável ocorreu incumbe ao credor demandante, ou reconvinte, ou quem alegou
compensação. A culpa é presumida, O art. 1.530 não fala em culpa, nem dolo; de modo que a interpretação que se
há de dar é a que faz presumida a culpa, salvo ao demandante, ou reconvinte, ou alegante de compensação, o
poder objetar que não se há de aplicar a pena privada, pois procedera por êrro escusável ou por engano.

3. DÍVIDAS JÁ PAGAS. O devedor, ou terceiro, interessado, ou não, no pagamento, pode ter pago à data do
vencimento, ou antes, ou depois, o que se devia. Liberado está o devedor e a lei cogitou da cobrança de dívidas já
pagas.
Discutiu-se se o êrro ou engano do demandante afasta a incidência do art. 1.531 do Código Civil e invocou-se,
depois, o art. 64 do Código de Processo Civil, onde se fala de dolo ou culpa. Primeiramente, o objeto do art. 1.531
do Código Civil é diferente do objeto do art. 64 do Código de Processo Civil. A favor da opinião que exige ter
havido culpa, de modo que o êrro ou engano justificável pré-exclui a aplicação do artigo 1.531 do Código Civil, a
2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, a 19 de novembro de 1939 e a 19 de dezembro de 1941 (A. J., 55, 14; 62,
263), a í.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de novembro de 1954, a 8~a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 29 de agôsto de 1950 (99, 371), a í.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça
da Bahia, a 20 de março de 1951 (R. das T. da Bahia, 43, 244), que, erradamente, fala de “dolo”, que estaria no
texto (o artigo 1.531 de modo nenhum se refere a dolo, ou, mesmo, a culpa), a ~ Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, a 15 de julho de 1941 (R. dos T., 137, 296), a 2.~ Câmara Cível do Rio Grande do
Sul, a 8 de janeiro de 1947 (J., 29, 197), a ja Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, a 22 de maio de 1951
(Paran4 J., 54, 171), a 5~a Câmara Civil do ‘tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de fevereiro e a 1’l de agôsto de
1951, a 3•a Câmara Civil, a 17 de março de 1952, a 6~a Câmara Civil, a 21 de janeiro de 1949, a 4Y~ Câmara Civil
do Tribunal de Apelação de São Paulo, a
de maio de 1942 e 1945 (R. dos T., 139, 198 e 165, 194), a 1.a Câmara Civil, a 7 de agôsto de 1944, (152, 222),
2.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 15 de outubro de 1942 (145, 139), a 2.~
Câmara Civil, a 28 de outubro de 1941 (138., 1S4),. e a 3~a Câmara Civil, 19 de agôsto de 1942 (140, 568). Tôda a
jurisprudência foi, portanto, no sentido que demos, em 1930, ao ari. 1.531 (Das Obrigações por tos iViCiLOS,
11,492).

A 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 15 de setembro de 1953, decidiu que a ação de despejo
há de ser tratada como as ações de cobrança, se não havia alugueres atrasados. A solução foi acertada. Qualquer
dívida, não vencida, ou já paga, no todo ou em parte, trate-se de prestação duradoura, ou não, por parte do outro
figurante, é dívida inserível nas espécies em que se estabeleceu a sanção de pena privada.
As Ordenações Afonsinas, Livro III Título 32, pr., onde se fala de “auçam pessoal”, as Ordenações Manuelinas,
Livro III, Título 25, pr.. e as Ordenações Filipinas, Livro III, Título .34, pr., aludiram à natureza pessoal da ação. O
Código Civil, não. De lege condendo , a solução foi acertada, e havemos de sublinhar a diferença entre o direito

(continuação)
anterior e o vigente, para que não se deixe de aplicar o art. 1.530 com invocação de só se referir às cobranças em
ações pessoais. O credor, com direito pignoratício, ou hipotecário, ou caucional, ou outro direito real de garantia,
está sujeito à incidência do art. 1.530, como à do art. 1.531.
O ônus de alegar e provar que houve o êrro escusável ou o engano escusável incumbe ao credor, seja êle
demandante, ou reconvinte, ou parte que afirma caber compensação.

4. ABUSO DO DIREITO E ATO ILÍCITO. Nos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil o que se pune,
privatisticamente, é o ato ilícito da cobrança, ilicitude que o direito reinicola explicitou. Há espécies que são de ato
ilícito por propositura de ação, ou mesmo exercício de pretensão, que não cabe no artigo 1.530, nem no art. 1.531;
por isso é sem fundamento dizer-se que quem usa “maldosamente do direito de ação sem interesses e sem motivo
legítimo, comete abuso do direito”, ao passo que, se não há direito, ou pretensão, ou ação, e há negligência, ou
imprudência, o caso é de ato ilícito, “falta de quem, sem direito, causa dano” (A. PEREIRA BRAGA, Exegese do
Código de Processo Civil, II, 281; JOSÉ DE AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, II, 4.~ ed., 515). Apenas
convém que se precisem os conceitos: para que haja abuso do direito, por propositura de ação, são pressupostos
existir o direito, a pretensão e ação (não basta que exista o direito, ou que existam o direito e a pretensão), que haja
a pretensão à tutela jurídica, que o exercício do direito seja “irregular”. Se o suporte fáctico da regra jurídica se
compõe, há ilicitude por exercício irregular do direito. Se não há direito, ou se não há pretensáo~ ou se não há
ação, o ilícito não ocorre por abuso do direito, e é responsável quem propôs a ação, causando, com culpa, o dano.
Evite-se falar em malícia do autor, ou do reconvinte porque, no sistema jurídico brasileiro de hoje, é suficiente a
culpa.
Se o caso se inclui no art. 1.530 ou no art. 1.531 do Código Civil, a responsabilidade nada tem com a culpa, a
fortiori com a malícia (sem razão, a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 22 de setembro de 1926, R. de D.,
59, 593, o Tribunal .da Relação de Minas Gerais, a 7 de julho de 1926, R. F., 47, 721, que falou,
abundamentemente, do “propósito de vexar”, como se fôsse pressuposto; e 10 de outubro de 1923, 41, 572). No
caso de falta do advogado, que recebera e, a despeito disso, propusera a ação, o Tribunal da Relação de Minas
Gerais, a 9 de julho de 1924 (R. F., 43, 291), julgor improcedente a ação da responsabilidade pela cobrança de
dívida já paga. Ora, a ação era procedente, e ao autor tocava, apenas, a ação regressiva contra o advogado.
Acertado o Supremo Tribunal Federal, a 29 de dezembro de 1942 (D. da 3’., de 3 de abril de 1943) e a 12 de
outubro de 1942 (D. da J., d~ 3 de abril de 1943). Não se exigem a alegação e a prova da culpa (sem razão, o
Tribunal de Apelação de São Paulo, a 26 de setembro de 1939, R. dos T., 126, 189). Sem qualquer base jurídica e
erros graves de conceitos, a 2.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, a 19 de setembro de 1939 (1?. J., 55, 14), e a
1,a Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, a 20 de março de 1951 (R. dos T., da Bahia, 43, 244).
Discute-se se o caso é de presunção de culpa. Primeiramente, temos de afastar que não se trate de
responsabilidade pelo risco, sem que qualquer defesa de nenhuma culpa tivesse o autor, ou o reconvinte. Se tal
responsabilidade não existe de iure condito e se não se precisa alegar e provar a culpa do autor, do reconvinte ou
excipiente, só há a sabia de ser afirmar a presunção de culpa, o que explica e justifica a especialidade dos arts.
1.530 e 1.531 diante dos arts. 159 e 1.518. Se existe a presunção de culpa, discutiu-se se é presunção iuris tantum,
ou se é presunção facti. JosÉ DE AGUIAR DIAs (Da f?e8ponSabilidade civil, II, 4.~ ed., 519 e 521) sustentara
tratar-se de presunção iuris tantum, mas depois cedeu à afirmação de OROSIMBO NONATO, em voto no
Supremo Tribunal Federal (D. da 3’. de 11 de fevereiro de 1947) que sustentou ser facti a presunção. De modo
nenhum; se há, nos arte. 1.530 e 1.531, presunção, tal presunção é inris tantum. As presunções iuri,s tantum
podem resultar de textos explícitos, ou de interpretação da regra jurídica.
Pela presunção iuris tantu?n, a 8•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 29 de agôsto de
195(b (A. J., 99, 371).
A exigência da alegação e da prova de malícia, da má fé, ou da culpa deturparia o art. 1.531, ou o art. 1.530. O
Código Civil afastou-se da interpretação do direito reinícola, de que procedem as duas regras jurídicas,
consideraria de regra como pressuposto: a malícia. A jurisprudência contrária é sem qualquer justificativa (e. g.,
Côrte de Apelação do Distrito Federal, 22 de setembro de 1926, R. de D., 82, 164; 2.8 Câmara Cível do Tribunal
de Apelação do Rio Grande do Sul, 5 de maio de 1943, R. R., 95, 610; Supremo Tribunal Federal, 7 de maio de
1948, O D., 56, 153; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 22 de maio de 1951, Paraná J., 54, 171;
3•8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de março de 1952; 5~8 Câmara Civil, 2 de fevereiro de
1951, R. dos T., 191, 747; 6~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 18 de fevereiro de 1943, 144,
193; e 9 de agôsto de 1945, 165, 194; e 2.0 Grupo das Câmaras Civis, 15 de outubro de 1942, 145, 139).

(continuação)
5. ABSTRAÇÃO DO ELEMENTO OBJETIVO DO DANO. O artigo 1.530 e o art. 1.531 do Código Civil
abstraem do dano, que possa ter existido. Trata-se de pena privada. Se dano houve, mesmo em caso de cobrança
de dívida não vencida, ou já paga, a ação pode ser a de indenização pelo ato ilícito conforme os princípios gerais
(arte. 159 e 1.518). Com razão, o 2.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 14 de
agôsto de 1940 (R. dos T., 131, 602); sem razão, a 4~a Câmara Civil, a 18 de fevereiro de 1943, 144, 193.
Quando o demandado pede a aplicação do art. 1.530 ou do art. 1.531, pode pedir, como plus, a indenização por ter
sofrido danos. A pretensão é outra, sem que se possa arguir ser incabível a cumulação (2.a Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 28 de outubro de 1941, R. dos T., 138, 184).

6. AçÃo E REGONVENÇÃO. O autor, o reconvinte, não o excipiente, pode ser responsável pela cobrança.
Surgiu o problema da inclusão do réu em ação de prestação de contas, que sustenta ser credor, e não devedor, e a
1.8 Turma do Supremo Tribunal Federal, a 14 de abril de 1941 (A. J., 59, 362), julgou que ao réu não se pode
estender a regra jurídica do art. 1.531. A ação de prestação de contas é ação em que pode ser autor o devedor,
como pode ser autor o credor: ali, a petição inicial contém as contas de débito e de crédito; aqui, a petição inicial é
para que o devedor venha a juízo prestar as contas. Por isso, temos de repelir a interpretação demasiado restrita
que deu ao art. 1.521 a 1.8 Turma.

7.DESISTÊNCIA. A desistência, depois de contestada a lide, é ineficaz para que se afaste a pena privada (5.8
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 15 de julho de 1941, R. dos T., 137, 296; 1.8 Câmara
Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 11 de novembro de 1940, 134, 174).

8. ExERcÍcIO. O pedido de aplicação do art. 1.530 ou do art. 1.531 pode ser feito em reconvenção, ou em ação
de prestação de contas, ou em ação de pena privada, que se baseie na decisão trânsita em julgado sobre a
improcedência total ou parcial da ação do pretendido devedor por quanto total ou parcial. Quanto à reconvenção,
ou a ação dita autônoma, a g•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 19 de agôsto de 1942 (R.
dos T., 140, 568), e a L~ Câmara Civil, a 8 de novembro de 1954.

9.RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS. O exercicio

da pretensão à tutela jurídica com o exercício da ação de cobrança pode causar danos que têm de ser ressarcidos,
mesmo nos casos em que se há de aplicar a pena privada. Aliás, êsses danos podem ser oriundos de exercício de
pretensão antes de qualquer propositura de ação de cobrança, como se êles procederam de interpelação, protesto
judicial ou extrajudicial, ou de qualquer publicação.

§ 5.535. Ação do demandado

1.ALEGAÇÃO DE SER APLICÁVEL O ART. 1.530 OU O ARTIGO 1.531 no CÓDIGO CIVIL. O devedor, se a
dívida ainda não podia ser cobrada, ou o ex-devedor, que solveu a dívida, tem de alegar que a dívida ainda não
podia ser cobrada, ou que já tinha sido solvida. De iure condendo, tinha-se de edictar regra jurídica sobre o tempo
para a alegação. Por exemplo, considerar o momento da contestação da lide, como o único em que teria de ser
arguida a infração, ou o em que teria de reconvir, ou êsse ou qualquer momento posterior. A lei não escolheu. Se o
demandado, na contestação, diz que a dívida não está vencida, ou já foi paga, é assunto para a sentença. O juiz há
de aplicar o art. 1.530, ou o art. 1.531.
A pena do art. 1.531, como a do art. 1.530, pode ser pedida na contestação ou por reconvenção, ou em ação
posterior ao pleito (l.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 8 de novembro de 1954; sem razão,
por afastar a ação posterior, a 2~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 2 de setembro de 1941, R.
dos T., 134, 221).
O devedor pode ignorar que a dívida não estava vencida e só saber disso depois da contestação, ou do prazo para a
reconvenção. Pode ignorar que outrem pagou por êle, ou que banco ou empresa, que costuma prestar o necessário
a pagamento de dívidas, solveu a dívida. Enquanto não se profere a sentença, há a alegabilidade, por se tratar de
ignorância de fato. Após a sentença, a única solução é a de se alegar em recurso, ou em ação rescisória.
As penas dos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil não se aplicam se o autor desiste da ação antes de contestada a
lide. É o que está no art. 1.532. Com a contestação, está extinta qualquer eficácia da desistência no tocante às
penas (cf. 1~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 11 de novembro de 1940, R. dos T., 134, 174).

(continuação)
2. DESISTÊNCIA DA AÇAO. Se, antes de contestada a lide, ou autor desiste da ação, não há invocabilidade do
artigo 1.530 ou do art. 1.531. Pode êle ter obrado de boa fé; e. g., ignorou que alguém houvesse pago a dívida,
depositando a quantia na conta do banco.
O perdão jurídico que se contém no art. 1.532 não se estende ao processo; de modo que pelas custas e despesas
responde o nutor, infringente ou não, mesmo quando haja desistido antes da contestação.

3. ExTENSÃO DOS TEXTOS LEGAIS. Os arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil, como os textos das Ordenações
Filipinas, L. III, Títulos 34, 35 e 36, só incidem em petições judiciárias, e não em requerimentos ou pedidos
extrajudiciais (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Conmentaria ad Ordinationes Regni Po’rtugalliae, 1, 279).

DANOS À PESSOA

§ 5.536. Injúria, calúnia e outras ofensas

1. OFENSA À INTEGRIDADE MORAL E SOCIAL DA PESSOA. O art. 1.547 do Código Civil refere-se à
injúria e à calúnia. Além de se ter de dar à injúria e à calúnia conceito que não se junge ao do direito penal, não só
ofende à honra da pessoa quem a injuria ou calunia.
No Evangelho de São Mateus (16, 26) fala-se de “dano da alma”. O Preussisches Alígemeines Landrecht (1, 6.> §
1) definiu o dano como o detrimento ou menoscabo que sofre o homem em seu corpo, liberdade, honra e
patrimônio. Assim foi em muitos povos (cf. O. HAMMER, Die Lehre von Schadensersatz nach dem
Sachsenspiegel und den verwandten Rechtsquelien, 1 s.; SENG, Zur Frage der Vergtitung nichtôkonomischen
Schadens aus Delikten, Archiv fitr Bitrgerliches Recht, V, 374).
O dano moral, se não é, verdadeiramente, dano suscetível (la fixação pecuniária equivalencial, tem-se de reparar
eqilitativamente, sem se afastar que haja a apreciação operacional dos benefícios. Também se há de atender a que
pode ter havido culpa por parte do lesado, sem ser culpa pré-elidente da indenizabilidade, caso em que se atenua a
responsabilidade do lesante. De qualquer modo, o dano moral é indenizável, sem qualquer secundariedade.
A reparação natural é, quase sempre, impossível. Daí a necessidade de se encontrar o valor patrimonial, por
equidade, mesmo no caso de pecunia dofrn-is. A ação para que se retire cartaz injurioso é ação de reparação
natural, e ao pedido pode-se aditar o de retratação pública, bem como o de indenização. As ações são separáveis.
Os interesses de afeição podem, às vêzes, ser reparados naturalmente. Se não são reparáveis em natura, o caminho,
que se tem, é o da avaliação por equidade.
Certamente, é irreparável, em natura, a reação psicológica interna, que a injúria ou a calúnia causou, mas as suas
consequências o têm de ser. Não se pode dizer que baste, para se reparar em natura, que o ofensor retire o que
disse, retitique a asserção, ou se retrate públicamente. O que os sistemas jurídicos têm por fito é dar aos
interessados os meios para se corrigir lato senso o que se produziu contra a sua vontade, ou contra a lei. O
usufrutuário da casa grande ou do castelo não pode plantar canas no jardim da frente (cf. ULPIANO, L. 13, § 4,
D., de usu frnctu et quemctdmodum quis utatur fruatur, 7, 1; sobre o texto da L. 13, § 4, RUDOLF VON
JHERING, Em Gutacht, betreffend die Gaubahn, Jahrb’UcI&er flir die Dogmatik, 18, 69).
No direito brasileiro, levanta-se a questão de se saber se a pessoa, B, que, ofendendo a honra ou matando a A e,
com isso, pondo em estado de ter de ir para o hospital o pai ou a mãe de A, responde pelo dano. Primeiro, observe-
se que não se trata de dano moral, mas de dano patrimonial; o dano moral, no segundo caso, foi à filha do doente,
ou da doente. Segundo, que o dano por homicídio foi previsto no art. 1.537 do Códig Civil; e o dano à honra, nos
arts. 1.538-1.540. A resposta negativa está em F. VON LíszT (Die Deliktsobtigatio’nen, 65). Cumpre distinguirem-
se as espécies principais: se nenhum propósito teve B de lesar o pai ou a mãe de A, compreende-se que não se
estenda ao pai ou à mãe de B a legitimação ativa; mas, se o intuito foi êsse, há a legitimação ativa de A e do pai ou
mãe de A. Mais se o pai ou a mãe de A estava presente quando B matou A e houve o enfarte do genitor, o ato de B
causou diretamente os dois danos. Aliás, se B queria assassinar A e assassinou o pai ou a mãe de A, B responde, e
responderia também pelo enfarte de A, ou a lesão por tropeçamento. O pressuposto da causalidade, como o de
culpa, está, nas espécies, satisfeito.
2. INJURIA E CALUNIA. Lê-se no Código Civil, artigo 1.547; “A indenização por injúria ou calúnia consistirá
na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”. E no seu parágrafo único: “Se êste não puder prover prejuízo

(continuação)
material, pagar-lhe-á o ofensor o dôbro da multa no grau máximo de pena criminal respectiva (art. 1.550) “.
O fato de o Código Civil, no art. 1.547, só se referir à injúria e à calúnia de modo nenhum pré-exclui o ilícito
absoluto no tocante a outras ofensas à honra (e .g., difamação com ou sem propósito de pressão; a afirmação de
haver adultério da mulher de amigo, ou de inimigo, ou de superior, ou inferior; proibição injustificada de entrada
em clube, cassino, ou boate, ou restaurante; dispensa de empregado ou contraente, como ator ou cantor, com
afirmações falsas, inserção de retrato em anúncio de bebida, ou de gêneros alimentícios, ou de moda; a publicação
de entrevista com alterações comprometedoras). Anúncio em que se diz que os artigos de outros produtores são
antiquados, ou defeituosos, ou inferiores, são atos ofensivos.
Se a injúria ou a calúnia foi impressa em revista, jornal, anúncio, livro, folheto, ou outro escrito ou se foi
gravada, responsável é o autor, ou quem mandou redigir, ou compor, e se fêz autor. Se não consta o nome do autor,
nem se conhece a voz, a responsabilidade é do diretor ou gerente da publicação, ou do dono da tipografia, ou da
empresa de gravação, ou o gravador.
Se a injúria ou calúnia foi em entrevista, da qual consta o nome do entrevistado, tem-se de presumir, fâcticamente,
que a entrevista é verdadeira, mas depende de confirmação do entrevistado, que pode repelir, desde logo, a
proposição ou as proposições atribuidas a êle, ou aguardar que lhe façam a pergunta. Se a injúria ou calúnia é
grave, há direito e dever para o entrevistado, ou pessoa a quem se deu como entrevistado, sem ser verdade de
exigir a retificação.
A injúria ou calúnia pode ser sem palavras. ~ o caso, por exemplo, da publicação da fotografia da senhora M., que
se murmura ser amante do senhor N., com o nome “Senhora N.”.
O’ litigante que procedeu lesivamente, de má fé, na petição, ou na contestação, ou em qualquer ato processual, ca
lunia, porque deturpa os fatos. A calúnia há de ser tratada como o furto (sicut furti ú-rimen). O elemento da má fé
não é pressuposto essencial, pois à ilicitude basta a temeridade, a imprudência. O que se exige é a culpa. As regras
jurídicas especiais (Código Civil, art. 1.530 e 1.531) de modo nenhum afastam o princípio da responsabilidade
pelos danos no exercicio das ações. O marido ou a mulher que acusa de adultério, ou de outro ato ilícito, em ação
judicial, o outro cônjuge, tem de reparar os danos causados. Quem quer que seja pode pedir ao Estado a tutela
jurídica, exercendo a pretensão, como teria ao tempo da justiça de mão-própria o direito de exigir que se lhe
respeitasse a esfera jurídica. Porém a sem-razão, culposa, que causa danos é elemento suficiente do suporte fáctico
do ato ilícito. Mesmo quem perde pode ter ação de indenização contra a outra parte, que obteve ganho de causa.
Para isso, é preciso que alegue e prove ter havido chicana, ou propósito de prejudicar, ou outro elemento, como se
o endossatário da nota promissória prometera ao endossante, ou ao subscritor, somente exercer a ação executiva
depoi3 de determinada data. A promessa, mesmo escrita em bilhete, ou carta, não retira a pretensão à execução,
pois que se trata de título abstrato.
O êrro do advogado envolve na responsabilidade pelos danos causados à outra parte assim o advogado como o
cliente.
Se, a despeito de ter ganho a causa, houve culpa do litigante nos danos que o outro litigante sofreu, há a ação de
indenização pelo ato ilícito. Idem, se o dano foi causado pelo perdente (cf. Côrte de Cassação de Paris, 15 de abril
de 1908:
“... si eu thêse générale, la partie qui gagne son process ne peut obtenir contre son adversaire que les frais de
l’instance, il en est autrement lorsque les agissements de celui-ci constituent faute ayant causé un préjudice”). Se A
foi vitorioso no processo, há a condenação da parte vencida nas custas e, por vêzes, quanto aos honorários do
advogado, mas isso não pré-exclui que outros danos tenham advindo ao litigante vencedor, por culpa do outro
litigante, ou do seu advogado. Há farta jurisprudência francesa e italiana a êsse respeito. Um (los exemplos é o da
publicação na imprensa de petição ou contestação ou outro ato processual com ofensas ao litigante.
Mas tais ofensas podem ser apuradas mesmo se somente constam dos autos.

3.OFENSAS AO QUE ATINGEM A PESSOA. Se empregamos a expressão “pessoa” no sentido de psique e


extensão sociopsicológica, as ofensas ao corpo não se incluem nos danos à pessoa; mas tal restrição não se
justifica.
No art. 1.538, § 2.0, do Código Civil fala-se de mulher solteira, ou viúva, “ainda capaz de casar”. Tem-se de
abstrair de tal limitação, porque somente é inapta a casar quem, para sempre, não pode manifestar vontade de
vincular-se pelo casamento (e. g., com surdo-mudez incurável). Aliás, a finalidade do chamado “dote”, no art.
1.538, § 2.~, é a de determinação do valor do dano, e não de dotar. Ninguém pode dizer que a solteira, ou viúva,
muito velha, não pode casar; a fortiori, ler o art. 1.538, § 2.0, como se êle só desse a pretensão ao dote se a solteira
ou viúva vier a casar (e. g., Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 23 de junho de 1942, J. do T. de A., 10, 71).
O chamado “dote” é devido desde o dia do fato ilícito absoluto (não só do ato ilícito absoluto). A expressão

(continuação)
“ofensor” lá está em sentido genérico: de quem quer que seja, por lei, responsável pelo dano.
Deformidade é a perda da forma normal, a consequência permanente da lesão, sem que se exija ser em parte não
coberta do corpo. Se houve a indenização por ofensa à integridade física, a ulterior operação que atenue ou exclua
a deformação, à custa do demandante, que prestou o quanto, não suscita a necessidade de restituição, ou a
pretensão a que se restitua a quem pagou a indenização.
sem importância a distinção entre dano atual e dano futuro. Ambos podem ser certos, e podem não no ser. O dano
que somente pode ocorrer ainda não é dano, não suscita a reparabilidade. No Código das Obrigações da Polônia,
art. 161, § 2.~, falou-se de se reparar o dano resultante de diminuição das possibilidades de bom êxito futuro. As
críticas são, às vêzes, ásperas, porque, dizem, se cai na investigação da previsibilidade. Ora, o dano já existe, ou na
pessoa, ou em bem corpóreo ou incorpóreo, e consiste na diminuição da eficiência ou da probabilidade de
alienação ou de uso e fruição . Não se interpreta como se contivesse êrro qualquer regra jurídica se ela permite que
se lhe revele conteúdo que não seja errado. O abalo do crédito é uma das espécies de danos a que alude o art. 161,
§ 1.0, do Código das Obrigações da Polônia. Confuso o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 20 de. agôsto de
1919 (R. ~o S. T. F., 22, 39 s.), porque dano patrimonial e dano não-patrimonial têm de ser alegados e provados, e
o abalo do crédito é dano de que resultam conseqüências . Tem-se de avaliar ou arbitrar, porque nem todos os
danos são mensuráveis com exatidão.
A dificuldade para casamento ou para exercício de alguma profissão, que se exercia, ou para a qual ~e preparava
alguém, é dano cujas conseqüências são probabilisticas. Não é de simples possibilidade, que se trata; mas de
probabilidade, e as circunstâncias podem compor a necessidade da indenização imediata. O afastamento das
agravações é da máxima relevância e pode ser tal que se compute, desde logo, o quanto indispensável ou
simplesmente reputado como razoável para as medidas eliminatórias ou de cautela.

§ 5.537. Honra da mulher e ofensa

1.OFENSA À HONRA DA MULHER VIRGEM E MENOR. Diz o Código Civil, art. 1.548: “A mulher agravada
em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se êste não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um
dote correspondente à sua própria condição e estado. 1. Se, virgem e menor, fôr deflorada. II. Se, mulher honesta,
fôr violada, ou aterrada por ameaças. III. Se fôr seduzida com promessas de casamento.
IV. Se fôr raptada”. E o art. 1.549: “Nos demais crimes de violência sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-se-á
judicialmente a indenização”. A primeira espécie, de que cogita o Código Civil, no art. 1.548, é a da virgem e
menor, que foi deflorada. Porém tôdas as ofensas de que aí se cogita são apenas sexuais. Com isso, não se afastam
as indenizações por ofensa à honra sem serem carnais. Um dos pontos principais é o da independência do ato
lesivo sexual em relação ao nível moral da mulher. A espécie é diferente da em que a deflorada já era maior,
porque se retira a indenizabilidade se a mulher, virgem, se entregou voluntariamente e sem promessa de
casamento (art. 1.548, II, III e IV). Menor, no art. 1.548, 1,
é a mulher de menos de vinte e um anos de idade, mesmo se houve suplemento de idade. O fato de levar a mulher
virgem e menor a entregar-se após falsa celebração de casamento, ou casamento nulo, por ser casado o ofensor, ou
após casamento religioso sem eficácia civil <2.a Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, 24 de junho de 1947), é
compreendido na regra jurÍdica do art. 1.548, 1, e na regra jurídica do artigo 1.548, III. Se maior, virgem ou não
(cp. 6~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de março de 1954, R. dos T., 223, 272), pela regra
jurídica do art. 1.548, III.
A dação de dolo, na espécie do art. 1.548, nada tem com a multa, criminal ou civil, mesmo se ao tempo do Código
Criminal do Império, arta. 219-227 (JOSÉ DA SILvA COSTA, Estudo teórico e prático sobre a Satisfação do
dano, 2.~ ed.,23 s.). Trata-se de reparação civil por ato ilícito absoluto.

2.FONTE DOS PRINCÍPIOS. O art. 1.548 tem a sua fonte remota em lei de Afonso IV; portanto, no meado do
século XIV, lei que foi inserta nas Ordenações Afonsinas, Livro V, Titulo 9, § 1: “Outro sy porque nos he dito, que
em alguús lugares, também nos lugares per que nos andamos, como nos outros lugares do nosso Senhorio, nom
temendo Deos, nem justiça temporal, atrevendo-se em taaes usos e custumes, de que ataa qui usarom, induzem per
afaagos e per outras maneiras alguás molheres virgeés, e viuvas. que vivem honestamente, pera fazerem com elías
maldades de seus corpos: Teemos por bem, e Mandamos de conselho dos sobreditos, que aquelles, que daqui
endíante esto fezerem, casem com essas molheres, se elías quiserem, e elles forem taaes, que sejam convinhavees
pra casar com elías; e se per ventura elles com elías nom quiserem casar, den-lhe de seu tanto, per que possam
aver casamento convinhavel: e esto meesmo se faça, quando elías non quiserem casar com elles. E o casamento

(continuação)
seja dado a essas molheres, como parecer aguisado a nós, ou aas nossas justiças dos lugares, hu esto acontecer. E
se esses, a que for mandado que dem esses casamentos, os nom derem ao tempo. que lhes for posto per nós ou per
nossas justiças, se beõs houverem, sejam constrangidos logo per nós ou per nossas justiças, pera pagarem esses
casamentos dubrados; e se be~s não houverem, e fidalgos forem, percam os maravidís, que de nós

ou de rico homem teverem, e sejam deitados fora da terra; e se nom forem fidalgos, sejam açoutados per toda a
Villa, e deitados fora da terra pera sempre O elemento necessário para o delito era, no direito luso-brasileiro, desde
Afonso IV, o ser virgem ou viúva (Ordenações Afonsinas, Livro V, Título 9, §§ 1-4; Ordenações Manuelinas,
Livro V, Título 23, pr., e § § 1-6; Ordenações Filipinas, Livro V, Título ~3, pr., e §§ 1, 2 e 3), e não a menoridade,
com a virgindade, ou o ser mulher honesta, violentada ou aterrada por ameaças.
A 3•~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de novembro de 1951 (R. dos T., 198, 152),
considerou dano à honra a rutura do hímen sem relação sexual.
Alguns problemas surgem que precisam ser versados, com tôda a clareza. Por exemplo: a) o defloramento pode
não ser feito por homem~ ou por homem com instrumento ou sem ser com o órgão sexual; b) a expressão “mulher
honesta” refere-se a honestidade sexual, de modo que a virgindade, na mulher de maioridade, é elemento
suficiente para que se tenha por honesta a mulher ofendida; e) a violência pode partir do ofensor, ou de outrem, se
há a circunstância ou a relação de causalidade; d) o terror, com que se chega à violência sexual, pode ter como
autor o ofensor, ou outrem, inclusive animal; e) a violentação sexual, de que é vítima mulher desonesta, não se
insere nas espécies do art. 1.548, II, e sim nas espécies do art. 1.549, mas pode ser invocado, se a promessa de
casamento foi causa determinante da entrega da mulher, o art. 1.548, III, ou, se houve rapto, o art. 1.548, IV.

3. VIOLÊNCIA, AMEAÇA OU SEDUÇÃO. A violência, ou a ameaça, ou a sedução com promessa de


casamento, ou o rapto é elemento necessário para a incidência do art. 1.548, II, III e IV, se maior a mnlher. A
honestidade é pressuposto para a invocação do art. 1.548, II; não, para a do art. 1.548, III ou IV: a mulher
desonesta a que se prometeu casamento tem o direito ao que se estabelece no art. 1.548, bem assim aquela que foi
raptada. A meretriz pode ser ofendida (com razão, a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul,
a 15 de julho de 1943; e JosÉ DE AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade cível, II, 4.~ ed., 443).
Oart. 1.548 do Código Civil fala, no inciso 1, de virgem e menor, que fôr deflorada; no inciso II, de mulher
honesta, que fór violentada ou aterrada por ameaças; no inciso III, da mulher que fôr seduzida com promessa de
casamento; no inciso IV, de mulher raptada. Se a mulher não é virgem menor, nem é mulher maior honesta, nem
foi seduzida com promessa de casamento, nem raptada, mas houve a violência ou foi aterrada com ameaças e
houve relação sexual, ou agravo à honra; ~ há a ação de indenização? A espécie escapa ao art. 1.548, pois, se não
há menoridade, virgindade e honestidade, só a promessa de casamento ou o rapto pode dar ensejo a invocação da
regra jurídica. A meretriz que só se entrega a alguém com promessa de casamento está contemplada no art. 1.548,
III, porque em tal inciso se abstrai de menoridade, de virgindade e de honestidade. Dá-se o mesmo quanto ao art.
1.548, IV. A prostituta é desonesta, mas algo lhe resta de honra, de direito de personalidade; portanto, de iure
condendo o art. 1.548, III e IV, foi acertadamente redigido. O problema somente se põe para o caso de nenhum dos
incisos do artigo 1.548 poder ser invocado: o único elemento que se supõe é a relação sexual contra a vontade da
mulher prostituta, ou mesmo ofensa à sua honra sem ser com a relação sexual (e. g., o lazarento ou o criminoso
conhecido do bairro obriga-a a passear com êle pelas ruas, como se fôsse seu amante). A prostituta pode ser
caluniada ou injuriada e nasce-lhe a ação de reparação pelos danos patrimoniais e não-patrimoniais causados pelo
ato ilícito. Pode ser difamada, como se lhe atribuem relações sexuais com pessoas que não são do meio em que ela
tem contactos e tal afirmação lhe é ofensiva. Pode ser injuriada, como se, passando pela rua, ou estando numa loja,
alguém a aponta com o que ela é, ou não é, ferindo-lhe o decôro. A prostituta pode propor ação contra violador de
segrêdo.
No direito brasileiro, acertadamente, à diferença de outros sistemas jurídicos, ao definirem, nos arts. 213 e 214 do
Código Penal, os crimes contra a liberdade sexual nenhuma alusão se fêz à honestidade da mulher. Lê-se no art.
213:
“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena reclusão, de três a oito anos”.
No art. 214: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com êle se
pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena reclusão, de dois a sete anos”. Advirta-se que “alguém”,
ou “êle”, no artigo 214, é mulher ou homem. No art. 213, o agente pode ser homem ou mulher. Assim, constranger
prostituta à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça, é crime. Crime é, também, constranger

(continuação)
prostituta, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que haja a prática de ato libidinoso diverso
da conjunção carnal. A regra jurídica do ad. 214 não está bem redigida porque o crime contra a liberdade sexual
pode ser praticado por terceiro, e não pelo participante do ato carnal (B ameaça de ferimento ou morte a A se A
não tiver relação sexual com C). No art. 215 e parágrafo único e no art. 216 e parágrafo único é que aparecem as
referências à honestidade, à virgindade e à menoridade.
A propósito do art. 1.548, 1, do Código Civil cumpre observar-se que a regra jurídica que nêle se contém diverge
da que está no Código Penal, art. 215, parágrafo único, e artigo 216, parágrafo único. Naquele, em vez de se falar
de virgem e menor, fala-se de “mulher virgem e menor de dezoito e maior de quatorze anos”; nesse, de ofendida
“menor de dezoito anos e maior de quatorze”. Mas a divergência é sem relevância, porque a ação de indenização
por ato ilícito independe de idade inferior à menoridade e qualquer crime escapo aos arts. 215-218 do Código
Penal entra no art. 213 ou no art. 214. Presume-se a violência se a vítima não é maior de quatorze anos, diz o art.
224, a).

4.INDENIZAÇÃO .A TÍTULO DE DOTE. No art. 1.548 fala-se de “dote” correspondente à situação e estado da
mulher ofendida. Em verdade, não se trata de dote, mas de reparação, pôsto que se não tenha de proceder à
avaliação dos danos. Deixou-se a fixação ao exame e à decisão judicial, para que se leve em consideração o dano
moral (cf. 3~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 18 de fevereiro de 1956; 3~a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 15 de julho de 1943, R. F., 96, 116, a 25 de agôsto de 1949, 3’., 31, 405:
“... para a equivalência não se devem levar em consideração as possibilidades do ofensor, isso em principio,
porque, para a lei, o que importa é a obrigação de dotar”; Câmaras Reunidas, 26 de julho de 1946, 3’., 28, 525 5.:
“O dote, no caso, é forma de indenização, tem caráter reparatório, e não se confunde com o que constitui base do
regime dotal...”). Dissemos acima que o juiz há de levar em consideração o dano moral. De modo nenhum se há
de entender que o exame, pelo juiz, do caso sobre que tem de decidir, somente se ligue ao dano não-patrimonial.
Os danos patrimoniais têm de ser avaliados. A ofendida era instalada em casa de família, que a acolheu quando
perdeu a mãe ~ e tratada como filha, com todo o confôrto, vestes caras, instrução e educação de alto nível. O ato
delituoso do ofensor causou tal choque aos acolhedores de meses, ou de anos, que a ofendida teve de deixar a
casa. Tais prejuízos pecuniários e não só morais têm de ser apreciados pelo juiz.
Quanto à expressão “dote”, temos de insistir a respeito do seu conteúdo.
O sentido é larguíssimo , porque escapa às regras jurídicas do Direito de Família. Não há a inalienabilidade a que
se refere o art. 293 do Código Civil, nem passa a ser elemento do regime dotal, se a mulher, que o recebeu, se casa
com o ofensor, ou com outrem.
Quanto à situação econômica do ofensor, nem se pode dizer que não se há de apreciar para se determinar o quanto
da reparação (e. g., 3~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 25 de agôsto de 1949, J., 31,
405), nem se há de assentar que é elemento inafastável (e. g., Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de junho de
1930; Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 7 de julho de 1947, R. F., 117, 199). O próprio
ofensor sem meios há de ser condenado à prestação, que pode ser em quantias periódicas, que correspondam a
juros do que se haja de considerar o importe indenizatório.
Em princípio, responsável é o autor do dano. Há, como vimos, a responsabilidade por ato de outrem, como há a
responsabilidade pelo dano que causa algum animal ou coisa inanimada. Na técnica jurídica, há limitações à
responsabilidade, ou explicitações, que precisam ser interpretadas com todo o cuidado e exatidão.

§ 5.538. Ofensa à liberdade física e de pensamento

1. OFENSA À LIBERDADE FÍSICA. Qualquer ofensa à liberdade física dá ensejo a indenização, porque só a lei
pode com observância das regras jurídicas constitucionais, limitar a liberdade física. As penas de prisão são
exemplo.
Quem quer que prenda, ilegalmente, seja autoridade pública ou não no seja, comete ato ilícito absoluto. Também o
pratica quem, por ato que não caiba na classe dos atos em legítima defesa, sua ou de outrem, ou em estado de
necessidade, põe entre grades, quarto fechado, ou porão, ou outro lugar, qualquer pessoa, como se A não quer que
B alcance o trem e fecha a porta da cabina de telefone onde B se acha, ou o faz apenas por maldade sem finalidade
específica.
A liberdade de reunião é suscetível de dano, quer patrimonial quer moral. Se se põe de frente a finalidade da

(continuação)
deliberação (foi a assembléia que fêz o homem, e não o homem a assembléia), a ofensa atinge a liberdade de
pensamento.
No caso de prisão ilegal, só a autoridade que ordenou a prisão é devedora do ressarcimento do dano. É o que está
no artigo 1.552 do Código Civil. Discutiu-se se o art. 1.552 do Código Civil foi revogado pelo art. 194 da
Constituição de 1946, onde se estatui que as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis pelos
danos causados por seus funcionários, que em tal qualidade se achavam. No parágrafo único fala-se da ação
regressiva que têm as pessoas jurídicas de direito público. Já assim se dizia na Constituição de 1934, art. 171, e na
Constituição de 1937, embora com outras palavras. A discussão era incabível, porque sempre as pessoas jurídicas
estatais ou não foram responsáveis pelos atos dos seus funcionários ou empregados. O art. 1.552 do Código Civil
nada tem com a responsabilidade transubjetiva; só se refere, limitadamente, à responsabilidade do agente.
Precisou-se, com a regra jurídica do art. 1.552, alusiva ao art. 1.551, II, que o agente, aí, é quem ordena, e não
quem cumpre a ordem de outrem, que teria de cumprir. A afirmação do relator do recurso extraordinário, na 2.~
Turma do Supremo Tribunal Federal, a 5 de ag8sto de 1949 (A. 3’., 93, 379), no sentido de ter sido o art. 1.552
exceção ao princípio do art. 15 foi fundamento incorreto, bem assim a de ter o art. 194 da Constitui-
ção de 1946 revogado o art. 1.552 (com razão, a 6~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de
outubro de 1948, R. dos T., 177, 853). Em verdade, não se soube dar exata interpretação ao art. 1.552 (cf. Lei n.
2.033, de 20 de setembro de 1817, art. 18, § s.).
Com o art. 1.552 não se pré-exclui, por exemplo, a responsabilidade de quem, de má fé, dá queixa ou denúncia (cf.
~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de maio de 1938, R. dos T., 113, 728).
Se A ordenou a B a prisão ilegal de C, mas logo retirou a ordem, e B prendeu C, responsável é B. A expressão
“ordenou” no art. 1.552 não há de ser tida em senso estrito. Isso não afasta a possibilidade de haver a
responsabilidade de C pela prisão ilegal, pois que foi êle quem prendeu, sem mais haver ordem de prisão, e a
responsabilidade de A se deu ordem de prisão ilegal, independentemente do ato de prender.

2.OFENSA À LIBERDADE DE PENSAMENTO E OUTROS DIREITOS DE PERSONALIDADE. A liberdade


de pensamento, largo senso, é suscetível de danos patrimoniais e morais. A reparação é devida segundo os
princípios que regem o dever de indenizar. Sobre os direitos de personalidade, Tomos VII, §§ 727-
-756; II, § 116, 1; IV, § 405, 1; XVI, §§ 1.848; 1.880, 11; XVII, §§ 2.067; 2.088, 1; 2.094, 2; XXII, §§ 2.679;
2.686, 3; XXXII, § 3.656, 5.
Quem acusa a outrem de ter causado dano, sabendo que era falsa a acusação, ou sem ter qualquer prova, e, com
isso, atinge direito de personalidade, ou patrimonial, tem de reparar o dano causado. É o caso de quem diz que B
era fiador de A e não solvera a divida de A, e B não fôra fiador, ou o fora e pagou a dívida; pois tem de responder
pelos danos patrimoniais ou morais (cf. WILLI KRAMER, Der Sch’utz des BItrgen, 50 s.).

3.CONCEITO DE DANO NÃO-PATRIMONIAL E LIQUIDAÇÃO DE


DÍVIDA. A teoria da patrimoniabilidade do dano somente considera dano o que atinge direito patrimonial, ou
direito patrimonial ou interesse patrimonial. Seria reduzir-se o valor da vida humana ao elemento econômico, que
é apenas um dos elementos. Se A concorre a cargo político irremunerado e alguém, com calúnia ou outro ato
ilícito, o afasta, o interesse atingido é o interesse político, e não o econômico. Se A gozava de grande prestígio
moral no círculo social em que vive e alguém, com divulgação de escritos caluniosos, ou mesmo com afirmações
falsas, lhe retira algo do pôsto social que tinha, o interesse moral, e não o interesse econômico, foi ferido. Se A,
crente como é, considera a imagem que lhe deram, ou herdou, ou por outro modo adquiriu, como elemento da sua
tranqüilidade e da sua felicidade, o quebrar a imagem não ofende só o interesse econômico de A, mas também o
seu interesse religioso. Se A planejara a. estátua e alguém lhe ouve a descrição, ou lhe apanhou as notas, o
interesse lesado foi o interesse estético de A, a que talvez esteja junto interesse econômico, porém não é necessário
que esteja. O interesse de A pode ser só juridico, como se o documento que êle tinha e desapareceu, ou alguém
furtou ou destruiu, era o que lhe daria a vitória na ação de investigação da paternidade ou da maternidade, ou na
contestação. O cientista que está nas vésperas de obter solução para problema que só lhe interessa como cientista e
sofre a perda dos seus dados, por ato de outrem, tinha interesse científico> e não econômico, ou não só
econômico, e o dano é ao interesse científico. Mais ainda. A mulher elegante, que consegue desenhar, ou fazer, ou
encomendou vestido com que seria considerada a mais bem vestida da recepção, tem ação contra quem a priva de
usá-lo (e. g., rompendo-lhe parte ou escondendo-o), pela ofensa ao interesse de moda.
Quando o art. 76 do Código Civil fala em interesse moral não fala de dano moral. O interesse moral pode ser
lesado; é outro assunto. A alusão ao art. 76 apenas significa que não só se existe interesse material existe o
interesse moral lato senso. O dano moral resulta de ofensa ao interesse moral. No art. 76 não se fala de dano

(continuação)
moral, que é efeito da violação do interesse moral, ou até mesmo de interesse material, como se o ofensor do
edifício, com o estrondo da parede calda, causou a doença do habitante.
A expressão “dano moral” foi admitida e assente porque não se queria mais do que se afastar a patrimonialidade.
Sociolôgicamente. é defeituosa, por sua estreiteza; mas o conceito jurídico encheu-se de todos os danos não-
patrimoniais (morais, religiosos, artísticos, políticos, jurídicos, científicos e outros mais). Não há absurdo em se
conservar a expressão, pôsto que melhor fôsse evitar-se o senso larguíssimo, sociolôgicamente errado, de moral.
Ofensa ao corpo ou à psique não ~, necessariamente causa de dano a que corresponda um dos elementos dos
processos sociais de adaptação. No entanto, são, no todo ou em parte, não-patrimoniais.
A irressarcibilidade do dano não-patrimonial (dano moral) foi afirmada por muitos (LAFAYETTE RODRIGUES
PEREIRA, Direito das Coisas, II, 147; F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA, Obrigações, 281), mas superada a
opinião contra a qual sempre nos insurgimos.
Não dissemos, no livro Fontes e Evolução do Direito civil brasileiro (177 s., 189 s.), que o dano moral dá ensejo à
ação de indenização ou reparação porque isso está no art. 76 do Código Civil. Dissemos que nêle se declara, “que
para o exercício da ação, basta que exista interesse econômico ou moral”. A referência pois a pretensão à tutela
jurídica, uma vez que há a tutela jurídica se o interesse é econômico (patrimonial) ou moral, a decisão pode ser
para a indenização. Daí falarmos de serem “autorizadas as ações”, isto é, de haver a pretensão à tutela jurídica. De
modo nenhum dissemos que a ação há de nascer da regra jurídica do art. 76. Tivemos de esclarecer o assunto e
fizemo-lo no Tomo V, § 625, 3, 5. CLÓVIS BEVILÁQUA invocava o art. 1.553. EDUARDO ESPÍNOLA, os
artigos 1.547-1.551, que só se referem a espécies. Ora, a base está no art. 159. Cf. ÁNGELO JORDÃO, FILHO (A
Reparação do Dano morai no Direito brasileiro, 35 s.). Não se há mais de discutir, no sistema jurídico brasileiro,
a reparação do dano moral senso lato (z não-patrimonial). Se há difícil liquidação do valor dos danos, a dificuldade
de modo nenhum justificaria que se não ressarcisse o dano moral, ou que só se cogitasse das espécies apontadas
nos arts. 1.547-1.551 do Código Civil.
Outro ponto que merece ser versado é atinente à reparação: há danos patrimoniais não suscetíveis de reparação
exata em pecúnia; há danos não-patrimoniais que podem ser reparados, quase integralmente, em pecúnia. Mas
seria erro grave considerar-se dano patrimonial o dano à honra, somente porque, in casu, a ressarcibilidade em
pecúnia pode ser completa. A possibilidade de se reparar em pecúnia o dano não-patrimonial de modo nenhum o
desclassifica.
Nunca se há de deixar de atender a que o dano não-patrimonial, o dano moral, pode atingir o patrimônio, através
de alguma repercussão ou de algumas repercussões. O que não pode jamais acontecer é a reparação perfeita em
pecúnia.
O dano não-patrimonial, o dano moral, prova-se como se provam os danos patrimoniais. Não se tem, na prova
daqueles> de se buscar o que se passou de sofrimento> ou de dor; buscam-se as conseqUências do fato ofensivo
aos direitos de personalidade, à honra, ao prestígio, ou outra qualidade pessoal. Se o dano é patrimonial, também
não se pode inquirir sobre o que se passou dentro da vitima (e. g., com a usurpação que sofreu teve enfarte).
O dano não-patrimonial pode ser, as vêzes, de valor econômico, o que, de si só> já evidencia que à não-
patrimonialidade nem sempre corresponde a não-economicidade. O dano à mão, ou aos olhos, não é dano ao
patrimônio, mas é ressarcível em dinheiro, porque pode ter diminuído a renda de quem trabalha ou dirige
negócios.
O dano é ressarcível conforme se pode adimplir a dívida extranegocial. Para isso, o que se colima é desfazer, no
possível, a relação causal. De qualquer jeito, a reparação é sem propósito exemplificativo, disciplinar: o que se
tem por fito é emenda, correção objetiva. Daí a inconfundibilidade com a pena. O juiz que condena à reparação
não pune; pode punir e condenar à reparação. Mas, mesmo então, as sanções são diferentes em seu conteúdo.
Tem de vir em primeiro lugar a reparação em natura. Há a restituição do que foi subtraído, a reconstrução do que
se demoliu, a entrega de outra jóia igual, ou de outro automóvel, ou animal que foi morto ou ferido, ou de outro
modo se tornou imprestável, ou se é melhor que se dê outro e se fique com o que foi danificado.
Se não há outro meio de ressarcimento que o da avaliação em pecúnia, dêle se tem de lançar mão. Ou o dano pode
ser avaliado, para que se pague em dinheiro o valor que se perdeu; ou tal avaliação é apenas para que a pessoa, que
sofreu o dano, possa ter> com o dinheiro, o que se pode considerar satisfatório. No fundo, passa-se da dimensão
social em que se deu o dano (~z do processo social de adaptação em que estava o interesse) para a dimensão
econômica.

4.VÍTIMAS DE DANO NÃO-PATRIMONIAL. Qualquer ofensa a direito de personalidade, desde a ofensa à


integridade física até a ofensa à honra, é fato ilícito, que causa dano moral e dá ensejo à reparação. O lesado pode
ser vitima de dano direto ou de dano indireto (e. g., o homicídio do filho levou o pai ao hospital, por ter desmaiado

(continuação)
com a notícia e ter sofrido corporal ou psiquicamente). Excelentemente diz o Código Civil argentino, art. 1.079,
que “la obligación de reparar el daílo causado por un delito existe, no sólo respecto de aquél a quien el delito ha
damnificado diretamente, sino respecto de toda persona que por él hubiese sufrido, aunque sea de una manera
indirecta”.
Procurou-se sustentar que os incapazes não podem ser titulares de ação de reparação por danos que não sejam
diretos, por faltar-lhes a receptividade (e. g., FRANÇOIS GIvORD, La Réparation du pré judice moral, 232). Mas
tal opinião há de ser repelida, porque a receptividade existe, ou não existe. Trata-se de questão de fato, e de modo
nenhum se pode afastar a responsabilidade de quem atirou no irmão da criança, e essa, diante da cena, ficou
perturbada e teve de ser tratada. Se B acusa o menor A digamos, criança de quatro anos de ter roubado o relógio, o
menor, através do titular do pátrio poder, ou do tutor, ou do curador, pode exercer a ação, que lhe compete, para
haver a reparação do dano moral. Se, com isso, o menor fica doente, há dois pedidos: um, concernente à calúnia;
outro, ao dano à reputação. As ofensas à honra, por defloramento, ou outros atos, são causas de direitos à
indenização, conforme os princípios. No art. 1.548, 1, do Código Civil fala-se de menor virgem, que fôr deflorada,
e ai menor é a de qualquer idade. No art. 1.548, II, de mulher honesta, que fôr violentada, ou aterrada por ameaças:
“mulher honesta” é qualquer mulher, a qualquer idade. No art. 1.548, III, alude-se ao rapto. A qualquer idade pode
ocorrer o rapto. Se há ofensa à honra, o caso é regulado pelo art. 1.548. Se houve rapto sem ofensa à honra, a ação
é a dos arts. 159’ e 1.518.
Cada pessoa tem direito de exercer atividade lícita. Direito, diz-se. O direito é à liberdade, desde a liberdade de
andar, de transportar-se, de permanecer (liberdade de ir, ficar e vir) e a liberdade de pensamento e de exprimi-lo,
até a liberdade de comércio, indústria ou trabalho. O dano nem sempre é a direito, pode ser a interesse, e um dos
interesses éo de exercer o direito à liberdade. O que a lei não proibe é facultado. As ofensas aos poderes dos pais,
ou das mães, podem dar causa a danos morais, como ocorre se alguém auxilia o filho a fugir, ou se o professor
ridiculariza o pai do aluno ou a sua religiosidade (cf. ROBERTO A. BREBBIA, El Dano moral, 245 s.). O
adultério pode dar ensejo a dano moral, como êsse pode resultar de ter o cônjuge, que conhecia a existência de
impedimento, ocultado ao outro, antes do casamento, dando ensejo à invalidade.
A existência da regra jurídica do Código Civil, art. 1.537, 1 e II, não pré-exclui a responsabilidade pelo dano
moral, porque, ali, a ofensa foi ao morto, e aqui, ao cônjuge ou a filhos. Dá-se o mesmo com o dano causado aos
filhos, netos, ou a cônjuge, ou mesmo a ascendente, pelo uso de retrato de pessoa morta em garrafas, fazendas,
sapatos ou outros objetos para venda. O dano ao corpo pode ser apenas moral, como se há em caso de afeamento,
de angústia e de medo . As intromissões na vida interna de outrem ou na sua situação externa pode ocasionar dano
moral, como se o ator, em ato estranho à peça, rompe a saia da atriz, pondo-a desnuda, ou se alguém que passa
perto da janela da rua, que dá para o quarto de alguém, a escancara, de modo que pessoa que está deitada e dorme,
ou que se está vestindo, seja vista pelos vizinhos ou transeuntes.
Na Inglaterra, a Rainha Vitória e o Princípio Alberto guardavam, sigilosamente, alguns desenhos, e alguém
conseguiu cópias, e ia exibi-los. Foi pedido mandado contra a exibição (Prince Albert v. Strange). O uso do retrato
de um ator como desenho de propaganda foi reputado ato ilícito absoluto, no caso Pavesich versus New England
Insurance Co., 1905. Idem, no caso Edison versus Edison Polyforn and Mfg.
Co., em que foi pôsto o retrato de Thomas Edison nos prospectos e anúncios da empresa de igual nome como
reclame.dano patrimonial ou não-patrimonial, ou patrimonial e não-patrimonial, o que resulta de ofensa ao pátrio
poder, à tutela ou à curatela. Quem leva o filho de outrem, ou o seu próprio filho que se acha legalmente fora do
seu poder, a afastar-se da autoridade paterna, materna, tutelar ou curatelar, comete ato ilícito de que resultam
danos não-patrimoniais e de que podem resultar danos patrimoniais. O tutor que batiza o filho da viúva, ou do
viúvo, que não perdeu o pátrio poder, em religião diferente da religião dos pais, comete ato ilícito. A fortiori, quem
não é tutor, como o padrinho, o avô ou estranho.

5.PESSOAS JURÍDICAS E DANOS NÃO-PATRIMONIAIS. As pessoas jurídicas podem ser lesadas nos seus
patrimônios, como as pessoas físicas. São pessoas, como essas; de modo que têm direitos de personalidade, que
fatos ilícitos podem atingir, tais como o direito ao nome, à reputação. A ofensa à reputação da pessoa jurídica é a
ela, e não aos membros da sua diretoria, ou há ofensa à reputação dela e à dos membros da sua diretoria. São duas
ofensas distintas, pôsto que, quase sempre, haja lesão não-patrimonial aos diretores que a presentem ou que
exerçam a direção de algum setor das atividades. Não cabe qualquer distinção entre as pessoas jurídicas de direito
privado e as pessoas jurídicas de direito público, nem entre as pessoas jurídicas comerciais e as civis, inclusive as
de caridade. O sindicato de trabalhadores tem ação contra lesantes, inclusive elementos políticos. Têm-na,
também, a sociedade comercial cujo nome foi empregado por outra empresa (cf. FRANÇOIS GIvoRD, La
Réparation du pré judice moral, 179). A avaliação dos danos é à semelhança do que ocorre com as ofensas às

(continuação)
pessoas físicas. Em caso de calúnia ou de injúria, a regra jurídica do art. 1.547 do Código Civil é invocável; bem
assim, a do art. 1.547, parágrafo único.
As ofensivas moralmente danosas podem dar ensejo a ações de reparação que toquem a empresas por ações ou
fundações, como a outras sociedades, que sejam de pessoas. Não se há de pretender que só se tenha de cogitar de
pessoas individuais, por serem as pessoas jurídicas abstrações ou es-

pectros (e. g., SEBASTIAN SOLER, Ley, Historia ~ Libertad, 102; ALFREDO ORGAZ, Personas individuales,
21). A distinção radical entre “pessoa” e “personalidade” é absurda.
No tocante à propriedade intelectual, artística e industrial, é da maior relevância distinguirem-se os direitos que a
compõem e os direitos que se prendem à personalidade. No plano do direito das coisas não há lugar para se tratar
de direito autoral de personalidade. Por isso frisamos que o direito autoral de personalidade tem conteúdo
positivo e conteúdo negativo. O titular pode exercê-lo como entenda. Pode opor-se a que outrem pratique atos,
positivos ou negativos, que o ofendam, inclusive que lhe neguem a existência. Mas O conteúdo positivo e o
conteúdo negativo sofrem limitações. Dai têrmos dito que o autor não pode recriar a obra, de modo a dar como
obra nova o que apenas é reprodução, como se o autor de um livro escreve outro, sobre o mesmo assunto, de jeito
que ler a um dispense ou quase dispense a leitura do outro, ainda que os títulos sejam diferentes (o Segundo
Fausto não dispensaria a leitura do primeiro, mas outro romance com as mesmas personagens dispensaria a leitura
do primeiro e o leitor diria: “É a mesma coisa, com pequenas mudanças”). Para que haja a limitação é preciso que,
com o autoplágio (Selbstplagiat), haja ofensa a interesses de outrem (e. g., do editor da primeira obra).

6.REPARAÇÃO EM NATURA E REPARAÇÃO INDENIZATÓRIA.


Se o dano é não-patrimonial e reparável em natura, há direito, pretensão e ação do lesado a que se lhe restitua o
estado anterior. Não importa o preço do tratamento. Caso expressivo ocorreu no Rio de Janeiro, não tendo ido à
Justiça porque o responsável (ou, melhor, a senhora do responsável) preferiu qualquer solução amigável. O lesante
atirou na empregada um prato, porque ela havia revelado algo da vida do patrão. O ferimento foi deformante, no
rosto e na cabeça, e a deformação ficaria. Advogado em cuja casa ela servira sugeriu a operação por especialista
de renome, que por seu trabalho cobrava enormes quantias. Explicou-se à lesada que, para ela, seria melhor
receber um pouco menos daquilo que teria de ser pago ao cirurgião. Não admitiu, sequer, o que se lhe oferecia,
nem o total das operações, nem o total mais os honorários do advogado. Jurisconsulto foi consultado, por outro
advogado, que frisava não corresponder ao nível social da empregada tão alta importância em dinheiro, nem se
justificar que ela preferisse a cirurgia à indenização pecuniária. A resposta foi a seguinte: “Se a reparação em
natura, na pessoa, é praticável, somente o lesado pode admitir o pagamento em dinheiro. Há precedência da
indenização pecuniária em relação à reparação em natura no caso de danos a coisas, animadas ou inanimadas. O’
“tratamento”, nos arts. 1.538 e 1.539 do Código Civil, é indispensável, a despeito de tôdas as outras indenizações
a que se referem o art. 1.538 e ~§ 1.0 e 2.0, bem como o art. 1.539. Tratamento é qualquer processo de
recuperação, conforme a ciência do momento em que dêle se cogita. Mesmo se algum tempo após a primeira
atividade médica, inclusive cirúrgica, e antes de prescrever a pretensão, algum meio científico ou técnico se
descobre que melhor solução daria, pode ser exigida a prestação do profissional, à custa do lesante. Aliás, se, com
o tratamento, algo de lesivo ficou, cabe a indenização em pecúnia: o recebimento dessa é que afastaria a pretensão
a nôvo tratamento”. Tal o que se disse no parecer sigiloso.
O dano moral por vêzes é irreparável em natura. O elemento tempo pode ser inafastável; mas casos há em que
nem o tempo pode influir.
Se não se pode restaurar o estado em que se estava, ou se foi eliminada a pessoa, a irreparabilidade em natura é
definitiva (assassínio, ou qualquer homicídio; supressão de perna, braço orelha, dedo, ou qualquer parte do corpo
em que não haja recuperação; doenças intratáveis, em consequência de lesão).
Muito se tentou afastar o principio da reparação do dano moral com o argumento de que, não se podendo
encontrar a compensação entre o dano moral e a soma pecuniária, se haveria de deixar ao juiz, arbítrio na
determinação do quanto. Porém, não seria mais arbitrário recusar-se qualquer reparação? Houve também o
argumento de que seria imoral prestar-se dinheiro em reparação de ofensa à honra ou à dor sofrida (cf. MAURICE
DUBOIS, Pretium doloris, 55). Porém, ~como se há de encher de felicidade, ou de meios para ela, o vazio que o
dano moral deixou? j,Como seria admissível que se não indenizasse o cônjuge que foi hospitalizado ou ficou em
casa de tratamento pelo fato de alguém ter assassinado o outro cônjuge? Ponhamos a mesma pergunta a proposito
de companheira e de companheiro, um dos quais foi rriorto por outrem. O dano moral não há de ser ressarcido

(continuação)
somente no que importa dano patrimonial, nem, tão-pouco, na medida em que êsse se produz (sem razão,
MAURICE DuBoIs, Pretium doloris, 79).

CAPÍTULO XII

ACIDENTES DO TRABALHO

§ 5.539. Conceito e natureza do acidente do trabalho

1.PRECISÕES. Temos de chamar acidentes do trabalho todos os acidentes que a lei especial considera
vinculantes do empregador à reparação , ou indenização ao empregado. O conceito, que se assenta no Decreto-lei
n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, é limitado, de modo que em verdade se trata de acidentes do trabalha
“stricto sensu”, porque há acidentes ocorridos no trabalho que de jeito nenhum dão ensejo à invocação da lex
specialis.
O acidente do trabalho é o acidente que causa dano ao corpo ou à saúde física ou psíquica do empregado, oriundo
de fato que se prenda a atribuições de trabalho, conforme o lugar e o tempo em que êsse haja de sei exeqúido.
Tem-se procurado definir o acidente do trabalho como fato súbito; mas a subitamente é elemento frequente, sem
que seja essencial. Também é supérflua qualquer discussão sobre serem acidentes do trabalho todos os acidentes
que ocorrem “no exercício do trabalho”, ou todos os que ocorrem ‘no exercício do trabalho e em conseqúência
dêle”, porque, ali, se cogita do exercício, que é circunstância, e aqui, de circunstancia e efeito. No art. 1.0 do
Decreto-lei n. 7.036 diz-se bem: “todo aquêle que se verifique pelo exercício do trabalho, provocando, direta ou
indiretamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença, que determine a morte, a perda total ou parcial,
permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. Não se confundiu com o fato o efeito.
Quanto ao lugar e ao tempo, o que importa é que o empregado esteja em exercício do trabalho, e todo exercício
tem de ser em lugar e tempo, como qualquer fato. A atusão a lugar e a tempo de jeito nenhum liga o fato ao lugar
e tempo em que se costuma exercer o trabalho. O trabalho pode ser dentro das instalações do empregador e fora
delas, no horário normal ou fora dêle.
Exercício do trabalho é fato a que antecedem momentos que a êle já se prendem. Por isso, o acidente do trabalho
pode dar-se quando o empregado está à espera do início do trabalho, em pé, sentado, ou deitado dentro do edifício
em que há de exercer mister de que foi incumbido, ou na entrada, ou na calçada (e. g., caiu sobre êle a telha ou o
jarro que estava na janela do andar superior). Os momentos após o trabalho somente afastam a responsabilidade
do empregador pelos riscos quando não há qualquer causação que resulte do trabalho. Se o empregado saiu do
lugar em que teria de trabalhar e foi exercer, fora, aquilo de que o empregador o incumbiu (e. f., tomando ônibus),
o acidente foi acidente do trabalho, porque o transporte foi exclusivamente para o que o empregador queria.

2.PROBLEMAS DE TÉCNICA LEGISLATIVA. Com o aumento do uso das máquinas e a maior periculosidade
do trabalho, de tal modo cresceu o número de acidentes em que não há culpa do trabalhador, que se havia de
pensar em legislação especial. O caminho do seguro não era suficiente, se feito pelo empregado exposto aos
acidentes, porque as poderosas empresas levavam adiante a discussão, para que a vítima aceitasse ofertas
pequenas. Quando a Côrte de Cassação da França, a 16 de junho de 1896, pôs de lado, para a reparação dos danos
causados por acidentes, qualquer pressuposto de culpa, o problema legislativo tomou tal importância que se
chegou à Lei francesa de 9 de abril de 1898, marco histórico da legislação sobre acidentes do trabalho. Era a
vitória, nesse setor, da teoria da responsabilidade pelos riscos.
Os sistemas jurídicos tiveram de atender a que a prestação do trabalho põe o empregado em situação, no espaço e
no tempo, próxima do empregador, e sob a influência de circunstâncias que mais dependem do recebedor de
serviços do que de qualquer outra pessoa. O próprio ambiente que se compõe com os elementos individuais dos
empregados é mais ligado à organização empresarial do que ao grupo em colaboração. Daí a especialidade da lei
de responsabilidade pelos fatos ilícitos absolutos, em que dois pontos foram e são cruciais: a abstração da culpa do

(continuação)
empregador, mesmo no tocante à presunção de culpa; a determinação das indenizações, não conforme os danos
apurados, mas conforme a estimativa legal.
A técnica legislativa, no tocante à liquidação das dívidas por acidentes do trabalho, tinha de escolher a simples
indicação de dados que servissem aos arbitramentos, ou à estimativa legal. A segunda solução apresentou-se aos
legisladores como a mais razoável, ou mesmo a única que se havia de acolher, para se evitarem o arbítrio judicial e
a injustiça das avaliações. Para também se justificar a rigidez legal, argumenta-se que o empregador responde pelo
risco e se tem de uniformizar a reparação para que se afastem discussões, retardamentos no adimplemento pelo
empregador-devedor.
À solução que se deu há críticas de um lado e do outro:
acham alguns escritores que o principio da responsabilidade pelos riscos é ofensivo aos interesses legítimos dos
empregadores, porque lhes impõe indenizações de que, quase sempre, não foram culpados, nem mesmo por
simples culpa in elegendo; outros exprobam ao quanto das indenizações ser demasiado pequeno para os danos
sofridos pelos empregados, além de as igualizar sem atenção à adequação ao dano.

3.NATUREZA DA RESPONSABILIDADE POR ACIDENTES DO TRABALHO. Uma vez que o credor, no


caso de acidentes do trabalho, é o empregado, e não, sequer, quem presta serviço eventual, e devedor é o
empregador, logo se supõe e se afirma que i responsabilidade é pelo fato ilícito relativo (responsabilidade civil
negocial>, e não pelo fato ilícito absoluto (responsabilidade civil extranegocial). Há, sem dúvida, no suporte
fáctico de qualquer das regras jurídicas sobre a responsabilidade pelos danos causados no trabalho (acidentes do
trabalho) o elemento necessário da relação jurídica entre o empregado e o empregador. Daí ter-se considerado
indubitável a negociabilidade da regra jurídica. Com isso, classificou-se o acidente do trabalho como dano por fato
ilícito relativo e pôs-se de lado a relação jurídica mais relevante, que é entre os empregadores e quaisquer
empregados, que resulta de infração de dever perante êles, e não perante cada um de per si. A infração seria de
adimplemento do contrato de trabalho, e não de dever perante qualquer empregado, pelo fato ilícito absoluto.
A solução nunca nos pareceu acertada. O que as leis têm por fito, com as regras jurídicas sobre acidentes do
trabalho, é a reparação, haja ou não culpa do empregado. A infração não é atinente à relação jurídica entre o
empregador e o empregado. Essa relação jurídica apenas se acha no suporte fáctico das regras jurídicas sobre
reparação por acidentes do trabalho,, como a vizinhança está no suporte fâctico do dano de que resulta relação
jurídica de indenização pela queda ou lançamento de coisas, ou no suporte fáctico das regras jurídicas sobre
responsabilidade extranegocial dos profissionais (e. g., médicos, cirurgiões, farmacêuticos, advogados). Há danos
com responsabilidade negocial e danos com responsabilidade extranegocial.
A responsabilidade pelos riscos, em se tratando de acidentes do trabalho, é, conforme a especificidade dos riscos,
que o próprio nome revela, responsabilidade por determinados riscos específicos. Tem-se de exigir que os riscos
sejam inerentes à profissão. Nem todo risco profissional é risco por acidente do trabalho, de modo que o risco
oriundo de acidente do trabalho é apenas uma das espécies de risco profissional, que, por isso mesmo, é genérico
em relação ao risco provindo de acidente do trabalho, pôsto que também êle seja especifico. Há graus de
especificidade.
Se a lesão corporal, a perturbação funcional, ou a doença não foi percebida, ou sentida, no momento do acidente
de trabalho, a causação foi no momento da ocorrência e apenas não se apontou, porque não se podia apontar, ou se
não prestou a atenção suficiente à conseqüência , ao efeito.
Se a inaptidão para o trabalho é para qualquer ato de que possa resultar ganho, a inaptidão é tal que não se há de
verificar se o empregado não poderia mais se empregar para o trabalho, que era o seu (aptidão especifica), ou para
qualquer trabalho (aptidão genérica).
4.CONCEITO DE ACIDENTE DO TRABALHO. O Decreto--lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, art. 1.0,
define o acidente do trabalho, a que êle se refere: “Considera-se acidente do trabalho, para os fins da presente lei,
todo aquêle que se verifique pelo exercício do trabalho, provocando, direta ou indiretamente, lesão corporal,
perturbação funcional, ou doença, que determine a morte, a perda total ou parcial, permanente ou temporária, da
capacidade para o trabalho”. O que se frisa é que o acidente do trabalho é que ocorre no exercício do trabalho (no
trabalho), e não só o que seja, no lugar, em que se teria de trabalhar, e lá não se está para o trabalho; e as
limitações são evidentes em sua especificidade:
lesão corporal, perturbação funcional, ou doença de que resulte morte, ou perda total ou parcial, permanente, ou
temporária, da capacidade para o trabalho. A morte pode resultar de lesão corporal, ou de perturbação funcional,
ou de doença, a que o acidente do trabalho deu causa. A incapacidade permanente para o trabalho (melhor diremos
inaptidão permanente ) pode provir de lesão corporal, ou de perturbação funcional, ou de doença, que o acidente
do trabalho cause. Também a incapacidade temporária, que melhor chamaríamos inaptidão temporária, pode ter

(continuação)
origem em lesão corporal, perturbação funcional, ou doença. Resta saber-se se a lesão, ou a perturbação funcional,
ou a doença, que de modo nenhum atinge a aptidão para o trabalho, é fonte da responsabilidade especial que o
Decreto-lei n. 7.036 regula. A resposta tem de ser no sentido de que a legislação sobre acidente do trabalho protege
em quaisquer casos de acidente ocorrido no exercício do trabalho no tocante à assistência médica, porém a
indenizabilidade é limitada aos danos que excluam, ou diminuam a aptidão para o trabalho. Ç~ o direito comum
que rege a espécie. Por exemplo: o empregado, que teve corte na face, com deformação, sem que isso lhe diminua
a aptidão profissional, tem direito à reparação conforme o direito comum. Caso delicado é o de empregada que,
tendo de guardar as roupas de uso no trabalho, suas ou de outros, ou de todos os empregados, é surpreendida por
outro empregado que se escondeu na sala dos guarda-roupas, ou no armário, que tranca a porta e a ofende
sexualmente. No art. 5•o, b), do Decreto-lei n. 7.036 somente se fala de ofensas físicas intencionais, causadas por
algum companheiro de trabalho em disputas relacionadas com o trabalho; mas o art. 5~0, c), é explícito quanto a
responsabilidade do empregador em caso de qualquer ato de imprudência, de negligência, ou brincadeiras de
terceiros, inclusive de companheiros de trabalho. O ofensor poderia, até, ser pessoa estranha ao pessoal da
empresa, uma vez que a ofendida estava no local e durante o trabalho.
A lesão corporal é dano ao corpo, quer em partes visíveis quer em partes invisíveis, inclusive à psique. O que a
ciência do momento considera lesivo há de ser tido como lesão corporal, no sentido da lei. Todavia, se a ciência
posterior apontar maior gravidade ou menor gravidade, há a revisibilídade do que se decidiu em justiça, ou do que
se estabeleceu em acordo (cp. art. 72, b), que há de ser interpretado como se o êrro da ciência do momento fôsse
êrro dos que fizeram o acordo, ou êrro do juiz).
A lei brasileira não distinguiu do acidente do trabalho stricto sensu, dito acidente-tipo, o acidente por alguma
doença que resultou do trabalho. Acertadamente, porque as doenças inerentes ou peculiares a determinados ramos
de atividades e as resultantes de fatos especiais ou excepcionais em que se exerce o trabalho, são acidentes do
trabalho.
Há doenças profissionais e doenças resultante do trabalho. O Decreto-lei n. 7.036, no art. 2.0, distingue-as:
“Como doenças, para os efeitos desta lei, entendem-se, além das chamadas profissionais inerentes ou peculiares a
determinados ramos de atividades as resultantes das condições especiais ou excepcionais em que o trabalho fôr
realizado”.
A insuficiente conceituação das doenças profissionais sugeriu ao legislador deixar-se ao Poder Executivo dar conta
do que cientificamente se sabe sobre doenças profissionais:
“A relação das doenças chamadas profissionais será organizada e publicada pelo Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio, e revista trienalmente” (art. 2.0, parágrafo único).
A doença supõe maior duração, em relação ao acidente do trabalho “sensu stricto~’, pôsto que o tratamento do
corte possa durar mais tempo do que a doença de que se cogita. A distinção é, aliás, sem relevância.
O principio da causalidade é atendido, com explicitude, pelo Decreto-lei n. 7.036, o que permite o afastamento de
questões freqúentes de responsabilidade do empregador. Diz o art. 3.0: “Considera-se caracterizado o acidente
ainda quando não seja êle a causa única e exclusiva da morte ou da perda ou redução da capacidade do
empregado, bastando que entre o evento e a morte ou incapacidade haja uma relação de causa e efeito”.
A atribuição de organizar e publicar, trienalmente, a relação das doenças profissionais, que se fêz ao Poder
Executivo, foi considerada por muitos juristas como limitativa, digamos exaustiva, e não simplesmente
exemplificativa. De tal afirmação sempre discordamos, porque não se pode considerar definitiva, incólume,
qualquer relação que se baseie em conhecimentos científicos. A relação que, através do Ministério do Trabalho,
organiza e publica o Poder Executivo, não é lei; mesmo se alguma lei dissesse “não são doenças profissionais as
doenças e, 1 e g” e a ciência revelasse que é doença profissional a doença Ii, seria absurdo que se deixasse sem
proteção o empregado. Todas as regras jurídicas que aludem, explícita ou implicitamente, a dados científicos, têm
de ser interpretadas como subordinada ao que depois dela a ciência tiver por assente, indiscutivelmente, ou
dificilmente discutível.
A doença profissional, no art. 2.0 do Decreto-lei n. 7.036, é a doença que deriva de afecção contraída no exercício
do trabalho, ou derivada de trabalho específico, que tenha o empregado, se dela resulta morte, ou inaptidão,
permanente ou temporária, total ou parcial, para o trabalho (cf. WALDEMAR SILVEIRA e J. J. GAMA E SILVA,
Acidentes do Trabalho e Moléstias profissionais, 387).
No Decreto-lei n. 7.036, o art. 1.0 fala de “perda total ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho”. Tinha de surgir a questão: ~ a inaptidão, total ou parcial, permanente ou temporária, de que se cogita no
art. 1.0 e noutras regras jurídicas do Decreto-lei n. 7.036, é a) para o trabalho que o empregado exercia por ocasião
do acidente, ou b) para qualquer trabalho? A resposta há de ser no sentido de a), sem que se haja de verificar se o
empregado ainda pode mudar de profissão. A lei tratou de atos estranhos ao trabalho específico (e. g., o

(continuação)
empregador encarregou o maquinista de levar as contas a alguma empresa e receber as importâncias, tendo
derrapado o carro e sofrido deformação o empregado), mas o que se há de considerar é se a deformação atingiu a
aptidão do maquinista, ou para guiar carros. Se atingiu as duas aptidões, o dano foi duplo, e tem de haver a
reparação, porque o empregador, in casu, usou de aptidão do empregado, que não era a do seu trabalho na
empresa.
Quanto às doenças resultantes de fatos especiais ou excepcionais em que se trabalha, tem-se de alegar e provar a
causação. Não importa se, junto à causa exterior, o empregado estava em grau de maior receptividade do que os
outros. São exemplos: a insolação ou internação, qualquer que seja a causa, oriunda do exercício do trabalho (em
pleno sol; fôrno próximo, ou falta de arejamento do salão, armazém ou fábrica, vapor de água); o frio (congelação
de pé ou mão, ou orelha; morte da vítima); falta de medidas higiênicas; trauma físico ou psíquico que deu causa ao
diabetes, ou o agravou, inclusive revelando-o; ruptura muscular, orquites, apendicite de origem traumática; hérnia,
haja ou não predisposição; tuberculose, que no trabalho se causou, revelou ou agravou, o que depende de perícia,
mas os empregadores não podem escusar-se de exigir os exames prévios ou os atestados, nem negar a
indenizabilidade sob alegação de já existir, antes, receptividade; a aortite traumática. Na Portaria n. 9, de 30 de
maio de 1947, está relação das doenças profissionais a que se refere o art. 2.0, parágrafo único, do Decreto-lei n.
7.036:
A)Intoxicações: 1) Intoxicação pelo chumbo, suas ligas ou seus compostos, com as conseqüências desta
intoxicação. 2. Intoxicação pelo mercúrio, suas amálgamas ou seus compostos, com as conseqüências desta
intoxicação. 2. Intoxicação pelo cromo ou seus compostos, com as conseqüências desta intoxicação. 4.
Intoxicação pelo fósforo ou seus compostos, com as conseqüências desta intoxicação. 5. Intoxicação pelo arsênico
ou seus compostos, com as conseqüências desta intoxicação.
6.Intoxicação pelos elementos: cloro, bromo, flúor ou iodo , com as conseqüências desta intoxicação. 7.
Intoxicação pelo sulfeto de carbono, com as conseqüências desta intoxicação. 8. Intoxicação pelo benzeno ou
seus homólogos, e seus derivados nitrosos ou aminados, com as conseqüências desta intoxicação.
9.Intoxicação pelos derivados halógenos dos hidrocarbonetos da série graxa, com as conseqílências destas
intoxicações.
B)infecções. Infecções carbunculosas.
C)Afecções devidas: a) A rádium ou outras substâncias radioativas. b) Aos raios-X.
D)Bíastomas malignos da pele. Todos os processos que compreendem a manipulação ou o emprêgo de alcatrão,
do breu, do betume, das hulhas minerais, da parafina ou dos produtos residuais destas substâncias.
E)Pneumoconiose, com ou sem tuberculose pulmonar. Operações que desprendem poeiras em: a) trabalhos em
subsolo, em minas ou túneis; b) indústria de abrasivos (fabricação de esmeril, carborundum, mós, rebolos,
sapólios, pós e pastas para limpeza de metais; e) limpeza de metais; e) limpeza de metais e foscamento de vidro
com jato de areia; d) trabalhos de pedreiras de rocha quartzosa; e) moagem e manipulação de sílica na indústria de
vidro e cerâmica; f) fabricação de material refratário para fornos, chaminés e ca‘linhos.
A lista da Portaria n. 9 estabelece, em princípio, o nexo de causa entre o exercício do trabalho e a doença. O artigo
3•O do Decreto-lei n. 7.036 não dispensa a alegação e a prova da causação, porque o art. 2.0, parágrafo único,
apenas facilita a prova do nexo causal. Nem à Portaria n. 9 cabia conter o enunciado de que a inclusão de
qualquer doença, na lista, dispensa a comprovação do nexo de causa e efeito, nem estabelece que só as demais
doenças devem ter comprovada a relação de causa e efeito.
O Decreto-lei n. 1.361, de 21 de janeiro de 1937, na esteira da Conferência Geral 1a Organização Internacional do
Trabalho (genebra, 1934), <Jeu a lista das moléstias profissionais: Intoxicação pelo chumbo, suas ligas e seus
compostos, seguida das conseqüências diretas dessa intoxicação. Infecções carbunculosas. Silicose com ou sem
tuberculose pulmonar, desde que a silicose seja uma causa determinante da imantidão ou morte. Intoxicação pelo
fósforo ou seus compostos, com as conseqüências diretas dessa intoxicação. Intoxicação pelo benzeno ou seu~<
homólogos, seus derivados nitrosos ou amidosos , com as conseqüências diretas dessas intoxicações. Intoxicação
pelo fósforo ou seus compostos, com as conseqüências diretas dessa intoxicação. Intoxicação pelos derivados
halógenos dos hidrocarbonetos da série graxa. Perturbações patológicas devidas a) ao rádium e a outras
substâncias radioativas; b) aos raios-X. Epiteliomas primitivos da pele.
Depois, o Decreto-lei n. 4.449, de 9 de julho de 1942, fêz obrigatória a notificação das doenças profissionais
produzidas por: a) chumbo e seus compostos; b) mercúrio e seus compostos; e) hidrocarbonetos e derivados; d)
anilina e derivados; e) sulfureto de carbono; f) vapores nitrosos de cloro e gases clorados; de bromo; de ácido
cianídrico; de ácido pícrico; de ácido de carbono; g) fósforo branco e hidrogênio fosforado; h) arsênico e seus
compostos; i) produtos cáusticos (breu, alcatrão, óleos minerais, betumes, cimento, cal) ; j) poeiras (silicose,
antracose, asbestose, bissinose, aluminose, tabacose); 1) substâncias radioativas e raios-X; m) frio e calor; n)

(continuação)
pressão atmosférica.
Observe-se que nenhuma ofensa a coisa, bem corpóreo ou incorpóreo, pode ser tida como acidente do trabalho. Se
a máquina ou algum outro empregado, ou animal da empresa, ou telha que caiu, ou foi lançada quebra aparelho de
rádio, ou relógio, do empregado, a responsabilidade que possa ter o empregador rege-se pelos princípios do
Código Civil. Os acidentes do trabalho “sensu sericto” só se referem ao corpo e à saúde. Se o animal da empresa
morde o empregado, durante o trabalho, ou mesmo quando vai executar o trabalho, fora do local e do horário do
trabalho, há acidente do trabalho. Porém não no há se, ao morder o empregado, o animal faz o empregado soltar
no chão o objeto de valor que estava com êsse.
As concausas podem provir de fatos anteriores, a que no acidente do trabalho o fato ocorrido no exercício do
trabalho se juntou, ou simultâneos (ou concomitantes), sem ligação com o infortúnio, ou sobrevenientes, por terem
exsurgido após o fato. Rigorosamente, se há concausa, o acidente do trabalho é complexo, e não se há de chamar
infortúnio do trabalho ou acidente do trabalho o que se deu antes, simultaneamente ou após.

5.TEMPO E LUGAR DO ACIDENTE. Acidentes fora ~‘do local e do horário do trabalho” são os acidentes que
ocorrem onde não está instalada a empresa ou em que ela tem de pôr em ação os empregados. Local e horário do
trabalho são, por exemplo, os da fábrica ou aquêles em que a fábrica tem de colocar os seus produtos, o local em
que estão guardadas as ferramentas ou os materiais necessários ou úteis às construções, os transportes da empresa,
e aquêle local em que a empresa cumpre o que prometera em negócio jurídico, ou que ela aplana, em que
constrói, ou simplesmente nivela ou limpa terrenos. O horário não é só o normal, o que a empresa fixou para cada
dia. Pode ser especial ao serviço momentâneo, ou emergencial.
Há casos que tinham de ser mencionados pela lei, pela especialidade, principalmente pelo fato de serem com
tempo determinado, determinável ou indeterminado. Há serviço que tem lugar certo para se efetuar, ou que o não
tem (e. g., não se saber onde o empregado-comprador ou simplesmente encarregado, na ocasião, de adquirir o
bem, o pode encontrar). Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 6.0: “Ficam igualmente abrangidos por esta lei,
considerados como produzidos pelo exercício do trabalho ou em conseqUência dêle, embora ocorridos fora do
local e do horário do trabalho, os acidentes sofridos pelo empregado: a) na execução de ordens ou realização de
serviços sob a autoridade do empregador; b) pela prestação espontânea de qualquer serviço ao empregador com o
fim de lhe evitar prejuízos ou de lhe proporcionar proveito econômico; e) em viagem a serviço do empregador,
seja qual fôr o meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de sua propriedade”.
Se o empregador incumbiu o empregado de algum mister fora do lugar em que êsse teria de trabalhar, mesmo sem
qualquer correspondência com o horário do trabalho, tem-se de indagar se o dano proveio do ato de trabalho, ou
dos, movimentos, ou estadas indispensáveis ao cumprimento da incumbência. Se o empregado tinha de tomar
aeronave, ou ônibus, ou outro meio de transporte, mesmo se o automóvel ou a bicicleta é do empregado, porque
tal transcurso era necessário ou útil ao adimplemento, e há acidente, de que resulta a lesão, há a responsabilidade
do empregador. Mais simples são as espécies do art. 6.0, a) e b), porque não há o decorrer de tempo necessário ao
transporte. Todavia, pode não haver viagem e haver percurso; não haver transporte, e haver caminhada. Tem-se aí
espécie intermediária. Quanto à prestação espontânea de serviço ao empregador, para lhe evitar prejuízos, cti dar-
lhe ensejo a lucros ou maiores lucros, também pode ser dentro das instalações da empresa, ou fora. Resta ainda a
espécie mista de b) e de c): o empregado, na ausência do empregador, que está, por exemplo, no estrangeiro,
verifica que é urgente alguma providência e a toma, tendo, para isso, de viajar. Em caso de dúvida sobre se se
perfez a espécie c), tem-se de recorrer às regras jurídicas sobre gestão de negócios alheios sem outorga de podêres.
Diz o art. 6.0, parágrafo único, do Decreto-lei n. 7.036:
“No período de tempo destinado às refeições, ao descanso ou à satisfação de outras necessidades fisiológicas, no
local ou durante o trabalho, é o empregado considerado, para os efeitos desta lei, como a serviço do empregador”.
Para que incida o art. 6.0, parágrafo único, é preciso que haja lugar na empresa para as refeições, ou para o
descanso, ou para outras necessidades fisiológicas. Abstrai-se do honorário do trabalho, porque pode haver horário
especial para as refeições ou para o descanso, e a satisfação das necessidades fisiológicas pode ser durante o
horário, ou antes dêle, ou após êle. O que se há de exigir é que o empregado esteja dentro do tempo em que a
empresa permite o uso do local para satisfação de necessidades fisiológicas.

6.LIMITACÕES AO CONCEITO DE ACIDENTE DO TRABALHO.


Após enumerar elementos afirmativos da causação entre o trabalho e o acidente, o Decreto-lei n. 7.036, art. 7•0,
cogita do que não se há de considerar acidente do trabalho. A enumeração não é exaustiva. Diz o art. 7.0: “Não é
acidente do trabalho: a) o que resultar de dolo do próprio acidentado, compreendida neste a desobediência a
ordens expressas do empregador; b) o que provier de fôrça maior, salvo o caso de ação de fenômenos naturais

(continuação)
determinados ou agravada pelas instalações do estabelecimento ou pela natureza do serviço;
c) o que ocorrer na ida do empregado para o local de sua ocupação ou na volta dali, salvo se houver condução
especial fornecida pelo empregador, ou se a locomoção do empregado se fizer necessariamente por vias e meios
que olereçam reais perigos, a que não esteja sujeito o público em geral”.
As três espécies exigem exame em separado, pela diferença entre elas e pelas dificuldades oriundas da redação que
se lhes deu.
No art. 7•O, a), o Decreto-lei n. 7.O~6 considera fora do que se há de considerar acidente do trabalho para
invocação das suas regras jurídicas o que teve como causa ou concausa a intenção do empregado. O empregado
quis o dano, e só êsse ocorreu porque o empregado o quis. Com isso, o art. 7Y, a), do Decreto-lei n. 7.036 de
modo nenhum permite que se apure a simples culpa do empregado. O empregador somente pode objetar e dar
prova de que foi o empregado que intencionalmente suscitou o acidente do trabalho lato seneu. O que se pré-
exclui é aquilo que o direito penal classifica, incisivamente como crime conforme o Código Penal, art. 172, ~ 2.~,
V, quando fala de quem “destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a
saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença com o intuito de haver indenização’ ou a/nr do seguro”.
O elemento do exercício do trabalho há de ser causa da inaptidão para o trabalho, porém não é exigido ~er a causa
única. O que se há de verificar é se, sem o acidente do trabalho, a morte ou a lesão com inaptidão para o trabalho
não se produziria. Se já houve a lesão, o mau tratamento pela empresa ou outras causas posteriores podem agravar
as conseqüências do dano, ou ser causas de outros danos. Se o empregado sofreu acidente de trabalho, de que
resultou ter, por vezes , vertigem, e, depois de tornada definitiva a classificação do dano, advém queda, por
vertigem, de que derive morte, ou outras lesões, o fato das novas lesões não se engasta no acidente do trabalho,
que se fizera definitivo em suas conseqüências (cf. JOEL RUTNIo DE PAIVA, Acidentes do Trabalho, 107).
As doenças profissionais e as que resultam de situação especial ou excepcional em que se executa o trabalho são
danos derivados de acidente do trabalho. O que se liga à zona ela que a instalação está, não.
Diz-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 7.~, parágrafo único:
“Também não são amparadas por esta lei as doenças endêmicas adquiridas por empregados habitantes das regiões
em que elas se desenvolvem, exceto quando ficar comprovado que a doença resultou de uma exposição ou
contacto direto que a natureza do trabalho houver determinado”.
Se a doença provém de região em que reside o empregado, seja essa mesma da instalação ou do trabalho de que se
incumba a empresa, ou se é da zona da instalação, para qual veio, para se empregar, a vítima, não há
responsabilidade da empresa. Aliter, se o empregado não residia no zona da endemia, nem essa é a da instalação da
empresa, e essa é que leva os empregados, ou o empregado, para o lugar perigoso, há responsabilidade do
empregador. Se tem o empregado de mudar de residência, não importa; levando-o, o empregador assumiu os
riscos.
Por outro lado, a doença pode vir com produtos que a empresa tem de receber para o trabalho, ou de contactos
com os transportes da empresa, que vêm da zona infectante.
A extensão dos acidentes do trabalho, a diversidade deles , é tal, que mais importa falar-se das conseqüências , que
são as lesões ditas corporais, sejam físicas stricto sensu sejam psíquicas, do que da causa, a que se chama acidente
(cp. II. TARNER, L’Assurance privée contre les accidents et la Responsobilité civile, 5 s.), pôsto que nem tôdas as
causas tenham de ser acidentais.

7.ACIDENTES ESPECÍFICOS DO TRABALHO. Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 5.0: “Incluem-se entre os
acidentes do trabalho por que responde o empregador, de conformidade com o disposto nos artigos anteriores,
todos os sofridos pelo empregado no local e durante o trabalho, em conseqüência de:
a) atos de sabotagem ou terrorismo levados a efeito por terceiros, inclusive companheiros de trabalho; b) ofensas
físicas intencionais, causadas por companheiros de trabalho do empregado, ou não, em virtude de disputas
relacionadas com o trabalho; c) qualquer ato de imprudência, de negligência ou brincadeiras de terceiros, inclusive
companheiros de trabalho;
d) atos de terceiros privados do uso da razão; e) desabamentos, inundações ou incêndios, respeitado o disposto na
letra b do art. 70.
O primeiro ponto que se há de ferir é concernente ao local e tempo do trabalho, porque o art. 5.~, pr., se refere a
acidentes do trabalho “sofridos pelo empregado no local e durante o trabalho”. No art. 6.0 alude-se a acidentes
sofridos pelo empregado, se ocorridos “fora do local e do horário do trabalho”. A interpretação do art. 5•O tem de
ser no sentido de regra jurídica a que o art. 6.0 abre exceção. Se o empregado, sob a autoridade do empregador,
cumpria ordens ou executava serviço, fora do local, ou do horário do serviço, ou fora do local e do horário do

(continuação)
serviço, e ocorreu qualquer dos casos do art. 5.~o, a), ou b), ou c), ou d), ou e), há a responsabilidade do
empregador. Se o empregado prestava, espontaneamente , algum serviço ao empregador, para lhe evitar prejuízos,
ou lhe dar proveito econômico, o empregado é responsável em qualquer dos casos do art. 5.~, a), ou b), ou e) ou
ou e). Se o empregado está em viagem a serviço do empregador, ainda que em carro ou outro meio de transporte
do próprio empregado, há a responsabilidade do empregador em qualquer dos casos do art. 5~O, a), ou b), ou e),
ou d), ou e). Portanto, a responsabilidade pode existir se o acidente do trabalho ocorre fora do local da empresa e
fora do horário do trabalho. O que é preciso é que o trabalho tenha dado ensejo ao acidente, porque estava a ser
prestado, ou se enchia o tempo necessário para que se prestasse, ou pudesse ser prestado.
Outro ponto digno de exame é o dos acidentes por atos de sabotagem ou terrorismos, que atingem o empregado
em serviço no local e durante o tempo do trabalho. Não importa quem tenha sido o autor. Também pode ocorrer
que o empregado esteja fora, ou fora do horário, a prestar serviço, ou em caminho para isso, e os pressupostos do
art. 6.0, a), b), ou e), estejam satisfeitos.
Quanto a expressão “durante o trabalho”, discute-se se os intervalos para almoço, jantar ou descanso n~o pré-
eliminam a responsabilidade. Se o empregado ou os empregados têm almoço, ou outra refeição, ou descanso, no
local em que trabalham, ou noutro local, em que a empresa dá, gratuitamente (z incluídas nas remunerações), as
refeições ou outras utilidades, o tempo, a que se refere o art. 5.o, não é só o do horário em que se trabalha, mas
todo o tempo em que se tem de entrar, permanecer e sair ou se pode entrar, permanecerr. O “durante o tempo”
apanha, portanto, os de vestuário, de banheiros e de reservados, de refeições e de jogos, que não se hajam de
regular pelo direito especial sobre esportes. O empregado que viajou de aeronave para outro Estado-membro, ou
para outro Estado, a fim de cumprir função que o empregador lhe confiou, pode alegar a responsabilidade do
empregador, mesmo se tem de deixar a aeronave, para hospedar-se em hotel, ou se tem de mudar de meio de
transporte.
(a) No que concerne ao art. 5Y, a), nada se disse quanto à sabotagem ou ao terrorismo, porque mais interessa o
dano sofrido e o ser no local e durante o trabalho, ou, excepcionalmente, em trabalho, mas fora do local normal e
do horário do trabalho. Não importa quem causou o dano, nem quem inspirou ou executou o ato de sabotagem ou
de terrorismo.
(b)Quanto às ofensas físicas intencionais, quer durante o trabalho normal, quer durante o transporte e o trabalho
excepcional, podem resultar de atos de outros empregados, ou de pessoas que não são empregados. Se o acidente
do trabalho resultou de mordida de cão, ou coice de cavalo, ou outro ato de animal, ou queda de coisa procedente
do prédio vizinho, invocável é o art. 1.~ ou o art. 2.0, e não o artigo 5•0 b), porque não há ato humano que seja de
terceira pessoa, empregado ou não. Se o dano proveio de ato em legitima defesa, mas foi danificada coisa de
outrem (Código Civil, art. 1.520, parágrafo único), a responsabilidade é do empregador, e não só do empregado,
de modo que há a ação da pessoa que sofreu o dano contra a empresa e a ação contra o que causou o dano, mas
tem êsse ação regressiva contra a empresa, porque o dano que êle causou a terceiro foi em defesa própria, ou de
outrem, regido pela lei especial. Não importa se a legítima defesa foi contra empregado, ou se o não foi.
(c) Qualquer ato de imprudência, ou de negligência, ou brincadeira de empregado ou de outrem, no lugar e durante
o trabalho, ou no lugar ou durante o trabalho, ou, mesmo fora do trabalho, se o empregado estava a prestar
serviços, por ordem do empregador, ou para lhe evitar prejuízos, ou lhe obter proveito econômico, ou em viagem
de serviço, é acidente do trabalho, que dá ensejo à responsabilidade do empregador. Já vimos o que significa
“durante o trabalho” e temos de sublinhar o que se diz no arc. 6.0, parágrafo único, do Decreto--lei n. 7.036, no
tocante a refeições, descanso e outras necessidades fisiológicas.
A respeito dos acidentes do trabalho houve intenção de muitos juristas no sentido de ser pressuposto da
responsabilidade estar trabalhando, no momento, o ofendido. Mas ~ que se entenderia estar em trabalho? tNão
estava em trabalho quem sai da sala de máquinas para lavar as mãos que o trabalho sujou? ~ Não estava em
trabalho quem há horas se esforçou e foi ao reservado, para voltar ao trabalho? j,Quem espera que o chefe de
serviço lique a maquinaria, ou ponha em movimento o elevador, não está em trabalho? Tem-se de abstrair da
causalidade estrita entre o trabalho e o acidente (sobre a discussão, HENRI CAPITANT, Les Accidents du Travail
dans l’Agriculture, 50 s.).
(d) Há responsabilidade do empregador se, no local normal do trabalho, ou durante o trabalho, ou no local e
durante o trabalho, algum louco ou surdo-mudo absolutamente incapaz causa o dano, ou se o dano ocorre
enquanto o empregado está a serviço, fora do local do trabalho, para alguma das prestações de serviços de que
cogita o art. 6.0, a), b) e e), do Decreto-lei n. 7.036, ou se segue para parte do local destinada às refeições,
descanso ou satisfação de outras necessidades, ou se nêle está. Tudo se há de tratar como se o empregado estivesse
a serviço do empregador.
(e)Quanto aos desabamentos, inundações ou incêndios, é preciso que a instalação do estabelecimento ou a

(continuação)
natureza do serviço haja determinado o dano, ou o haja agravado, para que haja a responsabilidade do empregador.
(A redação do art. 5.~, e), e do art. 7~O, b), não é boa: naquele. só se fala de “desabamentos, inundações ou
incêndios”, e nesse. de “fôrça maior ; depois de se aludir a fôrça maior, só se admite a responsabilidade do
empregador no caso de “ação de fenômenos naturais determinados.., pelas instalações do estabelecimento ou pela
natureza do serviço” ou de a ação ser “agravada pelas instalações do estabelecimento ou pela natureza do
serviço”.)

8.AGRAVAÇÕES E ELEMENTOS INFLUENTES POSTERIORES.


Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 4,0: “Não se consideram agravações ou complicações de um acidente de
trabalho, que haja determinado lesões já então consolidadas, quaisquer outras lesões corporais ou doenças, que às
primitivas se associem ou se superponham, em virtude de um novo acidente”. Com o art. 4,0 explicita-se que, se a
lesão ficou definitiva, qualquer que seja o grau da sua gravidade, de modo que todo o dano que dela poderia
derivar já se produziu, qualquer fato posterior que se haja de considerar causador de dano não se tem como
agravação ou de danificação ligada à primeira. Se o empregado sofreu, por exemplo, fratura da perna, passou a
mancar, sem outras conseqüências , e, saindo do trabalho, ou entrando no trabalho, ou durante o trabalho,
escorrega e a nova lesão é mais grave, não se considera agravação da primeira ~t segunda, nem se há de considerar
concausa o primeiro acidente. Se a queda ou pancada foi fora do serviço e as conseqüências são graves, não se há
de ligar ao acidente do trabalho o que ocorreu posteriormente, quer para se ter como agravação, quer para se
reputar acidente do trabalho o que depois ocorreu. Se, porém, ainda não está curado o empregado (e. g., ainda usa
muleta, ou ainda está com a perna engessada), o que advém, no serviço ou fora dêle, devido, no todo ou em parte,
à lesão, de jeito a prejudicá-lo ainda mais, a indenização é global.

§ 5.540. Sujeitos da relação jurídica nos acidentes do trabalho e responsabilidade do empregador

1.ACIDENTE DO TRABALHO E RELAÇÃO JURÍDICA QUE DÊLE SE IRRADIA. No momento em que


ocorre o fato ilícito absoluto do acidente do trabalho, seja ato ilícito absoluto (e. g.. o chefe do serviço ou outro
empregado empurrou a vítima no tanque em que morreu ou foi lesado), ou fato ilícito absoluto sensu stricto (e. g.,
caiu a peça da máquina e cortou o dedo
do empregado), nasce a relação jurídica do dever de reparação do corpo ou da saúde do empregado, ou por sua
morte. A relação jurídica é de direito das obrigações por fatos ilícitos absolutos, e não por fatos ilícitos relativos.
Mesmo quando se trata de ato ilícito absoluto que causou o dano ao empregado, o sistema jurídico o recebe sem
qualquer exigência de haver culpa do empregador. Nem, sequer, presunção de culpa. Apenas há as objeções de que
se cogita no art. 7,0, a), b) e ou no parágrafo único.

2.EMPREGADO E EMPREGADOR. Do que acima se disse facilmente se tira a razão por que a lex specialie
teve de definir cada um dos sujeitos da relação jurídica de responsabilidade pelos acidentes do trabalho.
“Considera-se empregado”, diz o art. 8.0 do Decreto-lei n. 7.036, “toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência dêste e mediante salário”. No parágrafo único do art. 8.0
acrescenta-se: “Não haverá distinções relativas à espécie de emprêgo e à consideração de trabalho, nem entre
trabalho intelectual, técnico e manual”.
Se a empresa emprega menor de quatorze anos, com infração da lei, responde conforme o Decreto-lei n. 7.036,
pois que só se pré-exclui a responsabilidade quanto aos serviços de natureza eventual (Decreto-lei n. 7.036, art.
8.0; cf. J. ANTERO DE CARVALHO, Direito do Trabalho interpretado, 64).
Quanto ao sujeito passivo da relação jurídica, que é o empregador, lê-se no art. 9.0: “Considera-se empregador a
empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviços”. No art. 9,0, § 1.0: “Equiparam-se ao empregador, para os efeitos desta lei, as
instituíções de beneficência, as associações recreativas e demais instituições , sem fins lucrativos, assim como o
empregador doméstico”. No § 2.0:
“Os preceitos desta lei aplicam-se aos acidentes do trabalho referidos: a) pelo pessoal de obras da União, Estados,
Territórios e Municípios, onde houver; b) pelos empregados das autarquias; c) pelos empregados das sociedades
de economia mista; d) pelos empregados das empresas concessionárias de serviços públicos; e) pelos
presidiários”.
3.RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Se a empresa é de pessoa física,, ou se é de pessoa jurídica,
responsável é o empregador que tem a empresa. Se não houve a personificação, são responsáveis todos os

(continuação)
componentes do grupo que tem o estabelecimento, O dever de registo, que têm os empregadores, nada tem com os
pressupostos para a responsabilidade pelos acidentes do trabalho.
O principio de causalidade apenas apanha o exercício do trabalho e os atos que hão de ser praticados durante êle,
ou antes de começar ou depois de acabar, sem se haver retirado a responsabilidade pelos riscos e os danos que
resultaram. A responsabilidade é da empresa empregadora, ou das empresas empregadoras, de duas ou mais
empresas entram na relação de causalidade.
Está no § 30 do art. 9,0 do Decreto-lei n. 7.036: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora cada uma
delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, contrôle ou administração de outra, constituindo
grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão tôdas, para os efeitos desta lei,
solidariamente responsáveis”. O art. 9,0, § 3,0 estabelece a responsabilidade solidária, com emprêgo de
expressões atécnicas: “grupo industrial”, “comercial ou de qualquer outra atividade econômica”. Sobre o contrôle
e a variedade de situações controlativas, Tomo LI, § §5.377-5.379.O cartel e o consórcio não se incluem nos
grupos a que se refere o art. 90 § 3,0 Nesses, retira-se a autonomia econômica das empresas agrupadas, a despeito
de lhes restar autonomia jurídica. Pode ser por meio de cadeia, ou por meio de centro irradiante.
Se houve culpa da vítima e terceiro foi lesado, a vítima tem direito à reparação, porque se inseriu na lei o princípio
da responsabilidade pelo risco, mas o terceiro, que foi atingido sem ser empregado, tem ação contra o empregador,
de acordo com o direito comum, e contra o empregado, se não é invocável o art. 1.521, III, do Código Civil. Se o
empregado obrou em legítima defesa e o terceiro foi lesado, é o direito comum que rege a responsabilidade pelo
dano causado pelo empregado que se defendeu. Se o terceiro, em qualquer das espécies acima referidas, também
era empregado, responde o empregador pelos danos causados por lesão considerada acidente do trabalho.
Quanto à responsabilidade dos empreiteiros, estatui o artigo 9,0, § 4,0, do Decreto-lei n. 7.036: “O empregador
responde solidariamente com os empreiteiros, e êstes com os subempreiteiros, pelos acidentes ocorridos com os
seus empregados”. A espécie de que se trata no art. 9,0, § 4,0 é a de empregador que põe os seus empregados em
trabalho para empreiteiros ou subempreiteiros. O empreiteiro, que é empregador, responde pelos acidentes do
trabalho que sofrerem os seus empregados, sem que tenha relevância distinguir-se do empreiteiro que não
trabalha, e só dirige, o que trabalha com os seus empregados, ou com o seu empregado.
Sobre empreitada, Tomo XLIV, §§ 4.844-4.851.

4.DEVER DE REGISTO DOS EMPREGADOS. Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 10: “Todos os empregadores,
excetuados os locatários de serviços domésticos, assim como os que no exercício de qualquer profissão liberal ou
outra atividade expressamente declarada pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, utilizarem menos de
cinco empregados, são obriga-gados a manter-lhes o registo devidamente autenticado pela autoridade competente
e organizado segundo modêlo oficial”.
O registo tem para o Ministério do Trabalho a função de permitir informação sobre os empregados e os provas que
dêles dependem.
Acrescenta-se no art. 10, § 1.0: “Êste registro, que deverá conter as indicações relativas à identidade do
empregado e pessoas sob sua dependência econômica, constantes da respectiva carteira profissional, ou, na falta
desta, segundo as declarações do empregado, será mantido rigorosamente em dia, sob pena de aplicação das
sanções do art. 104”. Ainda no § 2.0:
“Em casos especiais, como os dos serviços de estiva e outras, não sendo possível aos empregadores manter o
registro de seus empregados, na forma prescrita, obedecerá êle a moldes especiais aprovados pela autoridade
competente”.
O registo é não só ônus que a lei impõe aos empregadores, mas dever. No art. 76 pré-excluem os registos relativos
às pessoas que aí são mencionadas.
Diz o art. 76: “Ficam excluídos da presente lei: a) os consultores técnicos, inclusive advogados e médicos, que não
trabalhem efetiva e permanentemente para o empregador; b) no que se refere às indenizações por incapacidade
permanente ou morte, os empregados que, sendo associados ou segurados de instituição de previdência social,
tenham direito por decreto especial, à manutenção do salário para si ou seus beneficiários; c) os funcionários e
extranumerários da União, dos Estados e Municípios, Territórios e da Prefeitura do Distrito Federal”.
Havia parágrafo único que foi revogado pela Lei n. 1.985, de 19 de setembro de 1953.

5. BENEFICIÁRIOS. Legitimados ativos são os próprios acidentados, ou, em caso de morte, as pessoas, ligadas à
vítima, que a lei enumera. Diz-se no art. 11 do Decreto número 7.036: “São considerados beneficiários do
acidentado, na ordem em que vão enumerados: a) a espôsa, mesmo desquitada ou separada, desde que não o seja
por vontade ou culpa sua, ou o espôso inválido, em concorrência com os filhos de qualquer condição, se menores

(continuação)
de 18 anos ou inválidos, e as filhas solteiras de qualquer condição ou idade; b) a mãe e o pai inválido, quando
viverem sob a dependência econômica da vítima, na falta de filhos e de espôso; e) qualquer pessoa que viva sob a
dependência econômica do acidentado, no caso de não existirem beneficiários especificados da alínea e, desde
que, se fôr do sexo masculino, seja menor de 18 anos ou inválido, e, qualquer que seja o sexo, tenha sido indicada,
expressamente, em vida do acidentado, na carteira profissional no livro de registro do empregador, ou por
qualquer outro ato solene de vontade”. No parágrafo único: “Para terem direito à indenização, as filhas maiores
devem viver sob a dependência econômica do acidentado
No art. 11, a), fala-se, em primeiro lugar, da mulher casada com a vítima, “mesmo desquitada ou separada, desde
que não o seja por vontade ou culpa sua”, o que exige explicação. O’ divórcio ou o desquite pode ser, de
conformidade com a lei que rege o caso, segundo os princípios de direito internacional privado, voluntário, dito
amigável, ou litigioso. Se litigioso, a mulher que foi condenada na ação de divórcio, ou de desquite, de modo
nenhum tem direito a indenização. Se condenado foi o marido, em principio tem direito, mas seria absurdo que se
lhe reconhecesse tal direito se a situação econômica entre os divorciados, ou desquitados, ficou liquidada,
definitivamente, ou se não há qualquer direito a alimentos ou contribuição.
Quanto ao marido desquitado, ou o ex-marido, em caso de divórcio, tem-se de atender a que a lei somente cogita
dos casos de invalidez. Havemos de entender que, se houve divórcio, ou desquite, em que não houve condenação
do marido, nem a mulher teria de prestar alimentos ou outra contribuição, não há a legitimação ativa.
Seja mulher ou homem o divorciado, ou desquitado, se lhe cabe a legitimação ativa e há filhos da vítima, menores
de dezoito anos, ou filhos inválidos, ou filhas solteiras de qualquer idade, a prestação é por metade: metade para o
cônjuge, metade para os filhos.
Se os cônjuges não são divorciados, ou desquitados, há a legitimação ativa da mulher da vítima, ou do marido
inválido. Se há filhos que tenham direito, a divisão é por metade para o cônjuge sobrevivo e para os filhos.
Se a mulher se separou do marido, sem se desquitar, e o marido vive com outra, discute-se qual a que tem direito à
indenização por acidente do trabalho: ou se verifica a culpa do marido na separação, pois o abandono do lar pode
resultar de atos ofensivos dêsse, ou se abstrai de culpa e apenas se indaga qual a contribuição do marido para a
mulher com quem era casado, ou para a companheira. Sempre que se não pode provar que a substituição foi
completa, a mulher que figura na carteira do marido, é que se tem por legitimada à indenização.
No art. 11, b), a referência é a “mãe ou pai inválido”, se vivem sob a dependência econômica da vítima e se essa
não deixou filhos ou cônjuge, que sejam, segundo o art. 11, a), legitimados ativo à prestação indenizatória.
O art. 11, e), é de grande relevância, pela generalidade, acertada, com que se reagiu. Se não há os beneficiários do
art. 11, a), qualquer pessoa que viva sob a dependência econômica da vítima, menor de dezoito anos ou inválido. A
despeito da vírgula que vem após “inválido” e antes de “e, qualquer que seja o sexo”, tem-se de interpretar o art.
11, e), no sentido de ser espécie distinta da primeira. Duas são as espécies: primeira, é beneficiária qualquer
pessoa que viva sob a dependência econômica do acidentado, se não há beneficiários segundo o inciso a);
segunda, qualquer que seja o sexo, é beneficiária a pessoa indicada, expressamente, em vida do acidentado, na
carteira profissional, no livro de registo do empregador, ou por outro “ato solene de vontade”. Não seria razoável
interpretar-se o art. 11, c), como se nenhum direito tivesse o menor ou a menor de dezoito anos, que viva sob a
dependência econômica do acidentado, ou a pessoa inválida, que viva sob a sua dependência, pelo simples fato de
não ter sido indicada, expressamente, em vida do acidentado, que não tinha cônjuge, nem filhos legitimados
ativamente à indenização pelo acidente.
Há outros problemas. Se a vítima não era casada, ou era desquitada, e deixa filhos, mas vivia com a companheira,
ou, empregada mulher, vivia com o companheiro inválido, ~tem eficácia a indicação expressa, em vida do
acidentado, na carteira profissional, no livro de registo do empregador, ou por outro modo, como testamento, ou
escritura pública, ou declaração em juízo? A resposta é afirmativa. Fica no lugar de quem seria cônjuge. Há a
divisão por metade. Se o companheiro é inválido, ou se a companheira é inválida, e vivia sob a dependência do
último, sem existirem beneficiários filhos, a sua legitimação independe da indicação e a situação é a de quem fôsse
cônjuge.
Se as filhas maiores não viviam sob a dependência da vítima, não têm direito à indenização. Se viviam, cabe-lhes
o ônus de alegar e provar.

6.FÔRÇAS ARMADAS E ACIDENTES EM SERVIÇO. Diz o Decreto n. 57.272, de 16 de novembro de 1965,


art. 1.0: “Considera-se acidente em serviço, para os efeitos previstos na legislação em vigor relativa às Fôrças
Armadas, aquêle que ocorra com militar da ativa, quando: a) no exercício dos deveres previstos no art. 25 do
Decreto-lei n. 9.698, de 2 de setembro de 1946 (Estatuto dos Militares) ; b) no exercício de suas atribuições
funcionais, durante o expediente normal,ou, quando determinado por autoridade competente, em sua prorrogação

(continuação)
ou antecipação; e) no cumprimento de ordem emanada de autoridade militar competente; d) no decurso de viagens
em objeto de serviço, previstas em regulamentos ou autorizadas por autoridade militar competente; e) no decurso
de viagens impostas por motivo de movimentação efetuada no interesse do serviço ou a pedido; f) no
deslocamento entre a sua residência e a organização em que serve ou o local de trabalho, ou naquele em que sua
missão deva ter início ou prosseguimento, e vice-versa, desde que efetuado em veículo militar para tal fim
destinado”. Acrescenta o § 1.0: “Aplica-se o disposto neste artigo aos militares da Reserva, quando convocados
para o serviço ativo”. Tem-se ainda no § 2.0: “Não se aplica o disposto neste artigo quando o acidente fôr
resultado de crime, transgressão disciplinar, imprudência ou desídia do militar acidentado ou de subordinado seu,
com a sua aquiescência. Os casos previstos neste parágrafo serão devidamente comprovados em Inquérito Policial
Militar para êsse fim mandado instaurar”.
No art. 2.0, diz o Decreto n. 57.272: “Considera-se acidente em serviço para os fins previstos em lei, ainda quando
não seja êle a causa única e exclusiva da morte ou da perda ou redução da capacidade do militar, desde que entre o
acidente e a morte ou incapacidade haja relação de causa e efeito”. Estabelece o art. 30: “Os militares acidentados
após a vigência da legislação a que se refere o art. 1.0, ainda não amparados por inexistência de regulamentação
definindo a conceituação de acidente em serviço, ou os seus legítimos representantes, poderão requerer no prazo
de um ano, a contar desta data, os benefícios dêste decreto”. Esgotado êsse prazo, o direito de requerer os
eventuais benefícios decorrentes da retroatividade prevista neste artigo fica automaticamente cancelado (§ 1.0).
Não se aplica o disposto no presente artigo aos casos já formalmente decididos no âmbito judicial, à data da
vigência dêste decreto (§ 2.0).
Os funcionários públicos civis e militares não têm os seus direitos a indenização regidos como os direito dos
empregados. Daí dizer-se que a lei sobre acidentes do trabalho não os apanha. Têm êles direito à aposentadoria,
com vencimentos integrais, se se invalidam em conseqüência de acidente que ocorreu no serviço.
A vinculação do Estado em contrato de trabalho distingue-se da vinculação do Estado em negócio jurídico de
direito público, seja bilateral, seja unilateral, como se dá com os negócios jurídicos de que resulta o emprego
público do civil ou do militar. Não há~ publicização , porque figurante é o Estado, porém o contrato de trabalho é
de direito privado (crítica acertada às expressões “institucionalização” e “publicização ”, em se tratando de
contrato de trabalho com o Estado~ em PAULO EMILIO RIBEIRo DE VILHENA, Contrato de Trabalha com o
Estada, 99 e 126). Se o Estado se insere em contrato de trabalho, fica subordinado à eficácia contratual, salvo se
há exceções criadas por lei. Há regras jurídicas de tal espécie, que de modo nenhum se justificam, inclusive o art.
2.0 da Lei n. 1.890, de 13 de julho de 1953, que infringe princípio constitucional.

§ 5.541. Assistência médica, farmacêutica e hospitalar

1.DEVERES CAUTELARES E DE REPARAÇÃO EM NATURA.

(a) As empresas empregadoras têm o dever de assistência médica, farmacêutica e hospitalar. Se o número de
empregados excede de quinhentos, há, na falta de recurso próximo, o dever de instalação de assistência médica.
Desde o momento em que houve o dano atribuível a acidente do trabalho, tem o empregador o dever de prestar
assistência médica, farmacêutica e hospitalar. Mas há, antes, o dever de estar informado quanto aos meios para o
adimplemento dêsse dever, bem como munido dos contratos ou pré-contratos ou dinheiro suficiente, ou contar
com meios próprios. As empresas têm de providenciar para que possam os empregados, em caso de necessidade,
ser atendidos a tempo, quer se trate de conseqüências de acidente do trabalho, quer não. A técnica das prestações
previdenciais, através de seguros, é de grande importância, mas os resultados são insuficientes se não há o
imediato atendimento aos empregados, através de serviços clínicos e especializados.
Mesmo nos períodos de férias ou em dias de luto ou de núpcias o direito à assistência existe.
Cumpre advertir-se que, em caso de inaptidão temporária total, o empregado tem direito à conservação no posto .
Durante o tempo em que o empregado não trabalhou, porque estava, devido ao acidente, inapto ao trabalho, tem
êle direito à contagem do tempo de serviço.
(b)O empregador tem todos os deveres que se refiram a segurança e higiene, que segurança é. O que está em lei é
de grande importância, porém também o é o que consta de regulamentos e instruções, ou avisos do empregador.
Diz-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 77: “Todo empregador é obrigado a proporcionar a seus empregados a máxima
segurança e higiene no trabalho, zelando pelo cumprimento dos dispositivos legais a respeito, protegendo-os,
especialmente contra as imprudências que possam resultar do exercício habitual da profissão”.
No art. 78: “Consideram-se, para êste efeito, como parte integrante desta lei, as disposições referentes à higiene e
segurança do trabalho da Consolidação das Leis do Trabalho, como também tôdas as normas especificas que, no

(continuação)
mesmo sentido, forem expedidas pelos órgãos competentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
sujeitos os empregadores às penalidades na mesma Consolidação fixadas, independente da indenização legal”. A
enumeração do art. 78 não é exaustiva, porque leis, regulamentos e instruções de qualquer Ministério, que digam
respeito à segurança dos empregados, têm de ser observadas, como conteúdo de dever do empregador. Além do
que procede de leis ou outras fontes de direito, há as ordens de serviço, impressas, dactilografadas ou por outro
modo expedidas.
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 79 :“Os empregadores expedirão instruções especiais aos seus empregados, a
titulo de “ordens de serviço”, que êstes estarão obrigados a cumprir rigorosamente, para a fiel observância das
disposições legais referentes à prevenção contra acidentes do trabalho”. Tais ordens de serviço têm conteúdo
declarativo, mandamental e por vêzes condenativo, pelas sanções que podem ter. São recepticias . Qualquer que
seja a divulgação entre os empregados, há de estar atendida a exigência de ordens conhecidas por todos os
empregados que elas atinjam. D’e sanção principal cogita o Decreto-lei n. 7.036, art. 79, § 1.0: “A recusa Por parte
do empregado em submeter-se às instruções a que se refere o presente artigo constitui insubordinação para os
efeitos da legislação em vigor”. Acrescenta o § 2.0: “Em nenhum caso o empregador poderá justificar a
inobservância dos preceitos de prevenção de acidentes e higiene do trabalho, com a recusa do empregado em aos
mesmos sujeitar-se”. A responsabilidade do empregado, pelos acidentes do trabalho, épelos riscos, de modo que o
art. 79, § 2.0, apenas o explícita. Inobservância da lei, ou de regulamentos, ou de instruções, ou de ordens de
serviço, por parte dos empregados, cause ou nao danos a empregados, não faz incólume o empregador. Está no art.
80: “Sempre que o acidente resultar da transgressão por parte do empregador dos preceitos relativos à prevenção
de acidentes e à higiene do trabalho, ficará êle sujeito ao disposto no art. 78, quanto às penalidades”. Ainda se diz
no art. 81: “Consideram-se também transgressões dos preceitos de prevenção de acidentes e higiene do trabalho,
sujeitas às sanções previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, no capítulo “Da higiene e segurança do
Trabalho”:
a)o emprego de máquinas ou instrumentos em mau estado de conservação ou não devidamente protegidos contra
o perigo; b) a execução de obras ou serviços com pessoal e material deficientes”.
Os empregadores, com quem trabalham mais de cem empregados, têm de organizar comissões internas, em que os
empregados se representem, com o propósito de estudos e comunicações concernentes a acidentes do trabalho. No
Decreto-lei n. 7.036, é minucioso o art. 82: “Os empregadores, cujo número de empregados seja superior a 100,
deverão providenciar a organização, em seus estabelecimentos, de comissões internas com representantes dos
empregados, para o fim de estimular o interesse pelas questões de prevenção de acidentes, apresentar sugestões
quanto à orientação e fiscalização das medidas de proteção ao trabalho, realizar palestras instrutivas, propor a
instituição de concursos e prêmios e tomar outras providências tendentes a educar o empregado na prática de
prevenir acidentes”.
(c) Se na localidade, em que ocorreu o acidente do trabalho, há médico legista oficial, êle é que tem de verificar se
há inaptidão para o trabalho. Em juízo, tem o juiz de nomear o médico perito, se não há o médico perito oficial.
Diz o artigo 83: “A verificação da incapacidade para efeito desta lei, na localidade em que houver médico legista
oficial, deverá ser, sempre, procedida por êle”. Acrescenta o art. 84: “Respeitado o disposto no artigo anterior, a
perícia em juízo será feita por perito nomeado pelo juiz, que lhe fixará os honorários”.
Às vêzes os exames periciais, por estar o ‘acidentado muito longe da sede do juízo, ou pela urgência, ou pela
intransportabilidade, não podem ser feitos na sede do juízo. Daí dizer o art. 85: “Sempre que possível, os exames
periciais que forem ordenados pelo juiz deverão ser realizados na sede do respectivo juízo”.
(d) Em caso de morte em conseqUência de acidente do trabalho, ou que se afirma ter tido tal causa, há a autópsia
de ofício, ou por ter sido requerida. Diz o Decreto-lei n. 7.036, art. 86: “Em todo o caso em que, de um acidente
do trabalho, resultar a morte do empregado, ou em que a um acidente do trabalho ela fôr atribuida, dever-se-á
proceder à autópsia, que poderá ser ordenada pela autoridade judiciária ou policial, por sua própria iniciativa, a
pedido de qualquer das partes ou do médico assistente da vitima”. Acrescenta o § 1.0: “A autoridade que
determinar a autópsia nomeará o respectivo perito, arbitrando-lhe honorários, salvo quando a perícia deva ser
efetuada em Instituto ou Serviço Médico oficial”.
Diz-se no art. 86, § 2.0: “A autoridade que ordenar a autópsia providenciará sempre para que o perito incumbido
de realizá-la seja convenientemente informado sobre a natureza do acidente tido como responsável pela morte do
empregado; sobre as circunstâncias em que se verificou; sobre a natureza do tratamento a que teria a vitima sido
submetida; e sobre a causa mortis indicada pelos seu médico assistente. Para isso, todo o pedido de autópsia feito
às autoridades judiciárias ou policiais, por quaisquer interessados, deverá ser sempre acompanhado de
esclarecimentos sobre os referidos fatos”.
O juiz há de procurar conhecer os fatos de que se diz ter derivado o acidente do trabalho e quais os danos,

(continuação)
inclusive quanto ao que ocorra após, no tocante a trabalho e intervenções cirúrgicas, ou outras circunstâncias ou
conseqüências . Se houve médico assistente, tem êle de dizer qual foi a causa da morte.
(e)Estabelece-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 14: “Nos estabelecimentos industriais ou na execução de qualquer
obra ou serviço, em que sejam utilizados mais de 500 empregados, quando localizados em regiões de difícil acesso
a um socorro médico de urgência em casos de acidente do trabalho, fica o empregador obrigado a manter um
serviço de assistência médica, dotado de pessoal e material indispensáveis à prestação do mencionado socorro”.
O art. 14 estabelece o número de empregados, a partir do qual há dever do empregador de ter serviço de
assistência médica (lato senso), com pessoal e material indispensáveis à prestação do socorro. Defeituosamente,
fêz condição para a exigência o estar o trabalho localizado em região de difícil acesso a socorro médico de
urgência. Abriu porta para que as empresas se eximam de tal dever com a alegação de serem facilmente atendidas
pela assistência pública. De qualquer medo, tem-se de interpretar o ad. 14 como atributivo dos riscos da falta de
socorro à responsabilidade do empregador.

2.ACIDENTES DE TRABALHO, PERÍCIA E ASSISTÊNCIA. Tinha a lei de frisar a diferença entre o dever em
caso de lesão corporal, seja física estrito senso, seja psíquica, ao de-. ver em caso de doença profissional. Lê-se no
Decreto-lei número 7.036, art. 12: “O empregador, além das indenizações estabelecidas nesta lei, é obrigado, em
todos os casos e desde o momento do acidente, a prestar ao acidentado a devida assistência médica, farmacêutica e
hospitalar, compreendida na primeira a assistência dentária”. As despesas quer haja com a assistência não são
indenizatórias, não se contam no importe da indenização, pôsto que possam influir na final apreciação do valor do
dano. Quando o acidente do trabalho é de exsurgimento lento, crendo-se, pelos sintomas, que é temporário, o
dever de assistência inicia-se com os primeiros conhecimentos dos danos prováveis.
No art. 12, § 1.0, está dito: “Nos casos de “doença-profissional” ou qualquer outra originária do trabalho, torna-se
efetiva a responsabilidade do empregador, com relação à prestação da referida assistência, desde o instante em que
tenha conhecimento dos primeiros sintomas da doença”. Aí, a referência ao “conhecimento dos primeiros sintomas
da doença” põe em relevo que a gravidade da doença não é pressuposto para os cuidados que há de ter o
empregador. Outra expressão, que merece atenção, é “efetiva” responsabilidade. Não somente começa, com os
primeiros informes ou notícias, vindos do próprio empregado, ou de terceiros, ou de algum outro empregado ou
dos empregados, a responsabilidade do empregador: há de iniciar-se com a eficácia do dever de assistência.
Diz-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 12, § 2.0: “Ao acidentado, diretamente, ou por intermédio de um seu
representante. é permitido reclamar à autoridade judiciária competente contra a forma por que lhe estiver sendo
prestada a assistência de que trata o presente capitulo. Nesse caso, a referida autoridade nomeará um perito médico
para averiguar a procedência ou não da queixa argüida , podendo, em face das conclusões do perito, determinar ao
empregador a designação, sujeita à sua prévia aprovação, de outro médico para assistir o acidentado, ou de outro
estabelecimento hospitalar para sua internação”. O art. 12, § 2.0, explicita a existência do direito de reclamação
que tem o acidentado. Tal direito é exercível pelo cônjuge, pelo pai, ou pela mãe, pelo filho, ou por alguém a que
expressa ou tacitamente haja outorgado poderes o empregado.
Ainda se diz no § 3.0: “O empregador também é responsável pelo transporte do acidentado, se estiver êste
incapacitado de se locomover, ou precisar receber socorros médicos fora do local ou cidade em que residir”.
No § 4.0: “O empregador deverá escolher o médico que terá de assistir o acidentado, o estabelecimento onde será
internado, se assim o exigir seu estado de saúde, bem como fornecer os medicamentos necessários e indicados
pelo referido médico”.
Quanto ao ad. 12, § 3•O, põe-se claro que o transporte do acidentado é por conta do empregador sempre que a
vítima não se possa locomover, ou precisar receber socorros médicos (lato senso) fora do local do serviço, ou fora
do local em que reside. O empregado pode ter de ser assistido desde logo, no estabelecimento do empregador, ou
perto, ou ter de ser levado à casa e assistido em casa, ou perto. Se a doença só se revelou na residência do
empregado, qualquer exame incumbe ao empregador, bem assim o transporte para onde tenha de receber o
tratamento, inclusive para hospital.
A reclamação, a que se refere o ad. 12, § 2.0, é feita perante o juiz. Ao juiz cabe a nomeação do perito médico,
para que julgue procedente ou não o que se argúi. A procedência pode basear-se em ter havido êrro, insuficiência
de tratamento, ou ser caso para especialista. Mesmo que tenha havido êrro, ao empregador é que incumbe a
designação de outro médico, ou hospital, ou casa de saúde, “com prévia aprovação” pelo juiz, e se, in casu, houve
crime do empregador, cuja denúncia ou queixa tenha sido apreciada, a designação há de ser pelo juiz.

3.ESCOLHA DE MEDICO PARA ACOMPANHAMENTO. Seria desacertado que, estando em tratamento na


empresa, ou a expensas dessa, não pudesse a vítima do acidente do trabalho escolher o médico, ou outro técnico,

(continuação)
que acompanhasse o tratamento. Tal médico, ou técnico, tem de ser a expensas da vitima, e compreende-se que
não possa interferir no serviço da empresa, ou aonde a empresa levou o empregado lesado. Daí estabelecer o art.
12, § 5.0: “O acidentado poderá ser acompanhado em seu tratamento, a suas expensas, por um médico de sua
escolha, ao qual deverá o empregador facilitar tôda a ação, não cabendo, porém, a êsse médico, interferir no
tratamento, ressalvado o disposto no § 2.0 dêste artigo”.
A escolha do médico pode ser pelo próprio acidentado, ou por alguém a que se haja de reconhecer ter interesse no
tratamento, como o pai, a mãe, o cônjuge, a companheira ou companheiro, que com êle viva maritalmente. O
médico acompanhante é sem responsabilidade do empregador quanto aos seus honorários e quaisquer despesas.
Tem de remunerar-lhe os serviços quem o escolheu, ou o acidentado, se ratifica a escolha.

4.RECUSA DO TRATAMENTO POR PARTE DO EMPREGADO.


O empregado que se recusa a ser tratado, inclusive a submeter-se a operação cirúrgica, ou que dificulta o
tratamento ou desobedece às instruções recebidas, expõe-se a riscos que ultrapassam aquêles que são assumidos
pelo empregador.
Estatui o Decreto-lei n. 7.036, no art. 13: “Recusando-se o acidentado a submeter-se ao necessário tratamento
médico, ou fazendo-o decididamente, a responsabilidade do empregador ficará limitada às conseqUências
imediatas do acidente, e não se estenderá às suas agravações ou complicações”. Acrescenta o parágrafo único:
“Para o efeito do disposto no presente artigo, o empregador comunicará sempre à autoridade judiciária
competente, para a devida verificação, a recusa do acidentado em submeter-se ao tratamento médico indicado, ou
a sua negligência na observância do mesmo”.
O art. 13 supõe a recusa nociva, isto é, a recusa total ou parcial devido à qual o acidente do trabalho tem
conseqüências que, sem ela, não teria. Há, aí, culpa do empregado após o acidente do trabalho. Segundo os
princípios, o empregador tem a responsabilidade pelos riscos, que é afastável pela intencionalidade do acidente do
trabalho por parte do acidentado cf. art. 7•O, a), onde se fala de “dolo do próprio acidentado sem que baste a
culpa da vitima para que se pré-exclua a responsabilidade do empregado. Se o acidente do trabalho gerou a
responsabilidade do empregador, a quem se atribui o dever de assistência e indenização, e o empregado se recusa
ao tratamento, tem-se de discriminar o que seria conseqüência do acidente do trabalho se a recusa não tivesse
ocorrido e o que resultou da recusa. Na dúvida, nenhuma conseqüência é atribuível à recusa.
Para se evitarem dificuldades na discriminação das conseqüências , o art. 13, parágrafo único, deu ao empregador
comunicação ao juiz. Se o empregado se recusa a submeter-se ao tratamento, ou a parte dêle, ou se submete a ele,
sem a necessária observância das instruções, o empregador tem de comunicar ao juiz o que se passa. Se o não faz,
há a presunção facti de que o empregado não se recusou e se submeteu, como devera, ao tratamento. Surge o
problema de ser a verificabilidade a partir da comunicação, ou desde antes, quando se deu a recusa ou começou a
negligência. A lei não estabeleceu prazo para a comunicação de conhecimento. Há ônus para o empregador, porém
a verificação é pelo juízo, o que afasta não se poder ir ao passado para se distinguirei-a das conseqüências que
teria o acidente do trabalho se recusa não tivesse havido, nem negligência do empregado, as conseqüências ou a
agravação de conseqüências advindas da recusa ou da negligência.

5.DEVER DE ENTREGA DE ATESTADOS. O Decreto-lei n.7.036 cogita do dever dos médicos da empresa, ou
contratados pela empresa, ou por empresa de hospital, de entrega de atestado que lhe seja solicitado. Também fala
do dever que tem o médico de entregar segunda via ao empregador. Diz o Decreto-lei n. 7.036, art. 15: “Todo
médico que tiver a seus cuidados profissionais um acidentado do trabalho fica obrigado a fornecer, sempre que lhe
fôr solicitado, dentro das 72 horas que se seguirem ao início do tratamento, um atestado em que declarará a
natureza do mal verificado, sua causa, evolução e incapacidade para o trabalho dêle resultante; e ao suspender o
referido tratamento, seja por alta ou qualquer outro motivo, a entregar ao acidentado outro atestado em que
mencionará pormenorizadamente o estado em que o deixa, inclusive no que se relacione com a sua capacidade
laborativa”. Acrescenta o parágrafo único: “Sempre que o médico tiver sido indicado pelo empregador, a êste
deverá fazer entrega de uma segunda via dos atestados referidos neste artigo”.
O’ médico, a que se há de exigir o atestado, é qualquer medico que examinou o acidentado. A lei diz que há o
dever, sempre que lhe fôr solicitado”. De iure condendo, o dever seria independente de solicitação ou exigência.
Na 2.~ parte do art. 15, o dever de entrega de atestado, em caso de alta, ou de qualquer outro motivo (remoção
para outro hospital, entrega a especialista), é independente de qualquer solicitação. (Na 2.~ parte do art. 15, a
expressão “suspender” é imprópria; lá deveria estar “suspender ou interromper”). O que importa é que, ao terminar
o tratamento, ou o simples exame. para se saber qual a conclusão para se iniciar, ou para se fazer prosseguir o
tratamento, ou ao suspender-se o tratamento, qualquer que seja o motivo (e. g., outra operação, ou outra clínica, ou

(continuação)
mudança de cidade, de vila, ou de bairro, ou recusa), o médico que prestava o serviço profissional ateste quanto ao
estado do acidentado. Exigem-se pormenores, inclusive quanto à sua aptidão de trabalho, quer quanto ao trabalho
de que se incumbia, quer quanto a trabalhos do mesmo gênero, quer em geral.
Se o médico foi indicado pelo empregador, ou se é medico da casa de saúde, hospital ou pôsto de socorro para
onde foi levado o acidentado, tem o empregador direito a que lhe seja entregue segunda via. Aliter, se o atestado
foi do médico acompanhante, que o empregado indicara.
Se houve a reclamação, a que se refere o art. 12, § 2.0, o médico indicado pelo empregado, ou o médico da casa de
saúde, hospital ou pôsto de socorro a que por êle foi levado o acidentado, tem de atestar quanto ao estado dêsse,
como pode enviar ao juiz todo o relato concernente ao estado anterior e atual da vítima.

§ 5.542. Morte, inaptidão, tratamento e indenizações

1.MORTE DO ACIDENTADO. A morte do acidentado em trabalho pode ser simultânea ou imediata ao acidente
do trabalho, ou posterior à assistência ou ao tratamento, que haja custado ao empregador, ou ao próprio
acidentado, ou a terceiro. Quaisquer despesas, de transporte, ou de serviços médicos, ou de hospedagem (em
hospital, ou em hotel, ou onde quer que seja), são dívidas do empregador, ou êle paga com dinheiro próprio, direta
ou indiretamente. Nada têm os pagamentos feitos no intervalo com a indenização ao beneficiário ou aos
beneficiários do falecido.

2.INAPTIDÃO TOTAL E PERMANENTE. Também a propósito das indenizações ao empregado, pela inaptidão
total e permanente, ou pela inaptidão total e temporária, ou pela inaptidão parcial e permanente, ou pela inaptidão
temporária, não se computam as despesas de tratamento, quaisquer que sejam. Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art.
16: “A indenização de que trata a presente lei será calculada segundo as conseqüências do acidente, assim
classificadas: a) morte; b) incapacidade total e permanente; c) incapacidade parcial e permanente; d) incapacidade
temporária”.
Após a enumeração das espécies de inaptidão para o trabalho, o Decreto-lei n. 7.036, arts. 17 e 18, define as
inaptidões permanentes, total e parcial. Diz o art. 17: “Entende-se por incapacidade total e permanente a invalidez
incurável para o trabalho”. Acrescenta o ~ 1.0: “Dão lugar a uma incapacidade total e permanente: a) a perda
anatômica ou a impotência funcional, em suas partes essenciais, de mais de um membro, conceituando-se como
partes essenciais a mão e o pé; b) a cegueira total; e) a perda da visão de um ôlho e a redução simultânea de mais
de metade da visão do outro; d) as lesões orgânicas ou perturbações funcionais graves e permanentes de qualquer
órgão vital, ou quaisquer estados patológicos reputados incuráveis, que determinem idêntica incapacidade para o
trabalho”.
A incurabilidade é que faz permanente a inaptidão, e não basta a afirmação de ser curável. O que importa é que se
considere incurável o que até o momento não se curou, nem é provável que se cure. Se era incurável e, m~rcê de
descobertas científicas, se tornou curável e se curou, dentro de dois anos, contados conforme o art. 73, há a
revisão.
No art. 17, ~ 2.0, está dito: “Quando do acidente resultar uma incapacidade total e permanente, a indenização
devida ao acidentado corresponderá a uma quantia igual a quatro anos de diária, calculada esta segundo o prescrito
no parágrafo único do art. 19”. A lei reputou suficiente a indenização igual a quatro anos de diária, mas enquanto
não se faz o pagamento da quantia há a correção conforme o aumento dos salários. O momento em que se paga é
que determina qual o salário.
Quanto a cegueira e outras lesões, estabelece o art. 17, § 3.0: “Nos casos de cegueira total, perda ou paralisia dos
membros superiores ou inferiores e de alienação mental, receberá o acidentado, além da indenização de que trata o
parágrafo anterior, a quantia correspondente a 20% calculada sobre a referida indenização, paga de uma só vez”.
Se a inaptidão é total e permanente e resultou de cegueira, perda ou paralisia dos membros superiores ou
inferiores, ou de alienação mental, o art. 17, ~ 3•0, estabelece o adicional de vinte púr cento sobre a referida
indenização, paga de uma só vez.
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 18, ~ 2.0: “A indenização devida ao acidentado será fixada de acordo com a
tabela que fôr expedida e as alterações nela posteriormente estabelecidas, pelo diretor do Serviço Atuarial do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio
O tabelamento é ato do poder público, porém não escapa à apreciação do seu conteúdo, ou mesmo da competência
do órgão tabelante, por parte do Poder Judiciário. Pode ser alegado êrro de ciência, êrro de cálculo, ou
desatendimento do que se estatui no art. 18, § 3.0: “Na elaboração da tabela de que trata o parágrafo anterior, o
grau de redução de capacidade do acidentado será sempre calculado atendendo-se à natureza e gravidade da lesão

(continuação)
por êle sofrido, à sua idade e profissão”. A injustiça das conclusões, que permitiram o tabelamento, pode ferir o
principio constitucional de isonomia e o princípio de legalitariedade, além de outros, bem como o próprio art. 18,
§ 3~O, do Decreto-lei n. 7.036.

3.INAPTIDÃO PARCIAL E PERMANENTE. No Decreto-lei n.7.036, art. 18, há definição de inaptidão parcial
e permanente: “Entende-se por incapacidade parcial e permanente a redução, por tôda a vida, da capacidade de
trabalho”.
A redução, a que se refere o art. 18, não é só a da aptidão para o trabalho a que estava vinculado o empregado
perante a empresa. Tem-se de indenizar o dano à pessoa dano ao corpo, perturbação funcional, ou doença que
haja derivado do acidente do trabalho. Por isso, a lei deixa margem à fixação da indenização; e diz o art. 18, § 1.0:
“Quando do acidente resultar uma incapacidade parcial e permanente, a indenização devida ao acidentado variará,
em proporção ao grau dessa incapacidade, entre três e 80 centésimos da quantia correspondente a quatro anos de
diária, observado, quanto a esta, o disposto no parágrafo único do art. 19”.
A determinação do quanto entre três e oitenta centésimos atende a que a inaptidão para o trabalho pode ser
pequeníssima como pode ser grave. Para que se evitem injustas condenações para o empregador, ou quantias
insuficientes e, pois, injustas, para o empregado, a lei, sem retirar a apreciação pelo juiz, que tem de examinar as
circunstâncias de cada acidente do trabalho e a importância de tôdas, ou de algumas, ou mesmo de uma só das
conseqüências , cogitou de tabela estabelecida pelo Poder Executivo. Daí as regras jurídicas do Decreto-lei n.
7.036, art. 18, § 2.0 e do § 3~O

4. INAPTIDÃO TEMPORÁRIA. A inaptidão temporária supõe que o empregado não possa, por algum tempo,
executar o trabalho que lhe competia. Não se trata da inaptidão somente para outro trabalho, nem se exige que, não
podendo trabalhar como trabalhava, o acidentado não possa ter outro trabalho. E. g., o maquinista ou motorista,
que sofreu o acidente do trabalho, continua em casa, e. g., pintando, ou escrevendo, ou consertando máquina de
escrever.
Diz o art. 19: “Entende-se por incapacidade temporária a perda total da capacidade do trabalho por um período
limitado de tempo, nunca superior a um ano”. Fala-se, aí, de perda total da aptidão para o trabalho, que exercitava
o acidentado. Não se cogitou da inaptidão temporária parcial. Se tal ocorre, há o pagamento dos salários, como os
recebia e há de receber o empregado, embora menor a sua aptidão. Se não há conveniência para o empregador, em
que o empregado continue no trabalho, a espécie tem de ser tratada como de inaptidão temporária total.
Lê-se no art. 19, parágrafo único: “Quando do acidente resultar uma incapacidade temporária, a indenização
devida ao acidentado corresponderá, durante todo o período em que perdurar essa incapacidade, a uma diária igual
à trigésima parte de sua remuneração mensal, observado o que dispõe o art. 27”.
A lei poderia estatuir que a indenização fôsse como a do direito comum, ou permanecesse a incidência do art. 19,
parágrafo único, periodicamente ; mas a solução, de iure condito, foi diferente; reduziu-se à duração de um ano
qualquer inaptidão temporária; se excede, não se há de Pensar em temporariedade. Por isso, lê-se no art. 20:
“Permanecendo por mais de um ano, a incapacidade temporária será automaticamente considerada permanente,
total ou parcial, e como tal indenizada, cessando desde logo para o empregador a obrigação do pagamento da
indenização correspondente à incapacidade temporária, bem como da prestação da assistência médica, f
farmacêutica e hospitalar”.
Tem-se de pôr em relêvo, no art. 20, que a mudança conceptual, imposta pela lei, é automática. Não importa
quando tenha sido paga a indenização fixada, porque é do dia em que ocorreu a inaptidão para o trabalho. Mas há
a verificação da permanência, que pode ser parcial ou total, embora fôsse total a inaptidão que se tinha como
temporária. A automaticidade desloca a figura da inaptidão para o trabalho, mas de modo nenhum deixa de atender
a eventual agravação das conseqüências .
O que se pagou é irrestituível. O que se havia de pagar não mais se paga, se o empregador solve a dívida de
indenização por inaptidão permanente. Enquanto há discussão, o empregador tem de prestar o que teria de prestar
se permanente a inaptidão. Uma vez que há a automaticidade da mudança do conceito, ao empregador somente
cabe a ação de revisão, conforme os arts. 72-75, para a qual há o prazo preclusiva do art. 73.

5.INDENIZAÇÃO POR MORTE OU POR LESÃO. A morte pode ser simultânea ou imediata, como pode ser
posterior à própria classificação do acidente do trabalho como gerador da inaptidão total ou parcial, permanente ou
temporária, para o trabalho. O que se pagou crendo-se que se tratava apenas de inaptidão temporária ou
permanente não pré-exclui a indenização por morte, nem é descontado dessa.
quanto às indenização por morte, diz o Decreto-lei número 7.036, art. 21: “Quando do acidente resultar a morte, a

(continuação)
indenização devida aos beneficiários da vítima corresponderá a uma soma calculada entre o máximo de quatro
anos e o mínimo de dois anos da diária do acidentado, e será devida aos beneficiários, de acordo com as seguintes
bases: 1. Na base de quatro anos da diária: a) à esposa ou ao espôso inválido a metade e aos filhos menores de 18
anos ou inválidos e às filhas solteiras sob a dependência econômica do acidentado a outra metade, entre êles
dividida em partes iguais:
b)na falta de cônjuge sobrevivente, aos filhos menores ou inválidos e às filhas solteiras que viverem sob a
dependência econômica do acidentado, quando o seu número exceder

de três, em partes iguais. II. Na base de três anos da diária:


a) ao cônjuge sobrevivente nas condições da alínea a do inciso anterior, quando não existirem filhos; b) aos filhos
menores ou inválidos e às filhas solteiras que viverem sob a dependência econômica do acidentado, quando em
número igual ou inferior a três; c) aos pais da vítima, na falta de cônjuge sobrevivente, de filhos menores ou
incapazes, quando ambos existirem e viverem sob a dependência econômica da vítima, em partes iguais. III. Na
base de dois anos da diária: a) ao pai inválido ou à mãe, na forma da letra c, do inciso anterior; b) à pessoa cuja
subsistência estiver a cargo da vítima, no caso de não existirem beneficiários enumerados nos incisos anteriores
O cálculo é entre dois anos de diária do acidentado. Há de ser paga a quantia aos beneficiários.
Diz o art. 21, parágrafo único: “Para os efeitos dêste artigo, não haverá distinção entre os filhos de qualquer
condição, bem como terá os mesmos benefícios do cônjuge legítimo, caso êste não exista ou não tenha direito ao
benefício, a companheira mantida pela vítima, uma vez que haja sido declarada como beneficiária em vida do
acidentado, na carteira profissional, no registro de empregados, ou por qualquer outro ato solene de manifestação
de vontade”.
Nenhuma distinção se faz entre filhos legítimos e filhos ilegítimos, mesmo adulterinos.
No tocante à companheira, ou ao companheiro inválido, tem de haver tratamento igual ao do cônjuge-mulher, ou
ao do cônjuge-homem, se inválido. Portanto, a) se há filhos menores de dezoito anos ou inválidos e filhas solteiras
sob a dependência econômica do acidentado, metade é da companheira, ou do companheiro inválido, conforme o
art. 21, 1, a), e metade dos filhos ou filhas, dividida em partes iguais; b) se não há filhos ou filhas com os
pressupostos acima referidos, a companheira ou o companheiro inválido recebe a indenização conforme o art. 21,
II, a).
No art. 22 (redação dada pela Lei n. 3.245, de 19 de agôsto de 1957), disse o Decreto-lei n. 7.036: “Uma vez que
exceda de vinte e quatro mil cruzeiros a indenização a que tiver direito o acidentado, nos casos de incapacidade
permanente ou, na hipótese de sua morte, os seus beneficiários, a diferença será destinada à instituição de
previdência social a que êle pertencer, para o fim de ser concedido acréscimo na aposentadoria ou pensão”.
Digamos: que exceda à quantia determinada em lei, com a correção monetária.
Acrescenta o Decreto-lei n. 7.036, art. 22, § 1.0: “Recebida pela instituição de previdência a importância a que se
refere êste artigo, será ela destinada a proporcionar a concessão de um acréscimo no benefício por incapacidade
(auxílio-pecuniário, auxílio-enfermidade ou aposentadoria), ou na pensão a que a vítima ou seus beneficiários
fizeram jus, observadas as disposições dos parágrafos seguintes” (Lei número 3.245, de 19 de agôsto de 1957).
Ainda no Decreto-lei n. 7.036, art. 22, § 2.0: “Se o acidentado não houver completado, na instituição, o período de
carência necessário para a concessão do beneficio, a instituição deduzirá do mencionado excesso o valor das
contribuições tríplices (do empregado, do empregador e da União), correspondentes ao tempo que faltar para a
integração dêsse período, calculando-as sobre o último salário de contribuição do acidentado, ficando o saldo, se
ainda restar, destinado ao fim a que alude a disposição anterior” (Lei n. 2.249, de 26 de junho de 1954).
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 22, § 3.0: “Não sendo o excesso suficiente para o pagamento das contribuições
relativas ao período de carência, será êle restituído pela instituição de previdência diretamente ao acidentado ou a
seus beneficiários” (Lei n. 2.249, de 26 de junho de 1954).
Diz-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 22, § 4.0: “Caso o benefício por incapacidade seja cancelado antes de um ano
de duração, por ter cessado a incapacidade, a instituição restituirá, de uma só vez, a importância da reversão
deduzida do que lhe tenha sido pago a título de acréscimo, computados os juros credores e devedores; caso seja
cancelado após um ano de duração, a instituição entregará, de uma só vez, a reserva matemática dos acréscimos
futuros” (Lei n. 3.245, de 19 de agôsto de 1957).
Está no art. 22, § 5.0: “Se a instituição não conceder benefício por incapacidade ao acidentado, pelo fato de não o
considerar incapaz para o trabalho, deverá entregar-lhe, diretamente e de uma só vez, a importância total da
reversão” (Lei n.3.245, de 19 de agôsto de 1957).

(continuação)
Sobre o assunto ainda há as regras jurídicas dos artigos 23 e 24, que não precisam de explicação. “Se a
indenização fôr igual ou inferior a vinte e quatro mil cruzeiros, ou não estiver a vítima compreendida no regime de
previdência de Instituto ou Caixa de Aposentadoria e Pensões criada por lei federal, a indenização ser-lheá paga,
ou aos seus beneficiários, diretamente e de uma só vez” (Decreto-lei n. 7.0~6, art. 23; Lei n. 3.245, de 19 de
agôsto de 1957). “Se entre os beneficiários existirem menores, as cotas a êstes destinadas deverão ser recolhidas
ao Banco do Brasil, a suas Agências ou a Coletoria Federal, à disposição do juiz de órfãos ” (Decreto
-lei n. 7.036, art. 23, parágrafo único; Lei n. 599-A, de 26 de dezembro de 1948). “Os acréscimos dos benefícios, a
que se refere o art. 22, serão calculados à taxa de juros de 6% ao ano e segundo as tábuas biométrica.s indicadas
pelo Serviço Atuarial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, observadas as condições de reversão e
extinção em vigor no respectivo Instituto ou Caixa de Aposentadoria e Pensões” (Decreto-lei n. 7.036, art. 24).
“Os benefícios calculados com os acréscimos a que se refere êste capítulo não estão sujeitos aos limites máximos
fixados pelas leis vigentes” (Decreto-lei n. 7.036, art. 24, parágrafo único).
No art. 21, 1, II e 111, faz-se a estimativa legal das indenizações , que se hão de prestar em caso de acidente do
trabalho de que resulte morte. Há, porém, plus. Está no Decreto-
-lei n. 7.036, art. 25: “Além da indenização prevista do art. 21, o empregador pagará imediatamente aos herdeiros
ou beneficiários do acidentado, a titulo de auxílio-funeral, uma importância igual à metade do mais alto salário
mínimo vigorante no País” (Lei n. 3.245, de 19 de agôsto de 1957).
No parágrafo único: “Na ausência de herdeiros ou beneficiários, fica obrigado o empregador a indenizar à pessoa
que à sua própria custa se tiver encarregado do enterramento do acidentado, de tôdas as despesas com o mesmo,
devidamente comprovadas, até o limite da quantia neste artigo mencionada”.
As indenizações pagas, por inaptidão temporária, são irrestituíveis , se sobrevém inaptidão permanente ou morte.
Diz--se no Decreto-lei n. 7.036, art. 26: “Não poderão ser descontadas das indenizações devidas por uma
incapacidade permanente ou morte, as quantias já pagas por motivo de uma incapacidade temporária. A
indenização a que por esta fizer jus o acidentado independerá sempre de qualquer outra prevista nesta lei”.
Se foram pagas indenizações por inaptidão temporária, ou se foram determinadas, aquilo a que teve direito o
acidentado não desaparece diante da superveniente inaptidão permanente, ou da morte. A temporariedade foi
estabelecida segundo os exames ou as conclusões tácita ou expressamente assentes. A permanência abre nova
indagação, que não deixa a descoberto o que se roputou temporário. A fortiori, a morte.
No art. 13 do Decreto-lei n. 7.036, há a limitacão da responsabilidade do empregador em caso de recusa do
empregado a submeter-se ao tratamento médico (lato senso), ou em caso de negligência na observância das
instruções, às conseqüências do acidente do trabalho, como seriam se a atitude do empregado não as tivesse
agravado ou aumentado. No artigo 26 diz-se que ííão podem ser descontadas das indenizações devidas por
inaptidão permanente, ou por morte, as quantias que foram pagas por inaptidão temporária. Não há dificuldade na
interpretação das duas regras jurídicas porque o que o empregador pagou foi conforme o que se verificou
judicialmente. Se tardou em comunicar ao juiz o que se passava, assumiu os riscos (cf. art. 13, parágrafo único).
“Nos casos de incapacidade temporária”, diz, hoje, o artigo 27, com a redação que lhe d’eu o art. 1.0 da Lei n.
4.604, de 30 de março de 1965, “a indenização é devida a partir do dia que se segue ao do acidente”. Antes,
retardava-se, sem razão de ser, a eficácia.
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 27, parágrafo único: “O salário do dia do acidente será integralmente pago pelo
empregador”. A irradiação de efeitos do acidente do trabalho começa com a ocorrência. Portanto, o salário do dia
do acidente há de seu pago, integralmente.
Lê-se no Decreto-lei n. 7.306, art. 28: “Em todos os casos de incapacidade permanente em que a capacidade do
acidentado puder ser aumentada com o uso de aparelhos de prótese, deverão êles ser fornecidos pelo empregador
independentemente do pagamento da indenização correspondente à referida incapacidade” Qualquer aparelho de
prótese, interior ou exterior, há de ser prestado pelo empregador, independentemente do que deve como
indenização pela inaptidão permanente ‘para o trabalho. Se, após ela, ou antes dela, tem de ser substituído,
continua o dever do empregador.
Diz o art. 29: “Não poderá ser contestada nenhuma incapacidade permanente sob o fundamento de poder ser
diminuída ou eliminada por terapêutica suscetível de agravá-la, o’i pôr em risco a vida do empregado. Também
nenhuma intervenção cirúrgica de natureza grave, capaz de ocasionar os mesmos efeitos, poderá ser imposta ao
acidentado, no curso do tratamento, podendo êle recusá-la, sem incidir nas restrições do art. 13, salvo quando
absolutamente indicada para a preservação de sua vida”. Acrescenta o parágrafo único: “Em caso de recusa do
empregado em submeter-se ao tratamento indicado, será nomeada uma junta médica composta de facultativos
escolhidos pelo acidentado, pelo empregador e pela autoridade judiciária competente, dependendo do referido
laudo a solução do caso”.

(continuação)
Se o acidentado está inapto, permanentemente para o trabalho, e se recusa ao tratamento indicado, com a alegação
de poder ser agravada pelo tratamento, ou dêle resultar morte, há quaestio facti, que tem de ser discutida e julgada,
Q empregador tem de comunicar ao juiz a recusa do empregado, quer o motivo alegado pelo empregado vítima da
inaptidão permanente seja o de possível agravament0 (“suscetível de agravá~la”), seja mesmo o de possível morte
(arts. 13 e 29). Se não há razão para a recusa, o que depende de exame perante o juízo (cf. art. 29, parágrafo
único), quaisquer danos a mais ou por agravamento das conseqUências que houve ou seriam de esperar, não são
indenizáveis. Em se tratando de operações cirúrgicas, cumpre que se distingam das conclusões do laudo pericial, a
que se refere o art. 29, parágrafo único, que apontada como necessária a intervenção para se evitar a conseqúência
da morte do acidentado (artigo 29, ia une), as conclusões que não chegam a tão extrema afirmação. Ali, a
intervenção tem de ser feita, após a decisão do juiz diante do laudo pericial, ou sem essa, se a urgência exige que
se faça. Aqui, o acidentado, que escolheu um dos membros da junta médica, com o empregador e o juiz, ou aquela
em que se proceda à operação cirúrgica, ou se submete à incidência do art. 13 (não há responsabilidade do
empregador, pelo agravamento ou pelas novas conseqüências ). Se o tratamento não é cirúrgico e houve recusa do
acidentado, há o laudo pericial da junta médica, ou o empregado retira a recusa e se submete ao tratamento, ou não
a retira e há a incidência do art. 13.
Se houve morte ou inaptidão permanente para o trabalho, as indenizações de modo nenhum excluem o direito ao
que se há de receber como seguro-invalidez ou como seguro-morte, devido pelas instituições de previdência social
(cf. art. 30)
“As indenizações concedidas por fôrça desta lei, nos casos. de incapacidade permanente ou morte, não excluem o
direito aos benefícios do seguro-invalidez e do seguro-morte assegurados pelas instituições de previdência social”.
Há dois problemas que a lei tem de enfrentar: o do acidente do trabalho na legislação comum; o do ato ilícito
absoluto, perante o direito comum, se não houve a indenização da lei não comum.
Diz o Decreto-lei n. 7.036, art. 31: “O pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o
empregador de qualquer outra indenização de direito comum, relativa ao mesmo acidente, a menos que êste resulte
de dolo seu ou de seus prepostos”.
No art. 32: “A indenização paga pelo empregador não exclui o direito do acidentado, seus herdeiros ou
beneficiários, de promover, segundo o direito comum, ação contra terceiro civilmente responsável pelo acidente”.
No § 1.0: “A ação de que trata o presente artigo poderá ser proposta pelo empregador ou pelo acidentado, seus
herdeiros ou beneficiários, ou por um e outros, conjuntamente”.
No ~ 2a ~Na mesma decisão condenatória de terceiros, será adjudicada ao empregador a importância por êste
paga com fundamento na presente lei, computando-se igualmente a seu crédito tudo quanto houver despendido em
conseqUência do acidente”.
O art. 31 apenas ressalva o direito, a pretensão e a ação do direito comum se, ao lado do acidente do trabalho, cuja
indenização é regulada pelo ‘princípio da responsabilidade pelos riscos, há dolo do empregado ou de outro
empregado. Dolo está, aí, em vez de intencionalidade. Legitimado passivo é o empregador, ou o outro empregado,
ou o são os outros empregados que intencionalmente suscitaram ou levaram a cabo o acidente do trabalho.
Se terceiro empregado ou não foi culpado, ou, mesmo sem culpa (e. g., dono ou possuidor do edifício ao lado, ou
da aeronave), teria de responder, porque assim estabelece o direito comum, há o direito, a pretensão e a ação
contra êle, quer seja legitimado ativo o acidentado, quer o sejam os herdeiros ou o seja o herdeiro, quer o seja
alguma das pessoas que o direito comum faz beneficiário, ou por uns e outros, conjuntamente.
No art. 32, § 2.0, diz-se que a decisão condenatória “adjudicará” ao empregador a importância que êsse haja pago
conforme o Decreto-lei n. 7.036, mas no quanto da condenação se inclui o que corresponde ao que foi pago.
O empregador somente fica incólume a outra ação que mova o acidentado se o que se pede é a indenização pelo
mesmo acidente, salvo se houve a intencionalidade do empregador ou de algum empregado. Seria o bis in idem;
mas a lei considerou que o empregado havia de ser protegido contra o dolo do empregador, se êle pode alegar e
provar o ato doloso do empregador e escolhe a ação que lhe pode dar reparação integral, ou se, a despeito da res
iudicata da sentença condenatória proferida na ação de acidente do trabalho, pede a indenização segundo o direito
comum. (a) Quando se julga procedente a primeira ação do empregado, proposta contra o empregador, com base
no direito comum, houve plus na indenização e foi provada, pelo menos, a culpa. Não caberia, depois, a ação do
empregado, com fundamento na lei especial. Se foi julgada improcedente, por não ter havido culpa, .a res judicata
não impede a propositura da ação do direito sobre acidente do trabalho. (b) Se a primeira ação proposta foi a de
acidente do trabalho, em que se abstrai da culpa, a sentença trânsita em julgado seria ofendida pela sentença que
viesse a julgar a ação condenatória do direito comum. Mas .a lei, no art. 31, abriu exceção, porque, diante do dolo,
o legislador considerou que seria desacertado deixar sem proteção o empregado, vítima da má intenção do
empregador, ou de algum empregado ou de alguns empregados. Com isso, permitiu que, se houve dolo, se abstraiu

(continuação)
da limitação rígida das estimativas das indenizações, criada pela lex specialis. 0 art. 31 inovou em relação ao
Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934> art. 12.
~ Pode o empregado preferir a ação do direito comum à ação da lei sobre acidentes do trabalho? A questão não
consiste em se saber se o empregado, que propusera a ação de direito comum e fôra vitorioso, ou que a perdera,
pode propor a ação da lei especial, ou vice-versa. O que se tem de -responder é a) se pode escolher,
definitivamente, ou b) se não pode ( tem de propor a ação da lei especial, e não a outra).
No sentido de a), é de observar-se que o art. 31 do Decreto-lei n. 7.306 supõe propositura da ação da lei especial e
a excepcional proponibilidade da ação de direito comum; não ~ veda, no art. 31, a propositura da ação de direito
comum, se não se quer a condenação conforme a responsabilidade pelos riscos. Só o ter adimplido exonera (lá se
diz que “o pagamento da indenização.., exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito
comum...”). Cf. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 5 de abril de 1944. No sentido de b), diz-se que não se
compreende que lex specialis, como a de ~acidentes do trabalho, deixe incólume o direito comum. Mais:
que a responsabilidade pelos riscos e a estimação legal das indenizações se equilibram e que essa corresponde a
muitas regras jurídicas protectivas que beneficiaram os empregados.
Ora, se foi inserto na lei especial o princípio da responsabilidade pelo risco, não há absurdo ou desacêrto em se
permitir que se alegue e se mostre a culpa (ou o dolo) do empregador, que supõe plus de ônus de prova para o
empregado. A lei distinguiu a culpa e o dolo somente para a propositura da ação de direito comum como ação
posterior.
A ação de direito comum prescreve em vinte anos, ao passo que a da lei especial prescreve em dois anos.
(De passagem frisemos que a expressão “opção” é im própria, na espécie. O que se discute é a exercitabilidade da
ação de direito comum em vez da ação da lei especial; ou, melhor, a preferência por aquela. Optar não é preferir;
se prefere, fere-se antes. Cf. Tomos XII, § 1.383, 4; XXIX~ § 4.311; L, § 5.329, 5.)

§ 5.543. Remuneração e salário

1.CONCEITUAÇÃO. O Decreto-lei n. 7.036 teve de incluir na remuneração as gorjetas que o empregado recebia.
Sobre as gorjetas, Tomos IV, § 335, 5; XLVI, § 5.001, 6; XLVII, §§ 5.039, 2; 5.071, 3; 5.096, 3, 4. Diz o Decreto-
lei n. 7.036, art. 33: “Compreendem-se como remuneração do empregado, para os efeitos desta lei, além do salário
devido e pago diretamente pelo empregador como contraprestação do serviço, os gorjetas que receber”. Acrescenta
o § 1.0: “Integram o salário, não só a importância fixa estipulada, mas também as comissões, percentagens e
gratificações pagas pelo. empregador”. E o § 2.0: “Não se incluem nos salários as gratificações que não tenham
sido ajustadas, as diárias para viagem e as ajudas de custo”. Finalmente, o § 32: “As diárias para viagem serão
computadas como salário desde que excedam a 50% do salário percebido pelo empregado”.
O Decreto-lei n. 7.036 deu o nome de remuneração, superfluamente e em sentido demasiado estrito, à gorjeta.
Bastaria que se referisse às gorjetas, porque salário remunera.
A gorjeta é salário indireto, por provir de outra pessoa que o empregador.
Pode dar-se que a gorjeta seja a única remuneração que o empregado recebe. Se não há dados para se saber qual o
importe das gorjetas, tem de ser arbitrado. resceitados. os princípios do salário mínimo.
Diz-se no art. 34: “Além do pagamento em dinheiro, compreendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a
alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que o empregador, por fôrça do contrato ou do
costume fornecer habitualmente ao empregado”. Acrescenta o parágrafo único: “Não serão considerados como
salário para os~ efeitos previstos neste artigo os vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao
empregado e utilizados no local de trabalho para a prestação dos respectivos serviços”.
A explicitação que está no art. 34 é assaz relevante. O salário compreende a importância determinada, as
comissões, as percentagens, que não sejam acidentais e as gratificações ajustadas ou costumeiras que o
empregador paga. A gratificação ocasional, que o empregador poderia não pagar, não se inclui no salário.
Diárias para viagem são as importâncias que o empregado recebe para despesas para transporte, contactos sociais
e outros gastos necessários, enquanto, em exercício de trabalho para o empregador, se ausenta da residência.
Ajuda de custo é o que se atribui ao empregado para despesas de viagem, transportes e nova instalação (cf. Tomos
XLVII, §§ 5.038, 8; 5.043. 1; 5.071, 3; XLVíi; ~ 5.128, 5). A referência do art. 33, § 32, do Decreto-lei n. 7.036,
abre exceção para as despesas de viagem se excedem cinqüenta por cento do salário do empregado.

2. SALÁRIO. Sobre o conceito de salário, Tomos XLVII, §§ 5.038, 8; 5.043, 1, onde se fala do étimo; e XLVII,
§5.160, 1. A prestação em natura de um ou mais dos cinco elementos (alimentação, vestuário, habitação, higiene e
transporte) permite ao empregador descontar do que prestou em dinheiro o percentual fixado para o elemento ou

(continuação)
para os elementos prestados em natura na localidade. O parágrafo único explícita que os elementos podem não ser
compreendidos no salário. Diz-se no art. 35: “Sendo o salário parcialmente pago em utilidades, converter-se-ão
estas em dinheiro, tomando-se Por base as percentagens adotadas para tal fim no cálculo do salário mínimo local”.
Acrescenta o parágrafo único:
se tratando.’ de serviços domésticos, não serão computa das pecuniàriamente tais utilidades
Sobre o salário mínimo, Tomos XLVII, §§ 5.067; 5.080, 10; e XLVIII, § 5.160,3. Faz-se a conversão em dinheiro
das prestações em natura, para se determinar o quanto da indenização. Tem-se de observar o que se fixa
legalmente como percentual mínimo da prestação em dinheiro. Quanto aos empregados domésticos, rege o art. 35,
parágrafo único (cf. Tomo XLVII, § 5.075, 3). Não se confundem com os trabalha-dores em domicílio (cf. Tomo
XLVIII, § 5.122, 1, 2).
Lê-se no art. 36: “Na falta de estipulação do salário ou :não havendo prova de importância ajustada, calcular-se-á
o ~salário do empregado em quantia igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou ao que
fôr habitualmente pago para serviço semelhante”.
Se não foi determinado, no contrato de trabalho, em que o prestador dos serviços é empregado, ou se não há prova
do quanto do salário que se diz ter sido acordado, calcula-se u salário em quantia igual à do salário d.e outro
empregado, que na mesma empresa preste trabalho equivalente, ou ao que se costuma pagar para trabalho
semelhante. Os dois adjetivos são sublinháveis. Tem-se de respeitar a regra jurídica sobre salário mínimo. Se não
se pode atender à equivalência, ou à semelhança, porque não ocorre na espécie (o que é dificílimo acontecer), tem-
se de proceder ao arbitramento.
O salário pode consistir em comissões, ou ser por tarefa ou empreitada, ou variar com a quantidade que se produz,
e então o critério estimativo há de ser especial. Daí estar no Decreto-lei n. 7.036, art. 37: “O salário percebido no
todo ou em parte, em gratificações, ou comissões, ou por tarefa ou empreitada, ou o que de qualquer forma variar
com a quantidade de trabalho produzido, será calculado, para o efeito da indenização, na base da média percebida
pelo empregado durante os três meses anteriores ao acidente”. Acrescenta o artigo 37, § 1.0: “Se durante o •prazo
mencionado no presente artigo o empregado não tiver trabalho ou se o seu salário tiver sido pago em bases
inferiores às que vigorarem por ocasião do acidente, o seu salário equivalerá, para os fins desta lei, ao salário
médio percebido, na mesma localidade e durante a mesma época, por outros empregados que exerçam atividades
análogas”. E o § 2.0: “No caso de empregado que perceba gorjetas, a indenização será calculada, tomando-se
por base a remuneração declarada ao Instituto de Aposentadoria e Pensões a que fôr filiado”.
O salário pode ser mensal, diário ou por hora. Há de constar da carteira profissional e qualquer alteração tem de
ser atendida para que seja invocável em se tratando de indenização por acidente, salvo alegação do empregado e
prova que seja feita. Diante da Lei n. 605, de 5 de janeiro de 1949, que regulou o repouso semanal remunerado e
sobre o salário dos dias feriados, o cálculo há de ser feito com base no número de trinta diárias por mês ou
trezentos e sessenta por ano. No Decreto-lei n. 7.036, art. 38, está dito: “Percebendo a vítima salário mensal, a sua
diária corresponderá à 25•a parte dêsse salário”. Mas tem-se de atender à Lei n. 605.
Lê-se no art. 39: “Se o empregado fôr pago por hora de trabalho, o salário diário equivalerá a oito vêzes o salário-
-hora, salvo convenção em contrário permitida por lei”. Portanto, se o salário-hora era de s, o salário-diário é de
8s.
Diz o Decreto-lei n. 7.036, no art. 40: “Percebendo a vítima salário sob a forma de diária, o seu salário anual
corresponderá a uma quantia equivalente a 300 vêzes a diária”. A Lei n. 605 atinge o Decreto-lei n. 7.036, art. 40,
pois o salário mensal é hoje de trinta vêzes o salário diário e o salário anual há de ser de trezentas e sessenta vêzes
o salário diário.
Está no art. 41: “Trabalhando o empregado em diferentes horas ou dias, para mais de um empregador, calcular-se-
á o seu salário como se tôda a remuneração houvesse sido obtida no serviço do empregador, para o qual trabalhava
na ocasião do acidente1 ficando solidàriamente responsável, em proporção às remunerações pagas, os vários
empregadores”. Se o empregado, em horário diferente, trabalha para dois ou mais empregadores, o salário, para o
efeito de indenização em caso de acidente do trabalho, é como se tôdas as remunerações fôssem feitas pelo
empregador para o qual trabalhava na ocasião do acidente do trabalho. No final do art. 41 diz-se que ficam
solidariamente responsáveis os outros empregadores em proporção às remunerações pagas. Tem-se de interpretar
o art. 41 como se nêle estivesse escrito: pelo total da indenização responde o empregador em cujo trabalho houve
o acidente do trabalho; se o empregador não pode prestar o total,o empregado pode exigir dos outros
empregadores aquilo que lhes corresponde, proporcionalmente, mas aos que tiverem de pagar fica a ação
regressiva contra o empregador responsável pelos riscos. A solução de ser responsável o empregador, em cujo
trabalho não ocorreu o acidente do trabalho, ou ae serem responsáveis os empregadores, em cujos trabalhos não

(continuação)
ocorreu o acidente do trabalho, seria absurdo, e não só injusto.
Se há o adicional de periculosidade, com permanência, inclui-se na remuneração para o caso de indenização .
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 42: “A indenização dos marítimos será calculada, se contratados por via
redonda, dizidíndo -se o valor da soldada e da etapa ajustadas pelo número de dias que normalmente durar a
viagem”. Não importa o fato de haver pensão ou aposentadoria para o marítimo acidentado.
Quanto os aprendizes diz o art. 43: “Para efeitos desta lei, nos casos de incapacidade permanente ou morte, o
salário do aprendiz não poderá ser calculado em base inferior à do salário mínimo do empregado adulto do local
onde se verificar o acidente”. Sôbre os aprendizes e o contrato de aprendizagem, Tomo XLVII, §§ 5.068, 2; 5.087-
5.090. Não importa se há remuneração do aprendiz, ou se não há; o que importa é que trabalhe para o empregador.
A regra jurídica do salário mínimo impõe-se se não há retribuição maior, ou se o empregador nada pagava.
Estatui hoje o Decreto-lei n. 7.036, no art. 44: “O limite superior de salário, para efeito de cálculo de indenização
por acidente do trabalho, é fixado em uma vez e meia o salário mínimo de maior valor vigente no País” (Lei n.
2.873, de 18 de setembro de 1956). Com isso, foram postas de lado as dificuldades que existiam, com as
sucessivas alterações do salário mínimo.
Diante do art. 157, VI, da Constituição de 1946 e da Lei n. 605, de 5 de janeiro de 1949, o empregado tem direito
ao repouso semanal remunerado e ao pagamento do salário nos dias feriados civis e religiosos (feriados civis são
os que a lei federal aponta e feriados religiosos os dias dc guarda, que a lei municipal declare, conforme a tradição
local e em número não superior a sete).

§ 5.544. Comunicação do acidente do trabalho

1.Prazo PARA COMUNICAR. A comunicação do acidente do trabalho é comunicação de enunciado oe fato;


portanto, de conteúdo declarativo. A legislação anterior exigia o inquérito policial, em quaisquer casos de acidente
t.o trabalho; a lei vigente limita aos casos de morte a obrigatoriedade. Seria a margem para demoras e disputas
inoportunas. O empregado tem de comunicar ao empregador o que se passou e ele considera acidente do trabalho.
O prazo é exageradamente curto, mas há ressalva de ter sido impossível. Diz--se no Decreto-lei n. 7.036, art. 45:
“Todo acidente do trabalho será obrigatoriamente comunicado ao empregador pelo acidentado, ou por qualquer
pessoa que dêle tenha conhecimento, imediatamente, após a sua ocorrência, não podendo essa comunicação
exceder o prazo de 24 horas, salvo impossibilidade absoluta”. Acrescenta-se no parágrafo único: “Se, no caso de
inobservância do que dispõe o artigo anterior, resuliarem, pelo conseqüente retardamento da prestação de uma
conveniente assistência médica, farmacêutica e hospitalar, agravações ou complicações da lesão inicial, por elas
não responderá o empregador”.
O prazo é improrrogável, mas a infração não tem qualquer conseqüência preclusiva, razão por que, no art. 45,
parágrafo único, se dá a sanção para o caso de omissão do empregado:
~retardamento da prestação de conveniente assistência médica, farmacêutica, ou hospitalar, de que resulte
agravamento ou complicação da lesão inicial, isto é, da lesão tal como, se tivesse havido assistência, a tempo, teria
tido as conseqUências, exime o empregador de indenizar o plus de conseqüências .
A comunicação do acidente do trabalho é, como se percebe,Ônus do empregado. O acidentado ou alguém por êle
tem de fazer a comunicação.

2.IMPOSSIBiLIDADE ABSOLUTA. Na lei está referência a impossibilidade absoluta. Se a lesão impediu que o
empregado pudesse comunicar, nas vinte e quatro horas e. g., perdesse os sentidos, ou não podia tocar a
campainha, tendo ficado no porão, estava ausente das instalações a serviço do ~empregador noutra cidade, ou fôra
fechado na sala de máquinas somente há o ônus da comunicação se já seria possível comunicar tocando a
campainha, gritando, batendo nas~ portas, telefonando, ou telegrafando, ou dizendo ao passante que trabalha ou
não na empresa. O empregado tem o ônus de. alegar e provar ter havido o acidente do trabalho.
Impossibilidade absoluta, diz a lei. Se a impossibilidade é objetiva, como se está suspenso o transporte pela
estrada~ ou se houve inundação, ou se os telefones não funcionam, ou. se não responde o telefone do empregador,
nem há outro meio para que se lhe comunique o acidente do trabalho, o prazo não corre.
Impossibilidade subjetiva é a que resulta de não poder o acidentado falar, ou ir até o telefone, ou ter alguém que
faça a comunicação.
Se o empregado incumbia alguém de fazer a comunicação e a pessoa incumbida não a fêz e é empregado da
empresa, ou pessoa que é dependente do empregador (e. g., cônjuge, filho, pai ou mãe, empregado doméstico,
secretário particular), houve a comunicação com eficácia contra o empregador. Se a pessoa é estranha à empresa e

(continuação)
ao empregador, e podia comunicar, responde pelo ato ilícito absoluto da omissão do dever, porque qualquer
pessoa, que possa transmitir a comunicação quanto ao acidente do trabalho, tem dever e obrigação de transmissão.
A responsabilidade é perante o empregado, pelos danos que resultaram da falta de comunicação a tempo.

3.DEVER DE REGISTO. O empregador tem o dever de livro, caderno ou fichário de registo, se o número de
empregados é inferior a cinqüenta (Decreto-lei n. 7.036, art. 10). Há prazo de vinte e quatro horas que começa no
momento em que recebeu a comunicação, ‘para que envie a sua comunicação à autoridade competente. Diz o art.
46: “Tendo conhecimento do acidente, o empregador o anotará no registo de que trata o art. 10, e, dentro de 24
horas, enviará do sucedido comunicação escrita à autoridade competente”.
Está no art. 46, ~ 1.0: “Tratando-se de empregador referido no § 2.0 do art. 9~o desta lei, a participação do
acidente será feita pelo chefe da repartição, serviço, obra, entidade ou~ presídio em que trabalhar o acidentado”.
Dos elementos da comunicação à autoridade competente cogita o ar{. 46, ~ 2.0: “Dessa comunicação, devem
constar os. seguintes elementos: a) nome, profissão, sexo, idade, residência e salário do acidentado; b) natureza do
acidente sofrido e suas conseqüências imediatas; c) condições em que se verificou; d) local, dia e hora do evento e
nome de residências das pessoas que o testemunharam; e) tempo decorrido entre. o início do trabalho e a hora do
acidente; 1) indicação do hospital a que eventualmente foi recolhido o acidentado; g) tratando-se de doença
profissional, quais os empregados sob cuja dependência trabalhou anteriormente o acidentado, na mesma
profissão, nos dois últimos anos; h) indicação da entidade seguradora”.
A autoridade competente, que é o juiz, conforme a lei de organização judiciária do Distrito Federal, do Estado-
membro ou do Território, também tem o dever de proceder o registo, no mesmo dia, em livro especial, a
comunicação recebida. Diz o art. 98 do Decreto n. 18.809, de 5 de junho de 1945: “Os acidentes comunicados às
autoridades judiciária e policial, na forma dos arts. 46 e 47 da lei, serão pelas mesmas mandadas registrar, dia a
dia, em. livro especial, que deverá conter, também, um índice, em que se indicarão o nome e sobrenome em ordem
alfabética, segundo a letra inicial do nome, de todos os acidentados nêle inscritos, acompanhados do número da
página em que constar o registro do acidente”. A propósito da comunicação à autoridade judiciária, ou policial, há
o art. 97 do Decreto n. 18.809, em que se estatui que tal comunicação obedece aos modelos que forem expedidos
pelo Serviço Atuarial.
Quando o empregador é a União, o Estado-membro, o Território ou o Município, ou autarquia, ou sociedade de
economia mista, que explore serviço ao público, ou serviço público, ou se o acidentado é presidiário, a
comunicação é feita ao Chefe da Repartição, Serviço, ou obra, entidade ou presídio em que trabalhe o acidentado.
Segundo o art. 95 do Decreto n. 18.809, o registo de empregados, de que trata o art. 18, é feito no mesmo registo
de’ que cogita o art. 41 do Decreto-lei n. 5.452, de 1.0 de maio de 1943, “lançando-se os nomes dos beneficiários
no verso da fôlha ou da ficha”. O art. 41 do Decrete-lei n. 5.452 estatui que em tôdas as atividades é obrigatório o
registo dos respectivos empregados, feito em livro próprio ou fichas, conforme o modêlo que o Ministério do
Trabalho aprovou. No art. 41, parágrafo único, diz-se que, no livro ou nas fichas, além da qualificação civil ou
profissional de cada empregado, são anotados todos os dados relativos à sua admissão no emprêgo, duraçio e
efetividade do trabalho, férias, casos de acidentes e tôdas as circunstâncias que interessam à proteção do
trabalhador.
Na falta de observância do art. 46, pelo empregador, há as sanções do art. 104.

4.CASO DE MORTE E COMUNICAÇÃO À AUTORIDADE POLICIAL.


A comunicação à autoridade policial só é’ obrigatória se do acidente do trabalho resultou morte. No Decreto-lei n.
7.036, diz o art. 47: “No caso de morte, é obrigatória a comunicação do acidente à autoridade policial, que
instaurará o respectivo inquérito e o remetera,, dentro do prazo de 10 dias, ao Juízo competente”. A comunicação
tem de ser feita com observância do Decreto n. 18.809, art. 97. A autoridade policial tem o dever de abrir,
imediatamente, o inquérito, que há de terminar dentro de dez dias, findo o qual é remetido ao juizo competente.

5. CASOs DE DOENÇA. A doença há de ter sido resultante de exercício do trabalho, no sentido que explicamos.
A lei deu prazo para a manifestação dela. Diz o Decreto-lei número 7.036, art. 48: “Nos casos de doença
profissional, responderão pelas obrigações resultantes desta lei todos os empregadores sob cuja dependência tiver
trabalhado o acidentado, na mesma profissão, dentro dos dois últimos anos, proporcionalmente ao tempo de
serviço a cada um prestado, exceto quando a doença resultar diretamente da inobservância, por parte de um dos
referidos empregadores, das disposições legais relativas à prevenção de acidentes e à higiene do trabalho, hipótese
na qual sobre ela recaIrão todos os ônus decorrentes da doença, sem prejuízo das demais cominações da lei”.
Acrescenta o parágrafo único: “O disposto neste artigo não impede que o acidentado exija a totalidade das

(continuação)
indenizações do seu último empregador, que, nesse caso, ficará com direito regressivo contra os anteriores
O trabalho que só se prestou há mais de dois anos não pode ser considerado causa da lesão, que consista em
doença profissional. O prazo de dois anos é prazo preciso. Se o trabalho só foi prestado a um empregador, não há
dificuldade de aplicação do princípio da responsabilidade. Se foi, nos dois anos, prestado a dois ou mais
empregadores, mas a infração de deveres quanto a prevenção de acidentes do trabalho foi só de um, ou de alguns,
os outros estão fora da responsabilidade. Se não há alegação e prova de tal causação, respondem todos,
proporcionalmente ao tempo do trabalho que lhes foi prestado.
O art. 48, parágrafo único, simplifica o exercício da pretensão à indenização, porque permite ao empregado, que
não alega infração de algum ou de alguns empregadores, a exigência contra o último, que tem direito, pretensão e
ação regressivos contra os outros, respeitada a proporcionalidade. O autor da ação regressiva pode alegar e provar
que houve infração de algum ou de alguns, conforme se prevê no art. 48.
Diz-se no art. 49: “Não recebendo a autoridade judiciária competente do empregador a participação de que trata o
art. 46 desta lei, poderá tomar conhecimento do acidente por comunicação direta do acidentado ou de qualquer
terceira pessoa”. Acrescenta o parágrafo único: “No caso dêste artigo, a autoridade judiciária mandará dar vista ao
representante do Ministério Público competente, que requererá, como medida preliminar, além de outras
diligências que julgue necessárias, o exame médico do acidentado, não se tratando de morte, assim como tomará
as declarações dos interessados, e, dentro do prazo de 10 dias, iniciará a respectiva ação ou solicitará o
arquivamento”.
À autoridade judiciária tem o empregador de comunicar o que lhe foi comunicado pelo empregado, ou por outrem.
Se não o fêz, pode o juiz tomar conhecimento do acidente do trabalho, que lhe comunique o acidentado, ou outra
pessoa.
O prazo que tem o membro do Ministério Público é de dez dias, para iniciar a ação, ou requerer o arquivamento.
6.ACIDENTE D’O TRABALHO EM VIAGEM. Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 50: “Sempre que o acidente
ocorrer em viagem, a comunicação de que trata o art. 45 desta lei deverá ser feita ao empregador, por telegrama.
Neste caso, a autoridade judiciária competente para tomar conhecimento do acidente e das questões e acordos
dêle resultantes, será a do local da sede do empregador, o qual, entre os demais encargos, responderá por tôdas as
despesas com o desembarque imediato do acidentado, se isso exigir o seu estado de saúde com a sua remoção
ulterior para o local onde tiver residência ou em que trabalhe”. Acrescenta o parágrafo único: “No caso do
presente artigo, desde que viaje por conta do empregador, será êste responsável por tôdas as despesas com estada e
transporte que, pela interrupção da viagem, forem impostas aos membros da família do empregado que o
acompanhem Exige a lei o telegrama. Nada obsta, porém, que se faça por telefone, ou radiotelegrafia com
invocação do art. 7~0 do Código do Processo Civil.
Quanto à viagem em navio ou outra embarcação, diz o Decreto-lei n. 7.0.36, art. 51: “Em navio ou embarcação,
em geral quando em viagem, a comunicação de acidente sofrido pelos membros de sua tribulação será feita ao
comandante, capitão ou mestre, a quem caberá promover a ‘prestação ao acidentado dos socorros imediatos de que
necessitar, registar a ocorrência no “Diário de Navegação” e fazer a comunicação de que trata o art. 50”. A
comunicação é ao comandante, ou ao pilôto da aeronave. A comunicação é por telégrafo, telefonema, ou
radiograma.

§ 5.545. Liquidação das dívidas por acidente do trabalho.

1.ACÓRDOS SOBRE LIQUIDAÇÃO E ADIMPLEMENTO DAS DiVIDAS POR ACIDENTE DO


TRABALHO. No direito anterior, a Lei n. 3.424, de 15 de janeiro de 1919, não tinha referência a acordos
Possíveis; mas a interpretação havia de ser no sentido da liquidabilidade por acordo entre empregado e
empregador. Aliás, o regulamento explicitou . O Decreto-lei n. 7.036 cogitou do assunto, no art. 52: “A liquidação
das obrigações decorrentes de acidente do trabalho, salvo no caso de haver processo judicial, deverá ser feita ‘por
meio de acordo particular , realizado entre o empregado ou seus beneficiários e o empregador, reduzido a escrito
segundo o modêlo oficial, e ter-se-á sempre dentro tios 60 dias que se seguirem á morte do acidentado, à sua cura
ou à verificação de um:. incapacidade permanente”. Acrescenta o ~ 1.0: “Do têrmo de acordo, lavrado em três
vias, deverão constar os seguintes elementos:
a) nome do empregador e de quem legalmente o substituir; 1) nome, idade, profissão, estado civil, nacionalidade,
salário e residência do acidentado, assim como de seus beneficiários , tratando-se de caso de morte; c) em que
constitui o acidente, e quando se originou; d) qual o período de incapacidade temporária a que o acidente deu
lugar e qual a indenização a ela correspondente; e) se do acidente resultou alguma incapacidade permanente, e, no
caso positivo, qual o grau dessa incapacidade, quando se verificou e qual a indenização que lhe corresponde, de

(continuação)
conformidade com o prescrito na presente lei; f) natureza e principais características do aparelho de prótese por
acaso fornecido; g) se foi feita a comunicação do acidente no prazo legal”.
O acordo entre empregado e empregador é, em princípio, sem necessidade de homologação judicial. Nos casos de
morte ou de inaptidão permanente, a homologação é necessária. Há oferta de acordo; se aceita, concluído está; e a
homologação ou é necessária, ou facultativa, de modo que há acordos sem h.3mologaçáo. Os figurantes têm de
atender a limitações legais. O acordo não impede a ação regressiva contra terceiro.

2.ACORDOS OBRIGATÓRIAMENTE HOMOLOGADOS. O acordo, em caso de morte, ou de inaptidão


permanent3 para o trabalho, seja parcial, seja total, é feito extrajudicialmente, com a homologação judicial, ou é
feito em uízo, com a homologação judicial. Diz o Decreto-lei n. 7.036, art. 52, § 2.0:
“Nos casos de morte e de incapacidade permanente, é obrigatória a homologação do acordo de que trata êste
artigo, pela autoridade judiciária competente”. O juiz homologa-o, ou não o homologa. Não pede alterá-lo, quer
incluindo cláusulas, quer suprimindo-as. Por isso, mesmo, teve o legislador de regular a atitude do juiz em caso de
rejeição do acordo, no art. 52, § 3.0: “Rejeitado o acordo a que se refere êste artigo, serão convidadas as partes
para apresentação de nôvo, dentro do prazo de cinco dias, e, não sendo êste aceito, será iniciada a ação na forma
do cap. IX”. O art. 53, § 3~O, incide, quer o acordo tenha sido oferta de um dos interessados, sem a aceitação pelo
outro, quer Por faltar ao acordo concluído elemento de validade.
Diz, ainda, o art. 53: “Os acordos homologados pela autoridade judiciária ficarão sujeitos à taxa de 1,5% sobre o
valor da indenização total paga em dinheiro pelo empregador, livre de quaisquer outras custas”.

3 AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMPETENTE A competência da autoridade judiciária somente atende a que o


juiz do local do acidente do trabalho é que há de tê-la, salvo se estava em viagem o empregado (Decreto-lei n.
7.036, art. 50). Diz o art. 54: “A autoridade judiciária competente para receber a comunicaçã 0 de que trata o art. 46,
assim como para conhecer das questões e acordos surgidos da aplicação desta lei, ressalvado o disposto no art. 50,
será, em regra, o juiz cível do local onde se verificar o acidente, salvo prescrição em contrário da respectiva
organização judiciária”. No local pode haver juízo especial, ou ter competência juiz que não é juízo do cível, caso
em que se dá a outro juízo competência do cível em se tratando de acidentes do trabalho.

4.LIQUIDAÇÃO DAS DÍVIDAS E PROCEDIMENTO JUDICIAL.


Se a liquidação se faz judicialmente, quer por haver jus cogens, quer porque se suscitaram questões, ou a ação de
liquidação apenas pré-exclui os pleitos, ou dêles resulta. No Decreto-lei n. 7.036, há explícita referência às duas
espécies. Diz o art. 55: “Haverá procedimento judicial: a) em qualquer dos casos previstos nos arts. 47, 49 e 52, §
3.0; b) sempre que, por parte do empregado, de seus beneficiários ou do empregador, forem suscitadas
divergências na aplicação desta lei”.
Se o acidente do trabalho foi mortal, ou se tornou mortal, ou se o empregador deixou de comunicar a ocorrência
do acidente do trabalho, ou se há rejeição da segunda oferta de acordo, o procedimento de liquidação tem de ser
judicial. Outrossim, se há divergência na aplicação da lei sobre acidentes do trabalho, quer quanto à incidência de
alguma regra jurídica, quer quanto à interpretação.
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 56: “O acidentado, seu representante ou beneficiários poderão reclamar, contra
qualquer fato contrário a esta lei, ao órgão do Ministério Público,. o qual, procedendo de conformidade com o
estabelecido no parágrafo único do art. 49, dentro de 10 dias, no máximo, iniciará a competente ação ou opinará
pelo arquivamento da reclamação”. O Ministério Público, pelo órgão que a lei aponta como competente, tem o
dever de defender os interesses do acidentado ou de seus beneficiários. Com isso, dispensa-se outorga de podêres
a advogado, ou requerimento £~ Assistência Judiciária. Isso não impede que o acidentado, ou seu beneficiário,
constitua advogado. A função do Ministério Público é inafastável, porque há interesse público na defesa dos
acidentados e dos seus beneficiários.
Lê-se no art. 57: “Em qualquer dos casos previstos no art. 55, recebidos pelo juiz o inquérito, a petição do
interessado ou a do órgão do Ministério Público, designará, no prazo de cinco dias, audiência, para a qual citará o
empregador, o acidentado, seu representante legal ou beneficiários, e o membro do Ministério Público, a quem
incumbe sempre o patrocínio da causa do acidentado ou de seus beneficiários”.
A autoridade judiciária competente para receber a comunicação do acidente do trabalho, bem como para conhecer
das questões, que se suscitem, e dos acordos, se não se trata de acidente do trabalho em viagem, é, de regra, o
juízo do cível do local em que se deu o acidente do trabalho, salvo se diferentemente estatui a lei de organização
judiciária.
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 56~ § 1.0: “A citação será feita por mandado, quando os interessados residirem

(continuação)
na comarca, e, por carta, com recibo de retôrno, no caso contrário, constando sempre de um ou de outro teor do
requerimento que determinou sua expedição”. Fala-se de citação por mandado, ou por meio de carta, com recibo
de volta. Mas havemos de atender ao art. 7•0 do Código de Processo Civil.
Ainda o art. 57, § 2.0: “A União, os Estados, os Territórios, os Municípios e os demais empregadores referidos no
§ 2.0 do art. 9•O, serão citados na pessoa do chefe da repartição, serviço, obra, entidade ou presídio em que se
tiver acidentado o empregado”.
Acrescenta o art. 57, § 3.0: “Os empregadores referidos no art. 92 e que tiverem estabelecimentos, agências ou
filiais fora de sua sede, deverão nos mesmos ter prepostos, com poderes expressos para receber citações, inclusive
a inicial”.
A audiência inicial é o momento em que se caracteriza a divergência, ou em que se conclui em juízo o acordo,
seguido de homologação. Diz o Decreto-lei n. 7.036, art. 58:
“Havendo, na audiência inicial, acordo entre as partes, observadas as disposições desta lei, será reduzido a têrmo,
para a indispensável homologação, com a qual estará findo o processo”. Acrescenta o parágrafo único: “No caso
de haver discordância apenas quanto à natureza e extensão da lesão, poderá o juiz ordenar nova perícia,
obedecidas as prescrições do cap. XIII, sendo o respectivo laudo juntado aos autos, que serão conclusos para
sentença”.
O acordo em juízo, com homologação, não cobre infrações de lei. Se a discordância é quanto à existência, à
natureza ou à extensão da lesão, pode o juiz determinar nova perícia. Junto aos autos o laudo pericial, com todos
os dados, tem o juiz de decidir.
Sempre que não há acordo, têm de ser examinadas as alegações e as provas. Lê-se no art. 59: “Não havendo
acordo, receberá o juiz as alegações das partes, produzindo-se as provas na mesma audiência, se possível, ou em
outra que para esse fim seja designada no prazo de cinco dias”.
Quanto às testemunhas, estatui o art. 60: “A apresentação das testemunhas, que não poderão exceder a três para
cada parte, independe de intimação, sendo seus depoimentos reduzidos a termo ”.
No art. 60, dispensa-se a intimação das testemunhas. Isso não afasta que a parte a requeira. (O art. 237 do Código
de Processo Civil é invocável, analogicamente , no tocante a poder o juiz ouvir como testemunhas pessoas
referidas, se o julgue necessário.)
Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 68: “O empregado, seus beneficiários, e o empregador podem ingressar em
juízo diretamente ou por intermédio de advogado legalmente habilitado, ao qual cabe usar dos recursos legais”.
O órgão do Ministério Público não fica privado de interpor os recursos que entenda, ou de abster-se de fazê-lo, ou
de declarar que concorda com a interposição pelo advogado, caso em que se há de reputar recorrente como o
advogado, ou que somente concorda com algum ponto ou com alguns pontos eito recurso.
Quanto a arrestabilidude dos bens do responsável, estatui o Decreto-lei n. 7.036, art. 70: “No acautelamento dos
interesses do acidentado, quando antes da decisão fôr provável a ocorrência de atos capazes de causar lesões de
difícil e incerta reparação do seu direito, o juiz poderá determinar o arresto dos bens do empregador, ou que preste
êle caução”. Arresto é medida cautelar, mandamental, que a sentença, em ação de mandamento, decreta. A
sentença não expropria. Apenas retira a eficácia do poder de dispor; de modo que o dono do bem não pode praticar
atos que apaguem a eficácia da medida de segurança. Qualquer ato dispositivo, como, por exemplo, a venda, é
sem efeito contra quem obteve o arresto.
Diz-se no art. 71: “O Código de Processo’ Civil será subsidiário desta lei, nas suas omissões”.
Regra jurídica assaz importante sobre competência tem-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 69: “Tôdas as ações que
tenham conexão, sejam acessórias , oriundas ou complementares com ação movida com fundamento nesta lei,
julgada ou em curso, são da competência do juízo desta última, inclusive as ações contra terceiros (le que trata o
art. 32”. Se pende alguma ação concernente a matéria conexa com a ação de indenização por acidente do trabalho,
ou regressiva, a favor de algum interessado na indenização, passa a ser da competência do juiz em que se aforou a
ação de acidente do trabalho, ou qualquer das outras, salvo se já está em instância superior. Após a propositura da
ação de indenização por acidente do trabalho, a competência é do juízo em que a ação foi proposta.
Quanto à fase posterior a provas, estabelece o Decreto--lei n. 7.036, art. 61: ‘Terminada a produção das provas,
tomado o depoimento pessoal das partes, ou de seus prepostos devidamente autorizados, se fôr requerido ou
ordenado pelo juiz, serão oferecidas, em seguida, verbalmente ou por escrito, as alegações finais, sendo, então,
proferida a sentença”. Acrescenta o parágrafo único: “Nenhuma alegação ou defesa oral poderá exceder a dez
minutos”.
Ainda o art. 62: “Antes de sentenciar afinal, se não se julgar habilitado a decidir a causa, poderá o juiz proceder a
quaisquer diligências que lhe parecerem necessárias, inclusive quanto à classificação da lesão, proferindo a

(continuação)
decisão, no prazo de cinco dias, contados da conclusão”.
Há prazo para que se encerre o processo. Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 63: “O juiz dirigirá e orientará o
processo de acidente, que terminará no prazo máximo de 30 dias de seu inicio, sem contudo cercear a defesa dos
interessados”.
Os arts. 64 e 65 do Decreto-lei n. 7.036 são de ordem puramente processual. Diz o art. 64: “Das sentenças finais
proferidas nas ações de acidente do trabalho caberá, como único recurso o agravo de petição, o qual terá
preferência no julgamento dos tribunais
E o § 1.0: “O prazo para a interposição de recurso será de cinco dias e começará a correr do dia da publicação da
sentença em audiência, para a qual serão intimadas as partes”. Ainda o § 2.0: “O empregador só poderá recorrer
depositando judicialmente o valor da condenação”. Estabelece o § 32: “Sendo ilíquida a sentença recorrida, o
empregador, antes de recorrer, deverá requerer a sua liquidação, que não prejudicará a subida do recurso à superior
instância”. “Julgada a liquidação, o empregador, dentro em cinco dias, fará o depósito da quantia liquidada. A falta
do depósito no prazo acima importará em desistência do recurso” (§ 4.o)• “O recurso cabível do julgamento da
liquidação não suspenderá a obrigação do depósito, na forma do parágrafo anterior” (§ 5.0).
Quanto à execução das sentenças, lê-se no art. 65: “A execução das sentenças proferidas em ações de acidentes do
trabalho será processada na forma prescrita pelo Código de Processo Civil, no que lhe fôr aplicável, reduzidos,
porém, a metade os prazos superiores a 24 horas”.
Quanto às custas, diz o Decreto~lei n. 7.036, art. 67: “As causas fundadas na presente lei ficam sujeitas ao
pagamento das custas fixadas pelos regimentos vigentes nos juízos em que ocorrerem”. E o § 1.0: “O acidentado
ou seus ben3ficiá-rios estão isentos do pagamento de quaisquer custas, ainda
quando decaiam de seus pedidos, no todo ou em parte”. Ainda o § 2.0: “As custas devidas pelo empregador serão
sempre cobradas afinal”.

5.PRESCRIÇÃO E PRECLUSÃO. Nem todos os prazos constantes de regras jurídicas cio Decreto-lei n. 7.036
SãO prazos prescripcionais. Por exemplo: os prazos dos arts. 52, § 3~O, 64, ~ 4», 59, 62 e 7d. Le-se no art. 66:
“Tôdas as ações fundadas na presente lei prescreverão em dois anos, que serão contados da seguinte forma: a) da
data do acidente, quando dêle resultar a morte ou uma incapacidade temporária; b) da data em que o empregador
teve conhecimento do aparecimento dos primeiros sintomas da doença profissional, ou de qualquer outra originada
do trabalho; c) do dia em que ficar comprovada a incapacidade permanente nos demais casos”. A contagem do
prazo prescripcional desde a data do acidente do trabalho somente se dá se houve morte, ou incapacidade
temporária, se a morte foi imediata, ou se a incapacidade já se revela. Se a incapacidade temporária não se
revelou, porque não foi imediata~ o dia da revelação é que importa. Se não foi imediata a morte, com a
superveniência começa outro prazo prescripcional. Quanto às doenças, se foi submetido a exame a vitima, e a
inaptidão é permanente, só flui o prazo principal com a comprovação, através do exame médico. Diz o parágrafo
único. “Interromperá a prescrição qualquer ato ou ação do empregador, ou de quem legalmente o substituir nas
responsabilidades resultantes desta lei, que importe no reconhecimento do acidente e demonstre a intenção de
reparar-lhes as conseqúências”. Não se trata de suspensão, mas de interrupção. A citação inicial no processo da
ação de indenização interrompe o prazo.

§ 5.546. Revisão

1.MUDANÇAS NO TOCANTE AOS DANOS E REvISÃO. O estado de inaptidão do empregado para o trabalho
pode mudar para pior ou para melhor, como pode ter havido êrro no cálculo da indenização ou no próprio
diagnóstico ou prognóstico. Estatui o Decreto-lei n. 7.036, art. 72: “Tanto os acordos concluídos , quanto as
sentenças proferidas por fôrça desta lei, poderão ser revistos, seja por iniciativa do acidentado ou seus
beneficiários , seja do empregado, nos seguintes casos: a.> quando a incapacidade se atenuar, se repetir, se
agravar, ou a vitima vier a falecer, em conseqüência do acidente; b) quando se verificar erro fundamental de
cálculo na determinação da incapacidade que serviu de base ao acordo ou à sentença”. Não importa se o acordo foi
amigável, ou se foi judicialmente homologado, ou se foi concluído em juízo, com a posterior homologação
judicial, ou se houve litígio. Legitímad05 ativos são o acidentado, ou seus beneficiários, ou o empregador, ou os
empregadores, como se houve responsabilidade pelo que ocorreu com o empregado que serviu a dois ou mais
empregadores.
São causas de revisão o ter-se atenuado, ou ter-se repetido, ou agravado a inaptidão do empregado para o trabalho,
ou quando sobrevier morte, ou se verificar êrro na determinação da inaptidão, para o trabalho, de que resultou a

(continuação)
sentença.
No Decreto~leí n. 7.036, art. 73: “A revisão de que trata ‘o artigo anterior só poderá ser pedida dentro do prazo de
dom a::os, contados da data da conclusão do acordo , de sua homologação ou, nos casos litigiosos, da sentença
definitiva que fixar a incapacidade”. o prazo não é prescripcional , mas Preclusivo, como o é, Por exemplo, o
prazo para a ação rescisória de sentença.
Quer haja agravação, quer haja repetição, ou morte, é preciso que se alegue e se prove a relação de causalidade
entre o acidente do trabalho e o que depois ocorreu. Diz o artigo 74: “A agravação ou a repetição da incapacidade
dentro do prazo fixado no artigo anterior, ou a morte do acidentado, desde que, entre cada uma delas e o acidente,
haja efetiva relação de causalidade, respeitado o estabelecido, no art. 4~O, reabrem para o acidentado ou seus
beneficiários o direito não só às indenizações, mas, também , a todos os demais benefícios previstos nesta lei”.
Tanto a agravação como a repeticão e a morte podem ter causa estranha ao acidente do trabalho.
Legítímad0 ativo, em caso de agravação, ou de repetição, é a vítima. Em caso de morte, os beneficiários. Se há
atenuação , o empregador, que pede a redução do quanto indenizatório. Se houve êrro do cálculo, na determinação
da inaptidão para o trabalho, legitimado é quem sustenta ter sido errado o que se prestou, em conseqüência de má
ou deficiente determinação da inaptidão para o trabalho: portanto, pode. ser o empregado, se quer mais; ou o
empregador, que pede. redução da dívida ou do que ‘prestou.

2.CORREÇÃO MONETÁRIA. Discute-se se é possível pedir-se a revisão para a correção monetária. A resposta é
afirmativa, se a indenização é em parcelas, que a desvalorização do dinheiro atinja. Negativa, se foi paga tôda a
dívida antes de haver a queda do valor da moeda.
O prazo preclusivo flui desde o momento em que se concluiu, sem homologação, ~ acordo, ou em que se fêz a
homologação, ou desde o momento em que transitou em julgado a sentença que afirmou e qualificou a inaptidão
para o trabalho.

3.CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO. No caso de agravação da inaptidão para o trabalho, faz-se o cálculo da


indenização ora devida, e do quanto se deduz o que já fôra pago. Idem, se sobreveio a morte. Lê-se no Decreto-lei
n. 7.036, art. 75:
“Em todo caso de revisão, as indenizações já recebidas pela vitima, com fundamento numa incapacidade
permanente porventura já originada do acidente, serão deduzidas sempre de indenização final devida por se ter
agravado a mesma incapacidade ou ter ocorrido o falecimento do acidentado. Nesse último caso, se estiver o
acidentado em gôzo de acréscimo na aposentadoria a que alude o art. 22, será a indenização reajustada para o
efeito do que dispõe o art. 21”. O art. 22 alude à diferença destinada a instituIção de previdência social, a fim de se
aumentar a prestação por aposentadoria ou pensão. O art. 21 rege a indenização por morte.

§ 5.547. Readaptação profissional e reaproveitamento do empregado acidentado

1.CONCEITUAÇÃO. Readaptação profissional é a reaquisição da aptidão para o trabalho, no todo ou em parte,


quer seja para a profissão que era a do acidentado, quer seja para outra, a que baste o seu estado físico e psíquico.
Diz o Decreto-lei n. 7.036,. art. 90’: “A readaptação profissional, que é devida a todo incapacitado do trabalho,
tem por objeto restituir-lhe, no todo ou em parte, a capacidade na primitiva profissão ou em outra compatível com
as suas novas condições físicas”. Há, portanto, direito à readaptação profissional, isto é, direito a que se
proporcionem ao acidentado os meios para se readaptar. Somente cessa tal direito, quando impossível qualquer
readaptação.

2. MODO DE READAPTAÇÃO. Depois de se referir ao direito à readaptação, seria de esperar-se que se


precisassem os meios para se atender ao direito. No entanto, lê-se no artigo 91: “A readaptação profissional dos
incapacitados para o trabalho será realizada através de serviços de readaptação profissional, que funcionarão na
forma determinada em regulamento, e efetuar-se-á não só mediante a prática da fisioterapia, da cirurgia ortopedica
e reparadora, mas ainda do ensino conveniente em escolas profissionais e2peciais”. Tinha-se de aludir à pretensão
e à ação para que o empregador ou o Estado respeitasse o direito do acidentado.

3.ESTADO E ESOOLAS. As escolas podem ser das empresas ou do Estado. Ou tais escolas são escolas
profissionais especiais, ou a especialidade de escolas é de maior âmbito educacional e profissional. Lê-se no
Decreto-lei n. 7.036, art. 92:
“O Estado determinará o regime sob que deverão funcionar as escolas de que trata o artigo anterior, assim como as

(continuação)
conclusões para a prática do ensino correspondente”. Acrescenta e § l.~’: “Criadas as escolas profissionais
especiais, regular-se-a a admissão dos readaptados em funções que possam exercer com eficiência”. E o § 2.0:
“Em regulamento, serão fixadas quais as funções que devam ser exercidas, preferencial-mente, por incapacitados
readaptados”.

4.REAPROvEITAMENTO. Reaproveitar é reincluir o acidentado em algum trabalho, para o qual seja


empregado, ou funcionário público. Seria razoável que a legislação regulasse ~ direito ao reaproveitamento.
5.REVISÃO E READAPTAÇÃO. No art. 93 e §§ 1.0 e 2.0 do Decreto-lei n. 7.036 há regras jurídicas de grande
relevância. Diz o art. 93: “Em nenhum caso, a readaptação profissional obtida pelo acidentado será motivo de
revisão de acôrdo ou sentença que houver fixado a indenização pelo acidente do trabalho”. Acrescenta-se no § 1.0:
“O incapacitado que, no período de readaptação, perceber remuneração pelos serviços executados nas escolas
profissionais especiais, não terá suspenso o pagamento de aposentadoria concedida por instituição de previdência
social, em cujo gôzo se achar”. Ainda no ,§ 2.0: “A acumulação da remuneração percebida em suas novas funções
pelo incapacitado readaptado com a importância de aposentadoria, em cujo gôzo se encontrar, é permitida, até
importância correspondente ao dôbro do salário mínimo local, reduzindo-se o quantum da aposentadoria, quando a
soma das ~duas exceder a êsse limite”.
Quer a readaptação profissional consista em operações ~de cirurgia, de prótese e de ensino especifico, quer se
adquira aos poucos, com elementos educacionais adequados e eficientes, afasta-se a revisão, porque nem êrro de
cálculo houve, nem a inaptidão para o trabalho se atenuou, ou desapareceu, como a consequência. A relação de
causalidade há de existir entre o acidente do trabalho e a lesão como entre o acidente do trabalho e a atenuação,
para que possa haver revisão. Nos casos de readaptação profissional há plus, há elemento nôvo, entre o qual e a
readaptação há relação de causalidade. Por isso acertada é a regra jurídica do art. 93 do Decreto-lei
n.7.036, como o é a regra jurídica do art. 93, § 1.~. A do art. 93, § 2.0, apenas se refere à aposentadoria e ao quanto
que o aposentado recebe.

§ 5.548. Garantia do pagamento das indenizações

1.INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DO TRABALHO E SEGUROS.


Quanto aos acidentes do trabalho e os seguros, há duas soluções de técnica legislativa: a da obrigatoriedade e a da
facultatividade do seguro. O Decreto-Lei n. 7.036 foi explícito no art. 94: “Todo empregador é obrigado a segurar
os seus empregados contra os riscos de acidente do trabalho”. Acrescenta-se no parágrafo único: “Os
empregadores sujeitos ao regime desta lei deverão, sob pena de incorrerem na multa cominada no art. 104, manter
afixados nos seus escritórios e nos locais de trabalho de seus empregados, de modo perfeitamente visível,
exemplares dos certificados das entidades em que tiver realizado o seguro”.
O seguro é um dos meios, se não o melhor, para que se garanta o pagamento das indenizações, porque, em
prestações sucessivas e atendíveis pelos empregadores, cobrem êsses as eventuais dividas futuras.
A Lei n. 1.985, de 19 de setembro de 1952, estabelece que o seguro de que cogita o Decreto-lei n. 7.036, art. 94, se
faz na instituição de previdência social a que está filiado o empregado; e, “assegurada a exclusividade das
instituições de previdência social que já o possuem, os riscos de acidentes do trabalho continuarão cobertos por
apólices de seguros emitidas, indistintamente, por institutos e caixas de aposentadoria e pensões e pelas sociedades
de seguro e cooperativas de sindicatos de empregadores, até esta data autorizadas a operar nesse ramo”. No art.
3~0, frisa-se que têm exclusividade os institutos e caixas que pudessem atender aos riscos, em confronto com as
entidades privadas.
Diz o art. 95: “O seguro d’e que trata o art. 94 será realizado na instituição de previdência social a que estiver
filiado o empregado”. A Lei n. 1.985, de 19 de setembro de 1953, alterou a regra jurídica e revogou o art. 76.
Lê-se no art. 96: “As normas para o cálculo e cobrança do prêmio e para a realização do seguro de acidentes do
trabalho e sua administração, inclusive no que se refere ao regime de contas e gestão financeira, serão fixadas em
regulamento. Posteriormente, cf. Decreto n. 18.809, de 5 de junho de 1945; Portaria n. 32, de 28 de junho de 1945;
e Decreto n. 31.984, de 23 de dezembro de 1953, art. 3~0•

2.IMPENHORABILIDADE E PRIVILÉGIO. Acertadamente, diz-se impenhorável, inalienável e privilegiado o


crédito de acidente do trabalho. Aliás, qualquer vinculação é proibida. O Decreto-lei n. 7.036 estatui no art. 97: “É
privilegiado de penhora o crédito do acidentado ou de seus herdeiros ou beneficiários, pelas indenizações
determinadas nesta lei, não podendo, outrossim, ser objeto de qualquer transação, inclusive mediante outorga de
procuração em causa própria ou com podêres irrevogáveis”. Acrescenta o parágrafo único:

(continuação)
“No concurso de quaisquer créditos privilegiados, o de que trata êste artigo prevalecerá sobre os demais”.

3.RENÚNCIA A DIREITOS A INDENIZAÇÃO. Proibida qualquer vinculação no tocante ao crédito de seguro


por acidente do trabalho, explícita o art. 98: “São nulos todos os acordos que tenham por objeto a renúncia dos
benefícios estipulados nesta lei, ou que de qualquer forma contrariem as suas disposições”. Trata-se de simples
explicitação. Estão fora os acordos de que cogita o art. 52 e §§ 1.0, 2.0 e 3~O do Decreto n. 7.036, salvo fraus
tegis.

4.IMPOSTOS. Lê-se no Decreto-lei n. 7.036, art. 99: “Nenhum impôsto ou taxa recairá sobre as indenizações
previstas nesta lei. A taxa de que cogita o art. 53 é paga pelo empregador. A indenização tão-pouco é renda.

5.TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE. O empregador é obrigado a segurar os empregados contra


acidentes do trabalho (Decreto-lei n. 7.036, arts. 94 e 104). Quanto à transferência, estabelece o Decreto-lei n.
7.036, art. 100: “O empregador, ao transferir as responsabilidades que lhe resultam desta lei, para entidades
seguradoras, nelas realizando o seguro, fica desonerado daquelas responsabilidades, ressalvado o direito
regressivo das entidades seguradoras contra êle, na hipótese de infração, por sua parte do contrato de seguro”.
Acrescenta o parágrafo único: “Não poderão ser motivo de seguro as sanções decorrentes da inobservância das
disposições desta lei”.
A responsabilidade eventual é do empregador, de modo que ele é que tem o interesse no seguro. Por isso diz o
artigo 101: “Nenhuma quantia poderá ser descontada do salário do empregado, com fundamento nas obrigações
criadas nesta lei”. A regra jurídica não se refere só aos seguros por acidente do trabalho, pois há alusão as outras
“obrigações criadas” pela legislação sobre acidentes do trabalho.
Diz a Lei n. 1.985, de 19 de setembro de 1953, art. 2.0:
“Assegurada a exclusividade das instituições de previdência social que já a possuem, os riscos de acidentes do
trabalho continuarão sendo cobertos por apólices de seguros emitidas, indistintamente, por Institutos e Caixas de
Aposentadoria e Pensões e pelas sociedades de seguro e cooperativas de sindicatos de empregadores, até esta data
autorizadas a operar nesse ramo”. E o art. 3.0: “A lei concederá exclusividade aos demais Institutos e Caixas que
estiverem em condições de atender perfeitamente aos riscos de acidentes do trabalho em confronto com as
entidades privadas”.

§ 5.549. Sanções e deveres

1.LIQUIDAÇÃO DAS DÍVIDAS DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTES DO TRABALHO. A liquidação das


dívidas decorrentes de acidentes do trabalho, se não se trata de liquidação de sentença por haver pleito sobre a
dívida e a sua liquidação, ou sobre essa, é feita por acordo particular, dentro de sessenta dias após a morte do
acidentado, ou a sua cura, ou a verificação da inaptidão permanente (Decreto-lei n. 7.036, artigo 1,2). Se, por ação
ou omissão do empregador, o prazo se esgotou sem se ter feito a liquidação, as indenizações hão de ser pagas com
acréscimo de vinte e cinto por cento, mais os juros da mora. Esses juros fluem automaticamente . O total é
exigível ao segurador a que foi transferida a responsabilidade pelo seguro sobre acidente do trabalho, qualquer que
seja a empresa seguradora.
Diz o Decreto-lei n. 7.036, no art. 102: “Sempre que, por ação ou omissão do empregador, fôr excedido o prazo
estabelecido no art. 52, serão pagas as indenizações com um acréscimo de 25% sem prejuízo do juro da mora”.
Acrescenta o parágrafo único: “A sanção supra será igualmente aplicada contra a entidade seguradora, no caso de
os riscos derivados da presente lei lhe terem sido transferidos por contrato de seguro”.

2.INFRAÇÃO PELO EMPREGADOR E DIREITO DO SEGURADOR.


Se o empregador comete infração, tal como se supõe no Decreto-lei n. 7.036, art. 100, e o segurador despende
com indenizações e mais despesas que se ligam à prestação do seguro, tem o segurador direito a acréscimo. Diz o
art. 103: “A entidade seguradora terá o direito de haver do empregador, com um acréscimo de 25%, as
importâncias despendidas com indenizações e mais gastos correlatos, na hipótese prevista no art. 100”. A ação é
regressiva e somente concerne ao plus despendido.
No art. 104, o Decreto-lei n. 7.036 faia das multas, em que incorrem, impostas, no Distrito Federal, pelo diretor da
Divisão de Fiscalização do Departamento Nacional do Trabalho, e, nos Estados-membros e Territórios, pelos
delegados regionais do Ministério do Trabalho, processadas e cobradas na forma da legislação em vigor: a) os
empregadores que não possuírem ou não mantiverem em dia o registo exigido pelo art. 10; b) os qu’e não

(continuação)
segurarem os seus empregados contra os riscos de acidentes; e) os que não fizerem a fixação do certificado a que
alude o parágrafo único do art. 94; d) os que não cumprirem as disposições do art. 46, infringirem a do art. 101, ou
as de quaisquer outros estabelecidos nesta lei.

3.COMUNICAÇÃO DE INFRAÇÕES. Infringem a lei sobre acidentes do trabalho quaisquer pessoas, físicas ou
jurídicas, que deixem de observar as regras jurídicas cogentes que delas constem. Lê-se no art. 105: “De qualquer
infração desta lei, será dado conhecimento à competente repartição fiscalizadora, pelas autoridades que a tiverem
apurado, ou por qualquer interessado, para as providências que em cada caso couberem”. As próprias entidades
estatais e paraestatais, bem como as entidades de economia mista, podem ser acusadas de violação do Decreto-lei
ix. 7.036 ou de regras jurídicas que o alteraram, ou de regulamentos e portarias que êle prevê. Quanto às
repartições fiscalizadoras, o empregado e o empregador têm dever de comunicação; bem assim ao juiz ou à
polícia, ou a ambos. Os demais interessados podem fazer a com unificação.
“A fiscalização da aplicação da lei fica a cargo das autoridades competentes do Ministério do Trabalho” (Decreto-
lei n. 7.036, art. 106).

4.PROCESSO PENAL. Fatos ilícitos absolutos de que se origina dever de indenização por acidente do trabalho
podem ser crimes. A própria indenização por acidente do trabalho não afasta a ação criminal, nem a ação de
indenização pelo ato ilícito absoluto, que não é só acidente do trabalho.
Diz o Decreto-lei n. 7.036, art. 107: ‘~A presente lei não exclui o procedimento criminal, nos casos previstos em
direito comum”.

5.VERBAS PAi~Á SEGUROS. Há de haver dotação e exclusivamente destinada ao pagamento dos prêmios de
seguros contra os acidentes do trabalho. Dai estar no Decreto-lei número 7.036, art. 108: “Nos orçamentos das
Repartições Federais, Estaduais, Municipais e das entidades referidas no § 2.0 do art. 9~0 entre as verbas da
despesa com os empregados a que esta lei se aplica, será consignada uma dotação para atender ao pagamento dos
prêmios de seguro contra os riscos de acidentes”.
O art. 108 refere-se às entidades estatais, às autarquias, às sociedades de economia mista, às empresas
encarregadas de serviços públicos e às entidades estatais que têm presídios.

6.FISCALIZAÇÃO DAS ENTIDADES SEGURADORAS. O Decreto-lei n. 7.036 cogita da fiscalização das


entidades seguradoras (art. 109): “As entidades seguradoras são obrigadas a remeter aos órgãos competentes do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio os dados estatistícos que lhes forem solicitados. A mesma obrigação
caberá a tôda autoridade judiciária, relativamente aos casos que julgar e em que verifique não tenha sido feito
seguro”. Cf. Decreto-lei n. 18.809, de 5 de junho de 1945 (Regulamento) art. 12.
Diz o art. 110: “Ao diretor do Serviço Atuarial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio cabe, em qualquer
caso, inclusive para produzir efeito em juízo: 1. Estabelecer, de acordo com as tabelas oficiais, os critérios que
forem necessários para a classificação das lesões resultantes de acidentes do trabalho e doenças profissionais. II.
Classificar as lesões e doenças profissionais que não se enquadrarem nas tabelas oficiais ou nos critérios
estabelecidos. III. Fornecer o índice profissional das atividades que não constarem das tabelas oficiais”.
O funcionário público incumbido do serviço atuarial é funcionário do Poder Executivo, e não auxiliar da ~Justiça.
Não delibera; informa, conforme os dados de que tem a missão atuarial.
Se das tabelas não consta alguma lesão ou doença profissional, ou não existe o índice proporcional de alguma
atividade, o Diretor do Serviço Atuarial tem de dar os informes necessários (cf. RIBEIRO PONTES, Acidentes do
Trabalho, 232). De qualquer maneira, há o direito, a pretensão e a ação do acidentado para que se lhe preste a
indenização se o caso é de acidente do trabalho. As tabelas e os informes nada têm com as reparações de danos
que não são regidas pela lei sobre acidentes do trabalho.

§ 5.550. Regras jurídicas de direito intertemporal

1.SEGUROS E EMPRESAS. Diz o Decreto-lei n. 7.036, no art. III: “A partir da data da publicação desta lei, não
poderão ser concedidas autorizações a novas entidades seguradoras, cabendo tão-somente às instituições de
previdência social, às sociedades de seguros e às cooperativas de seguros de sindicatos, que atualmente operam em
seguro contra o risco dos acidentes de trabalho, a cobertura dêsse risco, de acordo com as normas que forem
fixadas em regulamento”. A limitação das operações de seguros de acidentes do trabalho começou a 13 de
novembro de 1944. Com isso, evitou-se a pululação de empresas de seguros sem ligação com os trabalhadores e a

(continuação)
inserção de tal atividade em empresas de exploração do seguro em geral. Quanto às instituIções de previdência,
estabeleceu-se no art. 112: “As instituições de previdência social, que ainda não mantenham carteiras de seguro
contra acidentes do trabalho, serão obrigadas a instalá-las, a partir de 1.0 de janeiro de 1952, e a estender
progressivamente as respectivas operações, de modo que, a partir de 1.0 de janeiro de 1954, possam realizá-las
com exclusividade”. Acrescenta o § 1.0: “Sem prejuízo do disposto neste artigo, é facultado às empresas
seguradoras privadas e às cooperativas de seguros de sindicatos, já autorizadas a funcionar, continuarem a operar
em seguros de acidentes do trabalho, até 31 de dezembro de 1953, com exclusão daqueles que já são objeto de
monopólio das instituIções de previdência social”. E o § 2.0: “O Serviço Atuarial do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio determinará a ordem em que as instituições de previdência social devam passar a operar em
seguros contra os acidentes do trabalho e a data do início das operações de cada um”. Finalmente, o ~ 3.~: “O
Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio expedirá instruções no sentido de que as instituições de previdência
social, ainda excluídas do monopólio dos seguros contra os acidentes do trabalho, se aparelhem devidamente para
assumir a responsabilidade dêsse encargo nos prazos fixados no presente artigo”.
As empresas de seguros de acidentes do trabalho são, em princípio, de direito privado.
Há três artigos que concernem a instituições de previdência social e às operações de seguros de acidentes do
trabalho. Lê-se no art. 113: “Dentro das normas que serão estabelecidas em regulamento, aproveitarão as
instituições de previdência social, na constituição dos quadros dos servidores de suas carteiras de seguros contra
acidentes do trabalho, os empregados que, com mais de 10 anos de serviço, forem dispensados, por efeito desta
lei, das funções que exerçam nas sociedades que ora operam no referido ramo de seguro”. Com a livre
concorrência, de que falamos logo adiante, o art. 113 ficou sem suporte fáctico.
n. 7.378 prorrogara por sessenta dias o início da incidência do Decreto-lei n. 7.036. O’ Decreto-lei n. 7.551, art.
5.o, mudou-se para 1.0 de julho de 1945. A Lei n. 599-A nova redação aos arts. 22, 23, 24, 95 e 112 do Decreto-
lei n. 7.O36~ e a Lei n. 2.249 alterou o art. 22 e os ~§ 1.o~5.o do Decreto lei n. 7.036.
(A Lei n. 599-A instituira o monopólio do seguro contra acidentes do trabalho, sem que se executasse. O Decreto
numero 31.984, de 24 de dezembro de 1952, cogitou dos “seguros de acidentes do trabalho nas instituições de
previdência social”. Mas, com a Lei n. 1.985, de 19 de setembro de 11953, volve-se à livre concorrência.)
Quanto às tabelas, o propósito da legislação foi o de simplificar a aplicação da lei, com fixações prévias de valores
indenizatórios. Se há ilegalidade no ato do Poder Executivo, cabe a ação de desconstituição por ser ilegal o que se
estabeleceu, ou como se estabeleceu.
Quanto a erros e imperfeições que se revelarem, pode outro ato do Poder Executivo corrigi-los.
2.REGULAMENTAÇÃO E TABELAS DE SEGUROS, FINALIDADE.
No art. 114: “Enquanto não fôr expedida a tabela a que se refere o art. 18, § 2.0, vigorará a mandada adotar pelo
Decreto n. 86, de 14 de março de 1935, com as alterações e acréscimos nela introduzidos por fórça do Decreto-lei
n. 5.216, de 22 de janeiro de 1943”.
Houve a Portaria n. 7, de 14 de julho de 1950 que aprovou a Tabela de Indenizações por inaptidão permanente
para o trabalho. A anterior foi mantida até o fim de 30 de setembro de 1953 (Portaria n. 21, de 16 de junho de
1951).
Diz o art. 115: “Dentro de 120 dias contados da publicação desta lei, serão expedidos os regulamentos e demais
atos que se tornarem necessários à sua execução, entrando ela, em vigor, no fim dêsse prazo
A publicação foi a 13 de novembro de 1944. Sucederam o Decreto-lei n. 7.878, de 13 de março de 1945, o
Decreto-lei n. 7.551, de 15 de maio de 1945, a Lei n. 599-A, de 26 dezembro de 1948 e a Lei n. 2.249, de 26 de
junho de 1954, que fizeram alterações ao Decreto-lei n. 7.036.

PRETENSÃO E AÇÃO DE INDENIZAÇÃO

§ 5551. Pretensão e obrigação de indenizar

1.DANOS E IRRADIAÇÃO DOS FATOS ILÍCITOS. Aos fatos ilícitos, de que se irradiam dívida, direito,
obrigação, pretensões e ações, o direito faz corresponder a relação de responsabilidade extranegocial, para que
não fique sem equivalente positivo o que ocorreu com diminuição patrimonial, ou avaliável patrimonialmente. Os
lesados podem ser dois ou mais, ou só haver um lesado. O responsável pode ser um só, ou pode haver dois ou
mais responsáveis.
O Código Civil, no art. 160, 1 e II, é explícito quanto a não serem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou

(continuação)
no exercício regular de direito reconhecido, nem a deterioração ou destruição de coisa alheia, a fim de remover
perigo iminente. A última espécie é o de estado de necessidade, que permite o ato ou os atos se indispensáveis para
a remoção do perigo (art. 160, parágrafo único). Nos arts. 1.519 e 1.520, atribui-se direito de indenização do
prejuízo que sofreu o dono da coisa, se não foi culpado do perigo, contra o autor do dano ou contra o terceiro,
regressivamente, se foi culpado. A mesma ação cabe contra aquêle em favor de quem se danificou o bem (art.
1.820, parágrafo único). A ação contra o autor do dano irradia-se de ato lícito danificante. A ação regressiva, no
caso de ato em estado de necessidade, é oriunda de ato ilícito do terceiro. A ação, no caso de legitima defesa de
terceiro, apenas supõe que o dano à coisa de terceiro foi para se defender a si, ou a outrem, e exerce-se contra
quem 1egitimamente se defendeu, ou defendeu legitimamente a outrem. Nenhum ato ilícito por parte de quem
produziu o dano. Se. quem o causou foi o ofensor, êsse responde conforme o artigo 159, pois o seu ato foi ilícito.

2. DANO E CAUSAÇÁO. Nunca é demais acentuar-se a. importância da relação causal, no âmbito da


responsabilidade. pelos fatos ilícitos absolutos. Frisemos “fatos ilícitos absolutos”, porque os próprios fatos ilícitos
strieto sensu, com a. abstração conceptual de qualquer elemento subjetivo, ou de quase todos, põe em relêvo que a
causalidade é o que mais importa. Tem-se de examinar, no sistema jurídico, tôda a. linha de limites objetivos da
ressarcibilidade dos danos. O que muito surpreende é que os juristas e a jurisprudência mais tenham em mira,
apesar das diversidades de deveres de reparação, a culpa e outros dados subjetivos.
Observemos de início que não se trata, sempre, de mera quaestio facti, porque as leis presumem ou assentam a
exis-tência de nexos causais. Ainda hoje aparecem, aqui e ali, os escritores que o afirmam, com ANDREAS VON
T’UHR (Alígemeiner Teil des schu,eizerischen Obligationenrechts, ~, 2Y~ ed.~ 90 s.) e AMISI GHAEM
MAGHAMI (Faute, Risque et Li.en de causalité dan~s la responsabilité civile, 150).
A causalidade não precisa ser imediata, damage’ direct; o que é preciso é que, sem a, b não se produziria. Uma vez
que a lei daí partiu para a responsabilidade, tanto a causalidade imediata quanto a mediata bastam. Há mais: a
responsabilidade é independente de ato, salvo se na espécie o que se considera danoso é o ato humano. Quando
alguém tem de reparar porque o seu animal, ou a sua coisa inanimada causou o dano, bem se mostra que a
causalidade e a responsabilidade são fatos distintos, mesmo porque, por vêzes, o sistema jurídico admite a objeção
de quem foi apontado como responsável.
Quanto à função do juiz, na determinação do nexo causal, de modo nenhum pode êle afastar-se da causalidade
natural, apesar de, a cada momento, precisar êle de dados e enunciados que procedam das perícias e das discussões
entre peritos e investigadores. Daí ser inadmissível a diferenciação absoluta entre a técnica do juiz, que seria
interna, e a dos peritos e investigadores, que seria externa (e. g., FRANCHI, La Perzia civile, 62 s.). Essa é aberta,
entregue ao juiz, a quem competenias afirmações definitivas, sujeitas, aliás, a reexame em recurso.As teorias sobre
a causalidade no direito têm de atender àcausalidade natural dita física e psíquica e ao que o o sistema jurídico
tem como limites objetivos da causalidade (cf. HEINRICH LANGE, Herrschaft und Verfaíl der Lehre vom
adãquaten Kausalzusammenhang, Archiv flir die civiiistische Praxis, 156, 115 s.). O juiz pode discordar das
conclusões dos peritos, engenheiros, médicos, químicos, ou outros quaisquer. Como peritus peritorum, tem de
fundamentar o que êle reputa a conclusão ou as conclusões verdadeiras, divergindo quanto às causas ou quanto à
relevância jurídica de alguma, ou de algumas, ou mesmo de tôdas elas (cf. E. v. CAEMMERER, Das Probiem des
Kausalzusammenhangs im Privatrecht, 12). Nem sempre há a linha causal única: pode haver pluralidade de causas
ou causa de causas, fatos sine quibus non; pode haver os chamados danos iniciais e os danos sucessivos, distinção
sem relevância (para o direito italiano, TEUCRO BRASIELLO, 1 Limiti della Responsabiiità per danui, 2.~ ed.,
356 s.; PAOLO FORCHIELLI, 11 Rap porto di causaiità nell’iílecito civile, 22 s.). A extensão do suporte fáctico
de direito penal e a do suporte fáctico do direito da responsabilidade por ato ilícito absoluto, no direito privado,
não coincidem, porque os danos resarciveis , no direito privado, podem ir além dos limites fácticos do crime. O
que o direito penal vê, no ferimento, é o ferimento, a ofensa à integridade corporal ou à saúde, com ou sem
incapacidade para as ocupações habituais, perigo de vida, debilidade permanente ou perda de membro, sentido ou
função, aceleração do parto, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, deformidade
permanente, ou abôrto. Não se leva em conta o dano patrimonial ou não-patrimonial’ (moral), que o ferido sofra,
ou a alguém, perto dêle, atinja (cf. ELIO CASETTA, L’Illecito degli enti pubbiici, 18 s.). Quando se fala de
imediatidade não se alude a ser instantâneo o dano; há algo de temporal, que permite ter-se como imediato o que
foi muito após o ato ilícito absoluto sem ter havido dano intercalar. Se o alimento dos animais ficou deteriorado, o
mesmo depois, devido ao fato ilícito absoluto, houve dano imediato, ao passo que mediato foi o dano que resultou
da falta

164TRATADO DE DIREITO PRIVADO

(continuação)
do alimento para os animais, se havia tempo para se adquirir o necessário ou se dar outra solução à alimentação.
O exemplo está na L. 21, § 3, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, onde PAULO falou de dano ao trigo e fome da
família. Aqui, afastamos a opinião de todos aquêles que não fazem a ressalva para que não se considere imediato o
dano, bem como a daqueles que, em todos os casos, o têm como dano imediato. As conseqúências do fato ilícito
absoluto podem ser distantes, no futuro, ou distanciadas (e. g., houve medidas para isso, que não tiveram êxito
total), sem que se possa negar a imediata conexidade causal.
A concomitância de causas pode ser levada em conta para a legitimação passiva na reparação dos fatos ilícitos
absolutos. Se o cliente foi mal-operado, ou se o ferimento proveio de assaltante, e o caminhão que passa atinge a
ambulância e o operado ou ferido morre, os dados que mostrem a responsabilidade do médico-cirurgião, ou do
assaltante, bastam a decisão sobre a reparação pelo médico-cirurgião ou pelo assaltante, e os dados sobre a colisão
que provem a responsabilidade do carro colidente são base para o julgamento da outra ação. O dono ou possuidor
do caminhão dificilmente pode objetar e provar que a morte só se deu porque a pessoa estava em estado grave;
porém não se pré-exclui a possível alegação, que se possa provar. Aliás, pode êle objetar que houve caso fortuito
(z não foi responsável pela colisão).
Se há dois ou mais responsáveis, ou de iure condendo se medem as culpas (~z a indenização seria dividida
proporcionalmente às culpas), ou se reparte o quanto igualmente, ou só é igual a parte de cada um dos
responsáveis se não há meio para se medirem as culpas. A gravidade da culpa somente pode ser assente conforme
a influência causal, a des‘peito de haver opiniões que só atendem ao elemento subjetivo.

3.PLURALIDADE SUBJETIVA ATIVA. O ato ilícito pode ser resultado de pluralidade subjetiva (ativa): a) pode
o mesmo ato ser de autoria de duas ou mais pessoas; b) a ilicitude pode provir da combinação de ato de um com o
de outro ou de outros; c) ser de um, por omissão ou ato de outro; d) ser de uni, mas culpado o outro, por não haver
evitado as consequências . A pessoa, que prevê delito praticado por outrem, se colabora na consumação, é culpada.
O que não preserva a vítima das conseqüências do ato de terceiro pode incorrer em culpa. Por onde se vê que a
previsão não é somente a das leis físicas e fisiológicas, é social. O automobilista, que avança, célere, na curva,
atenta contra a técnica material, mecânica; mas o que vê alguém deslocar, inadvertida ou propositada-mente, um
trilho, com feição de ir arremessá-lo contra outrem, sem que intervenha, atenta contra a técnica da vida inter-
humana. Nos casos de atos ilícitos é possível a aplicação do princípio da solidariedade quando haja mais de um
autor. Na doutrina e na jurisprudência francesas, é controversa a questão. Em códigos (Código Civil alemão, §
830; austríaco, § 1.302; e os Códigos Civis sul-americanos), adota-se outro criterio. O inconveniente dêsses é o de
somente admitirem a solidariedade quando não se possa determinar, dentre os diversos autores do fato ilícito, o
que cometeu o dano. Indagações fastidiosas, dispersivas, sem a necessária segurança, são o que produz tais
princípios de apreciação, mais ou menos hipotética, de causas e efeitos. No Brasil, estatui o art. 1.518, in fine,
“se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação”. Vai mais além o
parágrafo único: são solidariamente responsáveis com os autores os cúmplices e as pessoas designadas no art.
1.521. É o fato da união (co-autoria ou cumplicidade) que vincula à reparação; assim, supõe a solidariedade que:
a) duas ou mais pessoas tomaram parte no fato ilícito, doloso ou culposo; b) unicidade do fato ou de conjunto de
fatos lesivos, ainda que suscetível de distribuição por várias pessoas, desde que tenha havido concêrto comum ou
concurso material de todos os responsáveis. Se se trata de crimes ou danos diferentes, não pode haver
solidariedade. Exemplo: no dia de uma parede operária, três operários atearam fôgo a um barracão e dois
dinamitaram uma ponte; há solidariedade entre os dois últimos, e entre os três primeiros, porém não há entre os
cinco. Um rival do industrial, em palestra com outro, propõe soltar as águas do açude a fim de que se atire a culpa
aos operários: um fornece chave que abre o portão de ferro que conduz ao lugar e o outro entra e solta as águas.
Há entre os dois solidariedade. No crime de furto, o indivíduo que não é autor ou cúmplice ou se envolva no
inquérito como incurso noutra figura penal, não responde solidariamente ; e. g., o que, depois de praticado o
delito, em que não tomou parte, foi encarregado de vender o objeto furtado ou roubado ou de o entregar a outro,
ou de o ocultar. Não assim se cooperou com tais atos, previamente acertados, ou na ocasião do crime, para que se
efetuasse o roubo ou furto. Quanto à injúria verbal ou escrita, não basta a causa idêntica impulsiva, nem a
mesmeidade da injúria, para que se crie a responsabilidade solidária: cada um dos injuriantes, ainda em tal
hipótese, se deve considerar como autor, e não co-autor, nem cúmplice, porque, de regra, a instantaneidade e a
especial natureza do crime de injúria excluem o conceito de co-autoria ou de cumplicidade (GIOvANNI
CESARIO GONSOLO, Trattato sul Risarmento dei danno, 295). No caso de homicídio, se houve briga, em que
muitos tomaram parte, decidiu-se na Côrte de Cassação de Roma, a 15 de maio de 1895, que não era êle crime
diverso e independente do crime da briga, que foi de si só a causa indireta daquele. 1-louve conexão de

(continuação)
causalidade entre êles. Daí a responsabilidade solidária.
Há casos de autonomia de delito no ato acrescentado à execução e só o exame das circunstâncias pode levar o juiz
à justa sentença. O que, em matéria de solidariedade, como em tôda as outras, se conclui, a despeito das sutilezas e
minúcias da elaboração legal, doutrinária e interpretativa (judiciária), é a imperfeição, e, mais do que isso, a
insuficiência do sistema jurídico individualista de ressarcimento.
Na doutrina e na jurisprudência francesas admite-se a responsabilidade solidária dos responsáveis civis em relação
aos autores do dano (responsáveis criminais). Discordaram alguns escritores italianos: responsáveis civis não são
condenados pelo mesmo crime e há de ser aceita a decisão de Sicília, a 1 de julho de 1872. Também GIOVANNI
CESARIO CONSOLO (Trattato sul Risarcimento dei danno, 301) não se conformou com a doutrina e a
jurisprudência francesas, e opôs argumentos de algum valor. A absolvição, no juízo criminal, em se tratando de co-
autor ou de cúmplice, nem sempre prejudica a responsabilidade civil. O que não pode haver é a solidariedade,
porque nem co-autor nem cúmplice êle foi, pois que como tal saiu absolvido. Se tiver de pagar a reparação, será
por imprudência ou negligência, e então o quanto da responsabilidade pode ser menos, ou o mesmo, ou até mais
do que o devido pelos ~autores e cúmplices do delito. Ter de pagar o mesmo (se o dano ainda não foi ressarcido),
ou o que faltar (se já se ressarciu em parte), não equivale a responder solidariamente .
No caso de vantagem no crime, muito se há de discutir. Todavia, é notável a confusão de alguns escritores e da
jurisprudência. Por exemplo, cita-se o caso da mulher que foi condenada por furto e dêle se aproveitou, sem saber,
o marido, em virtude da comunhão. A Côrte de Cassação considerou solidariamente obrigado ao ressarcimento o
marido da condenada (22 de janeiro de 1830). Foi absurda tal decisão: não há dúvida que, se existiu comunicação
da quantia ou objeto furtivo, deve haver meio jurídico para se cobrar à mulher e ao marido; mas solidariedade é
que não pode existir, nem ação de ressarcimento por delito civil: primeiro, porque não praticou o marido nenhum
ato doloso, nem culposo, nem foi punido como autor ou cúmplice; segundo, porque seria lançar-se principio de
responsabilidade objetiva e, mais ainda, injusta. O que houve foi enriquecimento injustificado sem nenhuma
culpa, ex hypothesi e então o que cabe é a ação específica, que compete contra quem enriqueceu ou tem
enriquecido o seu patrimônio com quantia ou objeto que pertence ou devia estar com outrem. A ação de
indenização é mais subjetiva. Ora, na ação de enriquecimento injustificado, que é mais objetiva, o que se pede é o
que aproveitou ao réu, e não “deveria” aproveitar; de modo que não se pode reclamar senão o que enriqueceu
injustificadamente, e não solidariamente , o que serviu diretamente à mulher. Cumpre não confundir-se com o
damnum iniuria datum a versio in rem. Pode haver damnum iniuria dahim com a versão no patrimônio do
culpado, mas pode havê-lo sem ela; e a versão injustificada pode constituir-se com a culpa e então será a figura do
damnum iniuria datum com a versão no patrimônio ou sem a culpa, caso que não interessava à lei Aquília e
somente pode admitir a ação específica de enriquecimento injustificado.
O laço social não cria solidariedade na reparação do dano; pode dar-se responsabilidade da pessoa jurídica, mas
isso somente ocorre quando o fato deriva do órgão, e não apenas do sócio. Damnum culpa socii contingens sou so
cio culpa bili imputatur (ÁLvARO VALASCO, Prais Partition um et Coilationuni, II,. 490 e 495). Ou se há
responsabilidade transubjetiva.

4.PLURALIDADE SUBJETIVA PASSIVA. Se duas ou mais. são as vítimas do dano, qualquer uma delas pode
reclamar, separadamente, a indenização. O fato de só uma reclamar não ilegítima o proceder da que não reclamou
(Câmaras ReUni-. das da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 4 de setembro de 1924).
No caso de pluralidade de causadores, ou a) os danos foram causados conjuntamente (A, B e C causaram o dano
a, quer haja co-autoria, quer haja induzimento ou auxílio, desde que haja participação consciente); ou b) os danos
foram produzidos por duas ou mais pessoas, independentemente, ou uma ou mais pessoas o causaram, ou tôdas
respondem objetivamente ou alguma ou algumas respondem por culpa, presumida ou não, e o mais pelo risco, e
tôdas respondem pelo total dos danos; ou c) os danos são separados, com a relação causal de cada um,
inconfundível com a do outro, ou dos outros, espécie em que há multiplicidade de danos, de direitos, pretensões e
ações; ou d) houve participes ou culpados de perigo na causa e não se pode dizer quem causou o dano (não basta a
coexistência no espaço, e. g., estavam todos na sala de máquinas e alguém provocou o curto circuito).

5.COMUNHÃO MATRIMONIAL DE BENS E DIREITO À INDENIZAÇÃO. O direito de haver a indenização


comunica-se, ou não, com o cônjuge, segundo as regras do direito de família. Na comunhão universal de bens,
porque se reputam do casal todos os direitos que possuíam os cônjuges e os que lhes advierem: tudo que está ou o
que entra para o acervo dos bens do casal fica indistintamente, como se fôra possuido ou adquirido, ao meio, por
êles; os bens permanecem indivisos na propriedade unificada dos cônjuges, a cada um dos quais pertence metade
imaginária, que só se desliga da outra quando cessa a sociedade conjugal e advém a partilha. Ainda assim pode a

(continuação)
obrigação por ato ilícito ser ativamente transmitida com a cláusula de incomunicabilidade, e então não se
comunica. Há outras restrições, de que damos exemplos: se a ação foi prometida, ou constituída, como dote, a
filho de outro leito, ou comum; se foi objeto de doação antenupcial feita por um dos cônjuges ao outro, com a
cláusula de incomunicabilidade (Código Civil, art. 263, IV, V e VIII). Na comunhão limitada, não se dá
comunhão, porque se excluem da comunhão matrimonial de bens o que cada cônjuge possui ao casar e os bens
que sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, em favor de um só dêles (Código Civil,
art. 269, 1). Se o dano é causado a bem que era ou é comum, a indenização entra na comunhão. Se o bem que foi
perdido, ou lesado, era de um só dos cônjuges, não há comunicação do crédito ou do quanto recebido.

6. MORA. “Nas obrigações provenientes de delito”, diz. o Código Civil, art. 962, “considera-se o devedor em
mora desde que o perpetrou”. Por isso mesmo, é de grande importância verificar-se se há responsabilidade
contratual ou responsabilidade extracontratual.
No caso de obrigação ex delicto que, na terminologia do Código Civil, a que é estranha a distinção delitos e
quase-delitos, vale dizer-se “fatos ilícitos” fluem os juros desde a perpetra cão, quer se trate de ato positivo, quer
de ato negativo. Resta saber-se se a responsabilidade civil fora dos atos ilícitos como, por exemplo, no caso de
necessidade (Código Civil, arts. 1.520 e 1.519), se rege pelo art. 962, ou pelo art. 1.064. Não se trata de delito;
portanto, há lacuna da lei. O’ fundamento do art. 962 é o de correrem por conta do devedor os riscos da coisa
devida. A questão torna-se delicada. No Esbôço, art. 1.073, escrevia TEIxEIRA DE FREITAS: “Se a obrigação fôr
de indenizar dano causado por delitos, ou ofensa, ficará o devedor constituído em mora desde o dia do delito, ou
ofensa”. Procurou conciliar o direito civil com o direito penal, cujo Código Criminal então vigente, no art. 26,
mandava que se contassem os juros desde o momento do crime. Super enim moram fur facere videtur.
No Projeto primitivo, art. 1.103, só se falava em delito. z. E as ofensas sem delituosidade, sem ilicitude? Viu-as e a
elas proveu o Esbôço; parece que não as enxergou o Projeto, nem O Código Civil. Quid iuris? Já mora ex re nos
danos causados pela pessoa a que a lei não imputa ato ilícito. A mora do art. 962 concerne ao delito, ou a
quaisquer danos causados se não há relação jurídica preexistente. A lei não diz; porém temos de admitir que, undo
havendo culpa, do ato fluam os interesses. Não há afastar-se, em tais casos, a incidência do .art. 1.519 e do art.
1.520 e parágrafo único. Contra o responsável, não podem deixar de fluir os juros, segundo o artigo 962. Se a
obrigação é mais contratual que extracontratual (a linha divisória dificilmente se vê e há muito de opinativo nas
apreciações), cessa a aplicação do art. 962. Se há possibilidade de escolha das ações, a que diz respeito à infração
do contrato e a ação nascente do delito, dá-se a fluência segundo a ação proposta. Aliás~ já se dera.

7.GARANTIAS Do DIREITO À INDENIZAÇÃO. No Código Civil, art. 827, VI, diz-se que “a lei confere
hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado
pelo delito e pagamento das penas pecuniárias e o pagamento das custas (art. 842, n. II) “. Aliás, a referência aos
bens do delinquente está de tal modo nos propósitos do legislador que o art. 1.518 enuncia que os bens do
responsável ficam sujeitos à reparação dos danos causados por ofensa ou violação do direito de outrem. A alusão a
delinquente, no art. 827, VI, de modo nenhum afasta que os responsáveis por atos de outrem, ou até por atos de
animais e fatos ilícitos absolutos não estejam incluidos. “Delinquente” está ali em vez de “responsável” (sem
razão, o Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 10 de julho de 1929, R. de C. J., 11, 149). Advirta-se que a
pretensão à hipoteca legal nasce com a divida de indenização; portanto, no momento do ato ilícito absoluto, do
ato-fato ilícito absoluto ou do fato ilícito absoluto. Note-se que a hipoteca legal não se estabelece automaticamente
; o que exsurge é a pretensão ao gravame (cf. Tomo XX, §§ 2.457, 2; 2.469, 2; 2.470, 2; 2.473, 6; 2.474, 2).
A especificação há de ser feita, o que somente ocorre com a feitura da inscrição.
Outra garantia está no seqüestro .
A hipoteca legal dos bens imóveis do indiciado, diz o Código de Processo Penal, art. 134, que pode ser requerida
pelo ofendido (ou quem o represente, entenda-se), em qualquer fase do processo (criminal), desde que haja certeza
da infração e indícios suficientes de autoria. O art. 135 e §§ 1.o~6.Q cogitam do procedimento. Ainda, sobre a
hipoteca legal, há os arts. 136-144.

8.SEGURO. O seguro contra atos ilícitos absolutos é objeto e efeito de negócio jurídico. Aliás, o seguro pode
cobrir o risco proveniente de fatos ilícitos absolutos, ou dêles e de atos que se não possam considerar ilícitos:
segura-se contra danos que provenham de fatos ilícitos absolutos ou de meros acidentes de que resulte, ou não,
responsabilidade civil de alguém. Só não se pode segurar contra o dolo do segurado (cf. Código Brasileiro do Ar,
Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1938, art. 109: “Qualquer interesse dependente da navegação aérea, que não
provenha de dolo, poderá ser segurado contra todos os riscos, observando-se sempre, inclusive nos casos de

(continuação)
abandono, as regras da legislação ordinária”). Os riscos que derivem de dolo de terceiro, inclusive da empresa, ou
seus empregados, é segurável. Bem assim, se o ato ilícito, ato-fato ilícito ou fato ilícito provém de preposto, ou
empregado, ou dependente do segurado. A empresa pode segurar-se contra atos dos seus diretores em geral (cf.
HENRI e LÉoN MAZEAUD, Trai-fé théorique et pratique de la Responsabilité civile de~ictuelle et contractueile,
~ll, 3~a ed., 842).
~ Qual o fundamento da ação direta do segurado por outrem contra o segurador? Houve contrato a favor de
terceiro, de modo que a ação nasce conforme os princípios que regem os negócios jurídicos a favor de terceiro.
Pensou-se em privilégio., o que de jeito nenhum seria de admitir-se. Tão-pouco, seria invocável o que concerne às
ações de enriquecimento injustificado. Se houve obrigatoriedade do seguro, não é afastável a inclusão nos
contratos a favor de terceiro, porque a vinculação é outra, entre os figurantes do contrato de seguro. oriundo de
dever de contratar (sem razão, ISAAC HALPERIN, La Ación direta de la victirna contra el asegurador dei
responsable civil dei daflo, 80-84). Cf. Código Civil Brasileiro do Ar, (Decreto-lei ii. 438, de 8 de junho de 1938),
art. 108: “Quem tiver direito à reparacão do dano exerce, nos limites da ação que lhe competir, direito próprio
sobre a garantia prestada pelo responsável; Código Civil, art. 76; Código de Processo Civil
A responsabilidade do ofensor é em conseqüência de fato ilícito absoluto; a do segurador, negocial, quer perante o
figurante do contrato de seguro, quer perante o terceiro.
O que acima dissemos também é invocável a propósito daqueles casos em que a responsabilidade pelos danos não
resulta de ato ilícito absoluto (e. g., em caso de ato em estado de necessidade).

§ 5.552. Transmissão da dívida de indenização

1.TRANSMISSÃO DA DÍVIDA SEM TRANSMISSÃO DA RESPONSABILIDADE. Ninguém deve ser punido


pela falta de outrem.fórmula de origem afetiva, que pode, hoje, ser tratada como qualquer axioma geométrico,
como disse PIERRE DE TOURTOULON (Principes philosophiques de l’Histoire du Droit, 313). Nem todos os
fins jurídicos, diz êle, são sentimentais. O direito pode servir a afeição ou a ideal, O ideal foi sentimento; não no é
mais: é sentimento extinto: tornou-se idéia, principio; pertence à vida intelectual. Na vida prática, na doutrina
como na jurisprudência, são vulgares as aplicações daquele e de outros princípios por processos inteiramente
intelectuais e não nos parece que sejam menos legítimos que os outros: são mais precisos, mas nítidos e não
apresentam os vícios da lógica emocional. Na Constituição do Império, art. 179, § 20> assentava que “nenhuma
pena passará da pessoa do delinquente”; depois: “portanto, não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a
infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja”. A tais palavras, J. A. PIMENTA BUENO
apenas teceu algumas interjectivas racionalísticas em que falou dos “nobres esforços da razão filosófica” e do
“triunfo do sistema constitucional” em vez de distinguir as duas conseqüências práticas do art. 179, § 20, a que
acudiu mais tarde, o Aviso de 15 de janeiro de 1839. Na Constituição de 1894, art. 72, reproduziu-se a primeira
regra, como princípio em matéria de direito penal. Conseguintemento no direito civil. O art. 1.521 do Código
Civil não é exceção ao princípio da culpa. Não consiste em violação do princípio. Nem o instituiria se fôsse
adotada a doutrina do risco. Responde-se por culpa alheia na responsabilidade objetiva não por simples escolha
arbitrária, mas sim por medida de ordem pública e porque há relação que o permita.

2.TEXTO DO DIREITO CIVIL. Lê-se no Código Civil, artigo 1.526: “O direito de exigir reparação e a obrigação
de prestá-la transmitem-se com a herança, exceto nos casos que êste Código excluir”.
A ação de indenização não se extingue com a morte do culpado. Ainda que se trate de delito penal: extingue-se a
ação criminal: fica a ação civil. Daí poder ser exercida contra os herdeiros, ou simples legatários. Sempre intra
vires, pois, no direito brasileiro, só se responde dentro das fôrças da herança. A dívida divide-se pelos herdeiros;
melhor: é dívida do monte partível. Os sucessores a título particular não respondem, mas também hão d’e atender
às fôrças da herança. Se a pessoa jurídica se dissolve, os associados e beneficiários só respondem segundo as
regras ordinárias: intra vires. O terceiro de regra não responde, mas pode ter de tolerar os atos reparativos (quod
tibi prodest et alteri non nocet facile concedendum). Exemplo: ordem ao proprietário para apagar o nome de um
plagiário que lhe deu os planos de um monumento (Tribunal do Sena, 17 de junho de 1911).
A obrigação de restituir os produtos e proventos do ato ilícito passa aos herdeiros do ofendido. O direito à
indenização transmite-se aos herdeiros do ofendido e pode exercer-se contra os herdeiros, dentro das fôrças da
herança (Código Civil, art. 1.526). O que não se transmite é o aspecto passivo da pena criminal: a pena (criminal)
não passa da pessoa do delinqUente.
Extingue-se a ação civil de reparação do dano se houve desistência ou renúncia do ofendido. Prossegue, no
entanto, a criminal, se o crime não é de ação privada.

(continuação)
3.TRANSMISSÃO DE PRETENSÕES E AÇÕES DE RESTITUIÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Na ação de
reivindicação, se o demandado não pode restituir a posse do bem, por ter sido destruído, ou perdido, ou por outra
causa, há a litis aestinatio, a fixação do valor do bem reivindicando (L. 46, D., de rei vindicatione, 6, 1; e L. 35, §
2; L. 63; cf. L. 7, § 1, D., de Pubiiciancx in rem actione, 6, 2; L. 1 e L. 3, IX, pra emptore, 41, 4). Note-se que,

nos tempos clássicos, a ação somente era para a litk aestinuttio. e não com a executividade justinianéia (L. 68, D.,
de rei vindicatione, 6, 1); nem com a natureza real do direito comum (cf. E. LANDSBERG, Die Glosse des
Accursius, 284).
O que hoje se há de considerar é que, julgada a ação de indenização, com a alternatívídade, ou não, da restituição,
quem prestou no todo, tem direito à cessão. “Possessor, qui litis ae stimationem optulit, pro emptore incipit
possidere” (L. 1, D., pro emptore, 41, 4, que é de GAIO): o possuidor que escolheu a estimação da lide começa a
possuir como comprador. Na L. 3, ULPIANO disse que “litis aestimatio similis est emptioni”. Na L. 7, § 1, D., de
Publiciana in rem actione, 6, 2: “Si lis fuerit aestimata, similis est venditioni” Ainda JULIANO, na 22, pr., D., de
actione rerum amo tarum, 25, 2: “qui litis aestimationem suffert, emptoris loco habendus est”.
O princípio da transmissão dos direitos a quem plenamente presta a indenização não apanha somente a posse e o
domínio, mas sim qualquer outra ação real (e. g., ação pela impossibilitação do exercício da servidão, se o
indenizante tem interesse em ir contra quem violou o direito civil; aliter, se a ação somente poderia ser exercida
pelo Proprietário; cf. LEOPOL» NASSE, Uber die Zessiou der Ria gen in den Fatlen der Litisãstimationsíeistung
30 s.). A propósito de usufruto e dos direitos reais de garantia, cf., sobre a L. 12, § 1, O., quzbus modis pignus vel
hypotheca solvitur, 20, 6, que é de PAULO, e a L. 14, O., qui potiores in pigno-re vel hypotheca habeantur et de
his qui in priorum creditorum locum succedunt, 20, 4,
LEOPOLD NASSE (32 s.) e RICHARD HORN (Das Recht dos Schadensersatzpííichtigen auf Abtretung der
Ansp-r.iiche dos Ersatzberechtigten bel Verlust und insbesondere boi Beschãdi. gung emos Objekts, 12 s.). A
transferência ou a pretensão àcessao pode ocorrer quanto a depósito, comodato e gestão de negócios alheios sem
outorga (§ 16, 1., de obligationib~ quae ex delicto nascuntur 4, 1; L. 12, D., de re iudicata et de effectu
sententiarum et de interlocutionibus 42, 1; L. 54, D., de furtis, 47, 2).
Se o titular do pátrio poder, ou o tutor, ou o curador responde ao incapaz por dano que êsse sofreu e há a
litisestimação integral, tem êle ação contra quem seria devedor ao incapaz, ou por eficácia da sentença
litisestimativa, ou por ser proposto ação para a cessão, conforme os princípios (K. TAUCHER, Die P.tticht zur
AbLretung der Ersatzunspriiche nach § 255 des BGB., 19).
Se a indenização foi completa e o demandante teria ação contra terceiros (e. g., contra o ladrão que roubara ou
furtara o bem que se achava com o custodante), ou as ações. passam, implícita ou explicitamente, em virtude da
reparação integral e da quitação, ao demandado, ou tem êie aç% para que o demandante lhas ceda. A cessão
explícita ou implícita é elemento para a aestimatio. Na L. 63, D., de rei vindicatione, 6, 1, afastava-se a pretensão
à cessão ao demandado se havia, em vez de culpa, fraude.
Quanto à questão sobre ser exigida a demcynstratio da cossio necessaria ao terceiro possuIdor se, no caso, a êle
cabe, pelo demandado na ação de reparação por dever real, R. VON JHERING (Obertragung der rei vindicatio auf
Nichteigentttmer, Jahrbiicher fiir die Do g2natik, 1, 114 s. e 119) negava-o, porque o meio para a transferência é a
tradição. Contra, e. g., E. 1. BEKKER (tYber die actianes in renb, Jahrbitcher des gemeineu deutschen Rechts, IV,
208) e H. DERNBURG (Pandektem, 1, 7.~ ed., 525, nota 3). A denuntiatio digamos, como está no Código Civil,
art. 1.069, “notificação” é somente para a eficácia contra o terceiro (legitimatio ad causam activa). Cf. O. BXHR
(Zur Cessionslehre, Jahrbúcher fúr die Dogmatik, 1, 444), HERMANN BIELENBERG (Inwieweit sind die
RechtssÉitze úber die Wirkung der Abtretung persónlicher Anspriiche anzuwenden auf diejenigo dinglicher
Anspritche?, 35) e MAX PHILIPP (Inwieweit interscheidet sich die Cession dinglicher Anspriiche vou der
jenigon persônlicher Anspriicho?, 37). A transferência é dos direitos, pretensões e ações, mas há de obedecer aos
princípios que regem a espécie. Quanto à posse própria, que tanto impressionou a RUDOLF VON JHERING para
a sua opinião radical, a tradição faz-se sem se precisar de conhecimento por terceiro; e, no tocante aos direitos que
se transferem sem tradição, a alusão a ela seria absurda.
Discutiu-se também se é preciso à manifestação de vontade do titular da pretensão à indenização, quanto à
transmissão da propriedade, a tomada da posse pelo indenizador. A L..-47,D., de rei vindicatione, 6, 1, suscitava a
questão (cf. B. WINDSCHEID, Die Actio des rõmischen Civilrechts, 221; ERNST STAMPE, Die Lebre von der
Abtretung der Vindikation, Archiv fúr die civilistische Praxis, 80, 354). O que se indeniza é o que o titular da

(continuação)
pretensão perdeu: se alguma posse tem êle, que deixa de ter porque se compreende no quanto indenizatório, passa
ao indenizante; se não tem nenhuma, mas somente o direito à reintegração, é êsse direito que está incluído na
litisestimação.
A ação contra a empresa de seguro também se transfere, se a perda está compreendida na litisestimação.

4.CESSÃO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO. O direito à indenização pode ser cedido. Em princípio, o credor
pode ceder o crédito; e a proibição somente pode resultar da natureza da própria obrigação, de lei, ou de
convenção com o devedor (Código Civil, art. 1.065). Há direitos, como os do art. 1.537, II, que não podem ser
cedidos.

§ 5.553. Ações e procedimento

1.AÇÕES CAUTELARES, AÇÃO DECLARATÓRIA E AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Quem tem o dano pelo
qual outrem haja de responder pode exercer a ação cautelar que seja adequada.
A ação declaratória pode ser proposta pelo lesado ou pela pessoa a que se atribui responsabilidade.
A ação cautelar, como a ação cominatória, pode ser proposta se há ameaça de dano. Não importa qual a espécie de
direito cuja ofensa se teme (e. g., direitos de personalidade, direito de propriedade, posse) ; nem se o ato, que pode
danar, é positivo ou negativo. Se houve o ataque, ou se os fatos mostram que é provável que haja, há a pretensão a
que se omita, ou a que se pratique o ato, cuja omissão danificaria. Numa e noutra espécie, há a ação cautelar de
omissão (vorbeugende Unterlassungskíage), porque o que se pede é o afastamento da causa fato positivo ou
negativo do dano. Muitas vêzes, não há a culpa; mas a ação adverte e faz culposo o demandado, por ser
objetivamente antijurídico o ataque, a ofensa. A ameaça pode ser à honra, ao prestígio ou consideração nos
negócios, ao crédito, ou ao exercício da profissão.

O demandante tem de alegar e provar o perigo, que já se haja iniciado, ou não, ato ofensivo, positivo ou negativo.
O que se pede é a eliminação do risco ou da perturbação; donde falar-se em pretensão de eliminação
(Beseitigungsanspruch).
Nenhuma alegação ou prova de culpa é de exigir-se, porque o que está em causa é o direito, que o ato positivo ou
negativo pode ferir (antijuridicidade objetiva).
A eliminação pode consistir, por exemplo, na retirada de pedra, que poderia cair do morro e lesar bens do vizinho,
ou em declaração contrária ao que o demandado propalou. O que se exige, com o exercício da pretensão à
eliminação, é que o interesse não seja ofendido, o que supóe a estabilidade das situações jurídicas: pois que o
direito existe, há a ação contra a ofensa futura (cf. HANS OTTO DE BooR, Gerichtsschutz und Rechtssystem. 55),
sem que nasça do direito a pretensão ou a ação. A absolutidade do direito bastaria como fundamento.
O fundamento da ação está em que há dever jurídico de todos, de que ninguém se pode escusar, Se há a ameaça,
qualquer que seja o agente positivo ou negativo (homem, animal, coisa) e haja a adequada causação provável, cabe
a ação cautelar ou cominatória de eliminação.
Se, na espécie, cabe ação real, como, em caso de roubo ou furto, contra o ladrão, ou quem invadiu terras, tomando
a posse, há as ações reais dc restituição, como a rei vindicatio e a vindca tio possessionis e como as ações
possessórias, e há a ação pessoal de reparação, em que está implícito o pedido de restituir ou de indenizar.
Convém salientar-se que a pretensão à reparação pelo fato ilícito pode ser exercida pelo dono, pelo possuidor
próprio ou impróprio, ou pelo tenedor, porque a tença também é ofendível por outrem.
Também há implicitude na ação de indenização se a ação negatória caberia, ou se caberia o interdito proibitório.
Se houve causa de invalidade de negócio jurídico, por violência, dolo, ou fraude contra credores, há duas ações
proponíveis: a de invalidade (~ nulidade ou anulação) e a de indenização pelo ato ilícito (atendidas as diferenças
quanto àprescrição).
Lê-se no art. 120, alínea 1~a, do Código Civil: “Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo
implemento fôr maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer”. Na alínea 2.a: “Considera-se, ao
contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquêle~ a quem aproveita o implemento”.
Há plus, que é a malícia, de modo que a incidência do art. 120, alínea 1•a ou alínea 2•a, é menos freqUente que a
das regras jurídicas sobre atos ilicitos absolutos. Se foi terceiro que provocou o evento, ou que o afastou, as regras
jurídicas sobre atos ilícitos absolutos podem ser invocadas. Se o figurante provocou o evento, ou o afastou, sem
malícia, mas culposamente, cabe a responsabilidade extranegocial. Aliás, caberia se resultou de ato-fato ilícito, ou
mesmo de fato ilícito absoluto.

(continuação)
A ação redibitória não é ação de indenização por ato ilícito absoluto; nem a ação de resilição ou de resolução de
contrato; nem a de restituição por nulidade, anulação ou declaração de ineficácia.

2.AçÃo PENAL E AÇÃO CIVIL. Os arts. 63-68 do Código de Processo Penal foram frutos de evolução da
técnica jurídica, no sistema jurídico brasileiro, a partir do Código Criminal do Império.
Vejamos o direito anterior ao Código Civil. No Código Criminal, dizia o art. 31: “A satisfação não terá lugar antes
da condenação do delinqUente por sentença em juízo criminal, passada em julgado. Excetua-se: 1.0. O caso da
ausência do delinqUente, em que se poderá demandar e haver a satisfação por meio de ação civil. 2.0. O caso em
que o delinqUente tiver falecido depois da pronúncia, no qual poderá haver-se dos herdeiros a 2atisfação por meio
de ação civil. 3•o~ O caso em que o ofendido preferir usar da ação civil contra o delinqüente ”. No Código do
Processo Criminal (1832), arti go 269, estatuia-se: “Achando-se a causa no estado de ser decidida por parecer aos
jurados que nada mais resta a examinar, o Juiz de Direito, resumindo, com a maior clareza possível, tôda a matéria
da acusação, e da defesa, e as razões expendidas pró e contra, proporá por escrito ao Conselho as. questões
seguintes: 1.0. Se existe um crime no fato, ou objeto da acusação. 2.0. Se o acusado é criminoso. 32. Em que grau
de culpa tem incorrido. 4•O~ Se houve reincidência (se disso se-tratar). 5~o• Se há lugar a indenização”.
Pontuamos diferentemente, porque era defeituosissima a pontuação do Código do Processo Criminal. Veio
derrogar o Código do Processo Criminal a Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, art. 68: “A indenização em todos
os casos será pedida por ação cível, ficando revogado o art. 31 do Código Criminal, e o ~ 52 do artigo 269 do
Código do Processo. Não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, e sobre quem seja ~ seu
autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”. Na Consolidação das Leis Civis, art. 799,
TEIxEIRA DE FREITAS reproduziu-o. A indenização em todos os casos será pedida por ação civil. Não se
poderia mais questionar sobre a existência do fato, e sobre quem fôsse seu autor, quando essas questões se
achassem decididas no juízo criminal.
Comparemos os Códigos. Lia-se no Código Civil português:
art. 2.365: “A responsabilidade criminal é sempre acompanhada da civil; mas a civil nem sempre é acompanhada
da criminal. Os casos em que esta última é acompanhada da responsabilidade civil estão especificados na lei”. No
art. 2.373:
“A indenização civil, conexa com a criminal, pode ser determinada a aprazimento das partes; mas não poderá ser
exigida judicialmente, sem que o fato criminoso tenha sido verificado pelos meios competentes, nos casos em que
a ação pública deve intervir”. JOSÉ DIAS FERREIRA comentou o art. 2.365 (Código Civil português anotado, V,
109) : “Se o fato ou lesão consistir apenas em entrar no prédio alheio, e derivar para outro as águas que àquele
pertencem, a responsabilidade é só civil~ Se consistir em entrar no prédio vizinho, e matar as aves domésticas, que
ali andam, pertencentes ao dono da propriedade, fica o lesante sujeito, não só às penas de prisão ou destêrro e
multa, mas à obrigação de indenização ao dono das aves, do prejuízo que causou. A violação dos direitos por
omissões também pode produzir responsabilidade civil, ou simplesmente criminal. O pactuante não cumpriu na
forma, tempo e lugar convencionados, o estipulado no contrato, v. g., não pagando o empréstimo no tempo
ajustado, é só responsável pelos juros desde a mora, art. 1.533. Aquêle que por negligência deixa soltar animais
bravios confiados à sua guarda, que vão ferir ou matar alguém, além das penas a que fica sujeito, é obrigado a
indenizar o dano causado pelo ato dos animais. O cidadão recenseado para jurado, que deixou de comparecer na
respectiva audiência (omissão), o individuo que fêz um ferimento noutro (fato), constituiu-se réu para com a
sociedade. Por isso, como no próprio art. 2.364 se mostra, dá-se a responsabilidade criminal quando da ofensa
resulta dano para a sociedade na ordem moral e dá-se a responsabilidade civil quando da ofensa resulta dano
apenas para os particulares, como tais”.
A boa redação, para o art. 2.365 do Código Civil português, teria sido: “A responsabilidade criminal, se há danos,
é sempre acompanhada da civil; mas a civil nem sempre e acompanhada da criminal”.
No Código Civil argentino, art. 1.096, esta[ui-se: “La indcnización del daflo causado por delito, sólo puede ser
demandada por acción civil independiente de la acción criminal”. No art. 1.097: “La acción civil se juzgará
renunciada por no hab’er los ofendidos durante su vida intentado la acción criminal é por haber desistido de dia, ni
se entenderá que renunciaron à la acción criminal por haber intentado la acción civil é por haber desistido de cHa.
Pero si renunciaron á ia acción civil ó hicierou conx~enios sobre ei paro dei da~o, se tendrá por renunciada ia
acción criminal”. Ainda o art. 1.101: “Si la acción criminal hubiere precedido á la acción civil, é fuere intentada
pediente ésta, no habrá condenación en ei juicio civil antes de la condenación dei acusado em ei juicio criminal,
con excepción de los casos siguientes: 1.0. Si hubiere faílecido ei acusado antes de juzgada la acción criminal, en
cuyo caso la acción civil puede ser intentada ó continuada contra los respectivos herederos; 2.0. En caso de

(continuação)
ausencia dei acusado, en cue la acción criminal no puec½ ser intentada ócontinuada”.
A fonte está em TEIXEIRA DE FREITAS, como veremos. No Esbôço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 3.624, foi
dito: “De atos ilícitos derivará somente para seus autores ou cúmplices, quando culpados, a obrigação de indenizar
o dano”. No art. 3.637: “A indenização do dano causado pelo delito só pode ser demandada por ação civil, e
independente da ação criminal, sem prejuízo do disposto nos arts. 835, 836 e 837”. No art. 2.683:
4’Não se entenderá que os ofendidos renunciaram a ação civil do artigo antecedente por não a terem intentado em

sua vida,
ou por terem desistido da ação criminal. Não se entenderá, outrossim, que renunciaram a ação criminal por terem
intentado a ação civil, ou por terem desistido dela. Mas, se renunciaram a ação civil, ou convencionaram sobre a
liquidação do dano, entender-se-á que renunciaram a ação criminal”~. Há referência a três regras jurídicas, que são
as do art~ 835 (“Se a ação criminal proceder à ação civil de dano, ou fôr intentada na pendência desta, não haverá
delito no Juízo Civil antes da condenação do acusado em Juízo criminal por sentença passada em julgado.
Excetuam-se: a) o caso de ter~ falecido o acusado antes do julgamento da ação criminal, no qual a ação civil pode
ser intentada ou prosseguir contra os respectivos herdeiros; b) o caso de ausência do acusado, no qual a ação civil
pode ser intentada ou prosseguir contra êle por meio de citação por edital”) ; a do art. 836 (“Depois da condenação
do acusado em Juízo Criminal não poder-se-á mais contestar no Juízo Civil a existência do fato principal que
constitui o delito, nem impugnar a culpa do condenado”) ; e a do art. 837 (“Depois da absolvição também não
poder-se-á mais alegar no Juízo Civil a existência do fato principal sobre o qual a absolvição recaíra”). Ainda mais
(art. 838) : “Decisões do Juízo Criminal, que declararem improcedente o corpo de delito, ou que não pronunciarem
o acusado, ou revogarem a pronúncia, não terão o efeito do art. antecedente”.
Já cogitamos de tais problemas; aqui, apenas frisamos a diferenciação das duas ações.
Sobre o Código de Processo Penal, arts. 65 e 67, Tomos XVII, §§ 2.069, 3, e 2.100, 1; XXVII, § 3.260 (quanto à
eficácia da coisa julgada e à eficácia executiva da sentença penal). Sobre os arts. 63 e 64, Tomos XVII, § 2.069, 3;
XXVII, § 3.260, 1, 2, 4, 5.
No Código Criminal do Império, dizia o art. 31: “A satisfação não terá lugar antes da condenação do delinqúente
por sentença em juízo criminal, passada em julgado. Excetua-
-se: § 1.0. O caso da ausência do delinquente, em que se poderá demandar e haver a satisfação por meio de ação
civil, § 2.~ O caso em que o delinquente tiver falecido depois da pronúncia, no qual poderá haver-se dos herdeiros
a satisfação por meio de ação civil, § 3~O~ o caso em que o ofendido preferir usar da ação civil contra o
delinquente”. No Código de Processo Criminal, estatuía o art. 269, que, em se achando a causa no estado de ser
decidida, por parecer aos jurados, que nada mais restava a examinar, resumiria o juiz de direito, com maior
clareza, a matéria da acusação e da defesa, as razões de uma e de outra parte, e proporia as questões, uma das
quais (§ 5Y) seria a de se saber se cabia indenização. Mais tarde, passou a ser pedida por ação civil, e assim
derrogado ficou o artigo pela Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841. Ainda no Código Criminal, art. 32: “Em todo
o caso, não tendo o delinquente meios para a satisfação, dentro de oito dias, que lhe serão assinados, será
condenado a prisão com trabalho pelo tempo necessário para ganhar a quantia da satisfação. Esta condenação,
porém, ficará sem efeito logo que o delinquente, ou alguém por êle, satisfizer ou prestar fiança idônea ao
pagamento em tempo razoável , ou o ofendido se der por satisfeito”. No mesmo sentido, o Código do Processo
Criminal, art. 226: “O Presidente lavrará a sentença em conformidade: se a pena fôr simplesmente pecuniária, o
réu dará logo fiança tanto a ela como às custas, e dano; ou irá para a cadeia por tanto tempo quanto seja necessário
para a satisfação, contando-se como se pratica acêrca das fianças; se fôr de prisão, ou de correção, o réu não sairá
mais da sessão, senão para o seu destino; e se, além disso, tiver de pagar indenização à parte, e o não fizer, será
compreendido no que fica acima determinado até pagar”. Pela Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, entendeu
TEIxEIRA DE FREITAS (contra o que pretendia a Circular n. 183. de 18 de outubro de 1854), estar revogado o
ad. 32 do Código Criminal e, por igual razão, o art. 126 do Código de Processo Criminal (Consolidação das Leis
Civis, 5.~ ed., 418): <W’Como é que a redução da satisfação do dano à prisão pode ser o efeito de sentença
criminal, que nada julga sobre a indenização? ~ Como é que o juiz criminal faz uma execução criminal sem
sentença? ~ Como se pode converter uma questão civil em criminal do mesmo processo, principiando êsse
processo no juízo civil, e acabando no juízo criminal? Se a indenização do dano proveniente do crime é hoje
puramente civil, cai na exposição humanitária da Lei de 20 de junho de 1774, § 19, e do Aviso de 18 de agôsto do
mesmo ano. ~ Podia, diante de tão singelos mas fortes argumentos, prevalecer a doutrina da Circular in. 18, de 18
de outubro de 1854?”
Na Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, art. 68, foi dito:
“A indenização em todos os casos será pedida por ação civil, ficando revogado o art. 31 do Código Criminal, e o §
5~O do art. 269 do Código do Processo. Não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, e sobre

(continuação)
quem seja o ~eu autor quando estas questões se acharem decididas no crime”. Separaram-se as duas ações, sem se
postergar o principio do predomínio do julgado criminal. Aliás, em Atenas e, até, em Roma, assim se praticou.
Estatuía a L. 7, § 6.0, D., de iniuriss et famosis libeilis, 47, 10: “Possue hodie de omni iniuria, sed et de atroci
civiliter agi imperator noster rescripsit”.
No Esbôço de TEIXEIRA DE FREITAS puseram-se três artigos, que merecem citação o art. 3.624: “De atos
ilícitos (artigos 444 e 822 a 847) derivará somente para seus autores ou cúmplices, quando culpados, a obrigação
de indenizar o dano que por êles causaram; sem prejuízo do disposto no Capítulo 3~O dêste Título, e da pena que
as leis imponham”; o art. 2.625:
“Esta obrigação passa aos herdeiros do culpado, sempre que para êles se transmitam os bens da herança, ainda que
do ato ilícito não lhes viesse proveito; observando-se porém o disposto no Livro 4~O sobre a aceitação de
heranças a benefício de inventário”; o art. 2.626: “O direito de haver a indenização do dano causado por atos
ilícitos passa igualmente aos herdeiros do ofendido ou prejudicado, comunica-se com seu cônjuge meeiro (art.
1.832). pode ser cedido (art. 2.187) ; salvo o disposto no Capítulo 1.<, § 1.~, dêste Título sobre o dano causado
por delitos contra a pessoa”.
Não foi tão explícito, nem tão minucioso o Código Civil brasileiro. Preferiu deixar aos intérpretes o cuidado de
revelar os princípios do sistema que adotou. Porém, no que mais nos importa, coincidem as regras do Esbôço e as
do Código Civil:
a)A responsabilidade civil concerne a autores e cúmplices.
b)A obrigação passa aos herdeiros e se não vigora a restrição para o caso de aceitação de herança a benefício
para se libertar dos encargos da herança o herdeiro aceita ou renuncia à herança; de conformidade com o art.
1.587 do Código Civil, não responde por encargos superiores às fôrças da herança (irresponsabijidacie “ultra
vires hereditatis”). Em todo o caso, incumbe-lhe a prova do excesso, salvo se existe inventário, que a dispense
pela demonstração do valor dos bens herdados (art. 1.587, 2.~ parte).
Diz o Código de Processo Penal, art. 63: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a
execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus
herdeiros”. E o artigo 64: “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá
ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se fôr o caso, contra o responsável civil”. Ainda o parágrafo
único: “Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta até o julgamento definitivo
daquela”.
O art. 63 supõe a condenação à reparação dos danos e tem a consequência de atribuir executividade civil à
sentença penal. Se ainda não houve tal sentença, ou se ela não preestabeleceu a inexistência de suporte fáctico para
a indenização (cp. art. 66), nada obsta a que se proponha a ação civil. Se já foi intentada a ação penal, nada obsta a
que se proponha a ação civil. Em tal espécie, ou se a ação penal sobreveio àpropositura da ação civil, fica o juiz do
cível com a escolha entre continuar no procedimento ou suspendê-lo. Não se trata de arbítrio puro. Tem êle de
examinar as circunstâncias, inclusive a inconveniência do protelamento em virtude de retardamento no juízo
penal. O juiz pode suspender. Se se revelou ser prejudicial, aguarda-se a sentença penal, mas pode êle determinar a
continuação do procedimento.
Lê-se no Código de Processo Penal, art. 65: “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o
ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício de direito”. A referência do art. 65 ao “exercício de direito” de modo nenhum afasta que se possa causar
danos a desr.eito de ser o ato ou de serem os atos em exercício de direito. A ordem jurídica não é tão perfeita que
não haja direitos que o exercício de outro direito possa ofender. Quem abre poço no terreno, a que falta água,
exerce direito, mas pode ocorrer que o poço corte o veio de água que ia ao terreno vizinho, ou lá embaixo.
O art. 65 implicitamente se reporta ao Código Civil, artigo 160, 1 e II, e parágrafo~ único. Não se refere à
absolvição,. o que se menciona no art. 66 do Código de Processo Penal.
No Código de Processo Penal estatuio art. d6: ‘Não obstante a sente’~ça absolutória no juízo criminal, a ação civil
poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente , reconhecida a inexistência material do fato”. E no
art. 67:
“Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: 1, o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças
de informação; II, a decisão que julgar extinta a punibilidade; III, a sentença absolutória que decidir que o fato
imputado não constitui crime
Arquivamento é ato que não contém qualquer decisão sobre o mérito.
A extinção da ação penal não tem como conseqüência extinguir-se a ação civil; nem a prescrição de urna importa
a da outra.
Se a sentença absolveu porque não era crime o que se imputava ao acusado, a ação civil persiste, porque o fato

(continuação)
pode ser ilícito, em direito privado, e até em direito público, sem ser crime. Pode mesmo ocorrer responsabilidade
ato sem ilicitude.
A indenização somente se defere quando o lesado ou a1guém que o presente ou represente a exige. Se o não faz,
não pode ser decretada. Trata-se da sanção que depende do exercicio do direito à reparação . Mas, se êsse é o
princípio vigente, não nos parece o melhor, e muito terá o direito que desenvolver no domínio das relações de
ressarcibilidade. Quem quer que observe a vida moderna, com as suas profundas e sutis injustiças sociais, com as
suas dificuldades permanentes de realização prática do direito, o que torna inútil o esfôrço e ilusório o
reconhecimento das situações jurídicas, vê que a cada momento se ferem direitos de outrem sem que o lesado
recorra aos juizes. Porque, com isso, se perdem tempo, esfôrco e dinheiro. É a própria comodidade, que sugere o
desleixo, a renúncia à luta pela justiça nas relações da vida. Que fazer?

§ 5.553. AÇÕES E PROCEDIMENTO


Reeducar o povo? Ensinar-lhe o gôsto da peleja? Baratear a justiça? Acelerar os processos? Nenhuma das medidas
bastará; porém todas devem ser praticadas, e a elas devemos juntar uma, que a tôdas sobreleva: a iniciativa social,
e não individual, de certos processos de indenização. Mais interessado do que o indivíduo, na paga do que lhe foi
destruído ou tirado,
a coletividade, para a qual o crime não punido é como a rachadura no vaso; prossegue e aumenta; e o dano
irressarcido é como o bater da água na pedra: fura-a, cava-a, sem que o percebamos.
A ordem social, para que se torne suportável a imperfeição existente, reclama tôdas as medidas de socialização,
digamos assim, incluídas as de iniciativas processuais. A Polícia e a Justiça devem ter mais ampla alçada e
estender até certas circunstâncias o poder preventivo e punitivo (pelo menos nos preliminares), que lhe é inerente;
mas a isso deve corresponder a extensão das promoções.
O argumento, que ai fica, é simplesmente de cultura, de civilização. Outro há, que não é menos forte: o da
incapacidade de certas classes para “reagir”, para “lutar pelo direito”. A previdência social deve ir até tais
situações lastimáveis da organização humana: deve minorar-lhes a gravidade; cercear lhes as consequências;
corrigi-las quanto possível, O dano do automóvel do rico ao transeunte que passa não tem as mesmas
probabilidades de ressarcimento que o dano do mesmo automóvel a outro rico ou abastado que então transite:
aquêle ofendido, sem recursos, humilde, econômica e socialmente Craco, não irá a juízo, ao passo que o outro tem
o advogado, o dinheiro, os conhecimentos. De modo que, bem apuradas as coisas, o direito das sociedades atuais é
quase um direito que se destina a reger as relações dos homens sem distinções hierárquicas (aristocracia,
privilégios), porém, na realidade, mais regula relações de pessoas abastadas.
As considerações que fizemos em 1927 repercutiram no Código de Processo Penal, art. 68, onde se diz: “Quando
o titular do direito à reparação do dano fôr pobre (art. 32, §§ 1.0 e 2.0), a execução da sentença condenatória (art.
63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.
A ação civil, ação de indenização, não surge do delito porque constitua êle violação da lei penal, e sim porque
produziu dano. E outra coisa não se diz no Código Civil, art. 159, que, por isso mesmo, abrange todos os casos de
dano, muitos dos quais sem a figura penal do delito. Uma das questões é a ação civil na tentativa. <‘,É possível
surgir tal ação? Decididamente pela negativa, há alguns juristas, para quem a tentativa é ameaça de mal, e não mal
em si, que se possa avaliar. Tentativa de homicídio, por exemplo, não é homicídio, nem ferimento. É a lesão
moral! Qual? A vítima pode temer nova tentativa; e tem interesse na punição. Sim, advertem outros. ~ E o mal
moral do terror? É irreparável, respondem aquêles, por isso mesmo que não pode ser estimado. Não era de
diferente parecer MERLIN (outros seguiram a mesma corrente, que remonta a velhos tempos). Já J. MENÓQUIO
(De arbitr. iudic. qu.aestionibus et causis centuriae VI, IV, cap. 360, n. 90) estava na regra: “actio civilis pro actu
tentato moveri non potest”. Outros sustentaram que nem sempre pode prevalecer a regra; porque casos há de
tentativa com dano. Por exemplo, CONSTANTINO CASTORI (Completo Trattato teorico e pratico di Diritto
penale, 1, 515).
A tentativa pode causar danos. Se houve dano, há a ação. Se não houve dano, não se há de pensar em existência de
ação de indenização. O que não se pode afastar é a ação cominatória ou a cautelar para o caso de tentativa ou de
nova tentativa.

3.INDENIZAÇÃO EM DINHEIRO. - Para que a reparação seja em dinheiro, é preciso que o credor prefira tal
indenização, salvo se a cobertura do dano, na espécie ou no caso, somente pode ser em dinheiro (cf. O’rTo
FISCHER, Der Schaden, Abhandlungen zum Privatrecht uud Ziviíprozess, VII, 188; MAx SPITTEL, tJber das
Verhdltnis der Herstellung zum Geldersatz imu BGB., 13). O dano moral, rigorosamente, é incomensurável, mas
nada obsta a que se avalie o interesse, para que se indenize ou se complete a indenização (cf. OSCAR NERT, Der

(continuação)
Ersatz immateríellen Schadens insbesonderc nach deni BGB., 62; EDUARD KOENIGSBERGER, Der
Schadcnsersatz durch Natura lherstellung nach bíirgclichem Recht, 29 s.).

4. LEGITIMAÇÃO ATIVA. ~, A quem pertence a ação de reparação À pessoa diretamente lesada. É a regra
geral. Ao segurador, até a concorrência da indenidade paga, no caso de seguros contra danos. Se dois ou mais
foram os lesados, atende-se à figura jurídica. Se há herdeiros proprietários da coisa, qualquer dêles (arg. ao Código
Civil, art. 1.580). Se condôminos, dá-se o mesmo (arg. dos arts. 623, II, e 634), podendo, a fortiori, ser proposta
pelo condômino, que administrar sem oposição dos outros, porque êsse se presume procurador comurn (art. 640>.
Se os lesados forem o proprietário, o usufrutuário e o locatário, cumpre proceder-se a distinções. A ação deve ser
exercida pelo proprietário, a quem incumbe. O usufrutuário, como o credor hipotecário, exerce os seus direitos
sobre a importância do seguro, ou da indenização (HERMANN BECKER, Obligationenrecht, Ko’n2,rnentar zuni
Schweizerischen. Zivilgesetzbuch, nota 79 ao art. 41).
Diz o Código Civil, art. 735: “Se a coisa estiver segura, incumbe ao usufrutuário pagar, durante o usufruto, as
contribuições do seguro”. E o § 1.0: “Se o usufrutuário fizer seguro, ao proprietário caberá o direito dêle resultante
contra o segurador”. Ainda o § 2.0: “Em qualquer hipótese, o direito do usufrutuário fica sub-rogado no valor da
indenização do seguro”. No art. 737, expressamente se estatui: “Se um edifício sujeito a usufruto fôr destruído
sem culpa do proprietário, não será êste obrigado a reconstruí-lo, nem o usufruto se restabelecerá, se o proprietário
reconstruir à sua custa o prédio; mas, se êle estava seguro, a indenização paga fica sujeita ao ônus do usufruto. Se
a indenização do seguro fôr aplicada à reconstrução do prédio, restabelecer-se..á o usufruto”. E, no art. 738:
“Também fica sub-rogada ao ônus do usufruto, em lugar do prédio, a indenização paga, se êle fôr desapropriado,
ou a importância do dano, ressarcido pelo terceiro responsável, no caso de danificação, ou perda”. Se o
proprietário não cobra o seguio, que fêz, ou se não demanda o autor do dano pelo prejuízo sofrido, ou perda do
prédio usufruído, comete ato danoso, e contra êle tem o usufrutuário a ação para pedir o usufruto. O prejuízo
sofrido pelo locatário dá a êsse, separadamente, a ação de indenização.
As obrigações originadas de atos ilícitos não se confundem com as que derivam da inexecução ou irregular
execução de contrato (Código Civil, arts. 929, 955, 1.059-1.061), ou da pena estipulada conjuntamente com a
obrigação ou em ato posterior (arts. 916, 927), ou das penas excepcionalmente impostas pelas leis. também o risco
profissional escapa à doutrina clássica da culpa; mas se adotamos atenuações à velha teoria romana podemos
tratar, no mesmo raciocínio, de urnas e outras. As perdas e danos expressão comum ao ressarcimento do prejuízo
contratual e dos danos são, nos contratos, adjetivas, demandam-se pela ação do contrato, de cujos pedidos são
assessórias ou supletórias. Nas obrigações por ilícito absoluto, são substantancias , pedem-se por ação própria, e o
fato positivo ou negativo serve, per se, de fundamento. Ali, o autor é o contraente, há vinculo direto entre o~
interessados ; aqui, autor é o lesado. Não se confundem, a fortiori, tais obrigações com as penas criminais. Se
não há dano. Essas se aplicam sem que se dê a incidência da lei civil.
A pessoa que se tem como responsável por algum dano pode antecipar-se e propor contra quem se diz lesado a
ação declaratória negativa (cf. FRITZ SCHÀFER, Die Aktivlegitimation bei der actio legis Aquiliae und der §
823 Abs. 1 BGB., 33 s.).
Pode a lei penal estabelecer a pena pecuniária ou a reparação integral. Não é a mesma coisa. O casamento do
homem com a vítima do defloramento não poderia entrar’ na classe das reparações de que tratam as regras
jurídicas c’o Código Civil, pôsto que, de outro modo, haja reparação pelo ato ilícito.

5.AÇÂO PARA A REPARAÇÃJ DOS DANOS NÃO-PATRIMONIAIS. Sempre que há ofensa a alguma pessoa,
física ou jurídica, e o dano não é patrimonial, tem-se de apontar o direito ou o interesse não-patrimonial que foi
ferido. Outra pessoa, física ou jurídica, não a pode propor, de modo que a morte do lesado ou a exceção da pessoa
jurídica atinge o direito, a pretensão e a ação.

O cônjuge não pode exercer a pretensão e a ação de reparação de danos não-patrimoniais ao outro cônjuge. O que.
pode ocorrer é que o mesmo fato ilícito atinja a ambos. No direito brasileiro, permite-se a cessão do direito a pôr o
norma na obra literária, artística ou científica e isso suscita o problema da transferência do direito, da pretensão e
da ação de reparação por ofensa. A excepcionalidade de modo nenhum deturpa o princípio da incedibilidade,
porque, se deu o direito a pôr o nome, qualquer ofensa posterior à cessão é àpessoa outorgada, e não mais à pessoa
outorgante, e os direitos,. pretensões e ações oriundas de ofensas anteriores são, todos, incediveis.
A cessão da ação incessível é nula. Tem-se de repetir a opinião que reputa renúncia a cessão.
Depois da entrega da indenização, ou da sentença condenatória trânsita em julgado, a respeito da reparação
pecuniária, o interesse não-patrimonial que foi ferido já se transformou em interesse econômico: patrimonializou-

(continuação)
se. O direito ao quanto pode ser doado, ou cedido. Nada obsta a que sobre êle recaia execução, ou medida cautelar,
salvo se a verba édestinada a tratamento, ou substituição de atividade suprimida pelo fato ilícito. Enquanto não
se dá a reparação e essa é necessária, qualquer alienação é contra os princípios, porque o que foi prestado teve
finalidade satisfatória.
Quanto aos dotes de que cogitam os arts. 1.538, § 2.0, e 1.548 do Código Civil, tem-se de assentar que são
indenizações destinadas, mas a destinação deixa inalienável o que se recebeu. Quanto à persuasão de que trata o
art. 1.539 do Código Civil, tem ela função assaz diferente do dote: a parte da indenização que se presta para
tratamento é destinada e, pois, indesviável; não a parte que corresponde aos lucros cessantes até a convalescença e
a pensão para suprir o proveito do trabalho para que se inabilitou o lesado, ou que foi depreciado, porque tais
somas se destinam a livre disposição, como seria o produto do trabalho ou o que se teria ganho além do que no
presente se ganha.

6.PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE INDENIzAÇÃO. A prescricão da ação civil de dano só se dá em cinco anos


quando se funda em ofensa ou danos causados ao direito de propriedade, contado o prazo da data em que se deu a
mesma ofensa ou dano (Código Civil, art. 178, § 10, IX). Escapam à regra jurídica as ações que não concernem
aos danos ou ofensas ao direito de propriedade. O prazo, então, é o de vinte anos (art. 179). Em se tratando de
direitos de autor, cabe o mesmo prazo de cinco anos (art. 178, § 10, VII), contado da data da contrafação. Os
novos senhores de um imóvel são parte ilegítima para promover a ação de indenização quanto aos danos causados
ao imóvel, quando ainda propriedade do vendedor, ou de outrem, antes do vendedor, salvo se houve expressa sub-
rogação de direitos para tal fim, para o que não bastam expressões vagas e tabelioas (Supremo Tribunal Federal,
Ap. cível n. 3.525. 9 de maio de 1923).

7.“BENEFICIUM COMPETENTIAE”. A limitação, feita no século II, da executabilidade dos bens ao que
excedesse o necessário à subsistência, isto é, a regra jurídica de ser incólume à execução o que se tem como
necessário à subsistência do devedor, foi chamada na Idade Média beneficiun corapetentiae (1232 ou 1264?, cf.
PAUL ALBRECHT ALTMANN, Das beneficium competentiae, 48, nota 8; WILHELM BAUDER, Das
Beneficium Competentiae, seine Geschichte u. heutige Geltung, 6). O devedor que paga pode pedir ao juiz que se
deduza o que lhe é necessário (condeinnatio in quantum debitor facere potest). Sobre a discussão, GUSTAV
HUGO (Lehrbnch des heutigeu romis chen Rechts, IV, 245) ; sobre as duas concepções no tempo, A. C. HOLTIUS
(Abhandlungen civilistische’n und handelsrechtlichen Inhalts, 83), FRANCKE (tber die Rechtswohlthat der
Competenz, nebst Bemerkungen Uber die s. g. processualische. Consumtion der Klagen, Archiv fúr die
civilistische Praxis, 23, 390) e OTTO WUNSCH (Zur Lehre vom beneficium competentiae, 15 e 21 s.).
O beneficium compotenliae pode ser alegado fora de juízo. As regras jurídicas dos códigos ou leis processuais são
as mesmas do direito natural, porque de direito material é o benéfico (Tomo XXVIII, § 3.346, 1).

8.Foro DAS AÇÕES DE REPARAÇÃO DE DANOS. O problema tem de ser pôsto no direito anterior ao Código
de Processo Civil, e no direito posterior.
Quanto ao direito anterior ao Código de Processo Civil, nas ações ex delicto, o réu podia ser demandado no fóro
do seu domicílio, ou no lugar de delito, à escolha do autor. Nas Ordenações Filipinas, Livro 1, Titulo 16, ~ 1, e
Livro III, Titulo 6, § 4, no Código de Processo Criminal, art. 160, e no Decreto n. 3.084, de 5 de novembro de
1898, Parte III, artigo 26, encontrava-se a regra, que acima se formula. Pelo art. 16 da Lei de 11 de setembro de
1830, se o delinquente estava preso ou afiançado, tinha êle a escolha do fôro da prisão ou da fiança, ou daquele a
que era sujeito. Mas hoje não temos mais a escolha: o preso ou desterrado tem domicilio no lugar onde cumpre a
sentença ou o destêrro (Código Civil, art. 40).
~ Qual o fundamento que se tinha para se excetuar a regra geral da competência domiciliária e se atender à do
lugar do delito?
Deparam-se duas opiniões, que bem representavam duas épocas; melhor diremos as duas mentalidades dos
tempos em que foram escritas: a) uma, mais velha do que a outra, via nos que delinqilem pessoas que se tornaram,
pelo delito, da jurisdição do distrito temporaem que o cometeram. Era a de J. J. C. PEREIRA E SOUSA. Dever-
se-iam acrescentar, como razões subsidiárias, a de ser exemplo aos moradores do lugar .em que se perpetrou o
delito e a da facilidade das provas da acusação e da defesa (arg. às Ordenações Filipinas, Livro III, Título 54, § 3);
b) outra, mais recente, tinha por principal fundamento a facilidade de se corrigir esclarecimentos e provas.
Subsidiariamente , ser o lugar em que se há de dar o exemplo de repressão. Foi a de J.A. PIMENTA BUENO. Aos
espíritos de educação científica, não há vacilar: somente se justificaria o lugar do delito como fôro, no crime, por
ser ali onde se deva exercer a ação da política penal, sem que seja absoluta a regra, pois os Estados podem adotar

(continuação)
outros critérios; no cível, pela facilidade, a que acima se alude, e pela vantagem, para o lesado, em se propor a
ação onde êle ou a coisa estava.
Nos Comentários ao Código de Processo Civil (II 2~a ed., 296 s.), escrevemos: “~ Qnid iuris, sobre o fôro das
ações por atos ilícitos? Teria sido acertado, nesse século do automóvel e
do avião, em que os desastres e os danos se operam fâcilmente noutras comarcas, noutras unidades da República,
que a do domicílio ou residência do acusado, e até no país por parte de domiciliados ou residentes no estrangeiro,
deixar-se explícito que o fôro do lugar em que se cometeu o ato ilícito é o competente, ou também o é, para as
ações daí resultantes. O Código de Processo Penal nada disse. Fora do caso do réu sem domicílio ou residência no
Brasil, que só apanha aos domiciliados e residentes no estrangeiro, a lei falhou à sua obra de justiça. Ainda aquêle
réu, sem domicílio e residência no Brasil, terá de ser demandado no fôro do domicílio ou residência do réu, que
pode não ser o do ato ilícito. O forum delicti commisi também foi omitido pela Ordenação Processual Civil
austríaca (H.SPERL, Lehrbuch, 1, 129; R. POLLAK, System, 329-332). Há apenas casos especiais de leis
extravagantes. Na jurisprudência posterior, assim se tem entendido (e. g., 2~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, 16 de dezembro de 1952, R. dos T., 209, 274; 3.~ Câmara Civil, 4 de dezembro de
1952, 208, 326: “Não há dúvida que, como observa PONTES DE MIRANDA, acertado teria sido, neste século do
avião e do automóvel, em que os acidentes e os danos se operam fàcilmente noutras comarcas, noutras unidades da
República, que a do domicílio ou da residência, deixar-se explícito que o fôro do lugar onde se praticou o ato
ilícito é o competente, ou também o é, para as ações daí resultantes. Não o tendo dito, todavia, de modo expresso,
o que se deve entender é que aboliu o vigente Código de Processo Civil o fôro do delito para a reparação civil...”).
A 4~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 19 de fevereiro de 1942 (R. F., 90, 763; R. dos T., 139,
153), assentou a boa interpretação do Código de Processo Civil, art. 133, no sentido de ser excludente do fôro do
delito segundo o direito anterior
Há, porém, as regras jurídicas do art. 134 e §§ 1.0 e 2.0 do Código de Processo Civil, que são de grande relevância
e afastam algumas dificuldades oriundas do art. 133, 1, do Código de Processo Civil. Diz o art. 134: “O réu será,
em regra, demandado no fôro de seu domicílio, ou na falta, no de sua residência”. No § 1.0: “Quando o réu não
tiver domicílio, ou residência, no Brasil, e, por outras disposições constantes deste Título, não se puder determinar
a competência, a ação será proposta no fôro do domicilio, ou residência do autor. Se também o autor for
domiciliado e residente em território estrangeiro, a ação poderá ser proposta perante qualquer juízo”. No § 2.u:
“Havendo mais de um réu e sendo diferentes seus domicílios, poderão ser demandados no fôro de qualquer déles ,
se houver conexão quanto ao objeto da demanda ou quanto ao titulo ou fato que lhe sirva de fundamento”.
A prioridade do domicílio como elemento determinante da competência deriva da natureza mesma da jurisdição
interna. O juiz, histórica e conceptualmente exerce a sua função a respeito de pessoas fixadas no território
jurisdicional, enlaçadas pelas relações da vida e dos interesses a outras pessoas aí domiciliadas e a pessoas de
outras jurisdições com que tratou. Basta pensar-se em quanto seria difícil atribuir-se ao fôro do autor, sendo muitas
as pessoas que poderiam, em diferentes circunscrições, propor ações contra o mesmo réu, para se compreender o
acêrto de ser o domicilio do réu, e não o do autor, que determine a competência. Assim, ficam centralizadas no
fôro do réu tôdas as demandas contra êle. Ai, por ser o do seu domicilio, mais fácil é encontrá-lo. Aí estão os bens,
que possui, os informes sobre a sua vida de negócios, porque “o domicílio civil é o lugar onde ela estabelece a sua
residência com animo definitivo” (Código Civil, art. 31). Além disso, a lei que rege as obrigações é a le. debitoris,
e não a lex credito ris, com que se preestabelece que é a lei do devedor
portanto do réu que se há de ter em mira, inclusive quanto ao fôro. Se ocorre que a pessoa tem diversas
residências, onde alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais, considerar-se á domicílio seu
qualquer dêsses ou daquelas (Código Civil, art. 32). Se a pessoa não tem domicílio, o fôro é o da residência,
porque onde ela reside ~ o lugar em que pode ser encontrada. Tal afêrro têm os juristas, de todos os países, a êsses
princípios, que se põe nos livros que, não tendo a pessoa domicilio, nem residência no país, nenhuma jurisdição
geral tem êsse (HANS SPERL, Lehrbuch, L 113). Em todo o caso, não havendo no Código de Processo Civil regra
sobre o fôro do delito, alguma regra jurídica como a do ~rt. 134, § 1.0, seria de mister.

Tem-se de prestar a máxima atenção à regra jurídica do art. 134, § ~ 1•a parte, do Código de Processo Civil, para
que a sua interpretação não redunde em clamorosa invasão das linhas de distribuição supraestatal das
competências jurisdicionais. Batemo-nos sempre, sem exceção, pelo respeito às regras de direito das gentes, e
seríamos o último a aderir à tese destrutiva e anárquica que serve aos povos esmagadores e aos que se crêem tais, e
desserve aos povos fracos. Povos fracos, como indivíduos, têm interesse em defender essas linhas para que se
possam opor à violação delas pelos fortes. Na ordem individual como na dos Estados, é melhor ser forte, sem

(continuação)
parecer, do que parecê-lo, sem no ser. O enunciado tético “Cada Estado tem tôda a jurisdição que entende”, só
seria possível, nos ético, político, jurídico, econômico, e no plano material da fôra, ou se só um Estado dominasse
o mundo, ou se renunciássemos a qualquer convívio de paz entre os Estados. As idéias de alguns juristas nesse
sentido, de algumas dezenas de anos para cá, acabaram mal, e muito mal. Em todo o caso, insistem, o que vai
produzir ainda mais graves conseqüências . O § 1.0 a competência jurisdicional do Brasil. O fôro do domicílio, ou
da residência, do autor, é competente inteiramente, quando se reúnam os seguintes pressupostos: a) seja a Justiça
brasileira competente em direito das gentes; b) o réu não tenha domicílio, nem residência, no Brasil (porque, se
tivesse, o seu caso caberia na regra geral da competência, art. 134, pr.)
c)não haja qualquer regra do Código de Processo Civil, constante dos arts. 133-152, que determinam a
competência, porque. se existisse, estaria resolvida a questão. (A 8~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal, a 9 de outubro de 1951, D. da ,J. de 14 de abril de 1952, pôs bem claro: “Como bem adverte
PONTES DE MIRANDA, 1, 475, o disposto no § 1.0 do art. 134 pressupõe a jurisdição brasileira, isto é, só se
aplica quando a causa é da jurisdição nacional. Logo, se, in casu, o réu não é domiciliado no Brasil, nem se trata
de obrigação que aqui se tenha de cumprir, nem a causa versa sobre imóveis situados no Brasil, a Justiça brasileira
não é competente”. ~em razão, porém, quanto ao art. 142 do Código de Processo Civil, que é regra jurídica
especial, de proteção à mulher.) Não importa, para a aplicação do art. 134, § 1.~, que o réu não seja domiciliado no
estrangeiro, mas é preciso que o réu possa ser citado no Brasil, ou o Brasil tenha, por outro motivo, competência.
O § 1.0 não faz o Brasil competente para tôdas as questões em que as partes não tenham domicílio no Brasil. A
ligação ao fôro do domicílio ou da residência do autor, como lugar da execução do contrato, basta (3.~ Câmara
Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de fevereiro de 1941, R. dos T., 130, 92), ou como lugar em que o
réu ~e encontra (3.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 7 de fevereiro de 1941, R. F., 87,
134), ou quanto a navio surto em parto do Brasil (2.~’ Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 28
de fevereiro de 1941,
R. F., 86, 652). Só o Brasil é competente para conhecer ~a ação tendente a expungir do registo propriedade
industrial registada no Brasil. É ação de direito público brasileiro. A 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 22
de setembro de 1941 (1?. F., 89, 440), decidiu caso de medida de segurança quanto a navio surto em pôrto
brasileiro. Discutiu-se muita matéria estranha ao assunto, sem se fitarem os olhos no artigo 134, § 1.0, como fôra
preciso. É sempre fácil falar-se de outros assuntos quando o assunto em foco é difícil. O que importa, de futuro, ao
Tribunal é dizer qual a competência do Brasil, que êsse art. 134, § 1.0, supõe.
A 2~a parte do § 1.0 também supõe que o Brasil seja competente. Se o não é, qualquer sentença do seu juiz será
quixotada inútil. Assim, qualquer fôro do Brasil será competente internamente, se forem satisfeitos os seguintes
pressupostos:
a)a Justiça brasileira seja competente, em direito das gentes; b) o réu não tenha domicílio, nem residência, no
Brasil (porque, se tivesse, o seu caso seguiria a regra do fôro geral, art. 134, pr.); c) não haja qualquer regra do
Código de Processo Civil, constante dos arts. 133-152, que determine a competência; d) seja o autor domiciliado e
residente no estrangeiro.
Tem-se de distinguir da competência do Estado para legislar sobre contrato ou outro negócio jurídico a
competência para legislar sobre fatos ilícitos absolutos e direitos, pretensões e ações indenizatórias. Não se pode
dizer que se possa escolher o juízo para as ações de indenização por ilicitude absoluta, nem que isso possa ser
elemento distintivo, porque ao sistema jurídico e dado pré-excluir a escolha de fôro.
Após as considerações que acima foram feitas, temos de tratar da influência eficacial da decisão criminal no
tocante à responsabilidade civil pelos danos. Se a ação criminal, iniciada, houve a observância das regras jurídicas
sobre competência, que se acham no Código de Processo Penal, artigo 69, onde vem em primeiro lugar o lugar da
infração (artigo 69, 1) e só após o domicilio ou a residência do réu (artigo 69, II). O. art. 70 é explícito quando
diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que fôr praticado o último ato de execução. Ora, no art. 63, o Código de Processo Penal
diz que, transitada em julgado a sentença condenatória, se pode promover-lhe a execução, no juízo cível, para o
efeito da reparação do dano. Assim, a execução há de ser, precipuamente, no lugar em que houve o crime. Com
isso, fica evidente que, de inre condendo, ce devia ter apontado como competente, para as ações cíveis de repa
ração dos danos, o juiz do lugar do delito. Tal interpretação dos arts. 63 e 69, 1, de modo nenhum pré-exclui que se
possa pedir a execução no lugar em que é domiciliado ou residente o réu, mesmo que seja em outro Estado-
membro. A sentença do juízo criminal tem eficácia executiva imediata.

§ 5.554. Ação de publicação da resposta à imprensa

(continuação)
1.DIREITO DE RESPOSTA. É principio constitucional, de que deriva direito fundamental, o de liberdade de
pensamento. Como a publicação do que se pensa pode determinar ofensas morais e patrimoniais a outrem, prevê-
se que seja necessário responder-se, com a mesma publicidade. Dai a regra jurídica do art. 141, § 5a , 3~a parte, da
Constituição de 1946: “É assegurado o direito à resposta”.
“O direito à resposta”, dizemos nos Comentários à Constituição de 19.46 (IV, 3~a ed., 435), “e assegurado pela
Constituição de 1946, como o fôra pela Constituição de 1934. A qualquer manifestação de pensamento, em que se
insira enunciado de fato, corresponde àquele a quem o enunciado de fato
ofende, ou pode ofender, direito aos enunciados de fato contrários, ou que importem a diminuição dos efeitos da
divulgação do pensamento ofensivo. Não é preciso, para que o direito de resposta exista, que tenha havido culpa
do emitente do pensamento Se a lei ordinária deixa de regular o direito de resposta~ nem Por isso fica êle
dependente da legislação ordinária; o ad. 141, § 5~0, 3•a parte, é bastante em si”.
Ficou à lei ordinária determinar os pressupostos para que a resposta se tenha por suficiente. Se por acaso o
legislador ordinário considera satisfatória resposta que o não e, a regra jurídica, que êle edictou, pode ser apreciada
pelo juiz. Quando o texto constitucional falou de direito de resposta referiu-se à resposta que seja correspondente
ao enunciado de fato reputado ofensivo. Não pode o legislador ordinário exigir pressupostos que impossibilitem
ou dificultem a defesa, nem dar ensejo à inclusão de matéria estranha à ofensa.

2.PRESSUPOS~ÊJS DA RESPOSTA. Na Lei n. 2.083, de 12 de novembro de 1953, art. 17, repete-se que “é
assegurado o direito de resposta a quem fôr acusado em jornal ou periódico”. A expressão “acusado” não é feliz,
porque a ofensa por atribuição de qualidade ou fato ou ato pode não ser acusação, no sentido jurídico. No art. 22,
diz-se que “a resposta será inserta integralment6 no mesmo lugar e em caracteres tipográfico ~ idênticos aos do
escrito que a tiver provocado, e em edição e dias normais, sob pena de continuar a correr a multa, nos têrmos do
artigo anterior”. Os §§ 1.0, 2.0 e 3•o cogitam das dimensões. Em principio, a resposta pode ter (no § 1.0 está
escrito, impropriamente , “deverá ter”) dimensão de cinqüenta linhas, ou igual à do escrito incriminado, desde que
não ultrapasse duzentas linhas.
Alguns conceitos precisam ser fixados, como “no mesmo lugar” e “edição normal” e “dias normais”.
O lugar, no jornal, ou outro Periódico, ou é o lugar da matéria, ou o lugar do papel (caderno, página, coluna).
Todavia, a opinião que só exigisse o lugar do papel teria de ser repelida. O colunista, ou cronista, ou redator da
seção especial que em determinada parte do jornal houvesse inserto o ataque ou ofensa, poria na mesma página, ou
na mesma coluna, a resposta, a despeito de haver deslocado a matéria. O artigo de fundo, ou crônica, ou a seção
sairia noutra página, sem que facilmente encontrasse a resposta quem somente ou principalmente só lê o artigo de
fundo, ou a crônica, ou a seção. Os enunciados de fato ofensivos aos fabricantes de produtos agrícolas ou de
remédios de plantas, que foram postos na seção de agricultura, não estariam respondidos suficientemente se o
jornal ou outro periódico publicasse a resposta fora da seção, ou longe da crônica em que se fizeram as afirmações
lesivas.
É de prever-se que, na crônica, ou noutra colaboração de todos os números ou periódico, ou junto a ela, se dê
publicidade à resposta; não colocadas a crônica ou a colaboração e a resposta em lugar do jornal ou outro
periódico em que os ledores habituais não as encontrem, ou só dificilmente as encontrem. Aí, houve insuficiente
publicidade da resposta.
A inserção tem de ser integral. Se o não foi, cabe a ação de publicação da resposta. Bem assim se não foi com os
caracteres tipográficos idênticos aos do escrito ofensivo, ou se o não foi em edição ou dia normal (Lei n. 2.083,
art. 22).
Edição normal é a edição a que têm direito os assinantes e segue a ordem dos números do periódico. Se o jornal é
jornal da tarde, a edição matutina, ou a segunda edição ou posterior edição, em que se publicasse a resposta, não
teria dado à resposta a publicidade a que o autor dela tem direito.
Quando o jornal sai em dois ou mais Estados-membros, Municípios, cidades ou vilas, a publicação tem de ser nos
exemplares que se distribuem no mesmo Estado-membro, Município, na cidade ou vila, em que saíram os
enunciados ofensivos, ou em todos.
As circunstâncias podem tornar difícil a publicação da resposta na mesma crônica, ou coluna, ou seção, como se o
título era de propriedade intelectual do redator ou colaborador e êsse se despediu ou foi despedido da empresa. A
solução é a inserção sob o mesmo título, o que não ofende o direito de propriedade intelectual porque se trata de
resposta ao que o colaborador escreveu, e a ofensa dêle partiu.

(continuação)
Se a transcrição da resposta é feita em lugar impróprio, atendidas as considerações qu’e acima foram feitas, há
quaestio facti, e quem se diz ofendido pode reclamar ao jornal ou outro periódico, com a fundamentação, para
que, continuando a controvérsia, o juiz julgue a ação de publicação de resposta.

3.DESATENDIMENTO PELA EMPRESA. No art. 18 da Lei n. 2.083 está dito: “Se o pedido de retificação não
fôr atendido de imediato, o ofendido poderá reclamar judicialmente a sua publicação. Para êste fim, apresentando
um exemplar do artigo incriminado e o texto em duas vias, dactilografadas, da resposta retificativa, requererá ao
juiz criminal que ordene ao responsável pela publicação que seja inscrita a resposta dentro de 24 horas se se tratar
de jornal diário ou do número seguinte, se o periódico não fôr diário”. Quem se diz ofendido pede a retificação,
juntada a resposta, ou redigida no mesmo documento. Se é atendido, foi exercida, com bom êxito, a pretensão à
publicação da resposta, que é pretensão irradiada do direito à resposta. A publicação da resposta pode ser
precedida ou seguida da retificação, que é retirada do enunciado de fato que foi escrito e ofendera, ou se alega que
ofendera. Isso não significa que o jornal ou periódico não possa inserir apenas a resposta, ficando exposto à ação
penal. No art. 25 estatui-se que “a publicação da resposta, salvo quando espontânea, não impedirá o ofendido de
promover a punição pelas ofensas de que foi vitima”. Aí, supõe -se que se haja admitido o conteúdo aa resposta,
retificativamente, ou que tenha sido antes do exercício da ação de publicação da resposta.

4.AÇÃO DE REPARAÇÃO PELA RESPOSTA E AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Na classificação das ações, a


ação de publicação da resposta é ação de reparação de danos, cuja eficácia não é exaustiva da indenização,
porque nem todos os danos ficam cobertos pela simples inserção da resposta. Podem existir, ser alegados e
provados outros danos, mas em ação ordinária de indenização. No art. 25, parágrafo único, da Lei n. 2.083,
estatui-se: “Não poderá ser pedida a retificação se na ocasião em que fôr feito, o jornal ou periódico já estiver
sendo processado criminalmente pela publicação incriminada”. Essa regra jurídica (de jure condendo,
desaconselhável) não pré-exclui a propositura da ação ordinária de indenização dos danos, pois só se refere à ação
de publicação da resposta.
A.propósito da dimensão, diz o art. 22, § 1.0, da Lei número 2.083: “A resposta deverá ter dimensão igual à do
escrito incriminado, podendo conter até cinqüenta linhas, ainda que aquêle seja de dimensão menor e não
ultrapassando de duzentas linhas, mesmo no caso de ser mais longo o escrito”. Escrito, aí, é a parte escrita do
artigo, crônica ou seção em que se cogitou de assunto ofensivo. Se, por exemplo, a crônica contém partes sobre
três assuntos diferentes (partida de alguém para o estrangeiro, negócios de bôlsa e empréstimo feito ao ofendido e
não pago) e a ofensa só é feita numa, não se há de considerar escrito tôda a crônica. Aliter, se há, entre algumas ou
tôdas, indivisibilidade.
Diz o art. 22, § 2.0: “Êsses limites prevalecem para cada resposta em separado, não podendo ser cumuladas”. Se
quem se considera ofendido entende dar duas ou mais respostas porque os enunciados são diferentes, a despeito de
ser um só o lugar, inclusive numa só parte divisível do artigo ou crônica. ou outra publicação, a regra jurídica do
ad. 22, § 1.0, concerne ao todo ofensivo, e não a cada ofensa. Não assim se houve ofensividade em diferentes
artigos ou crônicas, ou em partes separadas, com enunciados de fatos diferentes.

5. LEGITIMAÇÃO ATIVA. Quanto à legitimação ativa,. estabelece o art. 18, parágrafo único, da Lei n. 2.083:
“‘O pedido de retificação poderá ser formulado pelo próprio ofendido, ou, no caso de ofensa à memória de
alguém, por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”.
Feito o pedido de publicação da resposta, a que a Lei n. 2.083 chama pedido de retificação, tem o juiz 24 horas
para proferir a decisão (art. 19, parágrafo único). Se o juiz acolheu o pedido, incide o art. 21: “Determinada a
retificação, essa deverá ser efetuada gratuitamente, no prazo determinado, sob pena de multa de Cr$ 500 pela falta
da primeira edição, multa que será aumentada na proporção de 100% a cada edição subseqUente, até que a
publicação se efetue”. A quantia está fora de tôda a aplicabilidade. É o caso para correção monetária, ou para que o
juiz estabeleça, a requerimento do ofendido, cominação especial.
6.RESPOSTA EXCESSIVA. Se a pessoa que se diz ofendida excede o limite, que é o de duzentas linhas, o jornal
ou outro periódico em que saiu o escrito ofensivo pode recusar-se à publicação, mesmo se o interessado propõe
pagar o excedente, ou permite que se publique em caracteres tipográficos menores. Daí o art. 22, ~ 3•O, da Lei n.
2.083: “O limite máximo não pode ser ultrapassado a pretexto de pagar-se a parte excedente”. A empresa é que
pode, de modo próprio, publicar o que recebeu, em gesto de cortesia.
A Lei n. 2.083 prevê casos em que a publicação pode ser negada. Diz o art. 23: “Será negada a publicação da
resposta: a) quando não tiver relação com os fatos referidos na publicação incriminada; b) quando contiver
expressões caluniosas, injuriosas ou difamatórias para o jornal ou periódico, onde saiu o escrito que lhe deu

(continuação)
motivo, assim para os seus responsáveis como para terceiros; c) quando se tratar de atos ou de publicações
oficiais, salvo quando divulgadas em jornal oficial; d) quando se referir a terceiros, de modo tal que lhes venha dar
também o direito de retificação; e) quando se tratar de escritos que não constituam abusos de liberdade de
imprensa; f) quando houver decorrido mais de trinta dias entre a publicação do artigo que lhe deu motivo e o
pedido de resposta”.
A resposta tem de corresponder ao enunciado de fato ou aos enunciados de fato a que ela opõe negativa.
Se na resposta há algo de calúnia, ou de injúria, ou de difamação, para o jornal ou periódico, ou para os
responsáveis por êle, ou para terceiros, entende-se que contém ofensa. e não se pode considerar resposta: é
resposta mais ofensa.
Se o que se reputa ofensivo foi inserto em jornal oficial, há a ação contra o Estado. Se algum jornal ou periódico
O reproduz, não está sujeito à ação. Diferente é o que ocorre se o ato ou publicação seria oficial e só o jornal ou
periódico a noticiou.
Se a resposta ofenderia terceiros, o jornal ou periódico pode negar-se à publicação, exceto se não poderia haver
resposta sem a retificação de nomes.
As críticas e as divergências de opinião, como outros escritos, não constituem, de regra, abusos de liberdade de
imprensa.
O prazo de trinta dias é absoluto, mesmo se o ofendido está ausente, longe do lugar em que se faz a publicação
ofensiva.

7.RECURSO E PROVIMENTO. A apelação é com efeito só devolutivo. Se há provimento de recurso, a empresa,


que inseriu a resposta, tem direito às despesas, como se tivesse sido pedida pelo cliente a publicação de qualquer
carta ou declaração (Lei n. 2.083, art. 24). Para haver a importância das despesas, a ação é executiva (art. 24,
parágrafo único).
Se o jornal ou outro periódico se recusa a publicar a resposta com plena satisfação do que se estatui no art. 22 da
Lei n. 2.083 e. g., em lugar impróprio e, proposta a ação de publicação de resposta, o juiz decide favoravelmente
ao demandante, cabe a multa, conforme o art. 21. A lei poderia ter estabelecido a multa a partir do dia da rejeição,
ou a partir da propositura da ação, ou da data da decisão , ou da intimação da decisão. A solução do art. 21 é a de
a partir da intimação da decisão, pôsto que o recurso seja o de apelação no só efeito devolutivo. A Lei n. 2.083
não se referiu à intimação, mas regem os princípios gerais do processo.

§ 5.555. Juízo cível e juízo criminal

1.PRELIMINARES. Proferido o julgamento criminal, pode o Juiz do Civil admitir a existência do delito civil,
desde que a culpa civil, existindo, não contradiz a existência, firmada pelo Juízo criminal, do delito penal. Em
caso das revisões criminais, julgadas antes da ação civil, solvida está a questão: a inocência, então assente, impõe
ao juízo civil a solução sobre existência e sobre quem seja o autor. Se a sentença civil foi anterior, só a ação
rescisória pode, no direito brasileiro, obviar aos inconvenientes da separação dos dois juízos. O julgamento,
passado em julgado, subsiste; só a ação rescisória pode dar caminho para o apagamento da injustiça. A regra do
Código Civil não evita a contradição entre os dois julgamentos. Exemplos: sentenças cíveis definitivas, passadas

§ 5.555. JUÍZO CÍVEL E JUÍZO CRIMINAL


em julgado, nas quais haja absolvição , e sentenças criminais, definitivas, posteriores, passadas em julgado, com a
condenação do réu. O cível não tem, em tais casos, influência no crime, de modo que um juiz, o do cível, diz
sobre a existência do crime e quem seja o autor, e outro, o do crime, afirma o contrário. Sentenças cíveis ,
definitivas, passadas em julgado,. em que haja condenação, e posteriores, do crime, que absolvam. Dir-se-á que
electa una via non datur recursus ad alteram. É importante a invocação, porém, se as duas ações não são
idênticas, não cabe o principio. Mais ainda: um dos co-lesados pode preferir uma via; e o outro, a outra. A ação.
penal pode ser ação pública; a outra, não. Não se confunda a regra electa una via, que se invoca quando estão em
apreciação a ação ex contra ctu e a ação ex delicto, com a mesma. regra electa una via, se estão em exame a
responsabilidade criminal e a civil. Rigorosamente, ai, não temos de cogitar do principio. A ação civil não impede
o prosseguimento da criminal, salvo quando algo dependa de julgamento civil. Resta a espécie, referida pelos
franceses, incerta em P. GARRAUD e FAUSTIN-HÉLIE: ignorância da delituosidade penal do fato, o que
autoriza a intentar a ação penal depois da ação civil. A aplicação da regra não é de ordem pública, ainda nos países
que a têm explícita. Demais, pode ocorrer que se prefira uma, com o intuito de se declarar situação jurídica

(continuação)
(sentença civil) ou fato (juízo criminal), O principio electa una via não tem a rigidez que alguns lhe emprestam:
tem de ser invocada pelo réu e afirmadas e provadas as circunstâncias, que possam permitir-lhes a aplicação.
No Brasil, supõe -se que se eleja uma das duas, ou que se proponham as duas ações. O que não se pode é eleger as
duas, querendo-se que uma possa ter as vantagens a e a outra as vantagens b, contraditórias.
No direito inglês, o juiz pode decidir sobre as indenizações . O direito de ação funde-se na fefrmv; suspende-se,
portanto, se há felony, o atentado a direitos individuais. Não se~ dá o mesmo nos casos de misdemeans
Exceto nos casos em que se declare que se impede a ação civil pelo mesmo fato, não faz prova, para o cível, o
julgamento penal. No direito austríaco, a parte lesada pode tomara via civil quando não se contente com a
indenização concedida pela jurisdição criminal (Instrução criminal de 1873, art. 372). Cp. Código Civil austríaco,
arts. 1.338 e 1.340.
No direito belga, admite-se a regra electa una via; a jurisprudência e a doutrina assentam que a sentença sobre
crime faz coisa julgada para o cível.
No direito espanhol, a ação civil não pode ser exercida enquanto a ação penal não fôr julgada e não passar em
julgado.
No direito alemão salvo em caso de Busse o lesado só pelo juízo cível pode obter indenização. O juiz penal
entrega-lhe os objetos (Ordenação de Processo Penal, art. 111).
Na Suiça, rege o art. 53 da Lei de 1911. Há casos em que pode ser invocada situação jurídica, que, existente,
excluiria a ilicitude. Então, o direito civil prima. Não se poderia estabelecer a criminalidade, sem, prêviamente, se
resolver sobre a existência ou inexistência da situação de direito civil. São exemplos as alegações de servidão, ou
de propriedade da coisa pretendidamente furtada. Certo, discutida a existência, e resolvida, pelo juiz criminal, a
questão (se lhe cabe resolver), há de ser respeitada a sentença. Conclusão: no Código Civil brasileiro, o art. 1.525
implica, intentada a ação criminal, não se dever tomar a via cível antes de decidida, ali, a questão da existência do
fato ou quem seja o seu autor. Tal a significação da regra electa una via, no direito brasileiro. Salvo: se falecido o
acusado, pois poderá continuar ou ser intentada contra os herdeiros a ação civil: se ausente o acusado, pois não se
há de parar ou deixar de intentar a ação civil, uma vez impedida, por fato do réu, a ação criminal; se a ação civil
não se funda no dolo nem em culpa equivalente à criminal, pois, então, o que se quer é inatacável pelo juiz do
crime; e. g., nos casos de responsabilidade objetiva ou de presunção absoluta de culpa. A desistência da ação não
significa desistência ou renúncia à ação civil. Se os ofendidos deixaram de intentar,, em vida, a ação civil, não se
há de concluir que renunciaram a ela. podem intentá-la os herdeiros. O fato de propor a ação civil, ou de desistir
dela, não importa renúncia da ação criminal. E se renunciaram à ação civil? Respondia TEIXEIRA DE FREITAS
(Esbôço, art. 3.638, 2~a parte) que se havia de considerar renunciada a ação criminal. i Se convencionaram sobre a
liquidação do dano? Igual solução sustentava TEIXEIRA DE FREITAS. É o critério que devemos adotar. A
propositura da ação civil após a criminal, antes de julgada essa, obriga a esperar a solução sobre o delito
(existência do fato criminal e autoria do crime). Mas as decisões criminais que declararem improcedente o corpo
de delito, ou despronunciarem, ou não pronunciarem o acusado, não terão o efeito do art. 1.525. Não estava no
projeto primitivo o art. 1.526 do Código Civil; veio-nos do Projeto revisto e, se remontarmos à mais velha origem,
encontrá-la-emos nos arts. 3.625 e 2.626 do Esbôco de TEIXEIRA DE FREITAS e no art. 616 do Projeto
FELÍCIO DOS SANTOS. No Projeto revisto (art. 1.820) aparece: “O direito de exigir reparação, e a obrigação de
prestá-la, transmitem-se com a herança, salvo nos casos em que êste Código determinar o contrário”. Na Câmara
tiraram-se algumas vírgulas supérfluas; e no Senado à última parte do enunciado substituiu RUI BARBOSA: “. . .
exceto nos casos que êste código excluir Lê-se no Esbôço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 3.625: “Esta
obrigação passa aos herdeiros do culpado, sempre que para êles se transmitam os bens da herança, ainda que do
ato ilícito não lhes viesse proveito, observando-se porém o disposto no Livro sobre a aceitação de heranças e
benefício de inventário”. O direito de haver a indenização do dano causado por atos ilícitos passa igualmente aos
herdeiros do ofendido ou prejudicado.

2.DADOS HISTÓRICOS DO IMPÉRIO. No Código Criminal, art. 32, estatuia-se: “Em todo o caso, não tendo o
delinqüente meios para a satisfação, dentro de oito dias, que lhe serão assinados, será condenado à prisão com
trabalho pelo tempo necessário para ganhar a quantia da satisfação. Esta condenação, porém, ficará sem efeito
logo que o delinqüente , ou alguém por ê!e, satisfazer ou prestar fiança idônea ao pagamento em tempo razoável,
ou o ofendido se der por satisfeito”. No mesmo sentido o Código do Processo Criminal, art. 226: “O Presidente
lavrará a sentença em conformidade:
se a pena fôr simplesmente pecuniária, o réu dará fiança a ela como às custas, e dano; ou irá para a cadeia por
tanto tempo quanto seja necessário para a satisfação, contando-se como se pratica acêrca das fianças: se fôr de
prisão ou correção, o réu não sairá mais da sessão, senão para o seu destino; e se, além disso, tiver de pagar

(continuação)
indenização à parte, e o não fizer será compreendido no que fica acima determinado até pagar”. Pela Lei n. 261, de
3 de dezembro de 1841, entendeu TEIXEIRA DE FREITAS (contra o que pretendia a Circular n. 183, de 18 de
outubro de 1854) estar revogado o art. 32 do Código Criminal e, por igual razão, o art. 226 do Código do Processo
Criminal: “,~, Como é que a redução da satisfação do dano à prisão pode ser o efeito de sentença civil? Se não é
efeito da civil, também não é da criminal, que nada julga sobre a indenização, ,~,como é que o juiz criminal faz
execução criminal sem sentença? ~ Como se pode converter questão civil em questão criminal do mesmo
processo, principiando êsse processo no juízo civil, e acabando no juízo criminal? Se a indenização do dano
proveniente do crime é hoje puramente civil, cai na disposição humanitária da Lei de 20 de junho de 1774, § 19, e
Assento de 18 de agôsto do mesmo ano”. ~Podia. diante de tão singelos mas fortes argumentos, prevalecer a
doutrina da Circular n. 183, de 18 de outubro de 1854?
Lê-se em J. MASCARDUS (Tractatus dc Proba~ionibns, 1, 50 s.), em tom decisivo, pela concisão: “Sententia lata
in causa criminali praeiudicat in civil”. Está em JOSÉ DA SILVA COSTA (Estudo teórico e prático sobre a
Satisfação do dano causado pelo delito, 84 s.). “Por expresso preceito do art. 68 da Lei de 3 de dezembro de 1841,
não se poderá questionar mais sobre a existência do fato, e sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se
achem decididas no crime, pois que hoje a ação de indenização, como cível que é, está separada da criminal, o que
não se dava quando vigorava o art. 31 do Código Criminal, segundo o qual a satisfação não tinha lugar antes da
condenação do delinqüente por sentença dada em juízo criminal e que houvesse passado em julgado. Essa regra
padecia três exceções, que eram: l.~) no caso de ausência do criminoso; 2.~) quando falecia o delinqüente e
estando pronunciado antes; 3.~) preferindo o ofendido mover a ação civil contra o delinquente, e contra os
herdeiros dêste, na segunda hipótese . Concordante com a revogada doutrina do art. 31 do Código Criminal, era o
legislado no art. 269, § 52, do Código do Processo Criminal que mandava o juiz de direito propor aos jurados o
quesito sobre a indenização, bem como o disposto no art. 225, ~§ 42 e 5.~ dêste último Código, pelo qual o
presidente da antiga junta de paz era obrigado a perguntar a esta se era devida a indenização e em quanto montava
ela. A regra consagrada no art. 68 da Lei de 3 de dezembro de 1841 resolve questão importante, muito discutida
pelos jurisconsultos franceses, que consiste na determinação do valor da decisão criminal e sua influência no juízo
em que se pede a indenização. Entendem uns que o julgamento criminal influi, como caso julgado, no juízo da
reparação civil; entre êstes sobressaem DALLOZ, LE SELLYER, MERLIN, SOURDAT e BOITARD; outros,
porém, como TOULLIER, negam no cível a autoridade da decisão criminal, a menos que a parte que pede a
indenização não tenha sido parte no juízo criminal. Há quem negue peremptôriamente a influência da decisão
criminal sobre o juízo civil, sob fundamento de que decisão criminal pode ser injusta e por isso reformável nos
tribunais superiores. A esta objeção bem responde DALLOZ, ponderando: 12) que o êrro é partilha de todos os
juizes e sua possibilidade, aliás pouco provável, não deve impedir proclamar-se o princípio da estabilidade dos
julgamentos; 2.0) que os tribunais civis não são menos falíveis que os criminais, acrescendo que os meios de
prova são naqueles tribunais mais restritos; 3.0) que, se pode ser reformado o julgamento criminal,, também o
pode ser o civil e a .simples possibilidade de reforma não destrói a autoridade da causa julgada criminalmente”.

3.DIREITO vIGENTE. Lê-se no Código Civil, art. 1.525:


“A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do
fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.
O fato de o Código Civil dizer que se não pode questionar sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor,
quando essas questões se acharem decididas no crime, não exprime que a absolvição do responsável pelo dano
causado importe, sempre, irresponsabilidade civil, conseqüente ao ato. Não são reparáveis somente os prejuízos
decorrentes de atos puníveis (Câmaras Reunidas da Côrte de Apelação do Distrito
Federal, 4 de setembro de 1924). O art. 1.525 estabelece a independência das responsabilidades civil e criminal.
Assim, se a decisão do juiz criminal reconhece a existência do fato, pode negar que tenha sido praticado pelo réu
absolvido (1.~ Câmara da Côrte de Apelação, 5 de novembro de 1923). A absolvição versa sobre a imputabilidade
criminal, que é diferente da imputabilidade civil. A negação de responsabilidade criminal, repitamos, não implica a
de responsabilidade civil: para a última basta a simples culpa e há casos em que não se exige o pressuposto da
culpa. Assim, a absolvição do réu, no crime, não deve nem pode, útilmente, ser invocada para o isentar da
aplicação da lei civil (1.~ Câmara da Côrte de Apelação, de 15 de maio de 1919). No juízo criminal, nenhuma
presunção, por mais veemente que seja, permite a aplicação da lei penal. No cível, cabem presunções, ou indícios
concordantes, para que se condene a alguém à reparação dos danos causados. Basta isso para que a própria
existência do fato, se o juízo criminal absolve, por serem parcos os elementos probatórios (caso diferente da prova
de náo existir o fato ou de ser outrem o autor do delito), seja uma para o crime (aprovada, porém não negada com
prova) e outra (provada) para o cível. Tais casos de insuficiência de prova são vulgares nas questões criminais de

(continuação)
acidentes e seguros. O Supremo Tribunal Federal, há muito tempo, decidiu sobre caso típico, em que havendo
absolvição pelo Júri, mas tendo existido a pronúncia (indícios veementes) se deferiu a indenização.
Já falamos do Código de Processo Civil, arts. 63-68, que são hoje as regras jurídicas fundamentais sobre a eficácia
dos julgados criminais no tocante ao direito à indenização por ato ilícito absoluto. A ação civil pode ser proposta,,
quer antes, quer simultaneamente , quer depois da propositura da ação penal. Apenas tem o juiz da ação civil o
poder de suspensão do curso do processo civil até que se julgue, definitivamente. Aliás, casos há em que o juiz
criminal tambem pode suspender o curso do processo criminal, porque depende de alguma decisão civil a solução
de questão que é essencial à composição do suporte fáctico da regra jurídica criminal; e. g., há questão sobre a
validade de cláusula testamentária, ou de ser dono do prédio alguma das partes. O art. 92 do Código

de Processo Civil cogitou das questões sobre estado civil das pessoas, porém não são as únicas. Diz o Código de
Processo Penal, no art. 92: “Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o
juiz repute séria ~ fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no
juízo cível seja a controvérsia dirimída por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição
das testemunhas e de outras provas de natureza urgente”. Mas logo após estatui o art. 93: “Se o reconhecimento da
existência da infração penal depender da decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da
competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que
essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do
processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente”.
É digno de nota que a lei processual penal contém regra jurídica de legitimação ativa, quer para a proposição da
ação civil quer para o prosseguimento, no tocante à questão sobre estado civil da pessoa (art. 62, parágrafo único).
Cumpre frisar-se que, se a controvérsia não é sobre estado civil, o juiz criminal, que suspende o curso do processo
penal, pode prorrogar o prazo de suspensão. Mas, se, dentro dêle, não há a decisão do juízo cível, o juízo criminal
retórica a competência “para resolver, de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da defesa” (art. 63, §
1.0). Quer decretada pelo juiz do crime, de ofício, quer a requerimento das partes, ou de alguma das partes, pode o
Ministério Público se de ação pública o crime . intervir na ação cível, “para o fim de promover-lhe o rápido
andamento” (art. 93, § 3.O)• Isso não quer dizer que não possa fazer alegações e apresentar ou acrescentar provas.
Quanto à influência, no cível, do julgado criminal, o que a sentença criminal pode estabelecer é o suficiente para
se saber que houve danos, ou que os houve e em quanto importaram, e é título executivo judicial, para que se peça
a liquidação, salvo se do teor da sentença criminal já consta o débito liquidado ( o débito correspondente,
liquidante, aos danos que foram alegados e provados na ação penal). É assim que se há de interpretar o art. 63 do
Código de Processo Penal.
Uma vez que os pressupostos para a dívida de indenização serem diferentes, quase sempre, dos pressupostos para
a condenação penal, a ação cível pode ser proposta após a sentença absolutória proferida no juízo criminal, salvo
se há a eficácia sentencial sobre “a inexistência material do fato” (art. 66). Não se falou de ter a sentença criminal
negado a autoria (disse que não foi A o criminoso), porém temos de dar ao art. 66 do Código de Processo Penal
interpretação que coincida com o art. 1.525 do Código Civil.
Se o juízo criminal decide que houve estado de necessidade, ou legítima defesa, a sentença absolutória faz coisa
julgada, porém não impede que alguém que sofreu dano proponha a ação de indenização contra a pessoa em
defesa de quem se danificou a coisa, ou que foi culpada do perigo.

§ 5.556. Prova de ilicitude absoluta

1.PRINCÍPIO DA ALEGAÇÃO E DA PROVA. Para que haja a condenação ao ressarcimento, é preciso que se
tenham alegado e provado a causa e os outros elementos do suporte fáctico da regra jurídica que se invocou. Daí a
enorme relevância do ônus da prova, que nem sempre cabe ao demandante quanto a todos os elementos do suporte
fáctico. Nem sempre a prova da infração implica a do dano e pode haver dano sem ter havido ofensa a algum
direito.
No plano das relações jurídicas contratuais, o devedor, acusado de inadimplemento, ou de retardamento, ou de
adimplemento ruim, tem de provar que adimpliu, que prestou no momento próprio, ou que o adimplemento foi
bom, e não ruim, ou que houve impossibilidade de prestar, superveniente ao negócio jurídico. No plano das
relações jurídicas extranegociais, ou tem o ônus da prova a pessoa que se diz credor da indenização, ou,
excepcionalmente, a lei o deu ao demandado contra a alegação do demandante.
A prova da culpa quase sempre é difícil. Provada a causação, há elemento para a prova da culpa, porém não

(continuação)
suficiente se a estrutura mesma da causação não a revela. O juiz tem de apreciar as circunstâncias, acolher
presunções simples e sugestões que a experiência vulgar faz a todos, ou nos que melhor conhecem os contactos
concernentes aos fatos ilícitos de que se trata. Já a técnica legislativa tem de inverter, em algumas espécies, o ônus
da prova, com o que se atenuaram ou eliminaram dificuldades de julgamento. Mais ainda, quanto a
responsabilidade é objetiva.
O delito pode ser de difícil ou de fácil prova. Pode ser manifestado, confirmado, mesmo se não há outros dados
para a prova, ou se há fracos indícios. Sobre a manifestação do deiito, o delictum manifestum e o direito saxônico,
no resto da Idade Média, GEo. ESCHENBERG (De Delicto manifesto iure saxonico, 6 s. e 10 s.) e SIGFRIDUs
PERLS (De Delicto manifesto ex iure saxonico et secundum iudiciorum vemicorum leges ac consuetudines, 9 s. e
57 s.).
A prova de ter havido o ilícito não é diferente da prova da negação, porque se há de partir do estado anterior, para
se saber se houve ou se não houve o ato ilícito, ou o ato-fato ilícito ou o fato stricto sensu ilícito. Quem nega tem
de provar o que negou, se quem alegou apresentou alguma prova; tal como quem afirma (cf. E. CII. WESTPHAL,
Vom Beweis ciner Verneinun,g, 10).

2.DIFICULDADES E NOTORIEDADE DA PROVA. a) A existência da pretensão não basta para que se possa
provar. Há direitos, pretensões e ações que existem sem que se provem. A impossibilidade da prestação quando a
divida nasceria, o que afasta que ela nasça, pode não ser provada; e então se tem como irradiada a dívida, a
despeito de, em verdade, ter sido nulo o negócio jurídico (cp. TH. Rízy, Beweisfilhrung, 122; JOH. NEP. BoRsT,
tYber die Beweislast im Civilprocess, 32; K. CH. W. KLÓTZER, Versuch eines Beitrages zur Berichtigung der
Lehre von der Beweislast, 37).
Do mesmo fato podem derivar diferentes danos, à mesma ou a duas ou mais pessoas, de modo que haja duas ou
mais ações de ressarcimento, ou por alguma causa imediata, ou mediata. Por exemplo: o avião caiu, incendiou a
casa, queimou habitantes da casa, ou transeuntes, e o incêndio passa a outros edifícios. Os meios de prova podem
ser diferentes e haver distinção no concernente ao ônus da prova.
b) A respeito da prova dos atos ilícitos, dos atos-fatos ilícitos e dos fatos stricto sensu ilícitos, a notoriedade pode
ser alegada e bastar à prova. Não assim o ter tido o juiz conhecimento privado do que ocorreu (cf. WILHELM
LANGENBECK, Die Beweisfilhrung in biirgerlichen Rechtsstreitigkeiten, 159). Se há presunção de causalidade,
ou de culpa, a quem a tem contra si incumbe alguém a provar o contrário. Negar é alegar contra; nada prova, O
que mandou, o que é elemento nôvo, de modo que não corresponde ao passado, é suscetível de alegação e prova:
tem-se de alegar e provar o que era antes e o que sobreveio (CARL REINHOLD, Die Lehre von dem Klagegrunde
den Einreden und der Bcweístas[, 9; XVERNER ScmiaóDER, Die Regulierung der Beweislast in EaUc dcr Lex
10 D. de verbobi. 45, 1, 39).

3.FATO ILÍCITO ABSOLUTO NEGATIVO. Se a obrigação negocial é negativa, o ônus da prova cabe ao
devedor. Dá-se o mesmo se o fato ilícito absoluto é ato negativo: se A alega que B cometeu ato ilícito, porque não
alicerçou devidamente a parede, que caíra, ou não prendeu o cão que estava na rua e mordeu transeunte, ao
acusado incumbe provar que o alicerce fôra suficiente e que o cão estava prêso, ou o próprio autor da ação de
indenização abrira o portão (cf. J. GRANDMOULIN, Nature délictuelle de la Responsabilité pour violation des
obligations contractuelles, 55 s.; J. AUBIN, Responsabilité délictuelte et Responsabilité contractueile, 74 s; contra
C. SAINCTELETTE, De la Responsabilité et de la Garctntie, 18).

Título LVII

DEVER DE EXIBIÇÃO

CONCEITO, NATUREZA E EFICÁCIA DO DEVER DE EXIBIÇÃO

§ 5.557. Conceito e natureza

1.DIREITO ROMANO. A actio ad exhibendum era pressuposto indispensável em muitos casos, da rei vindicatio.
Se o bem não estava in jure, era exercida a ação (pessoal) de exibição. O demandado que não queria discutir a
propriedade estava exposto à exibitória. Dava-se o mesmo a propósito de outros direitos reais (usufruto, penhor),

(continuação)
antes de o possuidor, despojado da posse, exercer o interdictum utrubi, ou em se tratando de legatário ou de
terceiro a que coubesse a faculdade de eleição para determinar o objeto legado, ou de quem tivesse de reparar o
objeto (ad eligendum, ad separandum; cf.G.DEMELIUS, Die Exhibitionspflicht i,z ih,rer Bedeutung filr das
classische und heutige Recht, 96).
No direito romano, a actio ad exhibendum era para se obrigar o demandado a apresentar o bem ao pretor, se não
queria ser parte no processo. Também a tinha quem por via judicial queria exercer o seu direito de usufruto ou de
penhor, se despojado da posse, ou o legatário, ou quem devia escolher o objeto legado.
O demandado podia ser possuIdor, ou tenedor. Tinha de ser condenado a prestar o que se fixasse ou exibir, mas o
direito justinianeu afastou o princípio da condenação pecuniária.
Seja como fôr, a exibição é exigível porque há interesse de outrem, legítimo, para que se exiba. A falta de exibição
é ilícita, de modo que o ato ilícito ainda não foi cometido, mas já se prevê, e se evita, se condenado o demandado.
Com a exibição do bem ou do documento, não se consegue o que se exibe. ~ o senso técnico de .exhibere (L. 22 e
L. 246, D., de verborum significatione, 5.0, 16), inconfundível com os sensos atécnicos que aparecem noutros
textos (e. g., L. 2, § 1, D., de periculo et commodo rei venditae, 18, 6; L. 57, D., de legatis et fideicommissis, 30;
L. 47, D., de actionibus empti venditi, 19, 1).
Já no direito romano havia regras jurídicas sobre a exibição de documentos, O documento que se achava em poder
de outrem, possuidor ou tenedor, podia ser objeto de pretensão exibitória de quem nêle inseriu manifestação de
vontade, ou outra manifestação, ou para quem outrem fêz, uma vez que não haja influído em sua esfera
patrimonial (L. 3, § 14, e L. 9, D., ad exhibendum, 10, 4).
A exibição de bens móveis era a mais frequente. Porém nada se opunha à exibitória de bens imóveis (L. 8, D., ad
exhibendum, 10, 4: ..... nam si fundum vel hominem petiero et heres ex eadem causa possidere coeperit, restituere
cogitur”). Sem razão, G. DEMELIUS (Die Exhibionspflicht in ihrer Bedeutung fUr das classische and heutige
Recht, 62 s.).

2.EXIBIÇÃO DE BEM MÓVEL, OU DE BEM IMÓVEL, E EXIBIÇAO DE DOCUMENTO. A exibição de bem


móvel ou imóvel distingue-se da exibição de documentos. Para aquela, é preciso que a pessoa tenha pretensão de
direito real ou Pessoal sobre o bem, ou que precise da exibição para saber se tem tal pretensão (e. g., A é dono do
relógio e pede a exibição do relógio que está com B para saber se é o seu, ou tem penhor do relógio e quer saber se
o relógio que está com B é o que C lhe empenhou). A pretensão pode ser condicional ou a têrmo. O direito pode
ser formativo gerador, modificativo ou extintivo. Quem tem direito à retrovenda é legitimado. O editor ou quem
tem direito à edição, inclusive pré-contratual, pode exigir a exibição, com ou sem o exercício da pretensão à
entrega do original (cf. ERICH JUNG, Anspruch auf Einsichtsgestallung [§ 810 BGB.] vermõge Urheberrechts,
Jherings ,Ja.hrbitcher, 70, 219 s.). Aliás, advirta-se que no sistema jurídico brasileiro
há a ação possessória no tocante à propriedade intelectual e à industrial.

§ 5.558. Pressupostos da ação de exibição

1. BEM EXIBÍVEL. Tem-se pretendido que o documento há de ser inteligível para muitas pessoas, ou grupo
considerável de pessoas, porém não há tal exigência. Por outro lado, não importa se é escrito, ou impresso, ou
dactilografado, ou gravado, nem se há de exigir que não tenha abreviatura (P. MERKEL, Die Urkunde im
deutschen Strafrecht, 253), ou não seja esbôço ou punctação. A procuração pode ser de interesse para quem a
outorga, como para o outorgado, ou os outorgados, ou para a pessoa que haja de figurar no negócio jurídico, ou ato
jurídico stricto sensu, ou mesmo que tenha de figurar ativa ou passivamente em ato-fato jurídico (e. g.,
pagamento). Terceiro pode ter interesse, mas isso depende das circunstâncias (cp. E. SIEGEL, Die Varie gung vou
Urkunden im Pro’zess. 24) e dos elementos ligativos.

2.DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL. A pretensão à exibição também existe em direito material,
e não só em direito processual (Código de Processo Civil, art. 676, V). Uma vez que alguém tenha interesse
legítimo em ver, ou ver e examinar documento que se acha em poder de outra pessoa, pode exigir a exibição, se há
relação jurídica entre o interessado e a outra pessoa, ou relação jurídica entre o interessado e terceiro, ou em que
alguém haja exercido, com a outorga do interessado, poder de intermediário ou de mediador.
Entendiam J. H. LIPsIUs (Das attische Recht und Rechtsverfahren, 585 s.) e J. PARTscH (Griechisches
Biirgschaftsrecht, 1, 308 s. e 340) que a actia ad exhibendum proveio do direito ático. Argumenta-se em contrário
que a ação ática tinha extensão que a ação romana não conseguia (GERHARD BESELER, Beitrãge zur Kritik der
rõmischen. Rechtsquellen, 1, 33 s.). A ação podia ser dirigida contra o possuNdor de documento, ou contra o

(continuação)
simples tenedor, pôsto que o negue GERHARD BESELER (Beitrilge, 34 s.). É digno de nota que originàriamente
a ação exibitória era ação condenatória: não se condenava à exibição, mas ao valor do documento ou da coisa, se
não exibisse (condemnatio pecuníaria). o direito justinianeu fê-la ação mandamental: se o demandado não atendia
ao mandado de exibição, a autoridade judiciária executava..o. A fi-. nalidade era a produção de prova, não o
adimplemento de dever de exibição (cf. R. 5. SCHOTT, Die GewÉihren des Rechtsschutzes im rõmischen
Zivilprozess, 36). No direito romano clássico e no justinianeu, o exhibere era apenas pôr diante dos olhos o exibido
para que fôsse visto (ALFONS DIERSCHKE, Die Vorlegung von Sachen zur Besichtigung nach dem BGB., 6).
O interveniente do art. 93 do Código de Processo Civil não pode exigir exibição pelas partes, ou qualquer delas
(cf. MAX APT, Die Pflicht Zur Urkundenedition 67).
Odemandado pode objetar que falta interésse ao autor. Aí, interesse legítimo elemento do suporte fáctico de que
resultara o dever de exibição (e não do interesse de agir, pré-processual), ou que não tem a posse do bem, que
deixou de tê-la sem má fé, ou que falta ao demandante qualquer ação, exceçao, pretensão, ou direito (cf. L. 19, D,
ad exhibendum, 10, 4), ou que o perdeu, ou não mais tem eficácia (MELO FREIRW Institutiones luris Civilis
Lusitani, IV, 5.~ ed., 64 s.). Quanto à prescrição, temos de afastar a generalidade do que escreveram MEio
FREIRE e J. H. CORREIA TÉLES (Doutrina das Ações, ed. anotada de PONTES DE MIRANDA, 245), porque o
demandante pode ter interesse em Opor exceção, ou tê-lo em alegar que é descabida a ação de enriquecimento
injustificado (Código Civil, art. 970) que contra o interessado se vai propor, como pode querer cobrar, a despeito
da prescrição. Demais, se a pretensão está prescrita, prescrição dá ensejo a exceção, e o devedor é que pode opô-
la. Assim, o credor não pode ter restringido pelo juiz, de ofício, o seu direito.
A 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de março de 1950 (1?. dos T., 185, 854), negou
caráter preventivo à ação de exibição. O erro é evidente. Há ação de exibição acessória preparatória ou pendente a
lide, e ação de exibição sem qualquer relação de acessoriedade Ainda em matéria de livros comerciais, o art. 20
do Código Comercial é de interpreta-rse como derrogado, hoje, pelo Código de Processo Civil, arts. 675 e 676, V.
O interesse pode consistir apenas em que se exiba, de jeito que a exibição basta. Por outro lado, a acessoriedade
pode ser por se tratar de exibição prévia (z~ anterior ao exercício de alguma outra ação, ou durante a lide. A
principalidade resulta da suficiência do adimplemento do dever de exibir.

OBJETO EXIBÍVEL E LEGITIMAÇÃO DOS INTERESSADOS

§ 5.559. Exibição de bem móvel ou de bem imóvel

1. OBJETO DA EXIBIÇÂO. O bem há de ser exibível e sobre êle tem direito o demandante, ou dêle precisa o
demandante, para verificar se é o objeto do direito que tem, ou vai ter.
A separação do bem que está ligado a outro, sem ser parte integrante essencial dessoutro, somente se pode exigir
se não há outro meio para a exibição. No direito romano, PAULO (L. 23, § 5, D., de rei vindicatione, 6, 1) admitia
que se separassem as coisas juntas ou adjectas, para que, depois, fôssem vindicadas, excetuados os casos de
soldadura, conforme CÁSSIO (braço soldado à estátua).

2. LEGITIMAÇÃO PASSIvA. Legitimado passivo é o possuidor, quer imediato, quer mediato. Êsse poder indica
aquêle (nomeação à autoria, Código de Processo Civil, art. 99). O possuidor mediato ou o imediato pode intervir
(Código de Processo Civil, art. 102).
O tenedor pode ser demandado. Assim já se estabelecia no direito romano e no comum. MANUEL MENDES DE
CASTRO (Practica Lusitana, 1, 163) cita julgado do Senado, datado de 1611.
O demandado pode provar que não tem ou não mais tem a posse, ou a tença.

3.ALEGAÇÃO E PROVA; LUGAR DA EXIBIÇÃO. O demandante iem de alegar e provar a sua pretensão à
exibição.

O que êle exige é a exibição para exame ou inspecção . Tem de ser feita no lugar em que se acha o bem. Todavia,
pode existir razão para que a exibição se faça noutro lugar, como se o comprador a contento quer que se verifique
se a máquina pode ser instalada na sua fábrica.

4.RISCOS E CASTOS. Quem pede a exibição assume os riscos e as despesas; e o demandado pode exigir que se
deposite o que dê para as despesas e segurança dos riscos.

(continuação)
§ 5.560. Exibição e sentença

1.DESATENDIMENTO PELO DEMANDADO. Se o demandado se recusa a exibir, ou permitir que se exiba,


tem de prestar indenização.

2.SENTENÇA. A sentença sobre o dever de exibição tem eficácia de coisa julgada, porém tal eficácia não é a
respeito da pretensão principal do demandante: limita-se à pretensão à exibição.
O juiz tem de examinar a petição sem que julgue o direito, a pretensão, a ação, ou a exceção, do demandante, a
que se liga, conforme alega, o seu interesse na exibicão “Iudex solum in ilia cognoscit”, escreve MANUEL
ÁLVARES PÊGAS (Quaestiones Forenses, III, 110 s), “an iustam, et probabilem habeat petens causam actionis,
propter quam exhibere sibi desiderat”, e percebe-se que se distingue da coguiçáo do pedido de exibição a do que
fôsse pedido para o qual a exibição seria necessária ou útil. MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica
Lusitana, 1, 163) frisava não importar qual a pretensão que se vai exercer, ou que se poderia ter de exercer:
real ou não, mesmo possessória, ou de outra espécie (non solum datur domino, vel quasi, sed etiam ohm
possessori, vel qui praetendit aliquod interesse). O interesse pode ser no tocante a exercício de direito, ou de
pretensão, sem se pensar, ou sem ainda se pensar em propositura de ação.

§ 5.561. Exibição de documento

1.PRETENSÃO Á EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. Quem exige a exibição de documento alega que o


documento foi feito no seu interesse, ou no seu e no de outrem, ou que a prova de alguma relação jurídica, em que
ele é figurante, ou a alteração ou extinção, depende do documento, ou que há interesse legítimo de outra origem
(e. g., terceiro pagou a dívida do demandante).
Os procuradores, inclusive advogados, mandatários, comissários e mediadores podem ser de exibir documentos
com que operaram (R. MÚLLER, Die Verpflichtung der Rechtsanwãlte zur Herausgabe der Handakten,
Juristische Wochenschrift, 32, 368 s.).
O interesse pode ser patrimonial ou não, de direito privado ou de direito público.
A exibição pode ser de coisa ou de documento. Uma das espécies de exibição de documentos é a exibição de
títulos. Qualquer das espécies de exibição pode ser simplesmente preventiva. Quando os interessados recorrem a
um papel escrito, ou em que se expressa pensamento, por meio de sinais, para provar fatos, diz-se que o fazem por
documento. Mas é preciso que o pensamento expresso prove a afirmação de algum dos interessados que o
produziram e que não seja prova circunstancial ou indiciária. O instrumento de contrato com que se pretende
provar o ato de falsificação de alguém é prova, porém não prova documental, no sentido do Código de Processo
Civil. Tem que estar em causa o conteúdo intelectual do documento para que seja documento no sentido dos arts.
219-221do Código de Processo Civil. Fora daí, é coisa. As coisas é que se apreciam só em suas situações
materiais. A inspecção ocular (espécie de inspecção sensorial), que tanto se exerce a respeito de escritos e de
instrumentos públicos, é insuficiente para qualquer convicção do juiz quanto a conteúdos intelectuais. Se êle
compara o documento de contrato de locação (a), que foi incluído na petição inicial da ação de despejo, a
assinatura do recibo do aluguer que o réu juntou à contestação (b) e a assinatura do autor no depoimento pessoal
(c), temos que: (a) é documento no sentido dos arts. 219-221 do Código de Processo Civil e tem de ser apreciado
intelectual-mente, sendo acidental o exame a que procede o juiz; (b) é documento, que vai provar, no plano dos
conteúdos intelectuais, o recebimento do aluguer na data do recibo mesmo, mas também coisa, para a prova, pela
inspecção ocular, talvez pericial, da autenticidade ou falsidade de (a) ; e (e) só é coisa e, noutro plano, prova
depoencial.
A coisa pode ser exibida como material de prova para inspecção sensorial pelo juiz ou para exame pericial.
O exame do documento, ou da coisa, ou se dá pela exibição no juízo, ou no lugar em que se acha, ou em que deva
ser depositado. Quando a apresentação do documento, ou da coisa, ofereça riscos, ou não se possa dar, como se,
tratando-se de ladrilhos, foram embutidos na parede, ou se o documento ficou colado à gaveta ou ao escaninho de
um cofre, o juiz tem de se deslocar até lá, em diligência, ou deprecar ou rogar a outro juiz que o faça, se a coisa ou
o documento está fora da jurisdição.
No Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 35l~ somente se cogitava de livros e documentos comerciais;
mas o Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890, estendeu-o ao processo civil, explicitamente Já antes
ANTÓNIO JOAQUIM RIBAS tirou do Digesto e do Código justinianeu através de I’VIANUEL ÁLVARES
PÊGAS, a regra referente à exibição da coisa As Ordenações Filipinas (Licro 1, Título 52) possuíam a ação ad
exhibendum, e a doutrina empregava a de eden do para a exibição de documento ou coisa comum. Entendia-se

(continuação)
que, sendo alheia a coisa ou o documento, a lei não poderia obrigar a exibi-lo. Tal respeito às coisas de modo
nenhum correspondia ao trato que se dava aos homens, ao tempo de CORREIA TELES.
O Código de Processo Civil deu passo adiante.

2.LEGITIMAÇÃO ATIVA. Se o interessado na exibição, como autor, precisaria do documento, ou como


demandado, ou se com êle exerceria exceção (cf. JOSEPH HUGGENBERGER, Die Pflicht ZUI’
Urkunde.n.edition 5 s.), legitimad0 está. Se o direito romano poderia admitir tal precisão, é duvidoso (cf. OTTO
WALTER GOETZ, Die Pflieht zur Vorlegunq von Urkun. den, 11). O documento pode ser de interesse comum (cf.
WILHELM LANGEBECK, Die Reweisfithrítng in bitrgerljchen Rechtsstreitigkeite~ 698), ou, até, público. No
direito de hoje, à diferença do que se passava no direito comum (cf. G. W. WETZELL, S?Is tem des ordentlichen
Zivilproz ess 249), as entidades estatais têm o dever de exibição, salvo princípio de segrêdo.

Se o interesse do demandante fica satisfeito com o exame de uma parte do documento (e. g., as fôlhas tais e tais do
livro de atas, a fôlha do livro de contas correntes), não se precisa pôr à vista o que não é de interesse.
Se há de ser dada cópia, ou não, é questão que só se pode resolver a posteriori: há, ou não há, necessidade disso.
No direito brasileiro, de modo nenhum se pode pôr em dúvida ser suficiente para a ação exibitória só haver o
interesse l. Está explícito o principio no Código de Processo Civil, art. 2.0, e no Código Civil, art. 76. Se alguém
disse ou propalou que outrem lhe escreveu carta em que há ofensa ao próprio endereçado ou a terceiro, tem a
pessoa a que se atribui afirmação lesiva interesse moral em que se exiba a carta. Se C diz que A, casada com B, lhe
enviou carta amorosa, tanto A como B têm a ação de exibição.
É princípio assente que o interessado pode solicitar ao juiz que ordene a exibição de documento ou de coisa que se
ache em poder da parte contrária (Código de Processo Civil, art. 216). Há de haver o interesse e a lide, porque só
se cogitou, aí, de já existir relação jurídica processual.
É legitimado ativamente para requerer a exibição de documento ou coisa, que se ache em poder da parte adversa
(ou da parte litisconsorte ou co-interessada, ou terceiro comuneiro:
ou do terceiro dono do documento ou coisa), qualquer interessado na demanda judicial. Portanto, não só o autor ou
o réu na ação. Além dêsse pressuposto de interessado na demanda, existe o de interesse na exibição, que se
aprecia a posterior . Interesse, entenda-se, que é ligado ao que tem na causa, porém que, no desenvolvimento do
processo, pode ter tomado direção especial que antes não tinha (e. q., diante de certas afirmações das outras partes,
ou interessados, suscetíveis de provocar diminuição da eficácia objetiva ou d. ateudibilidade de algum motivo
probatório). De modo que nenhum dêsses interesses se circunscreve, hoje, ao interesse pecuniário, ou mesmo, em
geral, econômico. Seja com fôr, tratando-se de exibição para a prova, o interesse na exibição deve subsumir-se ou
conectar-se com o interesse do requerente na causa. Porque A é interessado na causa não se segue que tenha
interesse na exibição de documentos (ou de coísa~) que nota provaria pró ou contra as suas afirmações, nem
diminuIria a eficácia objetiva ou a atendibilidade das suas provas. Nem o interesse que adviria a A da exibição
incidente do documento ou da coisa (e. g., saber se, noutro pleito, convém pedir a exibição), sem que, na demanda
de que se trata, a exibição lhe sirva, basta para que o juiz ordene a exibivão .
A exibição de que se trata é a exibição anterior à lide, à relação jurídica processual, procedimento probatório. A
exibição preventiva, portanto objeto da prestação jurisdicional, 2onstitui medida cautelar, disciplinada
especialmente. Costuma-se chamar àquela exibição incidente; e autônoma à ação de exiibição preparatória e à
ação sem acessoriedade.
O Estado de direito submeteu-se ao seu próprio Direito. Se bem que se tenha procurado destruir a noção de Estado
de direito, que se deixa julgar, como os particulares, pelos seus juizes e segundo regras que incidem sem
discriminação de serem públicas ou privadas as pessoas interessadas, alguns princípios resistem, especialmente
aquêles que desarmariam parte dos dominantes quanto à intervenção dos que tivessem o poder. Entre êsses
princípios está o de se poder ordenar a exibição de coisas ou de documentos do Estado, exceto os de caráter
secreto, na pendência da lide. O Código de Processo Civil manteve essa submissão do Estado ao princípio do igual
tratamento das partes, prevendo, porém, que tal exibição de livros e documentos não se possa realizar (art. 224),
ou pela conveniência da continuIdade do serviço público, ou pelo caráter de dificuldade material. Naturalmente, o
segrêdo obsta à exibição e às certidões do art. 224. Fora do caso de segredo , cuja alegação seja de crer-se e esteja
de acordo com os princípios constitucionais, o Estado a República, os Estados-membros, o Distrito Federal, os
Territórios e os Municípios está sujeito à pena do art. 219, de caráter contumacial, às medidas do art. 200 e à ação
civil do art. 221.

O juiz não tem arbítrio no conceder ou negar a exibição. Ou o requerente tem interesse na exibição e denegar-lha

(continuação)
seria coarctar-se a prova, pois que se teria afastado o juiz das próprias normas dos arts. 117, 294 e 295 do Código
de Processo Civil, ou não o tem, e o juiz deve indeferir. O têrmo “solicitará” está mal-empregado (“requerer” 4
que seria, cp. artigos 115: “requeridas”; 214: “requeridas”; 224: “a requerimento”). O art. 117 tem aplicação
quanto às espécies do artigo 216.
Se a parte contrária confessa a existência do documento e o conteúdo que o requerente do exame lhe atribui,
decidiu a 6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 24 de novembro de 1950 (E. dos T., 190, 844),
que se torna inútil o exame. A solução é perigosa, e cerceia a defesa, porque o juiz, que venha a julgar, ou o
tribunal, pode não achar suficiente a confissão, ou reputá-la retratável, ou não-válida, e
foi prejudicado na produção das provas o requerente.

3. LUGAR, RISCOS E DESPESAS. O lugar, os riscos e as despesas estão sujeitos aos mesmos princípios que
dizem respeito à exibição de bens móveis ou imóveis.

4. PETIÇÃO. Estatui o Código de Processo Civil, artigo 217: “O pedido de exibição de documento conterá: 1, a
designação do documento; II, a indicação, tão completa quanto possível, de seu conteúdo; III, a enumeração dos
fatos que devem ser provados com êle; IV, a indicação das circunstancias em que o requerente se funda para
afirmar que o documento existe e se acha em poder da parte contrária”.
A exibição é procedimento probatório, e não prova documental. Corresponde ao que, na prova testemunhal, se faz
para que as testemunhas sejam intimadas, se lavre o têrmo de assentada e se proceda à inquirição. A lei exige, à
semelhança da Ordenação Processual Civil alemã, que foi, fora de qualquer dúvida, a sua fonte (§ 217), que o
requerente (aqui, no art. 217, o Código de Processo Civil falou de “pedido~~ no art. 216, de “solicitar”) indique:
a) o documento, quer dizer, de que espécie de documento se trata, quem o assina, em que estado se achava, se isso
é importante para a causa, se é hológrafo, só assinado e escrito por outrem, ou dactilografado e assinado, ou
impresso, ou se os seus dizeres foram grafados por outro meio mecânico ou químico; h) o que se contém no
documento, se não lhe fôr possível repetir-lhe o texto, ou se não possui cópia ou rascunho; c) quais os fatos
afirmados no pedido, ou depois (e. .q., Código de Processo Civil, art. 294, II), que pretende sejam provados pelo
documento; d) as circunstâncias em que se funda para afirmar que existe e expliquem Porque se acha em poder da
outra parte. Mediante es~sa~ caracterizações o juiz pode apreciar o interesse do requerente, a eficácia objetiva
provável do documento e, de certo modo e até certo ponto, o dever do notificado a exibir.
Nem sempre ao requerente o seu conhecimento ou a notícia da peça exibenda será suficiente para descrevê-la
materialmente ou em seu conteúdo intelectual. Daí a “designação” ter de ser a que seja possível fazer-se, como se
o assinou o preposto do requerente, ou o seu procurador, ou a mulher, ou o seu tutor ao tempo da tutela, etc. Nada
obsta a que se peça a exibição do documento que alguém assinou criando obrigação principal ou acessória do
requerente, sem que o tenha visto êsse.
Do próprio conteúdo muitas vêzes não se lembrará, com exatidão, quem o assinou, há anos, ou há meses, ou quem
o recebeu, assinado por outrem, e o reclama porque do seu teor há de constar que foi concebido a seu favor. O que
mais importa é que o interesse se revele, e o documento, existindo como o designa o requerente, uma vez exibido,
lhe possa ser utíl na demanda.
A indicação dos fatos que hão de ser provados mediante documento exibido torna precisa a ligação entre o
documento e o interesse do requerente, ou quanto ao pedido básico da demanda, ou quanto a casos como o do
Código de Processo Civil, art. 294, II, ou quanto à defesa, ou quanto à reconvenção, ou quanto a afirmações do
requerente, estranhas às afirmações do autor, se houve litisdenunciação ou outro incidente de ordem subjetiva.
Êsses fatos não são sempre os dos artigos 158, III, 180, 190 e 193; podem ser relativas às exceções, inclusive para
a prova do dolo referido no art. 179 e sempre que o interesse se caracterize conforme interpôs sob o art. 216.
O requerente não precisa provar que o documento existe. Tal prova seria, em muitos casos, difícil, ou mesmo
impossível. Tão-pouco se lhe exige que prove achar-se em poder do notificado Extraído de sistema jurídico em
que se passa o ônus da prova ao réu e se faz intervir o juramento de exibição, o art. 217 tem de ser construido, em
seus efeitos, com os elementos dos artigos seguintes, pois a lei, todo o direito brasileiro, desconhece o juramento
processual.

o. DECISÃO. Lê-se no Código de Processo Civil, artigo 218: ‘A exibição do documento não poderá ser negada:
1, se houver obrigação legal de o exibir; II, se aquêle que o tiver em seu poder, a êle houver feito referência na
causa com o processo de constituir prova; III, se o documento, em virtude de seu conteúdo, fôr comum ao
requerente e ao detentor”. Acrescenta o parágrafo único: “O documento considerar-se-á comum às pessoas cujas
relações jurídicas forem nêle determinadas e àquelas em cujo interesse houver sido elaborado”.

(continuação)
O documento comum fica, por sua natureza, em poder de uma só pessoa, se não ocorre, sobre a compropriedade, a
composse. Porém, mesmo a propósito de pessoas que tenham, normalmente, a compropriedade, ou a composse, ou
a tença comum do documento, é possível ocorrer que um dos comuneiros retenha, por longo tempo, ou durante a
lide, ou em algum momento dela, o documento. Exemplo: durante o desquite, se um dos cônjuges guardou o
documento.
A fortiori, pode ser invocado o art. 213 se as partes acordam em que seja exibido, porque isso e mais do que haver
referência ao documento feita pelo que deve exibir (cf. 8~a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 17 de agôsto de 1946, R. F., 110, 447).
O art. 218, parágrafo único, é regra de propriedade de documentos, que invade o direito material. Não é definição.
Se fôsse definição, seria exaustivo. Além dos casos nêle consiguados haver duas ou mais pessoas cujos negócios
jurídicos têm forma no documento ou ter sido feito a favor de duas ou mais há todos os casos de compropriedade
ou composse de documentos em que são comuns e não só se consideram tais. Os documentos são suscetíveis de
propriedade, originária ou derivada, como as coisas em geral, salvas pequenas variantes; de modo que se deve ler
o art. 218, parágrafo único do Código de Processo Civil, como regra de propriedade naquelas espécies em que as
leis ainda não estatuíram sobre a propriedade e a comunhão, e regra de comunhão de uso nas espécies em que a
propriedade já esteja regulada. No fundo,o direito à exibição e o dever de exibir. São documentos de propriedade
comum os que pertencem: a sócios; a marido e mulher comuneiros; a co-credores (ou co-devedores); a credor e
fiador; a co-herdeiros; a herdeiro e legatário de parte da soma devida e provada pelo documento; quanto ao
documento que permitiu a chamada, ou a nomeação à autoria, o litisdenunciante e o litisdenunciado, o nomeante e
o nomeado.
O sócio que se retirou da firma (4.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 28 de março de 1946, R.
dos T., 161, 123), ou seus herdeiros, podem pedir a exibição dos livros no tocante às operações feitas na vigência
da sociedade. O fundamento é no art. 218, III. Na parte em que se referem a débitos e créditos do ex-sócio, os
livros são pertença do direito.
Nas espécies em que se tiram duas ou mais vias do instrumento do negócio jurídico, desde que não se dá
incorporação, há pertinencialidade do documento aos créditos, de modo que, se o documento é da dívida a A,
porém B tem direito que resultaria de resolução do contrato, B pode pedir a exibição (cf. 4.~ Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 24 de maio de 1945, R. dos T., 163, 674).
O documento é elaborado em benefício da pessoa que, mediante êle, instrumenta negócio jurídico ou faz prova de
negócio jurídico; ou que, mediante êle, ratifica ou modifica ou extingue negócio jurídico. Porém o próprio
instrumento do contrato em que as obrigações de uma parte foram as únicas previstas, habitualmente entregue ao
outro contraente, pode ser útil ao contraente que escreveu e assinou; por exemplo, se as suas obrigações,
dependendo do escrito, estão sendo interpretadas diversamente A lei deveria ter deixado o assunto ao direito
material, a que pertence, por sua natureza.
Cumpre observar-se que não só se documenta negócio juridico. A documentação de negócio jurídico é o que mais
acontece. Mas há documentações de atos jurídicos stricto sensu, como as documentações de reclamações (Tomo
II, § 280), de comunicações de vontade (§ 231), de manifestações de vontade não last antes em si (§ 282), de
representação ou de senti-. mento, de cominações ou de comunicações de conhecimento
(§ 233), de mandados (§ 234), de anúncio, de interpelação, de remissão de dívida, de pertinencialização, de
provocação ou convite, de avisos volitivos (§ 235), de certidões, de atestados, de vias, de avisos, de informações e
de inventário (§ 235, 13-16), de revogações de comunicações de vontade (§ 236), de comunicações de
conhecimento ou de revogação de comunicações de conhecimento (§~ 237 e 239), de perdão e de assentimento à
ofensa (§§ 240-247).
Lê-se no Código de Processo Civil, art. 219: “Desde que só o exame do documento possa confirmar ou destruir as
alegações do requerente, o juiz poderá considerá-las provadas, se forem verossímeis e estiverem coerentes com as
demais provas dos autos: 1, quando a parte condenada a exibi-lo negar que o possua, ou recusar a exibição; II,
quando as circunstâncias convencerem de que a parte condenada à exibição ocultou ou inutilizou o documento,
para impedir-lhe o uso pelo requerente”.
A imprescindibilidade do documento para a prova de alguma alegação do requerente, ou de “algumas” alegações,
cria certo estado de necessidade processual, de que resulta, à semelhança do que se passa a respeito de outras
provas (e. g., art. 214), a premência de satisfação pela produção do motivo probatório, ou a compulsão mediante
efeitos da inexecução da ordem judicial. Não temos o juramento, que se associara à exibição incidente, no sistema
germano-canônico de provas.
O legislador tinha de reforçar o efeito comprobatório, atribuído à desobediência, nos quatro casos: a) negativa
pura e simples de tença do documento (propriedade, posse, detenção); b) negação à exibição, que é a recusa de que

(continuação)
fala o art. 219, 1, sem se afirmar ou afirmando-se a tença, qualquer que seja a causa dela; o) nenhuma negativa
expressa quanto à tença ou à exibição, afirmação tácita de não existir com a pessoa o documento, acompanhada de
circunstâncias que fazem suspeitar-se de ocultação pela parte; d) a mesma situação da letra e), com suspeita de
inutilização do documento, O juramento de exibição seria, no direito de origem medieval, a solução para as letras
o) e d); por4m o Código de Processo Civil, artigo 219, tratou no mesmo pé de igualdade todos os quatro casos.
Em todos eles, se a alegação ou as alegações, sobre serem verossímeis, estiverem coerentes com as demais provas
dos autos, o juiz pode (cf. art. 118) considerá-las provadas.
A apresentação excepcional de documentos pode ser na primeira ou em superior instância, desde que haja o
pressuposto do art. 223, 1 ou II (cf. 1•a Turma do Supremo Tribunal Federal, 27 de janeiro de 1947, R. F., 115, 96
s.).
A apresentação de documento na audiência é de admitir--se como a qualquer outro momento, desde que satisfeito
um dos pressupostos do art. 223, 1-11, do Código de Processo Civil. Se a sentença vai apreciá-lo, tem de ser
adiada a audiência, para que, em quarenta e oito horas, fale a parte contrária; se ela nada alega contra a apreciação
imediata e prescinde de adiamento, está respeitado o art. 223, parágrafo único. Aliter, se a parte contrária argúi
cerceamento de defesa. Nenhuma razão teve a 4.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 21
de dezembro de 1952 (D. da J. de 15 de abril de 1952), para achar que, se o documento constava de registo
público, não há cerceamento de defesa em não ser ouvida, de acordo com o estatuído no art. 223, parágrafo único,
a outra parte.
Não cerceia a defesa indeferir-se pedido de juntada de documentos há muito em poder da parte, que os poderia ter
apresentado (6.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de fevereiro de 1950, R. dos T., 186, 170).
A verossimilhança é pressuposto necessário a tôda prova que se não basta a si mesma, que se não impõe com a
fôrça suficiente para provar o verossímil que se tem de aceitar como verdadeiro. Verossímil é o provável, nos dois
sentidos da palavra: ter probabilidade de ser verdadeiro; ser suscetível de prova. O que o texto indica é que, na
dúvida, criada pela inverossimilhança, não se atribuam efeitos de motivo de prova à abstenção do obrigado a
exibir. Mas o pressuposto da verossimilhança não é o único: exige-se a coerência com as demais provas, requisito
que, na maioria dos casos, já atuou como fator de verossimilhança. O que é coerente com as outras provas ganha
em atendibilidade. Outras provas, aí, não são só as que correspondem a obrigações; são também as de fatos ou
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes (art. 118). Se a parte apresentou cópia,
rascunho
ou extrato do documento, com ou sem intervenção do obrigado a exibir, e as outras provas se ajustam à sua
alegação de existir e estar com o excipiente omisso o documento, então melhora se configura o motivo probatório
da cominação legal do art. 219. Pode o juiz, no seu livre convencimento, tê-la por autêntica. À parte é dado
requerer quaisquer outras provas, como exame de letra dos rascunhos (e. g., rubrica, inicial), pela superveniência
da omissão de exibir.
“Confirmar ou destruir as alegações ou alguma alegação”, de modo que possa alterar o convencimento do juiz, ou
diretamente, ou pela modificação, que atinja a eficácia objetiva ou atendibilidade de alguma prova, tal o que se há
de ler no art. 219, 1•a parte.
A inverossimilhança e a incoerência entre o que se quer provar com a exibição e as demais são elementos pré-
excludentes da incidência do art. 219, 1 ou II (cf. 2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 22 de agôsto de 1947,
R. de J. B., 81, 139; 1?. F., 119, 78).
A 1~a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 25 de novembro de 1946 (R. F., 110, 413), deixou de aplicar o artigo
219 porque não tinha dado prova de legitimação ativa quem pediu a exibição.
Negando-se o obrigado a exibir o documento, pela afirmação de não o possuir, ou o faz com a sua estranheza a
que seja considerado dono, possuidor, ou tenedor do documento, ou pretendendo que o perdeu, ou deixou de ser
seu. Para evitar as conseqUências eventuais de sua omissão no ter o juiz de apreciar as provas (arts. 118 e 219),
deve a parte, a quem o juiz ordenou exibisse, provar, no segundo caso, o que alega; no primeiro, se algum fato
conhece que corrobore a sua negativa, prová-lo, ou indicar onde se acha a prova, ou onde há de estar o próprio
documento.
Dando-se recusa da exibição do documento, ou o obrigado prova a razão que tem para não o apresentar (e. g., ser
segrêdo de Estado, ou algum dos casos inclusos no art. 241, aplicável por analogia), ou acarreta com as
conseqUências eventuais do art. 219. Isso não obsta a que aduza, no primeiro caso, considerações contra as
afirmações do requerente quanto ao conteúdo do documento (art. 217, II), ou quanto à ligação entre êle e os fatos
(art. 217, III). No segundo caso, dificilmente seria de levar-se em conta (art. 118) o que explicasse ou pretextasse.
Se as circunstâncias convencem de que a parte obrigada a exibir ocultou o documento, claro que se lhe dá de

(continuação)
aplicar o Codígo de Processo Civil, art. 219. Essa convicção não pode, em todos os casos, ser completa, porque se
inutilizaram os requerimentos de exibição. Basta a fonte suspeita. Aliás, o alegante há de acompanhar de provas o
que pretexta e o juiz as apreciará para se persuadir de que fala a verdade, ou para manter a sua ordem de exibir,
que foi desrespeitada. São assuntos, êsses, em que não é possível negar-se ao juiz quase o mesmo critério livre de
pesquisa que tem o cientista e, a certos respeitos, o juiz criminal.
Na exibição, quem apresenta, materialmente, a prova é a parte que tem a pretensão à exibição. Quem a apresenta,
juridicamente, é quem pede a exibição, exercendo, com a ação, aquela pretensão.
Dentro do processo, o pedido de exibição é exercido da pretensão à exibição, como o seria qualquer outro pedido
de exibição, preparatoriamente ou em ação independente.
A decisão que não acolhe o pedido de exibição é decisão declarativa. A que o acolhe, inandamental.
A conseqUência de se julgarem provadas as alegações, para cuja prova se precisava do bem exibendo ou do
documento exibendo, se não se exibe, incidindo o art. 219, resulta de cominação implícita. Para isso, é preciso
que se possa entender que, com a exibição, se provaria o que se alegou, ou parte do que se alegou. Trata-se de
apreciação de circunstâncias.
A inutilização do documento é especialização da inatividade para não exibir, mais restrita que a ocultação, porque
é o ponto extremo: destruir, para que não seja, em caso algum, descoberto. Fácil é suspeitar-se, fortemente, da
ocultação, mais do que da inutilizacão. Essa só se revela se a parte, em cujo poder se sabe estar o documento, o
destruiu diante de alguma pessoa, que o narre, ou se deixou algum indício da destruição, ou se contou a alguém tê-
lo feito, ou em situações semelhantes Em tudo mais, a espécie é de se tratar como a forte suspeita de ocultação.
A interpretação do Código de Processo Civil, art. 219, só referente a pessoas interessadas na demanda (parte ou
pessoa que esteja no feito em situação de poder fazer prova e ser prejudicado por provas feitas), tem de ser a
normal, sem qualquer limitação a favor do obrigado a exibir, uma vez que o legislador nenhuma referência fêz à
lei penal, e essa, no mesmo sentido, deixou de criar qualquer figura penal para o interessado na demanda que
afirme, in casu, falsamente (cf. Código Penal, art. 342).

6. DOCUMENTO EM PODER DE TERCEIRO. Diz o Código de Processo Civil, no art. 220: “Quando o
documento necessário à formação de prova se achar em poder de terceiro obrigado a exibi-lo, por ser comum ao
requerente, poderá o juiz, ouvido o terceiro, ordenar o respectivo depósito, a expensas do requerente”. Acrescenta
o parágrafo único: “Se o terceiro negar a posse do documento, ou o dever de exibi-lo, poderá o juiz designar
audiência especial, a fim de, ouvidos o requerente e o tesoureiro, proferir despacho”.
Nos casos em que o documento se acha, ou se supõe achar-se com terceiro, muda a situação do obrigado a exibir,
pelo fato de nada ter de provar, ou de sofrer que se prove, na demanda judicial, de que a ordem de exibição é
incidente. O terceiro dos arts. 91, 93, 95-105 não é “terceiro” no sentido dos arts. 220 e 221. Nenhuma das pessoas
que possa sofrer, ou ganhar com a prova, no convencimento do juiz, tendo direito de requerer provas e falar sobre
elas, ou tendo alguém a cuja sorte processual esteja ligado, não é terceiro , no sentido do art. 220. O melhor
critério prático é o de se saber se o art. 219 poderia, realmente, prejudicá-lo, se o juiz considerasse a omissão de
exibir, por terem valor as suas afirmações.
Fora daí, é terceiro.
A respeito do art. 220, exerce papel importante o conceito de documento-pertença, assunto versado, com
pormenores explicativos no Tomo XV, §§ 1.742, 1.765 e 1.776. Se há diferentes créditos documentados pelo
instrumento ou via, o documento é pertença de cada crédito, o que, ainda quando o crédito não seja de dois ou
mais co-titulares, há comunhão na pertença. Foi isso o que faltou ver o Superior Tribunal do Trabalho, a 20 de
setembro de 1947 (D. da J. de 14 de janeiro de 1948, 125), razão de injustamente haver julgado.
Não há nenhuma contradição entre o art. 220 do Código de Processo Civil e o art. 18, ou os arts. 16-19 do Código
Comercial; de modo que foi injusta a decisão da 6~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 24 de
novembro de 1950 (R. dos T., 190, 936), que, parece, entendeu ilegal o exame da instrução em livros comerciais
de terceiros: se os pressupostos do art. 18 do Código Comercial, ou do art. 220 do Código de Processo Civil estão
satisfeitos, nada obsta a que se invoque aquêle, ou êsse.pressuposto necessário que o terceiro seja obrigado à
exibição. Di-lo o direito material; di-lo o art. 218, ii e III, do Código de Processo Civil; di-lo o art. 218, parágrafo
único.
O art. 220 contém limitação inoperante: “por ser comum ao requerente”. A compropriedade, a composse e a tença
em comum de modo nenhum exaurem a obrigação de exibir. Há mais casos de obrigados à exibição do que de
compropriedade, composse e tença em comum de documentos. O Código mesmo aludiu a isso, no art. 218, 1,
parágrafo único. Alguns casos de exibição de livros comerciais são típicos. Outros casos há. O subscritor acusado
de não haver pago a subscrição pública pode requerer que o terceiro em poder de quem se acha lista, a título, por

(continuação)
exemplo, de curiosidade, a exiba, para ser visto o “pague-se” ou para se proceder à perícia, sem que êsse terceiro
deixe de ser o dono da lista, que fôra jogada fora e êle apanhou. O interesse na apresentação do documento como
documento (não como coisa) é que é comum. A comunidade a que se refere o art. 220 é a comunidade no direito a
apresentar o documento, que aliás, no caso do exemplo, se o terceiro não foi subscritor, é com os outros
subscritores, e não com o terceiro, simples dono da coisa.
No caso de terceiro, o juiz não tem poder judicial sobre êle, enquanto o terceiro não sabe de que se trata. Ainda
que incidente da demanda judicial, o processo da exibição estabelece entre juiz e terceiro situação que é de relação
jurídica processual. Eventualmente, pequena demanda, a ação ad exhibendum, dentro da outra, mas autônoma. O
terceiro é notificado (art. 221), ouvido (art. 220) ; falta, porém, ao juiz, fora da ação própria de exibição, poder
para condenar o terceiro a indenizar os danos que assim causa ao requerente, mesmo porque não lhe é dado
prejulgar êsses danos. O Código de Processo Civil português confere ao juiz a apreensão do documento e a multa
(art. 554, § 2.0). O Código de Processo Civil, no art. 220, criou alternativas: ou a) a parte requerente se conforma;
ou b) o juiz, não se conformando a parte e estando êle convicto da obrigação de exibir, designa audiência especial,
para, ouvido de nôvo o terceiro, e ouvido o requerente, proferir despacho, cujo conteúdo analisaremos adiante; ou
c) a parte proporá, ainda durante a lide, ou depois, a ação de indenização de que fala o art. 221.
O juiz não é obrigado a designar a audiência: essa depende do que o terceiro alegou e conseguiu convencer, ao ser
ouvido (art. 220); e o juiz cotejará, apreciando-as, as afirmações do requerente e as do terceiro, antes de marcá-la.
Dar -se-a então, não a transformação do incidente em demanda, e sim o processamento da demanda virtualmente
iniciada entre a parte e o terceiro. Regem daí em diante os arts. 675, III, 676, V, 685, 687 e 688.
Lê-se no Código de Processo Civil, art. 221: “Se o terceiro, notificado não exibir o documento, poderá ~
interessado cobrar-lhe, por ação direta, a indenização dos danos sofridos, sem prejuízo da responsabilidade penal
por desobediência’~. O art. 221 é simples ressalva da ação de indenização pelos danos que o terceiro causou não
exibindo o documento. Outrossim, da ação penal. Não é sanção, protraída, da desobediência á ordem do juiz ou ao
despacho posterior (art. 220, parágrafo único). No caso de ser processada a demanda incidente que, no fundo, é a
disputa do art. 220, parágrafo único, dá-se a busca e apreensão conforme se passaria a respeito da medida
preventiva de exibição, ou o que o direito material preveja (e. g., Código Comercial, art. 20). Não há despacho
sem sanção. O fato de se ter o legislador inspirado no Projeto definitivo italiano, art. 196, não exclui o que
dizemos, porque existe o art. 220 e o legislador tinha o precedente mais enérgico do Código Comercial, art. 20, 1~a
alínea: “Se algum comerciante recusar apresentar os seus livros, quando judicialmente lhe fôr ordenado nos casos
do art. 18, será compelido à sua apresentação debaixo de prisão, e nos casos do art. 19 será deferido juramento
supletório”.
Finalmente, diz o Código de Processo Civil, art. 222: “A exibição de coisa obedecerá, no que fôr aplicável, ao
disposto para a exibição de documento”. A exibição da coisa, no caso do art. 222, é de finalidade probatória.
Sempre que o fato, que há de ser provado, consistiu ou importou estado permanente do mundo exterior, inorgânico
ou animal, porém não ente humano, dá-se a necessidade de ser exibida a coisa. O art. 222 só não se refere à
exibição do ser humano, que todavia não é estranha ao direito, e se costuma chamar “apresentação”, para se
distinguir da exibição das coisas, em atenção à personalidade do homem. Não se exibe o paciente a favor de quem
se pediu habeas corpus; apresenta-se. Os juristas romanos e os legisladores de séculos posteriores, até brasileiros,
não tinham essa atenção e falavam de exibição, ainda se se tratasse de ente humano. E o que é interessante é que
exigiam muito mais para se ter a obrigação de exibir coisa. A coisa pode ser exibida, como objeto de prova, para
perícia ou para inspeção ocular do juiz; de modo que se não pode dizer que êsse art. 222 só se refira a coisas
móveis: primeiro, porque os princípios a que se recorre para se obrigar a parte a mostrar o imóvel, ou a deixar
proceder-se à vistoria, são os que servem de base às regras dos arts. 216-222; segundo, porque, ao tempo de se
ordenar a exibição da coisa móvel, é possível que esteja imobilizada (e. g., ladrilhos ou materiais de construção,
estantes ou outros móveis pregados).
~ Quais as partes “aplicáveis” dos arte. 216-221 do Código de Processo Civil? O art. 216 é de dúplice incidência,
aos documentos e às coisas. O art. 217, 1, III, IV, é comum. Em vez de indicar-se o conteúdo intelectual, que a
coisa não tem (art. 217, II), indica-se o fato que a caracteriza como motivo probatório ou o estado permanente que
o fato a provar-se deixou nela. Tudo mais é aplicável ao requerimento de exibição da coisa. Também o art. 218, 1,
II, o é. Quanto ao art. 218, III, passa-se o que dissemos a respeito do art. 217,
II. O parágrafo único do art. 218 é inaplicável: desde que se determinasse na coisa relação jurídica em que as
partes fôssem legitimadas conforme o grafado na coisa, ou a coisa houvesse sido feita para documentar,
documento seria, e não coisa. Mas aí o interesse prima, pelo maior valor do conteúdo intelectual no plano das
provas. Os casos de títulos ao portador foram largamente estudados por nós no livro sobre êsses documentos.
Outrossim, os títulos cambiários e os testamentos, que podem ser feitos em ardósia, madeira, tela, barro, ouro,

(continuação)
prata, etc. O art. 219 é de dúplice incidência. Também o é o art. 220, inclusive o parágrafo, assaz importante,
quanto ao procedimento de que falamos à nota 5) ao art. 220. Aliás, o art. 676 nenhuma distinção conhece entre o
documento e a coisa, e “coisa”, no art. 675, III, é coisa e documento. O artigo 221 é de aplicação dúplice.

§ 5.562. Exibição de coisa, livro ou documento

1.PRETENSÃO Á EXIBIÇÃO E AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO.


(a) Antes de tratarmos da ação do art. 676, V, advirtamos em que a pretensão à exibição, ou é pretensão ligada à
pretensão de direito real ou de posse (direito à coisa, ou exercício de direito à coisa ou direito à posse), ou é
pretensão à exibição sem direito à coisa ou á posse da coisa. No segundo caso, a pretensão pode ser somente à
asseguração da prova, o que a lei tem em vista, no art. 677.
Exibir, dizia AGOSTINHO DE BEM FERREIRA (Suma da Instituta, IV, 85), é “apresentar de modo que se possa
atingir”. Quando os autos estão alhures, ou, se a lei permite, a sentença absolutória foi desentranhada dos autos,
ou, ainda, se peça dêles está com a parte, ou com outrem, o interessado em agir, em embargos de terceiro, ou não,
tem sempre pretensão à exibição (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO, Decision ‘is, 300). A pena é ficar
“enervada” a sentença (“manere enervata”) quer dizer: de perder a eficácia o julgado. O preceito, nesse caso, corta
a projeção da eficácia da sentença, segundo a distinção entre existência, validade e eficácia, que é essencial. A
lição, concorde com os princípios da processualística moderna, vem em ANTÔNIO MENDES AROUCA, em
MELCHIOR FEBO. em MANUEL ÁLVARES PÊGAS, e reproduziu-se em AGOSTINHO DE BEM FERREIRA
(Suma da Instituta, IV, 85): “O vencido na sentença, extraída do processo, pode pedir exibição para embargos,
pena de ficar enervada”.

A construção jurídica é a de ação de preceito cominatório com eficácia constitutiva negativa (elidente da eficácia
da sentença), o que GABRIEL PEREIRA DE CASTRO notou (“... Potest pars cogi ut edat sententiam, alias
maneat sine effectu”).

2.EXIBIÇÃO INCIDENTAL E EXIBIÇÃO PREVENTIVA. O art.676, V, nada tem com a a) exibição incidental,
pendente a lide, dos arts. 216-222, a que, aliás, faz referência o artigo 676, V. Aqui b) o processo é preventivo,
“acessório” (Livro V), porém dentro do processo principal. A ação de exibição, de que tratam os arts. 675, 1, II, ou
III, e 676, V, do Código de Processo Civil, pode ser proposta antes de se despachar a petição da ação, a que se
refere, observado o art. 677, ou na própria petição da ação (art. 683), ou durante a lide. A exibição tende, aí, à
prova. Se é para responder se algo existe, ou não existe, ou se algo vale, ou se algo é eficaz, ou não é eficaz,
depende do alegado pelo autor. Se a ação é declaratória, ou assenta em questão prévia declaratória, a cuja solução
se destina a exibição, a prova é sobre existência ou não existência; se se destina à prova de enunciado sobre
validade, a exibição serve a responder se vale, ou não, o ato jurídico; se se destina à prova de enunciado sobre
eficácia, a exibição é tendente a assentar se é eficaz, ou não, o ato jurídico. Se, por exemplo, a questão é ter sido
lavrada, ou não, ata de assembléia de pessoa jurídica, a questão prévia é, necessariamente , declarativa. Não há
eleições sem a forma necessária, que é a ata. Muito diferente seria se se tratasse de questão sobre ata existente e
não válida. A questão prévia seria constitutiva negativa. Tudo que se passa numa assembléia geral e não se
inscreveu em ata,, porque ata não se fêz, não ocorreu. A acefalia, se os estatutos não prevêem a continuação da
diretoria ou não deram outra solução; é evidente. Terceira espécie c) é a ação exibitória principaliter, em que o
autor deduz em juízo a sua pretensão de direito material à exibição, sem aludir a processo anterior, presente ou
futuro, que a ação de exibição suponha, com que contacte, ou que preveja. Essa é ação condenatória ou de preceito
cominatório (art. 302, XII), ou mesmo executiva, conforme os casos.
A 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 19 de outubro de 1948 (R. dos T., 177, 784), entendeu
que o art. 676, V, somente se refere a exibição, e não a exame de livros. O êrro é gritante. A exibição é para se
constituir prova e o próprio ad. 676, V, remete aos arts. 216-222.
A exibicão de coisa móvel, para o que pede verificar se ésua a coisa, não produz prova, nem entrega da coisa: é
asseguração da pretensão a conhecer os dados de uma ação antes de propô-la. Metê-la na classe das exibições que
correspondem à pretensão à asseguração da prova não é, certo, contra a natureza das coisas; pois que a prova se
destina ao convencimento do juiz e o autor está promovendo a formação de elementos que possam levá-lo ao
cumprimento do seu ônus de afirmar e de provar.
Diga-se o mesmo quanto à ação de exibição de imóvel (e. g., confundido com outro), que MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA (Ações Sumárias, 1, 31), apontou.
Sempre que há o plus, a que aludimos, há assimilação da ação de exibição com a ação a que ela serve, e as duas

(continuação)
pretensões são tratadas juntamente (MANUEL ÁLVARES PÊGAS, Resolutiones Forenses, III, 110, com base na
Glosa). Mas, ao contrário do antigo direito (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumárias, 1, 33), que
estabelecia um só processo (o da ação principal), o Código de Processo Civil obriga a dois processos (ad. 686),
devendo-se entender que a exibição pedida cumulativamente com a ação principal, isto é, na mesma petição, é
exibição “na pendência da lide”.
A pretensão a que se exiba, ou se funda em direito à coisa ou documento, ou existe por si mesma, como pretensão
específica do direito à exibição. O interesse em que se exiba aparece em todos os casos como suficiente à
exigência. A definição de exhibere, que vem de ULPIANO, na L. 3, § 8, D., de homine libero exhibendo, 43, 29,
aludida ao se produzir em público, in publicum producere, ao desvendar, extra secretum habere; e a outra, a de
edere (L. 1, D., de edendo, 2, 13), ao se apresentar o documento para ser copiado. Não se desce, hoje, à diferença
entre exhibere e o edeire; mas continua de existir na extensão do aproveitamento. O interesse, em que se
baseia a exibição, não é mais, além disso, só o pecuniário (art. 2.0). O interesse moral pode bastar.
Às vêzes, a exibição está intimamente ligada à pretensão de direito material, a que serve, e a cumulação, por isso
mesmo, se impõe. Assim acontece com a pretensão do legatário a que se mostrem as coisas deixadas pelo testador,
para que escolha a que mais lhe agrada (Código Civil, art. 1.699), inseparável da ação de legado. Outras vezes é
preparatória, tal como observa MELO FREIRE (Institutiones, IV, 64: “Ad exhibendum agimus non solum in rei
vindicatione, cuius actio preparatoría est, sed quoties petitoris peculiariter interest rem exhiberi”). Exemplo: perdi
o meu anel, soube que o antiquário comprou o anel que parece ser meu; peço a exibição para poder saber se isso é
certo, e reivindicá-lo. A exibição também pode ser fundada na pretensão à segurança da prova.

3.ExIBIÇÃO PARCIAL E EXIBIÇÃO TOTAL. O direito distingue, a respeito da exibição, a integral ou total e a
parcial, de que se têm no Código Comercial, arts. 18 e 19, dois exemplos conhecidos. Tratando-se de livros
comerciais, assiste pretensão àquela: aos sucessores a titulo universal do dono dos livros; ao cônjuge e ao decujo e
outros comuneiros; ao cônjuge sobrevivente dos sucessores; aos sócios; aos interessados, nos casos de mandato,
gestão de negócios, etc.; ao representantes da massa e ac órgão do Ministério Público. O Código Comercial, art.
19, limitou a exibição parcial à pendência da lide; mas êsse texto está obsoletto, devendo entender-se, hoje eni
dia, que a exibição pode ser in praeparatorio iudicio. Os livros dos corretores, e mais pessoas que tratam negócios
alheios, pôsto que de terceiros, estão sujeitos à exibição (pretensão à exibição de coisa alheia, para prova).
A regra jurídica do art. 18 do Código Comercial é regra jurídica sobre a pretensão à exibição. Não se cogitou do
momento em que pode ser exercida, nem se principaliter ou preparatória ou, pendente a lide, inclusa ou
acessoriamente . Regra, portanto, de direito material. Por isso mesmo, foi demasiado generalizante a decisão da
1•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, a 11 de novembro de 1952 (Paraná J., 57, 106), que admitiu o
agravo de instrumento (artigo 842, III),, para todos os casos de despacho que defere o pedido de medida prevista
no art. 18 do Código Comercial. Diz o art. 18: “A exibição judicial dos livros de escrituração comercial por
inteiro, ou de balanços gerais de qualquer casa de comércio, só pode ser ordenada a favor dos interessados em
questões de sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão mercantil por conta própria e em caso de
quebra”. Além dessas espécies, que definem legitimados ativos, há a exibição de acordo com o ad. 19 do Código
Comercial, que somente se entendia na pendência da lide e, hoje, devido aos arts. 675 e 676, V, sem essa
limitação.
Diz o art. 19 do Código Comercial: “Todavia, o juiz oU tribunal do comércio, que conhecer de uma causa, poderá,
a requerimento da parte, ou mesmo ex officio, ordenar, na pendência da lide, que os livros de qualquer ou de
ambos os litigantes sejam examinados na presença do comerciante a quem pertencerem e debaixo de suas vistas,
ou da pessoa por êle nomeada, para dêles se averiguar e extrair o tocante à questão”. Ainda a 6a Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a 24 de novembro de 1950 (R. dos T., 190, 936), interpretou o art. 20 do Código
Comercial como se nada houvesse significado a posterior regulação dos arts. 675 e 676, V, do Código de Processo
Civil, que se refere, no art. 676, V, a exibição de livro. Sem razão, a 2~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, a 20 de agôsto de 1947 (J., 29, 618), entendeu que os arts. 675 e 676, V, deixaram intacto o
texto do Código Comercial.
A 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de março de 1950 (R. dos T., 185, 854), negou caráter
preventivo à ação de exibição. O êrro é evidente. há ação de exibição acessória preparatória ou pendente a lide, e
ação de exibição sem qualquer relação de acessoriedade. Ainda em matéria de livros comerciais, o art. 20 do
Código Comercial é de interpretar-se como derrogado, hoje, pelo Código de Processo Civil, arts. 675 e 676, V.
Em todos os casos, a exibição, como medida preventiva, tem de obedecer ao ad. 675.
A pretensão à exibição pode resultar de convenção, expressa ou tácita. Invito non datur beneficium. A Fazenda

(continuação)
Pública tem pretensão fundada no seu direito a fiscalizar a tributação, nos têrmos das leis fiscais. Os particulares
tem-na quanto a livros e documentos do Estado, salvo em matéria de sigilo da administração, segundo os
princípios de direito constitucional (Supremo Tribunal Federal, 26 de outubro de 1907,OD., 105, 461; 21 de maio
de 1913, R. de D., 29, 309; contra,20 de abril de 1897, O D., 92, 593). A pretensão do Estado é irrenunciável.
Além dos casos de que se cogitou sob os arts. 216-222, convém enumerar os seguintes: a) o herdeiro, o cônjuge e
o legatário, desde que satisfaçam o art. 2.0, podem exercer a sua pretensão à exibição contra o inventariante, o
testamenteiro, o depositário, o cabeça do casal, o administrador; b) o dono dos bens administrados tem-na, em
geral, contra os administradores; e) o devedor contra o credor; d) o credor que obteve arresto, seqUestro ou
penhora, quanto aos títulos e certidões e mais documentos relativos aos bens arrestados, seqüestrados ou
penhorados (SILVESTRE GOMES DE MORAIs, Trattatus de Executionibus, VI, 286; antes, MANUEL
MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, 1, 99, que também se refere à pretensão a que o penhorado dê
testemunhas, se não tem documentos; depois: MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Coinmentaria, III, 251;
FELICIANO DA CUNHA FRANÇA, Additiones aureaeque Illustration es, 1, 203; ALEXANDRE CAETANO
GOMES, Manual Prático, ed. de 1854, 91; MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Tratado sobre as E ecuçõcs, 85
s.; B. T. DE MORAIS LEITE VELHO, Monografia das Execuções de Sentença, art. 50). A menção é
exemplificativa.
Tem ação de exibição contra o interveniente que paga e, pois, há de ter consigo o título cambiário ou
cambiariforme, o obrigado, cuja firma foi honrada, ou outro interessado (6.~ Câmara Cível da Côrte de Apelação
do Distrito Federal, 13 de fevereiro de 1936, R. F., 67, 109 s.).
Exibido em juízo o livro ou o documento, com ou sem perícia, e deixada cópia nos autos, de acordo com os
princípios concernentes a cada espécie de livro ou documento, a prova que a cópia faça, ou a certidão dela, não
exime de segunda exibição, se algum interesse sobrevém, como o de se argUir a falsidade. Em todo o caso, essa
argüição tem já contra si o não se haver feito oportunamente, isto é, ao tempo da primeira exibição.
Tem pretensão à exibição dos títulos e prova o que arremata ou obtém adjudicação dos bens (MANUEL
ÁLVARES PÊGAS, Resolutiones Forenses, III, 121), assim como o próprio executado, que fica com os bens (e.
g., remição), se antes ficou privado dos documentos.

4.ALEGAÇÕES DO RÉU. O réu, na ação de exibição, pode alegar: a) carência de pretensão do autor a que se lhe
exiba a coisa ou documento; b) que, sem culpa, deixou de possuir o objeto exibível; e) que nunca o possuiu. A
carência de pretensão abrange a falta de interesse do autor, a que se referia CORREIA TELES (Doutrina das
Ações, 243), o ter havido superveniente transação, prescrição da pretensão ou coisa julgada material (MELÕ
FREIRE, Institutiones, IV, 65). Discutia-se se o réu podia alegar não possuir em seu nome, e sim no de outrem
(MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumárias, 1, 39). Hoje, teríamos de atender ao art. 99, mas o prazo
de cinco dias choca-se com o do art. 685; de modo que prevalece o dever de exibir.
O Código de Processo Civil exige que a petição contenha indicação do “objeto da lide principal” e das “razões que
a determinam” (art. 684, IV). Assim, está obsoleta a jurisprudência que dizia não ser o autor obrigado a declarar
previamente qual a ação que ia propor contra o réu (O .D., 46, 19, 376-380; 51, 234). Aliter, se a exibição é
principal.
Os títulos apresentados podem ser juntos ao processo, ou ficar depositados em cartório para serem entregues a
quem de direito (arrematante, adjudicatário, comprador, executado que obteve remição).

Título LVIII

LIQUIDAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

LIQUiDAÇÃO EM GERAL

§ 5.563. Conceito e natureza da liquidação

1. CERTEZA E LIQUIDEZ. Quando se sabe ao certo qual o direito, ou a divida, ou a pretensão, diz-se que o
direito é certo, ou que a divida é certa, ou que a pretensão é certa. Pode-se ter certeza sobre o direito, ou sobre a
dívida, ou a pretensão, e não ser líquido o direito, a dívida, ou a pretensão. O direito certo e líquido, a dívida certa
e líquida e a pretensão certa e líquida supõem que a respeito da sua existência haja certeza e a respeito do que se
há de atribuir, ou prestar, ou exigir, haja liquidez, isto é, se saiba qual o objeto, a qualidade e o quanto. Quando se

(continuação)
afirma que o direito é certo e liquido necessariamente se declaram a existência e a liquidez. O direito certo, mas a
que não corresponde objeto líquido, pode ser declarado, porém a declaração não se estender à liquidez. É preciso
que se liquide o que cabe ou há de caber ao titular do direito, ou que há de prestar o devedor, para que se possa
chegar à liquidez e se declare o objeto. O processo para que se obtenham todos os dados necessários éa
liquidação.
A liquidação pode ser feita pelos interessados, ou pelos juizes. O Estado, com o monopólio da justiça, conferiu aos
titulares de direito e aos devedores a pretensão à tutela jurídica e a pretensão processual de liquidação. Daí a ação
de liquidação, autônoma ou fase inicial da ação executiva.
O ilícito pode ser sem dano, como pode haver dano, e até responsabilidade por êle, sem haver ilicitude. É,
consoante já
frisamos, o caso de quem tem de indenizar apesar de ter agido em legítima defesa, ou em estado de necessidade.

2.TERMINOLOGIA DEFEITUOSA E TERMINOLO(~IA EXATA. Fala-se, a cada momento, de dívida líquida e


certa, ou de obrigação líquida e certa; mas a ordem dos adjetivos é incorreta, porque a dívida líquida, ou obrigação
líquida é a decida certa, ou a obrigação certa, “determinada quanto ao seu objeto”. Há dívidas certas ou obrigações
certas que são ilíquidas, e não há dívida5 líquidas ou obrigações líquidas que sejam incertas (cf. Tomo XXVI, §
3.111, 6). Diz o Código Civil, artigo 1.533: “Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e
determinada, quanto ao seu objeto”.

3.“QUAESTIONES FACTI” E “QUAESTIONES IURIS”. E érro reduzir-se todo o problema da liquidação dos
danos a quaestio facti, como se não se tivesse de invocar regra jurídica, a que e ali, para se obter o líquido
reparativo. Está em A. AL~1A-TUS que os jurisconsultos diziam que o que interessa está nos fatos, não no direito
(id quod interest non in iure, sed ín facto consistere). Sempre foi assunto de pesquisas e de lutas, mesmo nos povos
mais antigos, o problema da liquidação dos danos, principalmente dos danos oriundos de fatos ilícitos absolutos.
Os critérios foram muitos e a cada momento se percebia que se estava a deixar ao juiz larga margem para a
fixação, tanto mais quanto vinham à tona casos de conversão pela imprestabílidade reparacional em natura. Ainda
no tocante aos danos patrimoniais, teve-se de procurar princípio de eqUidade e preestabelecer critério para se
separar das questões de direito o que concernia a questões de fato. A cada instante, apareciam as dificuldades na
determinação de volumes, pesos, composição química, finalidade e valôres artísticos. Aqui, prevalecia o preço do
mercado; ali, o preço que custou, por faltar o preço do mercado; acolá, o cômputo de renda, ou o simples valor
estimativo pela antiquidade, ou pelo engrandecimento de quem pintou o quadro, ou esculpiu a estátua, ou lançou
dedicatória no exemplar do livro. Os próprios peritos mostramse, freqUentemente, em plena discordância.
Através da doutrina, chegou-se à convicção de que se havia de partir do fato ilícito absoluto, e de passar, depois,
à determinação do dano ocorrido. Somente após isso seria praticável a avaliação dos danos e admissível dizer-se
qual o modo de ressarcimento. No apontamento dos danos, têm de aparecer o quantuan mihi abest e o quantum
íucrari p0tui, de que falou PAULO (L. 13, D., ratam rem h,aberi et de ratihabitione, 46, 8).
No direito brasileiro, abstraiu-se, em regra, da distinção entre culpa e dolo, para o cálculo dos valôres, o que muito
simplificou a tarefa computística. Muito se insistiu, no correr dos tempos, em se atender à possibilidade e à
impossibilidade dos danos. Ora, essa indagação sutil e difícil deixara àmercê do juiz a verificação, mas, em
verdade, punha de lado o elemento subjetivo: quem tem alto nível cultural ou técnico pode prever mais e melhor;
de jeito que previsibilidade pela pessoa de baixo nível seria menor, e não se poderia atribuir a dolo a imprecisão.

4.ASSUNÇÃO DE RISCOS. A assunção de riscos pode suscitar dificuldades quanto à indenização, porque há
riscos que os assumentes raramente ou nunca admitem que se lhes transfiram. Quem fica responsável pelos danos
que se façam a automóvel, inclusive roubo, não se vinculou a responder pelos danos da explosão, devido a defeito
do consêrto que se fizera, noutro lugar, sem culpa do guardador. Os proprietários de cavalos de corridas não são
responsáveis por todos os acidentes que resultem do páreo (cf. ANDRÉ BESSON, La Notion de Garde dans la
responsabilité du fait des choses, 159 5.). Por outro lado, não se pode descurar da verificação da guarda, que pode
ser de origem jurídica, ou somente fáctica (cf. BOIsSIÊRE, De la Respo’nsabilité du fait des choses ~nammées
que l’on a SOW~ sa garde, 319).
Um dos elementos principais, com que opera a técnica legislativa, para apontar quem sofre os danos, é a situação
de alguém como possuidor ou tenedor. Um dos principais, porque a do proprietário também o e.
Quando se põe o problema da atribuição dos riscos por haver proprietário, possuidor ou tenedor, ou proprietário e
tenedor, ou possuidor e tenedor, tem-se de examinar a espécie, para que seja justa., acertada, a solução. Se há
culpa, ou algum princípio já assentou a presunção de culpa, não há dificuldade e, por vêzes, não se levanta

(continuação)
problema nôvo. É o que ocorre com os possuidores que receberam do proprietário a posse, ou a composse. Ou
com os possuidores imediatos em relação aos possuidores mediatos (e. g., sublocatários e locatários). O caso do
empreiteiro, que fornece materiais, tal como se lhe estabelece a assunção de riscos, é um dêles, e teve a técnica
jurídica de cogitar de efeitos negociais e, até, dos riscos em partes iguais, se houve mora do recebedor (cf. Código
Cívil~ art. 1.238). Cf. Tomos II, § 233, 7; III, § 292, 2; XXXVIII, § 4.257, 3; XLIV, §§ 4.845, 3; 4.847, 2 ; Código
Civil francês, art. 1.238; Código Civil alemão, §§ 651 e 644.
Teve-se de pôr o problema com abstração de qualquer culpa dos figurantes do contrato, ou de um dêles. A
princípio, no direito comum, discutiu-se a questão dos riscos (cf. VICTOR EHRENBERG, Kauf und Werkvertrag,
Jahrbitcher Ijir die Dogmatik, 27, 277; OTO MÚNKEL, Das RechtsverhjUtnis aus § 651 des BGB., 38).
Os danos que os materiais sofrem, ou causam, dão ensejo à responsabilidade do empreiteiro; somente no tocante a
danos sofridos após a mora é que há a responsabilidade em partes iguais. Se o contrato é um só, mas as
construções são duas ou mais e duas ou mais as pessoas a que vão pertencer as obras, só se verifica para quem iria
os materiais ou foram se há pagamentos por elas, separadamente, com ligação a cada obra.
possibilitado. Todavia, há regras jurídicas comuns ao direito negocial e ao direito por fato ilícito absoluto.

2.IMPOSSIBILIDADE DE ADIMPLIR NA ESPÉCIE AJUSTADA.

Lê-se no art. 1.534 do Código Civil: “Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-
se- apelo seu valor, em moeda corrente, no lugar onde se execute a obrigação”. Cf. Código de Processo Civil, art.
994, § 2.0; também, nesta obra, Tomos XXVI, §§ 3.107, 5; 3.111, 7; XXXII, § 3.699, 1; XLII, § 4.663, 5.

§ 5.564. Impossibilidade absoluta e impossibilidade relativa de adimplir

1.FIXAçÃO DO VALOR E LIQUIDAÇÃO. Diz o art. 1.535 do Código Civil: “À execução judicial das
obrigações de fazer, ou não fazer, e, em geral, à indenização de perdas e danos precederá a liquidação do valor
respectivo, tôda vez que o não fixe a lei, ou a convenção das partes”. Cf. Código de Processo Civil, art. 906. Sobre
o assunto, Tomos XXII, § 2.700, 2; XXVI, § 3.111, 6; XLII, § 4.663, 5.
O art. 1.535 contém regra jurídica geral e, no que se refere a obrigações negociais, prevê a convenção, ou a
cláusula negocial que haja fixado o quanto. No que toca às dívidas por fato ilícito absoluto, a lei pode estabelecer
o quanto e, excepcionalmente, convenção negocíal , anterior ao dano.

2.PRESTAÇÃO NÃO CUMPRIDA . Diz o Código Civil, artigo 1.536: “Para liquidar a importância de uma
prestação não cumprida, que tenha valor oficial no lugar da execução, tomar-se-á o meio têrmo do preço, ou da
taxa, entre a data do vencimento e a do pagamento, aditando-se-lhe os juros da mora”. Cf. Tomos XXIV, §§ 2.888,
4; 2.895, 1; 2.899, 1, 4; XXVI~ §§ 3.107, 5; 3.111, 2, 7.
No Código Civil, art. 1.536, § 1.~’, estatui-se: “Nos demais casos, far-se-á a liquidação por arbitramento”. Cf.
Tomo XXVI, § 3.111, 2.

3.JUROS DA MORA E PRESTAÇÕES ILÍQUIDAS. Lê-se no Código Civil, art. 1.536, § 2.0: “Contam-se os
juros da mora,nas obrigações ilíquidas, desde a citação inicial”. Sobre o assunto, cf. Tomos XXIV, §§ 2.888, 4, 9;
2.899, 1, 4; XXVI, § 3.211, 2; XLII, § 4.587, 5. No sentido da interpretação que demos, além dos acórdãos
referidos alhures, a 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 23 de setembro de 1953 e a 26 de abril de 1954 (A.
J., 111, 112, 261, 341), a 2.~ Turma, de 27 de janeiro de 1950 (D. da J. de 21 de fevereiro de 1952), a 3.~ Câmara
Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 11 de setembro de 1942 (R. F., 94, 67), a 2.~ Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Paraná, a 31 de março de 1955 (Paraná J., 61, 1111). Sem razão, quanto aos fatos
ilícitos, a 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de abril de 1952, com o voto vencido, certo,
do Desembargador TÁCI¶ro M. DE GÕES NOBRE. Sobre o art. 962 do Código Civil, cf. o que dissemos nos
Tomos XIX, § 2.335, 5; XXII, §§ 2.700, 2; 2.717, 4; 2.722, 2; XXIII, §§ 2.798, 1; 2.799, 1, 2; 2.800, 2; 2.802, 1,
2; 2.804, 1; 2.809, 13, 14, 18; XXIV, §§ 2.888,3, 4, 7, 9; 2.892, 1; 2.899, 1; 2.937, 3; XXVI, § 3.115, 3; XXVIII §
3.333, 2.
O art. 1.536, § 2.0, de modo nenhum incide em se tratando de dívida por fatos ilícitos absolutos. O art. 1.544 éque
estatui a respeito.
Se o lesante não tem meios para adimplir e a espécie não e de crime, pode o juiz estabelecer o pagamento parcial
imediato e a soma que futuramente há de ser paga.

(continuação)
O dano não-patrimonial pode resultar de ofensa a bem material, digamos patrimonial (e. g., B jogou pedras nas
vidraças da casa de A, escultor, e quebrou a estátua em que há meses trabalhava, e A, com isso, sofreu choque, que
o levou a internação em hospital), O dano patrimonial pode resultar de ofensa à pessoa ou à sua honra (e. g., com a
ameaça de B, que entrara na casa de revólver em punho, A correra e derrubou o aparelho de televisão ou outro
bem; a calúnia e o abalo do crédito). Os dias que A passa sem poder ir ao trabalho por ter sido vítima de calúnia é
tempo de duração de dano patrimonial Çf• ROGER NERSON (Les Droits extrapatrimoniaux, 5). Se o dano é não-
patrimonial e resultou de fato ilícito absoluto que atingiu o patrimônio, a ofensa foi patrimonial e um dos efeitos
foi o dano não-patrimonial. Se o dano
foi patrimonial e a causa foi ofensa à pessoa, há o dano patrimonial e o dano não-patrimonial. A reparação em
natural,~ se é possível, quanto ao dano não-patrimonial, exige meios que o componham (e. g., o tratamento do
ofendido). Se não no é, só existe o caminho do ressarcimento em dinheiro, ou de outro meio que seja
aproximadamente satisfatório (cf. Supremo Tribunal Federal, 28 de agôsto de 1919, R. de D.,. 61, 90). Por
exemplo: o capital que dê pensão suficiente para internação cio lesado, ou a internação na casa de saúde, ~ custa
do lesante.
Se o lesado nada sofreu no seu patrimônio, mas lhe ficaram as cicatrizes deformantes do ferimento recebido, a
reparação pecuniária faz as vêzes da recuperação (cf. Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 19 de outubro de
1942, J. do T. de A., 13, 249). Se a lei não disse como se hão de ressarcir tais danos, incide o art. 1.553 do Código
Civil, que abrange tôdas as espécies e todos os casos escapos à lei. Não importa que não haja a equivalência entre
o dano e o que se presta em ressarcimento; o que importa é que haja a satisfação.

§ 5.566. Liquidação amigável

1.CONCEITO. Liquidação amigável é a liquidação a que se procede sem propositura de ação ou em ação ligada à
execução de sentença. Se há elemento novativo, remissivo ou outro qualquer, é acidental e não retira a
amigabilidade da liquidação.

2.LIQUIDAÇÃO AMIGAVEL E SEUS PRESSUPOSTOS. Para que alguém possa oferecer ou aceitar oferta de
liquidação amigável, é preciso que seja titular do direito ou o devedor e tenha capacidade para o negócio jurídico
ou para o exercício da pretensão à reparação dos danos por fato ilícito absoluto. Se há incapacidade, há de haver a
representação ou a assistência do titular do pátrio poder, do tutor ou do curador.

§ 5.567. Liquidação por ação

1.CONCEITO. Se há iliquidez e ainda não adveio sentença condenatória, pode ser proposta a ação de liquidação
da dívida certa.
A ação de liquidação de modo nenhum se confunde com a fase da ação executiva, que se chama liquidação de
sentença. Não há sentença. Propõe-se a ação para que se faça líquido o que líquido ainda não é.

2.PROCEDIMENTO DA AÇÃO DE LIQUIDAÇÃO. A ação de liquidação é ação ordinária. A liquidação de


sociedade tem procedimento especial (Código de Processo Civil, arts. 655--674). A liquidação quando encerrado o
inventário, ou em arrolamento, também o tem (arts. 499 e 500; e art. 521).

§ 5.568. Liquidação de sentença

1.CONCEITO. Liquidação da sentença é o processo pelo qual se torna liquido o objeto ilíquido da condenação.
Pergunta-se se é ato, ou mero incidente, ou processo incidente, ou preparatório da execução. A estrutura, que lhe
dá o Código de Processo Civil (art. 197), é a de processo incidente dentro do processo de execução. A despeito da
sentença de liquidação, com que termina, não poderia ser tratado como os processos incidentes acessórios (art.
675-781), nem mesmo~ como os acessórios preparatórios, que são anteriores à citação para a causa. A citação para
a liquidação já é excepcionalmente citação para tôda a execução (arts. 907 e 918).
Sempre que é preciso haver a liquidação, a sua falta causa a nulidade dos atos que se lhe seguem. A respeito, cf. o
Código de Processo Civil, art. 889, §§ 1.0 e 2.0. Não se confunde com a liquidação, parte integrativa da ação de
execução da sentença, a ação do Código de Processo Civil, art. 917, parágrafo único , que é ação autônoma , e
termina pela sentença de liquidação (sem ser anormalmente, como se dá no caso do art. 915).
Na permissão de apropriar-se, como na promessa de frutos, promissio fructuum, subentende-se “se nascerem” (cf.

(continuação)
SILVESTRE GOMES DE MORAIS, Tractatus de Executionibus, II, 57: ..... ut procedat tam in condicione
expressa quam in subintellecta, ut in exemplo promissionis dotis, in qua a iure, et mente partium tacit>e
subintelligitur condicio, si matrimonium sequatur, et antea agi non potest, quam constet condicionem esse
purificatam”). Daí poder a sentença ser sobre os que nascerem (1, 291, 292 e 294; Ordenações Filipinas, Livro III,
Título 66, § 2: “E se der sentença incerta, não valerá, salvo se a dita sentença incerta pudesse ser certificada pelos
autos do processo, ou se pudesse liquidar na execução dela, assim como os frutos e interesses caie que acima
falamos, quando pela prova dada aos artigos não puder bastantemente confiar da quantidade dos ditos frutos., ou
interesses, para sôbre êles pronunciar sentença certa”).

2. FALTA DE LIQUIDAÇÃO. A falta de liquidação, se a dívida executada não é líquida (Código de Processo
Civil, arts. 906-917), importa nulidade da penhora, no que corresponde ao ilíquido. Resta saber se tal nulidade,
não-cominada, pode ser regida pelo art. 273. A resposta foi negativa quanto à convalidação (a respeito, usa do
têrmo MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Processo Executivo, 157), e deu-a o Desembargo do Pôrto, a 26 de
maio de 1682, mas, se lemos a sentença, a tença do juiz relator e a do vogal (MANUEL ÁLVARES PÉGAS,
Resolutiones Forenses, VII, 290-295), notamos que havia, ~e não impossibilidade, pelo menos dificuldade de se
sanar a nulidade, ou suprir a falta de liquidação (“quasi impossibile sane erit in praesentiarum executionem
approbare quoad debitum in sententiis compraehensum, eam nanque dispicere quoad aliam partem, quae frumenti
respicit summan ac aestimationem, ut exactis convincitur dilucide”). Havia discussões no fôro, ainda ao tempo de
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, e procurol êle conciliar as correntes, a tese de HoNTALBO e de PÓSTIO e
a antítese, que é de supor-se portuguêsa. Enquanto a tese excluia a convalidação da arrematação ou adjudicação
pela liquidação posterior (addictio in suhhastatione facta, non convalidatur liquidatione superveniente), MANUEL
DE ALMEIDA E SOUSA permitia a liquidação “no progresso da execução”, antes da arrematação ou ato de igual
porte; ainda se o executado embargou, porque se pode suprir ou sanar. Mas, se a arrematação se fêz sem aquela, “é
tudo nulo”, dizia êle. Conciliação, essa, bem escassa.
Ora, aos embargos de nulidade da penhora normalmente já precluiu o prazo, e a nulidade foi na penhora de que se
intimou o executado (Código de Processo Civil, art. 948). Preclusão, apenas. Não ode ela desfazer a iliquidade .
Tem-se de suprir a falta de penhora, pela liquidação. Não há razão para se atacar a arrematação, salvo se, por ser
novo o fundamento dos embargos de nulidade da penhora, e. g., ação rescisória superveniente, que torne ilíquido
o crédito, ou parte dêle, ainda podem ser opostos. Na relação jurídica processual entre o exequente e o executado é
que a entrega do valor está elevada pela iliquidade, e cumpre proceder-se à liquidacão. Cf. Código de Processo
Civil, arts. 277, III e 275.

.3.EXECUÇÃO EM CASO DE ILIQUIDADE Lê-se no Código de Processo Civil, art. 906: “A execução terá
início pela liquidação, quando a sentença exeqüenda não fixar o valor da condenação ou não lhe individuar o
objeto”. GABRIEL PEREIRA DE CASTRO (Deúisioneg, 163) dizia que a liquidação é parte e preâmbulo da
execução; faltando ela, quando há ilíquido na sentença, nula é a execução (MIGUEL DE REINOSO,
Observationes Practicae, 69; também, MANUEL MENDES DE CASTRO Practica Lusitana, II, 174; MANUEL
ÁLVARES PÊGAS, Resolutiones Forenses, 1, 349). Mas a liquidação, sendo preâmbulo, não se segue que seja
parte, no sentido de ser, a priori, uma e só a relação jurídica processual, desde a liquidação até o final d~
execução: o Código de Processo Civil, art. 906, diz que “a execução terá início pela liquidação” e o art. 917
acrescenta que a execução prossegue, “independentemente de nova citação pessoal”, o que leva a crer-se que, a
pos teriori, o Código a concebeu como pars et praeambulum executionis, segundo as expressões de GABRIEL
PEREIRA DE CASTRO; todavia, certo é, também, que a sentença de liquidação (art. 917) é apelável, o que lhe
tira todo o caráter de interlocutória. Duas ações, fundadas em duas pretensões diferentes, uma a liquidar e outra a
executar, dois processos metidos num só, o que explica a diferença de tratamento da liquidação pelas duas
proposições do art. 917 (a execução independe de nova citação pessoal; é sentença a decisão judicial da
liquidação). Duas ações, portanto; e um só veículo processual, com separação no tempo.
A pretensão a liquidar é pretensão constitutiva, e não declarativa, elemento que se encontra mesclado ao de
execução, nas ações e sentenças de partilha, permitindo a fôrça executiva (art. 510, sic) do formal ou da certidão
da sentença de partilha (art. 509 e parágrafo único), em vez do efeito executivo.
Foi a ligação da liquidação à sentença cuja quantidade se liquida e, por outro lado, à execução, como simples
momento constitutivo transicional entre a sentença e a execução, que fêz MANUEL ANTÕNIo MONTEIRO
(Tratado Prático, 10) escrever, no século XVIII: “Dissemos que a liquidação era parte da execução,.., e e sem
dúvida ser também da sentença que se liquida”. Quer dizer: a constituIção do líquido, que devera achar-se na
sentença, ficou fora dela e tem, agora.

(continuação)
de preceder à execução. MANUEL ÁLVARES PEGAS, no Opusculum de Maioratus possessorio interdicto, sob o
n. 828, já o vira também.

4.INTEGRAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PROCESSO EXECUTIVO.


O art. 906 do Código de Processo Civil é tautologia: é preciso liquidar-se quando fôr ilíquida a condenação. A
preparatoriedade da liquidação é em relação à tomada, pelo Estado, do poder de dispor da coisa; não faz
preparatório o processo. Já se vai executar, devido a não se ter mais de citar o executando, que, aliás, é intimado
da sentença. Porém ainda não se iniciou a constrição executiva.

5.OPERAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO. Diz o Código de Processo Civil, art. 907: “Sendo ilíquida a sentença
exequenda, a citação terá por objeto a liquidação, que se fará por cálculo do contador, por arbitramento ou por
artigos”. Sendo ilíquida a condenação, a citação é para se liquidar e para o resto da execução (art. 917). Se o art.
917 não existisse e tivesse de ser proferida a sentença de liquidação, nova citação teria de ser feita.
Se o quanto é apurável mediante cálculo pelo contador, não se precisa de liquidação por artigos (Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, 28 de julho de 1942, D. da J. de 24 de setembro, 2628) ; mas precisa-se de
liquidação (Tribunal de Anelação, 3 de março de 1944. D. da J. de 19 de junho, 2528).

6.TRÊS MEIOS DE LIQUIDAÇÃO. O Código de Processo Civil conhece três meios de liquidação: a) por
simples cálculo do contador (art. 908) b) por arbitramento (art. 909)
c)por artigos (art. 914). As citações dos arts. 992 e 998 ou são à parte ou cumuladas.

§ 5.56l~. Liquidação por cálculo do contador

1.CÁLCULO E OPERAÇÃO LIQUIDATÓRIA. Diz o Código de Processo Civil, art. 908: “Serão liquidados por
cálculo do contador: 1. Os juros acrescidos ou rendimentos do capital, cuja taxa fôr conhecida; II. O valor dos
gêneros que tenham cotação em bôlsa, comprovada nos autos por certidão; III. O valor de títulos da dívida
pública, ações ou obrigações de sociedades, quando tenham cotação em bôlsa”. A condenação é liquidada pelo
contador, que a calcula, sempre que depende de cálculo de aritmética. O art. 908 do Código de Processo Civil é
exemplificativo. Há outros casos como o de alugueres ou preços taxados pelo poder público e o de prestação com
a variável de tempo. Se a taxa não é conhecida, procede-se, então, a arbitramento (art. 909). Se os gêneros têm
cotação em bôlsa, ou se têm taxa geral máxima, a certidão da bôlsa, ou da repartição fixadora, basta para que se
mandem os autos ao contador.
Todos os títulos cotáveis em bôlsa são suscetíveis de simples cálculo pelo contador, para se liquidar a condenação.
A certidão da última cotação ou o jornal em que venha oficialmente publicada deve ser junto. A falta não causa
nulidade; supre-se a qualquer tempo. A parte pode exigir a juntada até à sentença da liquidação.

2. ERRO DE CONTA. O êrro de conta dá ensejo ao agravo de instrumento (Código de Processo Civil, art. 842,
X), contado do prazo da ciência da decisão, e não do desatendimento ao requerimento de emenda. Há preclusão
no caso de erro de conta que foi cometido pelo juiz (resolução judicial, qualquer que seja). É verdade que alguns
autores falam em que a coisa julgada não faz incorrigível o êrro aritmético, porque não podia entrar na intenção do
juiz (!). Outros assuntos, e não só êsse, não poderiam entrar na intenção do juiz, e aparecem na sentença. J. J. C.
PEREIRA E SOUSA (Primeiras Linhas, III, 87) era menos radical: “êrro de conta nunca passa em julgado, e pode
alegar-se a todo o tempo; exceto se sôbre êle já houve disputa e sentença”. Eram alegáveis em embargos, seguro o
juízo com o depósito contado (SILVESTRE GoMES DE MORAIS, Tractatu.s de Eaecutionibus, li, 59). O estilo
era não se ouvir a parte, salvo depositando. temos mais isso. Se houve êrro de cálculo e se vai executar a
sentença, tal como se liquidou (sentença de liquidação), contra a sentença de liquidação, que aprovou o cálculo, se
houve êrro, cabe agravo de instrumento. Se surgiu ex novo, é matéria para embargos do executado.

3.SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO. Os cálculos do Código de Processo Civil, art. 908, dependem de sentença de
liquidação. Daí ser possível apelação (sem razão, a 4~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 16
de setembro de 1943, R. dos T., 149, 608). O recurso é o de agravo de instrumento (art. 842, X), se houve êrro de
conta ou de cálculo (2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Paraná, 7 de novembro de 1944, Paraná J., 43,
248). Por isso mesmo, após sentença, intimam-se as partes; mas, para o trânsito em julgado, se não fôr interposto o
recurso, e não para reclamações, como pretendeu a 3•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 18

(continuação)
de abril de 1945 (R. dos T., 157, 147). O juiz somente pode mandar corrigir antes do trânsito em julgado (sem
razão, o Tribunal de Apelação de Sergipe, a 27 de setembro de 1940, J., 197), ou em se tratando de inexatidões
materiais, ou erros de escrita (arg. ao art. 285, que só se refere à sentença, e, fora dêsses casos, aos “erros de
cálculo” da sentença, e não do contrato), ou correção monetária.

§ 5.570. Liquidação por arbitramento

1. PRESSUPOSTOS. Diz o Código de Processo Civil, art. 909: “Far-se-á a liquidação por arbitramento: 1.
Quando as partes expressamente o convencionarem, ou o determinar a sentença; II. Quando, para fixar o valor da
sentença, não houver necessidade de provar fato novo ”. A liquidade obtém-se por arbitram ento quando não cabe
a liquidação por simples cálculo do contador, nem há necessidade de se provar fato nôvo; portanto, quando não é
caso de uma das duas outras espécies. A referência à determinação da sentença vem das Ordenações Filipinas,
Livro III, Título 86, § 2, cuja alusão a juiz da execução constituía quebra-cabeça. “A convenção das partes”, está
em A. J. RIBAS (Consolidação, art. 1.258, § 2.0), e da -nos outro caso. Que convenção é essa? Se a do negócio
jurídico, a sentença de condenação já resolveu o assunto, já o cobriu, e não se tem de aludir a ela. Se é de pensar-
se em convenção depois de aberta a instância de execução, quando, por exemplo, devendo ser feita por artigos, as
partes convencionam que se faça por arbitramento, está claro que a referência é pertinente. Há, então, transação
(MANUEL MENDES DE CASTRO, Practica Lusitana, II, 165); conforme o aresto 40 de MELCHIOR FEBO,
em ato separado. Se o contrato previu liquidação por arbitramento, tal forma está determinada pela sentença (art.
909, 1, in fine).
Se houve circunstância superveniente, que se tenha de levar em conta, segundo a própria sentença, ou por ser da
natureza da sentença, somente por artigos pode ser a liquidação.
Exemplo disso tem-se na condenação a pagar aluguer de determinada casa, ou conta de hospital, se os alugueres
ou preços sobem.
A liquidação por artigos ou se completa com o arbitramento, ou com o cálculo, ou desde logo se determina o
quanto.
As partes podem adotar a liquidação por arbitragem e arbitramento ainda que não seja o caso ordinário. Não
importa o tempo em que se faz o acordo (negócio jurídico bilateral).

2. NECESSIDADE DE PROVAR. Se há necessidade de se provar fato nôvo, a parte da liquidação que disso
depende não pode ser entregue a arbitradores; porque seria deixar-lhes apreciar prova, o que é função do juiz.
“Liquidatio fieri debet per articulos, ubi materia aliter liquidari non potest, et tantum datur contrarietas ad eos; nec
per árbitros fieri potest, ubi per artículos fieri debet” lê-se em MANUEL GONÇALVES DA SILVA
(Commentaria, III, 258). Vê-se que o jurista português distinguira bem os casos em que há comunicações de
conhecimento e, pois, se faz preciso dar oportunidade às afirmações contrárias (art. 209), e os casos em que não é
preciso. Aprendera-o em MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana, II, 164), que fôra excelente:
“liquidatio (pei’ artículos) causae cognitione requirit”.

3. ARBITRADOR. Lê-se no Código de Processo Civil, art. 910: “Nomeado o arbitrador na forma estabelecida
para a nomeação de perito (arts. 129 a 132), feita a diligência e arrazoados os autos pelas partes, com o prazo de
cinco dias para cada um, o juiz proferirá, dentro em igual prazo, a sentença de liquidação”. O arbitrador é o
auxiliar do juízo, ‘espécie de perito, que determina o valor líquido da condenação ilíquida (arts. 129-132, 254 e
256). As partes arrazoam em cinco dias cada uma, porque se trata de fixação que supõe perícia: tôda perícia
contém comunicações de conhecimento, e as comunicações de conhecimento obrigam a que as leis permitam a
contrariedade.

4. LUCROS CESSANTES. Lê-se no Código de Processo Civil, art. 911: “No arbitramento da indenização
proveniente de ato ilícito, os lucros cessantes serão convertidos em prestação de renda ou pensão, mediante
pagamento de capital que, aos juros legais, assegure as prestações devidas” (Decreto -lei n. 4.565, de 11 de agôsto
de 1942, art. 49). O art. 911 tem a sua história. O Código Civil, arts. 1.537-1.539, mandara pagar alimentos a
quem o defunto os devia. A jurisprudência teve de lutar para se uniformizar: queriam uns (a) a entrega de capital,
que produzisse os alimentos; outros, (b) a prestação de pensões periódicas (pensões alimentares) ; outros, ainda,
(c) a entrega de capital, que, no tempo a (vida, ou obrigação de prestar), se exaurisse. Nos diferentes julgados,
percebem-se as diferentes doses de equidade na psique dos juizes, o reflexo mesmo das convicções econômicas.
Não viam os que lutavam pelas soluções (b) e (c), que o capital leva consigo o seu risco, e a solução (c) seria

(continuação)
ilusória, e que a fórmula (b) não dispensaria a caução para assegurar as prestações futuras. Prevaleceu a solução
(a).
Ao texto original, o Decreto-lei n. 4.565 cortou as expressões ..... e levada em conta a duração provável da vida da
vítima”, que somente se havia de referir às pensões vitalícias (obrigação de alimentar até morrer). Como a
obrigação pode ser até à maioridade, foi bom riscá-las.
A 1a Turma do Supremo Tribunal Federal (28 de janeiro de 1943, D. da J. de 21 de outubro, 4137) aplicou, por
analogia, em matéria de dano por culpa contratual, os artigos 911 e 912 do Código de Processo Civil; e insistiu-se
nisso (í•~ Turma, 10 de julho e 3 de agôsto de 1944, A. J., 72, 114 e 189, R. F., 104, 253, e 101, 310; 2•a Turma, 5
de novembro de 1943, R. E., 97, 627, e 4 de outubro de 1944, D. da J. de 24 de outubro, 4901, seguida pela 5~a
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 19 de março, 11 de maio e 8 de junho de 1943, R. F.,
95, 588, e 97, 399, e 15 de março de 1944, A. J., 70, 46 (contra: Câmaras Reunidas , 13 de maio, 15 de junho e 16
de setembro de 1943, A. J., 68, 328, e 69, 435, R. E., 98, 373; 5•~ Câmara Cível, 8 de dezembro de 1942, A. J., 65,
332; 3•~ Câmara Cível, 15 de setembro de 1943, D. da J. de 17 de dezembro; 4•~ Câmara Cível, 21 de maio a 26
de outubro de 1943, A. J., 67, 175, R. F., 99, 431, e 2 de maio de 1944, 101, 318; a favor: 3•a Câmara Cível, 25 de
janeiro de 1944, A. J., 70, 219; Câmaras Cíveis Reunidas, 28 de agôsto de 1948, .1?. E., 124, 147).
Os arts. 911 e 912 do Código de Processo Civil só se re-. ferem às prestações vincendas, e não às vencidas (l.~
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de agôsto de 1943, R. dos T., 146, 214). O art. 911 tanto
se refere a prestações à vítima quanto aos que, sem terem sido vítimas, têm direito a indenização.

5. REVERSÂO DO CAPITAL. O capital inalienável, cessando a obrigação, reverte ao obrigado (Câmaras


Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 30 de outubro de 1942, 1?. dos T., 144, 245). Porém a
indenização de lucros cessantes, em caso de perda de bem, é de capital, e não de lucros cessantes.
Transcorrido o prazo para a prestação de renda ou pensão, o capital reverte ao devedor que se liberou com o
último pagamento (cf. 2~a Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de agôsto de 1948, R. das T., 190, 474).
Se há segurança da execução, pode ser adotado outro modo de solução (e. g., 2.~ Turma do Supremo Tribunal
Federal, 12 de outubro de 1948, R. dos T., 188, 492: “A Fazenda Pública, mesmo quando condenada a satisfazer
indenização proveniente de ato ilícito, paga juros simples, a partir da efetivação da condenação, e os lucros
cessantes por ela devidos se convertem em prestação de renda durante o tempo presumido de vida da vítima e
enquanto seus herdeiros não se tornaram capazes”). Enquanto a vitima deve alimentos, êsses alimentos são parte
da dívida indenizatoria.
Não era razoável referir-se a “incapazes”.

6.PRESTAÇÕES DEVIDAS E TEMPO. Diz o Código de Processo Civil, art. 912: “A indenização referida no
artigo anterior será fixada, sempre que possível, na ação principal, e compreenderá as custas judiciais, os
honorários de advogado, as pensões vencidas e respectivos juros, devendo a sentença determinar a aplicação do
capital em títulos da dívida pública federal para a constituição da renda. Êsse capital será inalienável durante a
vida da vítima, revertendo após o falecimento desta ao patrimônio do obrigado. Se a vítima falecer em
conseqüência do ato ilícito, prestará o responsável alimentos às pessoas a quem ela os devia, levada em conta a
duração provável da vida da vítima. Neste caso, a reversão do capital ao patrimônio do obrigado somente se
efetuará depois de cessada a obrigação de prestar alimentos” (Decreto-lei n. 4.565, de 11 de agôsto de 1942, art.
44). O juiz da condenação deve fixar, sempre que possível, na ação de condenação, dita, aí, “principal”, as
prestações devidas e o tempo. Sempre que possível. Na ação de execução de sentença, determina-se a quantia que
há de produzi-las. Se isso não foi feito, não há nulidade, pôsto que possa ser responsabilizado o juiz; e proceder-
se-á à liquidação das prestações devidas, afixação do tempo e à da quantia.

7.INALIENABILIDAIJE DO CAPITAL. Um dos argumentos contra a solução (a), de que antes se falou, era o da
devolução do capital, morto o credor de alimentos, ou cessada a obrigação de prestar os alimentos. A lei deu boa
solução: inalienável, durante a destinação, o capital; restituível ao obrigado, cessada a obrigação de prestar a
pensão. Em técnica legislativa, perfeitamente aceitável; e não temos dúvida em achar que foi a melhor solução.

§ 5.571. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS


8.DETERMINAÇÃO SENTENCIAL. Apesar da expressão “devendo”, que se encontra no art. 912 do Código de
Processo Civil, que ou a) significa jus cogens, ou b) regra para somente se não seguir quando não fôr possível,

(continuação)
pelos dados da causa (verbis “sempre que possível”), a 1~a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 12 de outubro
de 1942 (R. de D., 145, 486), falou de se dispensar o depósito, o que, sem justificação para o caso, de modo
nenhum é de se admitir. A 5•a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 4 de abril de 1941 (A.
J., 59, 55) leu a regra como jus cogens. Ainda depois, considerou a solução a) como de ordem pública, para incidir
sobre fatos de processos pendentes. A solução verdadeira é a solução a); pois o “sempre que possível” é quanto a
ser logo estabelecida a indenização na sentença de condenação.

§ 5.571. Liquidação por artigos

1.CONCEITO DE LIqUIDAÇÃO POR ARTIGOS. Está no Código de Processo Civil, art. 913: “Far-se-á a
liquidação por artigos quando, para fixar-se o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fatos
que devam servir de base à liquidação”. A liquidação por artigos supõe a cognição, conforme pusera em relêvo,
com linguagem do século XX, o maior processualista português dos séculos XVI e XVII,
MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana, II, 164):
“cognitio”. Há comunicações de conhecimento, por parte do exeqüente , e comunicações de conhecimento, por
parte do réu (Código de Processo Civil, art. 209) ; há provas, há apreciação das provas e há julgamento. É a
alegação de “fato nôvo”, isto é, que não foi alegado na ação (art. 909, II), ou o juiz, abusivamente, deixou, de
modo explícito, para a execução. .~ Qual a natureza da sentença? AMILCAR DE CASTRO (Coment4ríos, X, 129-
131) reputa-a declarativa, declarativa da sentença anterior. Não é isso aceitável. A ação de execução de sentença é
executiva; a liquidação faz-se para integrar o titulo executivo, de modo que não se declara, constitui-se. É
constitutiva integrativa a sentença. Sem razão também, portanto, o “accertamento posterior” de MÃaío
BELLAVITIS (Studi di diritto processuale in on~ore di GIUSEPPE CHIOvENDA, 28). A sentença é sentença
constitutiva integrativa. Se há necessidade de alegar e provar fatos, há cognição. Não se podem dispensar os
artigos de liquidação, O processo seria nulo (l.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 10 de
julho de 1952); mas não-cominada a nulidade.

2.PROCEDIMENTO. Lê-se no Código de Processo Civil, art. 914: “A liquidação por artigos será processada na
conformidade do disposto no Livro III, Título único, no que fôr aplicável”. São aplicáveis os arts. 292 (prazo de
dez dias para a contestação) e 293 (dez dias para o despacho saneador), 294 (audiência e julgamento) do Código
de Processo Civil.
A execução da sentença que condenou a pagar aumento que se verifique nas despesas de educação e criação de
menor, aleijado por desastre, há de processar-se por artigos, e não por arbitramento, por ser de mister que se façam
comunicações de conhecimento e produção de prova (cf 5a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de
maio de 1951, R. dos~ T_ 193, 335).
A sentença criminal condenatória, suscetível de execução no juízo cível, para o efeito da reparação do dano
(Código de Processo Civil, art. 63), tem de ter liquidação por artigos, porque necessàriamente há comunicações
de fatos, que se têm de fazer, e provas que se hão de produzir. Mas esgarrou dos princípios (e. •q., do art. 274) o
acórdão da 6,a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 10 de agôsto de 1951 (R. dos T., 194, 808),
que, sem ocorrer o caso do art. 201, 1 (art. 159), absolveu o réu da instância. Se os fatos foram apontados,
tornando-se fácil verem-se artigos nos enunciados de existência, estavam mencionados na sentença criminal, e
tem-se de entender a petição como remissiva aos considerandos e conclusões da sentença criminal. Mais acertado,
no sistema do Código de Processo Civil, teria sido dizerem-se lançados, implicitamente, os artigos, ou despachar-
se a petição com a exigência de explicitá-los. O que importa é que o demandado possa contestar o que está na
petição (4 a Câmara Civil, 4 de junho de 1951, 193, 921).
A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 10 de agôsto de 1951, foi injusta.
Finda a liquidação por artigos, que se processa conforme os arts. 291-297 do Código de Processo Civil, há a
sentença de liquidação (art. 917), cuja intimação é, excepcionalmente, incoativa do processo de execução (art.
889), de jeito que, nas vinte e quatro horas, ou o devedor paga o que foi fixado, ou sofre a execução. Só então (2.a
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de junho de 1950, R. dos T., 188, 213; 5•a Câmara Civil, 24
de novembro de 1950, 190, 878), com a intimação de que fala o art. 917, ou da que se refere no art. 948, dentro do
qüinqüídio , se podem opor embargos do executado (arts. 1.008-1.011, 1.013-1.016). A 2.~ Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Paraná, a 22 de junho de 1950 (Paraná J., 53, 216), entendeu que os embargos do
executado têm de ser opostos nos cinco dias contados da citação na ação de liquidação (art. 907, verbis “a citação
terá por objeto a liquidação que se fará por cálculo do contador, por arbitramento ou por artigos”), e não nos cinco

(continuação)
dias contados da intimação conforme o art. 948, ou da citação conforme os arts. 992, 998 e 1.007, nem da
intimação da sentença de liquidação (art. 917), ou do mandado (art. 889). Impressionou os juizes o art. 917, no
qual se diz que, “proferida a sentença de liquidação, a execução prosseguirá, independentemente de nova citação
pessoal”. Ora, proferida a sentença, tem de haver intimação, para que se possa proceder à penhora. Sem a
intimação segundo o art. 917, não poderia correr o prazo para embargos do executado, se a matéria concerne à
penhora. Naquela intimação vai a cominatória do art. 918, ou outra, que seja a da espécie. Em verdade,
economizou-se uma das comunicações, porém não se dispensou a intimação da sentença indispensável ao trânsito
em julgado, nem a cláusula cominatória, nela inserta, commoditatis cansa, nem se fêz inoperante o art. 948.
A questão maior é a de se saber se a cláusula “pague ou sofra penhora” precisa ser explícita, ou está implícita na
intimação, que aí é figura compósita, por fôrça do art. 917. Temos de admitir que esteja implícita, porque o
demandado foi citado e sabe que a cláusula se transferiu da citação para a intimação. A vocatio in ius foi feita, para
as duas ações postas aí no mesmo processo, por se tratar de liquidação para execução. O demandado sabe que, ao
ser intimado para o trânsito em julgado da sentença, tem de solver ou sofrer penhora e que, após a citação do art.
948, lhe correrá o prazo para embargos do executado. Se recorre e a decisão é mantida, ou somente reformada em
ponto cuja alteração não importa exclusão da executividade, a intimação do acórdão éincoativa e com a alternativa
pague ou sofra penhora, se não houve execução provisória.
O prazo para embargos do executado não se conta da intimação da sentença do art. 917, mas sim da intimação
segundo o art. 948. A expressão “citação”, que se tem no artigo 1.009, 1, abrange as duas espécies: citação (arts.
992, 998 e 1.OWi e 1.007) e intimação do art. 948 (cf. 3•~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de
junho de 1952, E. dos T., 203, 332).

3.INSUFICIENCIA DAS PROVAS. Diz o Código de Processo Civil, art. 915: “Se as provas não oferecem
elementos suficientes para que o juiz determine o valor da condenação, o liquidante será condenado nas custas,
procedendo-se a nova liquidação”. Não há favor para a liquidação, nem para o executado. Sendo insuficientes as
provas, a relação jurídica processual da execução termina pela sentença sobre insuficiência de provas e sobre as
custas. Tal terminação do processo não impede, no tocante à prova, a abertura de nôvo processo de liquidação. O
julgamento é de ser insuficiente a prova; não, de ser improcedente a execução, ou mesmo a liquidação. Há tôda
vantagem em se fixar a terminologia, com rigor. Há aí caso de sentença que julga “não-provado”. Se o juiz julga
insuficientes as provas, a decisão é sem preclusão para a rediscussão (2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação
do Paraná, 12 de junho de 1945, Paraná J., 42, 27), porém da decisão cabe recurso de apelação, se o exequente as
tem por suficientes. Se admite o julgado, a liquidação não continua; reabre-se, sendo preciso nova citação. O art.
915 refere-se ao pagamento das custas; não ao dos honorários de advogado. Se a sentença não condenou a pagá-
los, não há pensar-se em incluí-los (4.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de fevereiro de 1951,
1?. F., 146, 325). O êrro de conta, que caiba no art. 285 (“inexatidões materiais, devidas a lapso manifesto, ou
erros de escrita”), pode ser corrigido durante a liquidação (Supremo Tribunal Federal, 28 de abril de 1941, R. F.,
88, 139). Se não cabe, invoca-se o art. 842, X.

4.INTEGRIDADE DA SENTENÇA LI’~UIDÃNDA. Está no Código de Processo Civil, art. 916: “Na liquidação
não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda, nem discutir matéria pertinente à causa principal”. No
processo de liquidação somente se integra a sentença exequenda, no ponto relativo ao quanto da condenação. Não
seria possível pensar-
-se em modificação ou ofensa à sentença, transformando-se a ação constitutiva integrativa em embargos de
nulidade e infringentes do julgado (Código de Processo Civil, arts. 833--840), a despeito da coisa julgada formal,
ou -da executabilidade provisória, ou em ação rescisória (arts. 798-801).
O juiz da liquidação interpreta a sentença, segundo as regras de método de interpretação das decisões judiciais;
porém nenhuma apreciação da justiça da sentença lhe cabe, porque seria, pelo menos, dispor-se a alterá-la. Se os
juros moratórios, e. g., hão de ser computados, ou não, responde o direito material; se êsse é afirmativo, ou
indiferente, incide o art. 154 do Código de Processo Civil como regra interpretativa da sentença. Não há solução a
priori, nem ius cogens. Mas os juros sobre o quanto da condenação correm sempre, segundo os princípios (cf.
Câmaras Civis ReUnidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 14 de julho de 1944, R. F., 101, 528).

5.EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. Não se admite, aí, discutir-se assunto de
embargos de declaração, que tiveram prazo para serem apresentados (Código de Processo Civil, arts. 840 e 862);
nem de outros recursos. Pode havê-los, depois, quanto à sentença do art. 917.

(continuação)
6. DEFESAS E EXCEÇÕES. Cabem as exceções processuais. A matéria de contestação à liquidação pode ser: a)
tudo que diga respeito à interpretação da sentença liquidanda; b) tudo que seja desconformidade do pedido de
liquidação com a sentença; e) tudo que seja comunicação de conhecimento de fatos ocorridos depois do
encerramento do debate oral ou da conclusão dos autos ao juiz, ou durante o processo, e não analisado na
sentença, por não poder, ou não ser necessário fazê-lo (e. g., os frutos percebidos foram em menor porção do que
os pedidos na liquidação, os danos menores, a coisa pereceu sem culpa sua); d) o direito à escolha (obrigação
alternativa, Código de Processo Civil, art. 900), que não foi referido (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA,
Tratado sôbre as Execuções, 64).
É matéria pertinente à causa principal: qualquer enunciado (afirmação) sobre êrro in iudicando; qualquer alegação
de nulidade da relação jurídica processual ou de atos processuais, inclusive falta ou nulidade da citação; as
exceções de pagamento, novação, compensação com execução aparelhada, ou prescrição superveniente (3.~
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 21 de junho de 1945, 1?. F., 105, 104). Só em
embargos do executado se podem alegar e provar alguns dêsses assuntos. A inexistência da relação jurídica
processual de que proveio a sentença ou a inexistência da sentença pode, todavia, ser trazida, sempre, a exame.
Não o êrro in iudicando ou in procedendo.
Pro ferida a sentença de liquidação, a execução prossegue, independentemente de nova citação pessoal. Quando
a liquidação fôr promovida pelo executado, far-se-á o depósito da, quantia liquida, se o exeqüente se recusar a
recebê-la.
O réu pode requerer a liquidação. Aqui, há ação de liquidação (passiva), que é autônoma, em vez de ser
preâmbulo da ação de execução da sentença. Ação constitutiva integrativa da sentença exercida pelo executado.
Não é’ provocação a executar, no que se distingue da ação do Código de Processo Civil, art. 886.

CAPÍTULO III

FATOS ILÍCITOS ABSOLUYOS E ILIQUIDEZ DE DIVIDA

§ 5.572. Liquidação das dívidas por fatos ilícitos absolutos

1.REGRAS JURÍDICAS INSERTAS NO CóDIGo CIVIL. No Código Civil, os arts. 1.537-1.553 cogitam da
“liquidação das obrigações resultantes dos atos ilícitos”. Como a liquidação pode ser liquidação amigável, ou por
ação de liquidação, no momento de se liquidar a divida, a divida necessariamente existe, porém pode dar-se que
ainda não exista a obrigação. Por outro lado, há fatos ilícitos absolutos que não são atos, de jeito que há duas
impropriedades no Capítulo II do Título VIII do Código Civil, Livro III: fala-se de “obrigações” e de “atos
ilícitos”.
Não há princípio geral que faça proporcional à culpa (dolo, culpa grave, culpa leve) o quanto da indenização. Só
regra jurídica especial há de estatuir a proporcionalidade com o elemento subjetivo passivo. No direito penal,
compreende-se que a condenação seja em proporção ou conforme o grau do querer criminoso. A excepcionalidade
tem significativo exemplo na Rota Romana, onde, por influência de ROLANDINO DEI PASSECCERI e de
PHIIÃPPUs DEcIus (Consilia, 133, n. 109), se distinguiram dos danos provenientes da demolição do edifício, por
simples razão de utilidade pública (“simpliter ratione publicae utilitatis”> os danos oriundos de construções de
fortificações (cf. FR. UBALDI, Decisio~um S. R. Romana.e, III, 121), o que também ocorria em Espanha. O
instrumento, com que o artífice ganhava bastante, mais do que se trabalhasse com outro instrumento, de fácil
aquisição, tem valor que não é o do mercado. Tem-se de prestar ao lesado mais do que a simples “aestimatio”
(FUMEI, De eo quod interest, Tractatus universi iuris, V, n. 6: ..... gravatus domum extruere, quia forte singularis
est illius operis ar[ifex, nori liberari dando pecuniam qua aliorum opera conducantur”). O valor não é medido só
objetivamente, em todos os casos, mas civíl’~sticamente (“non mathematice, sed civiliter”, dizia CABALLINI, De
eo quod interest, Tractatus universi iuris, V, n. 94). O fato de ser grande o interesse, em relação ao valor do bem,
não basta para que se atenue a responsabilidade do devedor (sem razão, ANDREAS VON TUHR, Der Not stand
31).
Quem teria de responder por algum bem perigoso pode objetar que não foi o bem que causou o dano, apesar de ser
grave instrumento para isso, mas sim outra pessoa. É o caso de quem solta o cão do vizinho para que êle ofenda
alguém que passa, ou de quem arrebenta o cano da caixa de água, ou que leva a água à piscina (cf. o caso Box v.
Jubb, 1878, na Inglaterra, e muitos outros sobre “dangerous things”, J. CHARLESWORTH, Lia bility for
dangerous things, 32 s.).

(continuação)
2.CONCEITUACÃO DE DANO CAUSADO POR FATO ILÍCITO ~‘3SOLUTO. Tudo com que se faz a
felicidade ou contribui para os meios de vida, evolução e conservação da espécie humana, rude ser lesado e dar
ensejo a reparação dos danos. A conceituação global é difícil, ainda hoje, e continua verdadeira a frase de A.
ALCIATUS: “Utilitatis definitiones in iure periculosae sunt”. Diante dos conceitos romanos de “damnum
emergens” e “lucrum cessans”, o que AcúRSIo (Dig. novum. cum commentariis, f. 24), a propósito da L. 39,
Título 2, examinou, observa A. ALCIATUS que nem sempre se levava em consideração o augmentum, a acoessio
e o luerum rei praestitae. BÂRTOLO DE SAxOFERRATO, BAL»o DE UBALDIS e A. ALCIATUS frisaram o
que produz dano por impedir “suam voluntatem implere et suo desiderio satisfacere”. Também o dizia J.
MENÓQUIO (De adipiscenda retinenda et recuperanda Possessione doctissima commentaria item respo?nsa~,
827). No dano entram as ofensas a qualquer “emolumentum” (tudo que recebível, como os frutos, cf. T.
GRAMMATICI, Allegationes et Consilia, 92, e não só os frutos), a qualquer utilidade (“omnis utilitas”, cf. A.
FALCONERII, S. R. R.omanae Decisiones, IV, 77; G. M. MAGNO, Rationum et Differentiarum iuris civilis L.
duo, GERARD MEERMANN, Novus Thesaurus, II, 296), a qualquer “commodum”, como ao propósito de se
servir de algo a líbito (z propter voluntatem”, “propter amoenitatem”). Incisivo foi o que escreveu M. A.
SABELLI (Summa diversorum Tractatuum, VIII, 1, 532) “propriam voluntatem implere, res suas vel maiorum
propter affectionem retinere, pluribus non subesse, dominum non mutare, liberari a litibus et praetensionibus
aliorum et similia”. Gozar da luz e das vistas, das águas e do calor, do mar, das neves, e do frio, ter liberdade de
habitar e de mudar de habitação. Usar, fruir, gozar, só ou em comum.
Quanto ao que se há de prever, não se precisa de certeza absoluta, nem basta a simples probabilidade, a mera
possibilidade. Há de ser honesta, atenta às circunstâncias, para que não haja lucro ilícito. O dinheiro tem de ser
contado como produtivo de lucros, tal como assentava PAULO DE CASTRO e está em 11 Dottore volgare do
CARDEAL DE LUCA (II, 5 s.):não se há de ter o dinheiro como parado, guardado; tem-se de atender a que a
mora começa com o dano causado por fato ilícito absoluto.
Mais uma vez repitamos que há espécies em que a lei faz ressarcível o dano causado por ato que não é ilícito.
Se há dificuldade na determinação dos danos, tem-se de deixar ao juiz o arbitramento, ou êsse atribui tal função a
arbitradores, cujo laudo êle julga. Já SALICETO, BÁRTOLO DE SAxOFERRATO e BALDO DE UBALDIS, em
tais emergências, deixavam que missão determinativa fôsse feita “arbitrio iudicis a verisimili et per coniecturas”.
Já no século XIII (e. g. com AzÁO, Summa-Locuples iuris civilis thesaurus, c. 683, n. 20), se havia de atender ao
costume local (“secundum situm loci”), ou ao do lugar mais próximo.
Se há discordância entre a renda e o valor venal do bem, o que se há de resolver é no sentido de ser prestada a
renda normal líquida, salvo se cabe a reparação em natura.
Já ULPIANO (L. 179, D., de verborum significatione, 50, 16) distinguia o valor que o bem poderia ter para a
pessoa que sofreu o dano e o valor objetivo, no comércio livre ou no mercado; mas sem levar a conseqUências a
distinçâc. Os glosadores e os contadores frisaram-na. G. M. MAGNO (Rationum et Differentiarum iuris civilis
Libri duo, GERARD MEERMANN, Novus Thesaurus, III, 298) chegou a dizer:
“Quanti ea res est non semper pro eo sumi quod interest, sed latius patere; et rei, qua de agitur, aestimationem
continere; ipsamque rei aestimationem, sive quanti ea res est ei quod interest quasi speciem contrariam opponi”.
Mais: “Id quod interest plerumque longe pluris est quam quanti res est” (298; cf. M. VENTURINI, Cons iiorun~
sire responso’rum libri III, II, c. 42, n. 34).
A cada momento os escritores punham em relévo que preço e interesse são diferentes (“Diversa sunt pretia et id
quod interest”).
Quanto ao problema do valor de afeição, da aflectio, a influência da L. 33, pr., D., ad legem Aquiliam, 9, 2, foi
grande. A negação de qualquer estima~ão pecuniária foi sustentada por FR. MOMMSEN (Zur Lehre vom
Interesse, 214-217),B.WINDSCHEID (Lehrbuch des Pandelctenrechts, ~J, 9.~ ed., 56), R. COHNFELDT (Die
Lehre vom Interesse nach rõmischem Recht, 69 s.) e M. VOIGT (Das ius naturale et bonum und ius gentium dei-
Romer, III, 483 s.). Porém, se há conseqtiência imediata e direta do fato ilícito absoluto, com ofensa à affectio, o
dano há de ser tratado como se trata o dano moral. Têm-se de conciliar a justiça e a eqUidade (G. 14. MAGNO,
Rationum et Differentíarum iuris civilis Libri duo, GERARD MEERMANN, Novus Thesaurus, II, 317). Algo há
entre a affectio e a dignidade, a honra, de modo que o dano se há de ressarcir como se faz com as dores que
perturbam e diminuem a felicidade. Mesmo se o caso é de desapropriação por necessidade, ou utilidade pública,
ou interesse social, a affectio pede influir. Quando se desapropria o retrato de grande homem de que o Estado
precisa para a sua coleção, seria absurdo que se pagasse o preço pelo qual se venderia no mercado comum. A
reprodução pode não satisfazer, porque, como dizia HUGO DONELO, o “verum pretium”, “ad differeutiam eius
pretu, quod venditor arbitrio suo, ex affectione et utilitate sua constituere potest”.

(continuação)
Mesmo quando se repara em natura, há tempo intercalar que vem do momento do dano à reprístinação, ae jeito
que a reparação em natura não basta. Foi, por certo, a prestação principal, mas falta reintegração do patrimônio. O
ressarcimento em dinheiro impõe-se, pôsto que secundariamente . Secundariamente , dissemos; mas advirta-se que
pode ser maior, como se, pela derrubada da parede, restaurável em poucas semanas, o dono do prédio ou quem
nêle habitava teve de ir para hotel.
Também pode ocorrer que a reparação em natura não satisfaça o lesado, por ser impossível a perfeita reparação em
prístino. Então, tem êle direito a exigir a prestação pecuniária (cf. II. DEGENKOLB, Der spezifische Inhalt des
Schadensersatz, Archiv f’itr die civitistische Praxirs, 75, 1 s.).
A prestação suficiente para que se faça a reparação em natura não é reparação em natura, é o que alguns juristas
chamam repristinação pecuniária. Essa, sim, se distingue em repristinação pecuuiarza senso estrito e
repristinação Ímanciária, dação fundo financeiro frutífero, que dê para cobrir os danos definitivamente, ou
temporariamente , até que se ultime ou se opere a repristinação em natura (genérica ou individual). A propósito,
convém evitar-se a expressão “repristinação material”, ou “reparação material”, no sentido compreensivo da
reparação em natura e da prestação destinada a isso, pois levaria a equívocos (com razão, ROMUALDO
TRIFONE, Contributo allo Studio deila Liquidazione dei danni, 62). Quem recebeu a prestação em pecúnia pode
preferir aplicá-la em outro investimento (por exemplo, A, que teve a indenização do dano sofrido pelo
desabamento da casa, pode vender o terreno e comprar outra, ou apenas comprar outra).
Quanto às rendas, o que importa é saber-se quais eram, quais são e quais seriam poss’ivelmente as futuras, sem se
deixar de fora a particularidade de não dar o mesmo proveito a coisa que, embora nova, se pusesse no lugar da que
servia ao lesado. O tratamento das rendas não há de ser diferente do commodum (cf. CARDEAL DE LUCA,
Theatrum veritatis et iustitiae, 221: .... . pro eorum accidentali qualitate, participant etiam de altera specie pretii
naturalis incerti et variabili”).

As rendas têm, no tempo, de ser consideradas como capital produtivo, se não se restringem aos gastos que fazia,
fêz e fará o titular do direito à indenização. Dai a vantagem de se prestar a renda, com a aplicabilidade no passado
e sua estimação, e de se destinar, daí em diante, o capital que a dê, ou que a dê enquanto tenha de haver reparação.
Se a prestação há de ser de quantidade de bens, periodicamente , como alimentos, o que se há de estabelecer é a
quantidade e a qualidade dos gêneros, porque os preços podem variar, e, ex hypothesi, a repristinação não é
pecuniária nem a momento determinado.
Na regra jurídica constitucional sobre requisições em tempo de guerra, ou de comoção intestina, ou perigo
iminente, há explicitude quanto à posterioridade da indenização (ConstituIção de 1946, art. 141, § 46, 2a parte),
mas o critério indenizatório há de ser o mesmo, de modo que não vem em primeira linha a restituição em natura.
Todavia, em se tratando de bens imóveis, ou de máquinas, ou mobiliário, o que se há de entender é que houve
situação sucedânea da locação (cf. E. ZORATTI, Le Requisizioni di immobili e gli alio ggi militari, 24 s.). Se, por
ocasião da medida requisitória, se comunica que se retira o poder de dispor, ou que se fará a indenização em
dinheiro, pela tomada do direito de propriedade, não se há de cogitar de locação.

3. NEGÓCIO JURÍDICO SOLUTÓRIO. Entre o lesante (ou responsável por fato de outrem) e o lesado pode não
ocorrer que êsse admita a repristinação em natura, ou o ressarcimento segundo os princípios, e acordem enquanto
à satisfação por outro modo. Aí, há negócio jurídico solutório, quer a dívida haja resultado de ilícito absoluto, quer
de ilícito relativo, ou mesmo de ato lícito, cujo dano se haja de reparar. O acordo pode ser em juízo, ou fora de
juízo, se não há lex specialis, que, na espécie, exija que ~e faça perante juiz.

§ 5.573. Espécies de danos

1. DANOS RESSARCÍVEIS. O que importa é saber-se quem sofre o dano, e não qual o dano, porque o dano ao
patrimônio não é ao bem corpóreo ou incorpóreo com tal, mas a patrimônio de alguém. O dano ao peixe que não é
de ninguém não é ressarcível; nem o é ao pássaro, que poderia ser apanhado pelo transeunte ou quem tenha
alçapão. Por isso que a proteção é da pessoa, e não do bem, pode a pessoa desinteressar-se, e o ato que seria
causador de dano ressarcível deixa de ser ilícito. Advirta-se: se a pessoa, que se desinteressa, podia desinteressar-
se. Pode alguém desinteressar-se das flôres ou dos frutos que estão nas árvores de seu terreno aberto, ou mesmo
fechado; porém não do ferimento que outrem lhe faça.
Quanto ao desinteressamento, deu GIUSIANA (Ii Concetio di danno juridico, 24 s.) noção satisfatória, mas
exemplo que não foi acertado. Se A tem servidão em terreno do lado esquerdo, por onde sai e entra, e adquire,
depois, pelo outro lado, pelo qual passou a entrar e sair, a vedação de saída ou entrada pelo lado esquerdo já não

(continuação)
lhe causa dano. Aí, há quaestio facti: o titular da servidão podia sair e entrar por um ou por outro lado; dependia
da sua vontade, pois que tem dois direitos de servidão. A ação real é inegável, qualquer que seja o suporte fáctico
da violação. Quanto a ter havido dano ressarcível, têm-se de examinar circunstâncias, porque não é o direito que
está em causa, o que está em causa é o interésse do titular do direito. Nem se pode reduzir o interesse a elemento
objetivo, nem a elemento subjetivo. O dano há de ser a alguém, mas há de haver o dano como fato.
Nem todas as lesões de direito causam danos, nem todos os danos ofendem direitos, nem se pode dizer que só o
que é pecuniàriamente avaliável há de ser ressarcido.
O’ dano pode ser a direito futuro, inclusive direito que somente nasceria se outrem mantivesse a manifestação de
vontade, ou adimplisse promessa. Não, porém, pelas razões que alguns escritores apresentam, mas sim porque está
ferido interesse (e. g., a anúncio com que, provavelmente , seria grande o número de vendas de A, com restaurante
na estrada, por haver perto festa, concurso automobilístico, ou outra reliniáo , foi destruído por B; o tabelião, B,
foi causador da nulidade do testamento em que C contemplava a A como legatário ou herdeiro). Não se diga que
já, em todos os casos, existe direito subjetivo. Tão-pouco, para se considerar incluso o que não é direito, se
justifica descer-se ao objeto e apontar-se como bem, em sentido larguíssimo, qualquer interesse (honra, reputação,
prestígio), O étimo poderia ser invocado (cf. ENOCH D. AGUIAR, Bienes, Patrirnonio, Derechos, 104), mas
estar-se-ia fugindo à terminologia jurídica. O que faz a felicidade de alguém quanto à saúde, à integridade física,
à liberdade e à honra é bun; por;m não no sentido da terminologia jurídica. Para se discriminar o que é lesável
com a responsabilidade do lesante, a expressão “bem” seria mais literária, mais filosófica, do que jurídica. Há os
bens e o bem-estar, o bem-viver, o viver com honra, tranqüilidade e as liberdades.
A expressão “danos morais” põe o adjetivo “moral” em sentido largo, pois que se refere a qualquer dano
extrapatrimonial. A critica seria pertinente se o sistema jurídico contivesse discriminação entre os danos a
interesses não-patrimoniais, não-econômicos (religiosos, morais, artísticos, políticos, jurídicos em senso
sociológico, científicos). O objeto dos direitos inerentes à pessoa não são bens, mas elementos constitutivos ou
irradiados da personalidade.
A expressão “alimentos”, no art. 1.537, II, do Código Civil, de modo nenhum se refere somente às dividas de
alimentos conforme o direito de família. Alimentos são, aí, apenas~ o elemento que se há de ter em conta para o
cálculo da indenização. Donde a morte do filho menor dar direito a indenização aos pais (Supremo Tribunal
Federal, 17 de junho de 1946, A. J., 80~ 400); sem razão, a 1.a Turma, a 21 de julho de 1941, A. J., 60, 230, e a 23
de julho de 1942, R. F., 93, 500). Não se tem de apurar se a morte desde já retirou algo do patrimônio do
legitimado ativo (sem razão, a 6,a Câmara do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 30 de julho de 1948; e a 2.~
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 2 de setembro de 1941, R. dos T., 135, 580),
Na jurisprudência há confusão entre o dano patrimonial que sofre alguém com a morte do parente, e. g., do pai ou
da mãe, e o dano moral ( não-patrimonial), para o qual o art. 1.537, II, estabelece critério indenizatório (e. •q.,
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Espírito Santo, a 25 de fevereiro dc 1942, Acórdãos de 1942, 68; 3,~
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 10 de julho de 1942, R. 1”., 94, 71). Não é pressuposto
ter ficado o demandante privado de meios para vivei; pelo fato do homicídio (sem razão, a 1,a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 10 de outubro de 1943, R. F., 123, 202; a Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, a 29 de outubro de 1951. ,I., de 1952, 191).
Se a ação se baseia nos arts. 159 e 1.518 do Código Civil, sim. Não, se o fundamento está no art. 1.537, II (contra,
a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 8 de setembro de 1943, 97, 160; com
argumentos à parte, a 3a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 1.0 de abril de 1954, R. dos T., 226,
204.
Os julgados em que se supõe que o art. 1.537, II, do Código Civil faz remissão ao art. 399 revelam que não
atenderam à interpretação acertada do art. 1.537 (e. g., a 3,a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a
22 de outubro de 1953v R. dos T., 219, 211).
O autor da ação de indenização, porque o falecido “devia” alimentos, tem de alegar e provar ou que o falecido já
os devia e prestava, ou que o falecido já os devia e ainda não começara de prestar, mas teria de prestá-los, ou que
poderia ser condenado a prestá-los, ou, simplesmente, que Os prestava por ter assumido tal dever. Em geral, não
há presunção de que teria de prestá-los (cf. Tribunal de Apelação de São Paulo, 2 de setembro de 1941, R. dos T.,
135, 580), mas o parentesco e a idade do autor são fatos que, provados, por vêzes compõem o suporte fáctico.
Mesmo a respeito de alimentos, a pessoa que os tem de prestar, ou de quem os há de prestar pelo falecido,
ressarce; portanto, tem de repor no estado em que estaria o legitimado ativo se não tivesse havido o homicídio.
Alimentos são devidos mesmo se o legitimado ativo não poderia, então, mover a ação de alimentos por ter meios
para a própria manutenção (Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 14 de julho de 1938,, R. F., 79, 458). Trata-

(continuação)
se de indenização a título de alimentos, e não de alimentos prôpriamente ditos (Supremo Tribunal Federal, 17 de
julho de 1936, 68, 509). Se o falecido recebia recursos do parente ou do cônjuge, não afasta a legitimação do
parente ou do cônjuge a indenização, à base de alimentos (Côrte de Apelação do Distrito Federal, 4 de dezembro
d’e 1916, R. de D., 44, 557).
Quanto a “alimentos” reparativos à concubina, ou ao companheiro, em situação semelhante à de casados, a 4•a
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 9 de maio de 1945 (R. dos T., 159, 207), disse que não tem
direito a êles, em caso de homicídio do companheiro, ou da concubina. Diante do art. 21, parágrafo único, do
Decreto-lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, a interpretação que demos, com abstração da espécie de
parentesco (legitimo ou ilegítimo) e da união matrimonial, foi reforçada.
A indenização por alimentos é por tempo correspondente à duração provável da vida da vítima, por assim se
estabelecer no art. 912, 2•a alínea, 2~a parte, do Código de Processo Civil. Não se leva em consideração qualquer
mudança nos haveres do legitimado ativo. Nem cessa a prestação .i. mulher do falecido se ela contrai novas
núpcias; nem com a maioridade~ quem, ao exigi-los judicialmente, por morte de alguém, era menor (5.a Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de junho de 1951, R. dos T., 194, 743; sem razão. a 3~a Câmara Civil,
a 3 de dezembro de 1951, 198, 207; a 6•a Câmara Civil, e a 13 de abril de 1951).
O art. 1.537, que somente fala, no inciso J~ de despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e luto da família,
e, no inciso II, de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia, de modo nenhum pode ser interpretado como
pre-excludente de quaisquer outras reparações de danos (sem razão, o Supremo Tribunal Federal, a 17 de
novembro de 1941, 1?. F., 90, 717, e a 2•a Câmara do Supremo Tribunal Federal, a 3 de novembro de 1942, A. .1.,
66, 153 s.).
A prestação conforme o art. 1.537, II, são dívidas desde o dia da morte (1.0 Grupo das Câmaras Civis do Tribunal
de Apelação de São Paulo, 9 de fevereiro de 1942, R. dos T., 136, 215).
Na liquidação das dívidas pelos danos há o critério de semelhança como se divida de alimentos, se se invocam os
arts. 159 e 1.518 do Código Civil, e o critério da apreciação do valor dos danos, se foram o art. 159 e 1.518 do
Código Civil as regras jurídicas invocadas. Quanto àquele, os arts. 911 e 912 do Código de Processo Civil são de
tôda a relevância, e tem-se de advertir que os lucros cessantes hão de ser pagos por meio de capital que produza
renda suficiente para adimplemento das dívidas periódicas, ou da dívida calculada, atendidos o encarecimento da
vida, as desvalorizações da moeda e o aumento dos salários, uma vez que há de levar em conta a vida provável da
vítima (Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 5 de maio de 1942, J. dos 2’.
de A., 10, 102).

2.DANO ATUAL, DANO FUTURO E DANO EVENTUAL. O dano atual e o dano futuro são imputáveis e
liquidáveis. O dano atual é dano que agora ocorreu (ou já ocorreu) e que corresponde a tôdas as conseqUências do
fato ilícito, ou do ato lícito que causa danos ressarcíveis. O dano futuro é aquêle que tem extensão no porvir, e não
agora. Diz-se futuro porque tôdas as conseqUências do fato ilícito ainda não se produziram, ou do ato licito
causador de danos ressarciveis. O que importa é a relação de causalidade.
O dano eventual é o dano que depende da relação de causalidade mais algum fato que com ela o produza.
Quando se liquidam os danos atuais e futuros já se levaram em consideração tôdas as conseqUências do fato
ilícito, ou do ato lícito que causa danos ressarcíveis.
O juiz que aprecia os danos, atuais ou futuros, declara a existência dos danos ou a futura existência; portanto, com
o inteiro conhecimento do fato determinador da responsabilidade pela reparação. Daí falar-se em danos certos.
Dano certo é o dano que se sabe existente ou inafastável no futuro. Isso de modo nenhum significa que todos os
danos atuais tenham de ser certos, ou que só se possa cogitar de danos futuros que sejam certos.

3.DANOS DIRETOS E DANOS INDIRETOS. Dano direto é o dano que alguém sofre imediatamente (e. q., A
teve quebrado por B o automóvel, ou B feriu a mão de A, ou 13 injuriou A). Dano indireto é aquêle que sofre
alguém pelo fato de sofrer algo a pessoa intercalar (e. g., o dano sofrido pelos filhos com a morte do pai). A
respeito cumpre atender-se a que há divergência na terminologia jurídica francesa:
o “dommage par ricochet” não é o dano a que chamamos direto (cf. FRANÇOIs GIVORD, La Réparatiou da pré
judice morai, 62 s.). Responsabilidade direta e responsabilidade indireta, responsabilidade com relação causal e
responsabilidade sem relação causal de modo nenhum se podem confundir com o dano direto e o dano indireto
(com razão, ROBERTO H. BREBBIA, El Dano moral, 66 s.).

4.“COMPENSATIO LUCRI CUM DAMNO”. A compensatio lucri cum dctmno reequilibra. Se os tiros para se

(continuação)
matar a onça atingiram boi, mas o prejuízo foi menor do que teria sido, mesmo aí há a compensação. Se o
incêndio levou a ter-se de derrubar árvores e essas podem ser vendidas como madeira, no cômputo do valor hão de
constar o que se perdeu e o que se adquire, em dinheiro, com as vendas.

5.VIOLAÇÃO DE SEGRÊDO E RESSARCIMENTO. Quanto ao segredo médico, tem-se de atender à natureza


da doença, ao prognóstico e às circunstâncias especiais. Há moléstias ditas secretas, que não devem ser reveladas.
Às vêzes, o próprio doente ignora a moléstia. O nascimento não é segredo , nem é doença; mas sim objeto de
especialidade médica. As circunstâncias podem torná-lo segrêdo. Qualquer que seja o caso, difícil é a liquidação
dos danos. Porém tal dificuldade não é insuperável. O dano pode ser causado pelo médico de serviço público, ou
pelo médico-perito (sobre isso, longamente, P. BROUARDEL, La Responsabite , édicale, 421-426).

§ 5.574. Repristinação e determinação do valor do dano

1. CONCEITO. Quanto à repristinação e à avaliação dos danos, as operações somente se justificam depois de
terem sido determinados os danos. Repristina-se mediante a retribuição em prístino, que se faz pela reentrega do
bem ou pela reparação em natura, integral ou consertiva, ou com o equivalente em dinheiro. Com os atos
repristinatórios, o que se intenta é apagar a lesão ou apagar as lesões, pois que o pagamento em dinheiro apenas é
a última via. Já aludia PAULO (L. 1, pr., D., de confrahenda en2ptiane et de pactis inter emptorem
•et vendi~orem composítis et quae res venire non possunt, 18, 1) à “publica ac privata aestimatio” em dinheiro.
Somente se há de pensar em avaliação dos danos quando não se pode restituir em natura, ou por meio de
consertos. Rigorosamente, quem indeniza com pecúnia não repristina. Se quem recebe o dinheiro, com êle ou com
êle e trabalho próprio restaura o estado que existia, a repristinação foi postenor à indenização. Não foi o devedor
que fêz volver-se ao estado prístino, foi o próprio lesado.
Preço e interesse podem ser diversos, de jeito que se tem de descer à análise das circunstâncias e levar em
consideração a diminuição no patrimônio e no interesse não-patrimonial do lesado (Aestimatio nuílo modo id
continet quod interest”, dizia A. G. CONSTANI, Questiones iuris memorabilium, Thesaurus luris roinani, V, 386
s., mas tal atitude foi superada quanto a distinguir do interesse singular que há de ser reparado o que não se
justificaria que o fôsse).

2.VALOR E REPARAÇÃO. Nem sempre se pode considerar satisfatório o valor do quanto da coisa destruída ou
de algum modo atingida. O preço antigo pode não ser o preço de hoje, ou ser maior, ou menor. Tem-se de prestar a
coisa, que substitua o que foi danificado ou destruído, com direito do devedor ao que restou; mais o que, no
intervalo, lhe diminuiu uso ou produção. Se o bem não mais existe no mercado, tem-se de procurar a fixação do
quanto que satisfaria o lesado, e tal soma pode ser mais alta do que custou o objeto, inclusive por ser de relevância
para êle o que nao mais lhe dá ensejo de uso. Se o salão tem peças do mesmo estilo e origem e não mais se pode
adquirir a que foi atingida e faz falta à decoração, a liquidação do dano há de considerar o que se perde por deixar
de ser autêntico o que se encomenda em substituição. O interesse estético do lesado tem de ser elemento de
relevância. Preferindo êle a indenização em dinheiro, tal ressarcimento há de corresponder ao quanto com que se
substituiria mais o que corresponderia a diferença originada da falta de autenticidade.

3.RESSARCIMENTO POR BEM ESPECIFICO. O ressarcimento pode ser feito em natura ou de modo
especifico, como se, pela morte de alguns animais, outros se adquirem e são prestados. Quod factum est infectum
fieri nequit. Cria-se a situação idêntica, ou aproximada, à que antes existia, sem que apenas entre si se tenham de
corresponder os valôres. A restituição da mesma coisa não é ressarcimento de modo especifico. Nem sempre a
restituição é possível; nem sempre se pode obter o ressarcimento com bem da mesma espécie. Se é fácil colocar-se
outro vidro, com a mesma qualidade e a mesma côr, na janela que foi atingida, não se pode ressarcir com obra de
arte da mesma qualidade e côr o que o artista não f~z em porção, mas só uma. Há, portanto, o ressarcimento em
dinheiro, o ressarcimento de modo específico e a restituição. Não são o mesmo o modo de adimplir e o dever de
indenizar..
No passado do homem, o ressarcimento de modo específico era o mais usual, porque não se havia chegado ao
nível econômico, pecuniário e comercial de hoje. O adimplemento em moeda sobreveio e alastrou-se. Nas
legislações hodiernas, algumas se referem ao ressarcimento em modo específico. Outras, não. Nessas,, o que se há
de entender é que o permitem (cf. GONARIO ARE, L’Obbligazione e la sua esecuzione coatiiva, 51 s.). Quem
susbstitui o bem destruído, ou quebrado, ou deteriorado, ressarce em modo específico; não reintegra. Quem presta
o valor em dinheiro, ou noutro bem, ressarce; não reintegra. Reintegra quem retirou,, e dá de volta: porque

(continuação)
reintegrar é restituir. Quem roubou ou furto~i as jóias e as restitui, mais os danos provenientes do ato ilícito
absoluto, reintegra e ressarce.
Quem refaz o muro alheio, que o seu carro derrubou, ressarce especificamente. Quem retira a areia, que caiu no
terreno vizinho, ressarce especificamente.
A indenização tem por fito pôr o lesado em situação idêntica ou correspondente àquela em que se achava. A
correspondência atende ao valor, ao interesse, independentemente da identidade. Não é fácil conseguir-se a
reintegração ou o ressarcimento de modo específico; e não bastaria para cobrir as perdas e os lucros cessantes
ocorridos entre o fato ilícito absoluto e a indenização. Às vêzes, é impossível, ou, no momento ou no lugar,
impraticável. Se é possível e praticável,
o lesado pode exigir o ressarcimento de modo específico, ou a indenização pela reintegração.
A escolha cabe ao lesado. Se há possibilidade e praticabilidade do ressarcimento de modo específico, o
demandante pode exigi-lo. A impraticabilidade pode resultar da falta de meios pecuniários, no momento, do
responsável pelo dano.

4.ALIMENTOS PARA A DETERMINAÇÃO DO QUANIO INDENIZATORIO. A condenação pelo juiz a


prestar, quer em natura, quer em pecúnia, tem finalidade específica, que é a de ressarcimento. Há de haver, tanto
quanto possível, a correspondência entre o dano sofrido e aquilo que se presta como reparação. A indenização em
natura pode ser total ou parcial. Se A foi vitima de ataque por B que lhe tirou a carteira de valôres, mas lha
restituiu minutos depois, por ver aproximar-se a policia, a restituição imediata foi reparação total em natura. Não
se passa o mesmo s’e B só lha restitui dias depois, na polícia, porque contra B ainda há a ação de A para haver a
indenização pelo que sofreu de danos pela falta da carteira de valôres.
Se o jornal de B calunia ou injuria a A, a publicação da retratação repara, mas até certo ponto, pois B pode ser
condenado a indenizar os prejuízos que advieram a A.
Se o dano moral não é avaliável com exatidão, a lei há de estabelecer o que parece aproximadamente
indenizatório,. ou o tem de determinar o juiz, que não o faz discricionariamente , mas sim dentro do que as
circunstâncias objetivas e subjetivas lhe traçam como razoável.
a) A gravidade objetiva do dano vem em primeiro plano. O ferimento é grave conforme se mostra no presente e
conforme a previsão médica, que pode ser condicionada a imediatos ou mediatos tratamentos. A permanência em
leito ou hospital, ou o ficar inibido de andar, ou de ir ao trabalho, é elemento de medida de gravidade objetiva.
b) Elemento para apreciação do dano em sua importância está na pessoa do ofendido (situação social, situação
familiar, renda do trabalho; receptividade individual do lesado, o mie se manifesta, por exemplo, na morte do filho
por colisão de automóveis, ou assassínio; situação profissional, como se dá em caso de ofensa a juiz, ou a árbitro).
c)A fortuna do ofensor é levada em consideração, por exemplo, no caso de dote. Discute-se se também há de ser
atendida a fortuna da ofendida. A solução é afirmativa (cp. FRANÇOIS GIvORD, La Rép«ration du pré judice
moral, 231).
d)Outro elemento é a gravidade da culpa.
Raramente a personalidade do lesante influi no quanto da indenização, mas casos há em que tem de repercutir na
determinação do que se reputa suficiente. Pequeno ofende de baixo, grande ofende de cima. Tem-se dito que a
condenação do ofensor a pagar mais do que teria a vitima a enriquece sem causa. Tal princípio seria injusto em
muitos casos. O arquimilionário B deflora a filha do empregado, ou do vizinho, ou a criada. De modo nenhum se
poderia pensar em enriquecimento injustificado se o juiz condenou o arquimilionário a dote acima do que teria de
ser pago pelo empregado, ou outra pessoa de poucos recursos, que fôsse o ofensor. É possível mesmo que o
arquimilionário tenha feito presentes de alto valor à futura ofendida, que lhe tenha dado vestes, ou dinheiro para
aluguer de apartamento, ou automóvel. Se o não fêz, não importa; porque a situação em que êle se achava quase
sempre foi elemento facilitador do ato sexual, O que dissemos não só se refere ao defloramento como a qualquer
agravo à honra da mulher (virgem e menor, deflorada; mulher honesta, menor ou maior, virgem ou não, se
violentada ou aterrada por ameaças; menor ou maior, se teve relações após promessa de casamento; menor ou
maior, se foi raptada). O rapto, mesmo sem relações sexuais, é ofensa à honra.
O dano ao corpo ou à psique, como o dano à honra, não pode ter avaliação idêntica, a despeito de ser, por
exemplo, a mesma a ferida, ou o mesmo o golpe de conseqUências psicopáticas, ou a mesma a ofensa à honra. Há
o elemento da pessoa do ofendido, seja quanto à sua situação social, ou de família, seja de produtividade, ou de
receptividade~ ou de riqueza ou pobreza, além do elemento da culpa, que pode ser grave, ou não existir, por tratar-
se de risco.
No direito brasileiro, não se entra na apreciação de ter havido dolo, ou culpa, para se avaliar o dano, salvo se há
regra jurídica especial a respeito. Na doutrina, os que sustentam a distinção invocam haver necessidade de

(continuação)
sentimento (e. g., GIAcOMO VENEZIAN, Danno e risarcimento fuori dei contratti, Opere giuridiche, 1, 1, 303),
ou de justiça, ou ser indispensável se atender à diferença (FRANCESGO ANTOLISEI,. L’Offesa e ii Daxn~o nel
reato, 160; PIERRE VOISENET, La Faute lourde en droit privé françai.s, 295 s.).
Atender-se à gravidade da culpa para se avaliarem os danos somente pode ter fundamento na eqUidade, mas, se
não há texto, seria introduzir-se critério a que a lei não alude.

5.RESSARCIMENTO SIMBÓLIcO. Diz-se ressarcimento simbólico o ressarcimento ínfimo com que, em vez de
se reparar o dano, apenas se considera solvida a dívida de indenização mediante a dação do que simboliza o
pagamento. O lesado pede, em juízo, ou extrajudicialmentemente, que se lhe preste pequeno valor, porque mais
lhe interessa a condenação ou a confissão do que o adimplemento adequado. Só o titular do direito à indenização
pode admitir ou pedir tal reparação simbólica, porque há renúncia parcial. O juiz de modo nenhum pode, sem o
pedido, condenar ao adimplemento simbólico. De modo nenhum se poderia permitir, no direito brasileiro, a atitude
de alguns juizes e tribunais franceses (cf. FRANÇOIS GívoRD, La Réparation du pré judice moral, 251). Tão-
pouco se há de considerar a reparação simbólica como pena privada. Não há punição, o que há é diminuIção do
quanto indenizatório em conseqUência da renúncia parcial.
Para que haja a reparação simbólica, é preciso que o direito ao ressarcimento seja, na espécie, renunciável, e que o
lesado possa renunciar.

6.CASOS PREVISTOS NA LEI. O Código Civil previu a liquidação da indenização em caso de homicídio (arts.
1.537 e 1.540), em caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, expressão aí, em sentido largo (arts. 1.538 e 1.540),
em caso de defeito que prive o ofendido de exercer profissão, ou lhe diminua o valor do trabalho (arts. 1.539 e
1.540), em caso de usurpação ou esbulho do alheio (arts. 1.541-1.543), em caso de injúria ou calúnia (art. 1.547 e
parágrafo único), em caso de ofensa à honra da mulher (art. 1.548) e nos demais casos de violência sexual ou de
ofensa ao pudor (art. 1.549) e em caso de ofensa à liberdade pessoal (arts. 1.550 e 1.547).
As regras jurídicas dos arts. 1.545, 1.546 e 1.551 do Código Civil, a despeito da colocação que tiveram (deviam
estar iio Capítulo 1, e não no Capítulo II), nada dizem sobre liquidação das dívidas por fatos ilícitos absolutos.
No art. 1.544 estatui-se: “Além dos juros ordinários contados proporcionalmente ao valor do dano e desde o tempo
do crime, a satisfação compreende os juros compostos”.

7.CASOS NÃO PREVISTOS NA LEI SÓBRE QUANTO DO RESSARGIMENTO. Diz o Código Civil, art.
1.553: “Nos casos não previstos neste Capítulo, se fixará por arbitramento a indenização”. A regra jurídica apanha
todos os casos em que em lei não se cogitou de como e em quanto se há de condenar quem tem o dever de
indenizar por fato ilícito absoluto. Cf. Tomo XXVI, § 3.111, 2. A primeira conseqUência lógica do art. 1.553 é de
ser princípio do sistema jurídico não se poder, de modo nenhum, deixar de reparar o dano, qualquer que seja, com
a afirmação de se não alegar e provar o quanto. Se dano houve e há a relação de causalidade e outros elementos
que na espécie sejam pressupostos, tem de haver a condenação. Até onde e em quanto importa o valor dêle é
assunto que o Código Civil deixou ao arbitramento. Se foi proposta a ação, alegam-se e provam-se o dano e a
responsabilidade do demandado. Nem se pode afirmar a responsabilidade sem se alegar o dano, nem se afirma
terem havido o fato ilícito absoluto e o dano sem se alegar a existência da relação jurídica de vinculação ao
ressarcimento (cf. Supremo Tribunal Federal, 13 de novembro de 1934, R. de J. B., 38, 155). As provas têm de ser
feitas. A propósito convém que se repila jurisprudência estrangeira que permite, na ação executiva da sentença
condenatória, que se exclua ter havido dano, se a sentença que se executa, trânsita em julgado, já lhe afirmou a
existência, mesmo se o dano somente foi provado genêricamente. Tão-pouco, na ação executiva se pode alegar e
provar ter havido culpa da vitima , legítima defesa ou estado de necessidade. Tudo isso tinha de ser alegado e
provado na ação de condenação, onde a eficácia declarativa concerne a todos êsses pontos. O art. 916 do Código
de Processo Civil, a que adiante nos referimos, é expressivo.
O vocábulo “arbitramento” acha-se no art. 1.553 do Código Civil no sentido estrito de laudo de arbitradores, isto
de modo coletivo de fixação por pessoas incomodadas a uma apreciação dos elementos probatórios quantitativos.,
não pode ser o próprio juiz ou o tribunal que arbitre, se a sentença que se está executando deixar ao arbitrai.1~ÁO
a determinação do quanto. Entendamos, portanto, que na ação de reparação cabe ao juiz determinar o quanto, em
qualquer caso, se há elementos para isso, e o arbitramento só é exigido se o juiz entende ser necessário, pela
especificidade do dano ou das suas conseqüências , ou se já se passou a ação executiva.
A sentença depende de liquidação se não fixou o quanto indenizatório, ou não individuou o que há de ser prestado,
ou que se há de prestar de bem fungivel. Pode dar-se que baste cálculo do contador, como se a operação
liquidatória apenas consiste em dizer-se o que se há de pagar de juros acrescidos ou rendimentos de capital, ou

(continuação)
número de pensões, se a taxa é sabida, ou o quanto de rendimento ou de pensão. Dá-se o mesmo se o que se deve
tem cotação na bôlsa, cotação que há de constar, por certidão, dos autos da ação. Há liquidação por arbitramento
se a sentença exeqUenda o determinou, ou quando, para se conhecer o quanto, se haja previsto a ocorrência de fato
futuro.
Tem-se de nomear o arbitrador, um para cada parte, ou para ambos, em caso de concordância. O’ Código de
Processo Civil, no art. 911, frisou que, “no arbitramento da indenização preveniente de ato ilícito” aliás, diga-se
“fato ilícito”, porque nem todos os casos são de ato ilícito “os lucros cessantes serão convertidos em prestação de
renda ou pensão , mediante pagamento de capital que aos juros legais assegure as prestações devidas”. Acrescenta
o art. 912: “A indenização referida no artigo anterior será fixada, sempre que possa~na ação principal” entenda-
se na ação condenatória “e compreenderá as custas judiciais, os honorários de advogado, as pensões vencidas e
respecticos juros, devendo a sentença determinar a aplicação do capital em títulos da dívida pública federal para a
constituição da renda. Ésse capital será inalienável durante a vida da vitima, revertendo, após o falecimento desta,
ao patrimônio do obrigado. Se a vítima falecer em consequência do ato ilícito, prestará o responsável alimentos às
pessoas a quem ela os devia, levada em conta a duração provável da vida da vitima. Neste caso, a reversão do
capital ao patrimônio do obrigado somente se efetuará depois de cessada a obrigação de prestar alimentos”.
Devido à inflação , o investimento somente há de ser feito em títulos da dívida pública federal suscetíveis de
correção monetária. Uma. vez que foi a União que exigiu a aplicação em títulos seus, a vítima que não pode
adquirir com a renda ou a pensão proveniente dos títulos o que poderia adquirir ao tempo da aquisição dos títulos,
tem ação de indenização contra a União, porque o ato ilícito pode ser ato legislativo, administrativo ou judiciário.
A base para a liquidação é a da correção monetária .
Se, proferida a sentença, o valor da prestação não indeniza, pode ser pedida o correção monetária no tribunal em
que se examina recurso, ou no próprio juízo em que foi julgada a ação de condenação, se ainda não transitou em
julgado a decisão e o recurso que pende é de agravo de petição. Se a decisão já transitou em julgado, a correção
monetária pode ser feita no juízo da ação executiva, porque não se trata de matéria da condenação, mas sim de
simples aplicação de regra jurídica liquidatória.
Na liquidação, ou, melhor, em qualquer fase da ação executiva, não se pode discutir e julgar o que teria de ser
decidido na ação de condenação. Na execução, a matéria alegável em embargos é limitada (Código de Processo
Civil, artigos 1.010-1.013). No art. 916, o Código de Processo Civil estatui: “Na liquidação não se poderá
modificar, ou inovar, a sentença liquidanda, nem discutir matéria pertinente à causa principal”. “Principal” está, aí,
em sentido de causa em que se proferiu a sentença liquidanda. A explicitude foi útil, porém não necessária, porque
a regra jurídica resulta da própria diferenciação das ações. Útil, porque põe fora de discussão que se invoquem,
por exemplo, as decisões da Cassação da Itália, a 12 e a 29 de abril de 1938, que permitiu a alegação e a prova da
inexistência do dano por ter sido genérica a condenação, e outras que admitiram a prova da culpa da vítima. Tudo
isso,, é assunto para a condenação, e não para a execução.

Se as circunstâncias afastam que se saiba ao certo quanto percebia por seu trabalho a vitima, nem há base para se
tirar o valor médio, o salário mínimo impõe-se (Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, 5 de agôsto de
1941, R. F., 89, 229) se não há prova do que percebia ou percebeu acima do salário mínimo o lesado (cf. Tribunal
de Apelação do Distrito Federal, 4 de novembro de 1941, R. R., 90, 127,e29deoutu-bro de 1942, D. da J. de 22 de
janeiro de 1943).
Se, no momento em que se tem de provar o dano, persiste a afirmação do demandante de haver dano’ futuro ou.
eventual, somente há res judicata se a sentença proferida repele a suposição. A sentença pode admitir a) que os
danos futuros ou eventuais não possam ocorrer, ou b) que podem~ ocorrer em diminu~íçáo ou em aumentos, casos
em que seja feita a revisão periódica, ou quando as circunstâncias o exijam, ou e) assentar qual o decréscimo, ou o
acréscimo, que se tem de observar (zz o juiz tem ou diz que tem pleno conhecimento do futuro).
Se não se pode avaliar o dano causado, por faltarem elementos para fixação do valor, como se o diamante era de x
quilates mas se ignora a qualidade, tem-se de partir do preço médio no mercado de pedras preciosas. Às vêzes, o
montante é suscetível de cômputo conforme casos semelhantes, ditos no acórdão da 2Y~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a 21 de janeiro de 1947 (E. dos T., 165, 810), “casos análogos”.

8. LUCRO CESSANTE. O lucro cessante é dano que atinge bem futuro. Os meios de prova não são fáceis. Daí
ter de ser prudente o juiz, para que não o avalie acima do que é muito provável, nem o diminua por faltarem
alguns dados. Quem mata os bois de uma fazenda e as vacas prenhes não pode deixar de levar em consideração o
que teria, após alguns meses, ou anos, o fazendeiro. Quem queima os cafêzais antes da colheita, ou mesmo antes
da floração, tem de indenizar o dano emergente e o lucro cessante.

(continuação)
O dano, que se tem de ressarcir, ou se mede conforme o valor objetivo do bem, ou conforme o valor subjetivo, isto
é, atendendo-se ao interesse do lesado, ao valor do bem na específica utilidade para o titular do crédito
indenizatório. Já no direito romano, o ressarcimento ia até ai (e. g., L. 21 e L. 22, 1, D., ad Legem Aquitiam, 9, 2;
ae vi armata, 43, 16).
No ari. 1.0~9 cio Código Civil Quis -se, explicitamente, que as perdas e danos, devidos ao credor, abrangem, além
do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de ganhar. Sobre a regra jurídica, Tornos XXII, ~
2.722, 2; XXV, ~ 3.072, 1; XXVI, ~ 3.111, 3 (lucros cessantes) e 3.165, 2; XLIV, ~ 4.794, 1. O valor do dano pode
ser superior ao do valor do bem a que se refere o interesse ; pode ser igual ou ser inferior.

9.TEMPO PARA AVALIAÇÃO DO DANO. Têm-se de apreciar todos os elementos existentes no momento em
que ocorreu o dano. Portanto, os danos presentes e os danos futuros. O dano futuro ou não é avaliável no
momento, ou já o é. O que é preciso é que se conheça o estado do bem, para se poder levar em consideração o que
vai ocorrer, ou é provável que ocorra. O nexo causal é que importa. Não se há de omitir qualquer elemento que
possa causar o dano. O juiz não tem de atender ao que já se causou de dano, no momento do fato ilícito absoluto,
mas também ao que o fato ilícito absoluto causou depois. Na sentença já se há de dizer o que vale o dano tido
como inevitável, no futuro, ou como extremamente provável; porém nada obsta a que o juiz fixe o quanto
emergente e o lucro cessante e deixe para verificação posterior, como elemento contenutístico da condenação, o
que pode advir, sem variação de causa.
A correção monetária há de ser feita até que se dê o adimplemento, porque só se indeniza, no momento b, o que
em tal momento equivaleria ao valor do dano no momento.

10.PENA PRIVADA. Houve opinião sobre ser pena a condenação a pagar soma de dinheiro a quem sofreu dano
moral. Chamou-se mesmo teoria da pena privado. (e. g., GEORGES RIPERT e RENÉ SAVATIER). Para se
chegar à afirmação, argumentava-se que a imposição de determinada quantia contra o lesante tem de ser pena,
porque não houve avaliação em concreto. O recebimento, pelo que sofreu o dano moral, nada
tem de imoral; além disso, permite que o ressarcimento peta empresa de seguros seja sem atingimento do que foi
prestado pelo lesante.
Em verdade, não há castigo, nem há imoralidade no receber, mesmo porque, se a fixação fôsse de pena privada, a
imoralidade não desapareceria (FRANÇOIS GIvORD, La Rêpa.ration ~ pré judice ‘moral, 116). O fato de ser
pessoal a ação e não caber ao terceiro, e. g., segurador, exercê-la em vez do lesado, de modo nenhum importa
tratar-se de pena privada. A finalidade do que se fixou como dívida é de reparação.
No direito brasileiro, há o problema concernente ao artigo 1.538, in fine, do Código Civil (art. 1.538, in fine:
“...além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente”; cp. Código Penal,
art. 129), e ao art. 1.538, § 1.0 (“Esta soma será duplicada, se do ferimento resultou aleijão ou deformidade”). À
primeira vista parece que se trata de pena privada, mas o papel das duas regras jurídicas é indenizatório. A
expressão “multa” é que dá ensejo a dúvidas.
Passa-se o mesmo, no tocante à injúria ou à calúnia, no art. 1.547, parágrafo único (“Se êste” o ofendido “não
puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dôbro da multa no grau máximo da pena criminal
respectiva (art. 1.550”; cf. Código Penal, arts. 138-145).

11.JUROS COMPOSTOS. Lê-se no Código Civil, artigo 1.544: “Além dos juros ordinários, contados
proporcionalmente ao valor do dano, e desde o tempo do crime, a satisfação compreende os juros compostos”. A
expressão “crime” provocou discussões. ~‘,É pressuposto essencial para que se contem os juros compostos a) que
tenha havido crime, ou b) bastaria o ato ilícito absoluto, tal como o conceitua o direito privado? Parte da
jurisprudência ateve-se a a): e. g., Supremo Tribunal, 11 de outubro de 1950 (D. da ,J., de 7 de agôsto de 1952),
6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de dezembro de 1950, R. dos T., 191, 215; 8.~ Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 22 de outubro de 1951 (A. J., 104, 233, e 105, 117), 1~a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 13 de agôsto de 1953 (Minas Forense, IV, 152), 2.~ Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Paraná, 17 de abril de 1952 (Paraná L, 55, 506). Parte, a b); e. g., Supremo Tribunal
Federal, 9 de setembro de 1948 (R. F., 126, 95); e 2.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 14 de
abril de 1942, (R. dos T., 141, 588).
No Tomo XXIV, § 2.888, cogitamos das espécies de juros, uma das quais é a dos juros compostos (§ 2.888, 13).
Lá o art. 1.544 do Código Civil foi comentado, frisando-se que a interpretação teria de aludir ao Código Civil do
Império, art. 26.
O’ art. 1.536, § 2.0, do Código Civil somente se refere ao dies a qua para a contagem dos juros moratórios, e não

(continuação)
aos pressupostos para que fluam juros da mora, o que é assunto do art. 1.064 (concernente a pressupostos, e não a
tempo). Cf. Supremo Tribunal Federal, 3 de julho de 1934, R. dos T.. 110~ 590; L~ Turma do Supremo Tribunal
Federal, 24 de setembro de 1953 (A. J., 111, 341), 26 de abril de 1954 (112, 261) 2Y Turma, 15 de maio de 1943
(A. ¾ 70, 140), 1.0 de junho de 1948 (D. da J., de 13 de dezembro de 1949), e 27 de janeiro de 1950 (D. da ,T., de
21 de fevereiro de 1952) ; Tribunal Federal de Recursos, 25 de abril de 1949 (R. F., 130, 126); 3,~ Câmara Cível
do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 11 de setembro de 1942 (R. F., 94, 67); 1•a Câmara Civil do Tribunal
de Apelação de São Paulo, 10 de maio de 1943 (R. dos T., 144, 721), 2.~ Câmara Civil, 4 de junho de
1946 (162, 731); 2.’ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 31 de março de 1955 (Paraná J., 61, 1111).

12.CONCORRÊNCIA DESLEAL. A propósito da concorrência desleal, a liquidação dos danos é sempre difícil.
Tem-se de fazer o arbitramento, porque, na própria baixa de números de vendas ou de encomendas, outros fatôres
podem ter influído. Sobre a concorrência desleal, Tomos XVII, §§ 2.066. 2; 2.093-2.108; 2.137 e 2.138; XLI, §
4.502, 2; XLIV, §4.759v 3.

Por outro lado, onde há oligocracia ou impunidade das pressões econômicas, não há, ou só há aparentemente, luta
contra a concorrência desleal. Daí O. PICHOT (De la Répression de la Concurrence déloyale, 11) ter dito que só
em regime de liberdade se põe o problema da concorrência desleal. Outra dificuldade é a de conciliação do
princípio da liberdade de comércio e de indústria e da inviolabilidade dos direitos de outrem (H. GoDINoT, La
Concurre-nce déloyale et illicite, 8) com as medidas contrárias à concorrência desleal. Se houve negócio jurídico
em que um dos concorrentes ou futuros consorcio jurídico em que um dos concorrentes ou futuro concorrer, há
ilicitude relativa da concorrência, e não (só) concorrência desleal (LOuiS MERMILLOD, Essai sur la Notion ae
toncurrence déloyale, 16).
Compreende-se que dos Estados europeus se houvesse originado o direito intraestatal da concorrência desleal (cf.
KURT JUNCKERSTORFF, Le Principe général du Droit international de la Concurrence, 1 s.). Mas os Estados
Unidos da América, com o princípio da livre concorrência, a que tanto devem, tiveram de enfrentar os problemas
da uni air Com petition, que os levaram às limitações ao exercício da livre concorrência. Assenta-se que há, às
vêzes, ofensa a direito, mas sempre há violação de dever~ razão por que se insere a lesão na classe dos fatos
ilícitos absolutos, dos torts; sem que se possa dizer que tôda concorrência lesiva seja tort (cf. R. CALLMANN,
The Lau’ of Unfair Co-mpetition cnd Trade-inark, 86). Todavia, seria absurdo que, em cada caso, se exigisse o
pressuposto da ilegalidade, como fêz, por exemplo, S.-C. OPPENHEIM (Cases on Trade Regulations, 61). Há
especificidade do ato ilícito absoluto~, sem se precisar, portanto, de alusão a difamação, violação de direito de
propriedade, ou outro elemento do ato ilícito absoluto ordinário. Porém nem sempre a jurisprudência dispensa o
elemento dos outros atos ilícitos absolutos (e. g., Katz versus Kapper, .14, P2d 1060, 1935).
O ato há de ser lesivo. O dano pode ser já ocorrido, ou futuro. No direito dos Estados Unidos da América, há a
medida temporária, a injunção preliminar, ou, melhor~ prévia, ou preventiva, a que corresponde, no direito
brasileiro, a medida cautelar, ou, nos seus resultados, o preceito cominatório, sem que de modo nenhum se possa
confundir com aquela, ou com êsse, a Injonetion.
Se os danos já ocorreram, a ação é de indenização, que aliás pode ser concomitante com a ação preventiva.
~, Como, porém, se hão de liquidar os danos? Trata-se de reparação, repristinativa, ou não. No direito dos Estados
Unidos da América, há a avaliação dos danos sofridos, o que há que ser perante juiz que decida at law, ou a dos
ganhos que teve o ofensor (proveitos fraudulentos), o que só o juiz, que julga por eqúidade , pode fazer. A Côrte
Suprema permite os dois critérios (e. g., ~tark Bros Co. versus Stark, 1921). Tem-
-se entendido que, se houve lucros fraudulentos, se hã presumir que os sofreu o demandante, sem que se afaste
que outros danos se tenham produzido sem o correspondente lucro fraudulento para a outra parte. ~ difícil precisão
na quantia que totalmente repare, tanto mais quanto a sonia pode ultrapassar o valor dos danos que em verdade o
demandante sofreu. Todavia, a decisão no caso O. E. Sharpless vcrsws Lawrence, 213 Fed. 423, CCA3V 1914,
admitiu a finalidade repressiva. Também se atendeu ao critério da apreciação dos danos que teriam acontecido se a
concorrência desleal tivesse entrado em prática( (e. g., Coviser versus J. C. Brownstone and Co., 205 N. Y. 5. 82,
1924). O demandado pode deduzir do quanto o que foi gasto na produção e nas operações de venda, além das
despesas gerais (Coca-Cola Co. versas Oleo Syrup. Corp., 1944).
O dano pode ter consistido em forçada diminuIção do preço de venda (Anchor Stove and Range Co. versus
Rymer, 54 F. Supp., 665, DCED~ Mo., 1938). Não se prova que não houve dano pelo simples fato de não ter
havido lucros, nem diminuição (Ancien Egyptian Order of Nobles of the Mystic Shrine versus Michaux, 71, L.
Ed. 802, 47~ Sup.Ct., 1927).

(continuação)
O demandante pode ter tido gastos e perda de tempo em investigar e descobrir os meios usados pelo concorrente
desleal (Truzzolino Food Products Co versus F. W. Woolworth Co., 91 P. 2d 415, 1~39).
A Supremo Côrte admite que, por equidade, se condene a mais do que o prejuízo sofrido, se os atos foram
propositais, criminosos, premeditados ou gratuitamente maliciosos (Gardella versus Log Cabin Products Co., 89 F
2d 891, 1937). Mas há decisões que o contradizem. (e. g., Mother Cobb’s Chicken Turmovers versus Fox, 73, P
2d, 1185, 1987).
Se houve difamação. basta a simples possibilidade de dano para que se possa condenar o concorrente desleal
(Edwin L. Wíegand Co. versus Harold E. Trent Co., 122 F. 2d 920, 1941).
A relação de causa a efeito é exigida. Presume-se existir em casos de ter sido provada a atividade desleal e
provados os lucros do concorrente demandado, O ônus da prova de não haver tal relação incumbe ao demandado.
Uma das objeções é a de ter ignorado, completamente, os produtos do demandante, ou a existência dêsse, ou a de
que, no momento dos pretensos danos, os produtos do demandante não estavam no mercado (1. T. 5. Co. v~rsus
Tee Pee Rubler Co., 208. Fed. 794, 1923;. Vogue Co. versus Thompson-Hudson Co., 300 Fed. 509, 1924).
A especialidade do ato ilícito absoluto revela-se, claramente, em alguns exemplos: correção comercial (comnercial
bribcry), que entrou em algumas leis como crime; a atividade desleal, no tocante a preços (unfair price
competitiou), como a venda abaixo do preço fixado pela fábrica, o que alguns Estados-membros, a partir da
Califórnia, puseram de lado, reputando licite, e acabou o Congresso por fazer ao Shermann Anti-Trust Act a
emenda de 17 de agôsto de 1937; a venda abaixo do preço de revenda (selling below cost), que, em determinadas
circunstâncias, constitui concorrência desleal (cf. Cleaning and Dieing Plant Owners Ass’n of Chicago versus
Sterling Cleaners and Dyers, 2 N. E. 2d 149, 1936). Onde há o propósito de desaparecimento da concorrência
honesta, há deslealdade delituosa. Um dos exemplos tem-se na dação de presentes aos compradores, se o fim é
causar danos a algum ou a alguns concorrentes. Se falta êsse propósito, ou essa conseqüência , não (cf. People
versus Victor, 283 NW. 666, 1989).

Título LIX

COMINAÇÃO EM DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E EM GERAL

CONCEiTO E NATUREZA DA COMINAÇÃO

~5.575. Ações de preceito cominatório contra quem é ou há de ser responsável por fato ilícito

1. PRELIMINARES. - (a) O legislador brasileiro concebeu as ações executivas sem que no processo delas se
inserisse o processo contumacial; mas arquitetou o preceito cominatório, com a eliminação automática da
contraditoriedade, se o réu preceitado deixa de reagir contra as afirmações do autor. O princípio dispositivo
exerce, aí, papel decisivo:
certo, nem sempre o não-contradizer é confirmar o que o autor afirma, nem confessar; mas há as regras jurídicas
sobre se ter como verídica a alegação que a outra parte não contesta e a de ser como confessado o que se afirmou
contra a parte que tem de depor, se não comparece ou se comparece e ~e recusa a depor; a fortiori, o preceitado
deve contestar, porque já se lhe apontaram as consequências do seu silêncio, ou da sua inércia. Tal como em
direito material, êle sabe como se haveria de interpretar a sua falta de reação.
Essa falta de reação consiste: ou a) em não comparecer; ou b) em comparecer e não contestar. Quem não
comparece, não contesta. De modo que, assim no caso a) como no caso
a estrutura do processo se modifica: a falta de contestação engendra a certeza oficial, e os autos são conclusos para
a sentença ; deixa de haver o contraditório. O processo será contumacial (nisi se oppanat) ; quer dizer: o mandato
de citação com a cominatória contém algo de sentencial e alguns juristas constroem a resolução judicial de
preceito como sentença suspensivamente condicionada (isto é, suspende-se a sua eficácia até que o réu deixe de
reagir às afirmações, ou que se prove que as afirmações contestadas são verdadeiras). Porém parece-nos artificial
essa construção: o mandado não é à maneira do processo monitório puro nisi se opponat; não cai, com a
contestação, o mandado; o mandado permanece. Dai a relevância de tôda a análise que se não afaste dos fatos.
(b)O princípio da. angularidade da relação jurídica processual não pode existir sem que exista o princípio da
audiência bilateral (Audiatur et altera pars); porque, sem êsse, não se teria o ângulo ABC, mas linha AB, ou as

(continuação)
linhas AB e BC, sem se juntarem, sem vértice.
Nos processos iniciados de ofício, a relação jurídica pode angularizar-se, mas em vez de ir a seta, do autor ao juiz,
vai do juiz ao autor. Nos processos iniciados sem a devida citação, ou com citação nula, a comparência estabelece
a angularidade.
A angularidade originária foi AB e CB, sucedânea da composição direta, sem terceiro, AC, e da angularidade sem
vértice estatal Ab e Cb, em que b era árbitro. Por isso mesmo, se havia Ab ou AB, mas C se recusava a formar Cb
ou CB, não havia angularidade. Essa dependia de C, réu, como de A. A evolução operou-se com a criação
pretoriana da missio in bona para que C comparecesse. Aliás, também o direito germâniceretas, inclusive o
lançava mão de tais constricões indiarresto.
Êsse fato, para nós simplicíssimo, de poder o Estado estabelecer a angularidade, a despeito da não-comparência
(lo réu, nasceu do procedimento contumacial romano pós-clássico e superou-o. Essa superação foi acontecimento
de alta importância e ainda prossegue em seu caminho pelo mundo.
Ao primitivo princípio de autocooperação sucedeu o da cooperação provocada, indo-se, até, a medidas
demasiado enérgicas (missio in bona, proscrição, excomunhão, possessio tedialis, etc.).
A angularidade, a líbito do Estado, ou como direito subjetivo público do autor (e do réu), somente se estabeleceu
através de lenta evolução, que se caracterizou, para certas causas, com a Clementina Saepe, decretal de 1306
(Clemente V). Deu-se, após, a generalização das regras especiais da decretal.
No processo civil comum alemão é possível observar-se a coexistência de duas formas, de 1495 até 1654: ou o
autor obrigava o réu a comparecer, ou se processava o feito na sua. ausência.
No processo inglês recorria-se a embargo, para que, privados dos bens, os réus comparecessem. Só se teve o
processo sem comparência do réu já no século XVIII, e ainda assim se recorria à representação do réu. Porém
persistiram, nos tribunais de eqtiidade, casos de exigência da presença do réu. Nêles, à coerção só física
sucederam a coerção nos bens e, afinal, a decretação de confesso (decree pra confesso), se foi sem êxito a coerção.
Até 1841 houve a comparência forçada (commissian of rehelíion) e continuou a ação do sergeant at arms,
nomeado pela legislatura para executar as suas ordens.

2.I)ADoS HISTÓRICOS. O direito luso-brasileiro ligou a cognição superficial (e a parcial) ao fato de ter o réu de
certo modo confessado no escrito, ou por algum meio, que valeu confessio in iurc, quer quanto à ação executiva
de cognição incompleta (SILVESTRE COMES DE MORAIS, Tractatus de Executionibus, 1, 110: “Confessio
etiam in iure facta paratam habet executionem nuíla expectata sententia”), quer quanto à ação cominatória. Porque
êsse, que ora é réu, se entende condenado por sua própria bôca: “Confessus enim in iudicio censetur proprio ore
condemnatus, ita quod nullae sunt iudicis partes in condemnando, sed tantum in ferenda praecepto de solvendo”.
Com isso, não se fere o principio da angularidade da relação jurídica processual, porque “praeceptum de solvendo
non est sententia condemnatoria proprie”. Note-se bem: não é, prôpriamente, sentença condenatória. O que há, no
mandado, é “executionis praeparatio”. O elemento sentencial é, imprôpriamente, elemento de sentença.
A cognição incompleta foi o resultado daquela fusão e está bem clara em certos textos. Por exemplo: “praeceptum
guarentiae obtinere videtur locum rei judicata, mandetur ad executionem sicut sententia definitiva”. Sem sentença
definitiva, munida de fôrça executiva,, o juiz mandava que se procedesse à execução. O “reconhecimento” do
documento, de que também se usou, chamando o réu a juízo (summaria coçinitio), constituía expediente prático
antes que as legislações adotassem, claramente, o processus executivus dos títulos não judiciais. Seja como fôr, a
executividade por adiantamento foi citação técnica, que fizesse as vêzes da ação de execução de sentença, da acio
judícati.

Tanto as ações executivas de títulos extrajudiciais quanto as ações cominatórias são limitações ao princípio da
angularidade da relação jurídica processual; porém não exclusões ou eliminações dêle. A falta de angularidade é
“Por um momento”; e quanto à cognição, cuja eficácia, por motivos de política legislativa, cristalizados através de
cêrca de mais de seis séculos de experiências, se vai completar depois. Em verdade, não há “falta”: o que se
deslocou, para o início, foi a eficácia executiva.
Nos processos das ações executivas de títulos extrajudiciais, é de todo o interesse teórico e prático pôr-se em
relêvo que a executividade inicial, firmada na cognição provisória, ou superficial, ou parcial, é eficácia dessa
cognição, do que há, nela, de condenatório: ainda não é fôrca executiva é efeito. Donde poder-se dizer: nas ações
executivas de títulos extrajudiciais, em vez de haver a fôrça executiva, desde logo, há o efeito executivo da
cognição incompleta; nas ações executivas firmadas em cognição completa (execuções de sentença), o efeito é da
sentença passada em julgado, ou ainda não passada em julgado, no último caso, a actio judicati, que é efeito da
sentença de condenação, já vem com a carga de cognição suficiente para que somente caibam embargas, isto é,

(continuação)
oposição à eficácia especifica, à fórça executiva.
Os “embargos”, que se ofereciam nos processos executivos, sendo relevantes, lhes suspendiam a execução
(MANUEL ÁLVARES PÉGAS, Commentarius ad Ordinatio’nes, 12, 425, caso do Procurador da Mitra de Lisboa;
Acórdão da Relação do Pôrto, 20 de abril de 1805, e outros; MANUEL DE ALMEIDA E SousA, Tratado Prático
do Processo Executivo Sumario , 160-161); porém havia exceções. Hoje, a contestação não suspende. O rito é
sempre o ordinário, haja ou não haja contestação.
O julgamento do pedido, se não houve contestação (2.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do
Sul, 23 de junho de 1943, J., 22, 363, 7 de julho; 1?. F., 97, 428), ou se o réu confessou, é intempestivo (vol. II,
293) ; despacho saneador e audiência de instrução e julgamento são atos essenciais.
A atribuição de executividade ao contrato, ou, em geral, negócio jurídico, por declaração de vontade do obrigado,
é velharia, que o Código não admitiu. O direito romano desconhecia-o. Na Idade Média, quando se encontraram
os dois princípios, o germânico, da prenda privada dos bens do devedor, e o da confissão segundo a regra romana
* Confessus in iure pro judicato habetur (A. ENGELMANN, Der romanisch-kanonische Prozess, 90), a inserção
da cláusula nasceu, dela se evolucionou para os in,strumenta quarentigiata e, depois, para os títulos formais
executivos, isto é, para os casos de cognição incompleta (superficial ou parcial) reputada suficiente, na espécie,
para a propositura da ação executiva de títulos extrajudiciais.

2.COGNIÇÃO INCOMPLETA. O preceito cominatório parte de cognição incompleta; por isso não viola o
princípio de conhecer antes de julgar. O mesmo ocorre com as ações executivas do art. 298. O mandado com
cláusula não infringe o princípio, mas infringe-o o sine clausu ia, por ser “contrário à razão natural e à eqUidade”
(J. J. C. PEREIRA E SOUSA, Primeiras Linhas, IV, 97).
(Preceitar, preceitado, de que nos servimos, eram expressões usadas no fôro de Portugal, e o são no fôro do Brasil.
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA empregava-as, ~. g., Ações Sumárias, 1, 369.)
A propositura da demanda, pois que é entre autor e juiz (Estado), não leva em si qualquer predeterminação d9.
atitude do réu. Desde, porém, que o juiz (o Estado) chama a juízo o réu, o que lhe é dado fazer, porque ficou
“incumbido”, mesmo nos Estados democráticos, de aplicar, judicialmente, o direito objetivo e de executar, o réu
tem a liberdade de falar (afirmando ou negando), ou de calara O calar é ambíguo; às vêzes, equívoco. O Estado
precisa obviar a essa ambiguidade, ou a essa equivocidade. Ou se tem o silêncio do réu como suficiente para
relevar do ônus da prova o autor ou se exige, para que o silêncio afirme, que o juiz encha o futuro silêncio do réu
(ou do autor, quando tem de responder a afirmações do réu), usando da cominação de confesso (ficta confessio).
Ali, a lei enche; aqui, o juiz, com a poema confessi. Essa cominação, fora do processo cominatório (ações
cominatórias), já é resquício de idade cultural que está passando.
O mandado com cláusula justificativa “se senseris te gravatum compareas”, era alternativo:
a) “Comparendi, scilicet, vel acquiescendi praccepto, unde ex quo non apparuit, videtur alteram partem alternative
eligere acquiescendi praecepto, illudque subinde quasi partis approbatione n-anet firmum, stabile, et irrevocabile”.
b) “Pars elegisset alteram partem alternativae comparendo, mandatum executivum in simplicem citationem
resolvetur”, no que se distingue da sentença de condenação, “imo parte non comparente, mandatum executivum
cum clausula, ex hoc paratam executionem non habere” (SILVESTRE GOMES DE MORAIS, Tractatus de
Execitionibus, 1, 107). Isso, êle o hauriu em PAULO DE CASTRO.
O preceito cominatório dêsse tempo era, no nosso direito, devido a rebarbas históricas, mandado executivo com
cláusula e a decisão condicionalmente suspensiva; de modo que cabia dizer-se: comparecendo o réu, “mandatum
executivum in simplicem citationem resolvitur”. Construção defeituosa, porque a pena ainda havia de ser imposta,
fôra apenas cominada. Nem havia razão para se impor, desde logo, a pena, e executar-se, sob condição suspensiva
(artificialidade evidente), pois o que caberia executar-se seria a obrigação do réu, e não a pena, sucedâneo dela.
Essa, ainda quando nasça ipso jure, tem de ser “declarada”, O argutíssimo SILVESTRE GOMES DE MORAIS
(Tractatus de Executionibus, 1, 108 e 109) bem o notou: “non ex hoc poena executive ex dicto mandato exigi
potest, quia licet constet ex mandato Poenam esse impositam non obtemperanti, non adhuc apparet, an pars non
obtemperaverit, quia ratione etiam in poenis ipso ivre incursi.s decíctratoria sententia in indicio contradictoria
requiritur”. Adiantou-se a condenação, mediante a cognição incompleta; não a pena.

A pena, com a pureza da sua origem no direito franco, é cominatória: não se concebeu com suspensão, mas para
sucedâneo, na alternação “cumprimento ou pena”. A eficácia executiva do mandado não se resolve em eficácia de
mandado , pela razão muito simples de que o mandado não tinha aquela eficácia. Ele continua de ter tôda a
eficácia que tinha. Para nos convencermos disso, basta que pensemos no caso do art. 306 (o prazo marcado
continua a correr), ou do art. 302, quando houver prazo marcado. O “juicio de apremio” do direito argentino é de

(continuação)
mandado executivo (HUGO ALSINA, Tratado, III, 275). O elemento franco desaparece.
Mais ainda: nas Ordenações Filipinas, do Livro III, Título 78, § 5, diz-se,, explicitamente, “autos, que não são
começados, mas cominatórios”, ainda com o resquício do começo fora do juízo.
A expressão “declaratória sententia” de SILVESTRE Gomes DE MORAIS está no sentido largo de
“declaratória”: é feliz, porque alude ao elemento declaratório que há nas sentenças, ainda que não sejam
declaratórias no sentido estrito. Assim, a pena ipso jure, para a execução, precisa de sentença condenatória, que é
declaratória + de condenação, e é pena que serve de conteúdo alternativo ao mandado cominatório e à sentença
final de cognição completa.
Quem quer que leia as Ordenações Filipinas~ Livro III, Título 78, § 5, Livro 1, Título 68, § 23, e Livro IV, Título
54, pr., notará que a eficácia é desde o mandado: na primeira, pede o autor ao juiz “que segure a êle, e as suas
coisas”, e o texto mesmo fala de “atentado depois da segurança dada”, por parte de quem “menosprezou seu
mandado”; no segundo, diz-se que se põe “a pena”, “até se determinar a causa por direito’~ (elemento de
nunciação de obra nova que se inseriu na construção jurídica) ; no terceiro, com a sentença final, “que passe em
coisa julgada, não somente entregará a coisa ao senhor dela, mas, além disso, lhe pagará a verdadeira estimação da
coisa pela contumácia que cometeu e em que perseverou”.
O mandado sine facultate jus in contrarium deducendi não se teve no nosso direito, porque as próprias ações
executivas documentais eram com cláusula (reo facultas opponendi exceptiones suas reservatur), pôsto que de
eficácia desde logo. Salvo ~e precedeu sentença declaratória ou sentença condenatória, ou se é caso de eficácia
mandamental como fôrça da sentença. Não é sem defesa pôsto que protraída, em relação à execução a
reintegração do esbulhado (~ “sem ser ouvido o autor do esbulho antes da reintegração”); nem a nunciação de obra
nova, a execução, na ação da entidade estatal, em caso de falta de licença, se há a urgência alegada por ela, pois
oferece a particularidade de ser a sentença sentença parcial, com a declaração de ter havido prejuízo e condenação
quanto ao direito à prestação (au debeatur), porém não ainda sobre a quantidade da prestação devida (quantum
debeatur).

3.ENTIDADES ESTATAIS E COMINAÇÃO EM CASO DE ALEGAÇÃO DE URGÊNCIA. A ação do art. 305


do Código de Processo Civil é executiva. Note-se que não executa obrigação do réu. A urgência atende a interesse
público, que é o verdadeiro fundamento da ação; daí a indenizabilidade se, com a providência judicial, foi
atingida, injustamente, a esfera jurídica do réu. A executividade preponderante faz a ação pertencer à mesma
classe que as ações cautelares, tendo ela, apenas, a mais, o ser solutiva ou satisfativa. No art. 305, § 3~o, do
Código de Processo Civil, há as duas eficácias, a provisória e a definitiva, o que sublinha, de modo vivo, a
presença. (As leis de emergência de proteção aos inquilinos não sabe, aí, serem invocadas como exceção ou
defesa, 1•a Turma do Supremo Tribunal Fede;al, 28 de dezembro de 1944, 1?. dos T., 160, 284.)

CAPITULO II

ESPÉCIES DE AÇÃO COMINATÓRIA

§ 5.577. Ação cominatória para prestação de fato ou abstenção de ato

1.PRECEITAÇÃO COMINATÔRIA. A ação cominatória, ou ação de preceito cominatório, ou, simplesmente


preceito cominatório, ou a antiga “ação de embargos à primeira”, começa pela resolução inicial do juiz, de
comunicação de vontade, em vez de só declaração de vontade. Nenhum elemento executivo. Mínimo de
declaração, cognição incompleta, como se passa com as ações executivas, e daí chamar-se “contestação”, e não
“embargos”, à defesa do réu. O que caracteriza o processo cominatório é nascer da lei processual, de regra, a
pretensão à pena. A legislação processual civil enumera os casos de preceito cominatório, e exaustivamente;
qualquer lei, que crie outros casos, estatui no plano processual. A origem romana, direta, do preceito cominatório
português (talvez lenda de praxistas), não está provada, a despeito da ênfase de alguns juristas. Seja como fôr, a
cominação supõe alternativa, de que usaram juristas romanos e medievais, muitas vêzes com a pena de
excomunhão para cobrança de créditos pios da Igreja. Na praxe portuguêsa e na brasileira, longamente misturado

(continuação)
com o interdito possessório, o preceito cominatório conseguiu manter certa fisionomia própria, readquirindo, para
a legislação de alguns Estados-membros no Brasil, estrutura autônoma, com o pressuposto objetivo do pedido de
ato ou fato, isto é, ligado à pretensão à tutela jurídica do credor de pretensões e obrigações de fazer ou de não
fazer. Nos processos executivos de títulos extrajudiciais, há o dilema “ou o réu executa ou o Estado executa”,
donde solução ou execução forçada. Na ação cominatória, “ou o réu executa ou sofre a pena”. O preceito de
solvendo é comum e comistura-se à citação, nas duas espécies de processo. A segunda parte do dilema é diferente:
ali, execução, portanto efeito executivo do titulo, nos processos executivos de títulos extrajudiciais, a semelhança
das execuções de sentença; aqui, pena, requerida pelo réu, e cominada pelo juiz, com a autoridade que lhe dá (ou
lhe confirma, se coincide alguma lei material ter instruído a pretensão) a lei processual. O efeito cominatório é, em
princípio, função da regra jurídica processual, pôsto que a pena de prisão costume aparecer em regras de direito
material. Sempre que se inicia processo com a cominação, de quantia ou de prisão, está-se na classe dos processos
cominatórios.
A ação de cominação vem-nos da combinação histórica do indcnlus commonitorius franco com certas regras
romanas, como a da L. 5, § 10, D., de operis novi nuntiatione, 39, 1. Parte-se, na sua fase inicial, de cognição
incompleta, sem violação, portanto, do principio de se não julgar antes de conhecer, de modo que, cominando-se,
se adianta condenação, como, tratando-se das ações executivas de títulos extrajudiciais, em que o juiz também
parte de incompleta cognição, se adianta execução . Assim, quando alguém intenta ação executiva de títulos
extrajudicíal e obtém despacho inicial favorável, seguindo-se-lhe a citação, com êsse despacho, de cognição
incompleta, e a respectiva penhora, se estabelece status litis, com tôdas as conseqüências jurídicas da medida que
se deferiu, inclusive a da ineficácia da venda ou gravame dos bens penhorados. A sentença final ou completará a
cognição (que foi ¼) com o refôrco que há de existir na decisão favorável completante (½ + ‘A 1), ou a destruirá,
com a decisão desfavorável ao autor (1 2 ¼ 0). Quando alguém intenta ação de preceito cominatório e obtém
despacho inicial favorável, seguindo-se-lhe a citação, o status litis, à semelhança do que ficou dito, estabelecese O
despacho inicial, de cognição incompleta, adianta eondenaeãa: é como se o réu estivesse condenado: ainda mais
do que se apenas tivesse sido citado em ação de condenação.
Nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 80, ~ 6, estatuía-se: “... honde tratamos dos autos nom começados,
mais com inatorios, Dizemos que a parte, que se teme ou recea ser aggravada, se pode socorrer aos Juizes da terra,
improrando seu officio, por que maucim prover como liinom c-e~a feito tal aggravo”. E acrescentou-se, no ~ 7: “E
ainda Dizemos que poderá fora do Juízo apelar de tal comminaçam, a saber, poendo-se sob poderio do Juiz,
requerendo, e protestando da sua parte e aquelle, de que se teme ser aggravado, que lai aggravo lhe noni faça. E se
depois do dito requerimento, e protestaçam assy feita, por alguua novidade cometida, ou atentada, e o Juiz depois
for requerido por elIo, mandará todo tornar1, e restituir ao primeiro estado”.
No § 8, que merece tôda a atenção, dizia-se: “E em tal apelaçam, ou protestaçam, assy feita deve ser inserta, e
declarada a causa verisimil e resoada, por que assy apelou, ou protestou, corno dito he nas outras apela çoens.
Pode-se poer exemplo: Eu me temo de alguum, que me queira ofender na pessoa, ou que me queira sem rezam
ocupar, e tomar minhas cousas; se eu quero, posso requerer ao Juiz, que segure mim, e minhas cousas deile, a qual
segurança me deve dar: e se depois della eu receber ofença do que fui seguro, o Juiz deve hy tornar, e restituir todo
o que for cometido, e atentado depois da dita segurança dada, e mais proceder contra aquelle que a quebrantou, e
menos presou seu poderio”. O grifo é nosso. O legislador vinha falar de três casos, que seriam o dos atos
começados e acabados, isto é, o dos interditos recuperatórios, cujo nome (interditos) e apelação vinham do Direit2
(~ direito romano)); o dos atos começados e não acabados. Ou é único achado em Direito (r~ em direito romano),
o da nunciação de obra nova, “lançando pedras na obra segundo Direito, e usança da terra”: e o do preceito
cominatório, a respeito do qual nenhuma referência se fêz ao Direito (~ direito romano).
As regras jurídicas afonsinas persistiram nas Ordenações Manuelinas, Livro III, Título 62, § 5: “... quanto ao
terceiro caso dos autos extrajudiciais, que nom sam começados, mas cominatórios. Dizemos, que a parte que se
teme ou recea seer agranada per a outra parte~. se pode socorrer aos Juizes da Terra, implorando seu 0ff icio, que o
prouejam como lhe seja feito agravo”.
No § 6, já o legislador juntou o que estava, separada-mente, nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 80, § 7 e
§ 8: “E poderá ainda fora do Juizo apelíar de tal cominaçam, conuem a saber, poendo -se sob poderio do Juiz,
requerendo, e protestando de sua parte a aquelle de que se teme seer agrauado, que tal agrauo lhe non faça. E se
depois do dito requerimento, e protestaçam assi feita, for algua nouidade cometida, ou atentada, mandará o Juiz
(se for requerido) tornar, e restituir todo ao primeiro estado, e em tal protestaçam será inserta, e declarada a causa
verisimel e razoada, por que assi protestou; pode-se poer exemplo, se alguã se temer d’outro, que o queira ofender
na pessoa, ou lhe queira sem razam ocupar, e tomar suas cousas, elle poderá (se quiser) requerer ao Juiz, que
segure a elle e a suas cousas do outro, que o quiser ofender, a qual segurança lhe o Juiz dará; e se depois delia elle

(continuação)
receber ofensa daquele de que foi seguro, restituilo há o Juiz, e tornará todo o que foi cometido e atentado despois
da dita segurança dada, e mais procederá contra aquelle que a quebrantou, e menos prezou seu mandado, como
achar por Dereito”.absurdo ver-se na ação das Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 80, §§ 6 e 7, ação
possessória. Nem os §§ 6 e 7, que trataram dos pressupostos, aludem ao Direito. Só ofizeram a respeito do
primeiro caso (ações recuperatórias) e do segundo (nunciação de obra nova).
Os interdicta eram atos judiciais, que supunham funções pretórias que o procedimento formulário desconhecia.
Eram remédios jurídicos processuais que mais se assemelhavam às medidas policiais e administrativas, para se
evitarem ofensas à ordem jurídica. A proteção de interesses privados era secundária. Eram mandamentos para o
caso de existirem os fatos alegados. A fórmula do interdictum utrubi fala por si. Quanto aos interesses privados,
mais atendiam a questões de estado das pessoas e de família, sucessões, posse (Tomo X, § 1.150, 1) e penhor.
Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 78, § lia-se: ..... a parte, que se teme, ou receia ser agravada per a outra
parte, pode recorrer aos Juizes da terra, implorando seu Ofício, que o prove] am, como ~he não seja feito agravo...
E se depois do dito requerimento e protestação assi feita, fôr alguma novidade cometida, ou atentada, mandará o
Juiz (se fôr requerido) tornar e restituir tudo ao primeiro estado”... Adiante, ainda se fala do que “foi cometido e
atentado”.
A restituição in pristinum., a repristinação, é quanto à infração do preceito, com a poena, e quanto à atentação: “...
si postea aliquid innovatum, vel attentatum fuerit, iudex illud restituet in pristinum statum, petente parte”,
escreveu MANUEL GONÇALVES DA SILVA (Cornmentaria, ~ 3.~ ed., 165).
Há a inibição oriunda do preceito de non offendendo, que é específico da ação cominatória, e a inibição geral de
inovar, que resulta de se proibir alteração do status titis. Pelo fato de ser cominatória a ação, não se exclui a
vedação de atentar, que é comum às ações.
Feita a citação, tudo que interessa à instrução e futura decisão da demanda deve permanecer como está. Tal o
princípio jurídico, criador do direito subjetivo e da pretensão a que se não inove no estado da lide. Se inovação
ocorre, surge a ação de atentado.
A inovação durante a lide, quanto ao objeto (não se confunda com a coisa, pois res em res judicium deducta não é
o bem material, e sim o assunto deduzido), dá ensejo à ação de atentado; porque é ato ou omissão contra statum
litis. Não épreciso que se altere a prestação pedida; basta que se faça “de novo aliquit, circa rem de qua agitur,
quod ante litem coeptam factum non erat, et nocet statuit caussae” (ALvARO VALASCO, Decisionum
Consultationum ac rerum indicatarum, II, 374). Se a inovação excede e, a mais, há esbulho, a ação possessória
também cabe. Não se exclui a de atentado, porque quod piuris est utique tanti est (ALvARO VALASCO, II, 375).
Por aí bem se vê a distinção entre o condenável do atentado e o petitum da causa.
A ação de atentado pode dar-se a respeito de qualquer classe de ações, sendo que, nas ações cominatórias, pode o
ato ou omissão não bastar à cominação, mas ser atentado (cp. Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de maio de
1943,, Revista dos Tribunais da Bahia, 35, 70).

2.RITO PROCESSUAL DA AÇÂO DE PRECEITO COMINATÓRIO.


Já vimos que acabou a sumariedade do processo executivo de títulos extrai judiciais. A do preceito cominatório
continuou, com o caráter de sumariedade eventual. Manteve-se, pois, a estrutura processual que estava em nossa
tradição jurídica
(J.J. C. PEREIRA E SOUSA, Primeiras Linhas, iii V, 86 ,nota 1.024: “Tôdas as causas de preceito cominatório~
que entre nós se chamam de embargos à primeira, são ao princípio sumárias. Porque, se o réu não comparece em
juízo, ou não embarga a notificação, julga-se logo esta por sentença”). Cumpre, porém, observar-se que, se o
objeto da causa permite a sumariedade, o rito pode ser o determinado por lei ou pelo objeto, conforme a tradição
do nosso direito ser no sentido dos textos (J. J. C. PEREIRA E SOUSA, Primeiras Linhas, IV, 87, nota 1.024:
“exceto se o objeto da causa faz que ela continue a ser sumária, como se é de despejo de casa”).
Sobre o rito, a lei processual é explícita.

3.CONCEITO DE COMINAÇÃO. Cominação é declaração de vontade unilateral receptícia. Não a faz a parte; a
parte comunica ao juiz a sua vontade de obtê-la (comunicação de vontade). A declaração cominatória é o conteúdo
do deferimento do juiz. Parece-se com o daquele deferimento ao pedido de citação, de interpelação ou de
intimação para constituir em mora. Apenas um é dirigido a conseqüências de direito material; outro, a
conseqüências processuais.
Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 78,, § 5, lia-se: “... pode-se por exemplo: se algum se temer de outro,
que o queira ofender na pessoa, ou lhe queira sem razão ocupar e tomar suas coisas, poderá requerer ao juiz que
segure a êle e as suas coisas do outro, que o quiser ofender, a qual segurança lhe o juiz dará; e se depois dela êle

(continuação)
receber ofensa daquele, de que foi seguro, restitui-lo-á o juiz, e tornará tudo o que foi cometido e atentado depois
da segurança dada, e mais procederá contra o que a quebrantou~ e menosprezou seu mandado, como achar per
direito”. Aí se baseava, no velho direito, o preceito cominatório Chamavam-no “embargos à primoira”, por
abreviação; cautio de non offendenda (MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria, III, 165: ..... ilíam
concedunt Regli Magistratus 1111, qui rationabiliter timet inimicum offensionem sibi facturum, deducta, et
iustificata iusta causa metus, constitoque de iusto timoro, causa cognita, per testium informationem”). Motivos
frívolos de crer na ameaça não bastavam. A ameaça pode ser por interposta pessoa.
Discutiu-se se, havendo também temor por parte do réu, a controvérsia cessava e, pois, a ação. Mas os
jurisconsultos portuguêses cortaram cerce a questão, separando as duas pretensões e entendendo que ao juiz
caberia ordenar as duas “cauções”, ditas “recíprocas” (sem exatidão para todos os casos).

4.CARGA DE EFICÁCIA SENTENCIAL. ~ inexato dizer-se, como fazem alguns juristas, que as ações
cominatórias, as ações de preceito cominatório, são ações declarativas condenatórias. Primeiro, porque
preponderantemente elas não são declaratórias: a declaração é quaestio praevia, inserta no mérito, porém de modo
nenhum é a fôrça da sentença; constitutivas condenatórias é o que são elas, com eficácia declarativa imediata, o
que lhes permite que a execução seja posterior, noutro processo. Condena-se, porque se declarou e o preceito não
foi atendido. Preceitou-se, de jeito que o não-cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer dá ensejo a
condenação do demandado ao que foi cominado, como, se tivesse sido proposta a ação de condenação e o
demandado não cumprisse aquilo a que fôra condenado, lhe teria de ser exigida a indenização (as perdas e danos).
A cominação está, portanto, no lugar da indenização: em vez de condenar a x, correspondente a p, comina-se a y,
que há de ser próximo de x, e cobrirá os prejuízos, ainda que, depois, condenado, possa o demandado j~restar p.
Por assimilação de institutos estrangeiros semelhantes, porém não idênticos, alguns juristas exageram o elemento
executivo da ação de preceito cominatório, e outros chegam a ver na cominação comêço de execução, o que é
absurdo. Firmado na noi~ plena cognitio, com que definiu a petição inicial, o juiz cominou a pena, expediu o
preceito, o mandado, a cominatio. Não há, de maneira nenhuma, adiantamento de execução. Só há adiantamento
de condenação, razão por que, se o preceitado não comparece, a sentença é de carga exatamente igual à que teria
se tivesse havido a contestação e o procedimento ordinário.
5.PRETENsÃo À COMINAÇÃO E PRECEITAÇÃO. O preceito. cominatório ficou adstrito às obrigações de
fazer e de não~ fazer. Ação, ou omissão. O legislador atendeu à consideração. precípua de que lhes falta eficácia
executiva e seria útil assegurar a futura execução, posterior à sentença (cognição eficaz, desde o início do
processo). Porém não só isso: inverteu. a iniciativa da contraditoriedade. Tem-se dito que também se destina a
formar o título executivo, pela preclusão do prazo~ assinado ao réu para a contestação. De modo nenhum. A
eficácia executiva e a eficácia cominativa nem são fungíveis,. nem essa perfaz aquela. Todos os títulos de que se
trata são. desprovidos de executividade e não a adquirem pelo praeceptum de solvendo, primeira alternativa da
fórmula cominatória; nem a logram ter antes da sentença passada em julgado. Exclua-se, pois, qualquer alusão à
executividade. O Código de Processo Civil enumera os títulos hábeis e, mal os exaure.. lança regra geral que os
incluiria.
É interessante observar-se que, na Europa, foi com a supressão dos processos provocatórios que surgiu, em tôda a
sua. inteireza, a ação declaratória do art. 2.0, parágrafo único. No Código de Processo Civil, tomou maior
intensidade a preceitação, inclusive a provocatio ad agendum por parte do fiador contra o credor, quando se
adotou, com explicitude, a ação declaratória típica.
A estrutura do preceito cominatório continuou a mesma. Ou a lei de direito privado material, ou a lei de direito
judiciário material autoriza o juiz a assinar têrmo e a co-minar. O direito ainda não foi violado, O que está para ser
violado ou respeitado é o decreto do juiz, de natureza de clara tória.
Daí a simpatia que nos merece a palavra “preceito”, em se tratando de efeito da sentença, favorável na ação
declaratória: a declaração preceita, porque preceito, é declaração, ainda no caso de pena pedida pelo autor. A
diferença está em que o preceito da ação cominatória se “processa”; o preceito efeito da sentença declaratória está
implícito na sentença, O preceito cominatório explicita a preceitação mediante
relação processual própria. O que tem sentença declaratória, ao pedir o preceito cominatório, já leva consigo, na
eficácia da sentença, que tem fôrça de coisa julgada material, o elemento declarativo que se impõe ao juiz, em vez
de ainda ter de ser apreciado por êle, como ocorreria em qualquer dos casos de execução de título extrajudicial e
cominatório ou de ação.
Se o juiz deferiu a petição inicial de preceito cominatório, para o que lhe basta (e é preciso) cognição, pôsto que
incompleta, em que se funde o adiantamento de condenação, com que se arme a alternativa “faca (ou não faça),
ou pague a pena”, estabelece êle o status litis, que há de ser respeitado pendente a demanda. Não é, aí, da eficácia

(continuação)
da comina~ção que se trata, e sim da eficácia da litispendência. A matura cognitio, com a aquiescência da parte
(“si pars acquiescat”), ou com a sentença após a contestação e discussão, é que pode permitir o ato ou omissão, ou,
continuando a reprová-lo, aplicar a pena da ação cominatória. No interregno, a ação de atentado pode ser
processada, porque é ação acessória, que nasce da conduta contra statu’m litis e tem por fito rem reducere in
pristimun, levado em conta o estado da causa ao tempo em que foi movida.
Tudo está em que o despacho de deferimento da preceitação fixou a res in iudicium deducta e deu, portanto, o
momento para se determinar o status litis.

6.FIADOR, SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO PELO AFIANÇADO E EXONERAÇÃO DA FIANÇA. À


pretensão de direito material corresponde a pretensão de forma processual. A regra jurídica de direito (Código
Civil, art. 1.499) de maneira nenhuma a continha quando estatuiu que “o fiador, ainda antes de haver pago, pode
exigir que o devedor satisfaça a obrigação, ou o exonere da fiança, desde que a dívida se torne exigível, ou tenha
decorrido o prazo dentro do qual o devedor se obrigou a desonerá-lo”. Foram os Códigos de Processo Civil
estaduais de São Paulo e do Espírito Santo, que estabeleceram a pretensão processual cominativa, a fim de que o
fiador, se a dívida se tornou exigível, ou se se esgotou o prazo para desoneração, não ficasse sujeito ao processo
ordinário. O fiador legitima-se ativamente se: a.) o devedor não satisfez a obrigação:
b)não o exonerou dentro do prazo em que se obrigou a fazê-lo; e) a divida se tornou exigível; d) o fiador ainda não
pagou a dívida afiançada, pois, no caso contrário, estaria sub-rogado nos direitos do credor e talvez com pretensão
de executar.
Pergunta-se se o fiador solidário com o devedor pode exercer a ação cominatória. O conceito de fiança é de direito
material; outrossim, o de solidariedade. A questão nasce, pois, no direito civil (com razão, AMORIM LIMA,
Código de Processo Civil brasileiro, II, 92). CLÓvIS BEVILÁQUA respondia que ao fiador solidário não assistia
a pretensão do art. 1.499. Luís MACHADO GUIMAI?IES (Comentários, IV, 166 s.) discordou, por ser externa a
solidariedade, no caso, e não interna, não havendo a pluralidade de devedores. Observemos, desde logo, que a
afirmativa de CLóvIS BEVILÁQUA raríssimas vêzes acertaria e a de seu opositor algumas vêzes falharia. A
acessoriedade da fiança como instituto e a princípalidade da obrigação solidária não bastam como argumentos. O
problema tem de ser pôsto noutros têrmos. Cumpre que se parta da distinção entre: (1) benefício de discussão ou
de ordem, a que renuncia tanto o fiador que se obriga como principal pagador quanto o que se obrigou como
devedor solidário; e (2) o direito de regresso. A pretensão persiste no caso (1) ; não persiste no caso (2>, sendo de
notar-se que há diferença entre principal pagador e devedor solidário, que se não reflete, só por si, na questão. O
fiador que renuncia à exceção do beneficio de ordem pode exercer a sua pretensão cominatória (cf. J. v.
Staudinçjers Kommentar, II, 2, 1522; PAUL OERTMANN, Kommentar, 956; G. PLANCK,-U. SIBER,
Kommentar, II, 2, 842). Quem a perde é o fiador que não tem mais regresso contra o devedor (PAur~
OERTMANN, H. SIBER; OTTO WARNEYER, Kommentar, 1, 1230). Até que ponto as declarações de vontade
do devedor, nas relações com o fiador, excluiram o direito de regresso, é questão de interpretação do negócio
jurídico entre êles. É possível mesmo, pôsto que raro, a exclusão da pretensão de regresso sem a pretensão da sub-
rogação (duas pretensões!) ou vice-versa. No plano do direito material subsistem, de regra. No plano da lei
processual, a pretensão cominatória é ligada à de regresso (é para que o afiancado satisfaça a obrigação ou o
exonere da fiança ), nue bem levou em conta a natureza do preceito cominatório. Isso não quer dizer, de modo
nenhum, que cesse a pretensão de regresso, se ocorre a sub-rogação pessoal; trata-se de dois efeitos de direito
material compatíveis. Por exemplo: se o fiador pago pode cobrar em sua posição própria ou na dc sub-rogado do
credor; tendo proposto a ação cominatória, pode pagar e continuar aquela, porque a exigência processual de não
ter sido ainda paga a dívida resulta do praeceptum da cominação, e essa já produziu efeitos.
No caso do fiador, há a alternativa processual da obediência ou da pena, como em tôda cominação, que é mandado
sancionado. Mas a alternativa da obediência parte-se em nova alternação, que é a de direito material (satisfazer ou
exonerar o fiador). A distinção entre o dilema processual e o dilema interior a uma das formas de obediência tem
grande valor teórico e prático. Sendo essa de direito material, um dos têrmos pode ter deixado de existir, ou nunca
ter existido, sem que falte ao fiador a pretensão processual. Assim, se o contrato entre fiador e afiançado, ou a
própria carta de fiança, exclui a exoneração, não cabe a alternativa material, pôsto que, exigível a dívida, possa o
fiador exercer a sua pretensão processual a que o devedor solva.
Se a fiança foi prestada sem o assentimento do devedor, o fiador não tem pretensão a qualquer ato ou fato do
devedor. Nenhuma relação de direito material existe entre êles. Alguns autores lhe atribuem, com razão, a actio de
in rem verso, que supõe a versão do pagamento, e opera segundo os princípios próprios. Não ter assentido pode ser
defesa do afiançado contra quem se lançou o cominatório.
Se a fiança faz dependente de aquiescência do credor a exoneração, ou se o fiador é principal pagador, o fiador

(continuação)
deve pedir que se mande citar o credor, sem que se trate de litisconsórcio passivo necessário (igualdade de
situações processuais dos réus). O juiz não tem de mandar citá-lo. O autor é que dirige a sua demanda. Não se
pedindo a citação do credor, interessado no pleito, a coisa julgada material não o atinge. O credor, interessado,
pode intervir, conforme a figura que resulte do seu interesse (conexão de causas. afinidade de questões,
intervenção como assistente).
Alguns juristas discutiram qual a sanção, no caso de não ceder o devedor exonerar o fiador, ou de não querer fazê-
lo. Essa questão, de direito material, nada tem com regra jurídica processual. A cominação é a pena contratual, ou
a que for pedida pelo autor e deferida pelo juiz. A aplicação exata ganha em se trazerem sempre nítidas a esfera do
direito material e a dêle.que possa o credor exigir do devedor afiançado que preste alguma coisa, ou faça, ou se
abstenha de algum ato, seu ou de terceiro, devendo pelo inadimplemento responder o fiador, tem êsse pretensão
cominatória contra o credor para que o exija. A pretensão cominatória é processual; por se não haver prestado
atenção a isso, até se sustenta que a regra jurídica processual é lei natimorta, uma vez que o direito material não
assegurou ao fiador êsse “direito de exigir que o credor acione o devedor” (J. M. DE CARVALHO SANTOS,
Código, IV, 243), ou se levantou a dúvida quanto à existência dessa “ação ,~ (AMORIM LIMA, Código, II, 99).
Trata-se de pretensão processual cominativa, como existem a pretensão executiva e tantas outras, criações das leis
pré-processuais, em seu terreno próprio. Tal pretensão não precisava ser de direito privado (RUDOLF POLLAK,
System, 3), pois também é o caso de alguns textos da lei processual e da declaratória da falsidade ou autenticidade
de documentos. Na elaboração do Projeto do Código de Processo Civil do Estado e São Paulo, Estevão DE
ALMEIDA propusera essa pré-processual, inspirado em DIAS FERREIRA (Código, II, 137). Aliás, já antes do
Código Civil brasileiro, estava em vigor essa cominação.
Essa foi a oportunidade que se nos deu para tratarmos dos processos provocatórios, que nos vêm de deliberação
do Senado lisbonense, a 22 de dezembro de 1558, e da Lei de 30 de agôsto de 1564 (Ordenações Filipinas, Livro
III. Título 11, § 4) ..... todo aquêle que difamar outro sobre o estado de sua pessoa, como se dissesse que era seu
cativo, liberto, infame, espúrio, incestuoso, Frade, Clérigo, ou casado, em outros casos semelhantes a êstes que
tocarem ao estado da pessoa, de qualquer qualidade que a causa do estado seja, pode ser citado para vir citado ao
domicílio do difamado, que o manda citar. E nos ditos casos, em que assim citar, lhe fará
assinar têrmo, para que o demande, e prove o defeito de estado, porquanto a tal questão do estado é prejudicial à
pessoa, e não sofre dilação, nem deve estar impendente. .
a) Os escritores costumavam atribuir a origem dos processos provocatórios à L. 5, C., de ingenwis manumissis, 7,
14. Não há dúvida que os Romanos tiveram ação provocatória, porém se dela vieram os processos provocatórios já
é outra questão. JERÔNIMO SCHURPF (Consiliorum seu Responsorum luris), JoÃo OLDENDÓRPIO
(Intervretatio L. dii fama.ri C. de ingenuís manum.) e BARTOLOMEU BLARER (Repetitio sojenflis L. difíamari
Code ingenuis manum, 10, 12, 31, 35 s.) afirmaram, no comêço do século XVI, que o processo provocatório se
deduzia da Lei dii famari. Seguiam-nos ANDREAS GAIL (Praticarum. Observationum ad proc. indicarum,
praeserti7n imperialis carnerae, obs. IX, 4, LXXVIII) e outros. como JORGE DE CABEDO, na decisão 43, e,
antes, ANTÔNIO DA GAMA, na decisão 202.b)SAMUEL STRYK, GERARDO NooDT, J. H. BERGER e C.
F.. G. MEISTER entenderam, no século XVJI, que os processos provocatórios provinham dos costumes
germânicos (“stylo et moribus Germaniae”).
c) Outros, mais próximos à realidade, viam nos processos provocatórios mera criação dos Glosadores. A 1•a
edição das Institutiones de P. J. MELO FREIRE saiu em 1789 e o trecho do Livro TV, Titulo 7, § 16, já lá se
achava (cf. 5•~ ed., IV, 89): “Quae quidem Ordinatio originem suam debet non tam iuri Romano, hoc est, legi
diflamari 5, C., de ingen. manumiss., cum ad solam status ingenuitatem pertineat, quam Glossatoribus, qui eam ad
omnes diffamationes produxerunt”. Somente depois, em 1806, CHR. SCHWEITZER (Úber den
Provokationsprozess, 4) pós a questão nos mesmos têrmos e atribuiu aos Glosadores a construção, tirando da Lei
diffama’ri e da L. 28. D., dc. fidejussoribus et mandatoribus, 46, 1, o que prôpriamente lá não está (“das eigentlich
nicht darin steht”).
d) Outra opinião teve TH. MUTHER (De Origine Processus Provoca torii, 13: “Mea igitur est sententia, illum
natum esse ex usu forensi et maribus, qui ex Italia initia ceperunt ibique a Glossatoribus inventi junque Romano
accommodati nec non immutati ad magnam pervenerunt gravitatem et frequentiam in iudiciis”), que entendeu ter
nascido o processo provocatório no “uso forense”, que começara na Itália. TH. MUTUER citou a CÉSAR
CONTARDI (Commentarii ia L. diff amari, cap. 1) que o tinha por frequentíssimo.
Verdade é que os Giosadores e Comentadores criam proviesse do direito romano o remédio, e não do direito
canônico, ou do uso forense; e frisavam haver a ação e a exceção.
AzÃo (Ad .singulas LL. XII librorum, Codicis lustinianei Commentarius), que foi o ponto mais alto da escola dos

(continuação)
Glosadores (século XII1), comentando o Invitus agere nemo cogatur, tratou da ação difjmari, sem outra base que a
romana. Na Summa, depois de enunciar Nerno quidem cogitur vel accusare praccise, abriu exceções, tôdas
fundadas em textos romanos; e AcúRsio, que escreveu a glosa ao Título do Código UL nemo invitus agere vel
accusare cogatur, apresentou quase as mesmas exceções.
PAULO DE CASTRO, em Dig., novi cum gloss. ordinar., exemplificou com o caso da testemunha que se ausenta,
ou há razão para se vedar que ao tempo da prova não exista, ou não possa depor: “Reus qui habet exceptionem; Si
actor differt agere, forte ut moriantur testes, qui possunt exceptionem probare: correus potest ipsum ad iudicem
provocare implorando iudicis officium et petendo, declarari, sibi exceptionem competere et illi imponi silentium
super actione: et sic non solum petere examinari testes ad perpetuam rei memoriam”. Ês•se exame, ou inquirição,
ad pervetuam re~ memorzam, é o de que falam os arts. 250 e 676, VI; mas PAULO DE CASTRO aludia a ação,
que hoje estaria inclusa na ação declaratória típica ou na cominatória (desde que concorram os requisitos nara uma
ou outra).
BARTOLOMEU CÉPOLA configurou verdadeira ação declaratória, frisando tratar-se de jurisdição contenciosa.
O exercício da ação do fiador, com preceito cominatório, não impede que o réu-credor exerça a ação noutro juízo.
BARTOLOMEU SOCINO, nos Consilia (III, c. 94), dá-nos a solução nesse sentido, atribuindo-a, parece, a
ANnR~ BARBATIA e a JoÃo BATISTA DE S. SEVERINO, que foi JoÃo BATISTA CAccIALUpus, nrofessor de
direito (sobre êle, F. vON SAVIGNY, Geschichte, VI, 324 s.; sobre o “praeceptorem meum” do texto
ser ae ANDRE BARBATIA, cp. TH. MUTHER, De Origine Processus Provocatorú, 140, nota 306).
Os remédios jurídicos que o direito comum estabeleceu, re’x edium elege diffarnari, que supunha “fama” sem
razão, donde a declaração o negativa, e remedium exege si contendat, ainda tinham como qualidade específica, na
classificação das ações (e das sentenças), a provocatio ad agendum ou a impositio silentii. Havia, portanto, um
plus, eventual, que a simples ação declaratória do art. 2.0, parágrafo único, não comportaria; nem a Lei diffamari e
a Lei si contendat tiveram qualquer influência na extrinsecação legal e doutrinária da ação declarativa típica (J.
WEISMANN, Die Feststeilungsktage, 2, 42, 59 e 99). Os Giosadores, interpretando mal as duas leis, criaram o
preceito cominatório do fiador contra o credor, entra outros, cuja generalidade, provinda do direito comum,
havemos de repelir, por isso mesmo que temos a ação declaratória típica. Essa está para a aquela como a ação de
condenação está para a executiva de sentença (com efeito de preceito). Enquanto a ação declarativa provém do
mesmo pensamento que o dos praeiudicia romanos (cp. OTTo WENDT, Die Beweislast bei der negativen
Feststellungsklage, Archiu filr die civilistische Praxis, 70, 23 s.), as provocativas, oriundas da Glosa, são ações
cumuladas de declaração e de condenação’, sendo essa “condicionada” (eventual).
A prática admite a provocatio ad agendum daquele que poderia usar da oposição de terceiro ou dos embargos de
terceiro. As leis são de regra hostis a isso (e. g., a Ordenança francesa de 1667), mas a vida segue-o a cada passo
(P. FRETTE-DAMICOURT, De l’Intervention en preniêre instance et en appel, 105 s., quanto à França).
A construção no caso de citação do terceiro, de intervenção de terceiro, ou de oposição, é fácil, há cumulação
objetiva de ações, e a ação contra êle toma caráter declarativo negativo, quer promovida pelo autor quer pelo réu.
Vindo o terceiro, com a sua oposição de terceiro, é autor de ação declarativa contra o autor da ação original e
provàvelmente de condenação contra o réu.
No caso de citação do terceiro dos embargos de terceiro, não há cumulação objetiva, mas ação de declaramental
proposta contra o terceiro, que se deve defender para que passe em julgado a resolução judicial que se protira.
No caso de simples intimação da sentença, é diferente. As conseqüências somente podem ser as de preclusão dos
prazos para o recurso do terceiro prejudicado com a decisão.
Tais casos escapam às regras jurídicas sobre ação de preceito cominatório ; falta-lhes o elemento cominatório.
A adcitatio do que poderia opor-se (intervenção ad excedendum) não está na lei escrita. A atitude do jurista
brasileiro, há de ser ou a de admiti-la, com o exemplo italiano. (A. SEGNI, L’Intervento adesivo, 97), ou a de
repeli-la, como procederam o direito das Duas Sicílias, diante da omissão da lei de 1819, e o direito francês.
Assim, temos, se o juiz entende necessária a integração da contestação pelo terceiro, a adcitação dos litisconsortes
ex aequali interesse, e, pela construção, a dos interessados ad excludendum; porém não a dos intervenientes
eventuais ad cod diuvandum, “ad quem secundario demum spectat defensio”.
O fiador principal pagador e o fiador solidário com o devedor, bem como o que renunciou expressamente ao
benefício de ordem, estão privados da ação de preceito cominatório, Bem assim no caso de ser insolvente ou falido
o devedor. Isso obsta ao benefício de ordem e obsta a que o fiador provoque a atuação do credor, pôsto que- êsse
possa, com a sua inércia, prejudicá-lo, se lhe não cabe pretensão de regresso contra o afiançado (e. g., se êsse não
consentiu na fiança). Aliás, se o benefício de ordem (insolvência ou falência do devedor) desaparece, depende de
interpretação do contrato, porque a regra jurídica é dispositiva. Perdendo o benefício de ordem e não tendo
pretensões fundadas nêle, ou na regra jurídica de direito processual civil (o contrato pode dar interesse ao fiador

(continuação)
fora do benefício de ordem, e êsse interesse basta), ainda pode o fiador, se o credor abusou do seu direito (e. g., se,
sabendo da solvência do devedor ao tempo da exigibilidade, adiou, abusivamente, a cobrança), propor a ação de
abuso do direito materi4. A ação de preceito cominatório é exceção ao Invitus agere vel accus are ne’>no cogatur.
Já no direito anterior, c fiador tinha ação contra o credor para uso da ação contra o devedor, exatamente quando
êsse começava a dilanidar os bens (P. J. MELO FREIRE, Institutiones, IV, 89: “Fideiussor quoque contra
creditorein recte agit, ut actionem adversus principalem debitorem instituat, vel eum a fideiussiones obligatione
liberet, quoties ex dilata actione periculum imminet amittendae exceptionis, veluti excussionis, quod fit, si debitor
diu in solutione cessaverit, vel sua bona dilapidaverit”). Se o credor, antes de vencida a dívida, pode ir contra o
devedor, cabe ao fiador a ação d’e preceito cominatório. Exemplo: “Fideiussor similiter, cuius bona ad instantiam
creditoris sequestro fuerunt supposita, contra eum recte agít, ut personalem instituat sub poena remoti sequestri. Et
hoc iure in foro utimur” (P.
J. DE MELO FEEIRE, Institutiones, IV, 89). Já havíamos previsto êsse caso.
(Dissemos acima que o fiador principal pagador está excluído da legitimação ativa, no caso de ação cominatória
do fiador contra o credor. No sistema do direito material brasileiro, o fiador, que é principal pagador, põe-se na
mesma plana que o devedor, de modo que nasce para o credor a eleição. Ta~ construção nos vem de FERNANDO
AIRES DE MESA, jurista português, na var. 2, cap. 13, ns. 13, 19, 20, dos seus Variarum Resolutionum et
Interpretationum luris libri tres, cuja 1~a edição saiu em 1643. Dêsse teórico, à cuja capacidade de construção
jurídica se há de render homenagem, comparando-o a MANUEL SOARES DA RIBEIRA e a JOÃO
ALTAMIRANDO, P. J. DE MELO FREIRE, Historiae luris, 95, escreveu: “Non multum ei genio ac eruditione
distat...”).

7.DESERDADO E “Pi?.OVOCATIO AD PROBANDUM”. Trata-se de provocactío à prova, o ônus da prova


elevada à categoria de fundamento de legitimação passiva, pretensão que não está em regra jurídica escrita de
direito material. A lei de direito material esperava a propositura da ação e a oposição do réu em exceção, ou, em
vez disso, a ação do deserdado para a impugnar.
Há, pois, para a mesma pretensão, prescritível em quatro anos, contados da abertura da sucessão, duas ações, uma
das quais é a ação de preceito cominatório, e outra, a ordinária de impugnação.
O preceito cominatório suscitado pelo deserdado é o tipo da provocatio ad prolrnndum, com a seguinte estrutura:
o autor põe-se na atitude de quem nega a razão pela qual vem de ser deserdado e coloca o herdeiro instituído (ou
os legatários) na posição de quem é trazido a juízo, apenas degradada em provocatio ad probandum a provo catio
ad agendum, ainda intacta no preceito do fiador contra o credor.
Aliás, outros casos de provo catio ad agendum ou ad probandum aparecem nos procedimentos editais (e. g.,
citação de “herdeiros” incertos ou de “interessados”; de portadores possíveis de títulos perdidos ou furtados). A
chamada de legatários para que provem a sua identidade é, fipicamente, provocatio ad probandum.
8.REFÔRÇO E SUBSTITUIÇÃO DA GARANTIA. Trata-se de refôrço, ou substituIção da fiança, ou da garantia
real. A fiança ou a garantia real é a que tem de ser reforçada, ou substituida. O refôrço ou substituIção pode ser
fiança, garantia real, ou nova obrigação, ou cláusula penal.
O direito material, em caso de penhora, por outro credor, dos bens dados em garantia, prevê o reforçamento, ou a
substituição, sem a qual a dívida se torna exigível antes de expirado o prazo. Pode o credor usar da ação
cominatória, sob a cominação de, se o réu não a reforçar, se ter por vencida a dívida, e não de se prosseguir na
ação como de cobrança, pois a contestação na ação cominatória é diferente da contestação na ação de cobrança.
Por isso mesmo não pode o autor executar a sentença favorável como de condenação na dívida vencida (sem
razão, ATALIBA VIANA, Ações Especiais, 31). A dívida não estava vencida no momento da citação. A sentença
proferida, favorável ao autor, declara vencida a dívida ao findar o último prazo. Não é sentença constitutiva a que
se profere na ação do credor por ter havido penhora por outro credor (contra, Luís MACHADO GUIMARÃES,
Comentários, IV, 183).
Nada, aí, relativamente se constitui; aplica-se lei, sem outro caráter da sentença que o declarativo. A “intimação” é
intrínseca ao direito material. A sentença proferida faz coisa julgada material.

9.PRETENSÃO Cominatória E PRETENSÃO A QUE SE PRESTEM CONTAS. No caso de ter alguém


pretensão a que outrem preste contas, confere o direito brasileiro, como o direito anterior luso-brasileiro, a
pretensão cominatória, que funciona cobrindo a pretensão a que lhes prestem contas, de direito material. Se êsse
processo cominatório pode ser usado contra os herdeiros do outorgado, é questão que não se há de resolver a
priori, porque as relações jurídicas de que resultam as obrigações de prestar contas são de diferente natureza e
categoria, muitas vêzes sujeitas a variações dentro do mesmo instituto. O fato de se transmitir aos herdeiros a

(continuação)
obrigação de prestar contas não basta para que se afirme transmitir-se aos herdeiros a legitimação passiva na ação
cominatória. Seria confundir-se a pretensão processual com a de direito material. Os herdeiros do advogado, por
exemplo, que não o tenham substituído no escritório da advocacia, não podem ser preceitados; têm de ser
chamados em processo de rito ordinário. O herdeiro que ficou à testa do estabelecimento comercial, êsse sim,
responde, e é legitimado passivo.
O sócio gerente é obrigado a prestar contas (5.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 24 de
maio de 1949, R. F., 136, 157), ainda se se trata de sociedade de fato (L~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Paraná, 15 de junho de 1949, Paraná J., 53, 318).
O mandante pode exigir prestação de contas e o mandatário tem a cominatória para prestá-las (8.~ Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 7 de julho de 1951, 147, 254). Passa-se o mesmo com os parceiros, na
parceria rural (6.a Câmara Cível, 25 de maio de 1951, D. da J., de 13 de março de 1952).
A 2•a Turma do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 5 de julho de 1950 (1?. dos T., 189, 936), decidiu que o
herdeiro que aliena o quinhão hereditário é parte ilegítima para promover a prestação de contas contra o
inventariante. Sem razão, porque êle responde ao cessionário pela existência da dívida ao tempo da cessão, mesmo
se cedeu a título gratuito, estando de má fé. Se foi alienação da quota como bem imóvel, isto é, do direito à
sucessão aberta, qualquer que seja êle, mais consentâneo é que o inventariante faça citar o adquirente como parte,
mas é demasiado preestabelecer o inventariante que foi transferido o que se apiLrar.
O editor adquirente da edição, que prometeu prestação percentual sobre as vendas de exemplares, está sujeito à
ação de prestação de contas (S.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de março de 1951, R. dos
T., 192, 604).
O credor que recebeu títulos de crédito para cobertura do crédito está sujeito à ação de prestação de contas (4.~
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de maio de 1952).
Não cabe ação cominatória do empreiteiro contra o proprietário que está na posse do prédio para vir receber as
chaves e pagar o preço (3.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 24 de janeiro de 1952, R. dos T.,
199, 282). Quando se empregam expressões como “vir receber as chaves” quer-se dizer “vir receber a posse
imediata, com as chaves”:
quem já está de posse de construção há de ter chaves. Não há cominatória para pagar o preço. O empreiteiro teria
de interpelar, ou, desde logo, cobrar o que se lhe devesse.
A ação de prestação de contas exerce-se contra o obrigado, ou contra seus herdeiros (l.~ Câmara Civil do Tribunal
de Justiça de São Paulo, 20 de junho de 1950, R. dos T., 188, 642) e sucessores entre vivos.
A pretensão à prestação de contas foi, no direito processual brasileiro, tradicionalmente amparada pelo processo
cominatório, ou por parte do autor, para pedi-las, ou do réu, para prestá-las. Ali, praeceptum de faciendo; aqui, de
“serem tidas por boas e bem prestadas”. De modo que, no segundo caso, não contestando o credor, se têm por boas
e bem prestadas as contas, não tendo aqui o juiz a função de julgar com livre couvencimento quanto a essa
contumácia especial, por ser obrigado ao seu próprio preceito. É o preceito que atua; não o depoimento. Não se
trata de declaração ficta do credor, e sim de comunicação da sua vontade. Nenhuma indagação do valor objetivo
ou da atendibilidade das provas tem de ser feita; os autos são conclusos para a sentença, que decide, aplicando a
pena.
Uma pretensão é a de exigir que alguém preste contas; a outra é a de prestá-las.
Os herdeiros do obrigado a prestar contas são legitimados para exercer a ação, como os herdeiros de quem poderia
exigi-las o são para exercer a sua.
10. REPARAÇÕES EM PREDIO LOCADO. Ao locador incumbem, de regra, as reparações do prédio. Para isso
precisa de entrar no prédio, ou ordenar que nêle entrem os operários, para as obras necessárias à conservação e
urgentes, isto é, se não puderem ser deixadas para o fim da locação. Há regras jurídicas sobre o abatimento do
aluguer, ou a resilição do contrato. (Sobre o direito anterior, Consolidação de TIEIXEIRA DE FREITAS, art. 669,
§ 3.0.) Supõe -se (a) que o locatário ainda não consentiu, (b) que as reparações sejam a cargo do locador, (c) que
sejam elas necessárias e urgentes, pois, se o contrato atribui ao locador as pequenas reparações, ou se essas
provêm do tempo e do uso, a ação não pode ser a ação cominatória.
A citação é para que o locatário consinta nas reparações (ou desocupe o prédio) ou pague a pena pecuniária. O réu
pode alegar, na contestação, que as obras vão durar mais de um mês e lhe toca o direito de resilir o contrato, ou, se
consente, que vão durar mais de quinze dias, o que lhe dá direito a abatimento do aluguer. Ainda que, na ação
cominatória, não se alegue isso, tem o locatário direito ao abatimento, uma vez que pode ignorar a duração das
obras. Se o locatário desocupa o prédio para as obras, por ter obedecido ao preceito, e as obras não duram, como
pretendera o autor, mais de um mês, ou, se duram mais de um mês, não optou êle pela resilição do contrato, pode

(continuação)
reclamar o prédio. A opção na contestação vale, por ser declaração de vontade isenta de forma especial. A pena é
(a) a pecuniária, pena contratual compensatória, se há cláusula penal, ou (b) a que o autor requerer e o juiz deferir,
ou (c) o simples pedido de perdas e danos, de que o autor fará prova, ou (d) a resilição do contrato. A mais
simples, não havendo a primeira sem caráter de alternativa a favor do locador, porque então tem de ser a pena
pedida, é a coercitiva judicial pecuniária (b), que é sem qualquer dependência de ação executiva. A resilicão dar-
se-á, com a sentença em caso de não contestação, ou inadímplemento, ou a que se proferir a final, com efeitos a
partir do dia posterior a prazo que foi assinado para a contestação. Não há a pena de evacuação ou a de entrada no
prédio inanu militari, ou por outro modo ou expediente direto.
A pena a ser cominada, para se satisfazer à pretensão pré-processual do legitimado em caso de mau uso do prédio
vizinho, seja proprietário, seja o inquilino, que somente poderia lançar mão, no velho direito, da cautio damni in~.
fecti e agora tem o preceito cominatório ou a combinação dos dois processos, é a pena pecuniária, requerida pelo
autor e deferida pelo juiz.
“Inquilino” está aí como o quod plerum que accidit. Leia-se:possuidor, tenedor ou servidor da posse, desde que
habite no prédio. Sobre os direitos de vizinhança, veja-se o que expusemos no Tomo XIII.

11.MAU USO DA PROPRIEDADE. As leis municipais, estaduais ou federais que se refiram a ruídos, gritos,
cantorias, fonógrafos, alto-falantes, fábricas de olor forte ou trabalho. ensurdecedor, apenas definem, no seu
âmbito, o caso de mau uso da propriedade a que se refere o direito privado, sem lhe exaurirem o conteúdo do
conceito. Prova-o a aquiescência generalizada da interpretação. Não se diga que não há outros, por só se terem
mencionado os “regulamentos administrativos” e “posturas municipais”. Nem se fala em se tornarem direito
material tais regras jurídicas: elas já o são, na sua esfera. Para empregar o preceito cominatório, não precisa o
legitimado, no caso de ruidos, rádios, ou ensurdecentes, de recorrer a posturas ou regulamentos. “Mau uso” é
conceito que se tem de explicitar à medida que surjam os fatos, que o figurem, apreciados segundo a maneira
comum, razoável, de viver, em cada parte do pais, da cidade, da vila, ou do bairro.
É mau uso da propriedade vizinha: o funcionamento de caldeira, se a chaminé deixa escapar detritos de
combustíveis (l.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 4 de setembro de 1952, O D., Belo
Horizonte, de 2 de outubro), ou subir fumaça que cause danos; ou de máquinas que causem trepidação ou barulho
ensurdecedor (8.8 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de novembro de 1950, 1?. dos T., 190, 237,
e R. F., 140, 289).
Não é mau uso da propriedade vizinha: o funcionar pôsto de lubrificarão e abastecimento, em recinto fechado,
com os requisitos de higiene <2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 8 de janeiro de 1950, R. F., 143, 126); o
funcionar tipografia em andar térreo, ou parte mais baixa de prédio, em zona não estritamente residencial (3.~
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de março de 1950, R. dos .T., 181 176).
Se a lei somente fala do proprietário e do inquilino, havendo de entender, a despeito disso, que têm a ação de
preceito cominatório o anticresista, o usufrutuário, o usuário, o pré-contraente comprador que tem posse (3.~
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de novembro de 1952, A. dos T., 207, 262) e mesmo o
possuidor próprio, ou o inquilino, e os possuidores impróprios que aleguem e provem o direito de posse.

12.AFASTAMENTO DA INQUIETAÇÃO OU CAUÇÃO DE DANO INFECTO. Proprietário, ou possuidor. Na


tradição do nosso. direito, a caução ao dano futuro pode ser pedida pelo possuIdor, ou “tôda pessoa que tenha
receio de ser danificada pela casa ruInosa do vizinho” (CORREIA TELES, Doutrina das Ações , § 214, 228).
Pode tratar-se de edifício de dois ou mais pavimentos. Aliás, as leis processuais devem abster-se de qualquer
alusão a estrutura da comunhão pro diviso em edifícios, pois o assunto pertence, de todo, ao direito material.
A pretensão processual é nova. A ação é uma das “ações cominatórías”: não há processo cominatório sem
cominação, sem pena, convencional ou posta pelo juiz, a requerimento da parte. A caução de dano infecto é
medida acessória, e não necessária, pois o dano pode ser iminente desde já, ou prever-se, porém não iminente.
Tem-se, portanto, de cominar que o réu sofra a reparação feita pelo autor, à custa do réu, ou que seja demolido o
prédio, à custa do réu, ou que preste caução (se desde já iminente o dano). Três condutas, sendo as duas primeiras
à escolha do réu. Êsse não se defende alegando não ter culpa, pois a culpa não é pressuposto para a pretensão
cominatória. A escolha da reparação, em vez da demolição, depende da eficiência daquela. A caução do dano ainda
não feito pode ser pedida desde logo, se iminente o perigo; ou deixar-se para depois quando se der a iminência.
Nada obsta a que o autor peça e o juiz ordene que, além de demolir ou reparar,o réu preste a caução; porque, no
meio tempo ou com a reparação ou com a demolição, pode vir a sofrer danos o autor.
Legitimado passivo é o dono do prédio vizinho, ou possuIdor com obrigação contratual de reparar ou demolir. Não

(continuação)
se sabendo quem é o dono, a ação tem de ser processada contra o possuidor, qualquer que seja; e a êsse cabe
nomear à autoria o proprietário.

13.PROPRIETÁRIO, COMUNEIRO. Na unidade do imóvel, o proprietário é comuneiro pro indiviso, ou pro


diviso. Apartamento é a vivenda de três peças no mínimo. A parte comum do prédio, exclusive o solo, é parte
integrante do solo, que é o prius, não o apartamento, que a linguagem, desde a França, marcou como separado,
apartado. Nosso Tratado de Direito Privado, Tomo XII. A ação pode ser entre o enfiteuta, o usufrutuário ou o
usuário e outro comuneiro.
As limitações legais são as oriundas da relação de vizinhança dos apartamentos, bem mais estreita que as relações
de vizinhança entre moradores ou os proprietários de prédios distintos.
Legitimado ativo é o proprietário ou quem lhe faça às vêzes, segundo os princípios. Não o inquilino, salvo se o
contrato lho permite ou cabe na espécie (direito material).
A cominacão é concedida como preceito de non offendendo e pena pecuniária coercitiva. A pena prescrita em lei
por atos lesivos especiais não concerne ao futuro; portanto, não se co-mina; aplica-se. Reduzir a função da ação
cominatória à aplicação da multa se ocorrer a transgressão, ainda tendo de ser cobrada por ação ordinária (J. M.
DE CARVALHO SANTOS, Código, IV, 255), seria inaceitável. Por igual cobrar--se a multa no processo do
preceito cominatório (AMoRIM , Código de Processo Civil, II, 101). Ou ser a multa a pena cominada (JORGE
AMERICANO, Código de Processo Civil, II, 102). Ou cumularem-se a muita e a pena (LUÍS MACHADO
GUIMARÃES, Comentários, VI, 208, 209). Se o réu incide na multa, a pretensão é de direito material, e não de
direito processual, como é de direito pré-processual a pretensão à tutela jurídica e processual a “ação” em caso de
cominação.

14. DESAPROPRIAÇÃO COMINADA DE DIREITOS AUTORAIS. Permitiu-se a desapropriação da obra


literária, científica, ou artística, se o dono (autor, ou quem a tenha adquirido) não a quer reeditar. Supunha-se,
portanto, obra já publicada e intenção de não reedição. No direito concernente às desapropriações por utilidade
pública, estendeu-se ao direito subjetivo e à pretensão à divulgação da obra, de modo que se permite a
desapropriação da obra literária, científica, ou artística, ainda não divulgada. Não cabe distinguir-se do invento
não divulgado a obra científica, artística ou literária.
Cabe a legitimação ativa à União, ao Estado-membro, ao Distrito Federal, ao Território, ou ao Município, para que
o titular do direito de propriedade literária, científica ou artística, divulgue ou reedite a obra, sob pena de
desapropriação.
Levanta-se a questão de se saber se o preceito cominatório foi excluído pelo fato de se haver estabelecido o
processo de desapropriação. Dois aspectos: o de lege lata e o de lege ferenda. Ésse, de interpretação, deve ser
resolvido à luz de três princípios: o de que ambas as leis, a anterior e a posterior, são especiais; o de que não existe
vedação a priori, nem de direito positivo, à pluralidade de formas ou procedimentos processuais; o de que a
utilidade de duas formas ou procedimentos pode ser diferente, a despeito da unicidade da pretensão. Ora, o
procedimento cominatório vai às espécies como luva. Nenhum inconveniente há na duplicidade de formas. Nem a
interpretação permite que se tenham por incompativeis os dois remédios jurídicos (sem razão, LUÍS MACHADO
GUIMARÁES, Comentários, IV, 212). De inre condeudo, o pensamento que levou a adotar-se a forma
coininatória para essa pretensão a ato a vir de outrem, em regra geral, assistiu-lhe na concepção do caso especial.
Antes de desapropriar, há a alternativa de divulgar ou reeditar, que extrema a desapropriação dos produtos
intelectuais dos outros casos de desapropriação , a que de ordinário falta o dilema “faça ou perca É o próprio
direito material que configura a construção foi-mal do remédio jurídico cominativo. O que mudou foi a parte
reflexa da pretensão de direito material, a parte que corresponde aos pressupostos subjetivos e objetivos, m’ dança
que é encontradiça na historia das legislações. Nem a êsse respeito poderia deixar de caracterizar-se a
incompatibilidade dos têrmos, sem atingir a regra jurídica sobre a cominação, que é, no seu arcabouço formal,
regra sobre cominação judicial.

15.AçÃo COMINATÓRIA CONTRA OBRAS. Duas pretensões de direito público a de suspensão ou demolição
de obra, que contrariem lei, regulamento ou outra regra jurídica, a de obstrução de valas, ou escavação, ou
qualquer uso nocivo de prédios são dotadas do remédio jurídico cominatório. A pretensão de direito material
existia, no direito administrativo, somente provida de processo administrativo, e. g., aplicação de multa,
derrogação de licenças ou prorrogações. A passagem ao plano do processo civil teve a conseqüência de submeter
o Estado União, Estado-membro ou Município, ou Território à sua justiça, no que concerne à cominação e à
aplicação da pena. Isso não quer dizer que a administração fique sem o direito de multar, ou de aplicar outra

(continuação)
sanção administrativa, se já ocorrida alguma infração, inclusive de pedir à justiça que aplique a sanção em que o
réu incorreu. À cominação escapam os pedidos de aplicação de lei que já incluiu. Usando do preceito cominatório,
a entidade estatal ou vê a infração que vai vir, ou, devido à continuidade da situação infratora e. g., obra em
andamento, valas obstruídas ou continuando obstruídas , plantações destruídas anui em cominar, em vez de punir
desde logo. Por isso mesmo, a alegação de existir outro meio não obsta à ação. O autor escolheu.
O conceito dc “contravenção” é dado pela lei, regulamento, ou postura, da respectiva entidade autora, ou de outra,
territorialmente abrangente dela, se lhe cabe a atribuição fiscalizadora de direito público. Sem isso, não se dá a
legitimação de direito público material, nem, a fortiori, a de direito processual. A demolição supõe não poder ser
conservado o prédio (3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 26 de novembro de 1941, R. F., 90,
169; 4~a Câmara Civil, 23 de outubro de 1941, 89, 168).
A ação é exercida contra o proprietário do imóvel, não contra quem lho vendeu, ainda que a infração tenha sido
anterior à venda (cf. São Paulo, 29 de novembro de 1940, R. F., 86, 402). Mas proprietário e construtor são
litisconsortes (3.~Câmara Civil, São Paulo, 26 de novembro de 1941, R. E’., 90, 169).
Fala-se de lei, de regulamentos e de posturas. Não se havia de entender que o regulamentador se houvesse afastado
das regras legais que regulamentou, nem que as posturas e leis infringissem a Constituição. A alegação de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade é matéria de defesa que põe em dúvida o título para a cominação. Porém
não a exclui. É quaesuo iuris.
É preciso haver infração da lei, do regulamento ou da postura (1.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, 27 de abril de 1950, R. F., 141, 325). A inconstitucionalidade da lei ou a inconstitucionalidade ou
ilegalidade do regulamento ou da postura é matéria de defesa, que se há de examinar e apreciar.
A obra, de que se trata, tanto pode ser em prédio rústico como em prédio urbano (2.~ Turma do Supremo Tribunal
Federal, 29 de agôsto de 1950, D. da .T., de 15 de julho de 1952).
Na ação cominatória em que se pede demolição, essa só-mente pode ocorrer como execução do preceito, ao passar
em julgado a sentença que julgue a ação, salvo se na petição inicial ou no curso da ação se falou de urgência e se
permitiu.
Se pelo mesmo fato algum vizinho houver intentado a ação cominatória, convém que o juiz ordene a cumulação
dos processos. A regra jurídica sobre competência pela conexão tem aplicação, bem como as regras jurídicas sobre
litisconsórcio e sobre necessidade de citação de terceiro. A decisão sobre o caso do mau uso pelo vizinho, noutro
processo, não faz coisa julgada material para o processo no caso da ação da entidade jurídica, ou vice-versa, pela
falta do pressupostos da identidade das partes autoras, ainda que os mesmos o réu e O fato. Para que se desse a
fôrça material de coisa julgada seria preciso que se houvesse estabelecido o litisconsórcio, necessário ou
voluntário. A própria prova feita não tem, em princípio, eficácia noutro processo.
É possível que o autor da ação, precise do julgamento como diretiva legal, para a concepção de projetos e atos
futuros, e dêsse meio se sirva, em vez de empregar a ação declaratória. O juiz não tem de apurar essa reserva
mental:tem de apreciar o interesse, tal como resulta da existência de danos ou perigos.
O dilema preceptual é concedido como o de tôda ação cominatória; preceito de faciendo e pena. No caso de se
demolir a obra, ou se suspende ou demole, ou tem de ser aplicada a pena que foi pedida e deferida, igual ou
‘diferente da muita administrativa. ~ possível e prático pedir-se a pena igual à multa (ou ao dôbro dela, pela
renúncia ‘da entidade estatal à imediata aplicação), se não atender ao preceito nos dez dias, e outro tanto (ou o
dôbro) se, ao tempo da sentença, persistir. No caso de desobstrução da vala, ou outro ato semelhante, dá-se o
mesmo. Não há o dilema “preceito de jaciemlo ou interdiÇão do prédio”, salvo quando a interdição estiver, como
pena, na lei, no regulamento ou na postura.
A interdição de prédios está como exemplo de ato a ser praticado pelo réu, quando, no sentido técnico, é o Estado
que interdita prédios, nos casos em que a lei o permite. Proprietários não interditam os seus próprios prédios, nem
os dos outros. Não se pode ordenar ao réu que “interdite ou sofra a pena como se ordena “desobstrua ou sofra a
pena”. Assim, o ato primeiro têrmo da alternação, está elíptico, e é todo ato que a lei, o regulamento ou a postura
repute suficiente para se decretar a interdição. O juiz não tem o direito de determinar, de seu arbítrio, interdições
de coisas, como lhe é vedado determinar prisões, cominatôriamente , sine lege. Sempre, porém, que se trata de
crimes ou contravenções. entende-se que o direito, permitindo a interdição no penal, autoriza a interdição no cível
(aliter, quanto à prisão, pela necessidade da regra expressa quanto à liberdade física e à liberdade de pensamento,
aos direitos de ordem política e à igualdade, todos concernentes A pessoa).

16. OBRIGAÇÃO DE ABSTER-SE E DE PRESTAR. A regra jurídica a respeito é regra geral, abrangente de
todas as pretensões de fazer ou de não fazer por parte de outrem. Supõe-se o direito, a pretensão, devendo evitar-

(continuação)
se falar de obrigações de fazer ou não se fazer, sem se aludir à pretensão do autor, porque não é certo que a tôda
obrigação de fazer ou de n?~o fazer corresponda a pretensão de alguém, e a discussão
teórica levaria a dificuldades enormes. Ponha-se o intérprete, como a lei o determinou, do lado do autor a
legitimar-se, sem perder de vista que a pretensão à tutela jurídica é contra O Estado, e a legitimação passiva tem
de ser apurada segundo os seus princípios.
Outro ponto que merece desde já ser elucidado é o requenterente ao brocardo Nerno praecise ad faciendum cogi
potest. Entendido como vedação da ação direta do Estado, é vigente. A própria prisão é ação indireta. Não assim o
outro brocardo *Nemo prccecise ad (non) faciendum cogi potest: pode-se, por exemplo, impedir o crime. A regra
geral, de direito material, é que se ponha alguma alternativa ou se cobrem perdas e danos (efeito de alternativa
implícita). De modo que não se dá a precisa execução da obrigação de fazer ou de não fazer, se o agente obrigado
não quer. Naturalmente, sempre que a obrigação pode ser executada por outrem, o cumprimento se dá, em vez da
condenação a perdas e danos. A melhor distinção entre as obrigações é entre obrigações de prestação pessoal e
obrigações de prestação material, e aquelas podem ser negativas ou positivas (sendo difícil, porém não impossível,
ocorrer prestação material negativa). A obrigação de suportar, ad patiendum., é subespécie de obrigações passivas,
por sua vez subespécies das negativas ou mistas. Pensemos aqui, apenas, na estrutura do preceito cominatório:
praeceptum de facienda, ou de non faciend,o, ou de patiendo. e cominação, poena. A cominatória de modo
nenhum infringe o brocardo Nemo praceise cii faciendum cogi potest, como a condenação a perdas e danos, ou a
ameaça disso, não o viola. O brocardo basta à ação direta, não à cominatória.
As obrigações de declarar são obrigações de fazer.
As obrigações podem ser pessoais ou reais. Não são necessariamente pessoais. A obrigação de demolir é real. Se
concerne a imóvel, evidente é que o fôro da situação se impõe (sem razão, a ~ Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, a 12 de abril de 1951. R. dos T.. 192, 300). A restauracão de cêrca divisória pode ser
objeto de obrigação pessoal (não necessàriamente. como parecer 2a Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo.
a li do junho rio 19!i2 P dos T.. 203. 537).

A 1.a Câmara do Tribunal de Alçada de são Paulo, a 17 de junho de 1952 (R. dos T., 203, 520; .1?. F., 148, 239),
entendeu que o inquilino não pode ser constrangido, por via de ação cominatória, a permitir a entrada na casa
locada, ainda que em horas determinadas, a estranhos, interessados na aquisição. O acórdão não examinou o
problema de direito material, que é o seguinte: ~ tem o inquilino (ou outrem, com direito à posse) obrigação de
deixar ver-se o prédio que vai alienar? Tal obrigação existe. A posse não exclui o exame pelo proprietário, que
suspeite de serem necessárias obras urgentes, nem por estranhos, que desejem adquiri-lo. Negar que o dono do
prédio possa exigi-lo é sustentar que, com a dação da posse, se lhe diminuiu ou cerceou o poder de dispor. O
caminho mais fácil para se regular a visita ou vista do prédio, em ação de regulação do exercício do direito de
propriedade, se falha o acordo, é a preceitação: ou o possuidor escolhe as horas, ou admite que o proprietário as
escolha, ou acorda em que o juiz as fixe, ou incorre no que foi cominado para o caso de opor-se a qualquer visita
ou exame. Isso não quer dizer que a ação de regulação não possa ser proposta com o rito ordinário.
A generalidade da regra jurídica tornou-a a mais importante regra jurídica sobre ação cominatória, de modo que
algumas vêzes as outras se subsumiam nela. O seu campo de aplicação é maior do que o das outras, e pode ocorrer
dualidade de formas processuais à escolha do autor. Não se diga que se revogou a regra jurídica de direito
material, que só admite a condenação a perdas e danos. esse é modo de executar-se, no plano material, a obrigação
de fazer ou de não fazer. Não se exauriu, com isso, a importância processual das pretensões do credor, existentes
em direito material, nem se proibiu a adesão de efeitos de origem processual, nem, ainda mais, a criação de
pretensões processuais. O que o direito material adotou, adotou-o no seu terreno, e somente regras de direito
material, postas nas leis processuais, ou noutras leis de direito material, podem derrogá-lo nas regras de direito
material que são quase tôdas as suas. Onde êle inseriu regra de direito processual, a derrogação obedece aos
princípios que governam a derrogação ou revogação das regras da mesma natureza. A regra jurídica, que se
formula, é regra puramente pré-processual, cujos pressupostos são reflexos, imagens, dos pressupostos do direito
material imperativo (“por lei”), ou dispositivo, ou interpretativo (“ou convenção”), sem que se exclua a hipótese
de ter nascido no próprio direito processual, a pretensão a que se confere a cominatória. Por exemplo: é defeso
lançar nos autos cotas marginais ou intercalares, e o advogado, no memorial publicado, escreveu que vai “marcar
bem êsses lugares nos autos”; de posse dessa prova de propósito de offenctendo, pode a outra parte pedir preceito
cominatório. Lei, de que se trata, não é só de direito material, nem a inserção do ato no direito penal inibe o juiz de
conhecer dos pedidos de cominação para evitar a prática de ato futuro, de que alguém se tenha de abster, por lei ou
convenção.
O ofício do juiz, aí, exerce-se em toda a extensão que os dois conceitos de “obrigação de fazer” e “obrigação de

(continuação)
abster-se” traçam à sua invocação. O autor implora-o, como diziam os nossos velhos juristas, ad mandatum non
faciendi ou ad mandatinn faciendi. Na Ordenação do Livro IV, Titulo 70, pr., lia-se: ..... quando, algum fôr
obrigado a alguma obra, ou fato, que prometesse fazer a tempo certo, não a fazendo ao tempo, que se obrigou,
deve ser estimada a obra, que houvera de ser feita; e quanto fôr a estimação, tanto poderá crescer a pena”. Daí
partiam os praxistas para o uso do preceito cominatório, nos casos de obrigação de fazer, aliás substituindo o
“estilo do reino” de prender o obrigado, muito frequente contra os obreiros e artífices (MANUEL DE ALMEIDA
E SOUSA, Ações Sumárias, 1, 338).
O direito, êsse, não é só o direito pessoal; pode ser o direito real. Aliás, a pretensão; porque, se o direito é
desmunido de pretensão, ou de ação, não cabe a ação cominatória, ou qualquer outra. Em todo caso, pode dar-se
que exista a pretensão e não exista outra ação que a cominatória, ou outras ações que a cominatória, e então é
intentável essa. No dizer “direito de exigir”, contém-se, em têrmos atécnicos, referencia a “direito” e a
“pretensão”.
A ação cominatória, no direito brasileiro, é proponível sempre que, por lei ou convenção, haja pretensão a se
exigir de outrem que se abstenha de ato, ou preste fato, dentro de certo prazo. Desde que alguém é prejudicado, em
se tratando de direito absoluto, ou relativo, por ato, positivo ou negativo, de outrem, que possa continuar, ou
repetir-se, ou haja receio de que tal ato, positivo ou negativo, se dê, causando prejuizo, nasce a ação cominatória,
que é ação irradiada da pretensão à abstenção ou à prática de ato alheio.
“Convenção” está, nas leis, muitas vêzes, por negócio bilateral ou unilateral, contrato ou declaração unilateral de
vontade. Não se confunda o preceito cominatório, ação, com a cominação se a prestação somente pode ser feita
pelo devedor e êsse não a queira fazer, ou se o caso é de abstenção, que se funda na sentença exeqúenda, e não na
lei ou na convenção. Alguns acórdãos estão a falar em não ser cabível a ação cominatória para se exigir o
cumprimento de obrigações contratuais (é verdade que em “motivos” ou considerandos dos julgados), mas é
preciso evitar-se que se vá repetindo êsse absurdo (e. g., Tribunal de Apelação de São Paulo, 13 de março de 1941,
R. dos T., 130, 680). O maior campo de aplicação da ação cominatória para ato ou abstenção é o das obrigações
contratuais. Naturalmente salvo quando a citação contém também intimação, notificação ou interpelação
concebida pelo direito material e com efeitos de direito material imediatos não é meio para se tornar exigível o
que o não é (certo, na “decisão”, o acórdão acima citado): a razão, porém, é a de faltar a ação; aliás, talvez a
própria pretensão: haver só o direito. Se A tem direito ao que o contrato lhe assegura a 31 de dezembro, não pode
exigir, pela falta da pretensão; nem, ainda, pode acionar. Não podendo acionar, nem exigir, claro que não pode
usar de forma ordinária de processo, nem, com maioria de razão, de forma especial, como é a da ação cominatória.
Fiquemos dentro de princípios, que tudo dá certo.
O preceito é sempre o mesmo, de nan faciendo, ou de faciendo. O que varia, segundo as espécies contidas na regra
geral, é a pena cominada. Quase sempre sobre ações cominatórias, a pena pecuniária, coercitiva indireta, que é
simples e pode ser aplicada em todos os casos, uma vez que se consideram reduzíveis a dinheiro todos os
interesses. Pode o autor, nas pretensões de abstenções ou abstencão de outrem, pedir que se abstenha ou sofra ser-
lhe destruído ou desfeito o ~que fêz, à custa do réu. Então, a sentença é que será executada.
Algumas das aplicações que poderíamos chamar clássica~, são as seguintes: a) se alguém prometeu fazer certa
obra, ou praticar certo ato, dentro de determinado prazo (Ordenação do Livro IV, Título 70, pr.), ou se a exceção
fôr incompleta e defeituosa; b) se se quer que o usufrutuário caucione de bene utendo, porém não o doador que
reservou para si o usufruto, nem o pai, usufrutuário dos bens dos filhos menores; c) para que o legatário eleja a
coisa de que lhe foi deixada a escolha; d) para que o foreiro exerça o direito de preferência se o senhorio quer
vender o domínio (não para que o senhorio exerça a opção se o foreiro ou enfiteuta quer vender ou dar em
pagamento o domínio útil); e) se o réu, demandado na ação de reivindicação, começa de fazer, ou vai fazer,
benfeitorias no prédio, para que não as faça, com a cominação de não serem atendidas, se perder a causa, salvo se
necessárias; f) para que o gestor de negócios não continue a gerir, sob pena de não ter jus a despesas
(semelhantemente, o procurador ou o comissário). Não cabe: para obstar efeitos de atos processuais, e. g., vedar
prova, ainda que se discuta o direito de usar do documento (2.2 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, 5 de maio de 1942, R. F., 92, 131), ou para susker efeitos de cobrança (2.2 Câmara Civil, 28 de julho de
1942, R. dos T., 140, 129).
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Ações Sumárias, 1, 349) pôs entre os casos de preceito cominatório o de
estar alguém tentando comprar a coisa litigiosa e cominar-se-Ihe que, se a compra e é vencido o réu, contra êle se
fará, diretamente, a execução. Seria mais próprio usar-se de notificação do que da preceitação pois o cominatório
seria supérfluo.
Quem tem obrigação de exibir pode ser citado em ação de exibição, sob a forma cominatória: a obrigação é de
fazer, de exibir. Errou a 1.8 Turma do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 12 de novembro de 1951 (1?. dos T.

(continuação)
de 1., VI, 348), ao repelir a ação de preceito cominatório para exibição de documento.
No direito luso-brasileiro e no brasileiro sempre se concebeu a ação de exibição (direito material) como acão de
preceito cominatório (direito processual). MANUEL ÁLVARES P~GAS (Z?~soiution es Forenses, III, 111 s.)
e provar o interesse na exibição e a existência da coisa em poder do demandado (cf. Desembargo do Paço, 12 de
agôsto de 1681 e 2 de agôsto de 1680).
É evidente a pessoalidade da ação. Se o terceiro, notificado, não exibe o documento, pode o interessado cobrar-
lhe, por ação direta, a indenização dos danos sofridos, sem prejuízo da responsabilidade penal por desobediência.
Quanto aos outros figurantes, ou quanto ao outro figurante da relação jurídica processual, desde que só o exame
do documento possa confirmar ou destruir as alegações do requerente, o juiz pode considerá-las provadas, se
forem verossímeis e estiverem coerentes com as demais provas dos autos: 1. Quando a parte condenada a exibi-lo
negar que o possua, ou recusar a exibição. II. Quando as circunstâncias convencerem de que a parte condenada à
exibição ocultou ou inutilizou o documento, para impedir-lhe o uso pelo requerente. De modo que, na ação de
reivindicação, o juiz considera provadas as alegações sem forçar à exibição, materialmente: a preceitação foi
implícita no mandado que o juiz expediu para exibição de coisa ou de documento, a pedido do interessado. (A
respeito convém advertir-se que o princípio Nemo contra se edere tenetur não significa que possa alguém se furtar
à obediência de mandados exibitórios; apenas exprime que só se não é obrigado à edição de documento se não há,
in casu, dever de editar, obligatio edendi, cf. K. A. VON VANGEROW, Lehrbuch, III, 674; JOSEF BÚHLER, fie
Actio ad exibendum, 27, nota 1.)
A pretensão à exibição pode exercer-se preparatôriamente, ou como ação de segurança, sem que a cautelaridade
se junte preparatoriedade; ou incidertter, no correr do processo, se a exibicão se fêz necessária e posteriormente ao
inicio da lide, ou devido à articulação do réu; ou como ação bastante em si (= independente). Para a adio ad
exhiberndum praeparatoria, como para a actio ad exhibendum quae ad exciudendum rei separandum valet, ou
para todos os casos de cautelaridade, o processo é especial. A ação exibitória independente, como se foi exercida a
pretensão exibitória para se escolher, é ação de rito ordinário, ou ação de preceitação em cominatória para dever
de fazer. Tudo isso concerne ao processo, de modo que foi de nenhum valor a classificação de CARL ETNERT
(Tractatus de
Actione ad exhibendum, 101, 170, 185 s. e 211 s.), ao encambulhar espécies processuais e espécies de actiones ou
pretensões, no sentido do direito material. A referência que a propósito da exibição cautelar se faz às regras
jurídicas sobre exibição probatória não pré-exclui a ação de cominação, se a eficácia segundo as regras jurídicas
sobre a exibição probatória não bastaria. A ação ad exhibendum não é ação ligada ao domínio, posto que o ter
domínio possa bastar à prova do interesse na exibição. Por outro lado, a exibição pode ir contra o. proprietário da
coisa. O que importa é que haja interesse na exibição e que esteja de posse da coisa o demandado. Pode cumular-
se com a ação de reivindicação, com a ação declaratória do direito de propriedade, com a ação negatória, ou com a
ação de retificação do registo.
Na ação ad exhibendum, ainda que cautelar, é réu o possuídor imediato; e discute-se se também o é o possuidor
mediato. A questão simplifica-se ao apurarmos se há casos em que a posse mediata é atingida pela pretensão à
exibição. Ora, a resposta é afirmativa: o que pede a exibição para fins petitórios vai contra o possuidor imediato e
contra o possuidor mediato. A ação ad exhibendum não tem conteúdo sempre o mesmo; e é inseparável do
interesse a que ela serve. Se proposta contra o possuIdor mediato, qualquer que sej a, tem o possuidor imediato de
ser citado.
O direito ao segrêdo epistolar compete ao remetente e ao destinatário. Se só um permite a exposição ou
publicação, ainda não se pode expor ou publicar a carta. Para que um dêles, só, possa expor ou publicar, é preciso
que, quanto ao outro, algo tenha ocorrido que pré-excluiu a contrariedade a direito da exposicão ou publicação; e.
g., se se tem de fazer prova contra êle. O segrêdo opera para todos; o direito ao segrêdo é absoluto: terceiros não
podem expor ou publicar a carta, sem que remetente e destinatário permitam. O fundamento para que se exlia,
além do consentimento do remetente, o consentimento do destinatário, está em que pode aquêle ter referido, na
carta, fatos, sentimentos e pensamento do destinatário, a respeito dos quais tenha êle direito a velar a intimidade,
ou que, segundo o costume e o teor da civilização, devam ser reservados. .Tâ em 1906, JOSEF ROHLER
(Urhe~erreeht an Schrifhverlcen, 444) o frisara. Se ocorre, de fato, não haver qualquer interesse do destinatário na
vedação da exposição ou publicação, nem por isso se lhe dispensa o consentimento. Pode dar-se que o remetente
precise de expor (incluída a exibição em juízo), ou de publicar, a carta que escreveu, e o destinatário não lhe dê o
consentimento: os caminhos, que tem o remetente, são: a) a ação de exibição, pois à ação ad exhibendum basta
algum ius (cf. L. 19, D., a dexhibendum, 10, 4: “Podem intentar ação ad exhibendum todos aquêles a quem
interessa. Mas alguém consultou: ~poderia êle mover essa ação para que se lhe exibissem as contas do seu
adverso, que muito lhe interessava fôssem exibidas? Respondeu-se que se não devia interpretar com falsidade o

(continuação)
direito civil, nem [só] se captarem as palavras [neque verba captari], mas ser conveniente ter-se em conta com que
intenção algo se dissera [qua mente quid diceretur]. Porque, com tal razão [ilIa ratione], também o estudioso de
alguma doutrina poderia dizer ser de seu interesse que se lhe exibissem tais e tais livros, pois, se lhe fôssem
exibidos, após os haver lido, mais douto e melhor seria”); 1,) a ação de cominação na sentença; c) a ação de
preceito cominatório (MANUEI.J M~DES DE CASTRO, Practica Lusitana, 1, 163). O juiz examina, desde logo
(e. g., pela cópia), se há interesse que supere o do sigilo, ou o consentimento do destinatário. Se há
correspondências de três ou mais pessoas, entrelaçadas, de modo que a carta, de uma a outra, aluda, ou cite, ou
transcreva a de terceira pessoa, o consentimento dessa é de exigir-se, porque a dispensa importaria se lhe negar o
direito ao sigilo. Além da epístola continuativa (JoSEF KOHLER, Das Recht an Briefen, Archiv flir Bilrqerliches
Recht, VII, 103 s.), há a epistola com pluralidade de destinatários, ou pluridestinada, a epístola confidencial, isto
é, a um só destinatário porém pessoalmente extensiva (~ para mostrar a terceiro) e a epístola em correspondencia
entrelaçada , de que se falou.
O direito ao sigilo cessa se falta, no suporte fáctico do ato-fato jurídico de singular (ato-fato jurídico, tanto que o
louco. o surdo-mudo que não pode exprimir a vontade e o menor de dezesseis anos podem estabelecer o segrêdo
da correspondência), a negação de emissão ou publicação. Chegamos assim poder explicar. ‘~e maneira
científica, o direito ao sigilo: direito de personalidade nato; quando se exerce a liberdade de fazer e de não fazer,
ou a de emitir ou não emitir o pensamento, a intimidação, ou o segrêdo, que resuita do ato-fato do exercício de tais
liberdades, é objeto de direito à intimidade ou ao segrêdo. O direito ao segrêdo é o efeito do ato-fato jurídico, em
cujo suporte fáctico está o ato-fato do exercício da liberdade de não emitir o pensamento ou os sentimentos. O
direito a velar a intimidade é o efeito do ato-fato jurídico, em cujo suporte fáctico está o ato-fato do exercício da
liberdade de fazer e de não fazer.
O direito ao sigilo também cessa quando outro direito mais alto está à frente dêle. Quase sempre isso ocorre se a
coisa sigilada é meio de prova do direito mais alto. O remetente pode usar da cópia da carta enviada, ou da cópia
do telegrama, radiograma, ou fonograma, ou pedir a exibição, sempre que seja para a tutela de direito mais alto.
Seria ao mesmo tempo insuficiente e demasiado dizer-se “pode usar para provar fato ilícito” (e. g., A. DE CUPIS,
1 Diritto delia persortalità, 129) : o segrêdo pode ser mais importante do que o interesse que o ilícito, absoluto ou
relativo, fere. Não se compreenderia que se exibisse a carta que se refere à fórmula do segrêdo químico, ou físico,
porque o remetente, não-autor dela, ou não titular do direito a ela, afirma que nela está a resposta à sua oferta, com
restrições. Se separável a parte, pode permitir-se a exibição, velada a outra. Nem se pode pensar diferentemente no
direito penal, pois só faz referência ao destinatário.
O direito do destinatário ao segrêdo da correspondência pode achar-se diante do direito de autor que toque ao
remetente, se o conteúdo se presta a tal figura jurídica. Àquele é que se atende, salvo se não há confidencialidade
in concreto e se o remetente retira, na publicação, a destinação (argumento:
premetente poderia tê-la endereçado também a outrem). O direito do destinatário ao segrêdo não é ofendido (pré-
exclusão da contrariedade a direito), se a exposição, ou publicação, é indispensável a direito mais alto: à vida, à
integridade física e psíquica, à verdade, A honra, em juízo contra o remetente (direito à verdade).
Quanto ao destinatário, pode êle, em princípio, utilizar a correspondência para a tutela de direito mais alto. Tem-se
entendido que pode, sempre, ser utilizada como prova contra o remetente (JULES VALÉRY, Des Lettres missives,
243). Mas essa solução, discutível em direito penal, pois, segundo o direito processual penal, as cartas podem ser
exibidas em juízo pelo respectivo destinatário para defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do
signatário, não no é em direito civil:
se o segrêdo é de maior importância e inseparável do resto da carta, oi~ não há dever de exibição, ou a parte
mesma acarreta com a cominação se não foi exibido o documento indispensável. No direito privado, as cartas
missivas não podem ser publicadas sem permissão dos seus autores ou de quem os represente, mas podem ser
juntas como documentos em autos judiciais. A 1~a parte concerne ao direito de autor e ao direito ao segrêdo; a 2~a,
~ não-contrariedade a direito, se há necessidade de prova, a favor do destinatário.
Há ação para se obrigar o concorrente, que tenha direito a firma idêntica, a modificá-la por forma que seja
impossível êrro ou confusão. Tal ação nada tem com a de nulidade de registo no Departamento Nacional da
Propriedade Industrial:
a competência é a geral, e não a das Varas da Fazenda Pública. A ação também assiste em caso de sociedade por
ações. Se a denominação é idêntica ou semelhante à de empresa já existente, assiste à prejudicada o direito de
requerer, por via administrativa, ou em juízo, a modificação e demandar perdas e danos resultantes, regra jurídica
que também incide em matéria de sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, ou de cooperativas.
Quanto à prescrição da ação de abstenção ou da ação de preceito cominatório, cuja distinção há de estar na
memória de todos, veja-se o que antes dissemos nos Tomos II, ~ 207, 5, e V, ~ 627), é preciso ter-se em vista o que

(continuação)
também, incisivamente, escrevemos no Tomo V, § 627, 3 (cf. Tomos VI, §§699, 2, e 701, 2; VII, §§ 733, 2, 748, 7
e 9, e 756). A ação de indenização é prescritível no prazo das demais ações patrimoniais por ofensa ao direito de
personalidade. A ação de indenização, em caso de ofensa à propriedade industrial (a coisa!), prescreve no prazo
especial para as ações por ofensas ou danos ao direito de propriedade.
A prescrição de seis meses segundo TULLIO ASCARELLI e JOÃo DA GAMA CERQUEIRA (R. dos T., 159, 13-
17), admitida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de agôsto de 1945 (159, 205), e a 13 de junho de 1952
(204, 222), é de repelir-se. Invocou-se a Lei n. 1.236, de 24 de setembro de 1904, já revogada e que seria
pertinente a outra ação que não seja a do art. 10, § 3~O, do Decreto n. 916, de 24 de outubro de 1940, ou do art.
3~O, § 2.0, do Decreto-lei n. 2.627 (Lei n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919, art. 18). A solução há de atender ao
que antes já dissemos, explicitamente, nos Tomos V, § 627, 3, e VI, § 701, 2.
As fontes das pretensões negativas são as mesmas das positivas. Em todo caso, a lei exerce maior função quanto
àquelas, devido à existência de direitos absolutos, que não derivam de negócio jurídico, como a maior parte dos
direitos reais. Quando, por exemplo, se fala de obrigações de não fazer, oriundas da lei, a referência é tanto a
obrigações ex contractu, quanto a obrigações reais ou correspondentes a direitos absolutos não reais.
No direito brasileiro, não há regra jurídica que exija às prestações prometidas o serem avaliáveis em dinheiro.
Certamente, se a prestação não fungível não é feita, à ação de perdas e danos seria objetado não ser suscetível de
avaliação a prestação e, pois, de satisfação de perdas e danos, em caso de adimplemento. Mas o fato de não se
poder converter em indenização a prestação não é óbice à exigibilidade. Quem foi vítima de omissão por parte do
promitente de prestação inavaliável nem por isso está em situação de não ser satisfeito. A executabilidade não é
pressuposto da declaratividade, nem da condenatoriedade. Quem foi ofendido com o não-cumprimento da
promessa de ato inavaliável pecuniàriamente pode, com a sentença declaratória, pedir cominação, a fortiori com a
sentença condenatória; ou, sem aquela ou essa sentença, propor a ação cominatória, para a qual basta o interesse
moral no ato positivo ou negativo que se prometeu ou está previsto em lei.
A ação contra o condenado a abster-se não é a ação cominatória típica, mais geral; nem a pré-exclui: o interessado
pode requerer uma ou outra. Nem é cautelar. Por Isso me3mc, se ocorrem os pressupostos da ação cautelar, pode
ser proposta.
A construção que somente vê pretensão à abstenção quando se infringe o dever de omissão é de repelir-se. A
pretensão existe desde que se pode exigir o nou face. e. Para se satisfazer :al pretensão ou se há de cessar
atividade, ou se há de continuar de não fazer. Se não cessa, infringem-se o dever e a obrigação; se se continua de
não fazer, mas, depois ainda que imediatamente depois se faz, não é a pretensão que com isso se inicia, mas a
ação que nasce.
A pretensão à nivelação das partes na prestação (Ausgleichungsanspruch), que foi paga integralmente por um dos
devedores resulta de princípio jurídico. Qualquer dos co-devedores solidários pode, antes de desembolsar, pedir: a)
que seja declarada a quota de cada um, ou a sua (ação declaratória); b) que se preceite o outro co-devedor, ou se
preceitem os outros co-devedores, para que depositem ou juntem à quota do demandante aquela a que é obrigado o
demandado ou aquelas a que são obrigados os demandados (ação de preceito cominatório).
A relação entre os devedores solidários já determina que êles colaborem no adimplemento. A pretensão do
reembôlso sobrevém ao pagamento e supõe o dever de nivelação ou de ajustamento, a que corresponde o direito
de nivelação ou de ajustamento. A pretensão à nivelação ou ao ajustamento precede à pretensão ao reembôlso.
Aquela é o Ausgleichungsan-. spruch, a que tanto deram atenção os juristas alemães, e essa, oRilckgriffsanspruch.
A ação para que alguém seja condenado a prestar declaração de vontade, que prometeu, nada tem com a ação
cominatória (4.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 29 de junho de 1945, R. F., 107, 78),
que não é ação executiva; nem com a ação de resolução ou de resiliçáo (eficácia ex nuno) do pré-contrato, na qual
podem ser pedidos e obtidos perdas e danos, se os há (cf. 3~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, 17 de outubro de 1946, R. F., 115, 540>. O principio de resolução (jato seusu) por inadimplemento é
invocável pelo demandado em qualquer das três ações (cp. 3•O Grupo de Câmaras Cíveis, 18 de agôsto de 1950).
A respeito das despesas em bem ou patrimônio alheio há:
a) a pretensão à indenidade ou reparação, como ocorre ao possuidor de boa fé, quanto às benfeitorias necessárias e
úteis, e ao possuidor de má fé, quanto às necessárias; b) o jus tollendi; c) o direito de retenção; d) a ação para
prestar contas, fixando-se prazo para que a pessoa a favor de quem se fizeram as despesas as aprove ou impugne,
com a cominação de, não contestando, ou não impugnando, não mais ser ouvido, isto é, com rito da ação de
prestação de contas (cf. F. STEINBACH, Die Anspritche I7erwendungen nach dem Rechte des Bitrgerlichen
Gesetzbuches, 28 s.) ; e) a actio negotiorum gestorum contraria utilis, ou a que se irradiar da relação jurídica.

(continuação)
17. PEDIDO E PROCEDIMENTO. Na petição inicial, pede o autor a citação do réu para prestar o fato, ou abster-
se do ato, ou sofrer a pena contratual, ou a que foi pedida ao juiz. Já vimos como funciona o dilema cominativo.
Trata-se de processo de cognição incompleta, non plena cognitio, algumas vêzes superficial, dificilmente parcial.
A alternação vai até a sentença, à entrega da prestação jurisdicional pelo juiz, que pode ser ao tempo previsto, ou
após o procedimento ordinário. Não é, pois, alternativa de fazer (ou não fazer) e de apresentar defesa. A
contestação impede que a sentença seja desde logo proferida; mas continua de pé a cominação, pendente. A
estrutura cominatória do velho “mandado preceptivo” está bem caracterizada na lei.
O autor da ação cominatória tem o ônus de alegar e de provar que é titular de pretensão à abstenção do ato ou
prestação de ato, porém isso não quer dizer que tenha de haver certeza inicial sobre o seu direito e a sua pretensão
(equívoco o acórdão da ~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 25 de abril de 1951, A. J., 99,
298).
A comunicação de conhecimento e de vontade, que o juiz faz, é a título incompleto e contém: (a) declaração de
que existe a obrigação, e de que a lei permite cominar a pena; (b) a cominação. Aquela é atacável pela contestação
e funciona como prejudicial: ou (a), ou não (a) ; se existe (a), porém (e) não houve cumprimento da obrigação,
então se condena o réu à pena cominada. O que faz pensar-se em duas ações condenatórias juntas (isso ocorre na
ação de prestação de contas ativa) é o elemento de aparente adiantamento da condenação, que se crê existir desde
que se citou e cominou. Cominar seria, portanto, em lógica dos sistemas jurídicos, adiantar condenação, como, se
a ação é executiva, o juiz adianta execução. Ora, a cominação é relativa à primeira ação; não à segunda. A
infração é que toca à segunda. A contestação impugna o mandado citacório-cominatório, e a futura condenação; a
não-contestação da sentença declarativa, de cognição superficial, que é o primeiro despacho, e a não-observância
do mandado cominatório (incluído na citação) fazem definitivo o que apenas se adiantara. Dá-se, então, a
cognição plena; e por isso a sentença “condena”. A declaração superficial, essa produz a sua fôrça, uma vez que se
completa, não tendo sido impugnado, no prazo, o mandado. Naturalmente, outro é o caso da ação do art. 308, que
contém duas ações, sucessivas, de condenação; e ainda mais diferente o das ações do art. 298, que contém duas
ações contemporáneas, a executiva e a de condenação, com adiantamento dessa e a invcrsão da ordem’ quanto
àquela.
Foi o jurista português ANTÔNIO GOMES (In Leges Tauri Commentaria, ad. L. XL, 79) quem melhor expôs a
doutrina de RODRIGO SUÁREZ, de DIOGO COVARRÚVIAS e de outros, sobre a declaratória super iure de
futuro; e o elemento declarativo dos preceitos cominatórios entra na classe daqueles em que “hene valet iudicium
sententia super iure de futuro quanto pendet a iure vei causa de praesenti”.
A cominacão, como ato processual, ainda não está convenientemente estudada em ciência processual. Certo, entra
na classe das comunicações de vontade, porém o elemento próprio, que é a provocatio ou a comminafio, precisaria
ser pesquisado em profunda análise lógica, que não foi feita. ele aparece desde a introdução da lide e da chamada
li autoria, ou da citação do nomeado a autoria, atravessa os casos de alternativa (<‘ou isso, ou sofre aquilo”), e
culmina nos casos apontados pela lei, em que estrutura, por bem dizer-se, o processo cominatório (ou
provocatório): apresentam-no as citações e as notificações; ou desaparece, nas intimações.
As interpelações e, em geral, os atos que constituem em mora (atos regidos, em sua eficácia, pelo menos, segundo
o direito material) contêm-no. Mas a dose é mínima.
Nos processos das ações executivas de títulos extrajudiciais, a contestação é eventual, materialmente, como se dá
nos processos ordinários , pôsto que invertida a iniciativa do contraditório (em vez de ao autor, cabe ao réu). Nos
processos das ações cominatórias, a contestação é eventual, material mente e formalmente (se não contestou o réu,
não se procede como se tivesse havido contestação); mas ocorre a mesma inversão de iniciativa do contraditório
que se nota nos processos das ações executivas de títulos extrajudiciais. O processo da ação de prestação de contas
tem estrutura em duas fases, mas pertence à classe dos processos cominatórios .
A contestação da ação cominatória impugna o despacho da ação declarativa e contesta a ação de condenação, pois,
ex hypothesi, o réu não respeita o despacho declarativo. esse desrespeito ao despacho declarativo (de cognição
superficial) põe o réu da ação na situação do réu da ação executiva de cognição completa, para o qual a sentença
vale como “preceito”. A diferença está, indubitàvelmente, em que a cognição daquela ainda não se completou.
Sempre que a ação tenha uma só face, que é a estrutura do comum, não há duas ações de condenação: apenas há a
declarativa e a condenatória, uma atual, outra não. Existem, porém, particularidades.
a) No caso da impugnação do pedido, a resolução judicial é de condenação, correspondente à pretensão à
segurança, que tem o autor.
b) O deferimento do pedido de caução é mandamental. a despeito da expressão “execução” que muito se emprega.
c) Mandamental é a resolução em caso de urgência, também a despeito de se falar de execução. A sentença final de
acolhimento do pedido é de condenação, se não houve urgência da medida; se houve, o processo é de cognição

(continuação)
sumária, sendo sentença final parcial a sentença que julgar procedente.
d)As resoluções judiciais de medidas de seguração ou de reparações, em vez de demolição, ou (a) são mandamen
tais, se tomadas pelo juízo mesmo as medidas de segurança, ou feitas por êle as reparações necessárias; ou (b) são
condenatórias, se impo~tcs à parte ré, para que tome as medidas, ou faça as necessárias reparações.
É relevante que a urgência verificada por perito transforma o processo do preceito cominatório, que termina, de
ordinário, pela cognição completa, em processo de preceitação à base de cognição incompleta que a final não se
completa. A lei permite que se impõe processo de cognição superficial; e entende que só em parte tem caráter de
coisa julgada material a sentença em caso de urgência. De modo que: a) a sentença é parcial; b) se pré-estrutura o
juízo ad separatum, que complete aquela cognição superficial do primeiro; c) o segundo juízo encontra sentença
que faz coisa julgada material. Erraria quem reputasse a sentença parcial, de que se fala, sentença que não faz
coisa julgada numa parte, ou no que se julgou, como a sentença que apenas defere o pedido de penhora. Trata-se
de caso típico de sentença final que tem fôrça de preclusão (coisa julgada formal), e, em parte, de coisa julgada
material.
O preceito cominatório, se, na aparência, mantém certa unidade processual, é, quanto às origens, de extrema
complexidade. Nêle, estão o mandatum cum clausula, o processo provocatório, no caso do fiador que pede
cominação para que o credor acione o devedor, certos interditos proibitórios de fundo romano, a sentença super
iure de juturo, e cauções e preceitações sugeridas pelas circunstâncias da vida de hoje. A técnica legislativa faz
bem em juntar tudo isso e aproveitar o velho preceito cominatório, que de longe nos vinha, mais oriundo da praxe
do que das Ordenações. A clausula justificativa, que se inseria nos embargos à primeira, marcava a separação
entre êsse remédio expedido mas “embargável” e o mandatum do processo documental, notadamente do processo
executivo das escrituras públicas, cuja “fé” proveio do julgamento com que foram, a princípio, concebidas. O
mandado de penhora, nas ações executivas de títulos extrajudiciais, é executivo, e o réu contesta, ou não, sem que
a sua contestação faça cessar a execução; o “mandado” cominatório nada tem de inicio de execução: apenas a
citação leva consigo, desde logo, a cominação.
Nunca se perca de vista que, ainda nas fontes mais remotas, o preceito mesclou procedimento interdital romano a
indiculi commonitorii; de modo que mais nos importa, hoje, a sua presente estrutura que a sua história, compósita,
heterogênea, e depuradora ao mesmo tempo.
O mandado de citação já comunica a pena, já é condicionado: “Si sentias te gravatum compareas iustitiae
complementum recepturus” (cláusula de embargos à primeira). O réu tem a< facultas’ opiponendi, sendo a
contestação ou a pugnação”, essa em caso de cominatória com caução, os antigos “embargos à primeira”. Com
essa mudança, que não é só de nome, desfez-se a equiparação do ‘mandatum das ações cominatórias ao mandatum
adequado à sentença executanda, que tinha, por sua eficácia completa, de ser “embargável”, e não só “contestável”
ou “impugnável”. A expressão “embargos” adquire, assim, maior precisão. Ainda não houve infração pelo réu, êle
ainda não violou as suas obrigações, de modo que se inverte a “natural e legitima ordem do juízo” (naturalem et
legitimum iudici ordinem), julgando-se antes do dano causado.
No entanto, (A) Natura prius est noscere quam iudicare e (B) Per naturam impossibile est ins de facto dicere
quod nondum cognoveris. Mas êsse julgar, uma vez que se admite a cláusula, é provisório. O praeceptum iudicis
simne clausula somente existe hoje, nas ações executivas de títulos extrajudiciais e nas ações mandamentais,
porque o preceito somente pode ser sem cláusula quer dizer, de cumprimento imediato precedendo sentença
condenatória (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumárias, 1, 363) ou declaratória. ou, na sentença
mandamental, por estar na sentença mesma.
O mandado com cláusula não infringe os dois princípios (A, B) que acima se enunciaram. Dai ter notado S. L. B.
DF COCCETUS (lua civile controversum, § 58) que, em verdade, o preceito com cláusula é só citação e cognição
superficial, et ne a mandatis auid em cum ela’usula inchoandum esse satisconstat. Não tanto, dir-se-á; porque, não
havendo contestação, se profere a sentença: há mandado; é incoativo; apenas se suspende (MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumarias, 1, 371), se há contestação. O que se passa é que se admite o
contraditório. Não há suspensão.
A ação de preceito cominatório é, em muitos casos, ação condenatória cumulada com. ação declarativa. A própria
ação ex lege diffamari, que se recebeu do direito comum, mediante o qual o provocante exigia que o propalante de
ter um direito fôsse submetido a poena perpetui silen lii, não era mais do que cumulação de ação declaratória
negativa e ação de condenação; e a ação e. lege sí.contendat,. pela qual o co-fiador pedia que o credor o
acionasse, também participava da natureza da ação declarativa. O elemento condenatório do preceito de
cominação é apenas o outro elemento. O engano de crê-la só condenatória procede.: a) de ter a preceitação o
caráter de pena, sendo, aliás, mera declaração de futura e eventual penalidade, existência futura que pode ser
objeto da própria ação declaratória típica; b) de, em certos casos, se permitir arbítrio do juiz em tais cominações, e

(continuação)
parecer que o juiz ‘constitui”. O argumento b) seria de enorme importância, se existisse arbítrio vero, nas
cominações que não sejam “a pena contratual”, ou a da lei, ou a marcada pela parte. Êsse arbítrio judicial vero não
existe, O engano de crê-la somente declarativa foi o de todos os que viram nos processos provocativos e noutros
preceitos cominativos a origem e o modêlo mesmo da ação declaratória.
Quanto à sentença, julgando a infração do preceito, aí o elemento de condenação vem à tona. É um dêsses casos
em que a sentença nem sempre tem a mesma natureza que a ação. Assim como, nas ações executivas de títulos
extrajudiciais, a pretensão executiva passa à frente (no tempo) e prepondera (fôrça + eficácia), assim, nos preceitos
cominatórios, a declaratividade passa à frente e prepondera. Entre as duas espécies há a particularidade de, nas
ações cominatórias, poder não ser condenatória a sentença (isto é, se o réu cumprir a sua obrigação). Sempre que
não houve contestação e o réu cumpriu, não se saiu do plano da declaração, O’ preceito é declaração, confirmação
dela é a sentença em que se reputou cumprida a obrigação, sentença que se não costuma proferir, mas que alguma
das partes pode achar útil e exigir do juiz.
Aliás observemos ação executiva de títulos extra-judiciais também se inicia com a possibilidade do atendimento
do mandado. Então, a sentença é apenas declarativa, negativa, quanto ao prosseguimento, por ser positiva quanto
ao integral pagamento.
Se o réu não cumpre a obrigação, ou a) não contestou e é condenado, ou b) é absolvido no processo ordinário que
se segue, ou e) é condenado. Nada se constituiu, somente se declarou, ou se declarou e condenou. Não se poderia
pôr o dilema ação declarativa ou de condenação porque não se sabe qual o fato posterior (infração ou não do
preceito), que vai ocorrer pendente a lide. Ao iniciar-se, não se há de admitir a construção da ação como de
condenação, porque a causa da eventual condenação ainda não existe. O que é comum, a tôdas as ações
cominatórios, no início, é apenas a declaratividade.
Há duas ações, que se acumulam sucessivamente, sendo a segunda “condicionada” e a primeira “atual”, básica.
No caso de a obrigação de fazer implicar negócio jurídico como prestação, o elemento constitutivo não é conteúdo
da ação, ou da sentença. ~ conteúdo da eficácia que teve o preceito. Não se pode usar do remédio jurídico da
cominação, para se obter o resultado da ação de execução de declaração de vontade. Pode-se usar dêle para a
alternativa ou cumprir a obrigação ou sofrer a pena cominada. Isso prova que, mesmo ai, as ações cominatórias
não são constitutivas. Pode ser constitutivo o conteúdo da obrigação, cabendo à eficácia do preceito provocar a
constituição; nunca a ação mesma, que estaria, então, desnaturada. Nem são executivas, como a ação de
declaração de vontade.

18.COMINATÔRIA E PENA NEGOCIAL. Se a pena contratual para o caso de não prestar o réu o fato, ou de não
se abster dêle, é compensatória, pede-a o autor, e, uma vez paga, extingue-se a obrigação. Se a pena contratual não
é compensatória, então, pedida, por outra ação, tem o autor de demandar o réu pelas perdas e danos ou para a
execução à base de sentença. Naturalmente, se há cláusula penal sem que haja a pretensão do autor à prestação de
fazer ou não fazer, por parte do réu, como se o réu prometeu pagar x se não fizer

isso ou não fizer aquilo (e. g. E. 1. BECKER, G. PLANCK e L. ENNECCERUS), falta um dos pressupostos da
ação cominatória para ato ou abstenção, ou de quaisquer outras ações cominatórias. Trata-se, aí, de “pena
convencional imperfeita”.
Se não há pena contratual, então pode o autor pedir outra pena, que êle conceberá e o juiz apreciará, para que nau
seja desproporcional com o prejuízo do autor. (Com citação do que dissemos, a 1~a Turma do Supremo Tribunal
Federal, a 10 de julho de 1964, Diário do Comércio e Indústria de 6 de dezembro.) Não se fala da pena prevista
em lei, porque: ou a sua regra jurídica seria dispositiva, e a pena convencional passa à frente; ou a regra jurídica
seria imperativa, e a pena convencional não vale. Nesse caso, a pena é a da lei se a regra exaure a penalidade
Legal, o que não é fácil acontecer. Em princípio, a existência de pena pela infração não exclui a cominabilidade da
pena preventiva. Se a pena convencional fôr para o caso de mora, ou inadimplemento, e o réu já cumpriu, em
parte, a obrigação, pode o juiz diminuí-la proporcionalmente.
A cominação pode ser determinada conforme o decurso de cada dia, ou semana, ou outro período.
Se a pena não é convencional, ou não consta de lei que a faça de valor determinado ex lege, pode o juiz diminuí-la,
a requerimento do demandado, ou de ofício, com fundamentação
A cominação não pode ser desconstituição de negócio jurídico (e. g., resolução de contrato bilateral, Código Civil,
artigo 1.092, parágrafo único; 7~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 19 de setembro de

(continuação)
1949, D. da 1., de 31 de agôsto de 1951, 2.533; ~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de março
de 1951, R. dos T., 192, 186).
A ação de exibição de documentos pode ser cautelar, ou não. Ambas não se confundem com a produção de provas
durante ação proposta.

19. CONTESTAÇXO E RITO ORDINÁRIO. Se há contestação, o processo tem o rito ordinário. Nenhuma
limitação se faz aos meios de prova. Se a matéria é só de direito, discute-se na audiência, oralmente (2.a Câmara
Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de maio de 1942, R. F., 92, 131). Se o réu não contesta a ação, ou
não se abstém, ou não pratica o ato, os autos são conclusos, e o juiz decide, Se a contesta, abstendo-se, ou
praticando o ato, a causa toma o rito ordinário. O despacho liminar é de adiantamento de cognição; mais
precisamente: de adiantamento de condenação, o que há em tôda comminatio. Há, sempre, 3 ou 5 de
condenatoriedade.
Se o preceitado comparece, abre-se o contraditório sobre o preceito. Hoje, não mais se fala de embargos. Chama-
se “contestação” à defesa do réu. Com razão. ~ de contestação que se trata, e não de embargos, como,
errôneamente, por “êrro inveterado” (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumárias, 1, 559 e 371), se
dizia em Portugal. A petição em que se narrou o fato e se impetrou o preceito fica a ter eficácia como petição do
processo ordinário, que se segue, pendente o preceito. Essa pendência do preceito mantém, até o final, a
cominação, cujos fundamentos, com o seu livre convencimento, o juiz aprecia. A demanda, que se iniciou sine
praevia cognitione, pelo menos sem cognição completa, termina com a decisão apelável e não apelada, ou com o
acórdão da superior instância. Tal decisão tem fôrça material de coisa julgada, porque todas as sentenças
favoráveis em ação cominatória têm, pelo menos, * * * de declaratividade.
Hoje, quando se fala de “contestação”, em vez de “embargos”, atende-se à crítica que alguns velhos juristas
faziam à prática irrazoável, ao “êrro inveterado” de se embargarem, ou não se embargarem os preceitos
cominatórios (e. g., J.BRUNNEMANN, Commentarius ia Cadicem lustianiaineum, onde MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumárias, 1, 371. as buscou): “porque, comparecendo o preceitado, fica suspenso o
preceito, convertido em simples citação”. “Ora”, acrescentava o praxista de Lobão, “o meio regular da ordem do
juízo é contestar o réu o petitório sumário do autor, e não embargar o procedimento dêle. Por outra parte, na frase
da nossa legislação, só se dão propriamente embargos contra sentenças que possam ser prejudiciais: e se,
comparecendo o réu, o preceito se suspende, e fica em simples citação, ~que sentença há aqui, que se embargue?
Por outra parte: embargar o réu preceito (a que não procedeu conhecimento de causa), por obrigação que se lhe
imponha, é transformá-lo de réu em autor, e que como tal prove a sua intensão contra um preceito não justificado
anles: e que absurdo! A construção dêsse mandado citatório-cominatório, que, se ocorre o contraditório, se resolve
em citação (resoivitr in vim citationis) como sentença que não passa em julgado, a que recorrem certos juristas,
falando, aí, de oposição” (embargos), entra em choque com a realidade do que ocorre: o réu apenas comunica
conhecimento que há de ser apurado, declarando querer o contraditório. O direito processual civil brasileiro está
certo, como estava MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA; e as legislações européias e os juristas alemães e
italianos que se referem à“oposição” (embargos) acentuam característica que o preceito cominatório não tem.
Aliás, MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA declara ter ido às últimas conseqüências da sua crítica,
verdadeiramente notável e ainda “nova”, na ciência européia de hoje: não há “suspensão do preceito”; se
houvesse, a defesa seria ação mandamental negativa, oposição ao mandado, e êle, argumentando, com tôda a
razão, contra isso, tinha, lôgicamente, de conceber o preceito como resolução judicial declarativa, com incompleta
cognição, seguida (a) do eventual contraditório, que abra a discussão e leve ao julgamento condenatório, se houve
infração, ou (b) de não-contestação, com a condenação, provada a infração, porque o réu deixou o juízo completar
a cognição da primeira ação. Não há, aí, ação mandamental negativa.

20.PENA COMINADA A LÍBITO DO AUTOR. Fala-se de pena contratual”, ou “pedida pelo autor, se nenhuma
tiver sido convencionada”. Pergunta-se: apode o juiz diminuir a cominação evidentemente excessiva, ou está
adstrito ao que o autor fixou no pedido? A respeito do interdito pr6íbitório, permite-se, explicitamente, a redução
da pena cominada, ao sentenciar o juiz, em caso de não-comparência ou de comparência sem contestação. Não se
diz isso, quanto ao preceito cominatório. No direito anterior, admitia-se a redução na sentença final, em quaisquer
casos (MANUEL ÁLVARES PÊGAS, Resolutiones Forenses, 1, 1069). Não, antes. Temos, portanto, de assentar
que a redução é permitida, inclusive na sentença, tenha ou não havido comparência ou tenha ou não havido
contestação.
No reduzir a pena, não deve o juiz torná-la, apenas, o equivalente da indenização. Seria tirar à pena cominada em
preceito inserto na citação, ou na sentença, o caráter de medida coercitiva.

(continuação)
A cominação, na ação de abstenção (ação em que a cominação pedida se insere na sentença) e na ação de preceito
cominatório (ação em que a cominação é inserta na preceitação; portanto, inicialmente) pode ser reduzida; a
pedido do demandado, se compareceu e contestou, ou apenas compareceu e pediu a redução. A redutibilidade não
se há de identificar à transformação da cominação, medida coercitiva, em cominação de indenização. Ainda
quando se trate de cominação de pena convencional, pode o juiz reduzir a cominação de modo que a pena
convencional não exceda de x por cento do valor da obrigação principal, porém não de modo que a converta em
indenização, pois, para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. O devedor não
pode eximir-se de cumpri-la a pretexto de ser excessiva. Só a regra jurídica sobre máximo precentual pode ser
invocada pelo juiz.
Se há danos que já excedem limite legal, não é a ação de abstenção, nem a de preceito cominatório, que pode
servir para o ressarcimento. A cominação é somente para a coerção no sentido de ser evitado o inadimplemento.
Tem-se escrito que a pena pecuniária, em caso de propriedade industrial, não pode ser reduzida: fixa-a, a seu
líbito, o demandante (e. g., JoÃo DA GAMA CERQUEIRA, Tratado de Propriedade Industrial, II, 1, 363). Mas
sem razão. Se a cominação foi inserta no pedido, foi deferida como preceito incluso na citação, e incidem os
princípios concernentes ao preceito cominatório. Se a cominação foi pedida para ser inserta na sentença, nada
obsta a que, deferindo o pedido, a reduza o juiz.
O juiz, reduzindo a pena, quer na ação de preceito cominatório, quer na ação de abstenção com a cominação
inserta na sentença, não há de tornar só compensatória a pena que se havia ou se há de cominar como medida
coercitiva.
A 5~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 6 de outubro de 1950 (R. F., 134, 462), decidiu
que pode o juiz, no despacho saneador, fixar pena para o caso de transgressão do preceito, por se: onu~5a a
petição inicial. Se a omissão foi da inicial, ou implicitamente se pediu e verdadeira omissão não houve, ou foi
inepta a petição. Se a omissão foi do juiz, a citação tem de ser renovada, ou a intimação do despacho saneador é
que dá inicio ao prazo para praticar o ato ou deixar de praticar. Acertada andou a 8.~ Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, a 27 de abril de 1951 (D. da J. de 6 de novembro de 1951, 4002), em reputar essencial
a cominação. A 6•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de agôsto de 1951 (R. dos T., 194, 693),
entendeu que a falta de cominação de pena não desnatura a ação cominatória (contradictio in terminis!), o que,
evidentemente, reduziria a ação cominatória a simples interpelação.

21. MANDADOS COMINATORIOS SEM CLÁUSULA. O velho direito português conheceu mandados sem
cláusula, isto é, preceitos cominatórios, non audita altera porte; e mais, sem defesa. Dizia-se sem cláusula, porque
a regra era terem-na:
“Si sentias te gravatuin compareas iustitiae complementum recepturus”. Tal como hoje, sentindo-se agravado o réu
com a injustiça da notificação que se contém na citação contesta. Daí terem sido chamados êsses preceitos com
cláusula de “embargos à primeira”, embargos que eram a defesa apresentada à primeira audiência. Os preceitos
cominatórios são, todos, com a facultas oyponendi exceptiones, explícita ou implícita. O cominatório da execução
de sentenças não se confunde com os preceitos das ações cominatórias, nem, tão-pouco, com o preceito que se faz
nas ações executivas de títulos extrajudiciais.
A defesa do réu pode consistir em afirmações contrárias às do autor, ou em alegações de fatos extintivos ou
modificativos da obrigação de fazer ou de abster-se. Não é verdade que somente se lhe permitam exceções
materiais extintivas ou modificativas, pois, ao proferir o despacho do preceito, o juiz apenas tinha cognição
incompleta, provisória ou superficial. A limitação às exceções extintivas ou modificativas, tal como ocorre nos
casos do art. 298, XIII, tem de ser nascida no direito material que criou a pretensão e a obrigação, e far
-s~≥-a então incompleta, parcial, a cognição do juiz, o que está longe de ser a regra em direito (sem razão, Luís
MACHADO GUIMARÁEs, Comentários, IV, 229).

22.FALTA DE CONTESTAÇÃO E DECISÃO IMEDIATA DO FATO.


Se o réu não contesta, sobem os autos à conclusão e o juiz profere sentença, dita, erradamente, contumacial. Os
juristas, velhos e novos, discutiam se há tácita condescendência, ou aquiescência ao preceito, às vêzes invocando o
brocardo Asseveratis per partem in iudicio non contradicens fateri videtur. Nein o preceito é de aplicar-se porque
se violou o dever de comparecer a juízo, tal como ocorria no processo extraordinário romano. A Ordenação
prussiana de 1793 pôs em relêvo a confissão ficta; o Código de Processo francês distinguiu a desobediência antes
e depois da misse en état. A Ordenação Processual Civil alemã, § 331, 1•a parte, ainda acentua a confissão. Já
vimos que êsse não é o critério assento, nem seria de acolher-se. No caso de não haver contestação, ou de havê-la

(continuação)
sem ter ocorrido adimplemento, os autos são conclusos para a sentença sem ter o juiz de dispensar provas, ou
determinar diligências tidas por êle como necessárias, pois isso só ocorre quando tenha sido marcada audiência;
portanto, quando tenha havido contestação. Se o réu contestou, e não compareceu à audiência, então, sim, é
contumacial a sentença, e cabe ao juiz “dispensar a produção” das provas do réu on, se não formou convicção,
determinar “as diligências que julgar necessárias”. Não havendo fato (a contestação) que protrairia a sentença,
essa tem de ser proferida desde logo: a cognição incompleta, que teve o juiz, soma-se à conduta irreverente do réu.
A sentença que proferir, irrecorrida ou confirmada, tem fôrça material de coisa julgada. A lição dos velhos juristas
portuguêses é perfeita. ANTÔNIO DE SOUSA DE MACEDO (Decisiones, 265) analisou caso, na decisão 88, e
teve para a questão expressiva solução: “comminatio debet observari et facit ins”. MACEDO deve tê-lo aprendido
em MANUEL ÁLV’ARES PÊGAS (Tractatus), que (c. 81, n. 3) foi explícito em dizer que, se o citado não
comparece, e a sentença é proferida abs que alio. probatione tal como se pratica quotidianamente (ita practicatur
quotidie) a cominação deve ser obedecida e trânsita em julgado, com eficácia de coisa julgada material (“et facit
ius”).
O que se passa, nos casos de não-contestação, ou omissão em cumprir, é a preclusão do direito processual a
afirmar o contrário (art. 209). Isso foi bem exposto, em 1879, por OsKAR BtYLoW (Civilprozessualische
Fiktionen und Wahrheiten, Archiv f’iir die civilistische Praxis, 62, 54, s., e 59), fundado no principio objetivo,
estrito, de responsabilidade, que domina o processo, e no princípio de consumpção ao di,‘reito (processual), o
Rechtsverwirkungsprinzíp (cf. G. W. WETZELL, Sys tem, 3~a ed., 626 s.), o que OSKAR BULow chamou
princípio da preclusão. Seria atrasar-se de quase setenta anos aludir-se ao conceito romano de contumácia, à
existência de ficção, ou de presunção de direito, ou de confissão, ou invocar-se, no estado atual do direito
processual, a poema. confessi, de que, aliás, provém, histôricamente, a figura do completa.mento da cognição pela
ausência de exercicio do direito de afirmar.
JOSEF KOHLER, incidentemente, aludia ao princípio de congruência, sem maiores esclarecimentos para a
natureza da preclusão completativa.
A contestação faz a injunção protrair a sua eficácia: o que fica é a demanda judicial de rito ordinário (não:
resolvitur in vim simplicis citationis). Diferente é o que se passa com a contestação dos processos executivos, que
deixa incólume a eficácia cognitiva suficiente para adiantar a execução, até que se profira a sentença. Nenhum
eficácia da cominação nos fica, se não há contestação, ou se há sem adimplemento, porque o prazo se dilatou; a
eficácia executiva, nos casos de ação executiva de títulos extrajudiciais, permanece. Daí ter alguma parcela de
razão A. SKEnL (Das Mahnverfahren 129) daí) e GOLDENRING (Das Mahnverfahren, Zeitschrift fi& deutschen
Zivilprozess, 1, 481) afirmar que o réu entende não se deixar ,iulgar como contumaz. Em todo caso, aquela
explicação é melhor, por afastar alusões a razão subjetiva de contestar ou de não-contestar.
A defesa contra o preceito cominatório (‘que é mandado-sentença, pela suficiência da incompleta cognição para a
cominação) é em contestação , e não em embarqos . Com isso ficaram no mesmo plano as ações executivas de
títulos extrajudiciais e a ação de preceito cominatório. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Segundas Linhas, II,
9 5.; Tratado dos Interditos, 66) andou por perto de ver a razão de se afastar a defesa em embargos, e já no seu
tempo zurzia o têrmo e a noção. Contestação é que havia de ser. A cláusula era efetivada, então, com os ‘embargos
à primeira”, com o que se revelava haver o espírito português concebido como ‘demasiadamente” sentencial o
mandado-sentença; donde “embargos”, ação, em vez de “contestação”. Diminuiu-se, hoje, o elemento sentencial.
Não se exclui, todavia.
Se, no prazo para a contestação, o réu cumpre o que lhe incumbia, em atenção ao preceito, sem contestar, o juiz
tem de julgar a ação e a condenação nas custas (Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2 de
agôsto de 1951, Jurisprudência de 1953, 220). Não há mais condenação na pena, pois que a pretensão do autor foi
satisfeita (5.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de novembro de 1950, R. dos T., 190, 345).
Se o preceitado não contesta, e não cumpre a obrigação, os autos são conclusos e o juiz profere a sentença
condenatória (2.~ Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo 2 de abril de 1952, 1?. dos T., 202, 473).
Contestada a ação e cumprida a obrigação, há o rito ordinário (2.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, 2 de junho de 1950). Cumprida a obrigação e não contestada a ação, a conclusão é imediata. Contestada a
ação e não cumprida a obrigação, há o rito ordinário.
A 2.~ Câmara do Tribunal de Alçada de S5o Paulo, a 10 de setembro de 1952 (R. dos T., 206, 550), pensou em
condenação alternativa a final, mas os juizes prestaram atenção à regra jurídica em que se pré-exclui o rito
ordinário se a obrigação não foi cumprida. Não há ensejo para a alternatividade:
ou não contesta a ação e cumpre a obrigação, e sobem os autos imediatamente; ou contesta a ação, e n~o cumpre a
obrigação , e há o rito ordinário; ou nem contesta a ação nem cumpre a obrigação, e a fortiori há de ser logo
julgada a ação.contesta, era de praxe condenar-se nas custas ex causa; mas erradamente (MANUEL DE

(continuação)
ALMEIDA E SOUSA, Ações Sumárias, II, 557 e 371): a sentença há de condenar o réu, ou o autor, segundo os
princípios.
Na ação cominatória, julgada procedente, paga honorários de advogado o réu, ainda que cumpra a obrigação (2.~
Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de novembro de 1951, R. F., 146, 147), salvo se alegou e provou que não
incorrera em dolo ou culpa.

§ 5.578. Caução em ação cominatória

1.DANO EVENTUAL E DANO IMINENTE. Frise-se a diferença entre dano eventual e dano iminente. Não é a
probabilidade do dano que autoriza a caução, e sim a iminência dêle, o periculum in mora. Daí: a) poder requerê-
la o autor “em qualquer tempo”; b) ser acessória a caução. Portanto, nem sempre preceito principal, nem pena
principal. fl no “requerimento” da caução, pôsto dentro dos autos, que o autor deve ter “indicado” o valor a ser
caucionado. O juiz aprecia a indicação, de acordo com os elementos dos autos e as diligências que para isso
ordenar. No requerimento deve o autor incluir o de notificação do réu.
A caução de dano infecto perde razão de ser se o demandado procede à demolição (1.8 Câmara Cível do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, 2 de março de 1950, O D., Belo Horizonte, de 31 de agôsto), salvo se já houve danos.
Se o fundamento da ação cominatória é o mau uso d.a propriedade vizinha, ou em ser preciso a demolição, ou a
reparação, mesmo em se tratando de condôminos pro indivisa ou pro diviso, há a alternativa: ou se impede o mau
uso, e se retira o que é danoso, ou pode ser danoso, ou se presta a caução; ou se demole ou se repara, ou se presta a
caução.
A qualquer tempo, pode ser exercida a ação cominatória. A iminência do dano supóe a proximidade no tempo. Não
assim a eventualidade: o que continua como causador eventual de dano dá ensejo à ação de cominação e persiste,
enquanto se teme, a exercitabilidade.
Se, dentro do prazo, a partir da notificação, o réu não impugna o pedido, o juiz manda que preste a caução.
O despacho é preceptivo .síne clausula. Portanto, tem efeito preclusivo e não admite discussão posterior, O
processo e a execução da caução de dano infecto de modo nenhum perturbam o andamento do preceito
cominatório principal. Se fôr impugnado o pedido, o juiz tem de decidir; e pode ouvir perito e determinar as
diligências que lhe pareçam necessárias. No velho direito luso-brasileiro, discutia-se qual a combinação se o réu
não prestasse a caução. Respondia-se que se dava a caução como prestada, garantindo-se pessoalmente todos os
danos, ou se sequestravam os bens.
Se o demandado não é encontrado na mesma comarca para ser notificado, o juiz decide, como se tivesse havido
notificação e nenhuma impugnação.
Se o demandante é a União, Estado-membro, ou Município, ou o Distrito Federal, e alega, na petição inicial, ou
em requerimento posterior, haver urgência, que o perito verifica, tem de ser atendida, imediatamente, a
providência pedida, mas fica ressalvado ao demandado, na sentença final, o direito a indenização. O deferimento
do pedido ou do requerimento supõe cognição, ainda~ incompleta, do juiz: não é medida de administração, nem
de arbítrio judicial. Aí se suscita problema de construção, que é um dos mais interessantes do direito brasileiro. O
juiz leva a cabo, desde logo, e. g., a demolição da obra, a destruição de plantações, de modo que o cominatório é
substituído pela execução específica. A ação passa a ser mandamental, à diferença das ações possessórias e da
ação para se emitir declaração de vontade.
~A verificação por perito fêz-se aí necessária, ou se submete aos princípios gerais? A resposta é no sentido de ser
dispensada se ocorre algum dos casos previstos em lei. A construção jurídica é a de cumprimento antecipado do
preceito, ou, se também a pena era de ato ou fato, de execução antecipada da cominação; e. g., consertar ou pagar
pena pecuniária; consertar ou demolir. Há quesitos do autor e quesitos do réu.

2. INDENIZAÇÃO. Direito ã indenização somente assiste ao réu se foi desprezado, a final, o preceito, ou se não
houve culpa sua, ou se o interesse da providência não era também seu, segundo o direito. A indenização pode, fora
do caso especial da antecipação, ser apreciada pelo juiz, conforme a prova pericial e a feita na audiência do
processo, quando tomou o rito ordinário, se a medida de urgência foi antes: conforme a resposta do perito aos
quesitos do réu e mais provas dos autos, se feita depois da audiência. Mas obedece, quanto a ser devida e quanto à
sua importância e às exceções do autor, aos princípios que regem as perdas e danos. Nada obsta a que o juiz a
deixe para se liquidar na execução da sentença.
Somente as obras apontadas na petição inicial podem ser demolidas. Se outras sobrevêm, tem de ser feito outro
pedido (3a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de dezembro de 1951, R. dos T., 198, 217), salvo
se em continuação das que foram indicadas.

(continuação)
§ 5.579. Construções e outras obras

1. CONSTRUÇÃO SEM LICENÇA. Se não houve licença prévia para construção, ou obras, pela entidade estatal
competente, mas foram atendidas as exigências legais, não há a demolição. Apenas o demandado, na ação
cominatória, há de ser condenado a pagamento da multa e dos emolumentos da licença e a depositar as plantas e
documentos que tenham de ser arquivados. Mesmo se as exigências não foram satisfeitas, só se ordenará a
demolição se fôr verificada a impossibilidade de serem observadas.
A entidade de direito público tem o ônus de alegar e provar que as obras não poderiam ter licença, nem podem ser
alteradas a ponto de satisfazer o que é exigido (cf. 2~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 6 de
agôsto de 1951, Jurisprudência Mineira, V, 522). A 5~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de
setembro de 1950 (R. dos T., 189, 690), falou de “não resultar prejuízos a terceiros, nem estar em jôgo interesse
coletivo”. Porém não são êsses os dois conceitos a propósito de pressupostos: alude-se a não se preencherem as
exigências legais (z não satisfazerem o que é exigido por lei, regulamento ou postura) ; e a impossibilidade de
serem satisfeitas (= não mais poderem ser atendidas as exigências da lei, regulamento ou postura). Se é possível
atender-se à lei, ao regulamento ou à postura, a despeito de não poder ter sido licenciada a obra tal qual foi feita,
determina o juiz o que é que há de ser feito como reparação necessária ou medida de segurança. Se poderia ter
sido feita, o que faltou foi a licença: então, condena-se o demandado a pagar os emolumentos da licença e a multa
e a depositar as plantas e documentos que devam ser arquivados. Exemplo de aplicação do que se estatui, tem-se
no caso julgado pelo Tribunal Federal de Recursos, a 3 de abril de 1950 (R. dos T., 192, 403; R. F., 131, 426): para
se evitar a demolição de torrefação de café, que se edificara próximo a igreja tombada como monumento histórico
e artístico nacional, determinou-se, por ser possível, o desvio da fumaça que seria prejudicial.

2. PRINCÍPIOS DE JULGAMENTO. A impossibilidade, a que se alude, e a impossibilidade física. Existe


também a impossibilidade legal, isto é, a que deriva de serem imperativas as regras da lei infringida. Aliás, o que
se há de tirar é o seguinte principio de julgamento: não ordena o juiz a demolição se ainda não está convicto de ser
impossível adaptar a obra às exigências legais.
A verdadeira natureza das regras jurídicas sobre falta de licença prévia é a de regras de direito público nuiterial
(fiscal). A inserção delas não lhes dá qualificação nova. A conveniência prática de constarem da lei processual leva
o legislador a pó-las em lei de direito privado, ou de direito processual civil, em texto especial. As normas de
direito intertempo121 relativas a elas são as de direito fiscal (material), e não as do direito processual civil.
Outro principio de julgar, porém relativo ao poder do juiz de adaptar às circunstâncias a pena ou o próprio
preceito: se foi pedida a demolição, ou como preceito, ou como pena, tem o juiz autoridade para modificar o
pedido, somente determinando a medida de segurança, ou a reparação que fôr necessária. Isso significa que, ao
examinar a petição inicial, se dos seus têrmos e provas conclui que o preceito não pode ser como o autor pretende,
cabe ao juiz conceder menos, o que está na sua função de órgão jurisdicional de cognição incompleta (abter, se o
juiz aprecia a petição no processo ordinário ou qualquer outro em que só a cognição completa permite decidir).
Passa-se o mesmo se é a pena que está em causa. Tendo contestado o réu, ainda durante a lide é permitido ao juiz
alterar o pendente, a requerimento do preceitado, ou a pena. Se o não fêz, cabe fazê-lo na sentença final.
Procedente a ação demolitória, cabe condenação em honorários do advogado do autor, se houve dolo ou culpa (l.~
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de maio de 1951, R. dos T., 193, 313; 1.a Câmara do
Tribunal de Alçada de São Paulo, 26 de março de 1952, 202, 440). Se foi o construtor que infringiu a lei, o
regulamento ou a postura, sem dolo ou culpa do proprietário, não há condená-lo a pagar os honorários do
advogado do autor (Câmaras Retinidas do Tribunal de Alçada de São Paulo, 10 de setembro de 1952, R. dos 1’.,
205, 398). Idem, se o êrro foi escusável (5.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de agôsto de
1951, R. dos T., 194, 745). Sem ter havido dolo ou culpa, não se pode condenar a pagar honorários de advogado
(equívocos os acórdãos da 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 17 de abril de 1951, 192, 761,
e da 3•~ Câmara Civil, a 21 de junho de 1951, 194, 741). A falta de licença não basta, por vêzes, para provar dolo
ou culpa (cf. 5~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de setembro de 1950, 189, 690).

§ 5.580. Procedimento cominatório em caso de edição, ou reedição de obra

1.LEGITIMADOS ATIVOS. A União, Estado-membro, Município ou Distrito Federal pode exercer a pretensão
cominatória para que o titular do direito de propriedade literária, científica ou artística edite ou reedite a obra. O

(continuação)
prazo há de ser razoável. Cinde-se, assim, o preceito em manifestação da vontade judicial no mandado de faciendo
e manifestação da, vontade judicial de fixação do prazo. O réu é citado para publicar ou reeditar no prazo que fôr
marcado, ou no prazo já marcado; porém, tem de dizer se contesta ou não. Não há de contrário aos princípios em
tal cisão conforme a lei. Qualquer pessoa pode ser obrigada a praticar certo ato no prazo que ulteriormente se
designar. O prazo fixar-se-ia na sentença acidental ou na sentença final para edição ou reedição.

2.CONSTRUÇÃO CONCEPTUAL E PROCEDIMENTO. A construção do preceito cominatório distingue-se das


outras construções . Primeiro, a pretensão de direito material à desapropriação é oriunda de pena, e não há o
pedido de desapropriação de que tratou a legislação respectiva. Segundo, o interesse do Estado é na edição ou
reedição da obra. Processualmente, declara-se, como elemento básico, que o Estado tem interesse e o réu está
obrigado, razão por que se comina a pena. Se o réu infringe e contesta, e a cognição completa, tal como se regula
no art. 303. Se infringe, e não contesta, cabe ao juiz, ao serem conclusos os autos, sentenciar. Se apenas não
contesta, idem. Pode não haver marcação de prazo para editar, quando se concebe o mandado citatório, porque se
permite fixação posterior.
Vê-se bem, aí, o elemento declarativo da ação, que só se torna condenatória se o réu não concorda em reeditar no
prazo (o que só se pode saber durante o contraditório). A constitutividade, que se pretende ver na sentença, é mera
ilusão:
a desapropriação é, ai, conteúdo da pena, simples efeito, e não fórça da sentença. A desapropriação mesma far-se-
á depois, segundo os princípios, usando-se a coisa julgada material irradiada da sentença.
O prazo tem de ser contado a partir do dia em que se citou o réu, se não houve contestação; se não foi marcado,
entende-se que se previu apenas comunicação de estar pronto o réu à edição. Nesse caso, ou se o réu contesta, a
sentença marca o prazo a contar do trânsito em julgado.

§ 5.581. Ação de prestação de contas

1.LEGITIMADOS ATIVOS E PASSIVOS. Legitimados ativos são os que têm de prestar as contas, ou os que têm
direito a que alguém as preste.

2.PRESTAÇÃO DE CONTAS PEDIDA PELO QUE AS DEVE PRESTAR. Na relação jurídica de que nasce a
pretensão a que alguém preste contas, ou a de alguém a prestar contas, o que as pede e o que as quer prestar estão
em situação que bem se adapta ao preceito cominatório. Mas o direito pré-processual é que determina a pretensão
ao preceito cominatório. rigorosamente, há pretensão de provocação. O processo cominatório de prestação de
contas assemelha-se ao caso do fiador que exerce a cominatória para que o credor acione o devedor.
1

A praxe luso-brasileira tratou sempre a pretensão à prestação de contas, ativa ou passiva, como objeto de preceito
cominatório. Tôda obrigação de ir a juízo é obrigação de fazer. Obrigações de fazer não são somente as
obrigações de direito civil, ou de direito privado. Por outro lado, o que importa é a pretensão a que alguém faça; e
essa ressalta no que a tem à prestação de contas passiva, ou no que a tem à prestação de contas ativa. A vantagem
do preceito, no caso do obrigado a prestar contas, está em que, não contestando o réu, se têm por bem prestadas as
contas; no caso do titular do direito a que lhe sejam prestadas, por apresentáveis pelo que tem a pretensão a que
alguém lhas preste. Alguns comentadores têm estranhado que se atribua ao obrigado de direito material a posição
de réu; mas o que importa, tanto no caso do que tem de receber quanto no do que tem de dar contas, é a pretensão;
e o chamado “obrigado” também a tem. Tal pretensão, de direito pré-processual, é irrenunciável, como toda outra
pretensão de igual natureza (a de demandar, a de empregar vias executivas, declaratórias, ou cominatórias)
Observe-se que, em vez de primeiro se tratar da ação de prestação de contas ativa, se trata da ação de prestação de
contas passiva. Talvez porque, no processo da prestação de contas ativa, ao apresentar as contas, o réu exerce,
também, ação sua, a ação para obter sentença sobre as contas que apresentou. Essa inversão teria a conveniência
de mostrar, desde logo, que a ação de prestação de contas massiva é a espécie simples, ao passo que a ação ativa.
cumula duas ações de condenação. Mas essa simplicidade é ilusória, uma vez que, na ação de prestação de contas
passivas, aquêle a quem vão ser prestadas as contas pode negar a pretensão do autor (prestador das contas) a

(continuação)
prestá-las. Apenas juntam as duas ações, para a mesma sentença.
Se o réu, na ação de prestação de contas passiva, se abstém de contestar as contas, ou as aceita, a ação, que é
declarativa positiva, tem de ser julgada. Se o réu contesta, é êle que invoca a ação de condenação, que pode
apanhar a própria questão da pretensão .a prestar as contas, quer no tocante à qualidade da pessoa (e. g., como
usufrutuário, e não como fiduciário), quer ao tempo, quer a algum pacto, indo-se apreciar, no contraditório, os
itens da ação declarativa.
Note-se que, nos processos promovidos por aquêle a quem se devem prestar as contas, se o réu as apresenta e o
autor não as impugna, tudo se passa, do lado do réu, que exerceu ação declarativa positiva, como se tivesse usado
da ação do obrigado a prestar contas. No fundo, a ação do que pede contas é provocatio ad age-nilum. Se a ação é
intentada pelo obrigado a prestar contas, qualquer que seja o direito material que a reja (exceto em casos deixados
às autoridades administrativas estatais, ou paraestatais), as contas e os documentos justificativos devem instruir,
desde logo, a petição inicial. A primeira questão, que surge, é a de se saber se têm de ser juntos à petição inicial os
documentos. A resposta é afirmativa. A referência a documentos não exclui, também, a observância dos princípios
gerais sobre petição inicial.
As despesas são diminuições do patrimônio, que a pessoa se impõe de vontade própria, ou por dever, ou a favor
de terceiro, ou de quem seja dono ou tenha direito real sobre bem ou bens ou patrimônio.
Se quem fêz as despesas tem direito a reembolso é porque as despesas não lhe aproveitam, ou entram no cômputo
de indenização a ser-lhe paga, ou foram feitas em virtude de negócio jurídico bilateral, ou gestão de negócios
alheios.
As despesas ou são necessárias, ou úteis, ou votuptuárias. Se aplicadas a coisas, dizem-se benfeitorias.
As despesas podem consistir em dação de dinheiro, ou noutros objetos que o inversor emprega na conservação da
coisa ou em coisa (e. g., alimentos para animais, materiais, incorporados em construção, limpeza e conservação do
edifício), ou na transferência do uso, ou no uso da coisa para utilidade de outrem, ou na prestação de serviços (e.
g., o médico atende ao chamado de alguém, porque o filho do vizinho se feriu), ou na assunção de obrigações a
favor de outrem (e. g., encomenda peças para as máquinas de outrem, devendo pagar o preço em certo tempo).
O dano que se sofre na gestão de negócios alheios não é despesa: o dano sofre-se, a despesa faz-se. O mandatário
pode reclamar reembôlso de despesas e perdas que sofreu na execução do mandato, se não resultaram de culpa
própria ou excesso de poderes . Todavia, se, conhecendo o perigo, alguém expõe bem próprio no interesse de
outrem, discute-se em dano ou em despesa.
A respeito das despesas em bem ou patrimônio alheio, há:
a) a pretensão à indenidade ou reparação, como ocorre ao possuidor d’e boa fé, quanto às benfeitorias necessárias
e úteis e ao possuidor de má fé, quanto às necessárias; 6) o ius toliendi; c) o direito de retenção; á) a ação para
prestar contas, fixando-se prazo para que a pessoa a favor de quem se fizeram as despesas as aprove ou impugne,
com a cominação de, não contestando, ou não impugnando, não mais ser ouvido (analogia com a ação de
prestação de contas stricto sensu, comoseu rito; cf. F. STEINBACH, Die Anspritche wegen Verwe’ndungen nach.
dem Rechte des Bilrgerlichen Gesetzbuchs, 28 s.); e) a actio negotiorum gestorum contraria utilis, ou a que se
irradie da relação jurídica.
Oferecidas as contas, ou o réu as contesta, ou as aceita, ou não apresenta contestação. Se as contesta, o processo
prossegue com o rito ordinário. Se não apresenta contestação, são os autos conclusos para que o juiz as julgue.
Tem-se procurado introduzir a idéia de confissão, o que destoa da natureza do preceito. As contas são julgadas
boas e bem prestadas, no caso de não haver contestação, ou de não cumprir a alegação o mandado, porque,
preceitado, “não atendeu” ao preceito. Confissão haveria, se êle as aceitasse, expressa ou tàcitamente (segundo o
conceito contemporâneo) ; portanto, se revelasse aquiescência formal, ou em têrmos dos quais se pudesse concluir
pela existência de vontade aquiescente. A lei evitou qualquer noção de confissão. Só se preocupou com a falta de
contestação e com a aceitação. Mas, faltando a contestação, não se têm por confessados os fatos afirmados isto é,
na espécie, as contas; têm-se por verdadeiros, o que é outra coisa, se não contrariados por outras provas. Nos casos
de preceito cominatório, o efeito de serem julgadas as contas é plus devido à preceitação conseqúência da
desobediência ao preceito. A qualquer momento do processo, se pendente, o revel pode intervir.
As contas apresentadas e não impugnadas têm-se como regulares, ainda que não tenham sido acompanhadas dos
documentos (Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de abril de 1952, J. D., VI, 133), salvo se o
contrário resulta do conjunto das provas.
A aceitação das contas é reconhecimento; não confissão. Sendo o preceito processo que se inicia com base em
certa porção de cognição (cognição incompleta, superficial ou mesmo parcial), o elemento da concordância sobre
as contas, conteúdo da prestação pedida, é “declaração”, e não vontade íntima, e perfaz o estado de cognição
suficiente para que aquela, com que se começou, se complete. A concordância deve ser sobre todos os pontos das

(continuação)
contas oferecidas. A discordância deve ser sobre todos os pontos das contas oferecidas. A discordância sobre
qualquer um dêles, ainda não essencial, destrói a aceitação como plus suficiente para a conclusão dos autos. Não
se leva em conta a discordância não-expressa, nem a discordância separada, como vontade íntima, da declaração
concordante. Nem, ainda, há concordância se o réu ressalva algum ponto para discussão ulterior no processo. O
que as partes acordes podem fazer é excluir o ponto ou os pontos ressalvados pelo réu, para haver discussão noutro
processo, não-cominatório.
Tanto no caso de não-contestação como no de aceitação, ao juiz somente cabe ordenar cálculo (somas, subtrações)
em forma mercantil, sem qualquer invocação do seu livre convencimento, salvo para obstar a fim dissimulado do
processo.
Contestando o réu, o rito é ordinário. A defesa é a que o réu tem segundo o direito material, que rege a relação
jurídica entre êle e o autor. Somente dispensam prova as pequenas despesas de que se não costuma pedir recibo. A
apreciação do juiz está subordinada ao uso e costume da não-exigência da prova e às circunstâncias do negócio a
que se refere a prestação de contas. À pretensão do autor a prestar contas pode ser-lhe negada a existência e, então,
essa questão deve ser julgada previamente , como matéria de mérito e prejudicial à da comprovação e exatidão das
contas. Mas advirta-se que a prejudicialidade, ai, de modo nenhum está ligada à situação de questões prévias,
extra petita, e das quais a decisão dependa, sem serem premissas necessárias. A existência da pretensão do autor é
premissa necessária, está implícita no pedido do preceito de receber contas. Donde a fôrça material de coisa
julgada que resulta da decisão em que o juiz a apreciou.
O recurso, hoje, é o de apelação (Supremo Tribunal Federal, 24 de agôsto de 1950, R. F., 137, 441; 2.~ Câmara
Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 26 de dezembro de 1951, R. das T. da Bahia, 45, 381; 6.~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de setembro de 1950, R. dos T., 189, 314).

3.PRESTAÇÃO DE CONTAS PEDIDA POR AQUELE A QUEM DEVEM SER PRESTADAS. Na ação de
prestação de contas ativa, o autor é a pessoa a que se hão de prestar as contas. O demandado recebe a citação para
que preste as contas, ou defenda-se, dentro do prazo. Se não se defende, ou se defende e são rejeitados os seus
“embargos”, é-lhe assinado outro prazo, para que apresente as contas, sob pena de ser admitida a apresentação
pelo autor. Se o demandado apresenta as contas, assina-se-lhe prazo para que sobre elas fale o autor. Se êsse as
impugna, o rito do processo é o ordinário. Se não as impugna, sobem os autos ao juiz para que sentencie.
(a) Existindo a pretensão a exigir contas (mandante; gerente de sociedade, ainda que irregular, 2,a Câmara do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 17 de setembro de 1941, R. F., 89, 221; herdeiro contra o
testamenteiro ou inventariante, mulher casada, comuneiros, incapazes, etc.), o preceito é o de prestá-las o obrigado
a contas, e a cominação, a de serem apresentadas pelo autor e julgadas a final. A lei cinde a cominação; e em
conseqUência o prazo para a defesa para prestá-las, ou defender-se, por meio de “embargos”, que têm de atacar a
pretensão do autor, para apresentá-las com a cominação final, que é a de serem tidas por bem prestadas as que o
autor apresente, e outro prazo para se falar sobre as que foram apresentadas. Há, pois, duas sentenças a que se
profere sobre os embargos do réu, que atacam a incompleta cognição sobre pretensão, com que o juiz o citou, e a
que é a sentença sobre as contas, uma vez que a questão da pretensão, à diferença do que se passa com a prestação
de contas requerida contra o que tem direito a recebê-las, já foi resolvida. A particularidade do processo da ação
para pedir contas, comparando-se com o do direito anterior, está na substituíção da prestação de contas como
objeto de cominação ao processo da execução. A conseqüência é a de haver dois preceitos, duas cominações, duas
sentenças sobre partes do mérito, sucessivos aquêles e essas, no mesmo processo, em vez de uma sentença sobre o
mérito e outra da execução, ou sentença sobre as duas matérias. A separação da questão prévia, prejudicial mas
inclusa, necessàriamente, no pedido, foi inspirada no Código de Processo Civil português (art. 1.013), que, aliás,
mantém o prazo de dez dias para a segunda fase do processo. Pouco defensável, porque essa questão prévia
aparece noutros preceitos cominatórios, e a relevância é a mesma que se nota no processo de prestação de contas.
Nem se diga que há a vantagem de se atribuir fôrça material de coisa julgada à sentença, porque as sentenças
proferidas em preceito cominatório fazem coisa julgada material quanto à pretensão do autor e quanto à do réu.
A construção do processo de prestação de contas envolve um dos problemas mais sutis do direito processual, na
parte puramente formal. Antes dêle vêm os conceitos de ordem pré
-processual. a) A pretensão a que alguém preste contas de modo nenhum se confunde com a pretensão a que a
outra pessoa responda pelo que fêz. Essa pode existir sem aquela; e aquela sem essa. O que nada deve pode estar
obrigado a prestar contas. (O impôsto sobre a renda veio dar importância nova a essa distinção, pondo em foco o
valor do histórica e o da comprovação das contas.) b) Tanto existe a pretensão a que outrem preste contas quanto a
pretensão a prestá-las.
A estrutura da ação de prestação de contas (ativa), pela qual A pede que B preste contas, é assunto que se prende

(continuação)
ao processo. O réu, citado, ou, desde logo as presta, ou defende-se. Se o juiz entende julgando o contraditório da
prejudicial sobre a pretensão a exigir contas que o réu é obrigado a prestá-las, essa sentença condena tória
(declaratória da existência da relação jurídica e condenatória) é a base da segunda fase do processo, em que o réu
tem de prestar as contas ou sofrer que o autor as preste. Há duas ações, evidentemente, que a economia processual
cumulou, sucessíva‘mente, numa só demanda.
(Trata-se aqui de ação de prestação de contas principal; pois há ações de prestação de contas acessórias e
incidentes, nas quais, por vêzes, a primeira fase está metida na sentença de outro processo, ou o outro processo é
que precisa da coisa julgada formal e material das contas.)
Se, na primeira fase do processo, o réu apresenta as suas contas, a falta de discussão da pretensão a exigir contas
não é razão para se entender que a sentença que assina o prazo para o pronunciamento da parte adversa seja sem
eficácia de coisa julgada material: a questão da pretensão do autor e, pois, da obrigação do réu foi decidida a
favora daquele.
Na segunda fase do processo, que é de outra ação de condenação a uma de duas direções (réu, autor), se houve
contraditório, apuram-se as contas, e o réu, se foi vencido, está sujeito ao efeito executivo da sentença e ao efeito
(anexo) da hipoteca judiciária. Tal sentença também pode servir de base se ela é parcial, ou, se não foram
apresentados, a pedidos postenores de perdas e danos.
Ponto digno de nota é o estar incluída nos embargos do réu ação reconvencional para o pagamento da diferença
que exista a seu favor.
Também se há de pôr em relêvo que a apresentação das contas contém, ao mesmo tempo, o cumprimento da
obrigação de prestar contas e o ato processual de cumprimento do mandado judicial de prestá-las. esse se exaure
com a apresentação. Aquêle não depende, como vulgarmente se pensa, de serem julgadas boas e bem prestá-las:
também se exaure, desde aí, pelo princípio processual de que apresentação de contas é cumprimento, ainda feita
pelo autor, discutindo-se apenas a qualidade dêle. Na linguagem vulgar, as expressões “boas e bem prestadas”
mostram que uma coisa é prestá-las e outro conceito é o de prestá-las boas e bem. Na ação de prestação de contas,
não há, na segunda fase, sentença que julgue “não prestadas”, somente há sentença que julga boas e bem
prestadas.
As regras jurídicas sobre absolvição da instância são aplicáveis em processo de prestação de contas. A sentença
que julga boas e bem prestadas as contas faz coisa julgada formal e material. A ação rescisória de sentença ou
decisão judicial rege-se pelos princípios comuns; e não tem o nosso direito qualquer impugnação da sentença
transita em julgado pelo “erro de conta”.
Chamar-se “embargos”, ai, à defesa contra o primeiro preceito está certíssimo, uma vez que se cindiu o mérito e
nessa fase a cognição incompleta permite a parada, em vez da pendência, ou dormência da eficácia (sem
importância prática, em todo caso, a distinção). Na outra fase, o que cabe é contestação, com o rito ordinário. Os
embargos podem ser liminarmente rejeitados, marcando-se, na sentença que os rejeitou, o prazo certo que a lei
fixa, ou admitidos para serem provados, em prazo maior (ad instar do que se passa com as ações preventivas).
A expressão “embargos” foi, aí, empregada em sentido próprio. O demandado nega que seja obrigado a prestar
contas: embarga. A impugnação há de ser apresentada no prazo. O processo não passa a ser o ordinário, nem há
despacho saneador (aliter: 1,a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 3 de agôsto de 1950, R. F.,
141, 329; 5.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de janeiro de 1950, R. dos T., 185, 222; 2~a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1951).
Se, na primeira fase, o demandado pede para provar o que alega, tem de fazê-lo em tempo; não pode o juiz marcar
audiência para isso (sem razão: a 5,a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de maio de 1949, 1?.
dos T., 181, 733; o 3,0 Grupo de Câmaras Civis, a 5 de maio de 1950, 197, 650; a 2.~ Câmara do Tribunal de
Alçada, a 5 de setembro de 1951, 194, 968); a fortiori, se não há prova a ser feita, seria absurdo marcar a
audiência, nem é de pensar-se em rito ordinário (3.B Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de abril
de 1951, 193, 212; sem razão, a 6~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de fevereiro de 1952,
200, 203; a 3~a Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 5 de setembro de 1951, 194, 968; e a 2.~ Câmara a
25 de junho de 1952, 204, 560).
Da decisão que acolhe os embargos cabe recurso. Trata..
-se de julgamento de questão prévia, declaratório da existência ou da inexistência da obrigação de prestar contas.
A 1~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a de agôsto de 1950 (R. E., 141, 329), a 8.~ Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 7 de julho de 1950 (147, 254), e a 3~a Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, a 13 de setembro de 1951 (142, 315) apontaram o recurso de apelação. Mas há
distinção a ser feita.

(continuação)
Da sentença que rejeita in lírnine e da que os julga não provados, cabe agravo no auto do processo; é apelável,
porém, a que os julga provados. Nem se fale de agravo de instrumento nem de agravo de petição a respeito da
sentença contra o réu, se não se defendeu, ou se foram rejeitados os seus embargos. Nem, ainda, é apelável. A
situação, que o legislador deixou, com a omissão, é delicada, e deve ser encarada sob dois aspectos: o da fôrça
formal da coisa julgada e o da fôrça material. Se a sentença contra o demandado faz coisa julgada formal, a
preclusão impede que se reproduza, no mesmo processo, a questão. A regra jurídica que disciplina a coisa julgada
formal é a que só admite as limitações apontadas. Ora, a sentença contra o réu não é caso “expressamente
previsto” de renovabilidade, nem de cláusula rebus sic stantibus (portanto, temos de afastar que o réu possa
renovar a questão no auditório do segundo preceito; aliter, LUÍS MACHADO GUIMARÂES, Comentários, IV,
256). A preclusividade, de lege lata, é indiscutível. Quanto à fôrça material de coisa julgada, a decisão é
interlocutória, e sujeita a regra jurídica segundo a qual os despachos meramente interlocutórios são destituídos de
fôrça material de coisa julgada, não, porém, as “sentenças interlocutórias”. Ao réu fica ressalvado o remédio
jurídico processual da ação rescisória. De iure condendo, pensaríamos diferentemente quanto à fôrça formal da
coisa julgada; mas leis processuais não se interpretam segundo princípios de eqUidade.
A construção é, pois, a de duas ações numa só, embutida no processo da segunda a sentença da primeira, se
contrária ao réu. Durante o segundo processo, nada se pode alterar porque há o agravo no auto do processo, com
base no Código de Processo Civil, art. 851, II, verbis “cercearem, de qualquer forma, a defesa do interessado”. O
Tribunal, que conhece do recurso interposto da segunda sentença, tem de começar pelo exame e julgamento do
agravo no auto do processo.
Admitir apelação de decisão, nos embargos, que julgou ser obrigado o demandado a prestar contas, é absurdo (e.
g., ~Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de março de 1951, R. dos T., 192, 604). O recurso é o de
agravo 110 auto do processo.
(b) O réu tem prazo para prestá-las, ou defender-se. O conteúdo da regra jurídica é evidente. Alguns comentadores
não no vêem, ou o vêem para tirar a conseqUência falsa de que tem de haver dois “processos” ordinários,
confusão entre pretensão e ação cominatória e procedimento ordinário (rito) dos cominatórios principais. O
preceito, se o réu não se defende, ou se lhe são rejeitados os embargos, é mandado relativo ao praeiudicium,
baseado no exame que dos documentos do autor fizera o juiz. Leva consigo a cominação de serem tidas por
verdadeiras as afirmações do autor quanto à sua pretensão, se o réu não prestar as contas, ou não convencer o juiz
de que a sua cognição incompleta era errada.
~Há discussão dos embargos? A j~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 4 de novembro de
1940 (R. F., 86, 131), afirmou, sem aprofundar o assunto, que há, e buscou o principio que rege a espécie em que
houve a prestação de contas. De modo nenhum, O princípio nada tem com o caso dos embargos. A 1~a Câmara
Civil certificar-se-ia disso com a simples leitura dos textos, antes ou depois de ler-lhe a fonte, que foi o art. 1.013
do Código de Processo Civil português, ou mesmo sem lhe estudar a formação. O art. 1.013 do Código português
também estatui que, “se o réu, em vez de prestar as contas, contestar a obrigação de as prestar, ouvido o autor, será
imediatamente decidida essa questão prévia, procedendo às diligências que forem julgadas necessárias”. Êsses
embargos são, no direito brasileiro, apresentados no prazo para se falar sobre as contas apresentadas, com o
requerimento de alguma diligência, que o réu reputa essencial à sua defesa. O juiz toma a atitude que lhe prevê o
sistema jurídico: a de ordenar, de ofício, diligências necessárias à instrução do processo. É o que está na lei.
Também errado o acórdão da 3~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 11 de março de 1942 (R.
dos T., 136, 726).
Somente se fala da ordinatoriedade do processo, quando, prestadas as contas, forem impugnadas. Se, no tempo da
fase inicial, o réu apresentou embargos, o juiz tem de os examinar, porque só se referem à questão de haver, ou
não, pretensão à prestação de contas pelo réu. Os embargos não implicam tornar-se orcunar~o o processo. Ão
juiz é dado rejeitá-los liminarmente, ou ordenar as providências que pareçam necessárias. Sem razão, a 8•a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 23 de junho de 1950 (A. J., 101, 196), que, com os embargos,
imprimiu ordinariedade ao processo. Certo, o Juízo de Direito da g~a Vara Cível do Distrito Federal, a 26 de
dezembro de 1953 (D. da J., de 29 de dezembro).
Se o réu não se defende, sobem os autos ao juiz para mandar que o réu apresente as contas, pois ao preceito inicial
faltava essa particularidade do mandado, que é o prazo para a apresentação (segundo preceito), acompanhado da
segunda cominação, que é a de serem apresentadas pelo próprio autor e julgadas, a final, prestadas. Tudo se passa
do mesmo modo, se forem rejeitados os embargos, in limine, ou após as provas, que o juiz tenha admitido.
As contas são apresentadas ou pelo réu, ou pelo autor.
(a)Pelo réu, o autor tem o prazo para impugná-las (situação de réu nos processos ordinários’>. Se não as impugna,

(continuação)
sobem os autos ao juiz para a sentença, que tem semelhança com a sentença de que falamos a propósito da ação de
prestação de contas passiva. Se as impugna, abro-se o contraditório, com o rito ordinário. (b) Pelo autor, tem o réu
cinco dias para as impugnar (mantendo a posição de réu no processo ordinário). Se não as impugna, sobem os
autos ao juiz para a sentença, também semelhante à sentença proferida na ação de prestação de contas passiva. Se
as impugna, abre-se o contraditório, com o rito ordinário.
Apresentadas as contas pelo autor, a figura processual passa a ser an6mala, pois que se previa a simetria com a
ação, digamos do réu que foi provocado. Isso não tira à segunda fase o caráter de ação do réu, como provocado
(pretensão do réu a prestar contas), apenas dá ao autor o expediente util (e necessário) para que se prossiga. A
inatividade do réu dá ao prosseguimento da lide objeto dúplice: de um lado, inadimplemento da obrigação de
prestar contas; do outro, o autor tem interesse em reconstituir, com os meios de que dispõe, as contas (GIUsEPPE
CHIOvENDA, Principii, 1290). Isso não exclui a faculdade de apresentar o réu, ao pronunciar-se sobre as contas
do autor, as suas, ou fazê-lo na audiência de instrução e julgamento.
Observe-se que a infração da obrigação de prestar contas, pela não-apresentação das contas pelo demandado, que
não se defendeu, ou o fêz ineficazmente, pode fundamentar ação de ressarcimento do dano, contra o réu da ação
de prestação de contas.
Se o réu apresentou as suas contas e o autor as impugnou, segue-se o processo, com o rito ordinário. A não-
comparência do autor à audiência daria ensejo à absolvição da instância, o que provàvelmente seria inconveniente
para o réu. Atenda-se, porém, a que êsse réu é autor na apresentação, pois tem interesse na aprovação das sua
contas. Portanto, ao autor do preceito cominatório e réu na apresentação (segunda fase do processo) é aplicável o
art. 266, II. Esse ponto é extremamente importante, por aproveitar ao réu (autor na apresentação das contas), sem
o prejudicar com a absolvição da instância. Tendo dupla posição, a êsse apresentante das contas aplica-se um ou
outro dos incisos do art. 266.
(c) Se o réu da ação de prestação de contas ativa, ou o autor da ação de prestação de contas passiva, é tutor,
curador, ou depositário judicial, pode a sentença (a) destituí-lo, (b) seqUestrar-lhe os bens sob sua guarda, (c)
glosar o prêmio ou gratificação a que teria direito.
a) A destituição do tutor, curador, ou depositário judicial, é efeito anexo da sentença, efeito constitutivo negativo.
Tem-se de consultar o direito material, porque tal eficácia lateral não provém do direito processual civil,
diretamente: apenas se explicitou que na mesma sentença se pode destituir. Em todo o caso, a palavra
“procedente” é infeliz, uma vez que nem todos os casos de procedência envolvem culpa do réu na ação de
prestação de contas ativa ou do autor na aç5o de prestação de contas passiva. Advirta-se, também, que a
destituição somente se decreta se o juiz, competente para a ação de prestação do contas, também o é para a dos
substitução , ou se prorrogável a competência.
b) O seqüestro dos bens sob a guarda do que foi réu na ação de prestação de contas ativa, ou autor na ação de
prestação de contas passiva, é efeito mandamental anexo, de origem processual. Não se precisa consultar o direito
material. Esse, aliás, pode ter outros efeitos anexos.
c) A glosa do prêmio ou gratificação é efeito anexo, constitutivo negativo, mas aqui de direito material; de modo
que o juiz tem de verificar se houve, durante o processo, prova de alguma falta, bastante para a glosa. Se a lei é
omissa, entende-se que se supõem incidiveis os princípios gerais de direito.
d)Quem tem de apresentar a outrem receita e despesa, ou só receita, ou só despesa, presta contas. Quem tem de
informar sobre estado de bens, ou de patrimônio, e entregá-lo, ou entregar rendimento, há de fazer inventário, ou
de fazer inventário e prestar contas. Não tem dever e obrigação de inventariar quem apenas tem consigo bens que
não fazem conjunto, provenientes de diferentes negócios jurídicos, pois faltaria unidade de relação jurídica entre o
dominus negotii e o gestor (K. LASSEN, Rechtliche Natur und Inhalt des im § 561 Abs. 2 BGB. dem Vermieter
gegebenen Anspruchs auf “Herausgabe zum Zwecke der Zurtickschaffung”, Archiv flir Burgerliches Recht, 80,
274 s.).
À ação de prestação de contas ou à ação de apresentação de inventário pode cumular-se a ação de condenação à
entrega do saldo credor, ou dos objetos inventariados. Se não se deu a cumulação, a sentença não tem carga
suficiente de executividade para que se possa requerer, nos mesmos autos, a execução contra o devedor. Daí a
ação de prestação de contas “ativa” e a ação de prestação de contas “passiva”, que, em caso de saldo a favor do
autor, tem a carga seguinte:
Declaratividade
Constitutividade
Condenatividade
Mandamento Executitalidadevidade
**

(continuação)
Quem gere negócios alheios, com procura, ou sem ela, tem de prestar contas. Há dever e obrigação de prestar
contas, a que correspondem direito e pretensão à prestação de contas. Da pretensão à prestação de contas nasce a
ação de prestação de contas, que tem o dominus negotii; da obrigação de prestar contas nasce a ação de prestar
contas, que é medo de se exercer aquela obrigação.
Têm de prestar contas, principalmente, o mandatário, o tutor e o curador, o gestor de negócios sem mandato, o
titular do direito de penhor que percebe frutos à conta da divida, o fiduciário, o testamenteiro, o inventariante, as
diretores de sociedades e fundações, o comuneiro que rege com ou sem podêres. Em geral, quem cuida de
assuntos alheios, ou ao mesmo tempo alheios e próprios, tem dever e obrigação de prestar contas. Quem apenas
tem direito a percentagem sobre o líquido não tem ação de prestação de contas (CARL CROME, I~ie
partiarischen Rechtsgesch,ãfte, 220), salvo se a lex specialis o estabelece, ou resulta de cláusula negocial.

4.FORMA MERCANTIL E FALTA DE TAL PRESSUPOSTO. As contas, quer apresentadas pelo réu, quer pelo
autor, hão de ser em forma mercantil. Forma mercantil: parcelas ou colunas de entradas e saídas (2.~ Câmara Civil
de São Paulo, 24 de março de 1942, R. d,os T~, 136, 627), deve e haver, como demonstração gráfica, série de
estados dos negócios da administração ou outra relação jurídica, com as somas finais e o saldo. Se as parcelas
vencem juros, contam-se a cada saldo parcial, ou como fôr de uso, ou se somam em colunas diferentes, para que se
tire o saldo dêles, e se subtraia ou se junte ao saldo final.
A falta de forma mercantil causa nulidade não-cominada.
A exigência da forma mercantil tanto se faz em ação de prestação de contas ativa como em ação de prestação de
contas passiva, sendo impugnáveis em ambas as espécies. Os princípios sobre presunção de verdade das provas
são aplicáveis, Por isso mesmo, havendo impugnação, ao autor cabe ônus da prova das suas afirmações. É assim
que se deve entender o acórdão da ã~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 5 de dezembro de
1940 (R. dos T., 139, 146).
Se as contas foram apresentadas em forma tal que pu(leram ser julgadas, não há pensar-se em infração da lei (2.~
Turma do supremo Tribunal Federal, 3 de janeiro de 1950, D. da J. de 10 de janeiro de 1952). Nulidade, que
tivesse havido, seria nulidade não-cominada, e teria incidido a regra jurídica que afasta a decretação de nulidade se
a forma infratora atinge o fim do ato, ou se não houve qualquer argüição da nulidade.
A violação da exigência, ‘in thesi, é causa de ação rescisória de sentença.

5.SALDO DAS CONTAS E EXECUÇÃO CONTRA O DEVEDOR.


A execução pelo saldo faz-se nos mesmos autos, reminiscência da concepção executiva da ação de prestação de
contas no direito anterior. Como a sentença definitiva fêz coisa julgada formal e material, essa fase executiva da
sentença é outra actio no mesmo processo, por princípio de economia. Particularidade da prestação de contas,
como das ações sobre contratos de conta corrente, é a de que a reconvenção é implícita na defesa, e é condenado
pelo saldo o réu ou o autor. Ou êsse saldo é em dinheiro, ou em coisa certa, ou alguma das parcelas dêle é ilíquida,
por algum motivo que se não pôde remover durante o processo cominatório. Seja como fôr, a natureza da coisa
devida é que há de determinar a forma da execução da sentença.
A sentença há de referir-se ao saldo devido, se o há (cf. 2~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 26 de
dezembro de 1951, R. dos T. da Bahia, 45, 381; ~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 de agôsto
de 1951, R. dos T., 194, 769).
A execução “nos mesmos autos” não tira a essa terceira fase do processo o caráter de actio judicati e pode ser
iniciada desde logo, exceto se foi interposto recurso de apelação. Resta saber-se se é preciso que se faça nova
citação. Não se dispensou; apenas se dispôs sobre a continuidade material (se nos mesmos autos). Isso é de
entender-se ainda que se trate de dinheiros a serem levantados por ordem do próprio juiz, pois não se fêz
mandamental a sentença na ação de prestação de contas passiva ou na ação de prestação de contas ativa. Se a falta
de recurso que não seja o de agravo no auto do processo liga as duas primeiras fases, o recurso interposto de
apelação separa a segunda e a terceira, a despeito da continuidade material.

6. CUSTAS. - A questão das custas envolve a da natureza das prestações de contas. Se o réu, na ação de prestação
de contas pedida pelo que tem pretensão a que lhe sejam prestadas, que é a do art. 308, provar, como prejudicial,
alegada nos embargos, que procurou e nunca se recusou a prestá-las, o juiz pode reconhecer a pretensão do autor,
porém não a ação, e deve sentenciar dizendo que o réu não se opunha a. prestá-las. Se admite que as preste, fá-lo
por economia de processo (aliter, teria de absolvê-lo, desde logo, do preceito, julgando os embargos). esse ponto

(continuação)
da não-existência da mora do réu e da culpa do autor é de valor para a condenação nas custas a final. Não há regra
jurídica especial sobre as custas, nas prestações de contas pedidas pelo que tem pretensão a que lhe sejam
prestadas. No caso de preceito cominatório pedido pelo que tem a pretensão a prestá-las, também não há regra
jurídica especial. A prestação espontânea de contas ou se faz extrajudicialmente, ou em jurisdição voluntária, tal
como se procede com as contas de tutôres e curadores, ou dos testamenteiros, depositários judiciais, síndicos e
liquidatários de massas falidas, etc. Aí, são incluídas nas contas, como partes das despesas da administração. (Sem
razão, o Conselho de Justiça do Distrito Federal, 4 de dezembro de 1940, que lera a regra jurídica do Código de
Processo Civil, art. 58, como se fôsse regra sobre as custas em todos os casos de jurisdição voluntária: lá está dito
“meramente voluntária”.)
É a relação de direito material que determina a quem cabem as custas e despesas necessárias A apresentação das
contas. A mora. tem conseqUências no caso de preceito cominatório, por se tratar de jurisdição contenciosa,
embora lide dúplice em que se pode condenar no saldo tanto o réu quanto o autor. O juiz tem de examinar cada
caso que se lhe ofereça, tendo em vista a relação de direito material e a possível inversão da responsabilidade pelas
custas, se uma das partes, normalmente irresponsável pelas custas, deu causa A demanda. O saldo nenhuma
influência tem no pagamento das custas. O que pode ter é a mora no prestar as contas. Naturalmente, o réu que
negou a pretensão do autor, quer o fôsse em ação de prestação de contas ativa, quer em ação de prestação de
contas passiva, e perdeu, tem de pagá-las, porque só judicialmente poderia ser convencido dessa questão
prejudicial. Se negou a pretensão e estava em mora de prestá-las ou de lhe serem prestadas, tendo sido vencido na
sua defesa, ou não se tendo defendido, paga as custas. A omissão pré-processual é inoperante se a parte em mora,
que não negava a pretensão da adversa, apenas negava as afirmações essas que tinha razão para fazê-lo, porque
então a mora não se configurou: as contas não poderiam ter sido prestadas extrajudicialmente, ou em jurisdição
voluntária. Se o tutor, ou o curador, por exemplo, tem de buscar a jurisdição contenciosa o preceito cominatório,
digamos e perde a ação, paga, estio, as custas.

§ 5.582. Pré-eliminação negocial do exercício do preceito cominatório

1. PRINCÍPIOS. . A priori, não se pode pré-eliminar o exercício do preceito cominatório. A cláusula ou o pacto
seria ofensivo da tutela jurídica; e, pois, nulo. No plano do direito material, pode haver o pactum de non pretendo,
que gera exeção. Ainda no plano do direito material, vale e é eficaz, importe da cominação , o que se estabeleceu
em cláusula do negócio jurídico, ou em pacto adjecto.
Compete a ação cominatória, em geral, a quem, por lei ou convenção, tem direito de exigir de outrem que se
abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo. O autor, na petição inicial, pede a citação do réu para prestar
o fato, ou abster-se do ato, sob a pena contratual, ou a pedida pelo autor, se nenhuma tiver sido convencionada.
Desde que foi previsto juízo arbitral, ou foi estabelecida cláusula penal, ou pacto de pena contratual, afastado,
foi, ali, o emprêgo da ação cominatória, e, aqui, a cominação não pode ser maior do que a pena. Tratando-se de
entidade estatal, que seja contraente e, na espécie, possa aplicar pena ou multa contratual, como ocorre nos
negócios de permissão (ou autorização) e nos contratos de concessão, o fato de prever-se a discordância, com
exame judicial, ou em juízo arbitral, afasta qualquer outra ação por parte da entidade estatal, inclusive a ação
cominatória.

2.PLANO DO DIREITO MATERiAL. Também no piano do direito material, pode ser previsto que haverá
interpelação ou denúncia, antes que ser proposta ação cominatória ou outra qualquer. Tal cláusula ou pacto
adjecto vaie. Se fui dito que as divergências entre o devedor e o credor se hão de resolver pelo compromisso (juízo
arbitral), ou se previu desde logo o juízo arbitral, pré-excluiu-se o preceito cominatório, porque, nessa espécie, a
lei admitiu o afastamento da justiça estatal, ressalvado o recurso cabível.

§ 5.583. Considerações finais

1.EFICÁCIA SENTENCIAL NA AÇÃO DO PRECEITO COMINATORIO. O elemento mandamental, que há na


ação e na sentença proferida, favoràvelmentel ao autor, na ação de preceito cominatório, de modo nenhum a
caracteriza. A mandamentalidade não chega a ser eficácia mediata (3); é penas 2 ou 1. Daí ser impertinente o
esfôrço que fazem alguns juristas em aludir ao mandado, confundindo-o com o preceito, e às vêzes os três
(mandado, preceito e monição). Essas assimilações são danosas à doutrina e à prática. Nem sempre se comina
quando se manda; nem há nas cominações mandado, que ressalte. A expressão “monitorium” era mais de direito
eclesiástico; a expressão “praeceptum”, mais de juizes laicos. O próprio ALEXANDRE CAETANO COMES

(continuação)
(Manual Prático judicial civil e criminal, 163), que repetiu a velhos processualistas canônicos, frisando a
sinonímia, de um dêles reproduziu informe: “ludices laici regulariter utuntur praecepto, ecclesiastici vero
monitorio”. Ora, na boa técnica, as citações eram arctatórias ou monitórias: exatamente, as monitórias apenas
tinham a eficácia de se lhes interpretar o silêncio como se nada tivesse a dizer em contrário; e as arctatórias tinham
o efeito de incursão em pena, se não comparecia o citado (cf. CHR. FR. vON GLÍYCK, Ausfiihriiche Eríiiuterunq
der Pandecten, III, 386 s.; “arctatorische und monitorische Ladung”; MANUEL DE ALMEmA E SOUSA,
Tratado prático e critico sobre as Execucões, 375, empregou o adjetivo “arctatória”, referindo-se a citação).

Devemos evitar referência a processo monitório e outros conceitos, de que usam e abusam escritores estrangeiros.
Chegaram o direito luso-brasileiro e o brasileiro a precisões tais que hão de repelir classes e subclasses que não
correspondem a dados históricos exatos, nem a fixações conceptuais que sejam úteis. O que mais nos importa é
ascensão na investigação científica, e não erudição fácil com livros de sistemas jurídicos inferiores ao nosso.
tos, ou portarias. As regras jurídicas que deviam estar em leis e se põem em atos do Poder Executivo são, quase
sempre, como chaves falsas para o enriquecimento de alguns que têm nas mãos o poder ou têm de fazer os que
lhes impõem os verdadeiros focos governantes.
2.PROCEDIMENTO COMINATÓRIO E PROCEDIMENTO EXECUTIVO, DISTINÇÃO. O direito processual
brasileiro distinguiu, com tôda a exatidão, o procedimento executivo e o procedimento cominatório, que
correspondem a pretensões distintas. Os que traduzem Mahnverfahren por processo monitório e metem a ação de
preceito cominatório na mesma classe, em vez de clarearem o assunto, obscurecem-no. Não há qualquer mandado
de execução na ação típica de preceito cominatório. Os mandados, nas duas classes de ação, advertem (~ têm
commonitio); porém, os da segunda classe cominam. Commin,or, comm.inari, não é o mesmo que coin~moneo,
commonere. O Mahn de Mahnverfahren é monere, de cornmonitoiium, de inonitorium; não corresponde ao
cominari, ao minari.
Quando, em ciência e em técnica, se sobem alguns degraus, não se há de saltar em cipoal mais baixo, trabalhado
por influências históricas díspares e confundentes.
Há executividade preponderante na ação cominatória se a entidade estatal, em caso de falta de licença provia para
obras, alega urgência. ~ isso excepcional.
Acima falamos da necessidade de manter-se a ciência Jurídica que recebemos do passado e do presente e
andarmos para a frente, aperfeiçoando o sistema jurídico brasileiro. Para isso, é preciso que o professor, o
advogado e o legislador saibam direito, e não façam discursos e leis, regulamentos, decretos e portarias sem
conhecerem, sequer, o que está no sistema jurídico brasileiro ou mal-encaminhados com leituras de livros de
sistemas jurídicos inferiores ao do Brasil.
Quem não sabe governar, ou não sabe descobrir uma, duas ou mais regras jurídicas, que aumentem a felicidade de
todos, ou dos que mais necessitam, ou a riqueza do Estado. ou outra vantagem segura, lança leis, decretos,
regulamentos.

(continuação)

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