Vous êtes sur la page 1sur 193

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

TOMO VI

(Arts. 476-495)

TITULO IX

DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS

CAPÍTULO 1

DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

1) Necessidade social de serem de conteúdo jurídico uniforme às sentenças e outras decisões


2) Juízo singular e tribunal
3) Conceito de prejulgado
4) Dados históricos
5) Prejulgado e “per saltum”
6) Provocação do exame em prejulgamento
7) Irrecorribilidade da decisão de cabimento

Art. 476 e parágrafo único

1) Turma, câmara, grupo de câmaras


2) Pressupostos de ordem objetiva
3) Requerimento da parte
4) Duas fases no processo do prejulgado
5) Decisão no prejulgado
6) Competência para o julgamento do prejulgado
7) Provocação pela parte

Art. 477
1) Pronunciamento quanto à divergência
2) Sessão de julgamento

Art. 478 e parágrafo único

1) Pronunciamento pelo tribunal


2) Votação e fundamentação dos votos
3) Ministério Público
4) Membro do tribunal e impedimento ou suspeição

Art. 479 e parágrafo único

1) Maioria absoluta e súmula


2) Acórdão e súmula
3) Regimentos internos
CAPÍTULO II

DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

1)Inconstitucionalidade
2)Decisões pelo tribunal de controle
3)Decisões em prejulgado
4)Regra da maioria absoluta
5)Mantença do direito anterior
6)Juizes singulares e decretação de inconstitucionalidade
7)Exames dos atos administrativos em geral

Arts. 480 e 481


1)Natureza jurídica da decisão sobre inconstitucionalidade
2) Arguição de inconstitucionalidade
3)Regras jurídicas e ofensa à Constituição
4)Legitimação ativa
5) Turma, câmara ou grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas
6)Admissão da arguição de inconstitucionalidade
7) Eficácia da deliberação
8)Subida da questão ao tribunal pleno
9) Eficácia do julgamento da lide

Art. 482

1) Remessa de cópias e sessão de julgamento


2) Maioria absoluta e falta

CAPÍTULO III

DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

1)Sentença estrangeira e homologação


2)Ação de homologação de sentença estrangeira
3)Homologação de sentença estrangeira e rescisão de sentença

Art. 483 e parágrafo único

1)Eficácia de sentenças estrangeiras


2) Qualificação das decisões estrangeiras
3)Dados históricos
4)Audiência das partes
5) Procurador-Geral da República
6) Carta de sentença
7) Processo da homologação
8) Legitimação ativa à ação de homologação

Art. 484
1) Cumprimento da carta de sentença
2) Requisitas da sentença estrangeira
3)Processo de homologação de sentença estrangeira
4)Pedido de homologação e prazo para contestação
5)Prazo para contestação e prazo para a resposta
6) Procurador-Geral da República
7) Carta de sentença homologatória
8)Requisição de homologação, por via diplomática
9) Não-comparência e incapacidade
10)Sentença desfavorável e sentença favorável
11)Processo de cumprimento
12)Interpretação da sentença estrangeira
13)Natureza das sentenças homologadas
14)Sentença de homologação
15)Ação de execução de sentença estrangeira
16)Indeferimento do pedido

CAPÍTULO IV

DA AÇÃO RESCISÓRIA

1)Justiça, erro e ensejo de correção


2)Julgamento de julgamento
3)Pressupostos objetivos da ação rescisória
4)Ação contra a coisa julgada formal
5)Rescindibilidade e ineficácia
6)Ação e recurso; ação rescisória de sentença e ação de revisão criminal
7)Legitimação ativa e legitimação passiva
8)Competência do juízo rescindente
9)“ludicium rescindens”, “iudicium rescissorium”
10)Extraordinariedade do remédio
11)Ação, e não exceção
12)Interesse
13)Considerações prévias sobre a ação rescisória
14)Direito interespacial
15)Direito intertemporal

Art.485
1)Rescindibilidade da sentença
2)Eficácia das sentenças rescindíveis
3)Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz é pressuposto suficiente para a rescindibilidade
4)Impedimento do juiz prolator da sentença
5)Incompetência absoluta, pressuposto suficiente da rescisão
6)Dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida
7)Colusão entre as partes, em fraude à lei
8)Trânsito em julgado, formalmente, e ação rescisória
9)Violação de literal regra jurídica, pressuposto suficiente da rescindibilidade
10)Falsidade da prova, pressuposto suficiente da rescindibilidade
11)Obtenção de documento novo
12)Confissão, desistência ou transação inválida, em que se baseou a sentença
13) Erro de fato, resultante de atos ou documentos da causa
14)Existência e inexistência de fato
15)Controvérsia e pronunciamento judicial
16) Rescindibilidade de sentenças e de acórdãos
17) Sentença estrangeira e homologação de sentença estrangeira
18) Sentenças de juizes arbitrais e rescisão
19) Injustiça e má prestação da prova
20) Má apreciação da prova e ação rescisória de sentença
21)Interpretação dos negócios jurídicos
22)Rescisória na desapropriação

Art. 486
1)Invalidade de atos judiciais que não dependem de sentença ou em que essa seja meramente homologatória
2)Discussão da matéria
3)Solução do problema
4)Alterações materiais na sentença e ação rescisória
5)Ação rescisória de sentença proferida em ação rescisória Art. 487
1)Legitimação ativa e partes
2)Ministério Público
3) Terceiro juridicamente interessado Art. 488 e parágrafo único
1) Regras jurídicas do art. 282
2)Petição inicial
3)Propositura da ação rescisória
4)Ação rescisória e remédio jurídico processual
5)Valor da ação rescisória
6)Coisa julgada sobre rescisão
7)Transação, desistência e compromisso na ação rescisória
8)Relação jurídica processual oriunda da propositura de ação rescisória de sentença e entrega da prestação
jurisdicional
9)Cumulação de pedidos e conexão
10)Depósito; União, Estado-membro, Município ou Ministério Público

Art. 489
1)Eficácia da propositura da ação rescisória
2)Ação cautelar em rescisória

Art. 490
1)Indeferimento da petição inicial
2)Depósito

Art. 491
1) Problema de técnica legislativa da competência
2)Regras jurídicas sobre competência
Art. 492
1)Extensão da regra jurídica

2)Precaução ou delegação interna de funções judiciais


3) Prazo para a devolução

Art. 493
1)Conclusão da instrução e prazo para as razões finais
2)Supremo Tribunal Federal e Tribunal Federal de Recursos
3) Estados-membros
Art. 494
1)Julgamento da ação rescisória
2) Recursos
3)Recurso extraordinário e ação rescísona
4)Recursos nos processos de ação rescisória
5)Particularidades devidas à instância em que se proferiu a sentença rescindida
6)Após a rescisão, juízo rescisório e resto do julgado
7)Rescisão de sentença cível e execução a fazer-se ou feita
8) Revisão da sentença penal a que se dera execução cível segundo o direito processual penal
9)Problemas que surgem

Art. 495
1)Prazo para a propositura da ação rescisória da sentença
2)Influência da coisa julgada na decisão de outra ação
3)Embargos de terceiro e rescisão
4)Rescindibilidade total e rescindibilidade parcial
5)Término no prazo preclusivo
6)Direito intertemporal
7) Rescisória em quatro anos

1.Uniformização da jurisprudência
II.Decretação de inconstitucionalidade
III.Homologação de sentença estrangeira .
IV.Ação rescisória

TITULO IX

DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS

DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA ~) 2)

1.Necessidade social de serem de conteúdo jurídico uniforme às sentenças e outras decisões Se alguma Sentença
ou outra decisão, que se não haja de considerar sentença, diverge de outra, em qualquer elemento contenutístico
relativo à incidência ou à aplicação de regra jurídica, uma delas é injusta, porque se disse a no tocante a uma das
demandas e b, talvez mesmo não-a, a propósito da quaestio juris, ou das quaestiones juris, que em ambas
aparecem. Tem-se de evitar isso, e aí está a razão de algumas medidas constitucionais ou de direito processual
que têm por fito corrigir ou evitar a contradição na jurisprudência. Um dos exemplos mais relevantes é o de
admitir-se o recurso extraordinário sempre que haja interpretação divergente de alguma regra jurídica federal,
mesmo se é em relação ao próprio Supremo Tribunal Federal que isso ocorre.

2)Juízo singular e tribunal Se o juiz é singular, e, ao decidir, verifica que, a respeito do que tem de decidir, há
interpretações discrepantes da regra jurídica, deve ele apontar decisões que contenham a divergência, expondo os
argumentos que se apresentaram e os seus, como elementos básicos para a atitude no plano da interpretação.
Aliás, nada obsta a que ele tenha a mesma posição se a jurisprudência lhe pareça errada. Observamos que o art.
479 não impôs aos juizes e aos tribunais respeito abstrato ao que se tem por assente. Apenas se considera a
súmula um “precedente na uniformização da jurisprudência”.
O Código de 1939, no art. 861, estatuia: “A requerimento de qualquer dos seus juizes, a câmara, ou turma
julgadora, poderá promover o pronunciamento prévio das câmaras reunidas sobre a interpretação de qualquer
INa Const. 88. art. 105, III, c, essa funç8o passou ao recurso especial, da competência do Superior Tribunal de
Justiça.norma jurídica, se reconhecer que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre
câmaras ou turmas”. O art. 861 estava no Título V, referente ao recurso de revista, então existente. Nos
Comentários ao Código de 1939, Tomo XII, 2~ ed., 83 s., repelimos a colocação e até introduzimos um Título
Especial (Do Prejulgado). Lá escrevemos, como advertência: “Posto que tenha sido o nosso propósito manter a
distribuição de matérias que o Código de Processo Civil adotou, é de toda conveniência que ponhamos fora do
Titulo V, que é sobre o recurso de revista, o art. 861, que só diz respeito ao prejulgado. De modo nenhum se há
de interpretar o art. 861 como se apenas se referisse às câmaras, turmas ou grupos de câmaras que estejam a
julgar recursos de revistas. O art. 861 é, evidentemente, heterotópico. (Se a possível divergência ocorre em
recurso de revista, o prejulgado ou já é objeto de discussão do recurso, ou somente pode haver prejulgado se a lei
de organização judiciária tem corpo julgador acima do corpo da revista, para que a ele se possa atribuir o
julgamento do prejulgado.)
O Código de 1973, arts. 476-479, dedica um Capitulo à “uniformização da jurisprudência”.

3. Conceito de prejulgado Mediante o prejulgado, o exame de uma questão, que devera ficar a cargo de um
tribunal (câmara ou turma), édevolvido a tribunal superior, para que previamente decida. Se o ponto em
discussão foi resolvido em primeira instância e o corpo, onde se suscitou o prejulgado, havia de conhecer dele em
grau de recurso, o prejulgado, apreciação de matéria do recurso, posto que limitado àquele ponto, recurso é. Parte
de recurso, embora. Em verdade, parte do que se devolvera ao conhecimento do tribunal do recurso escapa a
esse, e sobe ao julgamento de outro, que lhe é superior. Tais caracteres são comuns ao prejulgado, que o Decreto
n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, criara, que depois se extinguira, mas, finalmente, foi restabelecido pelo
saltum, que a Constituição de 1934, art. 179, obrigou a ser concebido, com a sua exigência de se não resolver
questão sobre a inconstitucionalidade das leis ou dos atos dos poderes públicos, em tribunais coletivos, sem o
voto concordante da maioria absoluta. Também a respeito dessa última espécie, o julgamento pelo tribunal
competente para decidir sobre o prejulgado é parte do recurso, como que extraído do recurso entregue ao tribunal
onde o prejulgado se suscitara desde que se haja pronunciado a primeira instância. A decisão constitui entrega da
prestação jurisdicional, que assume, em tal caso, o caráter de prestação jurisdicional do conjunto dos juizes,
inclusive o próprio provocante. A Constituição de 1946, art. 200, manteve o per saltum para decretação da
inconstitucionalidade da lei e a exigência da maioria absoluta dos
juizes do tribunal, assunto de que tratamos adiante (arts. 480-482). A Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,
tem o art. 116.2
Não havia pretensão das partes e mais interessados ao prejulgado. Não seria absurdo, porém, conceber-se, de iure
condendo, essa pretensão ao prejulgado (sem razão, o Tribunal Superior do Trabalho, a 14 de abril de 1952. D.
da J. de 12 de maio de 1952, que reputou absurdo ou contra-senso instituir-se tal pretensão); de lege lata, o
Código de Processo Civil acolhe-a no art. 476, parágrafo único.

4.Dados históricos Alguns dados históricos vêm a propósito. Os assentos eram prejulgamentos, no sentido de
decisões que não julgavam in casu, e apenas fixavam a inteligência das leis. Nas Ordenações Filipinas, Livro 1,
Titulo 5, § 50, dizia-se: “E havemos por bem, que quando os Desembargadores, que forem no despacho de algum
feito, todos ou algum deles tiverem alguma dúvida em alguma nossa Ordenação do entendimento dela, vão com a
dúvida ao Regedor; o qual na Mesa grande com os Desembargadores, que lhe bem parecer, a determinará, e,
segundo o que aí for determinado, se porá a sentença. E a determinação, que sobre o entendimento da dita
Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no livro da Relação, para depois não vir em dúvida. E se na
dita Mesa forem isso mesmo em dúvida, que ao Regedor pareça, que é bem de no-lo fazer saber, para Nós logo
determinarmos, no-lo fará saber, para nisso provermos. E os que em outra maneira interpretarem nossas
Ordenações, ou derem sentença em algum feito, tendo algum deles dúvida no entendimento da Ordenação, sem ir
ao Regedor, será suspenso até nossa mercê”.
Veio isso das Ordenações Manuelinas, V, Titulo 58, § V: “E assi Avemos por bem, que quando os
Desembarguadores que forem no despacho d’alguiT feito, todos, ou alguii delles tiverem algiia duvida em algiia
Nossa Ordenaçam do entendimento della, vam com a dita duvida ao Regedor, o qual na Mesa grande com os
Desembarguadores que lhe bem parecer a determinará, e segundo o que hi for determinado se poerá a sentença. E
se na dita Mesa forem isso mesmo em duvida, que ao Regedor pareça que he bem de No-lo fazer saber, para a
Nós loguo determinarmos, No-lo fará saber, para nós nisso Provermos. E os que em outra maneira interpretarem
Nossas Ordenações, ou derem sentenças em alguii feito, tendo algud delies duvida no entendimento da dita
Ordenaçam, sem hirem ao Regedor como dito he, seram suspensos atee Nossa Mercê. E a determinaçam que
sobre oentendimento da dita Ordenaçam se tomar, mandará o Regedor escrever no livrinho para depois nom viir
em duvida”.
Nos textos reinícolas tem-se de distinguir: a) a regra jurídica sobre prejulgado, pois, em caso de dúvida, háo per
saltum para a “mesa grande”, com eventual ascensão ao próprio rei; b) a regra jurídica sobre o assento, pois que
se havia de escrever no “livrinho”, para depois não vir em dúvida; e) a regra jurídica sobre a adstrição à
interpretação que se firmou.
O que temos hoje não é apenas a).
Os assentos, não os tínhamos mais. Os Decretos de 4 de janeiro de 1684 e de 20 de junho de 1703 e a Lei de 18
de agosto de 1769 a eles se referiram. No direito de 1939, o recurso extraordinário3 e a ação rescisória
promoviam a uniformização da jurisprudência. Não havia a regra jurídica de adstrição, posto que o julgamento,
nos casos de prejulgados, fosse objeto de súmula que é precedente para a uniformização da jurisprudência. O juiz
ou o tribunal pode interpretar a lei contra o que foi assente pelos tribunais superiores e pelo próprio Supremo
Tribunal Federal. Se atendermos a que o Decreto n0 6.142, de 10 de março de 1876, deu ao Supremo Tribunal de
Justiça a competência para tomar assentos e nunca a exerceu, é de concluirmos que a livre interpretação mais
corresponde à convicção do povo brasileiro. O prejulgado, esse, ressurgiu em 1891, não com a Lei de Minas
Gerais n0 17, de 20 de novembro (aliás, não é verdade que somente contivesse simples providência informativa),
e sim com o Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923 (sobre organizaçáo judiciária do Distrito Federal) e o
Código de Processo Civil e Comercial de São Paulo. A Lei de Minas Gerais n0 17, de 20 de novembro de 1891,
art. 22, apenas dizia:
“Quando, ocorrer manifesta contradição entre decisões definitivas, no Tribunal da Relação, sobre questões de
direito, o Presidente, ex officio, ou a requerimento do Procurador-Geral, no interesse da lei e uniformização da
jurisprudência, sujeitará de novo a espécie ao Tribunal e comunicará a decisão aol Governo, em relatório
circunstanciado, para ser presente ao Poder Legislativo”. A interpretação que não viu, aí, recurso estava errada.
Julgamento havia, embora não prejulgamento. Recurso de oficio, ou a requerimento do Procurador-Geral, a
despeito da interpretação que se lhe deu. Lá está escrito: “sujeitará de novo a espécie ao Tribunal”. ~,Que é isso,
senão recurso de oficio, ou interposto pelo Procurador-Geral? O que se passou foi que o Tribunal da Relação de
Minas Gerais hostilizou o pós-julgamento, a medida recursal da revisão, para reduzir o art. 22 da Lei mineira n0
17 a simples regra jurídica de informação tomada em conjunto.
O art. 1.126 do Código de Processo Civil e Comercial de São Paulo foi claro: “Quando ao relator parecer que já
existe divergência entre as câmaras, proporá, depois da revisão do feito, que o julgamento da causa se efetue em
sessão conjunta. Decidida a questão de direito, a câmara, a que pertencer a causa, passará imediatamente a julgá-
la. A parte se dará, então, o recurso do art. 1.119”. O recurso, a que aludia, era o de revista.
No Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, art. 103, lia-se:
“Quando a lei receber interpretação diversa nas câmaras de apelação cível ou criminal, ou quando resultar da
manifestação dos votos de uma câmara, em caso sub iudice, que se terá de declarar uma interpretação diversa,
deverá a câmara divergente representar, por seu presidente, ao presidente da Corte para que este, incontinenti,
faça uma reunião das duas câmaras, conforme a matéria for civil ou criminal”. No § l~: “Reunidas as câmaras, e
submetida a questão à sua deliberação, o vencido, por maioria, constitui decisão obrigatória para o caso em
apreço e norma aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-
se idêntico procedimento de instalação das câmaras reunidas”. No * 2~ estava:
“O acórdão será subscrito por todos os membros das câmaras reunidas e, na sessão que se seguir, a câmara, que
tenha provocado o procedimento uniformizador, aplicando o vencido aos feitos em debate, decidirá a causa,
ressalvada aos membros das câmaras, que se tenham mantido em divergência, a faculdade de fazer referência não
motivada aos seus votos, exarados no referido acórdão.” A câmara deveria representar. O Código de 1939, art.
861, apenas disse: “poderá promover o pronunciamento prévio das câmaras reunidas”.
O prejulgado do art. 861 do Código de 1939 correspondeu ao da Lei de Organização Judiciária da Alemanha, §
137, onde se disse: “A câmara que conhece da causa pode, em questão de importância fundamental, suscitar a
decisão da Grande Câmara, se, segundo se entende, o aperfeiçoamento do direito ou a segurança de
jurisprudência uniforme o exige” (Gerichtsverfassungsgesetz, § 137: “Der erkennende Senat kann in einer Frage
von grundsãtzlicher Bedeutung die Entscheidung des Grossen Senats herbeiftihren, wenn nach seiner Auffassung
die Fortbildung des Rechts oder die Sicherung einer einheitlichen Rechtsprechung es erfordert”). Foi esse texto
que inspirou o Decreto n0 16.273.
Discute-se se o prejulgado é recurso ou se não é. Não se pode pôr em dúvida que seja .julgamento. O prejulgado,
como suscitamento, não é recurso, porque ainda não se decidiu, na câmara ou turma julgadora, a questão: só se
recorre do que ocorreu. Mas é julgamento no recurso, é parte do recurso, e foi isso o que escrevemos na 1a
edição dos Comentários ao Código de 1939: “o prejulgado, apreciação de matéria do recurso, posto que limitada
àquele ponto, recurso é”. Não é outro recurso; é recurso, porque e parte do recurso. Em si, abstraindo-se do
julgamento em que se suscita, não é recurso; é per saltum. Diz-se per saltum o julgamento por tribunal superior,
em que entrem ou não os juizes do tribunal ou corpo julgador a que está entregue a causa, de ordinário sobre
quaestio juris. Os juizes, aí, não recorrem; os juizes devolvem a cognição.
O prejulgado pode ocorrer sem ser em recurso. O processo há de ser em tribunal, mesmo em julgamento da
competência originária da câmara ou turma.
O prejulgado ou é parte do julgamento do recurso, ou parte da decisão de causa da competência originária da
câmara ou turma. Não se pode dizer que o prejulgado seja preliminar. É julgamento de preliminar, se a quaestio
iuris conceme a preliminar; é julgamento de mérito, se a quaestio iuris conceme a mérito. O que importa
precisar-se é que o prejulgado cinde o julgamento: em vez de se aplicar a lei, primeiro se resolve sobre a lei. O
corpo julgador, maior, diz qual a interpretação da lei, como nos julgamentos do per saltum do art. 116 da
Constituição de 1967, com a Emenda n0 4

5.Prejulgado e “per saltum” O prejulgado é facultativo; o per soltum do art. 116 da Constituição de 1967, com a
Emenda n0 1, imperativo:
só o tribunal pleno, por maioria absoluta, pode dizer inválida, por ofensa àConstituição, a lei, ou inválido o ato
do poder público.
Não há a pretensão do prejulgado como há a pretensão ao per saltum, para se julgar se é nula, ou não, por
inconstitucionalidade, a regra jurídica. Isso, porém, não significa que não possa a parte ou outro interessado
suscitar o exame da vantagem de exercerem os juizes a provocação de exame. Para isso, tem a parte ou outro
interessado de mostrar que a divergência pode ocorrer. O prejulgado tem a finalidade de evitar a divergência e,
pois, o recurso posterior.

6.Provocação do exame em prejulgamento O primeiro pressuposto é de ordem subjetiva, aliás, ato subjetivo: o
requerimento (comunicação de vontade) de algum dos juizes da câmara, ou turma, ou grupo de

4 vd.a~~t~2.5Vd.anota2.

câmaras, na qual ou no qual se vai julgar algum feito. Na expressão ‘juiz” está incluido o próprio presidente da
câmara, ou da turma, ou do grupo de câmaras. A lei anuiu em que se permitisse a provocação pelas partes, ou pelo
Ministério Público. Se a parte chamou a atenção para a divergência existente (ou que é de se esperar), ou se o mesmo
procedimento teve o Ministério Público, será de mister que algum dos juizes transforme tal sugestão em requerimento
seu, para que se estabeleça a relação jurídica processual, que obrigue a câmara, ou turma julgadora, ou grupo de
câmaras, a decidir sobre se deve promover, ou não, o pronunciamento prévio, limitado, das câmaras civeis reunidas
(cf. nota 6 ao art. 476). Está claro que só se pode tratar de juiz que faça parte, no momento, da câmara, ou turma
julgadora, ou grupo de câmaras. Se o relatório foi feito, e um juiz requereu, tendo-se, porém, adiado, por qualquer
motivo, o pronunciamento da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, sobre ser suscitado ou não o prejulgado e na
sessão em que se tiver de continuar a discussão, ou só o pronunciamento se tiver de dar, faltar o juiz que requereu,
nada obsta a que os restantes decidam, porque o requerimento é um voto. Juiz que requer é juiz que vota. Se requereu,
votou. O caso complica-se, se o juiz, no dia da apreciação, foi substituído. Ou se há de entender; em tal hipótese, que
só se tomam os votos aos juizes que antes funcionaram, estranho à decisão o novo juiz, ou se há de entender que é
mister novo requerimento. A primeira solução é a única que atende aos princípios gerais de direito processual em
assunto de julgamento. Se faltarem, por substituição, outros juizes, os que ainda não tinham votado saíram do
julgamento e, em vez deles, hão de votar os juizes que se acham em exercício.
A Lei n0 1.661, de 19 de agosto de 1952, art. l~, previu, a mais do que se estabelecera no Código de 1939, o recurso
interposto da decisão do grupo de câmaras: “... nos casos em que divergirem”, disse ela, “em suas decisões finais, duas
ou mais câmaras, turmas ou grupos de câmaras”. Não se fez ao art. 861 do Código de 1939 a mesma alteração, que se
impunha; a sistemática da lei exigia que, sendo o instituto do prejulgado algo de preventivo, entendêssemos que o
podiam suscitar de qualquer câmara, turma, ou grupo de câmaras. As considerações que então fizemos foram
atendidas pelo Código de 1973, art. 476 (verbis “ou grupo de câmaras”).
7. Irrecorribilidade da decisão de cabimento A decisão da câmara, ou turma julgadora, ou grupo de câmaras, quer no
sentido de se promover o pronunciamento prévio das câmaras civeis reunidas (cf. art. 476, nota 6), quer no sentido
negativo, é irrecorrível, de modo que, uma vez tomados os votos, e proclamado o decidido, não mais se pode
modificar a resolução. A observação não é de somenos importância. Já se trouxe à discussão o caso em que, tendo uma
câmara resolvido que se promovesse o prejulgado, se quis, depois, diante do teor do acórdão da outra câmara, do qual
divergiria a sua interpretação e, em verdade, se verificou não divergir, que se não mais retardasse o julgamento com a
espera do prejulgado. Os argumentos afluiram, mas o resultado foi no sentido de não se poder voltar atrás: desde o
momento em que a câmara, ou turma, ou grupo de manifestou, suspenso ficou o conhecimento da matéria por parte
dele e iniciada a competência do tribunal superior, quanto ao ponto de direito, sem cuja decisão nenhum passo mais
caberia aos juizes suscitantes.
O pressuposto do prejulgado, quanto à divergência entre decisões, está na possibilidade de sobrevir a divergência, e
não na ocorrência da divergência.

Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, OU grupo de câmaras ), solicitar o
pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito 2) quando:
1 verificar que, a seu respeito, ocorre divergência 4);
II no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras
ou câmaras cíveis reunidas 5) 6)
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer 3), fundamentadamen te, que
o julgamento 7) obedeça ao disposto neste artigo.

1.Turma, câmara, grupo de câmaras Se qualquer membro da turma, câmara ou grupo de câmaras verificou que, a
respeito do caso, há divergência na interpretação de alguma regra jurídica, ou da sua incidência ou aplicação, ou a
discordância é entre a que algum juízo coletivo e o do juiz singular ou coletivo contra cuja decisão se recorreu, deve
solicitar o pronunciamento prévio sobre a quaestio iuris, ou sobre as quaestiones iuris. Aí, quem julga é o tribunal
pleno.

O limite da regra jurídica pode ser no tempo ou no espaço.

O prejulgamento pode ser relativo a direito material, ou a direito processual, ou concernente a questão de mérito, ou a
questão que não se liga ao mérito. Por exemplo: pode ser referente à cognição ou não-cognição de recurso. Além
disso, não importa se se trata de questão prévia, ou incidental, ou principal. A turma, câmara ou grupo de câmaras
pode estar em julgamento de ação de sua competência originária, ou em julgamento de recurso.
Queiram ou não queiram os que negam a recursalidade do prejulgado ou pronunciamento prévio, há a provocação de
corpo superior e a decisão por ele. Pode até não conhecer do que lhe foi levado para julgamento por faltarem os
pressupostos do art. 476, 1 e II. Mais ainda: no recurso que alguma parte interpõe, pode ela, no arrazoado do recurso
ou “em petição avulsa” (note-se bem: petição avulsa), requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao art.
476.
Se se diz que, na espécie do art. 476 e seu parágrafo único, não se recorre, ~, para onde é que se corre? O recurso
extraordinário, mesmo no caso do art. 119, III, d, da Constituição, é recurso.6 (,Por que então não se há de considerar o
recurso o julgamento prévio conforme o art. 476? i,Se se diz que não é recurso, o que é então? O fato de o Código de
1973, art. 496, ter enumerado as espécies de recurso, sem ter incluído o prejulgado ou pronunciamento prévio, não
basta para a afirmativa categórica de que com ele não se recorre, porque, ao falar-se de competência, se não excluiu da
classe dos recursos os próprios embargos de declaração. Por outro lado, éde ofício a chamada “solicitação” e há a
“petição avulsa” da parte. Se a turma, câmara ou grupo de câmaras deixa de atender à parte, que quis o prejulgamento,
está a ofender a lei e cabe o agravo de instrumento ou o próprio recurso extraordinário.7 O parágrafo único do art. 476
é argumento a mais a favor da classificação que demos ao prejulgado: no Código de 1939, art. 861, não havia.
Para interposição do pronunciamento prévio, é preciso que a questão se ache para julgamento por turma, câmara ou
grupo de câmaras. Outro órgáo não basta; assim, pode ocorrer nos julgamentos pelas câmaras cíveis reunidas, não pelo
Plenário. Não importa se o julgamento é de competência recursal, ou de competência originária da turma, câmara ou
grupo de câmaras. O adjetivo “recorrido” do art. 476, II, foi falha da redação da lei. O julgamento de ação rescisória é
uma das hipóteses.
Se o julgamento é de recurso na turma, câmara ou grupo de câmaras, não há diferença entre tratar-se de divergência a
respeito de quaestio iuris de direito material ou de direito processual, ou de texto constitucional ou de alguma lei
ordinária, ou decreto, ou regulamento, ou regimento, ou simples aviso ou portaria. Entenda-se o mesmo, se o
fundamento do pedido de prévio julgamento se baseia em ter-se interpretação diversa dada por outra turma, câmara, ou
grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas.

Tem-se de afastar que, para a “solicitação” de que se fala no art. 476, 1, seja preciso haver divergência entre todos os
membros da turma, câmara ou grupo de câmaras. Basta que um divirja. O art. 476, 1, diz apenas que cabe quando
qualquer juiz “verificar que, a seu respeito”, isto é, da interpretação do direito, “ocorre divergência”.
Quanto ao art. 476, II, a divergência há de ser entre o julgamento de que se recorreu (ou no julgamento da turma,
câmara ou grupo de câmaras, em competência originária) e algum julgamento por outra turma, câmara ou grupo de
câmaras. Qualquer juiz, mesmo se o julgamento foi unânime, pode suscitar o julgamento prévio.
i,Que acontece, então, se outra turma, câmara ou grupo de câmaras disser b e a turma, câmara, ou grupo de câmaras,
em divergência, chega ao julgamento discrepante? Se todos os votos já haviam sido pronunciados e o último, em
concordância com os outros, ou em discordância, exerce o direito do art. 476 (“qualquer juiz”), não deve ser
considerada julgada a questão; e, a despeito de terem sido dados os votos, sobre o pedido de pronunciamento prévio, o
que pode ter como conseqUência se desfazerem, no todo ou em parte, todos os votos.
Se é certo que o momento adequado para o suscitamento é o do primeiro voto, não se pode negar a legitimação ativa
de qualquer juiz, mesmo que seja o último a votar. Não se exija que só seja legitimado enquanto não vota: é legitimado
“ao dar o voto”; portanto, antes, ou depois de sua manifestação, se ainda não passou a outro o ensejo.
O suscitamento pode ter ocorrido no começo do julgamento, ao dar o voto o primeiro votante, ou um dos primeiros, e
o corpo julgador não ter atendido, e novo votante insista. Nada obsta ao acolhimento da segunda ou posterior
solicitação, na espécie do art. 476, 1. Na espécie do art. 476, II, épossível que a interpretação por Outro corpo tenha
sido após o primeiro indeferimento, mas antes de posterior solicitação.
Pergunta-se: j,é preciso que a decisão da outra turma, câmara ou grupo de câmaras já tenha transitado em julgado? A
resposta tem de ser negativa:
basta a publicação do julgado com interpretação diversa. Não está em causa a coisa julgada material, nem, sequer, a
formal.
2. Pressupostos de ordem objetiva Os pressupostos de ordem objetiva são os seguintes: (a) existência de decisão de
outra câmara, ou turma ou grupo de câmaras; (b) existência de algum feito a ser julgado; (c) existência da matéria que
se ache envolvida na decisão do feito, ou da qual a decisão dele dependa; (d) divergência entre a decisão que foi
tomada, ou que pode ser tomada pela câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, e a decisão
já tomada por outra câmara, ou turma ou grupo de câmaras; (e) ser ponto de direito a divergência. Somente se admite
prejulgado sobre quaestio iuris, isto é, sobre divergência quanto ~ fonte de direito ou interpretação de regra.

(a) Primeiramente, (a) é de tratar-se de decisão anterior, de outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, da qual
diverge ou pode vir a divergir o pensamento de uma câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. A decisão, em se
tratando de prejulgado, pode ser final, ou não. O art. 476 não se referiu a decisões finais. Por outro lado, não é de
mister que tenha passado em julgado: o que é preciso é que se haja proferido a decisão. LQuid iuris, se, decidido o
caso, porém ainda não feito o acórdão, o juiz requer o prejulgado? Antes da publicação, não há a eficácia da decisão,
tanto assim que o relator pode alterar o texto. A resposta teria, portanto, de ser afirmativa. O requerimento não precisa
ser logo instruído com certidão das decisões divergentes, ou com o repertório de que conste a respectiva publicação. O
requerimento do juiz é em sessão e oral. Temos de raciocinar com o prejulgado como algo de postulação de economia
interna, em que o interesse pela uniformidade da interpretação das leis é ainda mais intenso do que no recurso
extraordinário do art. 119,111, d, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1. Tanto assim que se abriu exceção ao
princípio de não se provocarem de ofício os pronunciamentos.
Pode dar-se que o juiz não tenha, em todos os casos, consigo, o teor da decisão, da qual o julgamento discorda, ou
pode discordar. Duas soluções são possíveis, excluída a de se exigir ao juiz requerente a prova imediata da existência
do acórdão com o qual ocorre a divergência, e são: a) presumir-se exata a informação do juiz requerente, e suscita-se o
prejulgado; b) adiar-se o julgamento da causa, a fim de que, na sessão seguinte, traga o juiz requerente do prejulgado a
indicação precisa da decisão anterior, que invocara.

a) A primeira solução tem os seus inconvenientes, posto que não sejam eles suficientes para, em todas as hipóteses, se
ter de adiar o julgamento do feito. Um deles se revelou em certa espécie. O presidente da câmara levantou prejulgado,
invocando acórdão que não existia, ou, se existia, não pôde ser provada a sua existência. Por isso, foram os autos
restituidos àcâmara onde se havia suscitado o prejulgado e onde já se haviam tomado votos, para que se completasse o
julgamento (6~ Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, Carta testemunhável n0 1.553, de 30 de julho
de 1935, despacho oral do presidente; 7 de janeiro de 1936, acórdão). Aconteceu que dois juizes, que haviam votado,
já não faziam parte da câmara. Foi decidido que os votos já proferidos, de acordo com’ a lei, não podiam ser
cancelados, em consequência de simples engano, que constituíra causa da suspensão do julgamento. Tomou-se o voto
restante, que podia ser acorde, ou não. Surgiu, porém, questão, que foi a de se saber como se haveria de proceder se o
juiz restante já não fizesse parte da câmara. Havendo maioria composta pelos votos já proferidos, cabe dar-se por
julgado ocaso e mencionar-se o incidente em ata, ou narrá-lo, no acórdão, o relator. Se os votos proferidos empataram,
ter-se-ia de adotar o critério para desempatar. Se só um voto foi preferido, ou se votos foram proferidos, não sendo em
número suficiente para se constituir maioria, ou quantidade bastante para a intervenção do voto do presidente, o meio
único para se solver a questão não teria sido o de declarar-se nulo o começo do julgamento e julgar-se o feito ex novo.
O que se há de fazer é consultar a regra jurídica do regimento interno sobre mudança de juizes depois de proferidos
votos em sessão anterior. De ordinário, a praxe assenta que voto proferido é começo de julgamento, e não se pode
cancelar, ainda que faleça o juiz, ou deixe de ser membro do tribunal. Era-o quando proferiu o voto. Na sessão em que
se vai prosseguir no julgamento, o que se há de levar a cabo é a tomada do voto restante ou dos votos restantes. Juiz
que não está presente à sessão, ou porque não compareceu, ou porque faleceu, ou não é mais juiz, e ainda não votara, é
juiz que foi substituído. Somente a respeito do juiz que apenas não compareceu é que o regimento interno podé
estabelecer que se aguarde sua comparência.
b) A segunda solução somente tem o inconveniente da protelação, sobre poder constituir dúvida, às vezes
impertinente, quanto à informação do juiz requerente. As circunstâncias é que devem inspirar a câmara, ou turma, ou
grupo de câmaras, quando tiver de se pronunciar sobre o requerimento dos seus juizes. Não há regra de direito escrito,
a que esteja obrigada, e é soberana na apreciação do suscitamento do prejulgado.
c) Enquanto o recurso de embargos infringentes do julgado é recurso que supoe a existência de decisão final proferida,
a promoção do prejulgado só exige que se trata da decisão. Não é preciso que seja final. O acórdão proferido em
confirmação ou em reforma de decisão interlocutória pode constituir a base de pedido de prejulgado. Resta sabermos
se o mesmo acontece, em se tratando de resoluções da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, pela qual o relator do
feito ou a própria câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, ordena alguma providência, que sirva à instrução da causa.
Por
exemplo: se a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, converte ojulgamento em diligência para se proceder à perícia,
ou à audiência de uma parte, ou do Ministério Público. Não há dúvida que alguma coisa se decidiu, e é em tal sentido
que se emprega a palavra “decisão”. Quando se desse a decisão final, ter-se-ia, com recurso, a oportunidade de
examinar. o valor das diligências cumpridas em virtude do acórdão da câmara, ou da turma, ou do grupo de câmaras.
Sempre, porém, que a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, com o acórdão esgote a sua cognição e tenham os
autos de descer, ou ainda possa ser interposto o recurso de embargos infringentes do julgado, o prejulgado é possível.
A finalidade política do prejulgado é a uniformização de quaisquer interpretaçôes: sempre que se trate de fontes ou de
interpretação de direito, ainda que ordinatória a decisão a ser tomada. Essa finalidade há de guiar os juizes.

O que dissemos é quanto à decisão divergente, ou possivelmente divergente, e afirmamos que não é preciso que seja
final. Cumpre, porém, observar-se que também não precisa ser final a decisão de que ora se diverge ou de que
possivelmente se divergiria. Aqui, tudo se passa diferentemente do que ocorre com o recurso de apelação.

As considerações que acima foram feitas tomam claro que não há coextensão entre recurso e prejulgado.
d) É preciso que a matéria não seja estranha ao feito; porém não é estranha ao feito qualquer resolução judicial, ainda
ordinária, concernente a ele.

e) Supõe-se a divergência entre a decisão que foi tomada, ou que pode ser tomada pela câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras, e a decisão já tomada por outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. Não é preciso que a divergência
apanhe toda a decisão basta que algum efeito de uma, inclusive algum efeito anexo, discrepe do efeito, mesmo anexo,
da decisão tomada pela outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. Nada obsta a que o relator do feito, ou algum
juiz, antes de proferido qualquer voto, requeira o prejulgado, porquanto não se exige a divergência efetivada; a lei se
satisfaz com a divergência possível. Desde que a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, defere o requerimento,
implicitamente declarou a possibilidade da divergência. Se ela, no início, ou no meio do julgamento, indefere o
pedido, mas, no correr da decisão, ou ao serem proferidos os votos, a divergência se manifesta, novo requerimento
pode ser feito, e deve fazê-lo, se nenhum outro juiz o faz, o presidente da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, pois
o indeferimento partira de uma suposição que se não verificou.

O art. 476 permite o prejulgado quando haja divergência, ou, digamos, possa ocorrer divergência, entre câmaras, ou
turmas ou grupo de câmaras.
Não se falou da discrepância entre a decisão ou a jurisprudência da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, e a
jurisprudência das câmaras cíveis reunidas. E o juiz ainda está votando.
Discrepância somente há quando se proclamou o resultado da votação. Depois de tomado o último voto e antes de ser
proclamado o resultado, ainda qualquer juiz pode requerer o prejulgado.
Se o prejulgado foi promovido depois de ter ocorrido a votação, ao descerem os autos em que as câmaras cíveis
reunidas não conheceram do prejulgado, por se já ter firmado jurisprudência contrária à decisão de que divergiu a
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, suscitante, nenhum problema surge, pois que a decisão fora no sentido da
nova corrente. Se o prejulgado foi promovido porque se esperava ocorresse a divergência, descendo os autos, é
possível que a decisão proferida divirja da nova corrente. Então não é o caso de se suscitar, ex novo, o prejulgado,
porquanto se compôs pressuposto da discrepância entre a decisão das câmaras, e aí há mais do que discrepância entre a
câmara, a turma, ou grupo de câmaras e as câmaras cíveis reunidas: há desobediência a julgado. O corpo julgador
desatende à decisão no prejulgado.

1)Só há prejulgado de quaestio iuris; nunca de quaestio facti. Aí, o tribunal não julga questão de fato (Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, 10 de maio de 1945, RF, 106, 71).
Na aplicação das regras jurídicas, têm os juizes de interpretá-las para bem apontar-lhes o conteúdo. Por vezes, duas ou
mais interpretações que eles dão, muito diferentes ou parecidas, suscitam dúvidas; outras vezes, o erro de uma logo
ressalta, ou ressaltam os erros de duas ou mais. De qualquer modo, o que importa é que no sistema jurídico somente se
acolha o que melhor se coaduna com ele, o que nem sempre é fácil. Mas a pluralidade de interpretações constitui
inquietude, porque o sistema jurídico há de ser logicamente uno e a nenhuma regra jurídica se poderiam admitir duas
ou mais interpretações. Daí a necessidade de se repelir e não só se evitar divergência entre os julgados, que equivale a
dizer que o objeto é branco e B dizer que o mesmo objeto é preto ou preto e branco. A pluralidade de órgãos
judiciários tem de se considerar como de simples cortes no mesmo órgão. A uniformidade é de deveres, de funçôes e
de pensamento. Dai ter-se de corrigir o que levou à divergência na revelação do sentido das regras jurídicas e ter-se de
evitar, diante da manifestação do corpo coletivo que afastou o empate, que outras discordâncias ocorram. As soluções
de quaestiones iuris têm de ligar-se a um só laço, quer prevenindo-se discrepâncias, quer corrigindo-se o que se
mostrava errado ou sem o suficiente conteúdo.
Teve-se, com o Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, a regulação do prejulgado, como já se tivera o recurso
da revista, hoje extinto, e tem-se o recurso extraordinário (Constituição de 1891, art. 60, ~ l~’, c; Constituição de
1934, art. 76,2), III, d; Constituição de 1937, art. 101,111, d; Constituição de 1946, art. 101,111, d; Constituição de
1967, art. 114,111, d); com a Emenda n01,art. 119, III,d.9
Tem-se lamentado que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar que uma decisão foi acertada e a outra errônea, não
possa corrigir o erro que na outra ocorreu. Atendamos a que se trata de recurso e, se o erro foi no processo de que se
recorreu, há a corrigibilidade; se foi em anterior, há ensejo, se ainda não precluiu o prazo para a propositura, para a
ação rescisória com base no art. 485, V.
A solução do art. 476 do Código de 1973 foi boa, para os julgamentos prévios, como solicitáveis pelo juiz, ao votar na
turma, câmara ou grupo de câmaras. Aliás, é dever dele (“Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou
grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: 1 verificar
que, a seu respeito, ocorre divergência; II no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado
outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas”).
A despeito das diferenças entre o instituto do art. 476 e o prejulgado do Código de 1939, há nele prejulgamento.
Comparem-se os textos. Dizia o Código de 1939, art. 861: “A requerimento de qualquer dos juizes, a câmara ou turma
julgadora poderá promover o pronunciamento prévio das câmaras reunidas sobre a interpretação de qualquer norma
jurídica, se reconhece que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre câmaras ou turmas”.
No Código de 1973, o art. 476 estatui:
“Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara ou grupo de câmaras” portanto, apenas se faz referência no
momento do voto “solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito” portanto, do
tribunal, e não das câmaras reunidas quando; “1 verificar que, a seu respeito, ocorre divergência” aí, divergência
entre os membros da turma, câmara ou grupos de câmaras; “II no julgamento recorrido a interpretação for diversa da
que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de çâmaras ou câmaras cíveis reunidas”.
9Const. 88, au. 105, III, c, onde se deferiu ao Superior Tribunal de Justiça a competência dada aoSupremo Tribunal
Federal pelos dispositivos referidos no texto.

No art. 476, II, fala-se de “julgamento recorrido”, o que levaria a supor-se que somente caberia a invocação do art.
476, para o prejulgamento, se a turma, câmara ou grupo de câmaras, estivesse a julgar recurso. Tal interpretação é de
afastar-se, porque, nas ações de competência originária, pode haver divergência entre os membros da turma, da câmara
ou dos grupos de câmaras. Dá-se o mesmo se o julgamento é de confirmação, como se encontra no art. 475. Seria
absurdo que, ao ter de julgar ação rescisória, não tivesse o juiz o dever de suscitar o pronunciamento prévio do tribunal
acerca de interpretação de alguma regra jurídica, tanto mais quando há ações rescisórias cujo fundamento consiste em
violação de “literal disposição de lei” (art. 485, V). Má interpretação viola a lei.

3. Requerimento da parte Uma das partes, ou algumas, ou todas podem requerer aquele pronunciamento prévio, que
ainda não é um julgamento da causa, mas apenas a enunciação do conteúdo de alguma regra jurídica, ou de algumas
regras jurídicas, ou da sua extensão quanto à incidência ou à aplicação. Requerimento, aí, é provocação.

4.Duas fases no processo do prejulgado (a) O processo do prejulgado tem duas fases: a fase da provocação e a fase do
julgamento do prejulgado. Na primeira, há o requerimento, que, como vimos, não é privativo dos juizes que compõem
a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, com a respectiva fundamentação, na qual se apontam os pressupostos da
provocação e o pronunciamento da câmara, ou turma, ou do grupo de câmaras, sobre a procedência, ou não, do
requerimento. A natureza das coisas basta para mostrar como se há de proceder a respeito. O juiz requer, e o
presidente da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, submete a votos o requerimento. Ao votarem, os juizes podem
mostrar não haver pressupostos suficientes para o suscitamento. De tal decisão dos juizes nenhum recurso cabe.

(Há quem veja três fases no prejulgado: a da provocação ou suscitamento, a da cognição e a do julgamento. Mas essa
divisão transforma em fase o que é subfase: no julgamento do prejulgado, a cognição é uma das preliminares; e
julgamento de preliminar não é fase; se fosse, haveria tantas fases quantas as preliminares.)

No Código de 1973 não se falou de prejulgado; e apenas se aludiu a pronunciamento prévio” (art. 476) e se disse que
o julgamento será para
“a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada”. O voto, que é a
da maioria dos membros do tribunal, leva ao acórdão, de que fala o art. 477, acórdão que tem de ser observado, como
“pronunciamento prévio”, pela turma ou câmara ou grupo de câmaras de onde procedeu a solicitação (verbis “solicitar
o pronunciamento prévio”). O ser objeto de súmula já é eficácia administrativa do acórdão, de modo que houve o
prejulgado e a redação da súmula, que se não exigia no direito anterior, para constituir “precedente na uniformização
da jurisprudência”. Não se diga, portanto, que se eliminou o prejulgado. O art. 476 do Código de 1973 manteve o que
antes se tinha. Tanto no art. 861 do Código de 1939 quanto no art. 476 do Código de 1973 se fala de pronunciamento
prévio”, portanto de prejulgamento ou prejulgado. Não se diga, pois, que se aboliu o prejulgado e que se
restabeleceram os assentos com força de lei. A súmula é apenas fonte de consulta, e não lei.”
Um dos juizes da câmara ou turma suscita a decisão no sentido doper saltum. Se o requerimento é acolhido, enuncia-
se a decisão, sobresta-se o julgamento, lavra-se o acórdão, e o presidente da câmara ou turma, ou grupo de câmaras,
oficia ao presidente com a exposição do ocorrido e as cópias das decisões e do acórdão.
A segunda fase é a do julgamento do prejulgado, onde o tribunal pode acolher preliminares, inclusive a da sua
incompetência (e.g., a questão é facti e não iuris), ou, se não acolhe alguma, entra no mérito quaestio iuris).
O prejulgado não prejulga a causa; julga, antes, qual a interpretação que se há de dar à lei que se quer aplicar.
Tanto na primeira fase quanto na segunda podem usar a palavra os advogados, se no julgamento na câmara ou turma
poderiam (cf. Hamilton de Morais e Barros, O Prejulgado, 46).Trata-se de parte do julgamento que se atribuira à
câmara ou turma, parte que se entregou, por decisão daquela ou dessa, ao tribunal.
(b) No Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, art. 103, fora dito que a câmara divergente, no caso de
prejulgado, por seu presidente, teria de representar ao presidente das câmaras reunidas para que esse fizesse a
convocação. Tal regra continuou, enquanto não revogada, como parte do direito processual do Distrito Federal; porém
não pôde ela ser estendida aos Estados-membros, a despeito da procedência federal (local) do Decreto n0 16.273.
Ainda depois da vigência da Constituição de 1934, que unificou a II~ assim será enquanto não se adotar a súmula
vinculante como exige a realidade da administração dfr justiça no Brasil.
competência para a edicção de regra de direito processual, não foi fonte imediata do direito processual dos Estados-
membros a regra do Distrito Federal. O seu valor, como elemento de interpretação, foi o mesmo que teria, para a
interpretação do direito processual do Distrito Federal, a regra da legislação processual de algum Estado-membro.
Onde existia o prejulgado, o processo, adaptado, continuou a ser o mesmo, até que o legislador central providenciasse,
em lei una, para todo o Brasil. Mas erade intuição que acâmara, ou turma, ou grupo de câmaras, que divergia,
representasse, por seu presidente, ao presidente das câmaras cíveis reunidas, porque era ele a única pessoa competente
para a convocação das câmaras cíveis reunidas. No mais, pertencia isso à lei de organização judiciária, que é local.
O presidente do tribunal, ou outro corpo julgador, como o presidente da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras,
nenhuma competência tem quanto ao cabimento, ou não, do prejulgado. A câmara, ou turma, ou grupo de câmaras,
suscitante procedeu como entendia, e somente o tribunal revisional, preliminarmente, pode decidir sobre o
conhecimento da questão. Na relação jurídica processual do prejulgado, a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, é
sujeito ativo em relação jurídica processual: “câmara, ou turma, ou grupo de câmaras A, Estado; Estado, câmara, ou
turma, ou grupo de câmaras B”. Mesmo se o requerimento foi de parte.
Indagando das causas de não ter tido eficácia, segundo pensava, o prejulgado, Filadelfo Azevedo escreveu que, “sendo
privativa do presidente da câmara a iniciativa da suspensão do julgamento, pode acontecer que, no momento, não se
recorde de decisões anteriores que possam entrar em conflito, sendo, mesmo, necessárias argúcia e atenção
extraordinárias para isolar, de plano, o ponto jurídico no emaranhado dos fatos, não podendo, tampouco, os advogados
interromper a votação”. Daí o passo além, que se deu, na técnica da provocação do prejulgado. Qualquer dos juizes da
câmara ou turma, diz o art. 476. Do grupo de câmaras também pode partir requerimento de prejulgado, uma vez que
esse grupo de câmaras não seja aquele que é o único competente para conhecer e julgar dos prejulgados.
(O prejulgado só é recurso se está dentro de recurso. A rigor, é ação de direito público, exercida por juizes, em
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, contra outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, com a particularidade de
ser puramente de realização uniforme do direito objetivo o interesse que está à base da pretensão ao prejulgamento. E
aí, de direito público, a despeito de poder estar em causa direito privado, a matéria recursal, a res deducta no
prejulgado. As partes recebem prestação jurisdicional que pode ter natureza privatística; a câmara, ou turma, ou grupo
de câmaras, sempre a recebe de natureza publicística).
(c)O prejulgado é essencialmente suspensivo; mas suspensivo da decisão da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, e
não suspensivo dos efeitos da decisão, se houve (e é a hipótese mais geral), de primeira instância. O recurso para a
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, é que pode ter sido suspensivo dos efeitos da decisão recorrida. O prejulgado
só se refere ao julgamento pela câmara, ou turma, ou grupo de câmaras.
Posto que a política jurídica, que instituiu os prejulgados, tenha o fito de uniformizar decisões e jurisprudência, o que
ressaltava dos dizeres do Decreto n0 16.273, verbis, “o vencido por maioria constitui decisão obrigatória para o caso
em apreço e norma aconselhável para os casos futuros”, e do Decreto n0 19.408, de 18 de novembro de 1930, art. 70
verbis, “destinado a uniformizar ajurisprudência das câmaras”, a mesma matéria objeto de um prejulgado pode volver
à cognição das câmaras reunidas noutro prejulgado, entre outras câmaras, ou turmas, ou entre as mesmas câmaras, ou
turmas, que anteriormente divergiram. O prestígio da resolução uniformizadora éde ordem ética. É prestígio intercalar
entre a decisão de uma câmara, ou turma, ou grupo de câmaras e o prestígio da lei. Verdade é, porém, que, mesmo
quando o prejulgado contenha a edicção de regra de direito, ou de lógica jurídica e não simples interpretação de lei, se
lhe atribui certa consistência, que o próprio Decreto n0 16.273 e o Código de Processo Civil e Comercial do Estado de
São Paulo, art. 1.126, lhe não explicitavam. As normas reveladas pelas câmaras civeis reunidas permitiam o recurso
extraordinário, em que as partes eram os suscitantes, e não mais os juizes.
No Decreto n0 16.273, art. 103, § 10, dizia-se que “o vencido por maioria constitui decisão obrigatória para o caso em
apreço e norma aconselhável para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se
idêntico procedimento de instalação das câmaras reunidas”. j,Teria o legislador pretendido dificultar o suscitamento de
novo prejulgado sobre a mesma matéria em feito diferente? Parece que o seu intuito era apenas o de acentuar a
desnecessidade de se estar a chamar a atenção dos juizes para a interpretação fixada pela instância superior.
Hoje, o texto de 1923 é inoperante, pois que não reapareceu, e o art. 476 do Código de 1973, como os arts. 477-479, é
exaustivo do assunto.
Quanto à eficácia, o prejulgado, com a promoção, é suspensivo de toda a decisão do feito, e não somente do ponto
sobre que se tem de manifestar, pela razão simples de se tratar de pronunciamento prévio. Certo, é possível pensar-se
em prejulgado que não tenha sido suscitado antes de qualquer manifestação da câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras. O que antes do suscitamento se julgou, julgado fica; porquanto sobre esse ponto não se
devolve ao tribunal o conhecimento da matéria. Suspenso fica o que conceme a essa parte e tudo mais sobre que não
se pronunciou, antes da promoção, a câmara, ou turma, divergente. Se já houve votação, o prejulgado contrário
cancela-se e entra em seu lugar, quanto à quaestio turis.
Contudo, é possível que se trate de recurso em que se tenha de decidir sobre diferentes pedidos, a respeito de algum ou
de alguns dos quais não possa ter qualquer influência a decisão do prejulgado; então, não se justifica que se
suspendam todos os julgamentos aglomerados no recurso. E o caso, por exemplo, do pedido de medida liminar, ou
cautelar, em relação ao pedido ou aos pedidos da ação.

5. Decisão no prejulgado Julgado pelo tribunal revisional o prejulgado, a câmara, ou a turma, ou grupo de câmaras,
nenhuma competência tem para apreciar se o Tribunal excedeu a sua competência. Se, porventura, no julgar o feito, a
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, se afasta do prejulgado, surge a questão de se saber se pode ser interposto
algum recurso, sendo final a decisão. No Código de Processo Civil de São Paulo, art. 1.126, parágrafo único, 2~ parte,
havia proposição explícita: as partes não se dar á então o recurso de revista”. Na Lei n0 319, de 1936, posto que se
tenha dito ter sido inspirada naquela regra, não se reproduziu a parte final do parágrafo único do art. 1.126.
Igualmente, no Código de 1939, art. 861. Cumpre-nos, desde logo, dizer que o texto do Código de Processo Civil de
São Paulo somente poderia ser entendido no sentido de ser irrenovável o julgamento, em grau de revista, da mesma
matéria, que fora objeto do prejulgado, e não no sentido de ser excluído o recurso por já se ter usado do prejulgado. De
modo que a questão se limita a saber-se se, havendo infração do prejulgado, cabe algum recurso.
Se a decisão, que dependia de prejulgado, não é final, não há pensar-se em recurso de apelação, pois só existe recurso
de apelação das decisões finais. Se a decisão é final e, ainda que na parte de aplicação do que resolvera o tribunal
competente no prejulgado, a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, contraria ou diverge de outra decisão, também
final, de outra câmara, ou turma ou grupo de câmaras, pode caber algum recurso do tribunal.’2

12 Não se admite nem recurso extraordinário nem especial do acórdão dado na uniformização de
jurisprudencia, que ê incidente do recurso ou do processo originário onde suscitado. Nesse sentido,
embora tratando do incidente de inconstitucionalidade, a Súmula n0 513 do STF. O recurso se
interporá do acórdão do órgão suscitante da uniformização, ainda que para questionar qualquer vicio
do julgamento do incidente. Se o órgão competente para uniformizar não profei~ o acórdão previsto
no art. 478, por outro, terminativo, o órgão suscitante decidirá a causa como entender adequado e do
seu pronunciamento se admitirão os recursos cabíveis.

O que se não permite é o bis in idetn. A decisão do tribunal no tocante à quaestio iuris, ou às quaestiones iuris que
foram decididas no prejulgado, não mais pode ser reexaminada por divergência.
É possível que, da decisão da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, em que se suscitou o prejulgado, caiba recurso
de embargos infringentes do julgado, ou recurso extraordinário,’3 devolvendo-se o conhecimento a tribunal de grau
superior, que, para os embargos, será o indicado pela lei de organização judiciária. Não é possível, em nova cognição,
alterar-se o que foi decidido por ocasião do prejulgado. Mas do acórdão proferido no prejulgado pode ter sido
interposto recurso extraordinário.
Deslocando para o grau superior o julgamento, à semelhança do que ocorre com o per saltum de inconstitucionalidade
(cf. Embargos, Prejulgado e Revista, 163), o prejulgado tem a mesma finalidade que algum recurso pode ter, e lhe
fira, previamente, a oportunidade quanto à matéria interpretativa prejulgada. A decisão, nele, não transita,
materialmente, em julgado; porque, se, quanto à interpretação da regra jurídica, o tribunal prejugador a fixa, não teve
ele cognição para a aplicação da regra. Apenas disse que, a respeito da regra jurídica a, o sentido é a’, e não a”, sem
ter aplicado a regra a’ ao caso. Não há res iudicata, porque não subiu ao tribunal prejulgador a res in iudicium
deducta: a sua atividade jurisdicional circunscreveu-se a fixação da interpretação do direito, a uma das premissas do
julgamento. Enquanto, em recurso, pode o tribunal decidir definitivamente, isto é, fixar a interpretação e aplicar, o
tribunal prejulgador apenas interpreta sem aplicar. A aplicação não lhe é concedida.
Se no corpo julgador suscitante outras questões são examinadas, é suscetível de prejulgado e recurso cada nova
decisão, porque já se trata de divergência das interpretações de outra regra jurídica. No prejulgado pode haver como
pressuposto a divergência eventual; donde não se pode equiparar o prejulgado a recurso; no recurso há decisão, cuja
solução depende da fixação da regra jurídica, sobre cuja interpretação, ao aplicar-se, há divergência; no prejulgado
pode haver apenas possibilidade de divergência e não se há de suprimir ajurisdição do órgão suscitante (Câmaras
Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 15 de dezembro de 1941, relator desembargador Cunha
Barreto, A. J., 62, 157).
As questões de interpretação, no mesmo feito, podem ser muitas. A cada uma pode corresponder requerimento de
prejulgado, no mesmo ensejo,

13Ou recurso especial, escreveria o comentarista depois do advento da Const. 88.14Vd.anota 12.
ou sucessivamente. Tem de ser julgada, separadamente, cada questão. No mesmo processo, pode ocorrer que se suscite
prejulgado em diferentes julgamentos de recursos, ou em causas de competência originária de corpo julgador. Se o
pressuposto para o prejulgado se compõe, ao se ter de decidir sobre agravo retido nos autos, primeiro se suscita sobre
esse, uma vez que a falta de decisão a respeito suspende a decisão, no recurso com que sobe, sobre o restante.

6. Competência para o julgamento do prejulgado A Lei n0 1.661, de 19 de agosto de 1952, art. l~, § 20, permitiu que a
legislação posterior determinasse qual o corpo que há de julgar, atendendo, com isso, às diferenças entre os tribunais,
oriundas, na maior parte, do número de juizes. A divisão do trabalho tinha de ser diferenciadora dos tribunais. No art.
1~, aludiu-se a “camaras cíveis reunidas”, e não mais a “câmaras reunidas~~. Quanto ao prejulgado, que o Código de
1939 concebera como simétrico ao recurso de revista, hoje extinto, a Lei n0 1.661 não adaptou o texto à regra jurídica
do novo § 20. Tínhamos, porém, de interpretar o art. 861 do Código de 1939 como se lá estivesse escrito: “A
requerimento de qualquer de seus juizes, a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, poderá promover o
pronunciamento prévio das câmaras cíveis reunidas, que teriam de julgar o recurso, sobre a interpretação de qualquer
norma jurídica, se reconheceu que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de interpretação entre câmara, ou
turma, ou grupo de câmaras”.
O Código de 1973, arts. 476, 477, 478 e 479, somente fala de “tribunal”.

7. Provocação pela parte Se há divergência na interpretação de alguma rega jurídica, qualquer que seja a sua classe ou
natureza, entre a decisão de que a parte está a recorrer, ou a decisão que se vai proferir na turma, câmara ou grupo de
câmaras, pode a parte “requerer” o prejulgame~to pelo tribunal. Regra jurídica nova.
Se se está em grau de recurso, aparte, ao arrazoá-lo, pode, desde logo, requerer que se observe o art. 476, porque já
conhece discordância entre a turma, câmara ou grupo de câmaras, para o qual recorre, e outra turma, câmara ou grupo
de câmaras, ou, a fortiori, câmaras cíveis reunidas, ou mesmo se tem provas de discrepância entre membros da turma,
câmara, ou grupo de câmaras para o qual recorre. É errada qualquer interpretação do art. 476, parágrafo único, que
limite a legitimação ativa da parte à suscitação com fundamento no art. 476, II. Pode ter sido conhecida, conforme as
publicações, as disparidades de interpretação por parte de membros da turma, câmara, ou grupo de câmaras, para o
qual recorre. Se os votos que
estão sendo proferidos discrepam, e a parte não presencia a solicitação, por algum juiz, do prévio pronunciamento, está
ela legitimada a invocar o art. 476, 1; outrossim, se, durante o julgamento nenhum juiz atende o art. 476, pr., e há
fundamento para se invocar o art. 476, II. Dá-se o mesmo nas espécies em que ojulgamento é de competência
originária da turma, câmara ou grupo de câmaras.
O art. 476, parágrafo único, prevê a provocação, em quaisquer casos em petição avulsa.
“Parte”, no art. 476, parágrafo único, é qualquer dos recorrentes, ou o recorrente, se só há um, ou qualquer figurante da
ação de competência originária da turma, câmara ou grupo de câmaras; ou qualquer parte ou pessoa interessada que
recorreu ou contra a qual se recorreu, ou é juridicamente interessada, na ação de competência originária.
Não se pense que só é legitimada a parte vencida, ou terceiro prejudicado (art. 499), mesmo quem apenas exerceu a
pretensão recursal. O vencedor também o é, como o terceiro juridicamente interessado. Mais ainda: o Ministério
Público, mesmo se recorre ou poderia recorrer como fiscal (art. 499, § 20). O recorrente pode ser recorrente adesivo
(art. 500), embora exposto às consequências do art. 500, III.
O recorrente pode inserir o pedido de prejulgamento nas razões do seu recurso. O recorrido, nas razões da sua
resposta. Enquanto pende recurso interposto, ou a ação de competência originária, pode ser feita a “petição avulsa”.
Não importa se, ao arrazoar, ou ao propor a ação, ou ao contestar, a parte já conhecia o que se passava a respeito das
divergências entre membros da turma, câmara ou grupo de câmaras e qualquer outra turma, câmara ou grupo de
câmaras ou câmaras civeis reunidas. Nada obsta a que, na sustentação oral de suas razões, em sessão de julgamento, a
parte, ou seu advogado, peça que suba a questão ao exame do tribunal.
Se o requerimento foi feito nas razões do recurso, ou em “petição avulsa”, ou nas sustentações em audiência (art. 554),
ou se partiu de membro da turma, câmara ou grupo de câmaras, conforme as regras legais e regimentais, tem de haver
apreciação da espécie pelo relator, mas é o corpo judicial, de que faz parte, que há de decidir.
Quanto às provas, cumpre atender-se a que, na espécie do àrt. 476, 1, se um dos juizes solicita, a discordância consta
dos votos proferidos, ou de documentos quanto a votos anteriores, ou a algum deles. Se foi parte que requereu, ou unta
petição para se incluir no processo, dá-se o mesmo, porque não houve distinção entre a legitimação ativa do art. 476 e
a do parágrafo único. Pode ter a parte certidão de julgado ou de julgados, ou pela informação quanto a número e
página de algum repertório ou revista de jurisprudência, ou de jornal.

A finalidade dos arts. 476-479 é a uniformização da jurisprudência, a que serve a súmula a que se refere o art. 479.

Art. 477. Reconhecida a divergência ‘), será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidente do tribunal para designar
a sessão de julgamento 2) A secretaria distribuirá a todos os juizes cópia do acórdão.

1.Pronunciamento quanto à divergência Pode ocorrer que o membro do juízo coletivo ou a parte ou as partes apontem
divergência sobre a qual alguns membros do juízo coletivo divirjam (um, por exemplo, acha que as sentenças ou
acórdãos colidiram, e outros, não). Por isso, antes de levar ao plenário o assunto, se tem de tomar o voto de cada
membro da turma, câmara ou grupo de câmaras. Se há maioria que afirma divergência, sobem os autos para que se
decida. Se não há maioria, procede-se ao julgamento.
Com a solicitação por algum dos juizes votantes, solicitação que, uma vez feita, nao obsta a reiteração por outros, ou
mesmo nova solicitação, após algum ou alguns indeferimentos, ou com o requerimento de alguma das partes, ou de
todas, tem a turma, câmara ou grupo de câmaras de declarar se há ou se não há divergência. Com a declaração
positiva, está reconhecida a necessidade de se manifestar o tribunal. De tal decisão de turma, câmara ou grupo de
câmaras, tem de ser lavrado o acórdão. Vão ao presidente do tribunal os autos, a despeito da questão ser apenas
quaestio iuris. O presidente é que tem de designar a sessão de julgamento e a secretaria distribui a todos os membros
do tribunal cópia do acórdão. Com a remessa dos autos e, antes mesmo, com a lavratura do acórdão, está suspenso o
processo, mas, se atos judiciais tiveram de ser praticados, como acontece nas ações executivas, o que foi feito fica
incólume, até que haja o julgamento pelo tribunal.
Advirta-se que, se algum juiz, ou parte suscitou a prévia apreciação, nenhum ato da turma, câmara ou grupo de
câmaras pode ser praticado, sem que se julgue a solicitação do requerimento. As discussões têm de cingir-se ao que
quer que seja objeto de prejulgamento pelo tribunal, salvo se o elemento de dados fácticos constitui fundamento para
que não se possa pensar em divergência jurisprudencial. Daí poder ser adiada a decisão se necessário, por exemplo,
verificar-se a exatidão dos textos marcados ou a precisão dos votos. O que não se pode fazer é qualquer operação para
as matérias da causa estranhas à quaestio iuris.
Se a turma, câmara ou grupo de câmaras reconhece a discrepância entre votos ou entre julgados, de modo nenhum
pode deixar de remeter os autos ao presidente do tribunal; nem pode remetê-los sem o acórdão em que
se apontou a divergência. Parece-nos que foi acertada a exigência do acórdão, porque, com ele, são mencionados os
pontos da divergência, e não bastaria a decisão por simples votação, com a remessa dos autos. Outra exigência
acertada foi a distribuição das cópias do acórdão. Deliberado pela turma, câmara ou grupo de câmaras, o deferimento
da solicitação ou do requerimento, cessa qualquer função decisória do corpo coletivo, a respeito do assunto. Daí a
irrevogabilidade e a irrecorribilidade. Trata-se de solução interna à turma, câmara ou grupo de câmaras.
2.Sessão de julgamento Votada a declaração de divergência, os autos vão ao presidente do tribunal, que designa a data
da sessão do plenário. Antes e sem demora, a secretaria do tribunal tem de ordenar a extração de cópias, que podem
ser datilografadas, com a rubrica do secretário ou pessoa que o substitua, ou copiadas por outro meio. Cada membro
do tribunal tem de receber, a tempo do exame, o exemplar reprodutivo.
Designado o dia para julgamento, tem-se de publicar a pauta no órgáo oficial (art. 552). Entre a data da publicação da
pauta e a sessão de julgamento hão de mediar, pelo menos, quarenta e oito horas (art. 552, §10). A pauta é afixada na
entrada da sala em que se vai realizar a sessão de julgamento (§ 20).

Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência ‘), dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz 4)
emitir o seu voto em exposição fundamentada 2)
Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público 3) que funciona perante o tribunal.

1. Pronunciamento pelo tribunal O art. 476 chamou o julgamento da quaestio juris “pronunciamento prévio”, porque,
no caso em litígio, ao descerem os autos, com o acórdão, já está assente a regra jurídica, com a sua incidência e
aplicação. Quanto a esse ponto, a sentença não mais pode discrepar na causa de que se trata. Só se pode divergir, daí
em diante, quanto à incidência ou aplicação, no caso, de outra regra jurídica, ao lado daquele, sobre o qual ocorreu a
previedade, ou quanto a quaestiofacti, ou quaestionesfacti.

O tribunal reconhecendo a divergência (o que é preliminar, para admitir ou não a atitude da turma, câmara ou grupo de
câmaras de que proveio o acórdão), passa a decidir quanto às interpretações, apontando a certa e repelindo a
desacertada ou as desacertadas. Às vezes ocorre que há três ou mais interpretações. Os votos são sobre acerta, mas a
fundamentação de cada um deles necessariamente contém a repulsa à outra ou às outras interpretações divergentes.
Nenhum juiz pode votar sem mostrar em que se baseia a sua opinião (“cabendo a cada juiz emitir o seu voto em
exposição fundamentada”). O primeiro voto é o do relator. Depois de proferidos todos os votos, o presidente enuncia o
resultado, sendo designado para redigir o acórdão o relator, se vencedor, ou, se foi vencido, o primeiro autor do voto
vencedor. Na primeira sessão seguinte, há a conferência do acórdão apresentado pelo autor.’5 Lavrado o acórdão,
dentro de dez dias são publicadas as conclusões. Cf. arts. 563 e 564.
Não pode ir o acórdão além da quaestio iuris, ou das quaestiones iuris, concementes à interpretação. Nada se há de
dizer quanto a quaestionesfacti. Tampouco, pode o tribunal impor ou dizer que se há de observar, no julgamento da
matéria, a interpretação da regra jurídica, ou das regras jurídicas, a respeito das quais havia divergências em
interpretar. Não se deu ao tribunal qualquer decisão da causa, posto que a solução que haja possa influir no julgamento
do recurso ou da causa.
Não se diga que da decisão do tribunal não caiba recurso. ‘~ Pode haver embargos de declaração.’7 Pode haver recurso
extraordinário; por exemplo:
pode a interpretação que o tribunal deu a lei federal divergir da que lhe haja dado Outro tribunal, ou o próprio
Supremo Tribunal Federal (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, III, d); ou, com a interpretação
acolhida, contraria-se regra jurídica constitucional, ou de lei ou tratado (art. 119, III, a); ou a interpretação que se
acolheu supóe ser inconstitucional outra interpretação (art. 119, III, b).’5
Houve a decisão quanto à existência da divergência, na primeira fase do remédio jurídico processual do
prejulgamento. Depois, no tribunal, é que se vai dizer qual a interpretação certa. Nessa segunda fase é que se vai além
da afirmativa de existir a discordância, porque se afasta a dúvida quanto à interpretação. Isso não quer dizer que não
possa o tribunal negar que exista divergência, o que aliás será raro que aconteça (e.g., não é verdade que outra turma,
ou câmara, ou grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas, houvesse dito b, ao contrário da turma, câmara ou grupo
de câmaras, que disse a). No processo em tribunal, há o registro, a entrega ao presidente do

15 O art. 10 da Lei tiO 8.950, de 13.12.94, ab-rogou a norma, jamais cumprida, do art. 563, conforme
a qual o acórdão deveria ser apresentado para conferência, na primeira sessão seguinte ao
julgamento.
16 vd.anotaí2.
17 Admitem-se os embargos de declaração que, contudo, não constituem, propriamente, um recurso,
porém um incidente de aperfeiçoamento da fórmula pela qual se manifestou a decisão judicial.
18 Interpóem-se o recurso extraordinário e o recurso especial (Const. 88, aos. 102. III, e 105, III) do
acórdão que aplica a interpretação resultante da uniformização e não do que julga o incidente. vd. a
nota 12.
tribunal, a determinação da data da sessão de julgamento, a entrega de cópia do acórdão a todos os
membros do tribunal. A distribuição para o julgamento há de ser de acordo com o regimento interno
do tribunal, a que, aliás, cabe adaptar à espécie dos arts. 477-479 as regras jurídicas dos arts. 547-
549, bem como assentar se é de atender-se o art. 554. Não se deixe de observar o art. 477, que fez
direta (após o registro, entenda-se) a remessa dos autos do presidente do tribunal. O regimento interno
é que há de resolver o problema normativo da escolha do relator, que pode ser o do acórdão do órgáo
de que proveio o remédio jurídico processual do prejulgamento.

2.Votação e fundamentação dos votos A lei não admitiu o voto pelo simples a ou b ou c. O membro do tribunal tem
de fundamentar, por escrito ou oral, o seu voto.

3. Ministério Público Tem de ser ouvido o órgão do Ministério Público, que funciona junto ao tribunal.20 Não se
aludiu à fundamentação do parecer do órgáo do Ministério Público, mas havemos de entender que o seu parecer há de
ser escrito e fundamentado.
4.Membro do tribunal e impedimento ou suspeição Surge o problema de se saber se membro do tribunal (ou o órgão
do Ministério Público), que, no caso do litígio, seria suspeito ou impedido, pode atuar. A resposta é afirmativa, porque
só se trata de quaestio iuris e a lei exige a maioria absoluta.
A função do Ministério Público, nos casos dos artigos 476-47 9, é o de defensor da lei, da uniformidade das
interpretações e guarda do sistema jurídico, para que se evitem contradições. O órgão do Ministério Público que
funciona perante o tribunal tem de ser ouvido, e tanto pode expor, em escrito, o que pensa quanto ao acórdão e os seus
fundamentos, quanto falar na sessão. Cabe-lhe o dever de manifestar a sua opinião sobre qual a interpretação certa.

Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta ‘)dos membros que integram o tribunal, será objeto de
súmula2) e constituirá precedente na uniformização da jurispradência.
19Const. 88, art. 93, IX; CPC, art. 165.20O parágrafo úinico do ao. 478 fala em ‘chefe do Ministério Público que
funciona perante o tribunal”. Dotado de autonomia funcional (Const. 88, ao. 127, § 2~ Lei n’ 8.625, de 12.2.93,
queinstituiu a Lei Orgânica do Ministério Público, ao. 30) são as normas regentes das funçóes doMinistério Público
que determinarão qual dos seus órgãos deverá pronunciar-se no incidente.

Parágrafo único. Os regimentos internos 3) disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de
jurisprudência predominante.

1. Maioria absoluta e súmula Se estão presentes todos os membros do tribunal, ou se não estão todos, posto que a
maioria esteja presente, a sessão foi suficientemente aberta, e o que se exige é que, para o pronunciamento, haja
maioria absoluta. Se não há maioria de votos no sentido a, nem no sentido b, ou c, tem de ser designada outra sessão.
O art. 479 concerne à eficácia do acórdão para a inserção em súmula. E de perguntar-se se, não tendo havido maioria
absoluta (= metade dos membros do tribunal mais um), há prejulgamento para ser obedecido pela turma, câmara ou
grupo de câmaras, de que proveio o remédio jurídico processual. A despeito da alusão à súmula, que há no art. 479,
havemos de entender que só a maioria absoluta de votos num sentido pode ter eficácia para o prejulgado. Se não houve
a maioria absoluta de votos, nada feito. Não se uniformiza sem se ter amparo em número de votos que correspondem,
pelo menos, à metade mais um dos membros do tribunal. Se a solução vitoriosa não conseguiu a maioria absoluta de
votos, não houve, rigorosa-mente, vitória. Não se há de entender que os juizes da turma, câmara ou grupo de câmaras,
que suscitaram o pronunciamento prévio e, no tribunal, compuseram a minoria discordante, estejam com o dever de
julgar no seu órgão contra o que votaram no tribunal. Tal dever somente surge se houve a maioria absoluta, pois, aí,
com a súmula, têm de debruçar-se diante da maioria absoluta, a que a lei atribuiu a missão de uniformizar a
sjuriprudência. O juiz pode dizer: continuo com a opinião que fundamentei no tribunal e fui vencido, e aplica no caso
a interpretação vencedora, porque o art. 479 o obriga a isso.
A súmula é precedente (= elemento iniciante, posto que possa advir outra súmula, divergente, do Supremo Tribunal
Federal) para a uniformização da jurisprudência. A eficácia da súmula é a criação do dever de observância. Trata-se de
“jurisprudência predominante” (cf. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal de 1970, art. 98 e parágrafo
único; art. 22, § 10, segundo o qual o ministro relator pode mandar “arquivar ou negar seguimento a pedido do
recurso,~, “quando contrariar a jurisprudência predominante no Tribunal”).2’ A despeito disso, qualquer ministro do

21 O atual regimento intemo do STF, em vigor desde 01.12.80, trata da súmula nos aos. 102 e 103;
o do STJ, nos arts. 122 a 125.0 au. 38 da Lei ti0 8.038, de 28.05.90, permite ao relator, no STF
e no STJ, negar seguimento a recurso que contrariar, nas questóes predominantemente de direito,
súmula do respectivo tribunal. Também assim dispõe o au. 557 do CPC, com a redação do art.
20daLei n0 9.139, de 30.11.95.

Supremo Tribunal Federal pode suscitar a revisão dos enunciados postos em súmula (art. 99)
Não se trata de assentos com “força de lei”, que o Anteprojeto inserira no seu texto; porém não retiremos aos textos de
1973 a criação de dever dos juizes das turmas, das câmaras ou dos grupos de câmaras, de respeitar as decisões das
maiorias absolutas, postas em súmula. A expressão “precedente” na uniformização da jurisprudência de modo nenhum
pode ser entendida como simples ocorrência sem eficácia. Outra expressão, “predominante”, que adjetiva a
jurisprudência inserta em súmula, conforme o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, revela que há eficácia,
contra a qual só se há de advertir fundamentação tal que leve a mudança de atitude poi parte de nova maioria absoluta.
O Código de 1973 tenta, com acerto, começar já de baixo a uniformização da jurisprudência, que irá até a função
magna do Supremo Tribunal Federal.

2. Acórdão e súmula Há o acórdão, que se lança nos autos que tinham subido, e a súmula. A súmula concorre, como
sempre, para a uniformização da jurisprudência. Mas não há imposição, exceto para o julgamento da causa em cujos
autos se levantou a questão da divergência, após cujo acórdão os autos subiram.
O art. 479 de modo nenhum pode ser interpretado como se fizesse “lei” a súmula. Não se poderia fingir delegação de
função legislativa. A Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 52, estatui que as leis delegadas têm de ser
elaboradas pelo Presidente da República, comissão do Congresso Nacional ou de qualquer das suas Casas. Há
exigências de procedimento (arts. 53 e 54)33 Não se pode atribuir a qualquer órgão fazer leis, como seria o caso da
súmula-lei. A súmula apenas é “precedente” na uniformização da jurisprudência. Uma das causas para isso, e a única;
concorre para o futuro, sem criá-lo. Daí ter sido retirado o adjetivo “obrigatória”, que se achava no Projeto.
Aos autos do feito, no qual se suscitou o prejulgado, tem de ser lançado acórdão proferido no prejulgado, para que o
julgamento por parte da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, se atenha a tal pronunciamento prévio do tribunal.
Seja dito, de passagem, que a infração por parte da câmara, ou turma ou grupo de câmaras, na observância da regra de
direito adotada pelo tribunal, constitui violação de direito e, em consequência, pressuposto suficiente, no estado atual
do nosso direito, para ulterior ação rescisória de sentença.

22 Atual regimento do STF, ao. 103; do STJ, au. 125, ~ 1~.


23 Sobre íeis delegadas, o ari. 68 da Const. 88.

O tribunal revela interpretação, que a câmara ou turma, ou grupo de câmaras, infringiu no mérito. Não está, todavia,
adstrito a manter a interpretação dada.
3.Regimento internos O Código, no art. 479, parágrafo único, refere-se aos Regimentos Internos dos Tribunais, para
que neles se prevejam as publicações das súmulas a respeito dos pronunciamentos, a fim de que
possam os juizes em geral e os membros de tribunais estar a par do que se

1. Inconstitucionalidade A infração, por lei ou outra regra jurídica, de texto constitucional, ou mesmo de regra jurídica
que se haja considerado
implícita na Constituição, diz-se inconstitucionalidade.
No sistema jurídico brasileiro, a técnica da decretação de nulidade da lei, ou de outra regra jurídica, por infração da
Constituição, é de origem norte-americana. A técnica que serve ao princípio da legalidade é de origem mais remota e
ligada, essencialmente, ao velho direito luso-brasileiro. Os atos públicos, ainda concebidos como enunciados de regras
jurídicas, se ofendem a lei, são ilegais, e, pois, nulos. Nulo é o regulamento que, em algum ponto, se afasta da lei,
inserindo regra jurídica que o sistema jurídico não tem, ou alterando a• que ele tem, ou excluindo-a. Nula é a
resolução ou a portana, no que contém regra jurídica que somente em li se poderia edictar.
Preliminarmente, inconstitucionalidade não se declara; inconstitucionalidade decreta-se, porque a eficácia
preponderante da decisão é constitutiva negativa, pois quem fez a lei, o decreto-lei, o decreto, o regulamento, ou
qualquer outra fonte de direito, com infração da Constituição, nulamente legislou. O elemento declarativo é mera
eficácia imediata, salvo se não vem à frente elemento mandamental. Foi esse o tema que desenvolvemos no Congresso
Intemazionale di Diritto Processuale Civile (Padova, 1950); Natura giuridica deila Decisione de Inconstitucionalità
(Atti, 338 s.).
O poder de controle, nos sistemas jurídicos, ora é exercido por órgão judicial, qualquer que seja, ora por um só órgão,
concentrando-se assim, com finalidade típica, a competência. Também existem soluções quanto àfunção processual:
ou se persiste a) a ação de decisão de inconstitucionalidade, sem qualquer ligação ou dependência no tocante a algum
outro litígio; ou b) a ação de decisão de inconstitucionalidade, sem tal ligação, ou com ela; ou c) ou a solução anterior,
ou a prejudicialidade da questão, incidentalmente levantada; ou d) a alegação só incidental.
O controle por órgão único, especial, foi adotado pela Áustria, mas suscitado por algum dos outros órgãos. Na
Alemanha (República Federal) e na Itália, pode ser feito o pedido por via principal ou por via incidental, se outro
órgão o suscita.
A solução só acidental, de origem norte-americana, foi a que quiseram impor ao Brasil, mas acabou sendo repelida.
Quando a Emenda Constitucional n0 16, de 26 de novembro de 1965, deu nova redação ao art. 101, 1, k), da
Constituição de 1946, atribuiu competência ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar “a representação
contra a inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-
Geral da República”, em verdade lançou regra jurídica de legitimação ativa do Procurador-Geral da República. Já
havia a competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os habeas-corpus e os mandados
de segurança, prescritos no art. 101,1, h e i), e as ações rescisórias de seus acórdãos (art. 101,1, k) e, em via recursal,
os mandados de segurança e os habeas-corpus (art. 101, II, a) e os recursos extraordinários (art. 101, III, a), b) e c),
eventualmente d). Aí as questões de inconstitucionalidade apareciam e eram julgadas. Mas, antes e depois da
Constituição de 1946, eram proponíveis, conforme as regras jurídicas de competência, as ações de nulidade de atos do
Poder Legislativo ou do Poder Executivo, por infração da Constituição. No art. 124 da Constituição de 1967, XIII,
falou-se de “processo de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei
ou ato de Município, em conflito com a Constituição do Estado”. Não se precisava pôr isso na Constituição Federal,
porque o assunto é das Constituições estaduais e das próprias leis de organização judicíana.
Na Constituição de 1967, antes (art. 114, 1, 1) e depois da Emenda n0 1 (art. 119, 1, 1), continuou-se com o instituto da
representação pelo Procurador-Geral da República: “Compete ao Supremo Tribunal Federal: 1
processar e julgar originariamente: 1) a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual”. Não é essa a única razão para se dizer que o sistema jurídico brasileiro
admite o controle incidental e o controle direto da constitucionalidade.24 Qualquer pessoa tem o direito de
representação e de petição de Poderes Públicos, em defesa de direito ou contra abusos de autoridade (Consti24 Na
Const. 88, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou
ato normativo federal (art. 102, 1, a). Sobre a legitimidade para a ação de inconstitucionalidade e para a ação
declaratriria de constitucionalidade, o ao. 103 e o seu § 40 Cabe aos estados federados a instituição de representação
de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais diante da constituição estadual, vedada,
contudo, atribuição da legitimidade a um único rirgão (art. 125, § 20). O ao. 97 dispõe que somente pelo voto da
maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.
tuiçãode 1967, com aEmendan0 1, art. 153, § 30).25 Qualquer cidadão será parte legftima para propor ação popular
que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas (art. 153, § 31).26 Sempre que algum ato jurídico de
fato jurídico é fundado, ou se diz regido por alguma regra jurídica inconstitucional, há a legitimação ativa da pessoa
juridicamente interessada a propor a ação de nulidade, por inconstitucionalidade.
Não se diga, portanto, que o controle principal só é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. O controle, conforme o
art. 119,1, 1), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,27 é controle principal, mas especial. A apreciação da
inconstitucionalidade de uma regra jurídica, em ação por exemplo em ação de mandado de segurança preventivo ou
de habeas-corpus preventivo ‘ não é acidental: é principal.
A competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a representação do Procurador-Geral da
República tem a seu respeito o art. 120, parágrafo único, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1: O regimento
interno é que há de conter as regras jurídicas.28
Quanto ao controle incidental, isto é, quando, para se resolver a questão, ou para se revolverem as questões,
incidentalmente, é a ofensa a regra jurídica constitucional que preliminarmente se há de apreciar, o elemento da
alegação é sem repercussão na competência do juízo ou do tribunal. O incidente pode ser em causa de competência de
qualquer juiz singular, ou corpo coletivo, inclusive do Supremo Tribunal Federal.
Há uma regra jurídica geral que apanha qualquer tribunal que está no art. 116: “Somente pelo voto da maioria absoluta
de seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público”.29
Os juizes singulares podem apreciar as leis e os atos dos poderes públicos diante da Constituição de 1967, com a
Emenda n0 1, ou da Constituição que teriam de obedecer à data da promulgação .da lei ou da prática do ato. Tratando-
se, porém, de tribunais (juízos coletivos, ainda quando sejam de primeira instância), são exigidos os votos acordes da
maioria absoluta (metade mais um) para que se decrete ser inconstitucional a lei (= contrária à Constituição), ou o ato
do poder público. Tal exigência
25Const. 88, ao. 50 ~ o.26Const. 88. ao. 50 L~(XIII.27Const. 88, ao. 102, 1, a.28Na Const. 88, art. 103 e seu § 4”, o
Procurador-Geral da Reptiblica é um dos legitimados. Novigente regimento interno do STF, a ação direta de
declaração de inconstitucionalidade é reguladanos arts. 169a 175.29Const. 88, ao. 97.não se faz em se cogitando de
infração de lei; à decretação da ilegalidade da regra jurídica contida em decreto, em regulamento, em instrução, em
aviso, ou no que seja, não se refere o art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 .~
Leis e decretos legislativos são os atos que podem limitar liberdade e direitos fundamentais limitáveis. Os atos que não
foram elaborados pelo Poder Legislativo não podem chegar até aí. Os regulamentos são regras que somente podem
adaptar ao texto legal a atividade humana, e não à atividade humana o texto legal. Não podem alterar a lei, nem criar
regra jurídica:
podem revelar regra jurídica que está implícita, no sistema jurídico, o que todo intérprete pode fazer. Se o
regulamento, o decreto ou resolução, enche branco que a lei deixou, porque podia deixá-lo, ao Poder Executivo, ou ao
Poder Judiciário, ou ao próprio Poder Legislativo, tem-se de verificar se, com as suas regras jurídicas, não infringiu a
Constituição ou alguma lei. Se houve infração, não vale. Os avisos são dirigidos a funcionários públicos, e não podem,
de modo nenhum, prejudicar terceiros, ou alterar a legislação. As portarias são concementes a determinada obra, ou
serviço, e de modo nenhum criam regra jurídica, ou alteram legislação.
Portaria era a carta patente não assinada nem selada pelo chanceler. As Ordenações Manuelinas, Livro II, Tftulo 19,
ao perceberem os dirigentes, àquele tempo, os males que advinham de órgãos subalternos do Estado estarem a edictar
regras jurídicas e determinar medidas governamentais, foram incisivas: “Por Tirarmos algujis inconvenientes que se
poderiam seguir de se comprirem as Portarias dadas de Nossa parte por algiias pessoas, Ordenamos, e Mandamos que
ninhuii Official de Nossa Justiça, nem da Fazenda, e outros quaesquer nom façam por Portaria, que de Nossa parte
lhes seja dada, cousa algiia, posto que Nossos Officiaes sejam, ou pessoas a Nós aceitas, os que as taees Portarias
derem: e quem o contrair fezer averá aquella pena, que por direito mereceria, se a tal cousa fezera de seu moto proprio,
sem lhe seer mandado por Nós verbalmente, ou por nosso Alvará”. O texto passou às Ordenações Filipinas, Livro II,
Título 41, com pequenas alterações deforma. O Alvará de 25 de setembro de 1601 insistiu no assunto, profligando a
obediência às portarias; e pelo Alvará de 13 de dezembro de 1604, Filipe foi incisivo: “... daqui em diante se não possa
fazer, nem faça obra alguma por nenhumas Portarias, nem Cartas dos ditos Secretários, ou de quaisquer outros
Ministros meus, ou pessoas, de qualquer qualidade que sejam, ainda que nelas declarem que se dêem à execução sem
embargo da dita Ordenação, e que somente se façam pelas ditas Portarias e Cartas as provisões necessárias pelas quais
se fará obra, e não pelas ditas Portarias e Cartas, como dito é; e tudo o que por elas se fizer contra a dita Ordenação, e
este meu Alvará, será nulo, e de nenhum efeito, nem vigor: e qualquer oficial, que cumprir, ou fizer obra pelas tais
Portarias, ou Cartas, será privado para sempre do Ofício, que tiver: e assim me praz que sobre as Portarias, e Cartas
passadas antes desde meu Alvará às partes, a que tocarem os casos delas, possam requerer seu direito, sem embargo de
haver nas ditas Portarias e Cartas cláusula que por elas se fizesse obra” (integra do Alvará, em Feliciano da Cunha
França, Additiones aureae que Jílustrationes ad Librum primum secundae partis Practice Lusitanae, Emmanuelis
Mendes de Castro, 9 s., e Manuel Álvares Pêgas, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugaliae, 14, 284).
Os juizes singulares podem decretar a nulidade da lei, ou de qualquer “ato normativo” (regra jurídica), por ser
contrário à Constituição, pois do que decidirem há sempre recurso. Nem se poderia excluir a cognição da questão de
inconstitucionalidade pelos juizes singulares; nem seria de admitir-se que se exigisse o per saltum, tais os enormes
inconvenientes práticos que teria, se os juizes singulares houvessem de sustar os julgamentos. Para se chegar a essa
conclusão, não se precisa da cripto-construção de que se serviu o Tribunal Federal de Recursos, voto do relator no
acórdão de 24 de maio de 1948 (Recurso de mandado de segurança n0 90, do Distrito Federal, R. de D. R., 14, 134 s.):
“... o Juízo singular apenas deixa de aplicar na espécie a lei ordinária para aplicar a Constituição, assim como deixaria
de aplicar regulamento que contrariasse a lei ordinária, ou uma portaria contrária a um regulamento. A decisão limita-
se ao estabelecimento da hierarquia das leis, sem, todavia, invalidar o ato legislativo, senão em frente ao caso
julgado”. De modo nenhum. A decisão do tribunal, por maioria absoluta, não é diferente da decisão do juiz singular;
ambas são constitutivas negativas, in casu, e só in casu; a decisão do Supremo Tribunal Federal éque tem plus de
eficácia, assim em relação à decisão dos outros tribunais como em relação à decisão dos juizes que é o de bastar à
deliberação do Senado Federal31 quanto à suspensão de execução das leis ou decretos que foram tidos, por decisão
trânsita em julgado, como contrários à Constituição.
O art. 480 cogitou, apenas, da decretação de inconstitucionalidade por juízo coletivo. Não se aludiu ao texto
constitucional sobre a exigência da maioria absoluta; mas seria absurdo que se permitisse desatendimento ao
31Const. 88, ao. 52, X.

texto constitucional, pois, ai, inconstitucional seria a decisão. Tal exigência não vai além de ato do poder público, de
modo que o pressuposto é esse e mesmo os atos do poder público não normativos são beneficiados pelo principio
constitucional da maioria absoluta.
Os membros do tribunal, que votaram, em cognição da ação, ou do recurso, ou seus substitutos, têm de votar em
maioria absoluta para que se possa decretar a nulidade da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado
mínimo para julgamento de inconstitucionalidade da regra jurídica.
Atende-se, em parte, à hierarquia das regras jurídicas: posto que a Constituição exija a maioria absoluta dos membros
do tribunal (não dos presentes) para a decisão desconstitutiva, só o faz a respeito das regras legais ou de atos dos
poderes públicos, isto é, das leis e de outros atos, que contenham regras jurídicas ou não, porém não estende a
exigência se a infração, de que se trata, é a regra legal. O tribunal, ou a parte do tribunal, não precisa de maioria
absoluta para dizer ilegal o ato do poder público. A primeira vista, parece estranho que se possa decretar a ilegalidade,
sem maioria absoluta dos membros do tribunal, e não se possa decretar a Inconstitucionalidade desse mesmo ato, se
não se perfaz maioria absoluta dos membros do tribunal. É que a ratio legis não está em que as questões de legalidade
são menos graves e só atingem os decretos, regimentos, regulamentos, avisos, instruções, portarias e outros atos menos
importantes. As questões de inconstitucionalidade são graves, porque se acusa o autor do ato de violar a Constituição
de que provém qualquer particular de poder publíco, que haja invocado.
Surge o problema da apreciação da inconstitucionalidade das leis complementares, das leis delegadas, dos decretos-
leis, dos decretos legislativos e das resoluções. Para quaisquer desses exames é indispensável a maioria absoluta do
tribunal. A fortiori, se se trata de emenda à Constituição. Se a violação foi de lei, ou de Regimento Interno, não é
preciso que haja a maíona absoluta.
No prejulgado, ou pronunciamento prévio (Código de Processo Civil, arts. 476-479), a cognição é do per saltum, e não
de ação. Há preliminares do prejulgado, como haveria se se tratasse do recurso.
A exigência da maioria absoluta tem fundamento em ser preciso que se haja discutido e meditado o assunto, a fim de
não ser excessivamente fácil a desconstituição de leis ou de outro ato do poder público, por eiva de
inconstitucionalidade. Em todo caso, há argumento contrário, de lege ferenda, que é o de ser mais fácil desconstituir-
se por ilegalidade do que por inconstitucionalidade a regra jurídica ou outro ato do poder público. Responde-se-lhe
que o poder público há de estar de olhos fitos na lei e ser mais
COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
39
facilmente perceptível a infração da lei que a infração da Constituição. Essa é a ratio legis como já dissemos.
Se os fundamentos da alegação da inconstitucionalidade são dois ou mais, como se o arguente diz haver violação do
principio de isonomia (igualdade perante a lei), do principio da liberdade de pensamento e de principio da
legalitariedade, somente se pode apreciar a nulidade da regra jurídica ou do ato do poder público em relação a cada
fundamento, de per si. Não basta, em tribunal de nove membros, que quatro digam só haver violação do principio a, e
não dos outros princípios, quatro, que só existe violação do principio b, e quatro que só infringiu o principio c. Não se
somam como parcelas quantidades heterogêneas.
O per saltum por alegação de inconstitucionalidade tanto pode ocorrer
em grau de recurso como nas ações de competência originária dos tribunais,
e tanto pode ocorrer a propósito de preliminares pré-processuais e processuais (e.g., a regra jurídica sobre legitimação
processual é nula, por ofensa
à Constituição) como a respeito das questões prévias do mérito ou do ceme
mesmo do mérito.
Em se tratando de recurso, há o princípio de que somente de um se pode usar, mas a duplicidade pode ocorrer se dois
ou mais são os recorrentes. Uma vez que se suscitou o per saltum, algumas circunstâncias eventuais podem surgir.
Em ambos ou em alguns ou em todos os recursos tem-se de manifestar o tribunal quanto à inconstitucionalidade da lei
ou de outro ato do poder publico: a) onde não há dúvida no tribunal sobre a constitucionalidade, o per saltum está
afastado; igualmente, se a simplesmente maioria repele a arguição de inconstitucionalidade; b) onde em duas câmaras,
ou turmas, ou grupos de câmaras, a situação a) se estabelece, não se há de cogitar de per saltum em qualquer delas; c)
se a câmara, ou turmas, ou grupos de câmaras tende à decretação de inconstitucionalidade da lei ou de outro ato do
poder público, há de haver o per saltu,n, e o tribunal somente pode desconstituir a lei ou o ato, por
inconstitucionalidade, se há maioria absoluta dos membros do tribunal; d) se ocorre c) em duas ou mais câmaras, ou
turmas, ou grupos de câmaras, o tribunal deve julgar, após apensação dos processos, todos os per saltum que digam
respeito à mesma regra jurídica, ou ao mesmo ato (se não se trata de questões sobre a mesma regra jurídica ou sobre o
mesmo ato do poder público, não há necessidade de apensação).
Ao juiz não é lícito abster-se de conhecer e decidir da defesa fundada na inconstitucionalidade da lei, ainda que seja o
da primeira instância (Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de junho de 1904, 29 de março, 8 de maio e 25 de junho de
1905). Não temos o per saltum de juiz singular para tribunal. O per saltam surge, por força da organização judiciária
em câmaras, ou turmas, de algumas daquelas, ou dessas, ou de reunião delas, para o plenário.
O juiz deve decretar a inconstitucionalidade, ainda que não alegada (Tribunal da Relação da Bahia, 7 de junho de
1918); tanto mais quanto sobreleva a quaisquer outras questões (Supremo Tribunal Federal, 12 de maio de 1915). Não
há possibilidade de se excluir a apreciação da constitucionalidade por ser de natureza especial, ou demasiado célere o
processo. Assim, pode ser levantada a questão, e deve ser decidida no processo de habeas-corpus (Supremo Tribunal
Federal, 27 de dezembro de 1919) e no processo de mandado de segurança.
Tampouco, tratando-se de defesa que a lei restringe, enumerando os pressupostos, pode ser excluida a que se funda na
inconstitucionalidade, porque seria violar-se a Constituição, criando-se óbices à sua incidência (Supremo Tribunal
Federal, 8 de agosto e 10 de dezembro de 1917). Assim, foi errada a jurisprudência (e.g., Tribunal de Justiça de São
Paulo, 25 de fevereiro de 1909, e Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, 18 de junho de 1907), que permitiu às leis
dizerem quando ou até quando se pode suscitar a questão de constitucionalidade, e.g., a fortiori, a que exige ser
suscitada como principal, e não como incidente (Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, 12 de maio e 24 de novembro
de 1908). Não há processo, por mais célere que seja, nem por ser limitado à cognição sumaríssima (e.g., Código de
Processo Civil, art. 275), nem por ser preparatório, em que se não possa arguir inconstitucionalidade da lei ou do ato
do poder público.
Quando se tem de proceder à verificação de ser contrário à Constituição, ou não, algum artigo de lei, ou parágrafo, ou
inciso, ou proposição, ou de algum ato normativo do poder público, não se pode pretender que a unidade da regra
jurídica escrita, como artigo, parágrafo, ou inciso, ou proposição portanto, a unidade de expressão coincida, sempre,
com a unidade lógica, isto é, a unidade em sistema lógico, como é o sistema jurídico. Os artigos, parágrafos, incisos e
proposições têm, por vezes, algo que não está neles, e sim noutros artigos, parágrafos, incisos, proposições; e, não
raro, o artigo, parágrafo, inciso, ou proposição, contém mais de uma regra jurídica, como unidade lógica. A regra
jurídica que se extrai de dois ou mais artigos, ou de um artigo e parte de outro, é que é a unidade lógica, que se tem de
examinar logicamente, para se saber se se choca ou não se choca com a Constituição, ou com alguma regra jurídica
superior. Por outro lado, pode dar-se que somente um inciso, uma proposição, ou parte intercalar do artigo, ou do
parágrafo, seja unidade lógica e fira a Constituição, ou a regra jurídica superior, sem que o artigo ou o parágrafo a fira.
A nulidade por inconstitucionalidade da lei local ou do ato do poder público local também só se há de decretar por
maioria absoluta, seja federal, seja local a entidade estatal de que provém.
Não cabe a incidência da regra jurídica da maioria absoluta se apenas se vai decidir se a regra jurídica não existe no
sistema jurídico brasileiro. Aí, a questão é de interpretação.
Exige-se a maioria absoluta dos juizes (não a maioria absoluta de presentes, e sim a maioria absoluta de votos contra a
lei) para a decretação da inconstitucionalidade de leis, ou de atos do poder público. Não se aplica aos casos em que se
discute a ilegalidade da lei municipal do Distrito Federal, conferida com a Lei orgânica do Distrito Federal. O Distrito
Federal não tem Constituição; de modo que a discrepância entre as leis ou atos de poderes municipais do Distrito
Federal e a Lei orgânica não envolve, só por si, questão de inconstitucionalidade. A situação é muito diferente daquela
em que está em causa lei estadual, ou municipal, de Estado-membro, que se há de apreciar diante da Constituição
estadual: aí, a questão éde inconstitucionalidade, se bem que não em confrontação com a Constituição federal.
Também é diferente daqueles casos em que se apura a constitucionalidade das leis estaduais, ou municipais, dos
Estados-membros, do Distrito Federal e dos Territórios, em relação à Constituição federal.
A maioria absoluta é de votos acordes; não se exige a presença de todos os juizes: portanto, se a maioria absoluta dos
juizes está presente e vota unanimemente, está satisfeito o pressuposto (Tribunal de Apelação de Mato Grosso, 7 de
junho de 1945, D. O. de Cuiabá, 21 de junho de 1945:
“... a melhor interpretação está com Pontes de Miranda e com o Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo, que
ressaltou, em várias de suas decisões, o sentido de não se exigir a presença de todos os membros do Tribunal, mas
apenas que se pronuncie a maioria absoluta contra a constitucionalidade da lei para que ela não seja aplicada”). Uma
vez que houve maioria absoluta dos membros do tribunal, no sentido de ser nula, por inconstitucionalidade, a lei, a
solução seria a mesma, se todos os membros do tribunal houvessem comparecido.
A legalidade da legislação ou dos atos dos poderes dos Territórios em face da lei organizadora deles também não é
questão de constitucionalidade, inclusive para a maioria absoluta.
A prova da ilegalidade das leis ou atos dos poderes municipais do Distrito Federal, isto é, a apreciação da validade das
leis ou dos atos em face da lei que organizou o Distrito Federal ou os Territórios, pode ser feita perante o Poder
Judiciário. A simples decretação da ilegalidade das leismunicipais do Distrito Federal, dos Territórios e, a fortiori ,
dos Municípios estaduais que têm leis orgânicas, não autoriza a providência da maioria absoluta, porque tal princípio
só se refere àqueles casos em que se dá inconstitucionalidade perante a Constituição federal ou estadual. Mas incide se
a lei municipal, ou do Território, ou do Distrito Federal, ou a própria lei orgânica é contrária à Constituição.
Para se reputar infringente dos princípios constitucionais alguma lei, ou outra regra jurídica, ou ato do poder público,
não basta que se infrinja lei complementar. A lei complementar, à diferença da emenda, não se insere na Constituição.
Uma vez que somente complementa, a lei complementar não é conteúdo da Constituição. Daí não poder ser tida como
texto constitucional. Para se dizer que alguma lei, ou outra fonte do direito ou ato do poder público, a infringe, não é
preciso que haja a maioria absoluta, de que falao art. 116.
A questão da inconstitucionalidade das leis ou atos dos poderes públicos pode ser levantada enquanto está sub judice
qualquer demanda, ainda que em grau de recurso stricti juris; isto é, enquanto não se extinguiu a relação jurídica
processual. Portanto, na instância do recurso de revista,32 ou dos embargos, ou de qualquer outro recurso. No próprio
julgamento dos prejulgados, se a matéria devolvida ao conhecimento do tribunal superior éligada à lei, ou ao ato, sobre
que se tem de manifestar em pronunciamento prévio. Se à matéria devolvida não é ligada a questão de
inconstitucionalidade, baixando os autos, com o acórdão do prejulgado, o interessado na decretação de
inconstitucionalidade requererá, na câmaras, ou turma, em que se suscitou o prejulgado, o per saltum, para que, no
tribunal pleno, se decida. O per saltum para a apreciação da inconstitucionalidade é algo de semelhante ao prejulgado,
sem o pressuposto da divergência das câmaras, ou turmas. Idem, quanto às reclamações e representações.
O juiz não tem o arbítrio de deixar de lado a questão constitucional, ou as questões constitucionais, que as partes ou os
membros do Ministério Público levantaram. É missão sua. É dever seu. Ele mesmo as pode suscitar e resolver.
Rigorosamente, é obrigado a isso. A Constituição é lei, e não lhe é dado desconhecer as leis. Daí dever-se entender
que, se aplicou textos da lei ordinária, ou do decreto, ou do regulamento, ou de regimento, sem se manifestar sobre a
sua inconstitucionalidade, os reputou constitucionais. E

32 A menção ao recurso de revista, n5o adotado pelo atual CPC, mostra, mais uma vez, que o saudoso
autor decalcou estes comentários sobre os que fizera ao código anterior. Nada há de censurável nisso.

a afirmação ipso facto, que se entronca em aresto de John Marshall, proferido em 1803; porque tal dever resulta,
diretamente, do princípio de submissão de todos poderes à Constituição. Em verdade, não se trata de mais do que de
caso novo, devido ao fato social novo do controle judicial das leis, do velho princípio Jura novit curia, a que se
acrescenta esse elemento de supremacia da Constituição. Toda a novidade resulta da cumulação dos dois princípios
jurídicos.

2. Decisões pelo tribunal de controle Os juizes singulares podem apreciar as leis e os atos dos poderes públicos diante
da Constituição de 1967, com a Emenda n0 ~ ou da Constituição a que teriam de obedecer àdata da promulgação da lei
ou da prática do ato. Tratando-se, porém, de tribunais (juízos coletivos), ainda quando sejam de primeira instância, são
de exigir-se os votos acordes da maioria absoluta (metade mais um) para que se decrete ser inconstitucional (=
contrária à Constituição) a lei ou o ato do poder público. Tal exigência não se faz em se cogitando de infração de lei: à
decretação da ilegalidade da regra jurídica contida em decreto, em regulamento, em portaria, em aviso, ou no que seja,
não se refere o art. 116 da Constituição de 1967 com a Emenda n0 1 .~
Daí a conveniência se está em causa apenas decreto, regulamento, regimento, aviso, instrução ou portaria de
introduzir-se na alegação, se possível, a questão de inconstitucionalidade. Às vezes, é assaz fácil; se o regulamento se
afasta da lei, também o Poder Executivo infringiu o art. 81, III, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 »5

Os membros do tribunal, que votaram, conhecendo da ação, ou do recurso, ou seus substitutos, têm de votar em
maioria absoluta para que possam decretar a nulidade da lei ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado quorum
do julgamento de inconstitucionalidade.
Se a questão de inconstituciona1idade foi acolhida, perante corpo componente do tribunal, tem esse corpo, após a
cognição do caso, de suscitar o per saltum, isto é, a submissão da questão de inconstitucionalidade da lei, ou outra
regra jurídica, ao tribunal pleno.36 Não há julgamento de inconstitucionalidade dentro de turma, ou câmara; nem afasta
o per saltum o fato
33 Idem, no tocante à Const. 88.

34 Nem o an. 97 da Const. 88.


35 Const. 88, art. 84, IV.
36 Conforme o art. 93, XI, da Const. 88, nos tribunais com número superior a vinte e cinco juizes,
pode ser Constituído órg5o especial para exercício da competência do pleno, inclusive, claro está,
•a de decretar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

de todos os juizes da turma, ou da câmara, ou de outro corpo julgador, estarem acordes em que não há
inconstitucionalidade.
Uma vez que foi posta a questão, pelo interessado, ou de oficio, e a acolheu o corpo seccional, somente o tribunal
pleno pode decidir. Se se permitisse que o corpo julgador pudesse evitar o per saltum, por afirmação de haver infração
da Constituição, ter-se-ia deixado sem tutela jurídica a parte contrária à decretação da inconstitucionalidade. Sempre
que se submete a julgamento qualquer questão de direito ou de fato, pergunta-se se não se pode dizer ‘‘sim’’ ou não se
pode dizer ‘‘nao~~, ou só’’~ã~~~.
Sempre que se dá cognição a juiz ou tribunal, é de entender-se que se pergunta ao juiz ou aos juizes: “sim, ou não?” Se
o juiz ou o corpo julgador só pode dizer “não~~, não pode dizer “sim~~.
Levantando-se questão sobre inconstitucionalidade da regra jurídica, tem de ser entregue a tribunal que lhe possa dar
solução. Não poderia dar solução quem somente pudesse dizer “não”.
A regra jurídica do art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 ,~ só se refere aos corpos julgadores, e a
maioria que não seja metade mais um, nem poderia dizer ‘‘sim’’, nem poderia dizer ‘nao~
a) O poder estatal, nos Estados Unidos da América e no Brasil, está no Povo. Em relação ao direito constitucional de
quase todo o mundo, era isso fato novo. Procedia-se a certa inversão da fórmula polftica, inversão que era ainda, ao
tempo da Constituinte norte americana, mais esperança de filósofos do que preocupação imediata de políticos. Os
governos são feitos para os indivíduos, governments are made for the subjects, queriam e sustentavam os pensadores
de outrora, nas ânsias mais irrompentes do individualismo jurídico, mas os políticos de toda aterra, entregues às velhas
correntes tradicionais do absolutismo, continuavam a pregar e praticar, ou só a praticar o princípio contrário: subjects
for the government (cp. Edward Lowell, na obra de Justin Windsor, Narrative and Critical History of America, VII,
16). A Constituição buscou a proteção pelo Poder Judiciário, de onde resultou o judicial control. A Corte Suprema
tornou-se departamento co-igual e coordenado do aparelho governamental (Hampton Carson, The History of the
Supreme Court of the United States, 1, 194, sobre John Marshall). O axioma de direito constitucional norte-americano,
Constitution must control the laws, inspirou toda a formação da técnica norte-americana da apreciação da
constitucionalidade. b) No Brasil, o controle das leis foi admitido como consequência da apreciação da violação da
Constituição
pelo legislador; portanto, como técnica do julgamento do ato legislativo, no que não era ato politico. A teoria firmou-
se, sem se precisar de conceber o Poder Judiciário como acima dos outros Poderes: se lhe incumbe aplicar as leis e a
Constituição é lei, acima das outras, as outras, no que a infrinjam, são inválidas; portanto, judicialmente
desconstituíveis. c) Na Áustria, pretendeu-se construir a Corte constitucional como ao nível do poder constituinte,
sendo os outros poderes “constituídos”. Na Introdução aos Comentários à Constituição de 1967, mostramos a
artificialidade de tal concepção. Artificialidade consciente, por ser em busca de originalidade, que era o cartaz
individual do elaborador. Procurar ser original já é não ser original.
A Justiça aprecia a constitucionalidade das leis e das emendas e revisões da Constituição. Se houve solução de
continuidade na vida constitucional e se elabora a Constituição que os juizes não reputam legitima, trava-se a luta
entre dois órgãos do poder estatal, um dos quais anterior ao outro. A solução, que passa ao domínio dos fatos (pois as
manifestações iniciais de todo poder estatal que repousa no Povo são fácticas), dirá se o órgão posterior está sujeito à
Constituição, de modo que não pode impor outro, sem obediência a ela. Mais: se a Constituição, que se examina, só
nasce dele, só dele tira legitimidade e dela derivam todos os poderes, isto é, se a Justiça não pode apreciar a fonte da
Constituição. Como ordenação jurídica, a constituição só se impõe depois de se impor como situação de fato. Situação
que não é dela, mas do poder constituinte, em que se revelou o poder estatal. Quando a Justiça diz que a Constituição
não é legítima, a Justiça diz que outra Constituição o é. Opõe fato a fato, mas, também, ordem jurídica a fato, que se
apresenta, falsamente, como lei integrante da Constituição. A Constituição a que a Justiça obedece não precisa
justificar-se: e. Mas, porque é, cria a sua ordem jurídica.
A legitimidade das emendas ou da revisão apura-se segundo as regras de direito material e processual da Constituição
vigente. Não assim a de Constituição toda nova, porque, para a Constituição nova, é preciso que o Povo retome o
inteiro exercício do poder estatal. Só se pode falar da juridicidade de uma Constituição em relação a outra Constituição
anterior a ela, quando a segunda não é senão nova redação, em certos pontos alterada, da Constituição que precedeu,
ou se os princípios continuaram em vigor, ainda que só num ponto o da possibilidade jurídica da nova Constituição.
A apreciação da constitucionalidade das leis e dos atos dos poderes públicos pelo Poder Judiciário teve, nos Estados
Unidos da América e no Brasil de 1891-1930, as duas manifestações históricas mais relevantes; 1934 foi grandemente
expressivo, com a exigência da maioria absoluta para as
declarações de inconstitucionalidade. Mas 1937-1946 foram eclipse imperdoável; 1967, como 1946, volveu a 1934.
Só após a guerra a Europa procurou adaptar a si a técnica do exame das leis, ou criar solução sua. A Austria deu-nos,
em 1921, o mais interessante e frustrado aparelho.
3. Decisões em prejulgado No prejulgado, a cognição é do per saltum, e não da ação. Há preliminares do prejulgado,
como haveria se se tratasse de recurso.
No per saltum do art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, o que o tribunal pleno38 tem de decidir é
apenas a questão da inconstitucionalidade da lei, ou do ato do poder público, que é quaestio iuris, estrita e precisa.
Salta-se; há a decisão, e volta-se. Continua o julgamento.
4. Regra da maioria absoluta A exigência da maioria absoluta tem fundamento em ser preciso que se haja discutido e
meditado o assunto, a fim de não ser excessivamente fácil a desconstituição de leis ou outros atos do poder público,
por eiva de inconstitucionalidade. Em todo caso, há argumento contrário, de legeferenda, que é o de ser mais fácil
desconstituir-se por ilegalidade do que por inconstitucionalidade a regra jurídica ou ato do poder público. Responde-
se-lhe que o poder público há de estar de olhos fitos na lei e ser mais facilmente perceptível a infração da lei que a
infração da Constituição.
“Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros”, diz a Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 1 ~
“poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei, ou de ato de poder público”. Assim, a Constituição de
1934, art. 179, a de 1937, art. 96, e a de 1946, art. 200.
Sobre o assunto, Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,
~ 2~ed., 589 s., sob o art. 116. Aqui, só nos interessa o aspecto processual. Trata-se de regra de julgamento, que,
sendo a questão entregue a tribunal pleno, apenas impõe que só se tome a decisão constitutiva negativa de lei ou de
todo poder público, por maioria absoluta. Se não é o tribunal pleno que conhece da questão, a regra de julgamento
suscita a deslocação ascendente, ou subinte, à semelhança de recurso, o per saltum, aqui, ocasional, em relação ao per
saltum do prejulgado (art. 476), que é necessário.
Assim, se a questão de inconstitucionalidade se apresenta ao tribunal pleno, não há per saltum: o próprio tribunal, a
que cabe decidir, tem competência para resolver por maioria. Então, o que se pode passar é que
não tenha havido maioria a favor de ser contrário à Constituição o ato legislativo, executivo ou judiciário do poder
público e tudo se haja desenrolado sem mais acidentes. O que é preciso é que haja maioria absoluta contra a lei ou
contra o ato do poder público.
Per saltuni há se o corpo julgador, juízo coletivo, não’ é o tribunal pleno.
A regra jurídica do art. 116 de modo nenhum se refere ao juiz singular. Se do seu ato, reputando inconstitucional o ato
do poder público, cabe recurso, é no grau do recurso que se há de exigir a maioria absoluta do tribunal. Se não cabe
recurso, nem se compreenderia, aí, que houvesse correição, no julgamento do mandado de segurança ou de outro
remédio jurídico; contra o ato do juiz é necessária a maioria absoluta, para que se
mantenha a decisão desconstitutiva.
Maioria absoluta é metade mais um dos membros componentes do tribunal; não a maioria dos presentes, ou dos que
há, excluídos os lugares vagos.
A regra jurídica não atinge as alegações de ilegalidade das leis estaduais, ou de outras. Porém apanha quaisquer
alegações de inconstitucionalidade se concernem a leis, decretos, regulamentos, avisos, portarias, atos de
administração. Não se há de confundir, todavia, a arguição de inconstitucionalidade (e.g., “o artigo do regulamento é
contrário a princípio constitucional”) e a arguição de ilegalidade (e.g., “o artigo do regulamento é contrário à lei”);
pois, nesse caso, a maioria absoluta não é exigida. Por isso mesmo que são questões diferentes, não se somam os votos
a favor da ilegalidade aos votos a favor da inconstitucionalidade.
A decisão é constitutiva negativa e exclui a aplicação da lei, ou do ato do poder público, in casa. A suspensão da lei ou
decreto, por inconstitucional, é da competência do Senado (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 42, Vil).4’>
Sobre isso, Coinentá rios à Constituição de 1967, II, 2~ ed., 87 s.
Quando a questão está entregue ao tribunal pleno, esse, por maioria absoluta, decide. Se está com alguma fração do
tribunal, dá-se o per saltam. A respeito, cumpre distinguir a revogação da lei, a nulidade da lei, por infração de regra
de fundo, e a inexistência de lei. Se a lei foi revogada por outra, que não é a Constituição, questão constitucional não
há: à vocatio da lei sucedeu revocatio, e só isso. Legislador deu o voto, a vox, e retirou-a. Se a nova lei é a
Constituição, a voz que retirou a outra é mais forte do que essa outra: há a questão de revogação (existência de leis no
tempo) e a questão constitucional. Se a lei é nula, porque, embora enviado ao Presidente da República o projeto, a
votação foi feita sem o quorum, lei há, mas é nula:
tem-se de desconstituir esse ato, que infringe a Constituição e a decisão constitutiva negativa tem de ser por maioria
absoluta. Outrossim, quando, em vez de ser enviado ao Presidente da República, como de regra, o projeto, o
Presidente do Senado a promulga, ou quando o Presidente da República a sanciona, alterando-lhe o texto sem ser em
caso de veto parcial e segundo os princípios.
Muito diferente é o que se passa em caso de lei inexistente, como a que foi inserta no Diário Oficial, sem ser por
ordem do Presidente do Senado, ou sem constar do seu texto que o Congresso Nacional a votou e o Presidente da
República a sancionou. Não é lei. Qualquer tribunal fracionário lhe pode negar (declarar negativamente) a existência.
Basta, porém, que haja ato do poder público (Presidente da República, Presidente do Senado) para que se tenha por lei
nula. É possível exprobrar-se, certamente, de legeferenda, essa sobrestimação do ato do poder público; mas, de lege
lata, é a única solução compatível e extraível do art. 116 da Constituição de 1967, verbis “ato do poder público”. Aí,
a solução da questão de inconstitucionalidade contém declaração da inexistência de lei e desconstitaição do ato do
poder público, o que torna a decisão do tipo 4, 5, 2, 3, 1, em vez de 5, 3, 2, 4, 1.
Põe-se em discussão e, depois, em votação, separadamente, cada uma das quaestiones iuris. No exemplo que demos
acima, não houve violação de nenhum princípio constitucional. Se seis houvessem dito que foram violadas as regras
jurídicas do art. 153, §§ 10 e 20, não haveria provimento por violação do art. 153, * 50 da Constituição.4’

5. Mantença do direito anterior Como o Decreto francês da Convenção (21-22 de setembro de 1792) e a Constituição
francesa de 14 de janeiro de 1852, art. 56, a Constituição de 1891, art. 83, mantinha expressamente em vigor as leis
anteriores. Poderia parecer que se derrogava o principio contrário o de que, na ausência do texto, estariam revogadas.
Se formos até a origem de tal prática, encontrar-lhe-emos explicação que desmente a existência de tal princípio, e
afirma a daquele que se consignava no texto constitucional. Respondendo a um membro da Convenção, que pedia a
decretação da vigência de todas as leis que já a tinha no passado, disse Chénier: “CelIes qui ne sont pas abrogées
subsistent par le fait sansqu’il soit besoin d’aucuna declaration”; e Prieur acrescentou: “La conservation provisoire des
autorités et des bis actuellement existantes est sans doute de droit; mais il faut garantir les départements des
inductiones que des agitateurs pourraient tirer du silence de la Constitution”.
(a) O princípio do art. 83 da Constituição de 1891 passou à Constituição de 1934, art. 187, e à de 1937, art. 183. É o
princípio da continuidade da vida jurídica,42 salvo onde se chocaria tal continuidade com as regras da nova
Constituição (discordância principal ou de regras jurídicas explícitas).
Os escritores costumam ligar tal normalidade da continuação das leis em vigor à perpetuidade do Estado, como se
fosse essencial ao Estado, revogar, aos poucos, e não de só uma vez, as suas leis. Tudo se passa dentro do direito
interno, sem que atinja a personalidade do Estado. Se, com a nova Constituição, fossem inconciliáveis implícita ou
explicitamente todas as regras, escritas ou não, do direito anterior, todas elas deixariam de vigorar no instante mesmo
em que se iniciasse a vigência da nova Constituição.
(b) ~, O art. 116 nada tem com as leis anteriores, ou também elas, para serem tidas como inconstitucionais, precisam
da maioria a que se refere o art. 116?~~
A regra especial de direito intertemporal existe, ainda que só implicitamente a de apreciação da inconstitucionalidade é
a do art. 1 l6i~ Aquela, relativa à incidência das leis; essa, ao modo de se decidir sobre a inconstitucionalidade: diz
respeito, portanto, tratando-se de fundo, à data do julgamento. Em conseq~iência, se uma lei,feita sob a Constituição
de 1891, ou sob a Constituição de 1934, ou de 1937, ou de 1946, era inconstitucional, pergunta-se à Constituição,
vigente quando ela se fez, se valia. Se, feita sob a Constituição de 1891 e constitucionalmente válida, atravessou o
período de 16 de julho de 1934 a 9 de novembro de 1937, responde a Constituição de 1934; se não o atravessou, foi
revogada, ou derrogada, e não reviveu com a Constituição de 1937; se o atravessou, tem-se de saber se, com a de 10
de novembro de 1937, ficou revogada, ou não; se veio até 17 de setembro de 1946, indaga-se se poderia ser feita
(fundo) e se podia incidir depois de 18 de setembro. Se veio até 29 de outubro de 1969, tem-se de verificar se podia ser
promulgada a 30 de outubro, para que incida daí por diante. Se não podia ser promulgada, e o foi, inconstitucional há
ser julgada.
42Referido, na doutrina e na jurisprudência hodiemas, como princípio do recepçdo. pelo qual, poruma questão de
natureza prática, uma nova ordem constitucional recebe todas as normas que comela não foreni contlita.ntes, bem se
poderia chamá-lo de princ,»io da (Ib.s<)rÇa<) c(>nl/>otíx’e/.43Const. 88. art. 97.44Const. 88, ar>. 97.

Se se trata de lei feita sob a Constituição de 1967, com a Emenda n01, essa Constituição é que decide de ser, ou não
válida. Quando a incidência é sob a Constituição nova, essa éque responde se vale, quanto ao fundo, a regra jurídica.
Para a decretação de inconstitucionalidade de uma lei, ou de algum ato dos poderes públicos, perante a Constituição de
1891, não era preciso que se compusesse a maioria absoluta favorável à inconstitucionalidade. Para a decretação da
inconstitucionalidade de lei ou de qualquer ato dos poderes públicos entre 1934 e 9 de novembro de 1937, era de
mister a maioria absoluta (Constituição de 1934, art. 179). Em nenhum dos dois casos apontados cabia o recurso do
art. 96, parágrafo único, de 1937 (revogado pela Lei Constitucional n0 18, de 11 de dezembro de 1945), que só dizia
respeito à apreciação das leis perante os textos de 10 de novembro de 1937. Resta saber-se se a conferência de
qualquer lei, elaborada antes de 9 de novembro de 1937, ou de ato do Presidente da República praticado até aquele
data, exigia a observância do art. 96, em relação ao texto constitucional de 1937. A resposta era negativa, porque só se
tratava de verificação de ter sido, ou não, revogada a lei, ou o ato do Presidente da República.
A colocação do principio do art. 179 da Constituição de 1934 nas Disposições Gerais, quando o seu lugar fora no
Capítulo IV, Seção 1, do Titulo 1, obrigou-nos, nos Comentários àquela Constituição (II, 542 s.), a tratar
separadamente o problema técnico da apuração da constitucionalidade das leis e dos atos dos poderes públicos, como
parte, que é, da técnica da Justiça, o problema da rigidez das Constituições, que havia de constituir preliminar do nosso
comentário, e, depois, o conteúdo do art. 179, em que se concretizou a inovação da Constituição a propósito de
decretação de inconstitucionalidade. Reportamo-nos, portanto, ao que antes escrevêramos. Temos, hoje, a mesma
situação. (Na Constituição de 1937, a regra jurídica que correspondia ao art. 116 de agora passou ao lugar que lhe
apontáramos e mais fácil era o trato dele, pela proximidade das questões. Fora uma das vantagens técnicas da
Constituição de 1937, que, sem razão, quanto a atos, só mencionou os do Presidente da República.)
Sempre que a Constituição dá à União a competência sobre certa matéria e havia legislação anterior, federal e local,
em contradição, a Constituição ab-rogou ou derrogou a legislação federal ou local, em choque com a regra jurídica de
competência. Não se precisa, para se decidir em tal sentido, que se componha a maioria absoluta do art. 1 ~

45 Const. 88, art. 97.

Se a legislação, que existia, era só estadual, ou municipal, e a Constituição tornou de competência legislativa federal a
matéria, a superveniência da Constituição faz contrário à Constituição qualquer ato de aplicação dessa legislação, no
que ela, com a nova regra jurídica de competência, seria sem sentido. A maioria do art. 116 não é necessária. Aliter, se
só há a ab-rogação ou a derrogação, se inconstitucional a continuação da incidência; e.g., se antes de ser estadual, ou
municipal, fora federal (discute-se se há repristinação ou inconstitucionalidade).
Se havia legislação federal e estadual e a competência passou a ser, tão-só, do Estado-membro, ou do Município, a
legislação federal persiste, estadualizada, ou municipalizada, respectivamente, até que o Estado-membro ou o
Município a ab-rogue, ou derrogue. Salvo se tem de ser conferida com o texto da Constituição de 1967, com a Emenda
n0 1, a legislação federal ou estadual existente, ou conferida com princípio da Constituição estadual.
Se a legislação era de competência federal e não houve mudança de competência, mas se alega que alguma regra
jurídica, não contrária à Constituição anterior, é, hoje, contrária à Constituição vigente, há arguição de
inconstitucionalidade, para cuja decisão se faz mister a maioria do art. 116, salvo se a Constituição mesma, edictando
regra jurídica diferente, a ab-roga, ou derroga, ainda que implicitamente; e.g., se a Constituição retirou ao Supremo
Tribunal Federal a revisão nos processos findos de outros tribunais (Constituição de 1946, art. 101, IV).
A lei revogada é lei que incidiu, e não incide mais. Se alguém nega que ela tenha incidido, o juiz aplica-a, porque
aplicação e incidência são fatos diferentes: o juiz aplica a lei que incidiu ou incide. ~A lei revogada pode, ainda, ser
invocada pelos interessados e ser aplicada: não incide mais, porque a incidência é irretrospectiva, ao passo que a
aplicação é, de regra, retrospectiva. Lei revogada, lei morta. Lei revogada não existe mais. Se alguma lei revogou a
que estava, a afirmação de que a revogação não se deu é atribuição de existência ao que não mais existe. Contra regras
jurídicas em tais situações pode ocorrer que a lei posterior a tenha revogado, porque lhe substituiu o conteúdo, ainda
que por algum conteúdo semelhante, ou vazio, ou que a tenha revogado por ser contrária à lei nova, a essa seja lei
constitucional: a Constituição revoga e corta por inconstitucionalidade. A alegação da revogação é mais radical: a
regra jurídica não existe mais, ainda que pudesse existir. Para a afirmação de não existir a lei, ou de não existir mais,
não é preciso que se dê a maioria do art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 .~ Na decretação de
inconstitucionalidade, supõe-se existência, de modo que, respondido que a lei não existe, ou que não existe mais, a
questão da inconstitucionalidade não se põe. Por isso mesmo, se se afirma que existe a regra jurídica, mas é contrária
ao direito constitucional, tem-se de discutir e decidir, observado o art. li 6,~ se há a contrariedade, ou não; se há, e a
maioria absoluta entende assim, desconstitui-se a lei (= decreta-se-lhe a nulidade). Nenhuma ilegalidade é mais
manifesta do que a ilegalidade proveniente de ato que se diz fundado em lei que não existe. Tanto não existe a lei que
nunca foi feita quanto a lei que está revogada. As ilegalidades provenientes de atos que pretendem fundar-se em
interpretações erradas de lei são pressupostos suficientes para o mandado de segurança, porque só há, aí, quaestio
iuris. Dá-se o mesmo se se alega inconstitucionalidade da lei ou ato do poder público; afortiori, se se alega que não
existe lei, ou que não existe mais. O mandado de segurança é perfeitamente utilizável. E afortiori: o dizer-se que a lei
existe ou não mais existe (= está revogada) é quaestio iuris.

Praticamente:

a) Se a regra jurídica, anterior à Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, poderia ser feita, hoje, sem nódoa de
inconstitucionalidade, somente pode haver a argUição de estar revogada (ab-rogada ou derrogada).

b) Se a regra jurídica, anterior à Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, não poderia, hoje, ser feita, por ferir
princípio constitucional, não se trata de revogação, mas sim de inconstitucionalidade, ou, conforme a espécie de
revogação por inconstitucionalidade (revogação + inconstitucionalidade).
Toda decisão sobre revogação (ab-rogaçáo, ou derrogação) é declarativa negativa (não se confunde com a revogação
de lei a revogação de atos jurídicos, que é constitutiva negativa, como a resolução e a decretação de nulidade ou de
anulabilidade).
Toda decisão sobre inconstitucionalidade é constitutiva negativa.

6. Juizes singulares e decretação de inconstitucionalidade O art116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, só se


refere aos tribunais.4» Os juizes singulares podem decretar a nulidade da lei, por ser contrária à Constituição, pois do
que decidirem há sempre recurso. Nem se poderia excluir a cognição da questão de inconstitucionalidade pelos juizes,
singulares; nem seria de admitir-se que se exigisse o per saltum tais os enormes inconvenientes práticos que teria, se
os juizes singulares houvessem de
sustar os julgamentos. Para se chegar a essa conclusão não se precisa da cripto construção de que se serviu o Tribunal
Federal de Recursos, no acórdão de 24 de maio de 1948 (Recurso de mandado de segurança n0 90, do Distrito Federal,
R. de D. A., 14, 134 5.): “... o juízo singular apenas deixa de aplicar na espécie a lei ordinária para aplicar a
Constituição, assim como deixaria de aplicar regulamento que contrariasse a lei ordinária, ou uma portaria contrária a
um regulamento. A decisão limita-se ao estabelecimento da hierarquia das leis, sem, todavia, invalidar o ato
legislativo, senão em frente ao caso julgado”. De modo nenhum. A decisão do tribunal, por maioria absoluta, não é
diferente da decisão do tribunal, por maioria absoluta, não é diferente da decisão do juiz singular; ambas são
constitutivas negativas, in casu, e só in casu; a decisão do Supremo Tribunal Federal éque tem plus de eficácia, assim
em relação à decisão dos outros tribunais como em relação à decisão dos juizes que é o de bastar à deliberação do
Senado Federal quanto à suspensão de execução das leis, ou decretos (art. 42, VIl),4» que foram tidos, por decisão
trânsita em julgado, como contrários à Constituição.

7. Exame dos atos administrativos em geral Quando o Congresso Nacional ou o Poder Judiciário pratica ato
administrativo, ainda que o insira, formalmente, em lei, ou em sentenças, o ato tem de ser examinado como ato
administrativo quer para se saber se o Congresso Nacional ou o Poder Judiciário o podia praticar (competência
advinda da Constituição), quer para se saber se se observaram as regras jurídicas de fundo, ou de forma, que se faziam
mister. Não pode, por exemplo, o Congresso Nacional autorizar abertura de crédito para pagamento de vencimento a
funcionário público, dispensado, sem ter havido disponibilização, ou aposentação, de acordo com a Constituição e as
leis. Ainda que pudesse ser feita e o fosse, seria contrária à Constituição, art. 153, ~ 1~Y» o Congresso Nacional não
pode edictar lei de disponibilidade ou de aposentadoria para um ou alguns funcionários públicos; a sua competência
legislativa nada tem com a sua competência executiva, e vice-versa. A lei que aprova contrato, que, por exemplo, o
Presidente da Câmara dos Deputados haja assinado, é formalidade integrante. Quando no Supremo Tribunal Federal,
ou noutro tribunal, se exerce a atribuição administrativa, não se julga; a “decisão” não é sentença, é ato administrativo.
Não importa se foi envolvido em forma sentencial. O art. 11 6~> apanha quaisquer decretações de invalidade de tais

49 Const. 88. ao .52, x.50Const. 88. art. 5

atos, por inconstitucionalidade; aliter, se somente por ilegalidade. A desconstituição do ato do poder público, por
ofensivo à Constituição de 196752 ou a alguma das Constituições estaduais, pode ser de oficio, por se tratar de
quaestio iuris e haver o princípio Jura novit curia (Tratado de Direito Privado, 1, ~ 96, 2).
Se a aplicação da lei, na espécie, só é suscitável por ter exercido algum direito, pretensão, ação ou exceção o autor, o
réu ou outrem, não há, ainda ai, exceção ao princípio lura novit cii ria; porque o juiz pode expor o direito, mencionar a
lei, para frisar por exemplo que, a despeito de ter o réu a exceção, ou o autor a réplica, não a exerceu, isto é, não
alegou, sendo necessário, para sua eficácia, que alegasse.

Art. 480. Arguida 2) a inconstitucionalidade t) de lei ou de ato normativo do poder público 3), o relator, ouvido o
Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo
Art. 481. Se a alegação for rejeitada 5), prosseguirá o julgamento; se for acolhida»), será lavrado o acórdão, afim de
ser submetida ») a questão ao tribunal pleno 1)9)~

1. Natureza jurídica da decisão sobre inconstitucionalidade (a)


De poucos problemas há noticia, que mais se tenham como resolvidos, sem que, sequer, hajam sido postos em termos
devidos como o da natureza jurídica das decisões sobre inconstitucionalidade das leis. Àquele mesmo povo que teve
gênio político suficiente para a criação do julgamento das leis perante a Constituição faltava a base de teoria geral do
direito e de estudo da eficácia das sentenças, para lhe dar, mesmo agora, toda a classificação científica que se havia (e
se lhe há) de exigir. Fora dele e dos que o imitaram, o problema era prematuro; e, diremos mesmo, seria sem interesse
levantá-lo. Por outro lado, alguns erros sobre classificação das decisões tinham, necessariamente, de refletir-se nas
soluções aventurosas, que surgiram, quanto ao lugar, entre elas, que seria o das decisões sobre inconstitucionalidade
das leis. Sabia-se que, reconhecendo a inconstitucionalidade de alguma delas, a deixaria de aplicar o juiz ou o tribunal.
Verdade e, porém, que, ao se apurar o que se passara, para se negar a aplicação, quase se esgotavam os termos para a
razão de ser negada. Já no caso Marbury versus Madison, o juiz John Marshall nos legara mais do que o simples
raciocínio para se recusar a aplicação, pois que repetidamente falou de “nulo”, de “invalidade’, de “inválido”. Certo é,
porém, que os constitucionalistas americanos e os julgados posteriores não precisaram mais do que isso, de modo que
se tivessem como tecnicamente assentes a natureza e a eficácia das decisões sobre inconstitucionalidade. Tivemos,
pois, de versar o assunto, decênios atrás, como se não houvesse outros elementos que a história e a observação do que
realmente se passa quando o juiz ou tribunal profere a decisão sobre ser inconstitucional, ou não ser inconstitucional,
a lei, ou outra regra jurídica.
Cumpre sabermos, antes, firmemente, quais os meios de que dispomos, hoje em dia, para respondermos, com toda a
base científica, qual a natureza e qual a eficácia das decisões sobre inconstitucionalidade. Naturalmente, o que antes
de tudo se há de considerar é a classificação científica das decisões judiciais. Ou elas declaram, isto é, apenas contêm
enunciado de existência (ou é, ou não é); ou constituem, positivamente, ou negativa-mente, é me m + 1, ou me m - 1,
de modo que algum fato jurídico se produziu ou se integrou, ou saiu do mundo jurídico, ou algo o mundo jurídico
perdeu, ou algo se transformou; ou condenam, por fazerem mais do que declararem, uma vez que declaram e apontam
a infração, pronunciando a sanção; ou contêm mandamento para que alguém, a quem o juiz ou tribunal possa mandar e
mande, realize o conteúdo da prestação jurisdicional; ou executam, isto é, tiram algo da esfera jurídica de A para a
esfera jurídica de B, a fim de se restaurar a ordem jurídica. Essa distribuição rigorosa das decisões jurídicas em
declarativas, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas é que pode ser a primeira camada de verdade
para que o problema, que pusemos, não descambe para o terreno do opinativo e do discurso fácil. A questão torna-se
precisa, e precisa a resposta tem de ser. A ciência dos últimos decênios diz-nos, ademais, que as classes dessas
decisões são determinadas por preponderância da eficácia das decisões; não há, ou, pelo menos, ainda não se
apontaram, decisões puras: todas elas têm elementos das outras posto que, na composição de cada uma, ou a eficácia
declarativa, ou a constitutiva, ou a condenatória, ou a mandamental, ou a executiva, venha à frente, razão que se lhe dá
o nome de força de sentença. Já a essa altura de nossa tese ainda mais precisa se faz a questão:
~,Qual a força da decisão sobre inconstitucionalidade das leis?
As decisões nem sempre são simples. Têm, por vezes, conteúdo sucessivo, ou apenas complexo. Então, há duas ou
mais decisões, posto que sejam só uma, formalmente. A questão sobre inconstitucionalidade das leis é quaestio iuris.
As quaestiones iuris ou são quaestiones iuris praeiudiciales, se prévias, em relação a outras questões, ou quaestiones
iuris principales, se o sistema jurídico não veda a discussão e a resolução das questões de direito in abstracto, sem se
exigir que se decida algo sobre ameaça de violação, ou sobre violação atual de direito. O sistema jurídico
constitucional brasileiro ainda não permite que se postule e se discuta e se decida somente a quaestio iuris. Se, in iure
condendo, tal atitude tradicional é de repelir-se, a lex lata é essa, e não queremos, aqui, afastar-nos, um segundo, do
terreno científico e do terreno do direito positivo.
(b) Após essas duas convicções, com que se há de começar qualquer exame honestamente científico das decisões,
sobre inconstitucionalidade, há a convicção, que pode vir a ser utilizada, sobre as nulidades subjetiva e objetivamente
parciais. O ato jurídico nulo pode somente ser nulo em parte. Ou nulo em parte objetiva (em parte dos seus
enunciados, ou em algum dos seus enunciados, ou quanto a alguma parte do seu objeto ou conteúdo), ou em parte
subjetiva, como se o negócio jurídico, subjetivamente complexo, só é nulo no que concerne a um dos agentes. Não há,
portanto, nada de estranho em que se julgue a nulidade quanto a um dos agentes, ou quanto a qualquer um dos
destinatários da lei, se é que a decisão sobre inconstitucionalidade tem de ser considerada decisão constitutiva
negativa.
Os pandecistas nem sempre se resguardavam de insinuar, na exposição do direito romano, conceitos que eram o fruto
de convicções filosóficas, ou técnicas, posteriores aos tempos romanos. Por outro lado, alguns continuaram a tropeçar
em conceitos romanos, depois de superada a filosofia, ou a técnica, a que esses conceitos correspondiam. E de
interesse para a resposta precisa, que o assunto exige, afastarmos, de começo, uma dessas confusões, um desses
anacronismos toldantes do estudo jurídico; referimo-nos ao conceito romano de nuílus e ao conceito moderno de
“nulo”. O nec ullus, romano, “não existe”; o nulo do jurista contemporâneo existe, mas existe anormalmente:
nulamente é. Daí poder haver o nulo com todos ou algum efeito, e não háo inexistente com efeito: o que não existe não
tem qualquer efeito; o nada nada produz. Não surpreende muito que os juristas tenham dissertado, sem-cerimônia com
os textos romanos, quando já se sabia qual o conceito, maior, que eles compuseram, ao empurrar nas gretas dos
conceltos romanos, com violência de que não percebiam a gravidade, o conceito de anulabilidade, de todo ignorado
pelos juristas romanos, se bem que, já nos últimos séculos, em crisálida.
(c) Alguns juristas, de passagem, ou pela influência das expressões usadas (“declarar a inconstitucionalidade”,
“declaração de inconstitucionalidade”), ou porque foram, e são vftimas de definições erradas de decisão declarativa,
afirmam que a decisão de inconstitucionalidade é decisão declaratória. Seria perder tempo discutir com aqueles que se
deixam levar pelo nomen iuris, tanto mais quanto pululam casos em que a expressão “declaração”, ou outra
semelhante, se colou à eficácia de decisões verdadeiramente constitutivas, ou de outra classe; mais ainda: com os que,
em
matéria de ciência, não partem de conceitos exatos e precisos. Também não é verdade que os juristas americanos e
brasileiros tenham concebido a decisão sobre a inconstitucionalidade como declarativa. Quem quer que leia o julgado
do caso Marbury versus Madison, ou tudo que no Brasil se escreveu, e foi muito, sobre leis contrárias à Constituição,
vê que eles se sentiam diante de leis, que haviam de ser afastadas, porque, embora o suporte fáctico (Tatbestand) fosse
aquele sobre que elas haveriam de incidir, normalmente, a Constituição lhes “vedava” essa incidência. Quando, hoje
em dia, nas ações declaratórias, nos Estados Unidos da América e no Brasil, se postula, discute e decide questão de
inconstitucionalidade, apenas se postula, discute e decide quaestio iuris praeiudicialis, de modo que seria leviandade
concluir-se que, pelo fato de estar em decisão global declarativa, a questão de inconstitucionalidade tivesse de ser
declarativa; condenatória, se em decisão condenatória; ou mandamental, se em decisão mandamental; ou executiva, se
em decisão executiva. A sentença sobre o litígio não muda a natureza ou eficácia da decisão que se profere na questão
prejudicial. Assim, nenhum argumento se poderia extrair, pela declaratividade de tal decisão, do julgado no caso
Nashville C0 and St. Louis Railway versus Wallace (1933), pois a Corte Suprema dos Estados Unidos da América
apenas decidiu quaestio iuris praeiudicialis, em ação declaratória.
Para que a decisão positiva sobre inconstitucionalidade fosse declaratória, seria preciso que a lei, eivada de tal vício,
não existisse, de jeito que o juiz ou o tribunal diria: “Não existe”; e a eficácia seria a de toda decisão declarativa. A
decisão desfavorável à decretação de inconstitucionalidade, essa não; é sempre declarativa negativa, como acontece a
toda decisão desfavorável, em qualquer ação declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva. Se se
trata de alguma ação declarativa negativa, ou constitutiva negativa, a decisão é negativa de negativa e, pois, positiva.
No sistema jurídico do Império do Brasil, não se tiveram julgados sobre inconstitucionalidade. Lei feita, lei válida, que
só ao Poder Legislativo caberia suspender, ou revogar. O Poder Moderador poderia ter exercido a apreciação da
inconstitucionalidade; e o próprio Poder Judiciário, se mais ousasse, ter-nos-ia presenteado com essa técnica, antes de
1890. Verdade é, porém, que não no fizeram. Ao art. 58, § 1~, b), da Constituição provisória de 22 de julho de 1890, e
ao art. 90 parágrafo único, a) e c), do Decreto n0 848, de li de outubro de 1890, devemos a instituição do recurso
extraordinário quando se questionasse sobre a “validade” (note-se bem: a “validade”), ou a “aplicação” de tratados e
leis federais e a decisão do tribunal estadual fosse contra ele. Foi isso que passou à Constituição de 1891, art. 50 §
10,a).
Ora nenhum jurista de segura terminologia jurídica confunde os três planos: o da existência, em que o fato jurídico,
inclusive a regra jurídica como fato, é, ou não é; o da validade, em que o fato jurídico vale, ou não vale ~= é nulo ou
anulável); e o da eficácia, que é o da irradiação do fato jurídico. A eficácia supõe o ser; pois que, a despeito de ser, de
ordinário, ineficaz o ato jurídico nulo, os sistemas jurídicos nos apresentam casos de efeitos de ato jurídico nulo. A
Constituição de 1891, art. 59, § 1~, a), falou de validade; não de existência, nem de eficácia. Ainda “validade” foi a
expressão que se inseriu no art. 13, § 10, da Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894. Mais tarde, na Revisão de 1925-
1926 (art. 60, § 1~, a), na Constituição de 1934 (art. 76, III, b) e c), na de 1937 e na de 1946. Rui Barbosa viu bem que
de nulidade se tratava; aludindo ao julgamento do recurso extraordinário, disse que o Supremo Tribunal ou reformaria
a sentença, “por não procederem as razões de nulidade”, ou a “confirmaria”, “pelo motivo oposto”. Tratava-se,
somente, outrora, como hoje, de princi’pio da discutibilidade das leis, princípio “desconhecido nos outros regimes,
vedado mesmo no suíço e latente apenas na Constituição americana”, que a Constituição de 1891 punha em texto
claríssimo. Os textos de 1890 e 1891, como os posteriores, de modo nenhum permitiam que se atribuísse eficácia
declarativa à declaração de inconstitucionalidade. A Constituição de 1934, no art. 179, criou a exigência da maioria
absoluta dos juizes, para que a decisão pudesse ser favorável à alegação de “inconstitucionalidade”. Seguiu-lhe a trilha
a de 1946, art. 200; e agora a de 1967, art. 116.~~ Seria estranhamente despropositado que tão suntuoso julgamento
fosse necessário a simples statement offact. Os três artigos, o de 1934, o de 1946 e o de 1 967,~ mostram que se tem
por lei a lei contrária à Constituição: ela é, posto que nulamente seja. A decisão que negasse a inconstitucionalidade
arguida seria declarativa; a que afirmasse, não: desconstituiria; é como qualquer decisão que, a respeito de negócio
jurídico nulo para A, ou B, decreta a nulidade. A atribuição da força declarativa à decisão sobre nulidade foi um dos
grandes erros de parte da ciência alemã; porque os juristas não haviam prestado atenção a que a decretação da nulidade
poderia ser em ação declaratória não porque nulidade se declare, e sim porque, se a nulidade é decretável, incidenter,
em qualquer ação, assim, na ação declaratória, decretável é. Quando eles viram o engano, de que foram vítimas, já os
tratados haviam repetido a impensada proposição.

53 Const. 88, art. 97.


54 E também de 1988.

(d)Se há lei, claro que é quaestio iuris praeiudicialis se ela vale, ou não vale; e a lei, sabemos, não vale se ofende a
Constituição. Enquanto não se cria, para todos, a ação constitutiva negativa, em que se possa arguir de
inconstitucionalidade, in abstracto, a lei, os juizes e tribunais somente podem conhecer da questão como prejudicial,
salvo no caso de representação do Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal.550u prejudicial de
decisão simples, ou de alguma, de algumas, ou de todas as decisões contidas, em decisão formal complexa. Tal
quaestio iuris praeiudicialis é de constituição negativa e concreta, razão por que a sua eficácia é in casu; tal como
acontece quando, não se tratando de negócio jurídico complexo, que haja de se submeter ao princípio chamado de
contagiação, se pronuncia a nulidade quanto a A, no caso A, e não quanto a A e às demais pessoas, ou quanto a A em
quaisquer casos.

Após a deliberação do Senado Federal, a lei suspensa já é ineficaz. Então, já a maioria absoluta não é de mister. A
decisão, em que se diga que houve suspensão, não é constitutiva negativa; é declaratória, como o seria a que dissesse
não ter havido. Entrariam uma e outra na subclasse daquelas decisões declarativas em que o enunciado existencial é
concernente à eficácia. Se, na justiça, se nega ter havido a suspensão, a essa quaestio iuris praeiudicialis segue-se a
quaestio iuris praeiudicialis da inconstitucionalidade, à qual as respostas, afirmativa ou negativa, terão de ser,
respectiva-mente, decisão constitutiva negativa ou declarativa. Teríamos, pois: àprimeira quaestio iuris praeiudicialis,
resposta declarativa positiva (houve suspensão) ou negativa (não houve suspensão); à segunda quaestio iuris
praeiudicialis, resposta constitutiva negativa (é nula alei, por inconstitucionalidade) ou declarativa (não é nula a lei,
por inconstitucionalidade).

(e)Nas ações condenatórias, a questão da inconstitucionalidade tem a mesma natureza que nas outras. Não há força
condenativa: os juizes e tribunais de modo nenhum condenam o ato do Congresso Nacional. Mesmo se algum dia
tivermos a ação constitutiva negativa por inconstitucionalidade in abstracto, na carga de eficácia da decisão o
elemento condenatório será ínfimo: a decisão terá força constitutiva negativa e a eficácia imediata será declarativa
negativa, seguida, conforme as espécies de outro elemento.
(O Nas ações mandamentais, de que são exemplo a ação de habeascorpus, a de mandado de segurança, a de arresto, a
de sequestro, a de

55 O art. 103 e seu § 40 da Const. 88 ampliaram a legitimação.


retificação de registro, a alegação de inconstitucionalidade é quaestio iuris praeiudicialis, de modo que não ganha a
mandamentalidade da ação em que incidenter se levantou, ou que foi conteúdo de postulação principal: continua
constitutiva negativa, e a decisão no mandamento, favorável ao pedido, terá a força mandamental e a eficácia imediata
constitutiva negativa. A decisão global desfavorável ao pedido tem, sempre, a eficácia declarativa negativa,
provavelmente de cognição incompleta.
(g) Nas ações executivas, ocorre o mesmo: qualquer decisão favorável sobre questão de inconstitucionalidade é
constitutiva negativa; qualquer decisão desfavorável, declarativa.

2. Arguição de inconstitucionalidade Arguida a inconstitucionalidade de lei ou de qualquer ato normativo do poder


público (portanto, mesmo avisos com regras jurídicas e instruções), tem-se de saber, primeiro, se a questão é mesmo
sobre a violação de regra jurídica constitucional. Não se vai decidir, desde logo, se é ou não inconstitucional o artigo,
o parágrafo ou inciso, ou alguma simples frase do texto legal, ou de outra fonte de direito (qualquer ato normativo do
Poder Público, isto é, do Poder Legislativo, do Poder Executivo, ou do Poder Judiciário). O que se tem de examinar e
afirmar ou negar é se a questão é mesmo sobre ter-se de saber se é ou se não é inconstitucional a regra jurídica
invocada. Não se diz, desde logo, que éinconstitucional, ou que o não é. A turma, ou câmara, ou grupo de câmaras,
tem de ouvir o Ministério Público (que, no parecer, pode limitar-se a dizer que há ou não há a quaestio iuris, ou que há
e como se há de responder). Após isso, há a votação, a que não é de exigir-se a maioria absoluta. A alegação é
acolhida, ou rejeitada. Se rejeitada, isto é, se se concluiu ser impertinente a questão de inconstitucionalidade,
prossegue o julgamento. Se a maioria que não precisa ser absoluta acha que existe a questão, lavra-se o acórdão e vai
ser submetida a questão ao tribunal pleno.56

3. Regras jurídicas e ofensa à Constituição A arguição de inconstitucionalidade pode ser relativa a emenda da
Constituição, a lei complementar, a lei ordinária, a decreto-lei, a decreto, a lei delegada, a decreto legislativo e a
quaisquer outras regras jurídicas, inclusive de regimentos internos. Não importa qual a entidade estatal (União,
Estado-membro, Distrito Federal, Território, Município) de cujo órgão provém a regra jurídica ou o ato normativo do
Poder Público. Não só: argúi-se a inconsti
tucionalidade de ato que não é normativo, como o ato de nomeação, ou de aplicação de multa. Volveremos ao assunto.
A inconstitucionalidade pode ser diante da Constituição federal ou de alguma Constituição estadual. Não importa se a
questão de inconstitucionalidade interessa ao mérito, ou apenas ao direito processuál, ou a regra jurídica de
competência.
A despeito de só se referir o art. 480 a lei ou ato normativo: j,as regras jurídicas dos arts. 480-482 também se aplicam
se o ato não é normativo? Não. Se o ato foi ilegal ou inconstitucional, não se precisa ouvir, em todos os casos, o
Ministério Público, nem o relator tem de submeter à turma, ou câmara, a apreciação prévia, para que, rejeitada a
arguição, se lavre acórdão e se submeta a questão ao tribunal pleno.57

4. Legitimação ativa Qualquer das partes ou terceiro que tem interesse jurídico na sentença se favorável a alguma das
partes (art. 50) élegitimado ativo. O terceiro assistente recebe o processo no estado em que se acha (artigo 50,
parágrafo único). Se há impugnação ao pedido da assistência, tudo se passa como está no art. 51. Tem os mesmos
poderes da parte e, se revel o assistido, é considerado seu gestor de negócios (art. 52, parágrafo único). Também na
intervenção de terceiro, como oposição, pode o opoente arguir inconstitucionalidade. Idem, o nomeado à autoria (cf.
arts. 62-69), litisdenunciado (arts. 70-76) e até mesmo o chamado ao processo (arts. 77-80).
O Ministério Público, quando é parte, ou quanto tem de manifestar-se na causa, ou pode recorrer, ou apenas exerce a
função de custos legis, mero fiscal da lei, tem legitimação ativa, quer sua missão seja na causa, quer em recurso.
Os próprios juizes, órgãos, que são, do Estado, para prestarem a tutela jurídica, podem, de ofício, argUir a
inconstitucionalidade. Não é preciso que se trate de relator, ou de revisor. Aliás, qualquer juiz pode arguir ilegalidade,
e não só inconstitucionalidade, porque lhe incumbe aplicar a lei, a fim de manter a correlação entre incidência e
aplicação das regras jurídicas. Trata-se de segurança jurídica ou ordem extrínseca, assunto do nosso artigo
Rechtssicherheit und innerliche Ordnung, inserto nos Blãtter fUr vergleichende Rechtswissenschaft und
Volkswirtschaftslehre (Berlim, 1922).
A argUição pode ser em sustentação ou resposta oral, em sessão de julgamento. Enquanto o presidente não anuncia o
resultado do julgamento

56 Ou ao orgão especial, previsto no au. 93, xl, da Const. 88, onde houver.
57 Vd. a nota 56.
(art. 556), pode ser feita. O próprio juiz, que já havia proferido o voto, pode, enquanto não encerrada a sessão, com o
anúncio do resultado, levantar a questão que não fora objeto da discussão.
O Ministério Público tem de manifestar-se antes de se iniciar a tomada de votos, salvo se foi levantada após um voto,
ou após os votos, mas antes do encerramento da sessão de julgamento. (O art. 478, parágrafo único, só se refere à
uniformização da jurisprudência.)

5.Turma, câmara ou grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas O art. 480 diz que, arguida a inconstitucionalidade
de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submete a questão a quaestio iuris
“à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento”. Faltou a referência ao grupo de câmaras e às próprias câmaras
cíveis reunidas. Não importa se, nessas, estão todos os juizes que teriam de funcionar no plenário.58 Tem-se de
entender que, acolhida a alegação de inconstitucionalidade, lavrado o acórdão, é sempre necessária a convocação do
plenário (art. 481, verbis, “a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”).59

6.Admissão da arguição de inconstitucionalidade Arguida a inconstitucionalidade, na turma, câmara, no grupo de


câmaras ou nas câmaras cíveis reunidas, em que se levantou a questão, tem de haver a deliberação de simples
acolhimento, pois a decisão sobre a inconstitucionalidade há de ser em plenário. Para acolher, ou não acolher, não é de
exigir-se a maioria absoluta de votos, pois de modo nenhum se diz se éinconstitucional a regra jurídica. O pressuposto
da maioria absoluta (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 11 6)~ somente concerne à decisão, em plenário,
sobre a inconstitucionalidade.
Se a argUição foi tida por estranha à causa, tem-se por impertinente. Na sessão de julgamento, o relator dirá o que se
passou e a razão que teve para repelir como impertinente a arguição. Aí, então, algum dos juizes ou alguns dos juizes
ou todos os outros podem dizer sem fundamento jurídico a atitude do relator, e então tem de ser submetida à
deliberação da turma, câmara, grupo de câmaras ou das próprias câmaras civeis reunidas o acolhimento da arguição.
Então, tem de ser observado o art. 480.
A turma, câmara, ou grupo de câmaras, ou as câmaras cíveis reunidas podem, por simples maioria, dizer que não há
inconstitucionalidade (não

58 Vd. a nota 56.


59 Vd. a nota 56.
60 Consi. 88. art. 97.
acolhe a arguição). Se diz que há a infringência, apenas acolhem a arguição e tem de submeter a questão ao plenário.
Tal atitude de modo nenhum se pode interpretar como julgamento desconstitutivo. Só o plenário pode dizer que há
inconstitucionalidade e, pois, desconstituir a lei ou o ato normativo. Assim, a manifestação a favor da arguição, pela
turma, câmara, grupo de câmaras ou mesmo câmaras cíveis reunidas, mesmo se os votos seriam unânimes, ou de
maioria absoluta, não decretaria inconstitucionalidade, porque a decisão constitutiva negativa escapa à sua
competência: apenas teria acolhido a arguição. Só a decisão pelo plenário com a maioria absoluta de votos (metade
mais um, ou metade e mais de um, ou unânime) tem a eficácia desconstitutiva da lei ou de qualquer outra regra
jurídica ou ato do poder público.
O acolhimento pode ser total ou parcial; se dois ou mais foram os textos arguidos de inconstitucionalidade, nada obsta
a que só se acolha a arguição referente a um, ou a alguns. Há regras jurídicas que contêm duas ou mais proposições
(e.g., “salvo...”, “sim quanto a a e, a respeito de b, não”). O acolhimento pode ser apenas quanto a um ou alguns dos
enunciados. Assim também se passa quando, em plenário, se vai decidir quanto àinconstitucionalidade: e.g., pode ser
que se assente ser nulo por ser inconstitucional o princípio do artigo, ou só a 2~ parte, ou o inciso 1, ou só a letra c do
inciso II.
Resta o problema do acolhimento parcial se o tribunal pleno, tendo recebido o acórdão e estando a deliberar sobre a
questão, entende que, em vez de ser inconstitucional só a parte 1a do artigo, ou só o inciso, ou frase, ou todo o artigo,
ou mais do que aquilo a respeito do qual se acolheu a arguição é inconstitucional. Seria fazer-se demasiadamente
dependente do que foi acolhido aquilo que o plenário vai desconstituir. Temos, pois, de admitir a eficácia do
acolhimento além do que consta do acórdão, se a inconstitucionalidade é, segundo os princípios, extênsiva a outras
partes do texto. Por exemplo: foi acolhida a arguição de que um artigo ou alguns artigos são inconstitucionais, e o
corpo legislativo ou normativo não podia fazer, como fez, a lei, ou o decreto-lei, o decreto ou regulamento, ou o
regimento, ou o aviso, ou a portaria, ou a instrução. Tudo aí é atingido pela unidade da causa de inconstitucionalidade,
a despeito de ser restrita a argUição, ou de ter sido restrito o acolhimento.
7. Eficácia da deliberação Da decisão pelo plenário não cabe recurso, porque, com ela, prossegue o procedimento do
recurso ou da causa da competência originária do órgão onde foi arguida a inconstitucionalidade. Quando esse órgão
decidir no recurso ou na causa, com observância doque foi decidido pelo plenário, sim. Fora suspenso o julgamento do
recurso ou da causa e depois se volveu ao julgamento. Quando, respeitado ou não o que o plenário decidiu, mesmo se
só em parte, cabemos recursos prescritos na Constituição e no Código de Processo Civil. Um deles é o recurso
extraordinário (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, III, a) e b); talvez mesmo, d), se foi a interpretação
divergente que levou à
decretação de Resta saber-se se cabe o prejulgamento ou pronunciamento prévio do art. 476, II, se o plenário, ao
decidir, deu interpretação divergente da que antes dera. A resposta é negativa, porque a última interpretação pelo
mesmo tribunal prevalece. O que cabe às partes e terceiros interessados e ao Ministério Público é verificar se outro
tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal já havia decidido divergentemente, o que enseja a propositura do
recurso extraordinário (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, III, d)62

8. Subida da questão ao tribunal pleno No art. 477, relativo àdivergência de interpretação, diz-se que, reconhecida a
divergência, se lavra o acórdão, “indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento”. No art.
481, 2~ parte, enuncia-se que, sendo acolhida a arguição, “será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao
tribunal pleno”.63 Não se fala de remessa de autos, mas sim, no art. 482, se estabelece, claramente, que, “remetida a
cópia do acórdão a todos os juizes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento”. Não sobem autos.

9.Eficácia do julgamento da lide Pode ser interposto o recurso extraordinário, ou por ter sido decretada a
inconstitucionalidade de lei federal (lato senso) ou de tratado (ato normativo), conforme o art. 119, III, b), da
Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, ou por ter julgado válida lei ou ato do governo local, que se reputara
contrário à Constituição federal (art. 119, III, c), ou por ter interpretado alguma lei federal em sentido divergente da
interpretação que lhe dera outro tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal (art. 119, III, 1).~
O pronunciamento do tribunal pleno é quantc ~a questão de direito, preliminar, relativa a arguição de
inconstitucionalidade. Se não se obtém a
61Const. 88, ans. 102, III, e 105, III.62Na Const. 88, art. 105, III. c.63Vd. a nota 56.64Const. 88. axts. 102, III, e c, e
105. III, c.

maioria absoluta pela inconstitucionalidade, não há decretação de inconstitucionalidade. Nada feito. Tem de ser
redigido o acórdão ou pelo relator, ou, se esse foi vencido, pelo primeiro voto da maioria (art. 556). O acórdão é
apresentado pelo juiz incumbido de lavrá-lo, para conferência na sessão seguinte (art. 563). As conclusões são
publicadas no órgão oficial conforme o art. 564. Lê-se na Súmula da Jurisprudência Predominante, n0 513: “A decisão
que enseja a interpretação de recurso ordinário ou extraordinário nao é a do plenário que resolve o incidente de
inconstitucionalidade, mas a do órg~o (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito.”

A decisão do plenário é prejudicial, como algo de recurso insito, de modo que lhe falta a eficácia de coisa julgada,
uma vez que não julgou, total ou parcialmente, a lide (cf. art. 468). No art. 469, III, o Código de Processo Civil é
explícito, ao enunciar que não faz coisa julgada “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo”. Assim, para que haja a coisa julgada, é preciso que ocorra ação declaratóna incidente (arts. 50 e 470). A
espécie dos arts. 480-482 nada tem de ação; trata-se como de recurso insito. Na ação declaratória incidental, como na
ação declaratóna típica, pode haver questão de inconstitucionalidade relativa à regra jurídica (lei ou ato normativo)
que, com a incidência, dera ensejo à questão de existir ou não existir alguma relação jurídica.

Com a vinda do acórdão do tribunal pleno, a turma, ou câmara, ou grupo de câmaras, volve ao prosseguimento do
processo. Se algo tinha sido decidido, a suspensão não o atingiu. Qualquer que seja a oposição dos juizes, da turma,
câmaras ou grupo de câmaras, em discordância com o julgado do plenário, o que se tem de respeitar é o acórdão, que
pronunciou ou não a inconstitucionalidade. Nada obsta, porém, a que, a despeito de faltar àopinião qualquer eficácia
na votação e no julgamento, algum juiz ou alguns juizes ou mesmo todos eles ressalvem a sua convicção que passou a
ser apenas íntima. Tal atitude nada importa quanto ao dever de todos os juizes de acatar o acórdão do plenário. A
ressalva ou as ressalvas podem ser elementos de interesse para o pronunciamento de corpo coletivo superior para a
decisão de recurso que fora interposto. Se no recurso a solução a que se chegou foi contrária à do tribunal pleno há a
aplicação, no caso, da regra jurídica ou do ato normativo que na espécie se dissera inconstitucional, ou a retirada da
aplicação da regra jurídica ou do ato normativo que no julgado se dissera não infringir a Constituição.

Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juizes ~), o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento
2)

1.Remessa de cópias e sessão de julgamento O presidente do Tribunal, qualquer que ele seja, tem de ordenar a
remessa de cópia do acórdão, que veio de turma, ou câmara, ou grupo de câmaras, e de designar a data da sessão do
julgamento. Há de estar intercalado tempo suficiente para que os membros do Tribunal, que vão decidir em plenário,
examinem a questão e possam opinar.

2. Maioria absoluta e falta Os arts. 480-482 nenhuma alusão fizeram ao quanto de votos. Mas, acima da lei processual
civil está a Constituição, com o seu texto explícito, assunto de que antes cogitamos, pormenorizadamente. Ou a
maioria absoluta diz que o texto legal ou outra regra jurídica (“ato normativo do poder público”) é contrário à
Constituição e, pois, nulo, ou não houve a maioria absoluta, e a despeito de ter havido maioria (não absoluta) pela
inconstitucionalidade o texto acoimado de ser inconstitucional é considerado válido. O que pode ocorrer é que haja
recurso extraordinário, com fundamento em que se contrariou regra jurídica constitucional; ou que, antes do trânsito
em julgado da sentença da ação em que houve a alegação de inconstitucionalidade, o Senado Federal haja suspendido
a execução (= a aplicação) da regra jurídica que fora objeto do julgamento. Aí, a despeito da decisão, em plenário, que
não decretou a inconstitucionalidade, o juiz ou turma ou câmara ou grupo de câmaras, tem de atender a que alhures se
decidira em sentido oposto e a aplicação (= execução) da regra jurídica fosse suspensa pelo Senado Federal
(Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 42, Vil).65
O que antes dissemos quanto à decisão em matéria constitucional está, a respeito dos embargos infringentes, na
Súmula n0 293 do Supremo Tribunal Federal: “São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria
constitucional submetida ao plenário dos Tribunais”. “Da decisão que se seguir ao julgamento da constitucionalidade
pelo Tribunal Pleno são inadmissíveis embargos infringentes quanto à matéria constitucional” (Súmula n0 455). “A
decisão que enseja a interposição do recurso ordinário ou do recurso extraordinário não é a do plenário, que resolve o
incidente de alegação de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o
julgamento do feito” (Súmula n0-5 13).

65 Const. 88, au. 52, X.

Capitulo III

DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA 1)2)3)

1.Sentença estrangeira e homologação A homologação de sentença estrangeira assenta na cooperação interestatal da


Justiça. Não mais podendo os Estados negar toda eficácia aos julgados das justiças estrangeiras, surgiu o problema
técnico de como se tratar a radiação internacional dos atos judiciais, principalmente das sentenças. Esse problema se
divide em problema do reconhecimento da decisão estrangeira e problema de execução da decisão estrangeira. No
conceito de execução compreende-se, seguindo noção que já nos é familiar, o de força executiva e o de efeito
executivo. Mas, ao lado dessa força e desse efeito, que são o elemento executivo das ações e sentenças, háo elemento
da coisa julgada material (força e efeito), a força e o efeito de criar situação ou relação jurídica (elemento
constitutivo), o elemento mandamental (força e efeito), o elemento condenatório. Quando os textos das leis falam de
não serem “exequíveis” no Brasil, sem prévia homologação, as sentenças estrangeiras, a primeira questão que surge é
a do conteúdo desse conceito: “exquiveis” refere--se ao elementoexecutivo (força e efeito) ou a esse e a outro, ou
outros elementos?
Da resposta a essa pergunta é que tem de partir toda exposição metódica, nessa parte do direito processual.
Infelizmente, tardou essa pesquisa científica.

Na expressão “sentenças estrangeiras” compreendem-se todas as decisões judiciais que precisam ter eficácia alhures,
desde que decisão cível, ou com eficácia de decisão cível. Incluem-se as decisões arbitrais66 e as de autoridades
administrativas, se têm eficácia cível. Se acaso o território estava sob jurisdição brasileira, quando se proferiu a
sentença, a decisão só é estrangeira se não havia recurso para a justiça brasileira. Tem-se de saber qual o Estado
competente para conhecer e julgar das ações que forem

66 Cf. o au. 35 da Lei n0 9.307, de 23.09.1996, que dispõe sobre a arbitragem.

propostas questão de jurisdição, que é preliminar, pois, se o Estado não tem jurisdição, não se levanta a questão de
poder determinar a vocatio in ius. Após isso, é de indagar-se como o Estado competente pode fazer citar o demandado,
isto é. determinar a vocatio in ius, se esse está presente ou se não está.

Apontou G. C. Cheshire (Private International Law, 50) dois princípios fundamentais de pressupostos da jurisdição: o
princípio da efetividade (principle of effectiveness) e o principio da submissão. O princípio da efetividade a que
melhor chamaríamos “princípio da eficácia”
diz-nos que nenhum juiz tem direito de proferir julgamento se não pode fazer cumpri-lo dentro do seu território (The
principle of effectiveness means that ajudge has no right to pronounce ajudgment ifhe cannot enforce it within his own
territory). Há alusão àquele “poder físico”, a que se referia Holmes (Mc. Donald versus Mabee, 1917, 37, Sup. Ct.
343, Ernest G. Lorenzen, Cases on the Conflict of Law, 2a ed., 134): “the foundation of jurisdiction is physical power”.
Por isso mesmo, o juiz do Estado B pode ir até a condenação, se não tem de executar, mas a ação executiva fica
dependente da homologação da sua sentença no Estado A ou C. Essa distinção é possível pela separabilidade natural
entre a eficácia condenatória e a eficácia executiva, em outra ação. Se o juiz não poderia, por si só, “efetivar” o seu
julgamento, incompetente é. A máxima Actor sequitur forum rei tem aí significação lata. Nenhum Estado pode
decretar a nulidade de hipotecas feitas no Brasil, sobre imóveis sitos no Brasil, nem a de marca de indústria ou de
comércio registrada no Brasil. Extra territorium ius dicenti, impune non paretur.
O princípio básico do direito inglês sobre jurisdição, disse Lorde Haldane (John Russell & C0 Ltd. versus Cayzer
Irvine & C0 Ltd., 1916, 2A. C. 298, 302), é o de que os juizes se põem no lugar do Soberano em nome de quem
administram justiça.

Os tribunais de qualquer Estado, dizia A. V. Dicey (A Digest ofthe Law os England with reference to the Conflict of
Laws, ~a ed., 30 s.), têm jurisdição em todas as matérias em que possam proferirjulgamento que eles possam cumprir
ou fazer cumprir: “The Courts of any country have jurisdiction over (i.e., have a right to adjudicate upon) any matter
with regard to which they can give an effective judgment”; e não tem jurisdição sobre qualquer matéria a propósito da
qual não possa proferirjulgamento efetivo”:
“and have no jurisdiction over (i.e., have no right to adjudicate upon) any matter with regard to which they cannot give
an effective judgment”. Os tribunais não podem interferir na autoridade de qualquer Estado estrangeiro, dentro do
território desse.
À diferença do que ocorre com as ações inpersonam, os juizes ingleses não precisam da presença do réu para
proferirem sentenças sobre a propriedade imóvel ou móvel, desde que não saiam da questão sobre o bem; posto que a
lei escocesa permita, aí, passar-se a questões conexas (sem eficácia na Inglaterra; as decisões dos casos Schigaby
versus Westenholz, 1870, L. R. 6K. B. 155, 163, e Emanuel versus Symon, 1908, 1 K. B. 302, parecem reputar nulo,
não-válido, o julgamento; salvo submissão, Voinet versus Benett, 1885, 55 L. J., Q. B. 39).
Devemos evitar soluções que se dão em sistemas jurídicos diferentes ou mesmo parecidos, inclusive o italiano, onde se
vai ao absurdo de exame de mentis (cf. Código de Processo Civil italiano, de 1940, art. 798, que mesmo alguns juristas
italianos reprovam, e.g., Alessandro Migliazza, Le Sentenze straniere nel diritto italiano, 201 s.).
Nos sistemas jurídicos, a solução da não-importação da eficácia de decisões judiciais estrangeiras, além de revelar a
desatenção à vida de hoje, com transportes rápidos e negócios dentro e fora do país, tinha de apresentar e revelar os
seus erros. Tem-se, em alguns Estados, de se propor outra ação, a despeito da sentença já proferida alhures e trânsita
em julgado. A atribuição de simples valor de prova que vigorou na Inglaterra até a promulgação do Foreign
Judgments (Reciprocal Enforcement) Act de 1933 era o que predominava nos Estados-membros americanos, cessando
em alguns com a influência da reforma britânica. Noutros Estados, como a Rússia, a importação de sentenças
estrangeiras e de laudos arbitrais ou convenções internacionais depende de haver entre os dois Estados tratado ou
convenção a respeito, salvo se a sentença não é dependente de execução, como acontece com as sentenças em ações de
estado da pessoa (Lei russa n0 526, de 10 de abril de 1962, art. 63). Na Holanda, a jurisprudência teve de atenuar,
profundamente, a letra da lei (Código de Processo Civil holandês, art. 431). Alguns Estados importam a sentença, mas
a submetem a possível revisão, no tocante ao mérito, tal como ocorria na França, com a révision du fond (Código Civil
francês, art. 2.123: Código de Processo Civil francês, art. 546, que o Decreto n0 72.788, de 28 de agosto de 1972,
derrogou).
Na terminologia brasileira revela-se, melhor do que nos sistemas jurídicos, a função do Estado importador, porque
homologar não é deliberar.
Os Estados podem deslocar, convencionalmente, em atos interestatais, os limites da sua competência judiciária. Se
esses atos interestatais não existem, regem os princípios do direito das gentes, e só eles.

A competência para conhecer das causas de direito administrativo brasileiro é exclusiva do Brasil. “Posto que a
competência ou foro geral em matéria de obrigação pessoal seja o do domicilio do réu, é sabido que esta máxima sofre
diversas exceções, pois que são também legítimos os foros da submissão voluntária, do contrato, da administração, da
conexão da causa, e da prorrogação da jurisdição, além do foro da situação em relação às ações reais” (J.. A. Pimenta
Bueno, Direito Internacional Privado, 131). Se o estrangeiro é domiciliado no estrangeiro, ainda assim pode ser
demandado no Brasil, em qualquer desses casos, porque o foro, que prevalece, éo do Brasil. Às vezes, por se tratar de
submissão da empresa, que veio obter titularidade de direitos no sistema jurídico brasileiro, e por se tratar de direito
administrativo no Brasil, em cujos registros públicos se pede e se espera que se operem as eficácias declarativa,
constitutiva, negativa ou mandamental da sentença nas ações propostas.
Ajurisdição para expungir do registro marca de fábrica ou de comércio pode exercer-se ainda que o titular da marca
registrada não esteja na jurisdição e não possa a relação jurídica processual ser angularizada, fora, com a citação, posto
que possa ser, como ocorre no direito inglês, “informal notice”. Foi isso o que se decidiu, na Inglaterra, com o caso
King & C0s. Trade Mark, In re (1892), 2 Ch. (C. A.) 462. Lê-se em A. V. Dícey (A Digest of the L.ow England with
reference to the Conflict of Law, ~a ed. por A. Berriedade Keith, 225): “Jurisdiction to expunge a trade mark from the
register may be executed though the registered owner is not within the jurisdiction and cannot be served abroad with
notice of motion, though informal notice should be given him”. Em seguimento, observa-se que hoje é possível ser
feita a citação fora, mas a jurisdição não depende da citação, e sim da situação do móvel (marca da fábrica ou de
comércio); “... notice ofmotion in such cases can now be served abroad, but the jurisdiction does not depend on
service, but on the situation of the movable”. Desde que a Justiça da Inglaterra ou do Brasil é a competente, exerce-se
ela, ainda que não obtenha que a propositura da ação seja levada ao conhecimento de quem está fora do território: “As
a general principie when jurisdiction is being exercised over any property it is proper and legitimate, without obtaining
leave under Ord. XI or otherwise to give notice of the proceedings to any persons interested outside England”. A
jurisprudência britânica a respeito é copiosa.
O velho direito português, de que herdamos os princípios, era direito de um povo que, já nos séculos XIV a XVII,
tratava com o mundo. A nossa noção de jurisdição é a do Estado que supõe conhecidos os princípios de
direito das gentes, que distribuem a competência jurisdicional e, dentro deles, coopera com os Estados que o rogam
para os atos citatórios e a importação da eficácia dos julgamentos estrangeiros. Os próprios juristas ingleses confessam
que só no século XIX as Cortes inglesas puderam admitir a ação contra o ausente.

2. Ação de homologação de sentença estrangeira (a) A homologação de sentença estrangeira é o conteúdo de ação de
homologação, que se funda na pretensão, regida pelo direito interno, mas de base interestatal ou supra-estatal, a
conseguir que a sentença estrangeira seja reconhecida (existência) e tenha eficácia (força e efeito) noutro país que
aquele de cuja justiça emana. Existência e eficácia.
Se a ação é de recognição sumária, ou declarativa, condenatória, ou constitutiva, muito importa, e não só teoricamente,
à construção. 1) Se de recognição, pelo menos até certo ponto se pode reexaminar o conteúdo da outra sentença,
reduzida, até aí, à classe da sentença de cognição incompleta. 2) Se declarativa, o que vem da sentença estrangeira é
tudo, inclusive os elementos executivos e mandamentais. Nada se acrescenta, só se declara. 3) Se constitutiva, a
eficácia depende da segunda sentença, que homologa,
e não da primeira. Foi isso o que sustentou, já em 1908, Dionisio Anzilotti (11 riconoscimento, Atti Accademia
Bologna, 11), quando afirmou não haver, do ponto de vista formal, uma sentença só, mas duas, cada uma delas eficaz
no âmbito da soberania de que provém, posto que de conteúdo idêntico, porque ambas repousam na mesma atividade
lógica. Mas, ainda aí, há duas concepções: a) a segunda sentença, constitutiva (Giuseppe Chiovenda, Principii, 306-
307; Gaetano Morelli, Giudizio de delibazione, Rivista di Diritto Internazionale, 1924, 396 s.), faz conteúdo seu a
sentença estrangeira; b) diferente é a opinião dos que a consideram constitutiva integrativa da eficácia do julgado
estrangeiro: a sentença estrangeira é“reconhecida”, e tem-se, no Estado de importação, a eficácia (ainda nebuloso,
Dionisio Anzilotti, II reconoscimento, 13).
Porém não se cria a eficácia, recebe-se, abrem-se-lhe portas. Reconhecer sentença, porém não, criar eficácia. A não-
homologação é negação de eficácia na ordem interna. Para a negação da sentença a ação teria de ser perante juizes
supra-estatais.
A verdadeira concepção e a que mais se ajusta ao estado presente do direito interestatal e ao supra-estatal. Nenhuma
delas é a verdadeira para todos os tempos. Trata-se de proposições cuja verdade tem de ser apurada dentro do sistema
lógico das relações entre os Estados, e sobre os Estados, no momento em que se enunciam. Não há, a respeito, verdade
a priori paratodos os tempos. No estado presente, e, no Brasil, desde 1878, pelo menos, a concepçao 3), b), é a
verdadeira. Com ela, portanto, é que devem raciocinar os nossos juizes.
A concepção 3), a), tem contra si o ser possível o acolhimento de conteúdo da sentença estrangeira contrária ao que se
julgaria no Estado de importação. A concepção 2) corresponde à doutrina do direito só estadual e restrito a cada
Estado, sem comunicação entre esses tanques de sistemas jurídicos (comitas gentium). Na linhas de evolução jurídica,
a ordem das concepções éaseguinte: 1); 2); 3), a); 3), b). Ateoriamaterialísticadacoisa julgada, hoje posta de lado, teve
a consequência (Emst Zitelmamn, Internationales Privatrecht, II, 269 s.) de levar a crer-se que a concepção (1) fosse a
verdadeira. A correção naquela importou repelir-se a adoção dessa, pelo menos com esse fundamento. Nem, sequer, a
sentença é lex specialis, de modo que pudesse ser tratada como as leis estrangeiras (sem razão, Ludwig von Bar,
Theorie und Praxis, II, 413). Aliás, a verdade das proposições, de que tratamos, não se apura no direito interno, porque
é indiferente se é a lei interna ou se é a atividade delibadora ou homologatória do juiz que marca os limites da
importação (por isso, sem razão a crítica de Enrico Tuílio Liebman, L’Azione per la delibazione, Rivista, IV, Parte 1,
291, nota 3, a Konrad Hellwig, Anspruch und Klagrecht, 175). No plano interestatal e supra-estatal, o que é certo,
pelas fontes de tais ordens jurídicas, é que todo exame de hoje supõe a sentença estrangeira como sentença, como
prestação jurisdicional. Nessa qualidade, ela se projeta, radia; e a ação de homologação tem por fito integrá-la, para
que a sua força e os seus efeitos se introduzam na ordem jurídica do país de importação. Não só a força executiva, nem
só a mandamental; nem só os efeitos executivos e mandamentais. Também a força e os efeitos executivos e
mandamentais. Também a força e os efeitos de coisa julgada material, uma vez que se pôs em relevo ser de origem
processual (teoria processualistica da coisajulgada). Também a força e os efeitos constitutivos, quando tenham de
operar, ex novo, no Estado de importação; e.g., quando se tenha de dar baixa em registros em virtude de sentença
constitutiva estrangeira. A sentença estrangeira no juízo da homologação não é somente fato jurídico, ou ato jurídico,
ou negócio jurídico; é prestação jurisdicional “estrangeira”. A pretensão de homologar nasce de haver essa sentença,
de ter o seu titular, a seu favor, ou contra si, o julgado estrangeiro. A ação de homologação é exercício dessa
pretensão, que nada tem com a pretensão de direito material, de que nasceu a ação exercida perante o tribunal
estrangeiro. t,Que é que a ação segunda colima obter? A introdução da eficácia da sentença estrangeira dentro do país.
Tal ação é, portanto, constitutiva integrativa. Não é declarativa. O elemento declarativo está em questão prejudicial:
i,Houve sentença estrangeira? A resposta afirmativa não basta; é apenas degrau que se sobe. Homologativa, ou
delibativa, a nova sentença faz mais do que declarar.
Porque a importação da eficácia depende de ato integrativo, que é a homologação da sentença estrangeira, o ato
integrativo pode ser total (para importação de toda a eficácia sentencial), ou parcial (para algum ou alguns dos efeitos
sentenciais).
Enrico Tuílio Liebman, que concorreu para certos esclarecimentos precisos, ali por volta de 1927 (L’Azione per la
delibazione, 292), por haver permanecido na distinção anzilottiana de conteúdo e sanção, não pôde analisar a
delibação quanto a cada um dos cinco elementos, apesar de ser um dos mais preparados para isso, pelo menos quanto
aos três elementos com que trabalhou a processualística italiana, isto é, com a classificação tripartida das ações. A
noção demasiado abstrata, vaga, complexa, de sanção obstou-lho. Tem-se de abstrair da “sanção”, noção perturbadora.
Não é possível resposta global, a priori, pela diversidade mesma das eficácias sentenciais.
Entre Giuseppe Chiovenda, Gaetano Morelli e Enrico Tuílio Liebman, que consideraram a sentença de delibação
sentença constitutiva, há diferença de conceitos: o primeiro fala de constituição de vontade do Estado, de conteúdo
conforme a sentença estrangeira; o segundo, de constitutividade da eficácia (força e efeitos), tal como se concede no
estrangeiro; o terceiro, de eficácia, sendo o mesmo, sempre, o seu conteúdo, porque se abstrai do próprio conteúdo da
sentença estrangeira. Esse ponto, para nós, possui valor acima do direito positivo interno: j,O direito processual do
Estado de recebimento “importa” a eficácia da sentença estrangeira, tal como o direito estrangeiro a concebeu; ou a re-
produz, uma vez que faz a sentença estrangeira hábil à força e aos efeitos do direito processual do juiz homologante?
Gaetano Morelli é quem tem mais razão, e o seu artigo de 1924 representou contribuição notável à investigação
científica da natureza da ação de delibação ou de homologação de sentença estrangeira.
Faltou a Gaetano Morelli frisar que a sentença era constitutiva integrativa da sentença estrangeira, de modo que, ao se
ter de executar como sentença de condenação, ou como sentença executiva, ou mandamental, ou respeitar-se como
sentença declarativa, é ilusão pensar-se que se está a executar ou respeitar a sentença da homologação o que se
executa é a sentença integrada. Essa ilusão também vitimou a Francesco Carnelutti, quando sustentou ser constitutiva
a sentença de delibação para a eficácia executiva e declarativa para a força material de coisa julgada (Lezioni, IV,368
s.). Influência do direito positivo “expresso” alemão (Ordenação Processual Civil alemã, § 328); mas a solução da
questão independe do direito interno positivo. Estamos nós a construir no direito supra-estatal, ou, pelo menos,
interestatal. Nesses, a exigência da sentença de homologação e a dispensa, sendo oriundas de atos legislativos internos,
supõe que o Estado pudesse nao dispensar nunca a homologação. Se a sentença estrangeira possui força ou efeito que
o direito do Estado a que pertence o juiz homologante não tem essa força, esse efeito, não se pode produzir, mas a
eficácia da sentença estrangeira integrada é sempre a da sentença estrangeira, antes da integração. Ora, se o Estado da
importação confere outra força ou outro efeito, é força ou efeito seu, que nada tem com a homologação, força ou
efeitos que ele cola à sentença estrangeira como fato jurídico, ato jurídico, negócio jurídico, ou o que quer seja, e não
força ou efeito do julgado estrangeiro integrado em sua eficácia. Alguns efeitos anexos podem ocorrer.
(b) A Lei n0 2.615, de 4 de agosto de 1875, art. 60, § 20, autorizou a regulamentação da execução das sentenças
estrangeiras: e foi elaborado por Lafaiete Rodrigues Pereira o Decreto n0 6.982, de 27 de julho de 1878, que adotou o
critério da reciprocidade. Depois foi criado o exequatur para a falta de reciprocidade (Decreto n0 7.777, de 27 de julho
de 1880). A República acabou com o exequatur por falta de reciprocidade e instituiu a homologação, quer dizer
desfez a limitação da ação de cumpra-se e da ação de execução de sentença, aliás limitação artificial, fictíc’ 2, em
muitos casos.
A Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894, art. 12, atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para
homologar as sentenças dos tribunais estrangeiros, como parte integrante da competência (Constituição de 1891, art.
59, 1, d) para julgar reclamações entre Estados estrangeiros e o Brasil (fricção interestatal). Pedro Lessa (Do Poder
Judiciário, 74-78) não dissera palavra sobre os elementos da sentença. João Mendes de Almeida, que vira (Direito
Judiciário Brasileiro, 524) diferença entre força executiva e efeito executivo e quase isolara a ação mandamental
(543), não descera à questão de definir “exequível” (Lei n0 221, art. 12, § 40) tratando-se de sentença estrangeira.
(c) a) Quanto ao efeito executivo da sentença de condenação, é ele o quodplerumquefit e fora de dúvida.
b) Quanto ao elemento mandamental, nunca se admitiu que a força ou efeíto da sentença estrangeira de mandamento
se operasse no Brasil, sem homologação ou sem rogação. À parte a questão interestatal da competência, o arresto e o
sequestro, como a caução e o depósito, teriam de ser pedidos por meio de cartas rogatórias, e não por meio de
homologações de sentença.

c) Quanto ao elemento executivo, ou se trata de adiantamento da execução, tal como se dá nas ações executivas de
títulos extrajudiciais, ou se trata de sentença com eficácia de execução (provavelmente mandamental), ou como efeito
executivo (execução de sentença), a jurisprudência foi acorde em exigir a homologação. Temos, pois, desde já, que a
palavra “exeqilíveis” alude à “execução” de quaisquer sentenças em ações de condenação, ou em ações mandamentais.
Restam os casos do elemento declarativo, do elemento condenatório e do elemento constitutivo. O adiantamento é
possível, desde que caiba segundo o direito processual brasileiro.
d) Quanto ao elemento declarativo, aí o problema assume aspectos, teórico e prático, mais graves, a) Teórico, porque
põe sobre o tablado questão precisa a de ser “exequibilidade”, no sentido do art. 483, além da exequibilidade da
sentença executiva, ou da sentença condenatória, ou da sentença mandamental, a da sentença declarativa. Propôs A
contra B, em Londres, ação declaratória e obteve sentença favorável em que se declarou existente (ou inexistente)
relação jurídica entre as partes. A deseja exercer no Brasil a ação de cominação, que a lei lhe confere, ou a de
condenação. Se a homologação é necessária às sentenças declarativas, precisa ele de fazer homologar a carta de
sentença antes da ação de cominação ou da condenação. b) Prático, porque o Supremo Tribunal Federal baralhou, por
muito tempo, e ainda hoje, os conceitos de declaração e constitutividade, chamando declaratórias a algumas sentenças
constitutivas (adiante, volveremos ao assunto). Veremos ser de assentar-se que as sentenças nas ações declarativas
precisam de homologação sempre que se lhes pretende a força comum a todas elas a de coisa julgada material, e
sempre que se lhe queira algum outro efeito.
e) O mesmo havemos de entender quanto às sentenças nas ações de condenação.
O Quanto ao elemento constitutivo, sem conhecimento das classes das ações, o Supremo Tribunal Federal e as justiças
locais exigiram a homologação às sentenças sobre estado e capacidade (Supremo Tribunal Federal, 21 de setembro de
1899, D., 81, 58; 10 de agosto de 1916, R. J., V, 120; 29 de agosto de 1917, R. J., 11 297; 27 de maio de 1922, R. de
D., 65, 544; de 9 de janeiro de 1924, R. S. T. F., 65, 103; Corte de Apelação do Distrito Federal, 27 de maio de 1921,
R. de D., 65, 544); sendo de notar-se que a antiga Corte de Apelação do Distrito Federal por vezes tentou limitar o
sentido de “exequíveis” as sentenças de condenação, entendendo que as sentenças estrangeiras sobre estado e
capacidade independiam de homologação (18 de janeiro de 1929, R. de D., 93, 313; 12 de novembro de 1923 e 15 de
abril de 1926, 81, 174; 25 de outubro de 1927, 86, 386). Nenhum apoio em lei tinha isso.
g) O problema está todo nas sentenças constitutivas. À discriminação liminar é que havemos de dever o melhor meio
metódico de o resolvermos. Referimo-nos à noção de força e efeitos operados no país da sentença e para todo o
mundo eforça e efeitos importados. Aqueles são como os corpos dos viajantes: não passam pelas alfândegas. Passam
esses, e têm de ser verificados. A homologação 0e o despacho fiscal têm as suas parecenças.
Consolidando os arts. 10, 11 e 13 do Decreto n 6.982, de 1878, o Decreto n0 3.084, de 5 de novembro0 de 1898, Parte
V, art. 14, empregou o verbo “carecer” no sentido errado de “precisar”, que lhe dera o Decreto n 6.982, e disse
carecerem de homologação as sentenças estrangeiras de partilhas, as meramente declaratónas (?) como as que julgam
questões de estado das pessoas e as arbitrais homologadas por tribunais estrangeiros. Não sendo declarativas todas as
sentenças sobre estado e capacidade das pessoas, ficou a confusão quanto à extensão do conceito: ~,seriam todas as
ações da classe das questões de estado, portanto, de regra, constitutivas, ou seriam as ações declarativas e, por simples
lapso do legislador, as ações de estado? Aliás, a Lei n0 221 não precisava falar disso: o seu critério era 0
de não serem
“exequíveis”, sem homologação, quaisquer sentenças estrangeiras. Os que liam o art. 15 do Decreto n 3.084, como se
dispensasse a homologação, tresliam. em vez de dispensar, o Decreto n0 3.084, repetindo o de 1878, explicitara que as
sentenças como as de estado das pessoas, a de partilha e a de juízo arbitral precisavam da homologação. Por onde se
vê quão perigoso é redigir-se lei sem se procurar o termo próprio e sem se conhecer a fundo o ramo do direito.
O art. 15, parágrafo único, do Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, estatuiu: “Não dependem de
homologação as sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas”. ~,A regra jurídica é de exceção ao
princípio da necessidade da homologação para que se importe a eficácia das sentenças?
O art. 15, parágrafo único, do Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, dispensou a homologação das
declaratórias de estado; mas os legisladores não sabiam de que falavam, porque ficariam fora sentenças em ações de
estado que não dissessem que A é casado ou solteiro, A é filho legítimo de 8 ou não.
Na doutrina, Samuel Martins (Execução das Sentenças Estrangeiras no Brasil, 104) estava à procura de distinção
quando recomendava conhecer-se, previamente, se o julgado sobre o estado e a capacidade tinha efeitos patrimoniais.
Exemplificava: arrecadação, modificação ou extinção de obrigações. Ai, exigia a homologação. Era a busca do que ele
não sabia bem o que seria o elemento executivo, não-preponderante, da ação constitutiva,
erradamente classificada por ele e por Lafaiete Rodrigues Pereira (Decreto n0 6.982, art. 11) como “declaratória”.
Contra essa atitude de Samuel Martins esteve Oscar da Cunha (A Homologação da Sentença Estrangeira, 77 5.):
qualquer sentença precisa ser homologada. A verdade dava a mão a um e a outro. Todas as sentenças estrangeiras
precisam de homologação, está certo; alguns efeitos se operam independentemente da homologação, também está
certo. Mas, ~,que efeitos são esses? Não os efeitos anexos também ditos próximos, ao lado, vizinhos, os
Nebenwirkungen, ainda se a favor e contra todo o mundo, inclusive para as autoridades. Mas há força constitutiva e
efeito constitutivo que se operam erga omnes, sem dependência de lugar.
Em qualquer caso, é o direito estrangeiro que responde se a sua sentença tem força formal de coisa julgada e qual a
força além dessa, e os efeitos que tem. Nunca o direito brasileiro pode dar mais força material de coisa julgada ou mais
efeito à sentença estrangeira do que ela tem. Se isso parece ocorrer, é conseqi.iência de corte por invocação de ordem
pública (aplicação da lei de direito material, e não da lei de direito formal). Os efeitos anexos dependem das regras de
direito internacional privado. A Corte de Apelação do Distrito Federal tentou distinguir a sentença em sua força e em
seus efeitos e a sentença no que somente atesta situação de fato (9 de novembro de 1915, R. de D., 40, 164); mas
englobou força e efeitos sentenciais já consumados, que não vêm mais com a sentença, e sim com a pessoa, e efeitos
que se hão de produzir no Brasil.
(d) A verdadeira solução, no estado atual do direito processual brasileiro, é a seguinte:
a) Ao Supremo Tribunal Federal, diante de algum pedido de homologação de sentença estrangeira, não cabe dizer que
tal sentença, por sua natureza, não precisa de homologação. Atitude diferente, na falta de regras jurídicas de exceção,
como foram as dos arts. 10, 11 e 13 do Decreto n0 6.982, seria extremamente perigosa, pelas razões seguintes: a) todas
as sentenças, ainda declarativas, têm certo elemento, embora ínfimo, de executividade, ou de mandamento; b) para se
adotar critério fixo, ter-se-ia de marcar certo grau de intensidade desses elementos nas sentenças constitutivas e
declarativas, o que exigiria estudo de cada uma das ações declarativas e constitutivas dos diferentes sistemas jurídicos,
de modo a serem discriminadas as que exigiriam e as que não exigiriam homologação, e isso a ciência não fez; c) não
seria vantagem a marcação da letra b), por existirem diferenças entre os interesses atingidos pelos elementos executivo
e mandamental, criando outro problema o de escalonamento desses interesses.
b) O problema aparece quando se apresenta a carta de sentença ou certidão autenticada, como ato estrangeiro, quer ao
Supremo Tribunal Federal, quer às outras justiças, e se pretende que lhe seja dispensável a homologação. Aqui, tem de
ser apreciada a sentença como ato jurídico, talvez mesmo como fato jurídico; porém levanta-se a questão de se saber
qual a projeção da sentença somente como ato jurídico e onde começam os efeitos e força que são da sentença.
Naturalmente, o juiz logo repelina qualquer efeito executivo e talvez pensasse que aí estaca a exigência da
homologação. Houve certa tendência dos escritores e juizes brasileiros para tal atitude, que também prevaleceu, até
certo tempo, noutros países, e.g., na Itália, com G. Fusinato (Esecuzione delle sentenze straniere, 121, s.) e Enrico La
Loggia (La Escuzione delle sentenze straniere, 271, s.). Neste século, os juristas tatearam, porque lhes pareceu que não
só o elemento executivo era relevante para o país de importação; mas faltavam-lhes meios de estudo técnico da força e
efeitos da sentença. Na própria Itália, haviam Pasquale Fiore e Dionisio Anizilotti (1901) começado a demolir a velha
teoria e a construir a da necessidade, sempre, da delibação. O último pretendia que a distinção entre conteúdo e sanção
bastasse como chave do problema. Puro engano; e os resultados, a olhos vistos, foram nenhuns.
c)Quanto à coisa julgada material, o argumento para se reputar eficácia dependente de homologação é o de não ser
força ou efeito comum aos títulos; é específico da sentença como vontade do Estado. Não há dúvida que o argumento
pesa. A força material da coisa julgada atinge a própria atividade processual do outro Estado, como objeto de exceção
ou de base para outra ação (a de condenação, por exemplo). A força e o efeito de coisa julgada material têm de
depender da homologação; ou se haveria de reconhecer à sentença estrangeira a atuação na ordem processual do outro
país. Estranhamos não termos encontrado essa razão, tão forte como é, apontada nos tratados e monografias. A
preclusão e a força material nasceram fora.
A palavra “exequíveis”, empregada em dois sentidos nos sistemas jurídicos processuais de alguns países e, no Brasil,
ao tempo do Código de 1939, obrigou os juristas, a respeito do primeiro, a distinguir da eficácia executiva em senso
próprio a eficácia executiva em senso impróprio. Com isso, apenas se aludia ao desconhecimento das eficácias de
declaração, de constituição, de condenação, ou de mandamento, que acaso exigissem o exame pelo país de importação.
Na falta de pesquisa científica, deixou-se que os casos forenses, através dos julgados, fossem elaborando a doutrina
(casuística jurídica, pluralismo na revelação da regra jurídica). Verdade é, porém, que o direito processual desses
países ainda não havia explorado suficientemente o terreno dos efeitos não-executivos e da dose executiva nas
sentenças não-executivas, para que se pudesse compor a solução satis
fatóna. Deixamos de lado, nessas notas, as telas de peneira que os legisladores de outros povos interpuseram às
sentenças estrangeiras, para dizerem, de antemão, com critério teoricamente arbitrário de determinação, quais os
efeitos que precisam da homologação da sentença. No Brasil, também, os juizes não conseguiram reduzir a enunciados
claros os casos de sentenças estrangeiras que não precisavam de homologação; e o art. 15, parágrafo único, do
Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, veio, ainda mais, turvar o assunto. Mas sempre se julga bem
compreendendo-se o fio histórico e atendendo-se à posição sistemática de cada instituto.
(O Código de 1939 falava, no art. 786, de “exequíveis”, e nos arts. 787-789, apenas tratou em particular das sentenças
em matéria de falência e de concordata. Tudo estava, portanto, em se determinar o conteúdo de “exequíveis”. De
modo que, fora dos arts. 787-789, não havia peneira legislativa, arbitrária; havia apenas a que fosse indicada pela
ciência. O legislador confiara à doutrina e à jurisprudência apontar os casos em que o juiz tem de exigir a prévia
homologação. Igual dever corre a esse diante da ineptia legis do art. 15, parágrafo único, do Decreto-Lei n0 1.657).
Tivemos de fazer longa critica aos textos anteriores e esforçar-nos para que não se permanecesse na confusão
conceptual daqueles tempos. Felizmente o Código de 1973 riscou a referência a “exequíveis” e acertadamente disse
que “a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo
Supremo Tribunal Federal” (o grifo
67

Toda força e todo efeito que o titulo estrangeiro possa ter, dentro do seu pais, a sentença estrangeira tem. Ela é título: e
um plus. A esse pIas éque se exige o exame, para eficácia dentro do país de importação. O único efeito que tem a
sentença estrangeira, como sentença, é o de produzir nos países que não são aqueles em que ela foi proferida, a favor
de quem dela precisa e a pode invocar, a pretensão à homologação. A essa pretensão corresponde a ação de
homologação. Os próprios prazos extintivos da pretensão de direitos material, que serviu de base à sentença, da
pretensão à homologação e da pretensão à actio iudicati ou outra de produção de eficácia da sentença, ou do simples
cumprimento do mandado são diferentes. A ação que emana da pretensão à homoloQgação não é a ação da causa em
que se proferiu a sentença homologanda. É ação fundada em documento, com o fito de conferir a esse título a
produção de eficácia de sentença dentro

67 O art. 35 da Lei n0 9.307, de 23.09.96, estatui que “para ser reconhecida ou executada no Brasil,a
sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homoIogação~o do Supremo
TribunalFederal”.

do país. A maior parte dos requisitos são pressupostos processuais, porque se prescinde de qualquer indagação do
mérito da ação primitiva.
As sentenças proferidas em ações de desquite, divórcio, nulidade e anulação de casamento são constitutivas. Precisam
de homologação (Supremo Tribunal Federal, 5 de junho de 1946, R. dei. B., 79, 132, e 14 de outubro de 1948, A. J.,
90, 375; Conselho de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 13 de fevereiro de 1947, R. F., 113, 132;
absurdo, nos conceitos a respeito de eficácia das sentenças e homologação, o acórdão da 6~ Câmara Civil do Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 3 de dezembro de 1948, Revista dos Tribunais, 178, 197, Revista Forense, 125, 513).
Sempre que, com a sentença declarativa, se quer eficácia constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva,
portanto por ter a decisão qualquer dessas eficácias imediata, (4) ou mediatamente (3), é de mister a homologação.
Idem, quanto à força mesma.
A eficácia que se pretende é a eficácia importada; portanto, é preciso que se alegue e prove ter carga suficiente de
eficácia, segundo o direito que foi aplicado, a sentença estrangeira (cf. Supremo Tribunal Federal, 19 de agosto de
1948, Revista Forense, 121, 396).
O que interessa, para se firmar que a sentença sobre estado das pessoas precisa ser homologada no Brasil, é saber-se se
se quer algum efeito no Brasil. Efeito a que se alude sem ser efeito que venha alterar ajuridicidade no Brasil é efeito
que conceme à pessoa e só atinge a pessoa e o que se passou no sistema jurídico estrangeiro. Se a sentença é sobre
desapropriação de bem sito no estrangeiro, ou sobre negócio jurídico voluntário ou compulsório de bem subordinado à
lex rei sitae estrangeira, não é sentença que se haja de homologar se, por exemplo, tem de ser inserta nos autos de ação
de partilha de herança para se computar no cálculo o valor da prestação recebida ou a ser recebida. Se a sentença
estrangeira é sobre filiação ou legitimidade da filiação de pessoa, estrangeira, que se diz ser filho, ou que a pessoa
estrangeira diz ser seu filho, não precisa de homologação; salvo se a pessoa fora considerada no Brasil por ato
judicial, ou negocial, ou conforme registro filha de outrem, porque então o efeito teria de ser importado para atingir
situação existente no Brasil. Se a sentença estrangeira é de divórcio e o casamento foi feito no Brasil, ou se há filhos
brasileiros, ou domiciliados no Brasil, a que a sentença se refira, ou se um dos cônjuges é de nacionalidade brasileira,
a sentença há de ser homologada para que o juiz brasileiro possa, por exemplo, atender quanto aos poderes paternos e
matemos. Se a sentença é sobre nulidade ou anulação de casamento e o casamento foi celebrado no Brasil, ou um dos
cônjuges édomiciliado no Brasil, ou tem filho domiciliado no Brasil, a homologação é necessária para que se proceda
a qualquer ato no Brasil, e.g., ato de registro
de imóvel, ou direito de uma das partes a tomar parte, como cônjuge, em sessões de sociedade, ou em clubes.
Se nenhum efeito de sentença é importado, como se os cônjuges, estrangeiros e domiciliados no estrangeiro, se
divorciaram, e volveram solteiros, ou casados em novas núpcias no estrangeiro, a homologação seria de manifesta
superfluidade. Estrangeiros que alhures se divorciaram podem vir (ou tornar) no Brasil e aqui permanecer solteiros, ou
casar-se, ou ir casar-se no estrangeiro. Tudo se passa sem qualquer repercussão no ordenamento jurídico brasileiro.
3. Homologação de sentença estrangeira e rescisão de sentença A homologação de sentença e a ação rescisória têm de
comum serem exames de sentenças; mas, enquanto essa pode, em certos casos, invadir o julgado, aquela se mantém
por fora. Não se diga que a não-produção de eficácia devido à ordem pública e aos bons costumes é invasão; de modo
nenhum:
é mérito da ação de homologação, que repele essa eficácia como qualquer juiz repeliria a produção de efeitos da lei
estrangeira. Aliás, esse corte de eficácia, ainda quanto a leis estrangeiras, é sempre possível, qualquer que seja a ação.
Não só esse corte: o corte, por infração de regras de direito interestatal e, afortiori, de regras de direito das gentes. Em
ambos os casos, falta ao magistrado estrangeiro autoridade para o título mesmo.
Foi Gaetano Morelli, em 1924 (Giudizio di delibazione, Rivista di Diritto Internazionale, 1924, 395-404), quem viu,
se não primeiro, pelo menos de modo claro e definitivo, a autonomia material e processual da ação de homologação,
tentando, já àquele tempo, classificá-la como ação constitutiva, de sentença igualmente constitutiva. Apenas não
distinguia da ação constitutiva pura a constitutiva integrativa, a simplesmente integrativa. Por seus argumentos, é de
crer-se que pensava ele em constitutiva pura. Já se sabe mais do que isso hoje em dia.
A homologação reconhece à sentença estrangeira toda a eficácia (força e efeitos), que a sentença estrangeira teria no
pais, salvo se a ordem pública e os bons costumes se opõem (outra questão) ou não se podem produzir no país de
importação (nosso Tratado de Direito Internacional Privado, 1, 255-2920; e a habilita-a àquela que a lei brasileira lhe
cole, a mais. Esse elemento declarativo (“reconhece”, “habilita-a”, dizemos) ésuperado pelo elemento constitutivo,
porque a produção do elemento que se esperava à sentença estrangeira cessou à fronteira do país de exportação. Ora,
se essa produção já se tivesse realizado de todo, a homologação seria supérflua. Há, certo, casos dessa natureza. E ai
está o problema. Daremos em resumo as nossas pesquisas de longos anos, nesse terreno.
A sentença constitutiva integrativa da ação de homologação integra o ato estrangeiro, (fazendo-o, aqui, eficaz; integra-
o, não constitui eficácia (força e efeitos). Não produz; abre a porta à produção de eficácia de (1) eficácia que tenha de
ser no país e seja (2) eficácia de direito processual. Ficam, fora, portanto, (3) os efeitos anexos de direito material e
os (4) efeitos que se tenham produzido fora. Donde:
(a)O juiz somente se deve preocupar, para exigir a homologação com força e efeitos que tenham de ser produzidos,
dentro do país:a execução forçada (executiva); a coisa julgada material (força e efeito declarativos); a atuação nos
registros públicos ou em órgãos instrumentais de execução (força e efeito mandamentais); a nulidade de ato que esteja
a produzir efeitos positivos no pais (força e efeito constitutivos), e.g., se o casamento foi realizado no Brasil ou um dos
cônjuges é domiciliado no Brasil; a legitimação à execução ou outro efeito em virtude de sentença condenatória (força
e efeito de condenação).
(b)O juiz, para saber se determinada sentença precisa de homologação, somente deve cogitar de verificar se a força ou
o efeito, que se lhe pede. é processual. A coisa julgada material é força ou efeito de direito processual. A atuação em
registros públicos, levantamento de quantias, ou de medidas decretadas por autoridades (não só judiciárias) do país,
etc., éde direito processual. A força ou efeito de sentença de nulidade do casamento ou de qualquer negócio jurídico é
de direito processual. A força da sentença executiva é de direito processual. Os efeitos de coisa julgada material e
executiva da sentença de condenação são efeitos de direito processual. Aliás, antes, logicamente, disso está a
preclusão, e toda preclusão quanto a resoluções judiciais é processual.
(c)Ojuiz nunca se pode prestar a reconhecerforça ou efeito executivo, no Brasil, da sentença estrangeira: portanto, já se
exclui dispensa de homologação para qualquer força ou efeito executivo, qualquer que seja a sentença. Assim, a) a
qualquer sentença executiva, de cognição completa, ou incompleta, com adiantamento, ou não, da execução, b) a
qualquer sentença, ordinariamente a de execução, que tenha efeito executivo. O Supremo Tribunal Federal nunca
pensou de outro modo, quer quanto à força executiva (14 de outubro de 1925, R. de D., 78, 11), ainda que provisória a
execução (26 de junho e 29 de dezembro de 1915, R. J., 11,473), querquanto ao efeito executivo. As sentenças de
partilha, pelo elemento executivo, têm de ser homologadas no Brasil (Supremo Tribunal Federal, 9 de janeiro de 1924,
R. 5. T. F., 65, 103; 14 de outubro de 1925, R. de D., 78, II). Às vezes, os juizes invocam o elemento declarativo (e.g.,
haver herdeiros brasileiros, porém não haver bens no Brasil), mas isso deforma a ação de partilha e entra
no mérito da sentença estrangeira, em matéria que não diz respeito ao Brasil. Tem-se de examinar a competência,
legislativa e jurisdicional, do pais estrangeiro; não o que foi julgado. Em tais circunstâncias, cabe ao Tribunal apontar
a força ou o efeito que se pretende no Brasil. A eficácia fora do Brasil somente se leva em conta se atinge a eficácm
que há de ter no Brasil. E.g., se o que resta de bens não basta ao pagamento.
(d)O juiz nunca se pode prestar a reconhecerforça ou efeito mnamzdamental, no Brasil, da sentença estrangeira. Estão,
pois, excluidas da dispensa de homologação todas as sentenças mandamentais e todas as sentenças cujo efeito
mandamental se pretenda no Brasil. Ajurisprudência é assaz escassa. Em todo caso, o Supremo Tribunal Federal
negou homologação a sentença estrangeira porque a avaliação dos bens não foi feita, como deveria ser, no Brasil (25
de agosto de 1923, R. 5. T. F., 57, 135; e 28 de junho de 1924, R. de D., 75, 256; 80. 100), posto que haja errado no
mês seguinte (19 de julho de 1924, R. S.T. F., 77, 143). Nenhum “mandado” estrangeiro se cumpre no Brasil: ou se
confere à sentença, mediante homologação, a força ou efeito mandamental. E.g., a 27 de abril de 1927 (R. de D., 85,
460). O Supremo Tribunal Federal teve de enfrentar caso típico: a nomeação do regulador de avaria grossa por tribunal
estrangeiro. O caso não depende de princípios a priori. A qualificação do ato de nomeação do regulador é dada pela
legislação do Estado a que incumbe a regulação da avaria grossa. Pode não ser ato processual: nem, ainda mesmo,
sentença. Se é ato de resolução do juiz, precisa de homologação: o elemento mandamental é evidente: o ajustador é
perito do juiz, ainda que se descesse à descategorização de fazê-lo da livre escolha do armador (sem razão. quanto a
essa descategorização, Hugo Simas, Comentários, VIII, 457). pois os seus atos ficam sujeitos à finalidade dos atos
concernentes à repartição. A descategorização seria quanto àfonte da nomeação e não quanto àfiemzção. Assim a
proposição do acórdão de 1927, que, de ínodo geral, estatui não precisar de homologação o ato de nomeação do
regulador da avaria grossa, pecou em dois pontos: a) não atendeu à qualificação do próprio Estado do juiz nomeante.
ao mesmo tempo que desatendeu à qualificação do Brasil; b) não particularizou qual a força ou efeito que se pretendia
no Brasil. Se o ato éjudicial, a homologação é de mister: se não é. qualquer força ou efeito do titulo depende de ser
reconhecido pelosjuízes em geral como produtor dessa força ou desse efeito no Brasil. A distinção é de grande valor
prático. Desloca-se o problema.
(e)O juiz nunca se pode prestar a reconhecer no Brasil a força ou o
efeito de condenação, sem homologação prévia, porque toda condenação é
a pagar, a restituir, à prisão, a fazer, a não fazer, a declarar, a não declarar.
É o tipo da sentença a que os efeitos complementam. Depois dela, há algo
de muito importante, de que se precisa. Não é golpe já desferido, neín

84
DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
simples ameaça da espada de Dâmocles; é a certeza de que a espada tem de cair. Essa certeza con-dana. O golpe já é
inevitável, tanto que só sentença desconstitutiva (e.g., a do juízo rescindente) poderia suspender a mão que condenou.
Essa mão levantada não baixa ao sair do seu país, porque baixar é força e efeito,fora; nem, sequer, ela se retira:
continua como está, parada, pela impossibilidade de movimento do juiz do Estado A no Estado B, e não entra no
Estado B. Entra o título, não a força ou o efeito; entra (para aproveitarmos a imagem) a cártula, o diploma, a carta, em
que se descreveu o gesto não a mão, o imperiumn. Portanto, não entra o efeito executivo da sentença de condenação
conforme foi dito à letra (c); nem afortiori, a força da condenação, especifica da sentença mesma. Nem se podem
produzir, antes da homologação no Brasil, os efeitos anexos da sentença condenatória; e.g., hipoteca judiciária.
(O O juiz nunca se pode prestar a reconhecer a força ou o efeito da declaração, no Brasil, da sentença estrangeira, sem
homologação prévia; porque a declaração tem de partir de quem possa declarar, e o reconhecimento da força ou do
efeito declarativo estabeleceria a permissão de se apresentar a sentença para a ação de preceitação ou para outra ação
posterior. Tanto mais quanto a ação declarativa pode declarar, implicitamente, a pretensão executiva, ou a de
condenação, ou a mandamental, ou a constitutiva razão por que erraram todos os que entendiam fundar a distinção
entre a ação declarativa e as outras (principalmente a de condenação) na diversidade da pretensão de direito material (a
declaração pode versar sobre a “obrigação”, tal como a condenação, cp., a respeito, Alfredo Rocco, La Sentenza
Civile, 140, s.; Piero Calamandrei, Studi, 1, 180, s.).
(g) Finalmente, o juiz não pode reconhecer aforça ou o efeito constitutivo da sentença estrangeira, dentro do Brasil,
sem prévia homologação. Aqui, o Supremo Tribunal Federal tateou anos a fio, muitas vezes em desesperado lutar com
a deficiência da cultura jurídica processual. Afastemos, desde logo, a invocação de ordem pública e dos bons
costumes, ou a de não haver, no pais, a força ou efeito; porque esse problema é outro problema, concemente à
importação da lei estrangeira (nosso Tratado de Direito Internacional Privado, 1, 255-292). A antiga Corte de
Apelação do Distrito Federal, a 27 de maio de 1921 (R. de D., 65, 544), feriu um dos pontos, quando disse que a
sentença sobre estado e capacidade das pessoas precisa de homologação para ter efeitos no Brasil. Efeitos (e força),
claro, que se introduzam no Brasil, ou que introduzam negação de força ou efeitos produzidos no Brasil. Assim se
definem “efeitos (e força) no Brasil”. O Supremo Tribunal Federal, a l~ de agosto de 1916 (R. J., 5, 120), enunciou
que da homologação precisa a sentença de interdição, proferida no estran~ geiro, para produzir força ou efeitos no
Brasil. Entendamos: se o curador do incapaz quer pedir autorização para venda de bens, ou para que se
1
COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
85
reconheça em juízo, ou em qualquer ato que dependa do incapaz, a sentença estrangeira de interdição. Outrossim, se se
pretendem força ou efeitos no Brasil da sentença de investigação da paternidade (cf. Supremo Tribunal Federal, 29 de
agosto de 1917, R. J., 11, 297). Os suplementos de idade e emancipações, em virtude da resolução judicial, ainda
hómologatória, precisam de homologação para efeitos no Brasil (Supremo Tribunal Federal, 5 de setembro de 1914,D.
O., de 24de outubro). Até para as averbações ou os cancelamentos de averbações em papéis de crédito, têm de ser
homologadas as sentenças estrangeiras (23 de dezembro de 1914, D. O., de 9 de maio de 1915). Trata-se de efeitos
mandamentais ou dependentes de força constitutiva ou de efeito constitutivo. Não se produzem no Brasil, também,
antes da homologação, os efeitos anexos, posto que só os relativos a regras jurídicas do Brasil.
Decidiu a ía Turma do Supremo Tribunal Federal, a 6 de novembro de 1943 (D. da J. de 2 de maio de 1944, 1822),
que a adoção “ratificada” (?) por tribunal estrangeiro (in casu, alemão) foi objeto de sentença homologatória e, pois,
não precisa ser homologada no Brasil. O acórdão partiu de generalização desabusada do conceito de sentença
homologatória, como se todas as sentenças homologatórias fossem de uma só classe e não sentenças (!). Além disso,
invocou, sem razão de ser, as regras jurídicas sobre homologação de “sentença” estrangeira, como se se aplicassem às
“homologações” estrangeiras, uma vez que o processo de adoção, segundo o direito alemão, tende a exame judicial,
que não é só integrativo da forma. Nem cabe pensar-se em “ratificação” (?), nem em mero arbítrio, ou graça. Além de
integrativa, a Bestãtigung do Código Civil alemão, § 1.754, concerne à eficácia e firma a presunção da validade da
relação jurídica que o negócio jurídico criou (Franz Schlegelberger, Die Gesetze ilber die Angelegenheiten der
freiwilligen Gerichtsbarkeit, 1, 528); donde certa eficácia quanto ao ônus da prova (Georg Kuttner,
Rechtsvermutungen aus Akten der f. G., Jherings Jahrbiicher, 61, 177). Tratar-se tal decisão como integrativa de
documento (negócio jurídico), não entrando no plano das sentenças constitutivas integrativas, seria menos certo,
porém não absurdo. Mas reduzir a tal categoria todas as sentenças homologatórias inclusive as homologatórias de
sentença estrangeira, portanto é aplainar o inaplainável. Ora, a Bestãtigung é sentença; e sentenças estrangeiras
precisam de homologação. Aliás, a homologação judicial é, de regra, sentença constitutiva integrativa.
O problema (1) da homologação das sentenças estrangeiras supóe resolvidos os (A) problemas da eficácia das
sentenças estrangeiras no espaço (interestatalmente); e fica em frente aos problemas (B) similares, deeficácia das
sentenças brasileiras no estrangeiro, que nos escapam, pois que estamos a tratar do direito processual brasileiro, e não
da eficácia das sentenças brasileiras no estrangeiro, e em frente ao problema (2) dos respectivos pressupostos para
exportação da sua eficácia. Até onde poderiam ir, na determinação dos pressupostos de (A) e de (1), o legislador
brasíleiro, e, na determinação dos pressupostos de (B) e de (2), o legislador estrangeiro, depende das regras supra-
estatais, portanto do direito das gentes, ou do direito negocial interestatal.
Não há homologação de sentença estrangeira se não há prova de que já transitou em julgado (no mesmo sentido, a
Súmula n0 420).
Às decisões proferidas em ação de homologação de sentenças, sejam favoráveis ou desfavoráveis, não cabem
embargos infringentes do julgado (cf. Regimento Interno no Supremo Tribunal Federal, art. 310).68 Aliter, embargos
de declaração.69

Art. 483. A sentença 2) proferida por tribunal estrangeiro’)


não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada ~> pelo Supremo Tribunal Federal 3) 4),
Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o regimento interno do Supremo Tribunal Federal ~) ~)
‘).
1. Eficácia de sentenças estrangeiras Cartas de sentença, dizia-se, e não certidões (Supremo Tribunal Federal, 23 de
dezembro de 1914, D. O. de 9 de maio de 1915, 5189, e farta jurisprudência posterior); posto que, a 16 de setembro de
1927 (R. de D., 89, 556), 15 de julho de 1925 (R. de D., 77, 256) e 23 de setembro de 1929 (A. 1., 13, 17), se tenham
admitido certidão e peças autenticadas equivalentes à carta de sentença. Se tal é a qualificação estrangeira, não há
outro caminho; aliter, se o direito estrangeiro tem carta de sentença (a coisa, não o nome). Conforme antes dissemos, o
legislador de 1973 fez bem em retirar a referência à executividade, o que assaz exprobramos ao texto de 1939 e outros.
A nossa crítica, a que o legislador de 1973, atendera, já havia sido acolhida pelajurisprudência.
(a) Antes de homologada, a sentença estrangeira não tem aqui, eficácia de sentença. Falta-lhe, dentro do nosso
ambiente jurídico, qualquer força

68 O atual regimento interno do STF, art. 333, não inclui o julgamento da sentença estrangeira entre os casos em
que se admiein embargos infringentes, incabíveis por isso e não previstos para a hipótese em qualquer outra lei.
69Embora o art. 535, 1, do CPC fale em sentença ou acórdão, admitem-se os embargos de declaração contra
absolutamente toda e qualquer decisão judicial (despacho, inclusive de mero expediente, decisão interlocutória.
sentença, acórdão).

j
ou efeito de ato jurisdicional (em contraposição a ato estatal não-jurisdicional). Falta-lhe, pois, eficácia declarativa,
ainda que seja sentença declarativa típica; eficácia constitutiva, ainda que seja sentença constitutiva (os que casaram
no Brasil, ainda casados são, a despeito da decretação da nulidade alhures); eficácia condenatória, ainda que seja ela
sentença de condenação; eficácia mandamental, posto que seja sentença de mandamento (a penhora no Brasil
continua, e só se levanta depois de homologada a sentença do juiz estrangeiro que a rogou); eficácia executiva, ainda
que se trate de sentença executiva (a sentença de execução de declaração de vontade depende da homologação, como
as demais sentenças). O que se tem, com a sentença estrangeira, é título estrangeiro ainda desprovido de qualquer
eficácia de ato jurisdicional; e tal inidoneidade somente cessa quando passa em julgado a sentença proferida na ação
de homologação. Éentão que aquela entra na classe das sentenças eficazes na ambiência nacional, à custa da sentença
nacional que a reveste, que a ho,no-loga.
(b)O valor do documento, a sentença estrangeira possui-o; mas épreciso não se sair da linha verdadeiramente sutil
que separa a eficácia da sentença estrangeira, como ato jurisdicional, e a eficácia puramente documental. Porque ela
ainda não tem aquela, não se pode falar de eficácia de coisa julgada material, ope actionis, ou ope exceptionis; nem
mesmo de obstáculo a que se discuta, no juízo brasileiro, a questão. A eficácia puramente documental não vai além de
elemento com que o documento que também é sentença concorre para o livre convencimento do juiz (art. 131). Falta-
lhe aquela obrigatoriedade, que é própria da coisa julgada material, muito embora a eficácia documental se tenha de
circunscrever aos limites subjetivos e objetivos dessa. O exemplo mais conspícuo é o da sentença estrangeira,
condenatória ou declaratória, a favor do credor, na qual se precise o quanto devido (“dívida certa e liquida”). Tal
documento de “dívida certa e líquida” não satisfaz o requisito de “instrumento público”. A cognição incompleta, que
aí está, basta a provas na ação executiva. Mas, apresentada contestação, não está o juiz obrigado à coisa jul.gada
material da sentença estrangeira: é-lhe permitido, no seu livre convencimento, atender a outras provas, podendo
completar a cognição ou pela negação da incompleta cognição anterior (+ ½ ½ 0) ou pela confirmação (+ ‘/2 +
=1). Isso nunca lhe seria dado fazer, se homologada estivesse a sentença. Na audiência de instrução e julgamento, até
se encerrar o debate, a exceção de coisa julgada material, fundada na sentença estrangeira recentemente homologada, é
oponível. Nada obsta a que se oponha no intervalo entre a audiência de instrução e a de publicação da sentença, ou a
que se oponha no recurso, para que o mesmo juiz recorrido, se for o caso disso, ou o juízo ad quem, atenda, como
deve, à coisa julgada material.
(c)Trânsita em coisa julgada a sentença que somente atribuiu àsentença estrangeira a eficácia documental, antes da
homologação dessa, a homologação posterior não perfaz o pressuposto para ação de rescisão da sentença por infração
da coisa julgada. Porque ainda não havia a eficácia de sentença; portanto, não houve duas sentenças, sem o que seria
absurdo pensar-se em infração. Infração cometeu o juiz homologante ao conferir eficácia na ambiência nacional, à
sentença estrangeira, depois de haver transitado em julgado sentença de juiz nacional. Rescindível é a sentença
homologante, e não a outra.
Se a sentença é declarativa, isto é, com 5 de declaratívídade, tem de ser pedida a homologação, salvo se é “meramente
declaratóna de estado”, isto é, se a sentença declarativa típica foi sobre a idade, a capacidade civil, o estado de solteiro
ou de casado, ou de viúvo, ou de interdição, ou parentesco. No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (18
de junho de 1970), art. 210, está dito: “As sentenças estrangeiras, civis ou criminais, não serão exequíveis no Brasil,
sem prévia homologação do Supremo Tribunal Federal, salvo as meramente declaratórias de estado~~.7tl
(d) Quando a sentença estrangeira é constitutiva (nela, o valor probatório é precípuo), precisa de homologação,
porque, se assim não fosse, vincularia, sem a sentença homologatóna, o juiz nacional. Aqui surge a diferença entre
eficácia documental ou eficácia probatória e a eficácia constitutiva. Os juristas e juizes costumam confundi-las, com
extremo prejuízo para os julgamentos. A sentença da interdição e a de falência, por exemplo, precisam de
homologação porque são constitutivas. A eficácia constitutiva é eficácia da “sentença” como ato jurisdicional.

70Aliter, o art. 215 do atual regimento: “A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação
pelo Supremo Tribunal Federal ou por seu Presidente”. Bastaria ao artigo dizer “pelo Supremo Tribunal Federal”, do
qual é órgão o presidente da corte, mas o dispositivo preferiu serexplícito. A Const. 88, art. 102, 1, h, confere ao STF
competência para ‘a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do exequalur às cartas rogatórias, que
podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente”. A competência para decidir o pedido da homologação
não impugnado é do presidente, que, então, profere uma decisão unipessoal. que ésenrença, conquanto assim não a
nomeie o regimento (art. 222>, quiçá pelo temor do erro, que estigmatiza a alma brasileira, ao qual PONTES DE
MIRANDA foi tão avesso. Da sentença do presidente, que negar a homologação, cabe agravo regimental, conforme o
parágrafo un,co do art. 222 do regimento interno, que denomina o ato de decisão. E da que homologa? Silente o
parágrafo único do art. 214, incide o ais. 317 e o mesmo agravo é também cabível. Havendo impugnação à
homologação, a competência para julgar a ação é do plenário, conforme o ai. 223 do regimento.
COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (Art. 483)

(e) Os atos de jurisdição voluntária são atos que permaneceram com os juizes quando se verificou que o seu conteúdo
contencioso era mínimo, ou raro, porém convinha retê-los com os juizes. Ficou o elemento competencial, dito formal,
a despeito das sugestões de passagem a outras autoridades, ou à elaboração livre, privada, devido ao seu elemento
material. Desde que o Estado estrangeiro não permitiu que se dispensasse a intervenção do juiz, “qualificou” a sua
resolução como resolução judicial, em forma de sentença: e como tal deve ser tratada. Nela, há aplicação de lei, após
pedido ao juiz, e função judiciária. Se tem, ou não, a sentença, que então se profere, força de coisa julgada material,
não importa para se decidir a presente questão, que é ade ser preciso, ou não, que sehomologue a sentença estrangeira
de jurisdição voluntária. Porque a eficácia de coisa julgada material não é a única eficácia das sentenças, ainda na
jurisdição tipicamente contenciosa. Quando, falando de atos no juízo contencioso, pensamos em força de coisa julgada
material, apenas acentuamos o quod plerum que accidit. Demais, os atos chamados de jurisdição voluntária não são,
sempre, atos desprovidos de judicialidade material (contenção, no sentido em que se emprega a palavra
“contenciosidade”) e alguns são atos de contenciosidade eventual, se não mesmo de contraditório eventual, tanto
quanto há processos contenciosos que perderam a angularidade os processos mau-dita altera parte, em que, no
entanto, seria possível, se não de legeferenda aconselhável, o contraditório.
2. Qualificação das decisões estrangeiras Ainda que administrativos os tribunais, se resolvem questões jurídicas que
possam ter atuaçao no Brasil, sejam eles de jurisdição dita contenciosa sejam de jurisdição dita voluntária (Supremo
Tribunal Federal, 31 de janeiro de 1933, A. J., 29,248), a decisão deles precisa de homologação]’ A qualificação pelo
Brasil, como basta t~ qualificação pela lei estrangeira. A homologação é exigida às sentenças civis e às criminais.
Homologada a sentença estrangeira, importados foram os seus efeitos; e tem-se de classificar, cientificamente, a
sentença, para sé conhecer a sua eficácia preponderante (5), a imediata (4), a mediata (3) e duas mais, que são
irrelevantes para o atendimento. No art. 484 fala-se de execução, como se todas as sentenças fossem de 5, 4 ou 3 de
executividade, e não houvesse outros efeitos. É possível que a decisão do Supremo Tribunal Federal haja riscado
alguns efeitos, para que não se importassem. Se a sentença tem 5,4 ou 3 de executividade, então a eficácia no mundo
jurídico brasileiro éexecutiva. Se de 3, a sentença homologatória passa a ser título executivo judicial, mesmo se, no
estrangeiro, a execução foi de título extrajudicial.
Na Constituição de 1967, com aEmendan0 1, art. 125, X, está expllcito que compete aos juizes federais processar e
julgar, em primeira instância, as causas concernentes à eficácia de “sentença estrangeira, após a homologação”.72 Se a
eficácia depende de mandado (sentença estrangeira com 5 ou 4 de mandamentalidade), como ocorre com a que
depende de registro, o juiz competente é que o manda expedir. Não se afaste a hipótese de ter de ser proposta ação
mandamental,por ser de 3 a mandamentalidade (e.g., ação de caução preventiva, ação de homologação, de penhora
legal, ação de habilitação para casamento, ação de tomada de dinheiro a risco, ação de nomeação de inventariante,
ação de habilitação de herdeiros). O que se faria se a ação tivesse sido proposta no Brasil faz-se para a ação cuja
sentença foi homologada.73
A carta de sentença é extraída dos autos da ação de homologação, após requerimento do interessado, feito ao relator do
processo no Supremo Tribunal Federal. Se o relator indefere, há o agravo para o plenário (Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, arts. 216, 328, 1, 329 e 33O)]~ Tem legitimação o autor ou qualquer dos autores, o réu, ou
os réus, ou terceiros interessados no cumprimento da sentença homologada (e.g., Código de Processo Civil, art. 570:
“O devedor pode requerer ao juiz que mande citar o credor a receber em juízo o que lhe cabe conforme o tftulo
executivo judicial; neste caso, o devedor assume, no processo, posição idêntica à do exequente”).
A carta de sentença tem de conter as peças indicadas na lei processual e outras que o requerente indicar, e de ser
autenticada pelo funcionário encarregado e assinada pelo relator. Cf. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
art. 330. “Peças indicadas na lei” são as que constam do Código de Processo Civil, art. 590, onde se fala dos requisitos
da carta de sentença: autuação, petição inicial e procuração das partes, contestação, sentença exequenda; mais: a
sentença de homologação, a que o art. 590 não se refere, é, in casu, requisito essencial. Se houve habilitação, tem a
carta de conter a sentença que a julgou (art. 590, parágrafo único).

72 Idem, art. 109, X, da Const. 88.


73 O regimemo interno do STF, art. 224: “a execução far-se-á por carta de sentença, no juízo
competente,
observadas as regras estabelecidas para a execução de julgado nacional da mesma natureza
74 Atual regimento, ais. 317.

3.Dados históricos A competência do Supremo Tribunal Federal foi reconhecida pela Lei n0 221, de 20 de novembro
de 1894, que criou a homologação, depois do exequatur do Decreto n0 7.777, de 27 de julho de 1880, e do cumpra-se
do Decreto n0 66.982, de 27 de julho de 1878. No fundo, o que se operou foi a captação pelo pensamento nacional da
ação de reconhecimento e integração da sentença estrangeira, a nossa ação de homologação, que somente uns trinta
anos depois a ciência européia submeteu a pesquisas e foi tida como ação autônoma, inconfundível, de um lado, com a
ação primitiva e, por outro, com a ação de execução da sentença (misto das duas sentenças). A actio iudicati,
executiva, pode suceder a ela, ou não, conforme tem efeito executivo, ou não no tem, a sentença homologada. Mas a
competência do Supremo Tribunal Federal, reconhecida pela Lei n0 221, não foi admitida pelos juizes sem
dificuldades e discussões. A primeira questão surgida foi a de poder a lei ordinária atribuir ao Supremo Tribunal
Federal competência que a Constituição de 1891 não lhe dera. Uns entendiam (Amaro Cavalcânti à frente) que apenas
se explicitara o art. 59, 1, d), da Constituição de 1891; outro, que a lei ordinária criara, portanto exorbitara. Por um
momento, o Supremo Tribunal Federal vacilou sobre a sua própria competência. Depois não se discutiu mais.
Compreendeu-se que a lei não é só a sua letra.
A Constituição de 1934, art. 76, 1), g), 2~ parte, reconhecia digamos assim a competência da então Corte Suprema
para processo e julgar originariamente a homologação de sentenças estrangeiras. Idem, a Constituição de 1937, art.
101, I,J), 28 parte. A Constituição de 1946, art. 101, 1, g), 28 parte; a de 1967, antes da Emenda n0 1, art. 114, 1, g), e
com ela, art. 119,1, g), também foram explícitas.75
Infringe a Constituição federal (e, pois, é causa para interposição de recurso extraordinário) a “execução” de sentença
estrangeira sem homologação pelo Supremo Tribunal Federal (58 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 24 de agosto de 1943, D. da J. de 3 de novembro, 4.251).
4. Audiência das partes As partes, que têm de ser ouvidas, são as partes contrárias na ação primitiva, segundo o
conceito da legislação estrangeira, e aquelas que o sejam pelo pedido da ação da homologação segundo o direito
brasileiro. Se há litisconsórcio passivo unitário (ver sobre o conceito as notas aos arts. 47 e parágrafo único e 320, 1),
quer segundo a lei estrangeira, quer segundo a lei brasileira (quando interesse ao Brasil a posição do litisconsorte), o
Tribunal deve ordenar que se integre a contestação. Se a parte interessada não promove a citação, dá-se a extinção do
processo (art. 47, parágrafo único). Todas as partes que tem de ser ouvidas são citadas; os litisconsortes ativos
intimados.
Legitimado ativo, na ação de homologação de sentença estrangeira, éo que foi parte na ação em que se proferiu a
sentença, ou seu sucessor. No caso de cessão, é o cessionário. Enquanto não se produz o instrumento da cessão, o
cedente; mas, em verdade, a questão não foi convenientemente destrinçada pelos juristas: o que foi parte, ou a que
interessa a eficácia da sentença estrangeira, e seria, antes da cessão, legitimado, continua com a pretensão à
homologação, pretensão à tutela jurídica, desde que ainda pode ser prejudicado pela não-homologação, inclusive a ser
chamado à autoria. Não se confundam a pretensão à homologação e o interesse pessoal e direto, que constitui matéria
de mérito e, assim, vem depois da questão de ter, ou não, o cedente a pretensão à tutela jurídica e o interesse de agir.
Cumpre, portanto, separar a legitimação do cedente para a ação de homologação e a sua legitimação para a eficácia,
inclusive execução, stricto sensu.
O filho é pessoa legítima para se opor à homologação da sentença estrangeira de nulidade ou anulação do casamento
dos pais, ou à sentença estrangeira declaratória da inexistência do casamento.
5. Procurador-Geral da República A posição do Procurador-Geral da República, nos processos de homologação de
sentença estrangeira, não é de parte; mas a de que falamos em geral. Por isso mesmo, oficia; não contesta. Em todo
caso, se a União é parte, ou se ocorre algum dos casos nem que seria, normalmente, parte, órgão da parte e.
6.Carta de sentença A carta de sentença, ou o que, no direito processual estrangeiro, de que se trata, valha e tenha a
eficácia da carta de sentença no direito processual brasileiro. A respeito, há acórdão do Supremo Tribunal Federal (23
de dezembro de 1942, R. F., 95, 576) que precisa ser recebido com todo o cuidado. Julgou-se que bastaria, em lugar da
carta de sentença, certidão comprobatória do caso julgado, minuciosamente explanado. Ora, esse conceito de prova
bastante depende do direito estrangeiro, de que provém a sentença. Pode ele ter regras próprias de suprimento; e essas
regras jurídicas é que teriam de ser observadas.

76 Chefe do Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República não pode representá-la


em juízo (Const. 88, azt. 128, § lO, e 129, IX), cabendo essa função à Advocacia Geral da União
(Const. 88, art. 131).
7.Processo da homologação O art. 483, parágrafo único, remete ao Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, a que incumbe edictar

as regras jurídicas a respeito. Com isso, apenas se atende ao art. 120,parágrafo único, a), c) e d’~ da Constituição de
1967, com a Emenda n0 17
8.Legitimação ativa à ação de homologação Legitimada é qualquer pessoa que tem interesse jurídico nos efeitos, ou
em alguns efeitos ou algum efeito da sentença e pois exerça a pretensão à tutela jurídica, com a ação de homologação
da sentença. Pode ser que uma tenha o interesse no efeito a e outra no efeito b, ou alguma nos efeitos a e b e outra só
no efeito a. Não importa a restrição do pedido. Apenas, quando se pede a homologação da sentença, convém que o
Supremo Tribunal Federal examine todos os efeitos, para que sejam importados, ainda que não constem do pedido ou
dos pedidos.
Se, pendente ação no Brasil, já transitara em julgado ação proposta no estrangeiro, não há óbice à homologação
(Supremo Tribunal Federal, 12 de maio de 1956, R. T. de J., 38, 1). O que pode acontecer é que haja conflito de
competência entre os dois Estados e então, aprovado pelo Supremo Tribunal Federal, que a competência tem de ser da
Justiça brasileira, é de negar-se a homologação. Não basta, portanto, para tal solução a litispendência no Brasil. Se já
fora pedida a homologação, a propositura da ação de competência brasileira não impede que se prossiga na ação
homologatória, nem o pedido de homologação obstaria à outra. A coisa julgada da sentença brasileira é alegável
perante o Supremo Tribunal Federal, que tem de apurar a competência para ação intentada no Brasil, que pode chegar
à conclusão de que a competência da Justiça brasileira prima, ou de que há a res iudicata. O deferimento do pedido de
homologação, com o trânsito em julgado, antes de se julgar a ação proposta na Justiça brasileira, tem de ser tratado
como a procedência de ação proposta na Justiça brasileira, porque, embora tenha sido estrangeira a sentença, houve
importação da eficácia da sentença homologada. Aí de grande relevância é conhecerem-se a fundo os enunciados das
duas sentenças, para se saber se há ofensa à res iudicata. Se houve, o assunto é para se saber se ainda cabe recurso ou
se ocorre rescindibilidade da sentença da Justiça brasileira, com base no art.485, 1V.7t

77 Const. 88, art. 102, 1, h.78No caso do texto, o art. 90 do CPC não incide pois, importada, e
integrada á ordem jurídica nacional, a sentença estrangeira homologada faz coisa julgada impeditiva
do julgamento da ação idêntica, em curso no Brasil.

A ação de homologação de sentença estrangeira foi estudada por nós,


minuciosamente, ao tempo dos Comentários ao Código de Processo Civil de 1939 (Tomo IV, ía ed., 1949, e.g., 455,
626, s.; X; 2~ ed., 20, 385 e 391) e fizemos-lhe a classificação.
Quanto a dizer-se que, recusada a homologação à sentença estrangeira, faz coisa julgada, sempre, a decisão do
Supremo Tribunal Federal, éerrôneo. Por exemplo: se foi denegada a homologação porque ainda podia ser proposta,
ou estava proposta, na Itália, a “revocazione” (lá, ainda não passara em julgado a sentença), nada obsta a que de novo
de proponha, após o julgamento da “revocazione”, a mesma ação de homologação. Se tivesse transitado em julgado,
com eficácia de res iudicata, não se poderia volver a nova ação. Se o Supremo Tribunal Federal denegou a
homologação por se não ter traduzido com exatidão a sentença estrangeira, o que alegara e provara o réu, seria contra
o princípio de economia que, com a tradução perfeita, não pedisse a parte o reexame pelo Supremo Tribunal Federal.
Idem, se a decisão do Supremo Tribunal Federal apenas reputou deficientemente a documentação. Na decisão é que
pode o Supremo Tribunal Federal ter tomado inadmissível qualquer satisfação.
~,Que é que pode apreciar, no julgamento da ação homologatória, o Supremo Tribunal Federal? Para a resposta temos
de partir do exame do art. 120, parágrafo único, c), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 i,79 nos arts. 15, a), b),
c) e d), e 17 da Lei de Introdução ao Código Civil e do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Assaz
relevante é frisar-se que o Supremo Tribunal Federal, conforme o texto constitucional, pode estabelecer regras
jurídicas sobre o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária, um dos quais é o de homologação
de sentença estrangeira (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1, m), 2~ parte).8<~ Só o processo e o
julgamento. As discrepâncias nos textos da Lei de Introdução ao Código Civil e do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal não são de relevância. Falar-se de tradução “por intérprete autorizado” (Lei de Introdução ao Código
Civil, art. 15, diz “estar traduzida por intérprete autorizado”) e de sentença com “tradução oficial”, foi como se o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal interpretasse o art. 15, d), da Lei de Introdução ao Código Civil. No
tocante ao “ter passado em julgado” a decisão estrangeira (art. 15, c), 1a parte) e ao ser “irrecorrível” como está no
Regimento Intemo, o que havemos de entender é que o

79 Essa norma não subsistiu na Const. 88. Vd., porém, a nota seguinte.
80 Const. 88, azt. 102, 1, í, segunda parte.

Regimento Interno se ateve ao direito brasileiro, o que atendeu a conceitos menos científicos que se dão em sistemas
estrangeiros a “coisa julgada” (e.g., Código de Processo Civil italiano, art. 324: “S’intende passata in giudicato la
sentenza che non ê piú soggeta né a regolamento di competenza, ni ad appello, nê a ricorso per cassazione, né a
revocazione per i motivi di cui ai numeri 4 e 5 dell’ art. 395”). O art. ~ é referente à “revocazione”. Temos de exigir
que tenha havido a coisa julgada segundo o direito estrangeiro que regeu o processo e a sentença.
A competência há de ter sido conforme a lei estrangeira. Quanto ao pressuposto de terem sido citadas as partes e
haver-se verificado legalmente a revelia, são de observar-se a respeito o que exige a lei estrangeira. O estar revestida
das formalidades exigidas para a produção de eficácia no estrangeiro também há de ser conforme o direito estrangeiro.
Se o órgão que proferiu a sentença não foi órgão judiciário senso próprio, tem-se de exigir os pressupostos, com
interpretação adaptativa dos textos relativos às decisões do Poder Judiciário.
Conforme o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que atendeu ao art. 120, parágrafo único, c), da
Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 ,~‘ há a citação do réu ou réus e outros interessados para contestar o pedido
no prazo de quinze dias, salvo se foi a petição inicial logo indeferida (Regimento Interno, art. 213 e § 2o).s2 A
contestação, quanto ao mérito, há de ser no tocante à autenticidade dos documentos, à inteligência da sentença e aos
pressupostos necessários à homologação (art. 213, § 1o)~t3 De modo nenhum se pode alegar injustiça ou justiça da
sentença. De início admita-se que a sentença, perante o sistema jurídico estrangeiro, pode ser nula, ou mesmo
inexistente. A rescindibilidade não é alegável. Se acontece que a sentença homologanda está, no estrangeiro, sendo
objeto de ação rescisória de sentença, ou outra semelhante, o processo de homologação não se suspende: o advento da
rescisão da sentença estrangeira, trânsita em julgado a sentença rescindente, dá ensejo à propositura de outra ação de
homologação, que pode retirar os efeitos da sentença estrangeira rescindida, antes homologada pelo Supremo Tribunal
Federal.
Quanto à ação de homologação, todos os princípios sobre pretensão pré-processual, ou processual, ou legitimação
ativa e passiva, são invocáveis.

81 Vd.anota79.
82 RISTF, art. 220.
83 RI5TF, art. 221.

Se o réu não contestar ou for incapaz, o relator nomeia curador à lide,que disso há de ter ciência (Regimento Interno,
art. 21 4).845e o réu contesta, o relator manda ouvir o autor, no prazo de cinco dias.85 Sempre ouvido, a seguir, o
Procurador-Geral da República, que em cinco dias emite o seu parecer, e a sua missão, aí, não é de parte, mas de
custos legis.86
Após isso, o relator pede que se determine o dia para o julgamento (Regimento Interno, art. 215, parágrafo único).87 O
plenário é que julga, conforme estatui o art. 70, 1, g), com observância dos arts. 127 s. e 148 s. Não há recorribilidade,
salvo quanto a0 embargos de declaração (art. 31 4)•85
No Decreto n 6.982, de 27 de julho de 1878, só exigia o cumpra-se para fazer exequível, no território nacional, a
sentença estrangeira; e o art. 12 cogitava dos requisitos (art. 10) e não contravir à soberania nacional, às leis
“rigorosamente obrigatórias, fundadas em motivo de ordem pública” e às relativas à “organização da propriedade
territorial” ou à moral (art. 20). O Decreto n0 7.777, de 27 de julho de 1880, art. 1~, cogitou do exequatur para fazer
“exequível no Império”, se não havia reciprocidade, a sentença estrangeira. No art. 11 do Decreto n0 6.982 fazia-se
necessário o cumpra-se para as sentenças meramente declaratónas, “como são as que julgam questões de estado das
pessoas”. E evidente o desconhecimento, por parte dos legisladores, da natureza e da classificação das sentenças.
Primeiramente, o emprego da palavra “exequível” revelava que se confundia eficácia, respeito aos efeitos, com
executividade. O elemento executivo só aparece, preponderantemente, com o peso 4, em algumas ações; e a execução
3, noutra ação, depende da sentença que tal peso trazia e foi homologada. Não há execução de sentenças “meramente
declaratórias”. Não há sentenças meramente declaratórias; há sentenças declaratórias típicas (nosso Tratado das
Ações, II, 77), nas quais não há 4, nem 3 de executividade. Na ação de demarcação de terras há duas fases, uma da
ação e da sentença declarativa, e outra já de ação e sentença executiva. A eficácia executiva imediata (4) não aparece;
a mediata (3) às vezes surge.
A Lei n0 221, de 2Ode novembro de 1894, art. 12, § 40, e o Código de Processo Civil de 1939, arts. 785 e 790,
continuaram a falar de execução.
A Lei de Introdução ao Código Civil, art. 15, parágrafo único, disse não dependerem de homologação as “sentenças
meramente declarativas do

84 RISTF, art. 221, ~ 1’.


85RISTF, art. 221, § 20.
86RISTF, art. 221, § 30
87 Diferente o procedimento no atual regimento interno do STF: vd. a nota 70.
88Vd. as notas 69 e 70.

estado das pessoas”, mostrando quanto o legislador ignorava a respeito das ações sobre estado das pessoas. As vezes
por leituras italianas, pois até sob o Código de Processo Civil italiano de 1940 alguns juristas insistem em aludir a
executividade, expressão que não aparece nos arts. 796-802 (no art. 803, a palavra “esecuzione” não podia substituir
“eficácia” que está nos outros artigos).
A competência para a homologação de sentenças estrangeiras é exclusiva do Supremo Tribunal Federal (Constituição
de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1, g).89 Pelo art. 120, parágrafo único, c), o Regimento Interno do Supremo
Tribunal pode estabelecer o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária,se de modo que nele é
que se há de dizer se o processo e o julgamento são em plenário, ou se não o são. O Regimento Interno de 18 de junho
de 1970, art. 7~, 1, g), acentuou ser “em plenário~~.91 Trata-se de ação, em processo contencioso. Mais: de exercício
de pretensão à tutela jurídica, com a propositura da ação, na qual o Ministério Público, que é custos legis, e qualquer
interessado pode alegar a inexistência ou invalidade da sentença estrangeira (não a rescindibilidade, assunto regido
pelo direito estrangeiro e de competência de juiz estrangeiro), a falta da eficácia que se lhe atribui ou a não-
importabilidade de algum, de alguns ou de todos os efeitos da sentença. Não se diga que não há ação, no sentido do
direito material público, nem lide, “ação de direito processual”. (Sem razão, Amilcar de Castro, Direito Internacional
Privado, II, 289 s.) Aí, há de ação, de competência judiciária, cuja decisão é judicial, e não administrativa. Por outro
lado, mesmo se a sentença homologanda, de eficácia cível, foi, conforme o direito do Estado em que se proferiu, de
competência de outro Poder que o Poder Judiciário, a recepção pelo Brasil é de decisão judicial. O que se pede na ação
proposta no Brasil é a homologação da sentença, para que a eficácia seja importada. Ao verificar os requisitos da
petição, pode ser que o Supremo Tribunal Federal não entre no mérito da ação de homologação (e.g., a petição inicial
deixou de atender ao art. 282, ou faltou algum documento para a propositura da ação, art. 283). Por isso pode
determinar que o autor da petição de homologação a emende, ou a complete, no prazo de dez dias (art. 284).92 Se há
desistência do remédio jurídico processual, extingue-se o processo sem julgamento do mérito (art. 267, VIII).
Portanto, é erro dizer-se que só se julga mérito (homologação ou não-homologação): julgamento de mérito há se se
homologa ou se rejeita o pedido de homologação (art. 269, 1).

89Const. 88, art. 102, 1, li.90Vd. a nota 79.91Aliter, o atual regimento: vd. a nota 70.92RISTF, art. 219 e
parágrafo único.

Surgem dois problemas; 6Pode ser alegado contra o pedido de homologação que, a despeito da sentença favorável,
trânsita em julgado, precluiu a eficácia, ou adveio prescrição conforme o sistema jurídico da sentença homologanda?
Não se poderia admitir que o Brasil importasse eficácia que acabou ou que foi encoberta pela prescrição, como não
poderia deixar de examinar a argUição do interessado que apontou, com documentos, a existência posterior de
transação. Tudo isso é alegável perante o Supre o Tribunal Federal ou mesmo pelo juízo em que se tivesse de atender à
efic~cia da sentença homologanda.
Quanto a sentença estrangeira, independentemente de homologação, pode ser elemento probatório, documental, temos
de exigir meditação. Alguns entendem a) que é sempre necessária a homologação, a deliberação; outros b) admitem
que a sentença seja elemento de prova de fatos apurados noutro processo, conforme o princípio da livre convicção do
juiz; outros c) fazem tal eficácia probatória dependente da coisa julgada. Como em a) Gaetano Morelli (II Diritto
Processuale Civile Internazionale, 94 s.) e Mauro Cappelletti (II Valore delle sentenze straniere in Itália, Processo e
Ideologia, 342, s.).
Desde logo observemos que o Código de 1973, art. 469, estatui: “Não fazem coisajulgada: II a verdade dos fatos,
estabelecida como fundamento da sentença”. A regra jurídica é abrangente de todas as sentenças ou acórdãos
proferidos no Brasil e, afortiori, no estrangeiro. Há, portanto, a solução d), que é radical.
O problema restringe-se à prova de fato, a quaestiones facti, que a sentença resolveu. Não se trata de prova da decisão,
do pronunciamento judicial em si, porque dessa é que se irradia a eficácia sentencial, objeto de possível importação
por outro Estado. Aliás, a própria sentença declaratória não se faz título executivo, mesmo se a relação jurídica
declarada à executividade do título se refere (cp. Piero Calamandrei, La sentenza civile come mezzo di prova, Rivista
di Diritro Processuale Civile, XV, Parte 1, 108 5.). O fato em que se fundou a sentença favorável ou desfavorável a A
não basta para prova do mesmo fato em sentença favorável ou desfavorável a B.
A homologação somente concerne à eficácia da sentença. De modo nenhum se estabelece qualquer declaração de
inexistência, ou decretação de invalidade. Ou se diz que é eficaz, com a homologação, no mundo jurídico brasileiro,
ou se diz que é ineficaz. Mesmo quando a decisão de homologação deixa de atribuir a eficácia (que é ato de
importação de efeitos), isso não basta a que se volva ao pedido de homologação, com os dados que, por faltarem,
deram ensejo à denegação (e.g., o Supremo Tribunal Federal disse que os documentos não provaram a existência da
sentença, ou que pendia recurso no estrangeiro).
O Capítulo III, em que se acham os arts. 483 e 484, refere-se àhomologação de sentença estrangeira.93 Trata-se de
qualquer sentença lato senso, qualquer que seja a classe (declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental,
executiva). O que é preciso é que, conforme o direito do Estado em que foi proferida, se considere sentença, mesmo se
não provém do órgão do Poder Judiciário. Um dos exemplos ocorridos é o de homologação de divórcio decretado por
algum rei, ou por alguma autoridade administrativa (cf. Supremo Tribunal Federal, 30 de janeiro de 1933, A. 1., 29,
248; 30 de maio de 1952, D. 1., de 19 de julho de 1954; 2191; 22 de julho de 1953, D. J. de 26 de março de 1956,
488).
No Código de 1973, 483, fala-se de “sentença proferida por tribunal estrangeiro” e assim já estava no de 1939, art. 785
(“tribunais estrangeiros”), porém, ai, o que importa é o ter eficácia sentencial civil. Tal o que acontece com as decisões
de autoridades administrativas, ou do próprio Poder Legislativo, se a eficácia civil lhe é atribuida, ou se lhe foi
atribuida ao tempo do procedimento (assim os nossos Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, X, 2~ ed.,
18 e 383; Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, 420). O que importa é que à decisão, embora
de outro órgão estatal que o do Poder Judiciário, caiba eficácia civil: ou partiu de pessoa equiparada ajuiz, no tocante a
efeitos da sentença, ou de corpo coletivo que opere como tribunal.
Não se exige que a sentença seja civil. O que é necessário é que civil seja a eficácia. Pode emanar de autoridade
administrativa, ou legislativa, ou de autoridade judiciária penal, inclusive de júri. Mesmo que tais regras jurídicas
explícitas não constassem de leis penais ou de leis processuais penais, é o que, no direito processual civil, se há de ter
por assente. Atribuida a eficácia civil, a decisão entra na classe das sentenças ou acórdãos homologáveis e de
necessária homologação.
A sentença pode não ser sobre o mérito. Pode ser de indeferimento da petição inicial; e.g., para o efeito civil de não ter
interrompido prazo prescripcional; para o efeito civil de se ter acolhido a alegação de coisa julgada, ou ter ocorrido
confusão entre o autor e o réu; para a importação de condenação nas custas ou em honorários de advogado. Cf.
Ricardo Monaco (11 Giudizio di Delibazione, 26, que abstrai do mérito; sem razão, Amilcar de Castro (Direito
Internacional Privado, II, 275).
Quanto às sentenças de estado e outras da chamada jurisdição voluntária, tudo examinamos nos Comentários ao
Código de Processo Civil de 1939 e mantemos o que escrevêramos.
A eficácia da sentença é dada pelo sistema jurídico sob o qual foi proferida. Os pesos eficaciais, conforme a
classificação quinária, que é científica, e os que a negam se deixam levar por atrasados juristas estrangeiros, são
determinados pelo direito que foi aplicado, ou não foi aplicado e, a despeito da omissão, incidiu. O Estado da
importação não lhe pode aumentar os pesos de declaratividade e executividade, condenatoriedade, manda-mentalidade
e executividade. O que pode acontecer é que o Estado onde se procede à homologação não importe toda a eficácia,
como ocorre com a homologação da sentença de divórcio, se o Estado homologante não tem a dissolução do vínculo
conjugal: em vez de se importar a desconstituição da relação jurídica matrimonial, o vínculo conjugal, apenas se
homologa a sentença no que ela atinge a sociedade conjugal. Aí, o vínculo conjugal permanece, o minus. Houve, como
a respeito de todas as ações, a promessa estatal da tutela jurídica. Mas o Estado só permite a tutela do que possa
existir, como efeito da sentença, dentro dele.
A competência para o cumpra-se à sentença estrangeira cabia ao juiz que no Brasil fosse competente para a causa
(Decreto n0 6.982, de 27 de julho de 1 878, art. 40) Tinha ele de verificar se a sentença estrangeira satisfazia os
requisitos exigidos, inclusive o de reciprocidade (art. l~, ~ lo). Mas o cumpra-se só era pressuposto necessário para a
execução, pois bastava a satisfação dos requisitos exigidos para que a sentença de si só produzisse a eficácia de coisa
julgada. Posteriormente, com o Decreto n0 7.777, de 27 de julho de 1880, na falta de reciprocidade, podia o Governo
dar o exequatur, com a eficácia do cumpra-se.
Na República, dispensou-se a exigência de reciprocidade para as0sentenças de decretação de falência de negociantes
com domicfiio no Estado em que fossem proferidas (Decreto n 917, de 24 de outubro de 1890). Finalmente, em
quaisquer espécies, desde a Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894, art. 12, § 40 que estabeleceu a homologação pelo
Supremo Tribunal Federal, com a satisfação das exigências e o procedimento adequado.
O Código de Processo Civil de 1939 falou dos requisitos da homologabilidade (art. 791), ressalvando quanto à ofensa
à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes (art. 792) e tratando do procedimento (art. 793). Havia
regras jurídicas especiais no tocante a sentenças de falência (artigos 786-788) e à homologação de concordatas (art.
789). Previa-se0 a existência de tratado ou convenção internacional (art. 790). A Lei de Introdução ao Código Civil
(Decreto-Lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 70, § 60) cogitou de regramento especial quanto a sentenças de
divórcio. No art. 15, parágrafo único, foi dito que não dependiam de homologação “as sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas”.
Na Constituição de01967, com a Emenda n0 1, o art. 120, parágrafo único, c), que corresponde à Constituição de 1967,
antes da Emenda n 1, art. 115, parágrafo único, c), estatui que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal há
de estabelecer “o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso
Pergunta-se: ~podia e pode o Supremo Tribunal Federal, em seu~ Regimento Interno, estabelecer requisitos para a
homologabilidade, tal como ocorreu no de 18 de junho de 1970, arts. 210-212, que começou de incidir desde 15 de
outubro de 1 970?~~ Inserir no Regimento Interno regras jurídicas de requisitos que constem de leis, não há dúvida
que pode. Não criar requisitos novos ou riscar algum ou alguns deles. O art. 483, parágrafo único, do Código de 1973,
não há de ser interpretado como tendo deixado ao Supremo Tribunal Federal legislar sobre os requisitos que há de ter
a sentença estrangeira. O art. 483, parágrafo único, apenas se refere à homologação e não aos pressupostos da sentença
estrangeíra para poder ser homologada.
Art. 484. A execução ‘~) far-se-á por carta 7) de sentença’) extraída dos autos da homologação 2) 8)13) 4) e
obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da
6 9 10 II 12mesma natureza 3) 4) 5)
1.Cumprimento da carta de sentença No art. 484 a alusão a “execução” foi imprópria, como acontecera ao art. 790 do
Código de 1939. Acertado teria sido que se houvesse falado de cumprimento da carta de sentença. Conforme antes
dissemos, não há execução de todas as espécies de sentença, salvo se quem emprega a expressão dilata em excesso o
sentido de execução. Não se executa sentença declaratória. Sentença constitutiva nem sempre precisa de executividade
imediata ou mediata. A sentença condenatória dá ensejo, de regra, a outra ação, que é executiva. A sentença
mandamental, essa, não tem eficácia imediata de executividade, exceto no caso de ação de entrega de objetos próprios.
A sentença executiva, sim, éde força executiva, e a homologação declara-lhe tal força. Devemos ler o art. 484 como se
ele tivesse dito: “O cumprimento far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às
regras estabelecidas para o cumprimento da sentença nacional da mesma natureza”.

94 Vd. a nota 79.


95 Vd. a nota 80. A Const. 88 limita-se a permitir que o regimento interno dê competência para
homologar ao presidente do 5TF. E o parágrafo único do art. 483 que determina que a homologação
obedecerá ao regimento intemo daquela cone.
Se a sentença estrangeira foi declarativa, a homologação dá direito a carta de sentença que se extraia dos autos e tem a
força e a eficácia imediata ou mediata que se atribuem a tal classe ou espécie de sentença. Idem, se constitutiva,
condenatória, mandamental ou executiva.
Não se cogitou de a) regras de direito das gentes, nem de b) regras de direito interestatal (tratados, convenções). As
regras jurídicas a) são acima do direito nacional; e as regras jurídicas b) passam à frente do direito processual civil se
não são inconstitucionais (o direito especial corta o direito geral) no âmbito de sua especialidade. Na dúvida, os textos
do direito especial devem ser integrados como sendo acordes com as regras do Código de Processo Civil e as que
constam do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
2. Requisitos da sentença estrangeira Posto que o Código de 1973 não se refira aos pressupostos necessários da
sentença estrangeira, temos de apontá-los no plano da ciência do direito, em que o Supremo Tribunal Federal há de
encontrar os dados para a redação dos artigos do Regimento Interno. Comecemos pelos pressupostos formais; mas
citemos o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 212: “... não se homologará sentença estrangeira, se
faltar algum dos seguintes requisitos: 1 revestir-se das formalidades necessárias à sua execução” prefiramos dizer
“seu cumprimento” “segundo as leis do respectivo Estado; II ter sido proferida pelo juiz competente, após citação das
partes ou verificação de sua revelia, consoante os preceitos legais; III ser irrecorrível; IV estar autenticada pelo cônsul
brasileiro e acompanhada de tradução oficial, dispensada a sua transcrição no registro público”.96
a)Forma da sentença estrangeira. A forma que se tem de exigir às sentenças estrangeiras, para que possam ser
homologadas, é a da lei do juiz ou tribunal estrangeiro que a proferiu. Nos casos de impossibilidade cognoscitiva (e.g.,
se a letra é ilegível), pode o Supremo Tribunal Federal exigir que se faça a prova do elemento indispensável a ser
entendida. As questões de díreíto íntertemporal sobre a lei estrangeira, regedora da forma, são resolvidas pelo direito
estrangeiro, bem assim a interpretação de uma ou de outra regra. A apreciação judicial é inquisitiva. A provada
sentença rege-se

96 O vigente RISTF estatui, no art. 216. que não será homologada sentença que ofenda a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes. No art. 217, o regimento enumera os requisitos
indispensáveis à homologação da sentença estrangeira: ‘1 haver sido proferida por juiz competente;
II terem sido as partes citadas, ou haver-se legalmente verificado a revelia; III ter passado em julgado
e estar revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida: IV estar
autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial”.

pela lei estrangeira, de modo que era absurdo, hoje afastado, o exigir-se, sempre, a carta de sentença.
b)Competência do juiz estrangeiro. É elemento necessário a competência do Estado estrangeiro (distribuição supra-
estatal ou interestatal das jurisdições, cf. Supremo Tribunal Federal, 27 de maio de 1939, R. F., 81, 387; 9 de maio de
1940, R. F., 84, 355; e 10 de dezembro de 1941, R. E., 91, 396), como a competência intra-estatal. No último caso, o
Supremo Tribunal Federal tem de verificar se a sentença existe segundo o direito processual do Estado estrangeiro e se
não é nula ipso iure segundo esse direito. Fora daí, não lhe cabe pronunciar-se sobre a validade da sentença
estrangeira. Se a sentença, segundo a lei estrangeira, é eivada de nulidade só decretável em ação própria, ou se só é
rescindível, nada pode fazer o Supremo Tribunal Federal: está diante de sentença, e não é nula ipso inre. Se a justiça
que proferiu a sentença homologanda não era competente, não se homologa tal sentença (Supremo Tribunal Federal,
16 de julho de 1940, A. J., 57, 298). Note-se que esse pressuposto processual da ação, cuja sentença é objeto mesmo
do pedido de homologação, passa a ser matéria de mérito no processo da ação de homologação da sentença. (A
competência, de que se trata, é assim a determinada supra-estatal ou interestatalmente como a competência intra-
estatal do Estado estrangeiro, se a lei desse tem a infração como causa de nulidade ipso iure.)
A questão da jurisdição, perante o direito das gentes, ou perante direito interestatal do Estado em que se prot’eriu a
sentença homologanda, pode ser levantada pelo demandado. Bem assim, a da competência do juiz ou tribunal de que
emanou a decisão, conforme o direito interno do Estado a que pertence o juiz ou tribunal, se tal questão poderia ser
suscitada naquele Estado, a despeito do trânsito em julgado da sentença, sem ser em ação rescisória, ou em ação de
nulidade de sentença com rito especial. Não se pode tratar a decisão homologanda, trânsita em julgado, sem ser com
atenção àsua eficácia segundo o direito processual do Estado em que se proferiu. Seria absurdo que algum Estado
permitisse o exame da decisão oriunda da Justiça brasileira, em ação de homologação, se, perante o direito brasileiro,
tal decisão é apenas rescindível. Igual situação é a que se compõe se a decisão é estrangeira, somente rescindível, e se
trata de homologação no Brasil.
Não pode o juiz ou tribunal brasileiro, se a decisão cabia na jurisdição do Estado estrangeiro, segundo os princípios de
direito das gentes, ou de direito interestatal (e.g., tratados), apurar se o juiz ou tribunal estrangeiro, que proferiu a
sentença, era, ou não, competente segundo o direito estrangeiro (Erwin Riezler, Zur sachlichen internationalen
Unzustandigkeit. Festgabefur Leo Rosenberg, 199 s.). Salvo se, conforme esse direito, juizes ou tribunais do Estado
estrangeiro, fora de ação de rescisória contra a decisão, poderiam apreciar a questão da incompetência, a despeito do
trânsito em julgado. Aí, a distinção entre sentença nula e sentença rescindível é de toda a relevância.
Se, na matéria, também seria competente a Justiça brasileira, não há razão para, somente por isso, se deixar de
homologar a sentença estrangeira. Idem, se também outro Estado estrangeiro seria competente.
Se a ação foi proposta no estrangeiro, depois de aforada no Brasil a mesma ação, ou se no Brasil fora aforada antes de
transitar em julgado a decisão estrangeira, a exceção de litispendência é contra a ação homologatória, ainda que o
trânsito em julgado venha a ser antes da decisão no Brasil sujeita a recurso. Se, no intervalo entre o trânsito em julgado
da decisão estrangeira e a propositura da ação de homologação houve coisa julgada da decisão brasileira, não há
pensar-se em homologação da sentença estrangeira.
O momento decisivo é o em que a sentença estrangeira transita em julgado, ainda que, no momento da homologação,
se haja tornado competente o tribunal brasileiro (Robert Neuner, Internationale Zustãndigkeit, 52 s.). Não basta o ter-
se proferido a sentença estrangeira (sem razão, Leo Rosenberg, Lehrbuch, 5a ed., 685 s.).
Se a sentença estrangeira foi proferida sem que se tivesse incluído na relação jurídica processual a pessoa contra quem
se quer, no Brasil, a eficácia da sentença estrangeira (e.g., não foi citada, ou foi nula a citação, tendo corrido à revelia
o processo), ofende princípio de ordem pública a homologação de tal decisão, ainda que o direito estrangeiro não a
considere nula. (Note-se a diferença entre a consulta ao direito estrangeiro sobre a distinção entre a nulidade e a
rescisão e aplicação de princípio de ordem pública).
c) Citação e reclia. A citação e a revelia são conceitos do direito do país em que se proferiu a sentença. Bem assim a
sua validade. Se houve citação e se não é nula ipso iure, responde o direito estrangeiro. Se houve é anulável,
dependendo de ação, o Supremo Tribunal Federal não pode decretar-lhe a nulidade, porque anularia sentença
estrangeira; nem pode negar a homologação até que se pronuncie a justiça estrangeira, Se, in casu, a falta evidente da
citação, ou a lei mesma sobre a revela, escandaliza, o que lhe cabe é invocar a ordem pública do Brasil. Cumpre
advertir em que o nosso direito possui processos judiciários non audita altera parte, de modo que, na maioria dos
casos, a alegação de se haver, na lei estrangeira, eliminado a angularidade, não bastaria em quase todos os casos
normais.
d) Coisa julgada formal. É preciso que a sentença tenha passado em julgado (coisa julgada formal). Isso constitui
pressuposto necessário e suficiente. Necessário, nenhuma sentença, de que cabe recurso no estrangeiro, pode pretender
ser homologada; não se reconhece força ou efeito de cumprimento provisório a sentenças estrangeiras. Outrossim, a
existência de ação rescisória ou de ação de nulidade da sentença, no direito estrangeiro, não é óbice à homologação.
Não há execução interestatal provisória de sentenças; portanto, não há homologação de sentenças de que se possa
interpor algum recurso, ou opor embargos, ou outro meio jurídico tido como recurso. (Não se confundam execução
provisória e sentença em ação de segurança, como arresto e sequestro.)
A coisa julgada formal é suficiente e necessária. As impugnativas que sejam ação, essas, sim, não bastam à
homologação, porque e quando supõem ataque à coisa julgada formal. Se há sentença, junta aos autos, por certidão, ou
conforme a lei do juiz que a proferiu, porém não consta que passou formalmente em julgado, não pode ser
homologada (cf. Supremo Tribunal Federal, 26 de dezembro de 1900. O D., 84, 528; 23 de junho de 1923, R. de D.,
84, 505; sem razão, a 15 de dezembro de 1902, O D., 91, 1, 528 satisfez-se com a certidão). A questão merece ser
posta em devidos termos:
(a) Trata-se de provar a sentença estrangeira, e não de exibi-la no original. (b) É a lei do juiz, que a proferiu, a única
que pode dizer como se prova a sentença estrangeira: o Brasil nada tem com isso. (c) Ainda que o direito do juiz
estrangeiro possua o conceito de “carta de sentença”, o conteúdo desse conceito é dado pelo direito estrangeiro, e não
pelo direito brasileiro. (d) Se o direito estrangeiro exige mais do que o direito brasileiro, tem de ser satisfeita a sua
exigência. Por exemplo: se quer que as certidões sejam registradas. (e) As proposições “a certidão basta”, “peças que
valham o mesmo”, só são verdadeiras se postas dentro do direito estrangeiro, que regeu a sentença, pelo princípio
interestatal de que o Estado, cuja lei rege a forma, edicta a lei que reja a prova. A certidão do trânsito em julgado é
indispensável.
Para se saber se houve coisa julgada formal, tem-se de indagar se ainda há impugnativa da sentença (recurso ou outro
remédio jurídico).
A respeito da coisa julgada formal, como requisito, alguns juristas italianos e brasileiros (e.g., Gaetano Morelli, II
Diritto processuale civile internazionale, 290 s.; Pedro Batista Martins, Recursos e Processos da competência
originária dos tribunais, 26 s.) confundiram com a coisa julgada formal a coisa julgada material. Levantaram, por
exemplo, como argumento contra a afirmação de fazer coisa julgada (ai material) a decisão estrangeira, o de não se
poder homologar a decisão se corre no país de importação ação que tem o mesmo objeto. Primeiro, a exceção de
litispendência é exceção do juízo da ação homologatória; segundo, não temos a regra jurídica que preexclui a
homologação da sentença estrangeira, em todos os casos, se há lide, como mesmo objeto, pendente no foro
brasileiro.97
Em tudo isso há confusão entre eficácia da sentença estrangeira e importação dessa eficácia. O que se importa já
existe.
A homologação da sentença estrangeira supõe que, segundo os princípios da legislação do juiz que a proferiu, haja a
sentença transitado, formalmente, em julgado. Mas, pergunta-se, se a decisão ainda depende do recurso a que aquela
legislação nega efeito suspensivo e confere executoriedade ao que se julgou, tal como ocorre no direito brasileiro (cf.
arts. 587 e 588), ~,pode a Justiça brasileira deferir a execução provisória? Não seria de aconselhar-se, de iure
condendo, a resposta negativa; mas, de iure condito, se há regra de lei que impõe, em quaisquer casos, o requisito da
coisa julgada formal, a resposta seria essa. Aí, o legislador, na sua atitude de política jurídica, preferiu evitar idas e
voltas em assuntos tão delicados.
e)Autenticação da sentença. A certidão ou a carta da sentença homologanda deve estar autenticada pelo cônsul
brasileiro no estrangeiro. O pressuposto é necessário e suficiente. Não é dispensado se o pedido vem por via
diplomática; nem se o governo do Brasil o dispensou.
OTradução. A tradução é feita pelo oficial público. Podem as partes fazer prova contra a exatidão da tradução.
Tradutor oficial do Brasil, e não o de outro Estado (Supremo Tribunal Federal, 21 de julho de 1950, D. da J. de 24 de
abril de 1952).
g) Sentença. No art. 483 falou-se de “sentença”, não mais de “carta de sentença”, para que se empregasse expressão
genérica. Muito se discutiu, no direito anterior, o assunto, durante anos, no Supremo Tribunal Federal (e.g., exigindo
“carta de sentença”, 31 de janeiro de 1910, 14 de agosto e 18 de setembro de 1912,2 de maio de 1913,5 de setembro de
1914,26 de maio de 1912,2 de maio de 1915, 18 de novembro de 1916; dispensando a “carta de sentença”. 14 de
setembro de 1928, A. J. VIII. 308; 4 de novembro de 1927.V. 1935.A.f,36. 342: l2dejulhode 1933, 32, 232). Noart.
484 há referência à “carta de sentença”, mas, ai, apenas se cogita do ato judicial da homologação.
h)Apreciação judicial. Os pressupostos da homologação da sentença estrangeira hão de ser apreciados de ofício. Têm
de existir em sua totalidade. Se falta qualquer um deles, deve ser indeferido o pedido de homologação. A convenção
das partes em sentido contrário, isto é, pala que se dispense algum deles, e se homologue a decisão, é inoperante (Leo
97 O art. 90 do CPC contirma o texto.
Rosenberg, Lerhbuch, 5a ed., 687). Nem cabe invocar-se princípio de equidade para se dar por homologável o que não
é. O que acima se disse não preexclui que tal sentença, a que falta algum dos requisitos necessários à homologação,
sirva de meio de prova.
É admissível ação declaratória, positiva ou negativa, a respeito de existência de sentença estrangeira, ou de ter eficácia
alhures.
i)Importação da eficácia. A ação de homologação dá ensejo a ser apreciada a produção internacional de eficácia. Não
há nenhuma particularidade. O Supremo Tribunal Federal, como qualquer juiz que aprecie atos estrangeiros, ou leis
estrangeiras, corta efeitos das leis ou atos estrangeiros, ou porque sejam hostis à ordem pública e aos bons costumes,
ou porque não se possam produzir no país, ou porque destoem das regras de direito das gentes. Não há, assim, aí,
exceção ao princípio de que a homologação não vai ao mérito da ação primitiva. Há, apenas, corte ou non possumus
do Estado de importação. Note-se que o Supremo Tribunal Federal, que éhomologante, não desce ao mérito; de regra,
pode vê-lo, e nada pode o tribunal dizer, mas a sensibilidade nacional reage onde a intensidade da eficácia fere.
Lê-se no art. 211 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:
“Não se homologará sentença cujos efeitos atentem contra a soberania,, 98 nacional, a ordem pública, ou os bons
costumes
(a) No corpo das leis, há três graus de força de aplicação: regras jurídicas impeditivas, no Estado do foro, da própria
aplicação das leis estrangeiras, que, na matéria sujeita, seriam as competentes (ordem pública); regras jurídicas, que,
sendo adequadas para reger a matéria, não podem ser evitadas na sua aplicação às pessoas ou coisas, ias
necessarium; e as que constituem aplicação da lei escolhida como conteúdo da declaração de vontade, assunto de que
tratamos, longamente, a propósito da chamada teoria da autonomia da vontade (Tratado de Direito Internacional
Privado, II, 171, 271, 526 e 541 s.).
Não basta que uma lei seja de interesse público para ser lei de ordem pública. A regra jurídica que fixa a idade nupcial
é exemplo disso: de interesse público, porém não de ordem pública. Ao contrário, a escravidão, a bigamia, a
representabilidade para testar, são contra a ordem pública de quase todos os Estados. De considerações similares às
que fizemos, tem-se procurado concluir que a invocação de ordem pública não é excepcional, que resulta de
competência própria do direito nacional e constitui o que há de mais normal. Porém, tal conclusão itão é verdadeira.
Há (e ninguém nega, tanto assim que pode e deve, o mais possível, parcialmente atender-se) lei competente, lei que
pode mesmo já ter sido aplicada e necessariamente já regeu: o princípio da não-produção só se aplica, normalmente, à
eficácia contrária à ordem pública, de modo que a lei competente não deixa de o ser, e a lex fori só lhe corta,
excepcionalmente, a eficácia. O raciocínio, que combatemos, ainda se ressente, a olhos vistos, da comitas gentium.
A sentença que decreta o divórcio de estrangeiros é homologável no Brasil, sem restrições (Supremo Tribunal Federal,
13 de agosto de 1964, D. da J. de 24 de dezembro).
(b) A primeira análise de noção de ordem pública deveu-se a F. C. von Savigny. Seriam dois os grupos de tais regras:
um, constituído de leis de caráter estritamente coercitivo, e que seriam impróprias à aplicação extraterritorial; outro, de
instituições do Estado estrangeiro desconhecidas do direito nacional do juiz e, por isso, não suscetíveis de serem
defendidas por ele. Exemplos do primeiro grupo: a lei que permite a poligamia, a que interdiz aos judeus a aquisição
de bens imóveis. Exemplos do segundo grupo: a morte civil, a escravidão. Tudo se abreviaria se falássemos de eficácia
negativa e de eficácia positiva. Mas a distinção nada esclarece ao que se pretende saber. A única coisa que se aproveita
de F. C. von Savigny é a sua caracterização de tais regras como excludentes, contrárias à aplicação normal das leis
estrangeiras.
Depois, a Escola italiana, com o só princípio fundamental da personalidade das leis, tomou excepcional, e, pois, de
ordem pública tudo que o juiz aplica aos estrangeiros sem ser a lei nacional deles. Logo se lhe percebe a confusão
entre a noção de ordem pública e a de leis territoriais. A crítica, que Veio após, dissociou a noção global, que a Escola
italiana, artificialmente, conseguira. A doutrina, diante da definição mais estreita, desesperadamente se empregou na
pesquisa do “conteúdo concreto” da ordem pública. Seria fastidioso, e sem alcance, mostrar as tentativas que foram
feitas. Aliás, em 1862, Ludwig von Bar abriu fresta assaz útil. A ele devemos o ter demonstrado que só importava
examinar a possibilidade do concurso do juiz para que a lei estrangeira se cumpra no seu Estado. Em vez de se estar, a
priori, a verificar conteúdo de leis estrangeiras, o que se tem de fazer é conferi-las com a ambiência jurídica nacional.
E justo mencionarem-se os grandes argumentos que Ernst Zitelmann e Franz Kahn trouxeram à teoria, no sentido da
excepcionalidade da invocação de ordem pública. Levamos, em 1932, às suas mais nítidas consequências, mas já de
acordo com os dados científicos de hoje, o ensinamento dos três sábios alemães. No curso que demos na Haia,
expusemos a matéria, apontando o princípio extraído e já agora nitidamente enunciado como tal.
(c)As diferenças de expressão nas regras relativas à ordem pública são sem importância. Poderia o mesmo país adotar
fórmulas diversas nas leis e nos tratados; o que é essencial é que se referia à ordem pública. Os sinais que foram
usados não vêm ao caso: o que se faz mister é que contenham a cláusula de reserva (Vorbehaltsklausel), como lhe
chamava Ernst Zitelmann. Aliás, pelo principio de não-produção de eficácia por invocação de ordem pública, nada
obsta a que o juiz a corte sem que exista texto.
(d)i,A ordem pública é exceção à regra de serem aplicáveis normalmente as leis pessoais, e não a lei territorial? Seria o
que pretendeu a Escola italiana e o que sustentara A. Pillet. Mais tarde, mudou esse de opinião (A. Pillet, De 1 ‘Ordre
public en Droit international privé, 469; Traité pratique de Droit international privé, 1, 117). De dois argumentos
resultará a convicção da imprestabilidade daquela concepção: a) a territorialidade apanha todas as leis internas, não
sendo admissível exceção mais vasta que a regra, ou, pelo menos, de igual extensão; b) há invocação de ordem pública
contra leis territoriais.
Mais compreensiva seria a noção savignyana de E. Bartin: o direito internacional supõe certa comunidade jurídica que
suscite e estimule a aplicação das leis de um Estado noutros Estados; a ordem pública resulta de defeito em tal
comunidade (E. Bartin, Études de Droit international privé, 190). Certo, mas insuficiente: a falta de semelhança, a
discordância grave entre os sistemas jurídicos provoca os fatos da invocação de ordem pública, porém não é a
comunidade jurídica, no sentido que se adotou, causa da inaplicação: a extraterritorialidade não se explicaria, nem
histórica, nem teoricamente, pela comunidade dos sistemas; nasceu da diversidade deles, e por outros motivos de
ordem político-jurídica.
A ordem pública, como fundamento principal do direito internacional, refletiria particularismo, mais grave, pois, do
que a ordem pública “exceção generalizada”, da Escola italiana. Seria, quando muito, a interpretação do caso especial
dos Estados unidos da América (Thomas H. Healy, Théorie générale de l’ordre public, Recueil des Cours, IX, 476).
O que caracteriza a noção de ordem pública é a sua essencial plasticidade. Plástica, porém, não tênue (“souple”);
muda-se-lhe o conteúdo em cada Estado, mas, em cada Estado, o que a caracteriza é a rigidez: peneira as leis e os
julgados estrangeiros. Seleção negativa, essa, que para o sociólogo funciona como aparelho de verificação das
discordâncias de grau evolutivo na vida dos povos contemporâneos. Ou por ser concepção muito avançada para o
século mental do país, ou por ser longínqua no passado. Quem diz ordem pública refere-se a algum Estado. A cada
Estado a sua noção de ordem pública; donde, como esse conteúdo é mutável, ter de ser vaga, imprecisa, a noção geral.
É apenas alusão a poder da lex fori. Funciona nas circunstâncias fortuitas de ir aos tribunais de um Estado o fato
regido pela lei do outro. Aos nossos olhos, assaz se explica o procedimento de não-produção. Basta que não vejamos
nele negação do direito internacional privado. Nem, sequer, ameaça. E uma espécie de pudor das judicaturas. A lei
incidiu; seria de aplicar-se; não se aplica, porque o Estado de importação reage; se já foi aplicada, nega-se à sentença
a importação da eficácia.
Diante das dificuldades de definir e precisar os casos de ordem pública, os escritores foram até o desespero de
considerar inconsistente a noção em cujo estudo haviam fracassado. É de vê-los criticarem-lhe a oca sonoridade, dizer
um deles que continuam tais palavras harmoniosas em estado de invólucro vazio, e afirmar que a noção se funde, ou
quase isso, nas palavras que a exprimem (François Gény, Science et Téchniqtte, III, 482). Tal a corrente que atacamos.
Devemos ter por impróprio dos propósitos científicos essa solução de atribuir ao nome (pois a coisa, essa, existe)
defeito que, em verdade, depende da nossa inaptidão atual, que vemos diminuir, para apanhar e avisar os traços
distintivos do conteúdo da noção. Nada mais reprovável seria do que renunciar-se à pesquisa dos fatos da vida
e ninguém nega que eles existam, porquanto pululam pelos repertórios de julgados e nos livros de doutrina como a
impossível taxação dos “casos”. O recurso à taxatividade seria ilusório. Porque o assunto consulta a interesses assaz
profundos dos sistemas jurídicos, interesses no domínio dos quais todo critério de limitação seria iniciativa legal que
as circunstâncias se encarregariam de ultrapassar. Ao assunto repugna a taxação é da natureza da ordem pública a
própria intervenção elidente, esporádica, concertada pela intercessão de duas ordens jurídicas e pela urdidura ocasional
de fatos que tocam a princípios superiores aos órgãos de verificação. A cada mentalidade a sua reação.
É impossível saber-se, permanentemente, quais os casos de ordem pública. Dependem dos contactos entre dois
sistemas de direito, duas variáveis, porque cada um se altera a breves intervalos. Demais, sendo muitas as ordens
jurídicas do mundo, os casos somente poderiam ser apontados para cada grupo de duas, combinatoriamente, e para
cada momento, ou, ainda mais imperfeitamente, pela necessária eliminação dos casos só relativos a menor número de
países, para grupos de Estados em congresso ou em conferência. Da última possibilidade, tivemos o exemplo da
Convenção da Haia de 1902, que previu cinco casos de interdição do casamento de estrangeiros pela lei do lugar da
celebração: l~, graus de parentesco ou de afinidade, para os quais haja proibição absoluta; 20,
proibição absoluta de se casarem, edictada contra os culpados do adultério, devido ao qual o casamento de um deles
foi dissolvido; 30, proibição absoluta de se casarem, edictada contra pessoas condenadas por haverem atentado, de
concerto, contra a vida do cônjuge de uma delas; 40 os obstáculos oriundos da existência de casamento anterior; 50, os
obstáculos de ordem religiosa. Seguiram tal artigo o Código Civil venezuelano (1922), arts. 132 e 133; a Lei polonesa
de 2 de agosto de 1926, art. 12, e a Lei sueca de 21 de novembro de 1915, que completou a Lei de 8 de junho de 1904,
Cap. 1, § 20.
Se atendermos a que o casamento é apenas um capítulo do direito civil e imaginarmos todo o corpo do direito privado,
poderemos avaliar a quantidade enorme de casos que, pelo mesmo método, apontaríamos. Necessariamente,
acrescente-se, subordinados à suposição de permanência das legislações com os mesmos caracteres que tinham ao
tempo da confrontação discriminativa.
Nos sistemas antigos, territoriais, explica-se não ter havido a invocação de ordem pública. Ocorria isso, porque a
interpenetração era menor e raros os casos, e não pelo motivo, que deu J. Valéry (Manuel, 571) e Thomas H. Healy
(Recueil des Cours, XI, 63) aceitou, de ser o próprio sistema territorial baseado na ordem pública: nem na ordem
pública se funda tal sistema, nem são noções superponíveis e coincidentes territorialidade e ordem pública. Nada
justifica que J. Aubry (De la notion de territorialité, Journal du Droit International, 1900-1902) tratasse da ordem
pública sob a rubrica da noção de territorialidade no direito internacional privado; e não o escusa, sequer, a distinção
entre lex loci e lexfori.
Também não é certo que a ordem pública seja medida nacional aplicável a todas as pessoas e a todas as coisas que se
acham no território da nação interessada. Não têm razão Eug~ne Audinet (Principes, 221) e Thomas H. Healy (Recueil
des Cours, IX, 471), nem a tinha A. Pillet (De 1’Ordrepublic, 67): não se concederia homologação a sentença de
divórcio de brasileiro domiciliado em Paris. Posto que, uma vez que sentença de divórcio contém desquite mais
dissolução do vínculo, só se deva negar homologação nesse ponto no tocante a brasileiro.99 (A respeito, advirtamos em
que o vínculo conjugal indissolúvel é, hoje, apenas assunto para invocação de ordem pública; conceme só à eficácia.)
No sistema de nacionalidade, afirmou F. Despagnet, são escassos os casos de ordem pública.
Ora, a verdade é toda outra: a caracterização, a extração sutil da noção de ordem pública, separando-a de noções que
nada têm com ela, como a territorialidade, a imperatividade, o direito público, data de pouco tempo. Somente nos
últimos decênios foi que os juristas conseguiram isolar, digamos assim, esse fato anormal de sensibilidade nacional a
que a negligência e as visões superficiais deram o nome mais impróprio que poderia dar: ordem pública internacional;
quando, claramente, é exclusiva, isto é, puramente nacional a única porção, o único princípio estrita e rigorosa-mente
nacional do direito internacional privado. A ordem pública é interna; contrapõe-se à importação internacional de
eficácia.
A. Pillet, a quem se deveu estudo original sobre a ordem pública e que procurou enumerar os casos, incluindo Códigos
Penais e Códigos de Processo (De 1 ‘Ordre public, 18), acabou por se retratar, e ver toda a distinção entre leis,
territoriais e de ordem pública. Pretendeu mostrar na teoria da ordem pública regra jurídica cujo efeito é tão completo,
tão pleno, como as outras do direito internacional privado; a soberania territorial, tão legítima, tão regular, quanto a
pessoal. Isso não explicaria, se fosse questão das duas soberanias; lógico seria que a territorial não cedesse nunca, ou
cedesse sempre; um dos dois princípios o da personalidade, ou o da territorialidade
excluiria o outro. Ora, o que se vê é a coexistência dos dois, com delimitações conhecidas, e mais um, que é o da
ordem pública.
O estatuto territorial rege os bens situados no país; o pessoal rege as pessoas e certas relações pessoais; a intervenção
do critério da ordem pública constitui outro princípio, cujo fundamento não é o da territorialidade, tanto assim que não
só as regras territoriais contêm regras de ordem pública; o direito regularmente nascido subsiste e tem efeitos em todos
os outros lugares em que a ordem pública dos Estados não lhos tolha; porque, rigorosamente, ele subsiste são os
efeitos que se não produzem. Vulgarmente, os internacionalistas dizem que, em tais casos de ordem pública, a
comunidade jurídica é insuficiente para que os direitos constituídos subsistam. O que se dá não é isso; e tanto temos
razão, que a mesma sentença de divórcio, a que se negou, parcialmente, homologação, por ter o Estado a
indissolubilidade do matrimônio e considerá-la matéria de ordem pública, depois servirá, quando mudar a ordem
pública desse Estado, para o pedido de homologação de sentença.
(e) A ordem pública supõe exista diferença fundamental entre o direito substancial da lexfori e o da lei competente.
Tem-se por legítima a aplicação da lei estrangeira; vale dizer: as regras de sobredireito não estão em causa. O choque
só se dá entre as regras de direito substancial. Essas é que são diferentes e a sensibilidade da lexfori função do lugar e
do tempo invoca o choque, lapso entre as concepções dos dois povos em contacto jurídico, para recusar efeitos à lei
estrangeira. E como se dissesse: “Sois competentes para dizer qual a lei que deve reger; mas essa eficácia, que
pretendeis, não se pode produzir no ambiente da vida jurídica do meu círculo social”. Tal impossibilidade de
introdução só depende do próprio ambiente; donde ser essencialmente nacional a noção do que é e do que não é de
ordem pública, e pode variar com as variações do ambiente. Impossibilidade ligada ao sistema de cada país, em cada
instante (espaço-tempo); portanto, relativa. É o que ocorre, por exemplo, quando o Brasil se recusa a homologar, no
todo, a sentença de divórcio. Está em causa o tempo social.
Por isso mesmo, enumerar os casos, metê-los em Códigos ou tratados, é ilusório; seria preciso que se tratasse de
choque entre regras de direito internacional pri vado. Ora, tudo se passa entre regras de direito substancial, e para que
os casos permanecessem taxativos fora de mister que o direito substancial não mudasse. O direito substancial muda.
Bastaria tal possibilidade para nos mostrar que enumerar os casos de ordem pública em Códigos ou tratados
internacionais orça pela tentativa de parar a evolução dos direitos internos substanciais. Mal percebem os negociadores
que, no momento de taxá-los, impõem direito substancial uno, porque só o direito substancial pode decidir do que é e
do que não é de ordem pública. O princípio da não-introdução de efeitos em virtude da invocação de ordem pública é
que pertence ao direito internacional privado; a noção concreta de ordem pública é inerente ao direito substancial e só
dele depende. Por isso mesmo, é assaz delicada a situação do juiz brasileiro no caso de se alegar contravir a ordem
pública conceito ou instituição que não está nos casos que taxou o Código de Havana, mas evidente e principalmente
fere o direito substancial do Brasil, a ponto de constituir aplicação pelas justiças, federal e local, do princípio de não-
introdução de efeitos das leis; ou vice-versa.
O principio de ordem pública somente pode ser invocado pela lexfori. No direito internacional privado, tem a ordem
pública o seu campo específico; só no penal e no processual internacionais é que a lexfori volverá a ter o mesmo
domínio, mas já então como lei competente, e não pelo corte de efeitos das leis competentes. (Cumpre não confundir o
principio de ordem pública com o de lei territorial, erro em que incorreu a Escola italiana e, agravado, depois o Código
da Havana. Muito há nas leis territoriais ou gerais que não é de ordem pública, e muito há de ordem pública em leis
que não são leis territoriais, e sim, extraterritoriais.)
Aliás, podemos ser bem mais precisos: a ordem pública só verifica efeitos, e verifica-os, corta-os, assim a leis
territoriais como as leis extrateritoriais estrangeiras, e por sensibilidade de conceitos e instituições de um ou de outro
direito nacional. A ordem pública não cancela existência, nem cria nulidade, nem destrói validade, apenas corta
eficácia.
Assentes as idéias que aí ficaram, ainda nos cumpre precisar os mesmos pontos e alguns outros pontos.
(a) A noção de ordem pública nada tem com a de territorialidade:
pertence ao conjunto do sistema de direito. A sua função e o seu próprio caráter não se assemelham aos das leis
territoriais, inclusive das de direito público. Enquanto essas atuam de modo positivo, aquela é, por sua natureza,
negativa, ainda que possa ter resultados positivos. Nada tem, além disso, com a de extraterritorialidade. De ordem
pública são as regras consignadas, ou não, em lei (a lei não é única fonte de direito), que, no Estado, obstam à
aplicação das leis estrangeiras, nos casos em que essas, normalmente, teriam de reger as relações jurídicas de que se
trata. Se tais relações jurídicas se devem regular pela lei brasileira, não há cogitar-se de ordem pública: a lei brasileira,
para os tribunais brasileiros, predomina; sob pena de ferir a soberania do Brasil, não cede ao impulso de aplicação que
advém da lei estrangeira.
Para haver “questão de ordem pública”, o primeiro pressuposto é que seja normalmente de aplicar-se a lei estrangeira:
a ordem pública obsta, por sua natureza, a isso. Não é uma aplicação da “lei brasileira”, mas uma brecha na aplicação
da lei estrangeira. Pelo contacto com a Justiça brasileira, a aplicação falseia, deixa de ser, rompe-se. Ainda que já
outro Estado a tenha aplicado. Competente o outro Estado, ou o Estado invocador da ordem pública deixa de aplicar a
lei incidente, ou não importa a aplicação feita
(b) O direito público exclui o direito estrangeiro, nas matérias da competência do Estado territorial, isto é, no que
regula organização, interesses e serviços públicos do Estado, como o direito público de outro Estado exclui, no Estado
territorial, o direito público desse, nas matérias da competência do Estado não-territorial. Tudo se passa como a
respeito das leis de direito privado: a competência é que decide; por definição, exclui a dos outros Estados (ainda que
seja a do Estado territorial), no que se contém nos seus limites. Bem diferente é o que se passa com as leis de ordem
pública:
cortam efeitos das leis competentes, sejam quais forem. O efeito limitado das leis de direito público é normal; o das
leis de ordem pública, de modo nenhum. Ali, duas ordens de direito se tocam, se delimitam uma à outra; aqui, uma
apara a outra. Os fatos, ainda reduzidos a figuras geométricas, são diferentes; ali, há justaposição; aqui, superposição
e, pois, apenas recorte, pelas bordas.
A lei de ordem pública só e excepcionalmente se aplica aos casos para os quais se invoca; é essencialmente
contingente, na espécie, porque supõe a oportunidade para exorbitar da sua esfera de competência e invadir a de outra,
a que aparou efeitos, a que se superpõe nas orlas. A lei do direito público aplica-se normalmente, por emanar de
Estado, nos estritos termos da sua competência legislativa. Pode ser territorial; e pode ser extraterritorial. A concepção
que ainda a define como territorial, que faz depender de tratados derrogati vos a sua extraterritorialidade, ignora a
natureza do direito público, é vitima de um dos preconceitos mais pertinazes, o de territorialidade, com que a meia
ciência se complica, se enreda, e confunde as coisas. No século XIX, compreendia-se que ainda se misturassem ordem
pública e direito público, sobretudo depois da mais grave confusão, com a escola de Mancini (contra, aliás, a
legislação italiana do Código Civil), e que o próprio Instituto de Direito Internacional não se tenha livrado do ambiente
(Resoluções, art. 80: “En aucun cas, les bis d’un État ne pourrount obtenir reconnaissance et effet dans le territoire
d’un autre État, si elles y sont en opposition avec le droit public Ou avec l’ordre public”; oposição de tais leis de outro
Estado somente poderia existir quando invadissem o direito público do Estado de importação). Hoje, já se não
compreende. Os arts. 40 e 50 do Código de Havana (certa, a regra de corte, como está no direito brasileiro) constituem
sinal de espíritos não-técnicos. Disse o art. 40: “Os preceitos constitucionais são de ordem pública internacional”. O
artigo 50: “Todas as regras de proteção individual e coletiva, estabelecidas pelo direito público e pelo administrativo,
são também de ordem pública internacional, salvo o caso de que nelas expressamente se disponha o contrário”. Tais
regras correspondem às dos mesmos números, no Projeto original (A. 5. de Bustamente y Sirven, Proyecto, 70). Ora,
ao traçar linhas de competências, projeto e texto criam estar a ressalvar ordem pública internacional (!).
A noção de regras de ordem pública também não se explica pelas mesmas razões com que se justifica a
territorialidade: a situação dos bens impõe, como dado imediato, a lex situs; há a leitura de ato jurídico e há o prejuízo
sofrido pelo delito aquela permite e esse exige que se atenda àlex loci, que pode ser ou não ser nesses, como no
primeiro caso, a do juiz. No princípio de não-introdução por motivo de ordem pública, a lei que se pretende aplicada é
necessariamente estrangeira, e a ordem pública predominante, excepcionalmente, é, necessariamente, a lexfori.
Como os desenhos de picos de montanha acima de certo número de metros, a linha da ordem pública aparece como
série de saliências, de exceções. Às vezes, a melhor imagem para traduzi-la é a de tão afiada laminação de certos
princípios essenciais às instituições da ordem jurídica nacional que, ao entrarem as leis estrangeiras, alguns dos efeitos
caiam, cortados por eles. Corte de efeitos; e isso sugere que só se aparam, só se cortam, enquanto, ao tempo do
julgado, vigem os princípios, com o seu fio excepcional. A ação da ordem pública consiste em corte de efeitos; a sua
conseqUência não é, sempre, a territorialidade dos efeitos. E de toda a importância frisar-se: a regra pode permanecer
no sistema jurídico e perder a saliência, o gume. Reconhece-se-lhe a incidência; nega-se-lhe, porém, aplicação ou
importação de eficácia. Portanto, é de corte que se trata.
(c) A lex situs e a lex loci têm a sua ação na normal aplicabilidade ao bem e ao delito civil (ainda como lei-conteúdo).
A conseqUência é o respeito internacional dos seus efeitos. O brasileiro divorciou-se na Alemanha, onde a
dissolubilidade do casamentofoi (imaginamo-nos em 1903, para compor o exemplo, com o Reichsgericht, 12 de
outubro de 1903, pois tal opinião, de um momento, fora afastada) de ordem pública; no Brasil, só se desquitou; na
França, também, porque, para o juiz francês, o estatuto pessoal não sofria corte de efeitos nesse ponto. A eficácia de
tal divórcio foi fenômeno só perceptível na Alemanha, porque só existiu devido à sua noção de ordem pública. Corte
de efeitos da lei brasileira e conseqUente localização de efeitos do divórcio. Não é bem a aplicação da lei territorial; os
efeitos limitados à ordem jurídica da Alemanha, é que são intra-estatais. Somente nisso, que se não podia produzir na
Alemanha (a vedação de divórcio), não se atendeu à lei brasileira. Tudo nos mostra quanto é diferente a aplicação de
leis territoriais e locais; normalmente aplicáveis, prendem a si mesmas as relações jurídicas, os bens, o delito civil;
mas os seus efeitos são possivelmente universais. Se o Brasil vier a adotar o divórcio, ~,o juiz brasileiro dará
homologação à sentença alemã, para que se respeite a ordem pública definida pela Alemanha, ou só a reconhecerá
como de desquite? Certo, as disposições de ordem pública são somente as do momento da sentença ou da
homologação; mas, na sentença alemã só houve efeitos internos, e o juiz brasileiro terá de exigir que os interessados
pratiquem os atos processuais ou extraprocessuais, que o direito intertemporal do Brasil tenha por necessários à
transformação dos desquites anteriores em divórcio. Os efeitos a mais, que ojuiz alemão citou, não bastam, salvo se a
regra inter-temporal conferir aos efeitos internos estrangeiros, em tais casos efeitos de estatuto pessoal, isto é, ubíquos.
Seria isso nova lei, nova ordem ao juiz. Se os efeitos tivessem sido a menos desquite de alemães no Brasil, o
raciocínio seria semelhante: a ordem pública do Brasil teria cortado a lei alemã,
porém, posteriormente, se atenderão aos efeitos normais, extraterritoriais, da lei alemã. (O Brasil, com o Decreto-Lei
n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, sofreu profunda transformação no seu sistema jurídico: um dos países líderes do
princípio da nacionalidade como dado determinador da competência legislativa passou-se para os seus opositores, a
despeito e solenes comunicações em congressos interestatais; de modo que reconheceu a competência do Estado do
domicilio. Consequência: os casamentos de brasileiros divorciados no estrangeiro existem e valem; apenas não têm
eficácia no Brasil. O Brasil renunciou à lei nacional. De modo que, aplicada a lei do domicílio pelo juiz estrangeiro,
divórcio e casamento há e valem; apenas não se lhe importam os feitos no Brasil.)
O ser ius cogens a regra jurídica de que se trata, por ser da sua aplicação que se querem os efeitos, através da
homologação de sentença, não importa. A lei competente, e não a lei do Estado importador dos efeitos, é que
discrimina o que é ius cogens, o que é ius dispositivum e o que é ius interpretativumn. Tanto pode ser contra a ordem
pública o efeito da regra jurídica cogente estrangeira como o da regra jurídica dispositiva ou interpretativa estrangeira,
que, in casu, foi atendida. (Firmada em opinião nossa, a decisão do Supremo Tribunal Federal, a 7 de dezembro de
1948, D. dai. de 27 de outubro de 1950.)
(d) Que os Estados não respeitem a competência legislativa dos outros quanto ao que seja estatuto da pessoa e dos
bens situados no seu território, coisa é que se deve lamentar e exprobrar. Mas que se tirem pessimismos e se exagerem
os inconvenientes de cada Estado ter a sua noção de ordem pública, não se justifica; não é só um “mal necessário”
(Giulio Diena, Principii di Diritto internazionale privato, 2~ ed., Parte 2~, 60), um “defeito” da comunidade jurídica
(E. Bartin, Études, 217 5.); é o resultado inevitável da existência de ambiências, que, em instantes do espaço e do
tempo, não podem importar os efeitos que as leis competentes querem.
Ora, para que isso desaparecesse, ou para que seja conceituado, hoje, como o defeito, ou o mal, seria preciso que fosse
certa a unidade de concepção futura do direito de todo o mundo. Pura hipótese, que não justifica outra atitude que não
seja a de se olharem os fatos como fatos, todos, com o mesmo título naturais. O que podemos é prever a diminuição
crescente das aplicações da ordem pública, por tenderem os povos a maior simetria de costumes e de moral; e isso
depende também de serem crescentes os fatores que hoje determinam tal evolução integrativa. Se, da vida social, hão
de sair ordem nova e novas formas político-sociais, a uniformidade não se ultimará, porque os Estados de
Constituições avançadas provocarão, nele e nos outros, novas invocações de ordem pública. É o que ocorre com a
Rússia e outros povos. Deve evitar-se julgamento sobre o princípio da não-importação de efeitos segundo critério de
uma ordem futura simétrica imaginária, de um direito único e uniformemente transformado ou intransformável, que
excluiria a própria existência necessariamente intra-estatal ou interestatal do direito internacional privado.
O princípio de ordem pública, com o seu efeito a que já se chamou dissolvente, resulta da profunda desigualdade, em
certos pontos, das legislações substanciais. Reconhece-se a competência legislativa dos outros Estados, reconhecem-se
os efeitos dos fatos ou atos regidos pela lei que as regras de sobre-direito, ditadas pelos outros Estados, digam serem
as aplicáveis; mas onde a diferença das concepções jurídicas entre a lei aplicável e a lexfori se torna demasiado
sensível, ojuiz do Estado conferidor abstém-se de sancionar o que chocaria, nos princípios mais rijos, o direito
nacional. O direito nacional recobre os bordos (efeitos) do direito estrangeiro, que não deixa de ser tido, ainda mios
efeitos, como o direito “competente”.
Por isso mesmo, quanto mais parecidos os sistemas de direito, menos funciona o princípio da ordem pública, posto
que a parecença e até a igualdade formal não bastem: a mesma regra, em duas ordens jurídicas, muda de intensidade.
No direito francês, a supressão de toda distinção entre os herdeiros, pelas idades ou sexos, constitui um dos princípios
fundamentais em matéria de sucessões. Devido às origens do princípio e ao seu caráter político, que o torna ponto
capital da concepção jurídico-social da França, a jurisprudência e a doutrina querem que se trate de uma regra de
ordem pública. Assim, não se aplicará na França qualquer texto de lei estrangeira que estabeleça vantagens aos filhos
mais velhos, ou ao primogênito, aos varões, ou a qualquer outra categoria de herdeiros.
No Brasil, levanta-se a questão com outro aspecto. Se é certo que a lei civil brasileira adota aquele princípio de
partilha, não se pode dizer que, na mentalidade dos legisladores brasileiros, tenha havido aquela concatenação de
convicções político-jurídicas que houve no direito francês. Copiou-se o princípio, mas sem se herdar o intuito de
política social extremista, que justificasse, sem maior exame, a elevação da regra a princípio de ordem pública. Por
isso mesmo, o juiz brasileiro não vacila em observar a lei de progenitura do país estrangeiro, como também aplica a de
liberdade de testar. Está claro que a questão já assaz se simplificara pelo final do velho art. 14 da Introdução ao
Código de 1916: se um dos herdeiros do estrangeiro fosse brasileiro, a sua lei pessoal seria a do Brasil. Não é que não
existissem casos de ordem pública, derivados do choque com o sistema sucessoral do
Brasil. Exemplo temos na distinção relativa a herdeiros legítimos que se hajam naturalizado em outro país ou adotam
diferente religião. No fundo, nenhum interesse tinha o Brasil em cortar a aplicação do texto estrangeiro, se dele
somente resultasse diminuição ou exclusão patrimonial de alguns descendentes ou parentes. No caso de filhos que
ficarão sem alimentos, a questão muda de aspecto, e mais: desloca-se; não é no direito das sucessões que se dá o
choque com a ordem pública e os bons costumes do Brasil, e sim no terreno do direito de família. A Constituição de
1934 deu melhor solução: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil será regulada pela lei
brasileira e em benefício do cônjuge ou de filhos, sempre que não lhes seja mais favorável a lei nacional do de cuius”.
Idem, a de 1937, art. 152. Regra de lex rei sitae. O Brasil era competente para edictá-la; e edictou-a. Além dessa regra
jurídica, houve a do Decreto-Lei n03 200 de 19 de abril de 1941, art. 17: “A brasileira casada com estrangeiro, sob
regime que exclui a comunhão universal, caberá, por morte do marido, o usufruto vitalício da quarta parte dos bens
deste, se houver filhos brasileiros do casal, e da metade; se os não houver”. Lex rei sitae regrando sucessão. Cf.
Decreto-Lei n0 3.200, art. 18. A Constituição de 1946, art. 165, acrescentou “filhos brasileiros”, o que passou à de
1967, art.150, ~ 33, e à Emenda de 1969, artigo 153, ~
(e) A jurisprudência brasileira considera de ordem pública a vedação aos seus juizes da decretação do divórcio
(Supremo Tribunal Federal, 18 de setembro de 1920). Outrossim, depois de recusar homologação a sentença
estrangeira que o decretara (10 de outubro de 1913), homologou-se para os sós efeitos patrimoniais (26 de agosto de
1914, 9 de novembro de 1916), e ficara entendido que a lei nacional do brasileiro ou da brasileira lhe vedaria as novas
núpcias. Não se precisou da noção de ordem pública, posto que, para isso e volvendo à verdade, o Supremo Tribunal
Federal, a cada momento, entendesse voltar à velharia e “ilegalidade” da lei do marido o estatuto da brasileira casada
com estrangeiro. Se os cônjuges são estrangeiros e a lei ou as leis pessoais deles admitem o divórcio, homologa-se a
sentença para todos os efeitos (7 de outubro de 1925, 14 de janeiro de 1914, 13 de setembro de 1922, 3 de novembro
de 1926, 26 de outubro de 1928, 7 de junho de 1932), ainda que efetuado no Brasil o casamento (17 de agosto de
1928) e por mútuo consentimento o divórcio (23 de dezembro de 1925) ou decreto de rei (31 de janeiro de 1933). Se
só uma lei pessoal o admite e nenhuma delas é brasileira, o Tribunal negou a homologação quanto ao vínculo se a lei
do marido não o permite (22 de julho de 1925). Será certo, quando o Estado, a que pertença a mulher, adotar, para ela,
a lei pessoal do marido. Fora daí, está errado. Quanto aos brasileiros, o Brasil admitiu, em 1942, a lei do domicilio
para eles, de modo que têm os juizes de invocar a ordem pública se querem não admitir, no Brasil, a eficácia da
sentença estrangeira.
A separação (desquite) por mútuo consentimento não é, no Brasil, de ordem pública, razão por que, se a lei pessoal
não conhece tal causa, o juiz brasileiro indefere o pedido (Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de agosto de 1931,22
de março de 1932, Supremo Tribunal Federal, 15 de junho de 1932).
Ainda a 30 de setembro de 1942 (R. de D., 145, 243), o Supremo Tribunal Federal decidiu que se não homologa
sentença de divórcio de estrangeiro se esse está “residindo” no Brasil. Sem razão. Ou não homologa quaisquer
sentenças de divórcio de estrangeiro, “resida”, ou não, no Brasil; ou homologa todas, exceto quando se trate de
estrangeiro, inclusive apátrida, que esteja submetido à lei brasileira. O que não se pode é fazer depender da residência,
ou não-residência, a invocação de ordem pública.
(1) j,Vale o ato praticado no Brasil pelo estrangeiro incapaz, se ele, pela lei brasileira, seria capaz?
a) A resposta afirmativa ora é constituída como regra do Estado do negócio, e tal o caso da Alemanha, art. 70 alínea 38
da Suíça, art. 70 b, do Japão, art. 30 e da Polônia, arts. 20 e 30, em negócios que não sejam de direito de família e de
sucessões, ora como caso de não-importação de efeitos por motivo de ordem pública (F. Wharton, A Treatise on the
Conflict ofLaws or Private International Law, 38 ed., 1, 263; A.Weiss, Manuel de Droit International privé, 98 ed.,
454; Thomas H. Healy, Recueil des Cours, IX, 511; A. Pillet e J. P. Niboyet, Manuel de Droit international privé, 524;
F. Surville, De la validité des contrais passés en France para un étranger intapable d’aprês la loi française, Journal de
Clunet, 1909, 625 s.), ora em virtude de uma teoria do interesse nacional, segundo a qual o prejuízo de um nacional
justifica desatender-se à lei estrangeira.
b) A resposta negativa tem por fundamento a aplicação normal do estatuto pessoal, para cujo corte não admite a
ligação usurpante contida nas leis alemã, suíça e japonesa, nem, sequer, a oportunidade de ser invocado o princípio de
não-importação de efeitos em virtude de ordem pública (cf.
J.Proudhon, Traité sur l’État des personnes, 3a ed., 1, 85, 98; C. Demolombe, Cours de Code Napoléon, 28 ed., i, 120
e 121; C. Demangeat, Histoire de la Condition des Etrangers en France, 373; Aubry e Rau, Cours de Droit civil fran
çais, 1, 147 s., adotaram a jurisprudência francesa, mas J.
COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (Art. 484)121

Aubry e Rau supõem não ter havido, no caso julgado, imprudência do francês).
A primeira solução tem por si o exemplo alemão-suíço: não leva em consideração a boa ou má-fé do estrangeiro
(propositadamente o fez Gebhard, para evitar dificuldades); e quer apenas impor, no foro, uma solução de proteção aos
nacionais. Pressupõe: a) a presença corporal das partes na Alemanha (Vicomte Poullet, Manuel de Droit international
privé bel ge, 317; contra, com razão, Ernst Frankenstein, Internationales Privatrecht, 1, 417, e parece-nos que a não-
presença dos estrangeiros, sendo a Alemanha o lugar da conclusão do contrato, bastaria, com mais forte motivo); b)
que se trate de negócio jurídico (Rechtsgeschãft) , e não pertença ao direito de família, nem ao de sucessões. Rege a
capacidade a lei alemã. Certamente nem o Estado da lei pessoal respeitara tal capitis deniinutio parcial (Th. Niemeyer,
Das internationale Privatrecht des Burgerlichen Gesetzbuches, 126), nem os terceiros. Do outro lado, há os que
alegam contra isso: o dever de um homem zeloso dos seus negócios é o de se estabelecer sobre a situação jurídica
daqueles com quem contrata. Se não toma tal precaução, a culpa é sua. Se foi ele mal informado e contratou, ainda é
sua a culpa. O que o interesse geral reclama é apenas o rigoroso reconhecimento do estatuto pessoal.
A teoria do interesse nacional é inadmissível. A da ordem pública não pode ser analisada; é matéria que depende da
sensibilidade de cada Estado. No Brasil, a regra jurídica sobre serem os menores relativamente incapazes responsáveis
por ato ilícito é de ordem pública; porém não se lhe poderia tirar a regra alemã ou suíça, demasiado cortante, nem a
francesa, para a qual as incapacidades derivadas de lei estrangeira não podem ser opostas ao francês que, tendo tratado
na França com um estrangeiro, agiu de boa-fé, sem precipitação, nem imprudência, crendo que era um francês ou, pelo
menos, regido por legislação semelhante.
Assim, a doutrina francesa, a que se chamou “do interesse nacional”, submete o estrangeiro à lei francesa quando a lei
nacional do estrangeiro prejudica o interesse de um francês. A Lei polonesa de 2 de agosto de 1926, art. 30 estatui:
“Quando um estrangeiro,incapaz segundo a sua lei pessoal (art. 10), pratica, na Polônia, ato jurídico (art. 90) destinado
a aí (aqui) produzir efeitos, a capacidade do estrangeiro, quando a segurança de comércio honesto o exige, regula-se
pela lei em vigor na Polônia”. É evidente a invocação de ordem pública. Discutimos, alhures, b que se levantou, a
respeito desse ponto, no Instituto de Direito Internacional.
Posteriormente, sob o aguilhão das críticas, a jurisprudência francesa lançou mão de outros motivos: enriquecimento
sem causa (Req., 16 de janeiro de 1861; Cass., 23 de fevereiro de 1891); lex loci delicti.
(g) A prova da confusão e dos erros, em que se enredavam as jurisprudências e doutrinas dos diversos Estados
europeus e americanos a respeito de ordem pública, tivemo-la por ocasião das questões suscitadas com os bens
socializados pelo governo soviético. Assistiu-se à aplicação de tal noção onde nada tinha a fazer, e a discussões
supérfluas onde a noção, só por si, resolveria.
Certamente, a ordem pública dos outros Estados opor-se-ia a que os seus juizes aplicassem a lei do confisco aos
móveis escapos à Iex rei sitae; porém, quanto aos outros móveis e aos imóveis fora da Rússia, a lex rei sitae, como
princípio fundamental, bastaria para afastar a expropriação soviética. Revela escassa cultura jurídica o jurista ou juiz
que, não sendo competente a lei aplicada, invoca a ordem pública.
Assim, no caso Estado msso versus Ropit, o governo russo reclamou a restituição dos navios da Sociedade Russa de
Navegação e de Comércio, que se achavam em Marselha, vindos de Odessa, antes da ocupação da cidade pelo poder
soviético. Nas três instâncias, foi denegado o pedido, com invocação da ordem pública francesa (Cass., 5 de março de
1928), Jena sido preciso invocar a ordem pública? É a opinião corrente. Cumpre distinguir: se, ao tempo da ação, eram
regidos pela lei russa se eram russos, digamos os navios, a incidência da lei impõe-se, salvo a invocação de ordem
pública; se, a tal momento, já os navios não eram russos devido a atos jurídicos ou fatos que os tivessem separado do
domínio da lei russa, cessara a incidência do estatuto russo e era desnecessária a alegação de ordem pública. É de
mister não nos esquecermos de que, para ser francês, o navio teria de satisfazer condições rigorosas, e aos navios
franceses é que se aplica a lei francesa. Argumento de que se não usou seria o de terem perdido a nacionalidade, algo
de semelhante à apatria das pessoas. Interessante, mas sem provável bom êxito.
Questões entre novos proprietários, após o confisco russo, e os antigos apareceram nos tribunais europeus. No julgado
da High Court of Àppel, caso Luther versus Sagor, Lord Justice Scrutton disse: “Seda ofender àcortesia internacional,
em relação a Estado reconhecido como soberano independente, declarar a sua legislação contrária aos princípios
essenciais da justiça e da moral”. Na Alemanha, os tribunais também foram favoráveis aos novos proprietários, ainda
antes do Tratado de Rapalo, de 16 de abril de 1922, entre a Rússia e a Alemanha (Landsgericht de Lipsia, 25 de março
de 1922). Na França, aplicou-se, sem qualquer razão (ordem pública ou
não-reconhecimento do governo), o direito francês, nas espécies evidentemente intruso (Tribunal do Sena, 12 de
dezembro de 1923). A maioria dos julgados pecou pela falta de ordem nas questões discutidas.
Alguns julgados, alemães traziam à balha o Tratado de Rapalo; se a Alemanha renunciara a reclamações contra a
aplicação a cidadãos alemães das leis e medidas administrativas do governo soviético, não poderiam os seus juizes ir
contra medidas análogas aplicadas a outros, autores privados. Supérfluo o raciocínio, porque a mesma devia ser a
solução se não tivesse existido o Tratado. Também na Itália, a Corte de Cassação anulou um julgamento, invocando o
art. 10 da Convenção preliminar de 26 de dezembro de 1921 entre a Itália e a Rússia, que previu a pretensão dos
antigos proprietários de coisas nacionalizadas pela Rússia soviética e trazidas àItália (Corte de Cassação, 25 de abril
de 1925). Aqui, de certo, se compreende a citação do texto explícito; nos julgados alemães, ressalta a superfluidade do
argumento a fortiori. A transferência deu-se na Rússia, sob o império de lex situs. Era a Rússia o Estado competente
para legislar quanto ao sobredireito e quanto ao direito substancial. A invocação de ordem pública sena descabida e
contra a distribuição internacional das competências legislativas dos Estados, sendo a eficácia na Rússia e não alhures.
Houve Estado que se recusou a reconhecer os casamentos contratados no território russo, segundo o direito soviético,
como procedera, e.g., a Corte Suprema romena (Corte Suprema romena, 28 de fevereiro de 1926). Tal julgado refugou
como contrário à ordem pública todo o direito matrimonial soviético. Não podia fazê-lo, nem serviu, com isso, à
própria família. Podia, e devia, cortar efeitos à lei soviética que suprimia a obrigação do domicilio conjugal comum
(Reichsgericht, 6 de outubro de 1927), ou que permitia a investigação da paternidade por parte de pessoa cuja mãe, no
momento do nascimento do autor da ação, estava casada validamente (Oberlandesgericht Frankfurt, 3-17 de dezembro
de 1925). Também tribunal inglês (Nachinson versus Nachinson, Prob. Divorce and Adm. Prov. 17 de dezembro de
1929) violou a distribuição internacional das competências, o princípio de importação internacional de efeitos. Aliás,
no julgado britânico, a forma é que émá; o que é contrário ao public policy é a dissolução do casamento por simples
consentimento unilateral de um dos cônjuges; o casamento, em si, vale.
No Brasil, a jurisprudência andou acertadamente. A 6~ Câmara Cível de Agravos do Distrito Federal, no Acórdão de
10 de junho de 1932, reformou o despacho do juiz de primeira instância, que negara validade ao casamento realizado
na Rússia soviética. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença do juiz que, em ação
de desquite, se conformou com a prova do casamento segundo a legislação soviética, que se satisfaz com qualquer
documento que revele a existência do casamento, inclusive a posse do estado de casados (48 Câmara Cível, Acórdão
de 18 de maio de 1932). Vê-se bem que o tribunal brasileiro se manteve no plano da eficácia.
(h) Nos Arrets nos 14 e 15 da Corte Permanente de Justiça Internacional, acha-se reconhecida o princípio da não-
importação de efeitos em virtude de invocação da ordem pública. Eis os trechos principais:
1. “Avant de procéder à ladite détermination, il y a cependant lieu de rappeler qu’iI se peut que la lai qui pourrait être
jugée, par la Cour, applicable aux obligations de l’espêce, soit, sur un territoire déterminé, tenue en échec par une loi
nationale de ce territoire, loi d’ordre public et d’apllication inéluctable bien que le contrat ait été conclu sous le régime
d’une loi étrangêre”.
II. “La Cour, amenée en cette occurence à se prononcer sur le sens et la portée d’une loi nationale, fait observer ce qui
suit: il ne serait pas conforme à la tache pour laquelle elle a été établie, et il ne corresponderait pas non plus auz
principes gouvernant sa composition, qu’elle dút se livrer elIe même à une interprétation personnalle d’un droit
national, sans tenir compte de la jurisprudence, en courant ainsi le risque de se mettre de la jurisprudence, en courant
ainsi le risque de se mettre em contradiction avec l’interprétation que la plus haute jurisdiction nationale aurait
sanctionnée, et qui, dans ses résultats, lui paraitrait raisonnable. 11 serait particuliêrement délicat de le faire là oú il
s’agit d’ordre public notion dont la définition dans un pays déterminé dépend dans une large mesure de 1 ‘opinion
que prévaut à chaque moment dans ce pays même et quand les textes ne se prononcent pas directement sur la question
dont il s’agit”.
A decisão foi perfeita. Como tribunal de jurisdição interestatal, a Corte Permanente de Justiça Internacional
reconheceu a existência do principio (de direito das gentes, necessariamente), segundo o qual o Estado em cuja
ambiência jurídica vai produzir efeitos a lei estrangeira competente (“qui pourrait être jugée, par la Cour, applicable”)
pode cortá-los por motivo de ordem pública. Tal Estado é que pode dizer o que é, para ele, de ordem pública; e os seus
juizes são os mais autorizados para a fixação de tal matéria de direito interno. Se eles ultrapassam os limites da
competência, como se cortam efeitos a leis que não pretendem atuar na ambiência jurídica deles, então, sim, cabe à
Corte reduzir ao que deve ser a interpretação dos tribunais dos Estados à interpretação que, “dans ses resultats”, lhes
deveria parecer
a razoável. A interpretação dos Estados não pode ir além do que lhes fixa a competência mesma para a invocação da
ordem pública.
A ordem pública corta efeitos na ambiência jurídica do país que a invoca, e nãofora. A ordem pública não autoriza o
juiz a criticar moralmente a lei estrangeira. Pode cortar efeitos à regra de ordem pública de outro Estado que haja
cortado ou atribuído novos efeitos à regra da lei aplicável:
foi concedido o divórcio, em certo país, de indivíduo cuja lei pessoal não o permitia; o Brasil, conhecendo efeitos da
lei estrangeira de ordem pública, corta, por sua vez, tais efeitos. Ou, melhor: não os vê, porque são interiores ao país
da decretação. Aí, o corte ao que se aditara restaura a lei competente.
A infração do direito das gentes por parte de outro Estado, quer no seu direito substancial, quer no sobredireito (direito
internacional privado, direito intertemporal, método de interpretação e fontes), não justifica que se lhe não aplique o
texto edictado, sob a alegação de ser contra a ordem pública. Já Ernst Zitelmann (Internationales Privatrecht, 1, 378)
cogitara disso, e posteriormente, durante e após a Primeira Guerra Mundial, houve julgados nesse sentido. Todos,
porém, sem razão. Não menos sem razão o parecer de Leo Raape (Internationales Privatrecht, J. v. Staudingers
Kommentar, 98 ed., VI, 822), para quem fora de mister que a infração ofendesse os bons costumes ou o fim de uma lei
alemã. A atitude do juiz não pode ser, juridicamente, senão a de verificar a competência legislativa do Estado
estrangeiro, porque, se, por ato de legislação, infringiu o direito das gentes, ultrapassou as raias da sua competência.
Toda invocação de ordem pública, em casos tais, sobre ser errada, é supérflua: não se precisa cortar a eficácia à lei que
se pode afastar por ser, na espécie, incompetente (não-incidência).
Os tratados podem pré-excluir a invocação de ordem pública. Não se presume que o tenham feito, salvo onde tal
reserva contradiria o conteúdo mesmo do tratado.
(i) Se alguma lei faz referência a “bons costumes~~, e a conceito interior ao de “ordem pública”. A ordem pública, no
que é o mínimo ético tolerável pela ambiência jurídica do país, tal o conceito menor de “bons costumes”. É alusão à
ordem pública ética, especificamente. Quando a ordem pública se liga à moral dos atos da vida individual defende os
bons costumes.
A expressão “soberania nacional” foi a de que se valeu Lafaiete Rodrigues Pereira, autor do Decreto n0 6.982 (art. 20,
§ lo), para aludir às regras jurídicas de distribuição da competência jurisdicional, pertencentes ao direito das gentes.
Para ele, já então, embora obscuramente (ver, para o estado atual da técnica, nosso Direito Internacional Privado, 1,
89-116, 362-393; II, 49 s.), infração de regras jurídicas supra-estatais de competência e choque com a ordem pública e
os bons costumes do país não são a mesma coisa. O Decreto n0 6.982, na linha da boa tradição reinícola de dar
exemplo para se apanhar o conteúdo dos conceitos, acrescentava: “como se, por exemplo (as ditas sentenças),
subtraissem algum brasileiro à competência dos tribunais do Império”. Quer dizer: se infringissem regras de
distribuição das competências. Perfeito.
(k) i,E aplicável pelo juiz da homologação o art. 129? A homologação de sentença é conteúdo de ação; durante o seu
processo, a posição do juiz éigual à que tem em qualquer outra. Certo, se a fraude à lei, que é um dos casos do art. 129
(o outro é o de simulação), se deu, aí, na ação primitiva, pode não acontecer na ação primitiva, pode não acontecer na
ação de homologação; mas exatamente a sentença, na ação primitiva, é que é objeto da ação de homologação de
sentença estrangeira. A fraude à lei (“conseguir fim proibido por lei”) é, pois, invocável como impedimento, tanto
mais quanto o princípio do art. 129 é de ordem pública (art. 484). Faça-se o mesmo raciocínio quanto à simulação, de
que o art. 129 também trata.
A ordem pública tem de ser apreciada conforme a importação da eficácia da sentença. A respeito de divórcio, ou o
Estado de importação não pode admiti-lo, ou só o admite quando no negócio não haja elemento regido pelo direito
nacional. No Brasil, a justiça confundiu ordem pública e localização da pessoa, no que teve de cair em contradições
flagrantes:
homologar o divórcio de A e B, salvo se A ou B é residente no Brasil (Supremo Tribunal Federal, 30 de setembro de
1942, R. dos T., 148, 771). Outras vezes, partindo de que a sentença de divórcio é declaratória de estado (?!),
dispensou a homologação (38 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 29 de outubro de 1943, D.
da J. de 18 de fevereiro de 1944, 1096). Ora, a sentença de divórcio é constitutiva negativa, e não declarativa. E, por
outro lado, o tipo de sentença que, para produzir efeitos no Brasil, precisa de homologação. O que é urgente é fixar-se
o que o Supre~ixo Tribunal Federal considera, ou não, de ordem pública, na legislação brasileira. Não pode usar de
dois pesos e de duas medidas.
Deve-se ter atenção em que o corte na eficácia da decisão, por ser contrária à soberania nacional, à ordem pública, ou
ans bons costumes, pode ser esvaziante ou substituinte. No primeiro caso, nada fica no lugar em que estava a decisão,
ou a parte da decisão cuja eficácia se cortou; no segundo, o lugar que lhe tocava é ocupado pela regra jurídica
brasileira correspondente ao que se lhe retirou.
A garantia de reciprocidade não é de exigir-se, no direito brasileiro, a propósito de homologação de sentenças. Os
juristas têm tal pressuposto, encontradiço nos sistemas estrangeiros, como retrógrado (L. von Bar, Theorie und Praxis
des internationalen Privatrechts, 1, 2~ ed., 286 s.;
Theodor S(iss, Die Anerkennung ausladischer Urteile, Festgabe fur Leo Rosenberg, 232 s.; Erwin Riezler,
internationales Zivilprozessrecht, 553).
Quanto às cartas rogatórias, é assente a exigência da reciprocidade: se ao Estado rogante se nega, em princípio, ainda
em que em certa matéria, cumprimento de cartas rogatórias, é justo que ao outro Estado se negue, na mesma medida.
3. Processo de homologação de sentença estrangeira O processo da ação de homologação da sentença estrangeira, no
Supremo Tribunal federal, começa pela distribuição, em virtude de despacho, e a citação do
réu evitemos o ambíguo “executado”, porque pode tratar-se de força e efeito, não executivos, no sentido de
“executivo”, “exequível”, “executar”, quando se classificam, cientificamente, as ações, ou quando se fala, no Código,
de ações executivas, posto que (como é de menor uso, e igual a eficaz) executivos, no sentido lato que é o do art. 484,
assunto antes versado. No Brasil, houve tempo em que, sendo um só ojuiz da ação de homologação ou de exequatur
ou de cumpra-se e o da execução da sentença homologada, executória ou a cumpnr- se, o processo constitutivo
integrativo era de plano, e logo se iniciava a chamada execução da sentença. Desde que, na República, se acabou com
essa cumulação objetiva necessária, não há nenhuma ação executiva na ação de homologação das sentenças
estrangeiras. Talvez tenha sido essa sequência (sentença na ação estrangeira como objeto, ação de homologação da
sentença, ação de execução), que tenha levado James Goldschmidt a tê-la considerado ação de condenação (!). Sem
razão, advirta-se; a ação de homologação (símile com o que se passa com a ação declaratória, a ação de condenação e
a ação de execução da sentença) não é o de modo nenhum ação de condenação. A cumulação era artificial, ou, pelo
menos, não realizável em todos os casos, e.g., não haveria ação de execução de sentença cumulável com a
homologação de sentença constitutiva. E nesse caso a semelhança com a sentença de condenação seria nenhuma.
O consolidador de 1898 seguiu a Lei n0 221, que não se dera conta da mudança operada: falou de “executado”,
“exeqUente”, “deduzir por embargos a sua oposição”. Mas, desde o início até 1939, a incorrigida expressão
“embargos” foi ocasional, resto do direito anterior, tanto assim que datam desse tempo a “oposição” (cf. Lei n0 221,
art. 12; Decreto n0 3.084, Parte V, art. 10, inciso 1~, verbis “a sua oposição”) e a “contestação” (Lei n0 121, art. 21;
Decreto n0 3.084, Parte V, art. 10, inciso 30) Não há “embargos” na ação de homologação de sentença; há contestação
ou impugnação. Embargos há na ação executiva que, após a homologação, com a carta de sentença, se propõe no
Brasil, isto é, ação que se move, com a carta de sentença mais a sentença homologatória, para execução no juízo
competente. A explicação histórica e sistemática auxilia-nos a ver claro no instituto da homologação das sentenças
estrangeiras.
O art. 835 também é aplicável ao autor da ação de homologação de sentença estrangeira, se algum dos pressupostos se
compõe.
4. Pedido de homologação e prazo para contestação Pedida a homologação (arts. 282 e 283),1o3 é a esse pedido que
se responde por se tratar de ação de cognição, e não de ação de execução de sentença. A sentença é analisada como
objeto.
Lê-se no Regimento Interno do Supremo Tribunal federal, art. 213:
“O relator mandará citar o executado para contestar o pedido no prazo de quinze dias”.tM No § 1~: “A contestação
somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, a inteligência da sentença e a observância dos arts. 211 e
212”. ‘~ O art. 211 hMé aquele em que se veda a homologação de sentença estrangeira cujos efeitos atentem contra a
soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes assunto que já versamos. O art. 212 aponta os requisitos
necessários à homologabilidade da sentença es
~No § 20 do art. 213, diz o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal: “A petição inicial será, desde logo,
indeferida pelo relator, se manifestamente inepta, ou quando o requerente não promover, no prazo fixado, os atos e
diligências que lhe cumprir”.’08
A contestação somente pode versar sobre um, pelo menos, dos seguintes pressupostos: a) falta de autenticidade do
documento, caso em que a defesa é bem oposição ou contra-ação declarativa negativa, semelhante àação declaratória
de falsidade de documento específica e prejudicial; b) a indevida inteligência da sentença, portanto negação das
afirmações exegéticas explícita ou implicitamente feitas pelo autor, de modo que o tribunal homologante, ao integrar a
eficácia da sentença, lhe declara o conteúdo (elemento declarativo que não atua para fixar a natureza da ação, pois se
trata de declaração do objeto material, e não de relação jurídica, simples apreciação inquisitiva da prova documental,
razão por que não se aplica o

103 RISTF.arts.218a219
104 No atual RISTF, o Presidente mandará citar o requerido para contestar em quinze dias.
105 RISTF, art. 221, onde se fala na observância dos requisitos indicados nos arts. 217 e 218.
106 RISTF, art. 216.
107 Atual regimento, art. 217, onde se fala em requisitos indispensáveis.
108 RISTF,art.219.

art. 333 do Código); c) defeito ou vício de forma segundo a lei do juiz prolator da sentença homologanda, defesa
semelhante à da letra a); d) falta de um dos pressupostos subjetivos do art. 212, lI, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal; e) falta da coisa julgada formal; fi falta da tradução oficial; g) infração de regra de direito das
gentes que entenda como Brasil; h) choque com a soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes do
Brasil.’~ Em qualquer dos casos, prevalece o princípio inquisitivo, e não o dispositivo. O tribunal pode negar a
homologação, ainda que não-impugnado o pedido e sem precisar invocar o art. 129 (dolo bila- teral). O acórdão do
Supremo Tribunal Federal, de 23 de maio de 1930 (R. de D., 99, 99), permitiu a renúncia à jurisdição brasileira, grave
confusão com a prorrogação da competência no direito interno. Mas foi julgado esporádico. ~Seria renúncia à
soberania! Grande fonte de erros, na justiça, é a falta de ordem nas preliminares processuais e nas questões
prejudiciais.
As regras jurídicas de capacidade de ser parte, de capacidade processual e de capacitação postulacional são aplicáveis
à ação de homologação da sentença estrangeira. Os poderes do procurador judicial têm de ser especiais (Supremo
Tribunal Federal, 16 de setembro de 1927, A. J., IV, 400).
Diz o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 214: “Se o executado (?) não comparecer ou for incapaz, o
relator nomeará curador à lide, o qual será notificado pessoalmente”.”0 Havemos de entender que
tal nomeação só é imprescindível se o incapaz não está representado,conforme a lei.

5. Prazo para contestação e prazo para resposta Feita a citação, correm os quinze dias para a contestação. Após isso,
tem o autor da ação de homologação da sentença estrangeira o prazo de cinco dias, para se manífestar.”’ Cp. Código
Bustamante, art. 426: “O juiz, ou tribunal, ao qual se peça a execução, ouvirá, antes de a decretar, ou denegar, e dentro
do prazo de vinte dias, a parte contra quem ela seja solicitada e o procurador ou Ministério Público”.

109 Vd. o art. 221 do atual regimento. Óbvio que a contestaçáo poderá versar sobre qualquer das
matérias do art. 301 do CPC.
110Vd. o § 1’ do art. 221 do atual regimento, onde não se fala em executado mas em requerido, que é o réu da
ação de homologação.
111Vd. o * 20 do art. 221 do atual regimento, onde se fala, expressamente, em réplica, ao contrário do
CPC, que omite esse nome.

6.Procurador-Geral da República A audiência do Procurador-Geral da República é essencial.”2 A sua função é, de


regra, a de fiscal; mas pode assumir a de parte, segundo os princípios, satisfeitos, naturalmente, os pressupostos para
isso.
Se não foi ouvido o órgão do Ministério Público, há nulidade processual, não-cominada. E preciso atender-se a que o
órgão do Ministério Público, posto que não seja parte na ação de cuja sentença se quer a homologação, é o mais
imediato interessado em que se observem as regras jurídicas. Por se não ter cominado a nulidade, regem os arts. 243 e
244. O problema maior é o que resulta de se procurar saber se incide, ou não, o art. 741,1.0 Código podia considerar a
ação de homologação de sentença como ação contra o Estado, em vez de simples exercício de pretensão à tutela
jurídica, sendo pars adversa o demandado na ação em que se proferiu a sentença rescindenda. Não no fez. O órgáo do
Ministério Público não é citado: é ouvido e dá parecer (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 215,
parágrafo único).”3 De lege lata, portanto, a falta da citação não faz nula a sentença. Não é, porém, de afastar-se, a
priori, a possibilidade de rescindibilidade.
7.Carta de sentença homologatória A carta de sentença homologatória compõe-se da combinação das duas sentenças
a sentença estrangeira e a de constituição integrativa. Nem a sentença estrangeira se nacionaliza, nem a sentença
nacional é absorvida pela outra posto que insinuem James Gold~chmidt e outros que, uma vez homologada a sentença
estrangeira, a ação de homologação se eclipse. A transparência não chega a tal ponto. O cumprimento da sentença no
juízo competente ou é a importação da eficácia mediata ou imediata que se recebera, inclusive a ação de execução de
sentença, actio iudicati, quando é preciso que se mova, por ser de condenação a sentença ou ter eficácia executiva.
Aliás, os efeitos mediatos (carga 3) são sempre por meio de ação, ainda que não se trate de ação executiva stricto
sensu.
Escreveu-se que, homologada a sentença estrangeira, não é ela, propnamente, que se cumpre, mas a decisão
homologatória. Porque, acrescentou-se, essa é que cria a prestação jurisdicional do Estado. De modo nenhum:
a homologação é ato transparente; através dela passam e entram no território nacional as irradiações de eficácia da
decisão estrangeira. A sentença que

112 RISTF, art. 221, § 30•113Vd.anota 112.

homologa a decisão estrangeira constitui a importação da eficácia; não a eficácia mesma. A eficácia sentencial da
decisão homologada é a mesma, ou menos; não pode ser mais do que a que se atribuiu, no direito estrangeiro, à
decisão homologada. Há transparência da sentença homologatória. Não há absorção da eficácia do julgado
estrangeiro: há, apenas, como um “pode passar”, mais do que simples “visto”, dito à entrada na esfera jurídica do
Estado importador da eficácia.
No art. 793, IV, do Código de 1939 falava-se de confirmação da sentença estrangeira. No § 328 da Ordenação
Processual Civil alemã, de reconhecimento (Anerkennung; sobre isso, Franz Kallmann, Anerkennung und
Vollstreckung auslandischer Zivilurteile, 1 s.; Erwin Riezler, Internationales Zivilprozessrecht, 509 s.). A
terminologia italiana prefere “delibazione”. O Código de Processo Civil italiano, arts. 796-798, 799 e 804, empregou
“declaração de eficácia~~, “acertamento”. É lamentável que, em vez de “ter eficácia”, se diga e repita “valer”, “fazer
valer”.
A eficácia da sentença estrangeira é importada, em seus pesos de declaratividade, constitutividade, condenatoriedade,
mandamentalidade e executividade, e em sua extensão e limites subjetivos, de acordo com o direito estrangeiro. Mas a
importação pode ser em menos, se é de invocar-se o art. 211 “~ do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
ou não se dar. Não há o dilema “ou tudo, ou nada”. Se a sentença homologatória importa menos, é porque somente até
aí constituiu e “pode entrar”. Não há diferença entre a sentença homologatória que importa toda a eficácia (e) e a que
somente importa (e) 1, ou (e) 2, ou (e) 3.
8.Requisição de homologação, por via diplomática Se a homologação da sentença estrangeira é requisitada por via
diplomática, “~ não é visível o autor da ação, é um ausente a demandar; e o seu Estado introduz a demanda, sem ser
figura processual, mesmo porque são os dois Estados que se põem em contacto. Nomeia-se-lhe curador, que, aí, ou faz
as vezes do procurador judicial, e não do advogado, ou cumula os dois papéis (e éconveniente que isso se dê). Tal
curador continua em suas funções, depois da homologação da sentença estrangeira, ou para atos que digam respeito
àsua execução (sentido estrito de actio iudicati), ou qualquer das diligências de cumprimento de sentença declarativa,
constitutiva, condenatória, ou

114 O arts. 215 do RISTF não obriga a se pedir a homologação de toda a sentença
estrangeira.115O art. 218 do
RI STF fala em homologação requerida pela parte interessada, que bem pode serestado
estrangeiro.

mandamental. A atuação do autor pode ter efeito imediato da cessação delas, e.g., pela juntada de procuração a
outrem. A juntada de procuração ao curador conserva-lhe a mesma situação processual, posto que mude a relação de
direito material entre o autor e o curador. Essa relação é de representação, e não de mandato. Não se presume gratuita.
O curador nomeado, além de poder dar redação mais explícita ao pedido, pode contestar as alegações do demandado.
Se o autor, além de não se achar presente, por ter vindo por via diplomática o pedido, é menor ou interdito, o curador à
lide, de acordo com o art. 214 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é o mesmo.
9. Não-comparência e incapacidade Se o réu ou algum dos réus, inclusive o litisconsorte ou assistente equiparado a
litisconsorte, não comparece, está ausente, ou é incapaz, nomeia-se o curador à lide, ao qual se aplica o que foi dito à
nota 7). O art. 90, 1, só se aplica, aí, quando colidirem os interesses do representante legal e os do incapaz. O curador
à lide, em tal caso, há de ser removido.
10. Sentença desfavorável e sentença favorável A sentença negativa de homologação da sentença estrangeira não faz,
sempre, coisa julgada formal. O Supremo Tribunal Federal, a 26 de agosto de 1924 (R. F., 103, 303), afirmou que
transita em julgado e tem força de coisa julgada material. Portanto, não poderia ser feito novo pedido. Só a ação
rescisória seria a impugnativa contra a sentença que negou a homologação. Cumpre distinguir: (a) Se a não-
homologação foi devida à insuficiência da instrução, e.g., não se reputou bastante a prova de ter passado em julgado a
sentença homologanda a prova ainda é possível, por se tratar de ação constitutiva integrativa e não haver coisa julgada
material de sentença em tais ações, salvo excepcionalmente. (b) Se foi discutido algum ponto de direito, como se, por
exemplo, o acórdão decide que o juiz era incompetente, então o elemento declarativo é bastante para produzir a coisa
julgada material. O Supremo Tribunal Federal não advertiu em que o transito em julgado (coisa julgada formal) não
impede outro pedido impede a impugnação perante o mesmo juiz, ou por meio de recurso; a coisa julgada material é
que impede, mas só onde ela existe: onde ela não está, nada pode impedir. Assim, se o Supremo Tribunal Federal
decide que a sentença homologanda não passou em julgado, o que cabe ao interessado é fazê-la transitar em julgado e
renovar pedido de homologação ( joutra ação, inclusive quanto à causa!).
Se decidiu que faltava a autenticação consular, outro pedido, com que se satisfaça a exigência legal (Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 212),”~ não poderia, juridicamente, ser repelido. Também se a tradução não
foi feita, ou não satisfez.
A sentença positiva de homologação faz coisa julgada material, porque contém declaração negativa geral de faltar
qualquer requisito. Se existe como sentença e não é nula ipso iure, só a ação rescisória pode intervir.
Em nenhum desses casos se ofende a eficácia formal de coisa julgada, que têm os acórdãos do Supremo Tribunal
Federal, pois a eficácia formal obsta à impugnação, não à discussão do conteúdo da resolução. Quanto àeficácia
material, que impediria essa discussão, só existe nos pontos em que houve “declaração”. Declaração de direito, só
excepcionalmente de fatos (art. 40, II, sobre autenticidade ou falsidade de documentos; art. 485, VI, que contém caso
de efeito material de coisa julgada civil da decisão criminal).
11. Processo de cumprimento O processo de cumprimento e o de seus incidentes, de que fala o art. 484, são o
processo para a ação de cumprimento, dita ação de execução (lato sensu); não, o processo para a ação de homologação
da sentença estrangeira, cujo, rito processual é o dos arts. 2 10-217 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal.”8
12. Interpretação da sentença estrangeira A interpretação da sentença estrangeira é a que resulta do método de
interpretação das sentenças do direito processual do juiz prolator (lexfori). A interpretação dos seus efeitos
processuais, também. Não assim a das regras jurídicas que ela aplica. As regras jurídicas são interpretadas pela
sentença; na falta de tal interpretação, é a que resulta do método de interpretação das leis (sobredireito) a que pertence
cada regra jurídica aludida.
13. Natureza das sentenças homologadas Já vimos que a força e os efeitos da sentença podem não ser de condenação,
de modo que a sentença estrangeira, declarativa, constitutiva, mandamental, ou executiva, se cumpre como se
cumpriria (o mesmo vale dizer-se “se executa” em sentido lato, e não no de pretensão à execução) a sentença nacional
da mesma natureza. Se é preciso proceder-se a algum ato de cancelamento, averbação, ou arresto, ou sequestro, ou
outro qualquer, seguem-se as regras respectivas do direito brasileiro. Se a sentença tem força executiva (e.g., antes se

117 RISTF, art. 217,1V.118No atual regimento, arts. 215 a 224.

procedeu à penhora dos bens sitos no Brasil, em virtude de cumprimento de rogatória), ou se tem apenas efeito
executivo, aplica-se o que está no direito brasileiro. Se a sentença é declarativa típica, dá-se o mesmo. Se a sentença é
da natureza da sentença do art. 641, a tal regra jurídica é que se obedece.
14. Sentença de homologação A sentença, na ação de homologação, integra a sentença (estrangeira), de modo que a
projeção ou irradiação dessa se possa produzir no direito nacional. Não a produz ela mesma, tanto que se têm de
propor outras ações (a de execução de sentença, a de pedido de averbação, a de cancelamento, etc.); nem, a fortiori,
faz a sentença estrangeira reproduzi-la, tanto que há reconhecimento e produção de certa eficácia, ex tunc, e não raro a
sentença estrangeira não homologável, ou a que se negou homologação, tem eficácia; a eficácia que independe da
homologação. Homologada a sentença estrangeira, não se faz brasileira; a sentença brasileira é noutra ação, como a
sentença que julga improcedente a ação rescisória é outra sentença, proferida noutra ação. São pontos relevantes de
diferença.
15. Ação de execução de sentença estrangeira Trata-se de ação de execução da sentença estrangeira, e não da ação de
homologação. Ou se supõe que a sentença estrangeira homologada seja de condenação (de execução aparelhada), ou
que tenha força executiva, ou eficácia executiva imediata. Aquela é a ação dos arts. 566-795, estendida a todos os
cumprimentos mediatos da sentença. Essa já é sentença executiva, que foi homologada. Pense-se nas ações de eficácia
imediata e nas de força executiva (respectivamente, por exemplo, com 4 de executividade: ação de habilitação em
inventário e partilha, de habilitação incidental se tem saisina o sucessor, de posse em nome do nascituro; com 5 de
executividade: ação de reivindicação, de petição de herança, de título extrajudicial, do titular do direito de preferência
para haver do terceiro a coisa, de desapossamento de título ao portador contra terceiro, de quem perdeu ou a quem foi
furtado tftulo ao portador, de execução pelo vendedor com reserva de domínio, de distribuição de salvados, de
dissolução contenciosa e liquidação de sociedade, de exibição de livro ou coisa comum).
O processo é o da lei brasileira. Tratando-se de sentença com força, e não só efeito executivo, ou constitutivo, a força
da sentença proferida na açao de homologação de sentença estrangeira é suficiente. Basta simples citação, intimação,
notificação, mandado, ou o que couber ao oficial, juiz ou autoridade a que incumba. Não assim no caso de ação
declarativa. Quem cumpriria a sentença, se fosse nacional, cumpre a estrangeira. Se a eficácia é inclusa ou imediata
ou basta a decisão homologante, ou se “encurta” a ação, com o requerimento do alvará, ofício, mandado, ou ordem, ou
o que for preciso in casu.
Ao executado cabe opor à sentença embargos do devedor, de acordo com o art. 741. O art. 741, 1, permite ao
executado opor embargos de falta ou nulidade da citação inicial, se houve revelia. O art. 741, VI, menciona os
embargos de pagamento, novação, compensação com execução aparelhada, concordata judicial, transação e prescrição
superveniente à sentença exeqilenda. Tais embargos são inelidíveis. Bem assim os de excesso de execução, ou sua
nulidade, até a penhora. Portanto, são oponíveis todos os embargos de que fala o art. 741, 1, IV, V, VI e VII.
Outrossim, os embargos à arrematação, adjudicação ou remição (art. 746).
Quanto aos embargos do art. 741, II (inexigibilidade do título) e III (ilegitimidade das partes), de regra a matéria já foi
apreciada no processo homologatório.
Observe-se que a falta de nulidade de citação, de que se pode tratar na ação de execução, não é a falta ou nulidade da
citação na ação em que se proferiu a decisão homologada, e sim a falta ou nulidade de citação, na ação em que se
homologou a sentença estrangeira. Aquela já fora examinada pelo tribunal competente. A falta ou nulidade da citação
na ação em que se proferiu a sentença homologada já se julgou, na ação de homologação, onde a existência, validade e
eficácia da citação são pressuposto necessário da homologabilidade, de cognição por ofício do juiz.
16. Indeferimento do pedido No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 217, está dito: “Indeferido o
pedido, os documentos em que se tiver fundado terão o valor probatório que lhe atribuir a legislação aplicável,
afastados os efeitos próprios da homologação”.”9 Já assim o Código de 1939, art. 796. A regra jurídica veio do Decreto
n0 6.982, art. 9o~ Não se atribui, com o princípio, valor probatório, ou força probatória; nem, ainda mais, nele se
estabelece o reconhecimento das regras do direito material estrangeiro, a fortiori do direito processual estrangeiro,
sobre admissibilidade de meios de prova, força, valor e atendibilidade das provas. O direito material estrangeiro pode
ser aplicado quando incida; e o direito processual nunca terá oportunidade de ser invocado, a não ser nas regras de
constituição dos atos probatórios que tivessem de ser produzidos fora. Assim, sempre que, em ação intentada no
Brasil, se houvesse de enviar

119 Não se repetiu essa norma no atual regimento, mas cabe aplicar-se o princípio nela
consagrado.

Se não houve trânsito em julgado, não há pensar-se em ação rescisória. É reformável, ou revogável, ou retratável, a
decisão.
Em consequência do que dissemos, não há ação rescisória de sentença que pode ser revogada ou reformada, porque a
tal sentença falta coisa julgada formal. Nem de sentença inexistente, pois seria rescindir-se o que não é: não se
precisaria de desconstituir; bastaria, se interesse sobrevém a alguma alusão a essa “sentença”, a decisão declarativa de
inexistência. Nem de sentença nula, porque se estaria a empregar o menos tendo-se à mão o maís.

Há sentenças que transitam em julgado mas são suscetíveis de modificação, em ação adequada (ação de modificação).
A par de serem modificáveis, tais decisões são rescindíveis, se se compõem os pressupostos. Pode ser procedente o
pedido de modificação, embora não o pudesse ser, in casu, o de rescisão; ou ser improcedente, posto que procedente
pudesse ser o de rescisão.
(a) Em virtude da distribuição supra-estatal, da repartição, intra-estatal, das competências jurisdicionais (espaço) e da
ligação de todo o direito a um lugar e a um momento (espaço-tempo), os pressupostos comuns e gerais às ações
rescisórias dependem de um juiz e de uma lei vigente. Mas, ainda quando se abstraia de tal localização espácio-
temporal, a lei vigente possui regras de localização por competência e regras de prazo, dentro do qual se pode propor
a ação rescisória.
No caso de algum território passar a pertencer a outro Estado, ou a outro Estado-membro, naturalmente se decidirá
com quem ficarão os processos, sendo difícil, fora dos casos de jurisdição ligada aos imóveis, prever-se a que juiz
competirá conhecer da rescisória de sentenças proferidas antes da anexação. Ainda assim, a regra é entender-se que os
arquivos ficam no mesmo lugar em que existia a antiga jurisdição territorial.
Tudo ocorre conforme se deve resolver, a posteriori, o problema de sucessão de jurisdição, seja interestatal, seja
interestadual. Nada obsta a que as pessoas de direito público, responsáveis pela prestação jurisdicional entregue,
acertem, entre si, qual deva ser a sucessora em cada juízo, ou, até, em cada matéria. Os pressupostos somente podem
ser os da lei da entidade sucessora. Essa, aliás, poderá resolver diferentemente, conservando, por exemplo, os
pressupostos do antigo direito, ou negando a ação rescisória, porque não existia, ou concedendo-a, excepcionalmente,
embora não a tenha em geral, por ter existido.

(b) A rescisão das sentenças está nas suas origens ligada à rescisão dos negócios jurídicos em geral. Através dos
tempos, a diferenciação aos poucos se caracterizou e caiu-se no oposto: consideram-se sentença e ato jurídico como
fatos de natureza diferente, sem se atender a que a sentença também é prestação oriunda de ato jurídico. O rigor do ius
civile, formalístico, por vezes sacrificava o fundo à forma. Depois, sob a influência do ius gentium, agravaram-se os
inconvenientes, e interveio o pretor. Não podia continuar a freqUente aparição de atos civilmente ineficazes, contra a
verdade neles contida, e de atos civilmente válidos, de conteúdo iníquo. Dizermos que a mudança se operou pela
intervenção do pretor constitui observação ou interpretação histórica. O pretor consagrou exceções. Foi mesmo ao
ponto de criar ações. Cedo verificou que isso não bastava. Usou do seu imperium e acutilou os atos ou as suas
consequências perniciosas. Tal é o significado originário de restituere. Cientificamente, o que se passava obedecia a
uma lei sociológica (Tratado dos Testamentos, 1, p. XI):
“Se examinarmos a evolução, que se operou, do formalismo romano àmentalidade hodierna, veremos que se procedeu
a uma verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou
formas novas), porém no sentido de apreciar a utilidade social e individual do seu emprego. Daí um movimento que
apenas constitui, nesse domínio, a realização de uma das leis evolutivas do direito. Tanto assim que, no apreciar as
formas como processos técnicos, meios para fins de segurança jurídica (se garantem, segurança para os que desejam
eficácia aos seus atos de vontade; se limitam, segurança para os outros), o direito contemporâneo, como o dos séculos
passados, ora atenua o rigorismo da forma, como elemento, exterior e sensível, necessário ao ato jurídico, ora
reconhece a legitimidade de novos quadros formais em que se verta e se modele o querer dos homens”.
Primeiro, as decisões haviam de ser rescindidas pelo terceiro, pacificador; depois, foi o príncipe que ex iusta causa
concedeu a rescisão. Depois, foi estendido tal poder aos prefeitos do Pretório, ao pretor, ao presidente, ao procurador
de César, aos mais magistrados, mas só quanto às suas decisões, e não quanto às dos superiores. A restituição não se
dava quando o dano fosse mínimo. Os textos falam de tal exigência, sem que se deva exagerar o limite. Naturalmente,
ninguém poderia pretender restituição contra delito que cometeu, ou contra ato em que. foi culpado da fraude. Nem,
sequer, contra julgamento proferido em virtude de juramento entre as partes, ou, ainda, contra a prescrição de trinta, ou
de quarenta anos, ou contra as vendas feitas pelo Fisco. Não era exigência absolutá o ter existido lesão; bastava correr-
se o risco de sofrer prejuízo. O caso fortuito, esse, não podia fundamentá-la. Além de tudo isso, era de mister a causa
restitutionis, bem como não haver “outro meio” de reparar ou de prevenir o dano. Eram legitimados ativos o lesado e
os seus sucessores per universitatem. Só o seria o sucessor singular quando se lhe tivesse cedido tal direito. É ponto
que merece toda atenção: o direito de pedir a rescisão não está implícito na situação jurídica firmada pela sentença
rescindenda. Eram legitimados passivos o interessado no ato lesivo e seus herdeiros; excepcionalmente, contra
terceiros. No caso de restituição contra renúncia à herança vacante não era preciso dirigir-se contra pessoa
determinada.

O pedido de restituição fazia manter-se o statu quo, a execução suspendia-se, o que hoje de ordinário não se dá.’2’ O
efeito era o de se porem as coisas no estado em que se achavam antes do ato contra o qual se obtivera a restituição.
Podiam pedir-se os frutos e as pertenças, restituindo-se o que se percebeu. Então, como hoje, se não era necessário
anular todo o ato, o juiz somente cortava as consequências reprováveis: “...sed ad bonum et aequum redigenda sunt”.
A princípio, a apreciação da causa restitutionis era deixada aos magistrados. O edicto do pretor enumerava as
seguintes iustae causae: menoridade; violência; dolo e fraude; erro; mínima capitis deminutio do devedor; ausência e
outras causas análogas. Rescrito de Adriano permitiu-a contra julgamento definitivo baseado em falsos testemunhos.
Mais tarde, contra o que se fundou em documentos falsos. No caso de sentença proferida em virtude de juramento do
autor, a aparição de novas provas era causa para a ação. Nos casos de in rem actio, a restituição pronunciava-se contra
todos. Mas a L. 10, C., de rescindenda venditione, 4, 44, reconheceu que, com isso, se ofendiam os princípios. Dava-
se o mesmo quanto a outras restituições. Por exemplo, em matéria de direito de herança. Pela natureza das coisas,
podia a restituição aproveitar a terceiros.
A restituibilidade contra a sentença vem-nos do direito romano, onde havia a restituição no direito processual penal
(restitutio ex capite iustitiae, ao lado da restituição por graça do príncipe, restitutio ex capite gratiae, cf. G. A. K. von
Kleinschrod, Systematische Entwicklung der Grundbegríffe und Grundwahreiten des peinlichen Rechts; Parte II, 258)
e no direito processual civil.
(c) Não se pode pretender possuísse o direito romano sistema perfeito sobre nulidade dos atos jurídicos de direito
privado e de direito público. Certo é, porém, que alguma coerência se lhe observa. Irritum fieri, ad irritum revocare,
rescindere não se confundem com nuílum esse. O rescindere e o revocare (voluntatem, donationem, libertatem)
concerniam à

121 Vd. o au. 489 e as respectivas notas de atualização.

A.destruibilidade, com certa diferença pelos efeitos in rem e ex tunc, por parte daquele (Ludwig Mitteis, Romisches
Privatrecht, 239), e ex nunc ou simplesmente pessoais, por parte desse. As vezes revocare aparece em lugar de
rescindere, por imprecisão de linguagem.

Rescinde-se o que vaIe, rescindem-se as relações que o direito considera serem e valerem não as que não são ou não
valem, “non quae ipso iure nuila sunt”. Rescinde-se, nos textos romanos, a aceitação, o contrato, a doação, a própria
liberdade, hoje irrescindível, como se fala de “rescindere obligationem”, “rescindere placita”, “rescindere rem
iudicatam”. “Verbum rescindere aliquando generalius usurpatur etiam de iis actibus, qui ipso iure nuíli sunt”, diz B. P.
Vicat (Vocabularium luris utriusque, IV, 179). Ora, nulidade; e causa de decretação, mas há plus em relação à
rescisão.

O nuílum do direito romano não existia (= inexistente). O nulo, no pensamento jurídico posterior, existe, posto que
alguns sistemas jurídicos e juristas baralhem os conceitos. Se o ato jurídico é nulo, precisa ser desconstituído, porque o
nulo é; porque o nulo não produz efeitos, a relação jurídica que se entende derivar dele não existe. A ação para se
decretar a nulidade é constitutiva negativa; a ação para se declarar a inexistência da relação jurídica, que se pretende
derivada do ato jurídico nulo, é declarativa, razão para as confusões que pululam. Não há relação jurídica nula nem
direito nulo, nem pretensão nula, nem ação nula, como não há relação jurídica anulável, nem direito anulável, nem
pretensão anulável, nem ação anulável. Nulo ou anulável ou rescindível é o ato jurídico, inclusive o ato jurídico
processual, como a sentença.

Havia a lição de H. de Cocceius e de outros, fundados em fontes romanas, bem como nas Ordenações, para as quais a
distinção entre atos nulos, ou anuláveis, e rescindíveis era clara em muitos pontos. A cada instante, nos tratadistas, se
adverte: “Negotia alias iure valida”: “Quod fit rescisso negotio, quo quippe iure civile valido”. As Ordenações
Afonsinas, no Livro III, Título 78, adotaram, como veremos, no traduzir a Constituição de Alexandre, atitude
inteligente e circunspecta.
Na L. 2 (Alexandre), C., quando provocare necesse non est, 7, 64, lê-se o seguinte: “Si, cum iter te et aviam defuncti
quaestio de successione esset, iudex datus a praeside provinciae pronuntiavit potuisse defunctum et minorem
quattuordecim annis testamentum facere ac per hoc aviam potiorem esse, sententiam eius contra tam manifesti iuris
formam datam nulías habere vires palam est et ideo in hac specie nec provocationis auxilium necessarium fuit. Quod
si, cum de aetate quaereretur, implesse defunctum quartum decimum annum ac per hoc iure factum testamentum
pronuntiavit, nec provocasti aut post appellationem impletam causa destitisti, rem iudicatam retractare non debes”.
Tirando-se em vernáculo: “Se, havendo entre ti e a avó do defunto questão de sucessão, o juiz nomeado pelo
presidente da Província decidiu que pode o defunto, posto que menor de quatorze anos, fazer testamento e que, em
virtude dessa disposição, foi preferida a avó, notório é que sua sentença, dada contra tão manifesto direito, nenhuma
força tem, e portanto, nessa espécie, não foi necessário o auxílio da apelação. Mas, se, questionando-se sobre a idade
(verificou que), o defunto havia completado os quatorze anos, razão pela qual testou legalmente, e tu não apelaste, ou
depois de preparada a causa de apelação, desististe, não deves volver a discutir a coisa julgada”.
O texto de Alexandre fala de sentença dada contra a forma de direito manifesto, contra tam man~festi iuris formam.
Não é só manifesto na espécie; quer-se o manifesto com direito objetivo puro. É também de notar-se que se falou em
“rem iudicatum retractare”, o que se não deve fazer quando a infração do juiz foi no facto, e não no campo do direito
objetivo. Se pudesse ser, então, proposta a rescisão por erro no fato, na apreciação da prova documental, a violação
seria do direito subjetivo, o que a lei de Alexandre não pretendia resguardar.
As Ordenações Manuelinas transladaram, no Livro III, Título 60, § 20, a Constituição de Alexandre (haurida das
Ordenações Afonsinas), precedendo-a de trechos estranhos a ela, até certo ponto incompatíveis. Imitou-as a Ordenação
Filipina do Livro III, Titulo 75, pr., e § 1 (quanto à parte que precede o que corresponde à lei de Alexandre, já citada).
Em geral, para o direito relativo à rescisória, a doutrina era assaz esclarecida, pelo influxo dos juristas de tantos povos.
O prazo para a ação rescisória não era sempre o mesmo. Na maioria dos casos, um ano útil, que Justiniano dilatou para
quatro anos contínuos. Corria, não do dia do ato contra o qual se pedia restituição, mas daquela data em que cessou a
causa restitutionis. A restitutio contra rem iudicatam, que se dava por falsos documentos (falsis instrumentis), acaba
em trinta anos; bem como no caso de nova instrumenta, por se tratar de lei civil.
O prazo para a propositura da ação sempre foi prazo preclusivo, tendo sido o do annus utilis e, depois, o tempus
continuum (em Roma e seus distritos foi de cinco anos, L. 2, C. Th., de integri restitutione, e, 16, àdiferençadas
províncias). Quanto àprescritibilidade da restituição em modo de exceção, F. C. von Savigny (System, VII, § 338, k)
ficou sozinho (cf. J.F.L. Gõschen, Grundriss zu Pandecten- Vorlesungen, 471; K. Buchel, Civilrechtliche
Erorterungen, 1, 8-81).
Seguir o desenvolvimento legislativo do direito português, desde o direito do século XIII e as Ordenações Afonsinas
no século XV (1446), que consolidaram leis de séculos passados, até as Ordenações Filipinas, no
alvorar do século XVII, equivale a nos prepararmos para os problemas mais delicados do instituto processual da
rescisão de sentenças. O elemento canônico foi diminuto, embora perceptível, em tal assunto, e dele falaremos nos
lugares devidos.
Nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, § 5, lê-se (textual): “Era de mil trezentos e quarenta annos sete de
Junho em Santarém per Vasquo Pires Troyas, e perante Ruy Mendes, e Ruy Paes Bugualho, disse da parte de ElRey
aos suso ditos, que depois que o feito passasse per Supricaçam, que nom parassem em elle mais mentes, ainda que lho
dissessem da sua parte, que o ouvissem de certa ciencia: salvo nos casos contheudos na Ley sobre dita, ou se lho
ElRey dissesse de certa ciencia, vendo ante o feito, como dito que he na dita Ley”. A lei a que se referia era a de
Afonso II (1211-1223), documento assaz importante, que merece ser transcrito (Ordenações Afonsinas, Livro III,
Título 108, Dos que pedem que lhes revejam os feitos e Sentenças desembarguadas per os Juizes da Suplicaçam):
“ElRey Dom Affonso o Segundo de Famoza Memoria em seu tempo fez Ley em esta forma, que se segue. 1.
Cobiçando Nós poer em cima aas demandas, e nam cheguar demanda a demandas, e que per esto ajam as demandas
fim qual devem, Estabelecemos que se alguum trover a nosso Juizo aquelle, que ouve demandado, depois da Sentença
dos nossos Juizes, querendo-lhe Nós fazer mercê, que lhe conheçam d’erro alguum, se o hy houver, e depois for
vencido, e achado, que a Sentença, que guainhou a outra parte contra elIe, he boa, e qual devia, por esto, por que
constrangeo seu adversario como nom devia, se o vencedor for Cavaleiro, ou Cleriguo Prelado da Igreja, o vencido
seja penado em dez maravedis d’ouro; e se for piam, ou Cleriguo nom Prelado, seja penado em cinquo maravedis
d’ouro”.
Após o texto de Afonso II, inseriu-se o de D. Diniz (24 de abril de 1302), onde se diz: “aquelles, que contra elías
vierem, e pedirem Juiz, ou perante algum Juiz vierem per querelías revogar, que peitem a ElRey quinhentos Soldos, e
o dano, e perda aa parte, e nom seerem mais ouvidos, e as Sentenças serem finnes: salvo se as Sentenças forem dadas
por falsas testemunhas, ou per falsos Estormentos, ou per falsas Cartas, ou per outra maneira que a Sentença seja
nenhuma. E Se alguma das partes tever Voguado, ou Procurador, e esse Procurador, ou Voguado veer perante o Sobre-
Juiz, ou perante os Ouvidores, pera querer revoguar as Sentenças, que assy forem confirmadas, que peite a sobredita
pena, e a parte nam: salvo ElRey primeiramente todo o feito, ou o mandar ver, e achar, que ha em elie tal erro, que se
deva de correger, entam mande que se corregua”.
As Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, § 3, deram a data de 1340, mas é erro, pois D. Diniz já estava morto
em 1325. No § 5, fala-se de junho: foi julho.

Lê-se nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, § 6: “As quaes Leys vistas per Nós, adendo e declarando em
elías Dizemos que geralmente em todo caso, sem fazendo defferença antre as pessoas, assy vencedores como
condenados, depois que os feitos forem desembarguados per sentença dos nossos Juizes da Sopricaçam, nam sejam já
mais revistos em nenhum cazo: salvo se os condenados em elías alleguarem, e affirmarem, que foram dadas per falsas
provas, a saber, testemunhas falsas, ou Escripturas, declarando, e especificando logo a especie da falsidade, segundo
mais compridamente he contheudo nas Ordenaçoens sobre elIo feitas, a saber, no Titulo Da Fee, que se deve dar aos
Estormentos publicos, e no Titulo Das provas, que se devem fazer por Escripturas publicas, a qual falsidade nunqua
fosse aleguada até esse tempo em esses feitos, ou se foi aleguada nom foi recebida; ou disserem que as ditas Sentenças
foram dadas per Juizes sobornados e peitados pera elIo; ou Nós per graça especial mandarmos rever as ditas
Sentenças, e processos donde sahiram, a qual revista será feita nos ditos casos per nosso mandado especial, e doutra
guisa nom”. No § 7: “Pero que no cazo, honde os ditos condenados nom aleguarem falsidade de testemunhas, ou
Escripturas, ou sobornaçam de Juizes, mas somente pedirem, que per graça especial e mercê lhe sejam os ditos feitos
com as Sentenças revistos, em tal cazo nom lhe seja outorguada sua petiçam, salvo paguando primeiramente trinta
escudos d’ouro do nosso cunho para a nossa Chancelaria, e de hy pera cima, segundo a calidade do feito for, e dos
Juizes que esses feitos desembarguarem; e quando achado for, que esses condenados em todo foram aggravados. Nós
lhe mandaremos tornar os ditos escudos, que assy ouverem paguados, e bem assy parte delles, se em parte forem
achados aggravados, e d’outra guisa nam lhe seram mais tomados”.
Os §§ 6e7jásãodeAfonsoV.
Na Cúria do Rei, Tribunal da Corte, ou Tribunal da Casa do Rei, como se designava, ainda no século XIV, o tribunal
supremo, os sobrejuízes decidiam, em segunda instância, as apelações interpostas das sentenças que cada um deles
proferira em primeira. Posto que um só o julgador, encontram-se no século XIII as expressões habito consílio, havido
conselho (Disserta ções Cronológicas, III, parte II, 78, Sentença de 27 de maio de 1273). Já então razões que não
tivessem sido deduzidas perante o sobrejuiz permitiam novo recurso, que era o da “segunda apelação”, a “sobre-
apelação” dos alemães. A fonte devera ser a Lei única, C., ne liceat in una eademque causa, 7, 70, que não permitia a
suplicação contra a decisão do prefeito do Pretório, se apenas confirmava a sentença de primeira instância.
Desde o começo do século XIV, houve juizes especiais para os recursos supremos. Seriam os ouvidores das
supricações ou da Supricaçam
(Estatuto de 6 de maio de 1306, Lei de 15 de novembro de 1310). É por esse tempo que D. Diniz declara irrevogáveis
as sentenças de que se não apelou (Leis de 7 de julho de 1302, 24 de abril de 1307), conforme se vê nas Ordenações
Afonsinas, com a data de 24 de abril de 1340 (?), o que nos parece confusão das duas datas anteriores, mais o erro do
ano’. Julgada a suplicação, não mais se conhecia do feito, ainda que da parte do rei dissessem aos sobrejuízes que o
ouvissem, salvo onde coubesse exceção legal. A reforma de 1337 alterou o sistema. Julgariam sempre, nos feitos
cíveis, dois sobrejuizes letrados. Quando houvesse divergência, todos os seis, por maioria. No caso de empate, o rei. O
Tribunal da Suprema Administração acompanhava-o nas viagens. A Lei de 7 de fevereiro de 1359 mostrou que se
manteve o recurso da súplica contra as sentenças dos sobrejuízes, com o pagamento prévio de vinte e cinco libras. Os
juizes discordantes eram “vencidos”, expunham o que pensavam, e assinavam.
Analisando-se as três leis acima transcritas, verifica-se:
a)Por volta de 1217, havia certa possibilidade de se reabrirem as causas, ao que Afonso II quis pôr cobro, obstando a
tais demandas sobre demandas (“per esto ajam fim qual devem”), e admitiu volver-se a discutir o caso julgado, na
hipótese de erro, “se o hy houver”, porém somente quando o rei o permitisse: “querendo-lhe Nós fazer mercê”. Ainda
assim, se perdia a ação restitutória o autor que tal ousou contra cavaleiro ou clérigo prelado da Igreja, teria pena de dez
maravedis de ouro ou, se fosse peão ou clérigo não prelado, cinco maravedis de ouro.
O sistema de antes era, portanto, o de haver sentenças nullae (=inexistentes, no direito clássico e republicano romano),
que podiam ser “declaradas” nenhumas.

b) Um século depois, a Lei de D. Diniz (24 de abril de 1302) já supõe poder-se pedir diretamente a revogação da
sentença, porquanto se prevêem as duas hipóteses: “pedirem ao Juiz” e irem “perante algum Juiz per querelIas
revogar”. Note-se que o plural usado (“querelías”) alude a remédios distintos, à restituição e ao pleito de nulidade. A
indicação é de suma importância. Também o é a expressão “revogar” que lá está. Já mostramos a diferença entre o
nulluín esse e o revocare, assaz usado em lugar de rescindere. Provavelmente os efeitos eram ex runc, o que toma o
revogar da lei de D. Diniz sinônimo perfeito de rescindir. Os casos ordinários ou normais de rescisão eram os da falsa
prova e todos os mais de sentença nula, palavra com que se traduzia mal o “nuíla” latino. Existe, porém, o caso
extraordinário ou anonnal, quando o rei examinasse pessoalmente “todo o feito”, ou mandasse a alguém que o
examinasse, decidindo haver erro e ordenando, em conseqUência, que tal erro se corrigisse.

c) A Lei de 24 de abril de 1302 (?) parece dar a entender que o próprio rei verificava o erro. Não temos dados para a
afirmação. Todavia, é muito provável. Ou ele remetia aos juizes somente para o que se denomina rescissorium, ou,
diante da aparência do julgado, sem o ter visto “todo”, ou por ter confiado a outrem o exame, lhes delegava julgar nos
dois iudicia. Tais ordens não deviam estar cercadas de muitas formalidades e exigências deforma. Talvez fossem, até,
verbais, porquanto, em 1347, os juizes foram prevenidos de não caberem os “recados”. Julgado o feito, a regra era não
mais ser discutido, não pararem nele “mais mentes”. Fosse como fosse, o direito lusitano já se havia livrado, em 1217,
pelo menos, do conceito romano de “nuíla” = inexistentes. E o “nula” não era o “inexistente”, nem o “nuíla”.
Ou a sentença existe, ou não existe. Se existe, ou é válida, ou não o é. Se não é válida, é nula, porque não se tem, no
sistema jurídico brasileiro, a sentença anulável. Se é válida, ou é irrescindível, ou rescindível. Se ocorre que se
rescindiu sentença inexistente, cortou-se o nada. Se ocorre que se rescindiu a sentença nula, desatendeu o juiz ao seu
dever de primeiro verificar se a sentença que existe é válida ou não.
d) A Ordenação Afonsina do Livro III, Título 78, começou por se referir à distinção romana entre sentença existente e
sentença inexistente, atingida de nulidade e não atingida, usando das expressões “nenhuma” e “alguma”, sem ser,
como é fácil inferir-se, no sentido da divisão tripla ou quádrupla (anulável, nula, inexistente; válida, anulável, nula,
inexistente). Que se recebia o direito romano sem grande adulteração, prova-o a expressão “revogar” (“e com direita
rezam pode ser revoguada”), expressão que as Ordenações substituem. Afonso V examinou as leis referidas e, no
sentido da evolução social, mandou proceder-se com igualdade, isto é, “sem fazendo deferença entre as pessoas, assy
vencedores, como condenados”. As palavras “nuíla” e “nenhuma”já haviam perdido o sentido de inexistente.
Mas a ambiguidade continuou, devido à heterogeneidade mesma das fontes: nula, no sentido de inválida, e rescindível.
Teremos ensejo de ver que o emprego ambíguo perdurou, posto que o leitor de hoje já sabia que nenhuma invalidade
existe em se tratando de sentenças apenas rescindíveis.
Os pressupostos eram os seguintes: a) falsa prova: “salvo se os condenados em elías aleguarem, e affirmarem, que
foram dadas per falsas provas, a saber, testemunhas falsas ou Escripturas, declarando, e especificando logo a especie
da falsidade, segundo mais compridamente he conteudo nas Ordenaçoens sobre ello feitas” (não importava ter sido
alegada, ou não, a falsidade); b) peita e suborno dos juizes (Ordenações Afonsinas, Livro III, Tftulo 108, § 6, e Título
128); c) graça especial (Livro III, Título 108, § 7); d) sem a parte ser citada; e) “contra outra Sentença jaa dada”;])
“per alguum preço, que o Juiz recebeu para a dar”; g) “falso acinte contra alguum ausente”; h) “se eram muitos Juizes
deleguados e alguuns delles derão Sentenças sem outros” (Título 78, pr.); j) violação do direito expresso. Aqui,
Afonso V parece falar por conta própria, recebendo o direito romano, porém, não só o direito romano (Titulo 78, pr.):
“Segundo fomos enformados, os Direitos fezeram deferença entre a Sentença que he nenhuma per Direito, e aquella
que he algumma, e com direito rezam pode ser revoguada”. No § 2, caracterizou: “E aquela Sentença he chamada per
Direito alguuma, que pero nem seja dada expressamente contra Direito, he dada contra direito da parte”, mas (pr.)
“aquella he nenhuuma per Direito... se foi dada contra Direito expresso, assi como se o Juiz julguasse direita-mente
que o menor de quatorze annos podia fazer testamento, ou podia ser testemunha, ou outra coisa semelhante, que seja
contra Direito”. A matéria da falsa prova, peita e suborno do juiz, pertencia à revista, nome com que às vezes também
se denominava, erradamente, a ação rescísoria.

Nos espíritos do século, como ainda no Código de 1939, art. 798, verbis “Será nula”, a palavra “nula” aparece,
mudado embora o conteúdo e em choque com o conceito de nulo, no direito moderno. Tivemos ensejo, no Tratado da
Ação Rescisória e nos Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, de exprobrar o grave erro, e felizmente o
Código de 1973 atendeu à nossa crítica. O art. 485 fala de “ser rescindida” a sentença.
e) As diferenças, nos textos posteriores, são poucas. Apenas a “revogação” desapareceu, como se os revisores
pretendessem levar às conseqUências últimas a referência ao não passar em julgado. O texto filipino, que por tanto
tempo foi direito no Brasil, manteve, com simples retoques, os dizeres das Ordenações anteriores. Dois problemas
vinham de longe, devido à má redação das regras jurídicas na parte expositiva: 1. j~A sentença rescindível passa em
julgado? As interpolações poderiam fazer crer nisso. II. <.,É impreclusível a pretensão à rescisão ou à ação rescisória?
Também aqui se dava o mesmo: a alusão a não fazer coisa julgada e a alegabilidade “em todo o tempo” aparentemente
respondiam de modo afirmativo às duas perguntas. A atitude da doutrina foi vacilante, mas, depois, decisiva. Quanto à
primeira questão, resolve-se por si mesma. Se a sentença fosse nula ipso iure, não precisaria ser “revogada”,
rescindida. Ora, isso absolutamente não se dava.
Também pode ser que a desaparição da referência à revogação tenha sido para se frisar que o fato não era de retirada
da vox, que se tem na sentença, mas de rescisão (rescisio). A terminologia de hoje justifica essa interpretação do que
se possam em vez dos conceitos de declaração de inexistência, de decretação de nulidade, ou de invogação, pôs-se o
mais próprio, por traduzir melhor o que acontece, de rescisão. Quem rescinde, corta, cinde, ainda, o que existe e vale,
e não poderia ser revogado.
(De passagem, advirta-se que revogar, que é retirar a voz, e rescindir, cortar, cindir, não são o mesmo, pois a
revogação depende da revogabilidade da declaração e a rescisão não depende: rescinde-se o irrevogável, se rescisão
cabe; e o revogável não precisa de ser rescindido, porque não havemos de cogitar de cortar o nó que se pode,
voluntariamente, desdar. Em todo o caso, nesses textos reinícolas, em que o rei faz a lei e dita as sentenças, se
compreende a assimilação da rescisão à revogação. Tanto mais quanto uma e outra supõem que a sentença ou ato
exista e valha. A técnica, que se foi apurando, exigiu linguagem mais precisa, e já hoje ninguém falaria de “revogação
de sentença judicial”, posto que haja casos de “reforma”, que a revogações correspondem. A ação rescisória é para se
rescindir, e não para se revogar ou reformar sentença, nem, afortiori, para se “declarar” inexistência. Cp. Irt. 527.)
f) Para se reduzir a violação de “direito expresso” (hoje dita violação “literal” da lei) a problema de simples inspeção,
ainda a antiga Corte de Apelação do Distrito Federal e o Supremo Tribunal Federal, certa vez, recorreram ao Livro 1,
Titulo 4, § 1, das Ordenações Filipinas. E ponto que merece estudo, pelo absurdo que envolveria. O § 1 citado dizia:
“Ao dito Chanceler”, referindo-se ao chanceler da Casa da Suplicação, “pertence ver com boa diligência todas as
Cartas e sentenças, que passarem pelos Desembargadores da dita Casa, antes que as sele. E vendo pela decisão da
Carta, ou direito, sendo o dito erro expresso, per onde consta pela mesma Carta, ou sentença, ser em si nula, a não
selará, e por-lhe-á sua glosa, e a levará àRelação, e falará com o Desembargador, ou Desembargadores, que tal Carta,
ou sentença passaram, E se entre o dito Chanceler e Oficiais, que o tal desembargo assinaram, houver sobre a dita
glosa diferença, determinar-se-á perante o Regedor com os Desembargadores, que para isso lhes parecerem
necessários, e passará como pela maior parte deles for determinado. E tanto que o dito Chanceler propuser a glosa, se
apartará, como se apartam os Desembargadores, que nas tais sentenças e Cartas fora, e não será presente ao valor
sobre ela, para que os Desembargadores, que as houverem de determinar, o façam livremente, como lhes parecer
justiça. E isto haverá lugar, assim nas Cartas e sentenças, que forem desembargadas em Relação, como nas que por
um, ou dois, ou mais passarem”.
A sentença que não é mais revogável nem reformâvel transitou, formalmente, em julgado. A que ainda pode ser
reformada, ou revogada, não tem eficácia de coisa julgada formal. A ação rescisória consiste, precisamente, em ação
contra o julgado que já tem tal eficácia de coisa julgada formal.
Citando-se os dois primeiros períodos, sem se aludir ao terceiro e último, pretendia-se que a matéria do Título 75 do
Livro III ficava a cargo do chanceler. Nenhuma necessidade haveria de querelas e de ações: tratava-se de simples
inspeção, porquanto direito expresso era só o texto da lei e, ainda mais, somente a lei clara. Não só envolvia isso
desconhecimento das origens dos textos afonsinos, manuelino e fihipino, como também das funções do chanceler e
dos outros trechos das Ordenações, que melhor elucidariam . A sentença “em si nula” era a sentença nula ipso iure.
Também ela dependente do recurso ou da ação, como se vê.
Desde Afonso Henrique que aparece a figura do Chanceler (1142), com o prestígio do estudo, “de graça e de justiça”,
a que submetia as sentenças e outros atos, quer assinados pelo rei, quer pelos desembargadores. Se estavam eles com
os requisitos legais, punha-lhes o selo. Se tinha dúvida, expunha-as ao rei; se judiciário o negócio, à mesa da Relação a
que o ato pertencia e a que cabia resolver, funcionando, no caso de empate, as duas mesas (Ordenações Afonsinas,
Livro 1, Título 2, pr., e § § 1 e 2, e Título 10, pr., e § 3). Nunca nos esqueça que dos despachos do Chanceler cabia
agravo para o Regedor, que o decidia na mesa principal. Não temos dúvida quanto à grande autoridade do Chanceler e
quanto à possibilidade de recusar-se a ter como válidas certas sentenças. Não, porém, as só dependentes de rescisão.
Recorramos às próprias Ordenações Afonsinas, onde se exemplificam os casos (Livro 1, Titulo 2, § 1): “e nom
asseelle as Cartas dajustiça, salvo se forem em forma direita, a saber, presentes partes, e com salva, ou forem dadas
por stromento, que fosse tomado na terra perante os juizes...”. O Chanceler “ca bem assi como o Capelíam he
medianeiro antre Deos e Nós, em feito de Nossa alma, bem assi ho he o Chanceller antre Nós e os homees” (Título 2,
pr.) julgava suspeições, porém não tinha a função de juiz rescindente, que lhe quiseram atribuir, tantos séculos depois.
(No terreno da sociologia política, a aparição do Chanceler é extremamente importante, e coincide com a reação
política; cf. Democracia, Liberdade, Igualdade; e Comentários ao C’ódigo de 1939, Tomo II, 215 s. Ainda assim, o
Chanceler português tinha poderes para não selar sentenças nulas ipso iure não para decretar a nulidade ipso iure das
que houvesse selado.)
Passemos à segunda questão. Francisco de Caídas Pereira e Jorge de Cabedo eram propensos à interpretação literal.
Antônio da Gama deve ter sido o primeiro a corrigir a letra infeliz da lei. Seguiu-se-lhe Álvaro Valasco. Depois
Gabriel Pereira de Castro, ao comentar o “em qualquer tempo” das Ordenações, põe-se ao lado de Alvaro Valasco,
refugando a interpretação literal (Decisiones, 356): “Sed puto verius esse, quod ilia permissio non extendatur ultra 30
annos, quia illa verba: Em qualquer tempo, exponuntur, acsi dixisset, semper; cuius vis ultra trigesimum annum non
protenditur”. E assim se venceu a onda romanizante.
Seguiu-os Manuel Gonçalves da Silva (Commentaria, III, 130), que escreveu: “Quod procedit, etiamsi lex seu
statutum dicat posse dici de nuílitate omno tempore, prout dicitur in nostro textu”. Antes havia dito:
“tunc, si per viam actionis agatur, potest dici de nuílitate usque ad triginta annos, quia tunc competit officium indicis
nobile, quod eatenus durat, quatenus durante reliquae actiones personales, videlicet triginta annis”. Era a lição de 5.
Scaccia, de D. B. Altimaro e de outros, gentes de outros remos, onde outros eram os prazos: “in quibus locis refert
leges aliorum Regnorum, ubi minus tempus requiritur”.
Pode parecer que, ao transformarem em nulidades que desaparecem, pela ulterior irrescindibilidade das sentenças, as
nulidades insanadas e insanáveis do Título 78 (Afonsino), 60 (Manuelino) e 75 (Filipino), os jurisconsultos e juizes
dos séculos XVI, XVII e XVIII fizeram rescindíveis todas as sentenças, e, pois, limitados a trinta anos os ataques a
qualquer delas. Tal erro só se espalha já na decadência dos estudos processualísticos portugueses e brasileiros, nos
séculos XIX e XX.
Quem quer que procure conhecer as categorias da sentença, quanto àimpugnabilidade, há de atender a que a ação de
nulidade se sobrepôs, em grande parte, à nulidade-inexistência, do direito romano. A força formal de coisa julgada
traz consigo a sanação e impõe a atendibilidade da sentença, de modo que só se pode desatender a sentença salvo o
que resta de nulidade ipso iure, cf. art. 741, 1 depois de ser julgada a ação constitutiva, negativa dessa força formal,
que é a ação rescisória. A própria nulidade ipso iure tem de ser afirmada e provada para que se desatenda à sentença
ponto em que a necessidade de segurança jurídica alterou o tratamento das nulidades àromana. Transformação
semelhante, porém não idêntica, operou-se quanto ao casamento e suas nulidades absolutas, que passaram a ter a
mesma sorte processual que as anulabilidades. (Na Sistemática, o assunto é submetido a exame histórico-dogmático.)
g) As Ordenações deixaram dois problemas técnicos de legislação: o de se esclarecer quais as “infrações” que não
sobreviveriam ao prazo, então de trinta anos, para a ação rescisória; e o de definir, em lei, o conteúdo do “direito
expresso”. A inércia copiadora dos legisladores deixou que se permanecesse no mesmo estado, aliás agravado, a que
as misturas exóticas de ius expressum e recurso extraordinário, à norte-americana, levaram o conceito. Por outro lado,
foi pemicioso o influxo “literalizante” da Revolução francesa.
O Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, manteve, intacto, o dizer “direito expresso”, sem se referir à matéria da
coisa julgada. Constituiria, certamente, melhoria. Nem se compreende, no tocante à contraditória afirmativa de não
passar em julgado a sentença rescindível, que fossem os juristas e juizes buscar a textos, já desbastados pela doutrina
do seu próprio tempo, proposições equivocas.
No art. 680, o Reg. n. 737 definiu a sentença “nula”; no art. 681, disse quais os meios para se chegar à “anulação”: “A
sentença pode ser anulada”, estatuía o dito art. 681, “por meio da apelação, por meio da revista, por meio de embargos
à execução, por meio da ação rescisória, não sendo a sentença proferida em grau de revista”. Note-se a ambiguidade:
anula, anulável, ou rescindível?
(Os povos dificilmente se livram do prestígio de certas frases feitas. Uma dessas, porque agradava às mediocridades,
que assim se dispensavam do estudo do direito processual, português e brasileiro das Ordenações e dos praxistas, foi
“a obra-prima do Reg. n0 737”, decreto defeituoso, mal concebido, fácil, por superficial, e eivado de graves fugidas às
dificuldades científicas.)
Depois que o Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890, mandou aplicar ao processo civil o Reg. n. 737, duas
correntes se formaram: (1) O direito das Ordenações continuou a ser o regulador da rescisória, em combinação com o
Reg. n. 737, de 1850, ainda quando, organizando a sua Justiça, o Distrito Federal (Supremo Tribunal Federal, 10 de
julho de 1915, a propósito do Decreto n. 2.579, de 16 de agosto de 1897) e os Estados-membros omitiam o regime
dela. (II) o Decreto n. 763, de 1890, revogara, em tais pontos, as Ordenações, como se poderiam revogar, e ao Decreto
as leis processuais federais e estaduais, dentro das linhas das respectivas competências. Essa, que foi a atitude
jurisprudencial da antiga Corte de Apelação do Distrito Federal, representou a verdadeira interpretação dos textos
constitucionais em matéria legislativa no Estado federal.
Durante a República, começaram a aparecer alterações nas regras jurídicas de competência e sobre os pressupostos
objetivos da ação rescisória. A unidade do processo veio, aliás, tirar-lhes o interesse. De regra, em vez da usurpação de
funções centrais, o que se observou foi acentuada complacência diante das invasões da competência legislativa dos
Estadosmembros, por parte do legislador e da Justiça federais. Podemos mesmo apontar caso em que o Supremo
Tribunal Federal entrou na apreciação rescindente do julgado da Justiça local, anulando-o, entre os protestos de alguns
ministros. Felizmente, mais tarde, a jurisprudência firmou o princípio de só se poder rescindir a sentença perante a
própria Justiça que a proferiu. A Constituição de 1934 ultimou a evolução. Na Constituição de 1946, os arts. 101, 1, k),
e 104, 1, a) trataram da competência para a rescisão dos acórdãos dos tribunais federais.
O problema da competência tem de ser posto no plano do direito das gentes e no plano estatal.
a) Na ordem supra-estatal e interestatal domina, como princípio essencial, o princípio da auto-rescisão das senten ças
judiciais, isto é, sentenças do Estado A somente podem ser rescindidas pelos juizes do Estado A.
Mais uma vez acentuemos: a) a declaração da inexistência da sentença pode ser feita por decisão de qualquer juiz, em
qualquer Estado, posto que só haja eficácia declarativa no Estado em que foi dada tal decisão, ou naqueles que
importarem a eficácia; b) a decretação da nulidade, segundo o direito do Estado, cujo juiz proferiu a sentença, pode ser
feita por decisão de qualquer juiz, se a lei daquele Estado não limitou a competência infra-estatal, o que implica em
vedar a decretação alhures; c) para a decretação da rescisão só o juiz do Estado em que se proferiu a sentença tem
competência; d) a sentença proferida pelo juiz do Estado em que há duplicidade de Justiça há de ser rescindida pela
Justiça que a proferiu, salvo regra jurídica constitucional em contrário.
b) Na ordem interna, se as sentenças de alguma entidade de direito interno (Estados-membros, Províncias, União)
somente podem ser rescindidas por juizes da Justiça que as proferiu, depende da solução técnica que foi adotada. Se a
sentença de um juiz ou tribunal da justiça da unidade política B somente pode ser rescindida pelo mesmo juiz, ou pelo
mesmo tnbunal, que a proferiu, ou se por tribunal superior ao tribunal prolator, ésolução técnica que fica à
legislatura.’22
A rescisão, pois que cinde a sentença válida, estabelece situação jurídica que seria a existente, se não tivesse ocorrido
a sentença ou despacho, que se rescindiu. O conceito tanto apanha o ato judicial sentencial quanto o ato judicial não-
sentencial; portanto, tanto se refere ao art. 485 quanto ao art. 486.

Tem-se aqui a situação em que a competência ralo-me personae pode determinar que a rescisória se julgue por
tribunal diferente do que proferiu o julgado rescindendo. Imagine-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça,
que julgou procedente o pedido formulado na ação de um particular contra uma sociedade de economia mista da
União. Se a União intervém, na ação rescisória, como assistente da sociedade autora, a competência se desloca do
Tribunal de Justiça para o Tribunal Regional Federal da mesma região, pois só à Justiça Federal compete, em razào da
pessoa, julgar as causas em que a União for assistente, como se constrói com os arts. lO5, e 109, 1, da Constituição
Federal. É erro supor que falte a um Tribunal Regional Federal competência para rescindir acórdão de um Tribunal de
Justiça (ou vice-versa). Basta que se lembre de que o Poder Judiciário é um só, nacional, não passando de divisão de
natureza administrativa, concernente á federação, a dicotomia entre justiça federal e justiça estadual.
É de mais alta importância saber-se que a rescindibilidade nada tem com a não-existência (portanto, com a
declarabilidade de não-existência), nem com a não-eficácia (portanto, com a declarabilidade de não-eficácia), nem
com as decretações de invalidade (decretações de nulidade ou de anulação). A parecença maior é com a revogação ou
com a retratação, mas revocahio é retirada da voz pelo que emitiu a voz (vox) e retratação é voltar atrás, o que também
supõe que retrate quem tratou. No conceito de rescisão não há de modo nenhum essa identidade do agente positivo e
do agente negativo. A técnica legislativa tanto pode adotar que a sentença seja rescindida por juiz ou tribunal de grau
superior ao que proferiu a sentença rescindível, quanto pelo próprio juiz ou tribunal que a proferiu.
No Brasil, os problemas b) têm sido versados, e a simpatia era pela auto-rescisão, em quaisquer casos. A Constituição
federal adotou-o para as decisões dos tribunais federais. Nada estatuiu sobre a primeira instância, porém é claro que,
sendo eles competentes para o recurso e tendo ficado na primeira instância o feito da sentença rescindenda, só em
apelação podem conhecer da ação rescisoria.
No mesmo sentido, com citação de texto nosso, a 1a Turma do Tribunal Federal de Recursos, a 16 de julho de 1953
(D. da J. de 5 de junho de 1954).

3. Pressupostos objetivos da ação rescisória Se é certo que há pressupostos da ação rescisória, que são ligados (porém
não os mesmos) à ação cuja sentença se quer rescindir, ressalta a diferença entre a apreciação de um processo por
outro processo e a apreciação interior dos fatos de um processo por ele mesmo.
Vamos ao exemplo. O juiz ou o tribunal decidiu que a regra jurídica invocada era cogente, e não dispositiva, razão por
que desatendeu ao pacto negocial em contrário que se invocara. Na ação rescisória afirma-se que a regra jurídica é
dispositiva e o pacto tinha de ser observado. No processo em que se proferiu a sentença rescindenda decidiu-se a
questão, afastando-se o juiz, ou o tribunal, do direito expresso, ou literal, ou, melhor, existente. A petição, na ação
rescisória, parte da proposição seguinte: desatendendo ao pacto, o juiz ou tribunal violou o sistema jurídico, porque só
teria-de incidir a regra jurídica se pacto não houvesse, e pacto houve (= a regra jurídica é Texto escrito sob aConst. 67
com a Emenda n’ 1, de 69, cujo art. 122,1. só previa a competência do extinto Tribunal Federal de Recursos para as
ações rescisórias de seus julgados, sem contemplar as rescisórias de sentenças dos juizes federais, também não
prevista no art. 125, que lhes definia a competência. Entretanto, a Const. 88 é explícita, declarando caber aos tribunais
regionais federais o julgamento das ações rescisórias de julgados seus ou dos juizes federais da região (art. 108, 1, b)
ius dispositivum, e não ius cogens). O que se aprecia na ação rescisória é a sentença rescindenda, ato jurídico
processual.
Os arts. 485 e 486 do Código são hoje sedes materiae da ação rescisória, no tocante a seus pressupostos objetivos.
(a) Qualquer dos pressupostos objetivos basta para a rescisão. Derivam eles (e aqui vão em ordem que nos parece a
mais acertada): a) de fatos relativos à pessoa do juiz; tais são os referentes a pressupostos subjetivos da ação cuja
sentença se quer rescindir: insuficiência de juizes prolatores, ou incompetência absoluta deles, ou do único juiz que
proferiu a sentença rescindenda; impedimento ou prevaricação, ou concussão, ou corrupção; b) de fatos de direito
objetivo puro: violação do direito “literal disposição de lei”, isto é, sentença rescindenda acoimada de ser contra ius in
thesi; c) de fato jurisdicional contraditório com outro fato jurisdicional: coisa julgada; d) de fatos processuais, ou
extraprocessuais, mas levados ao processo como base de deliberação judicial para a sentença (falsa prova), se a
falsidade foi apurada em processo criminal, ou se provada na própria ação rescisória; e) de dolo da parte vencedora em
detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;]) de, após a sentença, ter o autor
obtido documento novo, isto é, não constante dos autos, cuja existência ignorava, ou de que não há podido usar, se tal
documento seria bastante para, só por si, ser-lhe favorável a sentença ou o acórdão; g) de haver fundamento para se
considerar nula, ou ineficaz, a confissão, a desistência, ou a transação, em que se baseou a sentença, ou o acórdão; h)
de ter havido erro da sentença, ou do acordao, quanto a algum fato, se o erro resultou de ato ou atos, ou de documento,
ou de documentos, constantes da ~ Quanto a h), o erro pode ter consistido em admissão de fato que não ocorreu (“fato
inexistente”), ou da inexistência de fato que havia ocorrido.
O art. 485 foi mais amplo e mais acertado na enumeração dos pressupostos necessários do que o direito anterior (cp.
Código de 1939, art. 798). A insuficiência visível de juizes é causa de nulidade.
Há tantas pretensões a rescindir quantas são as causas. No Código de Processo Civil do Paraná havia regra jurídica
absurda (art. 937): “A ação rescisória não pode ser intentada, mais de uma vez, pela mesma pessoa, com relação à
mesma sentença, embora por motivos diversos”. <.,Quid iuris, se

124 Escrevendo hoje, talvez Pontes de Miranda acrescentasse ao texto uma letra i, na qual poria o
caso de indenização, fixada na ação de desapropriação, em quantia Ilagrarnemente superior ao preço
de mercado do bem desapropriado, como permite o parágrafo único do ~ 40 da Medida Provisória n0
1.577-4, de 02.10.97, da qual tratarei adiante, sob o art. 485.

só depois se descobrisse o motivo, como na hipótese da prova falsa? A justiça paranaense não poderia, com tal artigo
inconsideradamente radical, entender que se estancava a ação daquele que, antes, houvera intentado a rescisão por
incompetência ratione materiae de juízo ou ofensa ao direito em tese, ou vice-versa. O texto do Código do Paraná foi
repelido.
Os casos de rescisão, isto é, os pressupostos objetivos, são os da lei processual da mesma justiça que proferiu a
sentença. Nada têm que ver com a lei processual ou material do Estado que dá o direito material, público ou privado, a
que se liga a “ação”, de cujo processo se quer rescindir a sentença (plano internacional). Dentro do mesmo Estado (no
sentido próprio),os pressupostos objetivos são os da lei processual de cada organização judiciária, sem que caiba
inquirir-se se o direito material da sentença rescindenda é estrangeiro, ou não. (Aliter, a ação do art. 486.) Com a
unidade do processo civil, só o Código os fixa.
(b) No plano internacional, é isso de grande importância, porque o pressuposto objetivo pode ser diferente de um para
outro Estado. No plano intra-estatal, antes da lei una, o processo intentado no Distrito Federal e noutra justiça
brasileira podia obter sentenças idênticas em processo contra dois individuos domiciliados numa e noutra região
judiciária, podendo haver rescindibilidade de uma e não-rescindibilidade de outra. Situação lamentável.
a) A distinção entre direito material e direito processual vinha à balha. No Brasil, as questões daí resultantes já eram
dirimidas por método simplista: o que a lei federal material (a que chamavam substantiva) insere em si mesma,
material se torna. O que resta é processual. Ora, na doutrina do direito constitucional, seria aceitável (de legeferenda)
que assim se entendesse quanto à devolução da competência legislativa (legislador central, legisladores locais); mas
sem se pretender que um direito se tornasse material porque viesse na lei federal, e processual porque se deixasse aos
Estados-membros. A questão de se saber se a ação rescisória é ação nascida no direito material o que depende de se
assentar qual é o direito, o processual, o material, que gera a pretensão a rescindir foi, então, levantada (nosso A Ação
Rescisória, ia ed., 83-92). Na literatura alemã, devido a ter sido, indistintamente, civil e processual o direito comum,
ainda houve quem a tivesse como instituto que o direito processual recebeu do civil (G. W. Wetzell, System, 3~ ed.
669 s.); mas cedo (1880) se corrigiu o erro (Th. Schwalbach, Wiederaufnahme des Verfabrens, Archiv flir die
civilistische Praxis, 63, 135 s.).
O Supremo Tribunal Federal, em decisão de 19 de junho de 1915, entendeu que o principio de não poder ser proferida
a sentença, se outra,antes, já decidira a questão, pertenceria ao direito material (a que chamou substantivo); portanto,
da competência exclusiva do legislador central. Isso denotava completa falta de informação sobre a natureza do direito
processual. <A que se refere a ação rescisória? A sentenças. Se a ação rescisória fosse de direito material, na aplicação
do art. 178, § 10, VIII, do Código Civil de 1916, tratar-se-ia de prescrição de pretensão nascida no Código Civil e,
como todos os prazos de prescrição, as causas suspensivas e as interruptivas de direito material teriam de ser aplicadas
no estrangeiro, sempre que o direito brasileiro regesse a relação jurídica. Vice-versa, no Brasil, ter-se-iam de rescindir
sentenças nos prazos das legislações estrangeiras, ~quando dominante fosse o direito de tais procedências! O absurdo
ressaltou. O direito foi uma das maiores criações do homo sapiens; e leva consigo os sinais e qualidades do ser, com a
atividade lógica, raciocinante, que o criou.
A sentença é prestação, que o Estado faz, por seu órgão que é o juiz ou o tribunal, porque, assumindo o monopólio da
justiça, havia de admitir que alguns senões das sentenças pesam mais do que o interesse em que as decisões transitem
formalmente em julgado. Toda a relação jurídica processual, oriunda do exercício da pretensão à tutela jurídica (por
parte do autor e por parte do réu), se rege pelo direito processual, pois do exercício nasceu a pretensão à prestação.
Estava-se no plano pré-processual e entrou-se no plano processual. O ataque ao ato de prestação é de ordem
processual, quer haja nulidade da sentença, quer haja, apenas, rescindibilidade. Tudo, desde a prática de qualquer ato
processual que dê causa a rescisão, inclusive a sentença, que o aprecia, até a “ação” rescisória, é processual. No
intervalo entre a sentença rescindenda e a petição de rescisão há a pretensão à tutela jurídica pela atividade rescindente
do Estado, o que explica poderem ser propostas ações rescisórias sem que venham a ser acolhidos os pedidos.
No Projeto primitivo do Código Civil não havia referência à ação rescisória. Aconteceu o mesmo com o Projeto
revisto e, mais tarde, com o que saiu da Câmara dos Deputados. No Senado, Rui Barbosa apresentou a emenda aditiva
n0 187 ao então art. 182, § 10: “o direito de propor ação rescisória de sentença de última (?) instância”. Era um golpe,
se não desconhecimento do instituto, posto que lhe parecesse “dispensável” a justificação. Além disso, a parte final
“de sentença de última instância” teria as consequências mais extravagantes, como a de não haver rescisória de
sentença de primeira ou de segunda instância, quando houvesse duas ou três. A Lei n0 3.725, de 15 de janeiro de 1919,
suprimiu tais dizeres. Quais as razões de inserir o atual inciso VIII, não as deu Rui Barbosa. Evidentemente acreditou
se tratasse de direito material, sobre o qual nunca teve idéias
precisas. De lege lata, o prazo para a ação que tem por fito rescindir sentenças está no Código Civil, arbitrariamente
“feito direito civil”. Resta saber o que é que daí praticamente resultou, antes de se unificar o processo. Note-se, de
antemão, que se falou em ação rescisória, como se existisse conceito a priori de ação rescisória. Nenhum ponto de
referência para se saber o que fosse suscetível de rescisão, quais as sentenças rescindíveis e as causae restitutionis.
Duas atitudes possíveis: a) aceitarem-se como integrantes do conceito de ação rescisória os casos apontados pelas
Ordenações e pelo Reg. n0 737, arts. 680, 681, por força dos Decretos n0 9.549 de 23 de janeiro de 1886, art. 62; e n0
763, de 19 de setembro de 1890; b) reputar-se “materializada” somente a regra de processo sobre a “prescrição” da
pretensão (!).
b) A primeira solução teria as seguintes consequências: os legisladores locais não poderiam aumentar nem diminuir os
casos de rescindibilidade das sentenças o que em 1850 se fixou seria intangível, imodificável; às leis e aos Códigos de
Processo Civil somente se permitiria regular a parte de movimento judicial pressupostos e princípios informadores
pertenceriam, todos, à legislatura federal. Seria regressão ao tempo em que se procurou, na Europa, re-romanizar o
direito, identificando-se sentença e negócio jurídico privado.
A segunda implicaria dar-se liberdade aos legisladores locais quanto a determinarem quais as sentenças “rescindíveis”,
aumentando ou diminuindo os casos por bem dizer clássicos de revisão. Ficariam de pé duas questões. Se algum
Estado considerasse todas as sentenças irrescindíveis, ~,valeria a sua lei? Se o Estado-membro tornasse rescindíveis,
portanto suscetíveis de serem; mais tarde, por se não haver proposto, então, no qúinquênio,’25 o remédio rescisório,
tidas por inatacáveis, sentenças inexistentes ou por sua natureza nulas ipso iure, seria de respeitar-se a sua lei? A
segunda solução foi a que se adaptou às boas normas de interpretação, a que livrou o Código Civil de se divorciar da
ciência jurídica. As duas questões acima referidas foram tratadas em nosso A Ação Rescisória, 1a ed., 1934 (87-9 1), e
têm hoje valor apenas teórico.
Porém os conceitos de existência, validade, eficácia e rescindibilidade não dependem do direito positivo. O direito
constitucional brasileiro supunha-os, e supõe-os;126 de modo que os Estados-membros, ao tempo da pluralidade
legislativa processual, poderiam dizer quais as causas de resci125 Era de cinco anos o prazo da ação rescisória
(Código Civil, au. 178, ~ lO, VIII), reduzido para dois anos pelo an. 495 do CPC e aumentado para quatro anos,
quando autores da ação a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, autarquias e fundaçóes instituidas pelo
poder público, conforme o art. 40 da Medida Provisória n0 1.577-4, de 02.10.97. v~. o comentário ao art. 495.

126 A enclise, incabível aqui, terá decorrido de manifesto cochilo de revisão.são das sentenças, mas
sem caírem nas contradições: “rescisão de sentenças inexistentes”, “rescisão de sentenças nulas ipso
iure” etc. Hoje, o que a Constituição, antes e agora, considera rescindível é, também, e apenas, a
sentença existente e não nula ipso iure, mas atacável.

A emenda de Rui Barbosa, em meia linha, continha dois erros: o de considerar de direito material os conceitos de ação
rescisória de sentença, sem lhe apontar, o que agravou o erro, os pressupostos objetivos; o de considerar prescripcional
o prazo para a propositura da ação rescisória, prazo que é, e sempre foi, em boa técnica, preclusivo. Tivemos de
esperar anos para que os tribunais se livrassem da interpretação literal.

Em todos os nossos livros em que ferimos o assunto, profligamos, energicamente, o erro de Rui Barbosa, até que no
plano da jurisprudência nos atenderam e, agora, no Código de 1973, a correção foi completa:
inseriu-se no art. 495 a regra jurídica sobre prazo preclusivo, de modo que foi posto fora o que estava no Código Civil,
lugar absolutamente impróprio.
c) O conceito de rescindibilidade depende, conforme dissemos, do direito processual civil do Estado em que se
proferiu a sentença. Sentença de Estado estrangeiro deixa-se de cumprir, por não se lhe importar a eficácia, uma vez
que não pode ser homologada, e de homologação precisaria, ou se cumpre, como se há de cumprir a posterior sentença
que a rescinda. Então, a eficácia que se importa é a eficácia da sentença rescindente e tal eficácia rescinde a sentença
estrangeira cumprida, ou homologada e ainda não cumprida.
Em direito intertemporal processual, somente é sentença (existência), ou somente vale, a que a nova lei (até ao tempo
do trânsito em julgado) considera como tal (Th. Schwalbach, Die Prozessvoraussetzungen im
Reichszivilprocess,Archivfllrdie civilistische Praxis, 63,404). A lei que regula o cabimento da ação rescisória é a do
tempo da propositura, salvo: a) se a lei não vale, constitucionalmente; b) se a lei tem outros limites de tempo, segundo
a regra de direito intertemporal. A lei nova até ao tempo do trânsito em julgado pode dizer: iudicatum non esse. Salvo
sanatória especial, as sentenças nulas e as sentenças inexistentes não convalescem.
(c) Nos casos apontados pela lei processual, a pessoa, que foi parte na relação jurídica processual, ou que a uma das
partes se equipare, fica autorizada a ir ajuizo propor a ação rescisória. E caso particular do direito público subjetivo de
ir ajuizo; donde a diferenciação a que se deve proceder:
a) O direito público subjetivo de ir a juízo e pedir a prestação jurisdicional, que independe do direito material subjetivo
que se invoca. Direito público material, porque a ação é conceito de direito material, aí público. A pretensão, que a ele
se liga, de direito pré-processual é a pretensão à prestação jurisdicional, à sentença.
b) A pretensão processual, que nasce do exercício da pretensão à tutela jurídica: ai, o Estado não prometeu, apenas, a
prestação jurisdicional; deve-a, está obrigado a ela, porque a pretensão à tutela jurídica já foi exercida pelo
estabelecimento da relação jurídica processual.
c) A pretensão a exigir qtíe se rescinda a sentença, pretensão de direito público.
A execução ou qualquer ato voluntário que constitua execução por parte do vencido, futuro autor da ação rescisória,
não obsta ao direito de ação. Pode ser exercida tal faculdade e usado o remédio jurídico processual, ainda que, em vez
da execução compulsória, se haja procedido à execução voluntária, em qualquer das suas formas.
Exercida a pretensão à rescisão e rescindida a sentença, ultima-se o juízo rescindente. O julgamento do juízo
rescisório, cujo processo de regra se abriu simultaneamente, porém não sempre, nada tem com essa pretensão à
rescisão: já o julgamento encontra desfeita a sentença, e julga no processo que antes se fizera, ou, em certos casos, o
refaz. O pedido contém, de ordinário, dois pedidos, o de rescindir a sentença e o de rejulgar (rescissonum); mas nada
obsta a que se separem (28 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 9 de janeiro de 1942, R. F.,
91, 191).127 O autor não está inibido se pedir somente o ofício rescindente, se possível; posto que se haja de supor, na
dúvida, que pediu os dois.’28
Temos, pois: a) A sentença, na ação rescisória, quanto ao juízo rescindente, rompe, cinde a sentença: havia sentença;
não há mais. Toda a eficácia, que não depende de novas decisões, se opera. O que depende de nova decisão é do juízo
rescisório, que pode satisfazer-se com a prova feita no processo em que se proferiu a sentença rescindenda, ou
substitui-la pelo que se acolheu no juízo rescindente, ou foi produzido segundo os princípios.
O juízo rescindente é que o marca. b) Se não houve pedido de rescisório, ou a sentença rescindente o exaure, ou com o
julgado se pede o rescisório. A cumulação faz competente para o rescisório o juiz ou tribunal do juízo rescindente.
Errada a afirmação do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 4 de novembro de 1942 (A. J., 65, 478), de que se
tenham de separar e de que as competências necessariamente sejam diferentes. Se a decisão rescin127 A cumulação
dos dois juízos, rescindente e rescisório, é obrigatória, conforme o au. 488, 1, do
CPC.
128 vd. anota 127. Se acumulação é obrigatória, não cabe a suposição do texto, de resto incompatível
com o princípio dispositivo <CPC, aus. 20. 128) e com o direito de ampla defesa (Const. 88, au. 50,
Lv), porque o réu não saberia nem se deve se defender do pedido rescisório nem contra que pedido
deveria apresentar defesa.
dida não admitiu, ou não conheceu do recurso, e a sentença na ação rescisória entende que foi violada
a lei processual, aí sim, como em outros casos, a matéria restrita do juízo rescindente importa em se
cumprir a sentença rescindente com a ida dos autos ao juízo que não admitira o recurso, ou ao juízo
do recurso. Certo, o acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, a 3 de dezembro de 1942 (D. da J. de 8 de fevereiro de 1943, 471).

Por vezes, o juízo rescindente é exaustivo. Se a decisão que rescinde a sentença apanha toda a petição inicial, como se
diz que a nota promissória, que foi fundamento da condenação, é falsa, ou não tem os requisitos da nota promissória, a
proposição mesma que rescinde indefere o pedido de condenação. A sentença rescindente que acolhe alegação de
preclusão ou de prescrição indefere, igualmente, o pedido de constituição, de condenação, de mandamento ou de
execução. Há, portanto, rescisório implícito.

A exaustividade, quanto a um ponto da sentença rescindente, não impede que, nos outros pontos, a sentença
rescindente não exaura a relação jurídica processual.

Se a rescisão não exaure a relação jurídica processual, tem-se de julgar o processo em que se proferiu a sentença
rescindenda.
Sempre que a atividade rescindente se circunscreve à sentença rescindenda, tem o julgado de substituir o outro.
Portanto, há exaustividade. Se, porém, a substituição da sentença deixa decisão anterior, tal decisão anterior é tratada
como se a decisão rescindida, posterior, não tivesse existido. Por exemplo: a) a sentença rescindenda foi o acórdão do
tribunal que não considerou apelável, ou agravável, ou suscetível de outro recurso a decisão anterior; b) a sentença
rescindenda foi o acórdão do tribunal que deu provimento à apelação, ou ao agravo, ou a outro recurso. Na espécie a),
a rescisão tem a consequência de permitir o recurso, que sobe ao tribunal próprio. Na espécie b), a decisão rescindente
ou tem o efeito de negar a recorribilidade, e então transitou em julgado a sentença de que se apelou, ou se agravou, ou,
em geral, se recorreu, ou altera o julgado rescindendo, o que normalmente contém, implícito, o rescisório.
À ação rescisória não importa se a sentença já está a produzir a sua eficácia, ou não, se já a produziu, oujá se iniciou
outra ação que seja efeito dela (e. g., se já se propôs a execução, Supremo Tribunal Federal, 13 de Exemplo
remanescente dos comentarios ao CPC de 1939, onde a nota promissória não era título executivo, porém condição da
ação executiva, de natureza cognitiva, apesar do nome.
janeiro de 1943, D. da J. de 26 de agosto, 3418; R. F., 95, 577, ou já se ultimou). O que importa é que já haja coisa
julgada formal. A ação rescisória ataca-a. No acórdão das Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Apelação de São
Paulo, de 30 de janeiro de 1941 (R. de D., 144, 70), foi dito que: a) a decisão proferida em processo de inventário é
atacável por ação rescisória ,b) quando a questão resolvida se tornou contenciosa pela discussão surgi dano processo.
A proposição a) é verdadeira; a restrição proporcional b) não no é. Não se precisa de discussão para que haja decisão.
O que o acórdão poderia ter acrescentado seria: “salvo se a decisão foi apenas mencionante de ato jurídico das partes”.
O acórdão tinha de examinar, preliminarmente, se a decisão de que setratava tinha eficácia de coisa julgada formal;
depois, se entrava na classe•das sentenças que são rescindíveis, segundo os textos do Código, ou se somente
rescindíveis com base no art. 486. Respondido que transitara ,formalmente, em julgado: ou há decisão que se rescinde
por um dos pressupostos objetivos do art. 485, ou se tratava de ato processual não-sentencial, que entra na classe dos
atos a que se refere o art. 486, ou de decisão simplesmente homologatória.• d) A ação rescisória, que cabe nos casos
fixados pela lei; “ação de direito público”, como existem as ações de direito civil. (Não se confunda com as ações
públicas, em contraposição às ações privadas, de que se compõe a doutrina das ações criminais, porque tanto as ações
públicascriminais quanto as ações privadas criminais são de direito público.)

e) O remédio jurídico processual da rescisória, que é a figura processual, com os seus pormenores formais, a sua
particularidade em relação aos outros remédios jurídicos processuais, e a sua inconfundibilidade com os “recursos”.
Não é essencial à ação rescisória produzir-se perante o juiz da primeira instância e subir ao tribunal, que proferiu a
última sentença, ou outro, superior a ele; nem ter prazo longo, porque a maior ou menor extensão dos prazos para a
propositura não faz ser ação (no sentido de “remédio”), ou recurso, o expediente ou instrumento processual (Wilhelm
Kisch, Beitrage, 181; A Schoetensack, Uber Rechtsmittel u. Wiederaufnahmeklagen, Festschríftflir Hugo vou
Burckhard, 264). Mais: também noutros países as causas, ou, pelo menos, algumas das causas ordinariamente aceitas
como fundamento de rescisão, permitem remédios, e não só recursos. Na tradição luso-brasileira, vinda dos primeiros
séculos do milênio, é a de ser ação e não recurso a rescisão, tanto mais quanto rescisão de julgado, em recurso, seria,
evidentemente, contradição.

DA AÇÃO RESCISÓRIA

A ação rescisória é constitutiva negativa, como a ação de revisão criminal: tende à eliminação da sentença que passou
em julgado; é ação para destruir a coisa julgada formal das sentenças proferidas. Não se fala de destruição da coisa
julgada material; porque há rescisão de sentenças que não têm força nem efeito de coisa julgada material. Por outro
lado, a
eficácia da nova sentença ou (1) é negativa, total ou parcial, da eficácia da antiga sentença que acolheu o pedido, ou
apenas repele o pedido de rescisão; ou (2) é negativa, total ou parcial, da eficácia da antiga sentença que não acolheu o
pedido, e pode ter eficácia a mais do que a força constitutiva, ou apenas repelir o pedido de rescisão. A questão de
classificação somente encontraria dificuldades no caso (2); porém o elemento prevalecente é o constitutivo negativo.
Se a nova sentença declara, desconstitui (ou constitui positivamente, e. g., sentença rescindente que, no rescisório,
decreta a nulidade do casamento), condena, manda ou executa, é que o rescisório se enche desse elemento próprio.
Esse é ponto extremamente importante. O juízo rescindente e ojuízo rescisório são distintos, conceptualmente, porque
tal distinção resulta da natureza das coisas, dos fatos. Qualquer exame não-superficial do que é, na realidade,
processual, a ação rescisória mostra, crucialmente, que rescindir a sentença não é decidir a matéria que fora por ela
julgada. Se o legislador funde as duas decisões, de natureza diferente, em verdade continua de ver-se a fusão, porque,
ainda quando a sentença no juízo rescisório seja constitutiva negativa, não no é da sentença, como o é a que se profere
no juízo rescindente.
Quando a sentença já foi executada, ou a) porque era sentença executiva, ou b) com eficácia imediata executiva, ou
porque c) sobreveio, em virtude da carga 3 de eficácia executiva, ação de execução de sentença, a rescisão da sentença
apanha, ali, a própria execução, ou torna sem causa qualquer enriquecimento. E conveniente que o autor da ação
rescisória, prevendo demora no julgamento da ação rescisória da sentença, ou outro inconveniente, junte o pedido de
rescisão de qualquer sentença ou ato processual rescindível praticado no processo de execução de sentença.

Afirmação evidentemente atrelada ao CPC anterior, cujo art. 798. capur, não distinguia entre sentenças terminativas e
definitivas. No Código atual, o caput do art. 485 não deixa dúvida: só a sentença de ,nériro, geradora da coisa julgada
material, pode ser rescindida; não a terminativa. Volto a este assunto sob o art. 485, como também faz Pontes de
Miranda. O comentarista sustenta que se deve interpretar o caput desse artigo com abstração da palavra rné,-jÊo, em
ordem a se admitir a ação rescisória também de sentença terminativa, de extinção do processo sem julgamento do
mérito (an. 267).
(d) Das Ordenações Filipinas, Livro III, Tftulo 75, pr., e Título 87, * 1, tiravam os juristas que a sentença dada com
falsa causa era suscetível de rescisão. Lição de 5. Scaccia, do Cardeal de Luca, de D. B. Altimaro e dos portugueses
Francisco de Caídas, Antônio da Gama, Manuel ÃlyaresPêgas e outros (cf. Manuel Gonçalves da Silva, Cominentaria,
III, 134 e 144; Agostinho de Bem Ferreira, Suma da Instituta, 1, 27). Algumas vacilações, casuisticamente expressas
em exceções sutis, provinham de impreciso conceito da falsa causa; mas nenhum deles incidia na ameaça terrível de
crer irrescindíveis as sentenças proferidas nos casos típicos de falsa causa. A tendência das novas leis brasileiras de
processo já eram para omitir a falsa causa como pressuposto à parte. Não havia inconveniente prático, desde que,
ocorrendo um dos casos, o juiz a entendesse subsumida na violação do direito em tese ou no pressuposto da falsa
prova. Alguns juristas achavam que não estava certo porquanto, muitas vezes, a falsa causa não se enquadra em
nenhum deles, devendo proceder-se à verificação in hypothesi. No exemplo do testamento revocatório ou infirmatório,
que depois se achou, nem a prova foi falsa, nem se infringiu direito in thesi, posto que sentença existia, haja passado
em julgado e precise, evidentemente, de ser rescindida. O Código do Processo do Paraná referia-se, explicitamente
(art. 933, 6), à falsa causa. Assim devíamos assentar que a falsa causa permitia a rescisão quando o juiz não julgaria do
modo por que julgou, se objetiva ou subjetivamente tivesse reconhecido ou conhecido a causa verdadeira.

Aparecendo novo testamento, rescindir-se-ia a sentença que se firmou no revogado ou infirmado, porque o juiz, se
dele tivesse ciência, não julgaria como aconteceu julgar. Vindo-se a saber que os contratantes eram brasileiros,
domiciliados no Brasil, caberia rescisão da sentença que aplicou a lei estrangeira, por falsa causa. Dir-se-á que houve
violação do direito expresso. Seria enganarmo-nos a nós mesmos ocultar o pressuposto autônomo que se interpõe entre
o julgado rescindendo e a violação, mediata, do direito expresso. Não é certo que o juiz havia violado o direito in
thesi. Com os fatos da causa e o conhecimento, talvez perfeito, da lei, concluiu pela aplicação dessa, sem ofender o
direito objetivo invocado pelas partes e único, então, que poderia aplicar. Alguma prova foi falsa (= não verdadeira).

Posteriormente, já depois de entregue a prestação jurisdicional, é que se vem a saber da causa verdadeira. Impor-se-ia
a rescisão: houve a falsa causa, inconfundível com a ofensa ao direito subjetivo da parte, e de tal falsa causa é que
resulta, já em segundo plano, que é o plano conseqUencial, a violação do direito subjetivo.
Se fossemos considerar como de ofensa ao direito in thesi todos os casos em que tal ofensa resulta dos verdadeiros
fatos responsáveis pela rescisão, só haveria pressuposto para o ingresso procedente no juiz rescindente: a violação do
direito expresso. Porque ojuiz incompetente violou tal direito; o julgar com falta, ou defeito da parte, violação também
seria; não no seriam menos a decisão contra coisa julgada, contra o outro caso de erro, que é a falsa prova, e a dada em
processo nulo. Repare-se, porém, que, em todos eles, como na hipótese da falsa causa, a infração do direito expresso
não é um prius: consegue, depende, resulta da falsa causa.
Se a sentença fosse proferida ex pluribus causis, das quais uma só verdadeira, válida seria, pois que uma só causa
bastaria (D. B. Altimaro, Tracíatus, II, 449); “si vero sententia feratum ex pluribus causis, quarum una fit vera, alie
falsa, valida est sententia una existente vera”. Não, se, havendo muitas causas, só numa se apoiou. Sim, ainda que se
não referisse a nenhuma explicitamente e apenas houvesse “considerado o que dos autos consta”, como Graciano e o
Cardeal de Luca explicavam.
Era preciso que o erro da causa fosse irrecusável. Se, por exemplo, o erro consistiu em considerar empréstimo o que
foi locação, mas a solução seria a mesma, não seria violação de direito expresso, nem a falsa causa, na espécie,
bastaria; salvo se as consequências fossem diversas. Disso trataram Bertoldo e 5. Scaccia.
Aliás, não era preciso que a sentença, direta e expressamente, se referisse à causa. Uma vez que, no decidir, numa
causa se apoiou o juiz, que era falsa, o pressuposto surgiria. Não assim se dada generaliter ei enuntiative, sem que se
pudesse apurar qual a causa a que se referiu. É a espécie a que se reportaram os velhos jurisconsultos (D. B. Altimaro,
Tractatus, II, 449; Manuel Gonçalves da Silva, Comentaria, III, 140), na qual o juiz diz Vis actis, quia consíat, etc.,
depois prevista por algumas leis processuais. Como, todavia, nem sequer se dá verdadeira omissão de fundamento, que
constitua nulidade formal da sentença, era de firma-se o seguinte: a) se nenhuma das causas poderia ser verdadeira,
dar-se-ia a rescisão; b) se qualquer das causas obrigaria a julgamento diferente, também se formaria o pressuposto; c)
se a causa única, em que se poderia basear o julgado, é falsa, impor-se-ia o remédio rescindente.
Com a regra jurídica do Código de 1973, art. 485, VII, tem-se a ação rescisória da sentença sempre que, depois do seu
proferimento, o autor obtém documento cuja existência ele ignorava, ou de que não podia usar, se tal elemento seria
suficiente para lhe assegurar pronunciamento favorável. Temos porém de atender a que, além disso, há sentenças em
que se supõe, em princípio, que não há outro documento, e o direito que se exerceu
ou declarou somente poderia ser alegado (só existiria) se outro não houvesse. Vamos a exemplos. Em se tratando de
achada do testamento, ou de novo testamento, a ação, que cabe, após o cumpra-se, é a ação de petição de herança.
Toda sentença que diz ser herdeiro B somente tem eficácia se testamento não apareceu em que se pré-exclua, no todo
ou em ‘parte, a B, ou se o herdeiro A não se apresentar, com provas, em ação adequada, que o apontem como
excludente de B, no todo ou em parte.

Se foi posto cumpra-se a testamento e foi executado ou ainda não foi executado, o aparecimento de novo testamento,
que obtém o cumpra-se, retira o mandamento concernente ao testamento anterior. Se, na execução do testamento,
houve alguma sentença, que atribuiu diferentemente bens da herança, tal decisão ou entrega foi em virtude do cumpra-
se ao testamento anterior e cabe a ação de enriquecimento injustificado. Sempre que a sentença é sentença que supõe
anterioridade ou posterioridade de alguma causa, a aparição de documento ou registro que negue a afirmação toma
ineficaz a decisão anterior. O prazo de dois anos que se estabeleceu no art. 495 não se refere ao que acima dissemos,
porque se trata de prazo preclusivo de direito processual quando haja necessidade de propositura da ação rescisória.

~,Como se há de considerar o caso da sentença que julgou domiciliada no Brasil a pessoa cuja lei pessoal seria de
aplicar-se e tal pessoa não era domiciliada no Brasil, ou vice-versa? Posteriormente, descobre-se a falsidade da
declaração de domicilio ou do documento apresentado. O fundamento para a rescisão somente pode ser o do ari. 485,
VI, ou VII.

4. Ação contra a coisa julgada formal (a) Em quase todos os povos a ação rescisória é ação, qualquer que seja o nome
que se lhe dê, qualquer que seja a veste processual sob que apareça, se a lei lhe confere o caráter de ir contra a coisa
julgada formal. Ainda que tivesse o nome, não seria ação rescisória, se as sentenças contra as quais dela se pudesse
usar fossem sentenças ainda não passadas em julgado. Quando as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 75, pr.,
estatuiam que “a sentença, que é por direito nenhuma, nunca passa em coisa julgada, mas em todo tempo se pode opor
contra ela que é nenhuma e de nenhum efeito e, portanto, não é necessário dela ser apelado”, ou não se referia às
rescindíveis, mas às existentes e às nulas ipso iure (hipótese a se pôr de parte) ou era “alusiva” ao prazo de trinta anos
para a ação rescisória. Não há sair-se do dilema. Admitindo-se que fosse o primeiro o pensamento do velho direito
luso-brasileiro, não seria à altura da ciência jurídica do seu tempo, menos ainda de hoje. A ação rescisória supóe a
sentença que passou em julgado, isto é, de que não cabe a recurso. Aparentemente, haveria contradição entre tal
concepção e o caso das rescisórias cujas sentenças rescindendas foram contra o principio de não se poder decidir
matéria idêntica (em pessoa, causa e coisa), uma vez que algumas leis falam em não passarem em julgado tais
sentenças. Já vimos, porém, que isso não se dá. O direito de outrora refletia a heterogeneidade das fontes e o
romanismo ainda perturbava a depuração científica da terminologia.
As sentenças que não passam em julgado (~sem eficácia de coisa julgada formal!) não precisam de tal ação. Podem
renovar-se os processos, indefinidamente, posto que, enquanto não se renovam, tenham eficácia. Nenhum princípio a
priori, ou constitucional, impede que o legislador do direito processual adote para as decisões válidas, porém que não
fazem coisa julgada, ação autônoma, como ocorrera nos antigos Códigos de Processo Civil de São Paulo, art. 359,
parágrafo único, e do Paraná, art. 939. Aí, categorizava-se demasiado a impugnativa: podia ser somente recurso; e
éação. Os “pedidos de reconsideração”, ou “de reforma”, ou “de revogação”, quando alguma lei os permite, são ações
de tal jaez, ações “encurtadas”.
Aliás e esse é outro ponto da máxima relevância ‘ é confusão de graves consequências indagar-se de ser a sentença
dotada, ou não, de eficácia de coisa julgada material, para depois se responder se é, ou não, rescindível.’3’ A
rescindibilidade das sentenças nada tem com a produção da força, ou, sequer, do efeito de coisa julgada material.’32 A
coisa julgada, de que se trata, quando se permite a ação tendente à rescisão da sentença passada em julgado, é a coisa
julgada formal, a força formal de coisa julgada.
A ação rescisória só se propõe contra sentença que transitou em julgado, isto é, de que não cabe, ou não mais cabe
recurso. Nada tem com o ter o autor interposto, ou não, os recursos que a lei lhe permitia. Acertadamente, o Tribunal
de Apelação do Distrito Federal, a 17 de setembro de 1942 (A. J., 64, 363). Hão de estar exauridos os prazos dos
recursos, sem se indagar da negligência ou anuência das partes, inclusive o autor da ação rescisória. O autor, para
propor ação rescisória, tem de interpor os recursos, ou deixar que passe em julgado a decisão, não porque deva
recorrer, e sim

131 Comentário obviamente vinculado ao CPC anterior (vd. a nota 130). No atual Código, a coisa
julgada material (isto é, sentença de mérito coberta pela coisa julgada formal, decoifente do trânsito
em julgado, ou preclusão) é condição específica da ação rescisória, consoante o capur do art. 485.
132 Vd.anota 131.
133 Aliter, no atual CPC (vd. as notas I30e 131).

porque um dos pressupostos da pretensão a rescindir é o ter passado formalmente emjulgado a sentença?’ O que
perdeu o prazo do recurso pode pedir rescisão.
(b) A ia Turma do Supremo Tribunal Federal, a 7 de outubro de 1948 (R. F., 123, 116), lançou verdadeira heresia
jurídica quando disse que a ação rescisória pode ser proposta antes de passar em julgado a sentença. Não há pretensão
à rescisão antes do trânsito em julgado.’35 A ação rescisória tem por fito exatamente atacar a coisa julgada formal,’36 o
que o sistema jurídico só lhe permite em espécies estreitas (Código de 1973, arts. 485 e 486). Ainda a 4 de agosto de
1947, a ia Turma (D. da J. de 25 de fevereiro de 1949) admitiu a ação rescisória se incabível o recurso; mas, aqui, a
questão é outra:
se a parte interpôs recurso de que não se conhece, a sentença transitou em julgado antes; razão por que pode ser
proposta a ação rescisória, pendente tal recurso, para que o prazo preclusivo não se esgote; julgado o recurso, foi
eficaz, ou não foi eficaz a propositura. De qualquer jeito, não se pode julgar a ação rescisória antes de se julgar o
recurso: se dele não se conhece, julga-se a ação rescisória; se dele se conhece e não se lhe dá provimento, a ação
proposta só é aproveitável por princípio de economia processual, porém mais acertado seria propor-se outra, porque o
prazo preclusivo só se inicia com o trânsito em julgado da decisão no recurso. Se se conheceu do recurso e se lhe deu
provimento, está sem objeto a ação rescisória proposta. Proposta a ação rescisória, não pode o juiz dizer se o recurso
extraordinário é de se conhecer ou não. Se houve interposição de recurso extraordinário sobre ponto que não é aquele
a que se refere o pedido da ação rescisória, nada obsta a que se conheça da ação rescisória. ~,Quid iuris, se o ponto é o
mesmo? Dois caminhos têm sido apontados: a) aguardar-se que se pronuncie acerca do recurso o Supremo Tribunal
Federal; b) julgá-la desde logo. Contra o segundo argúi-se que, decidido de um modo, pode o Supremo

134 O(a) trânsito em julgado (b) da sentença de mérito são condições daação rescisória, i.e., requisitos de
um julgamento do mérito, se se seguir a processualística italiana, prevalecente no Brasil. Seriam pressupostos
processuais, conforme a concepção alemã, o que terá levado o comentarista a falarem pressupostos da
pretensão, no texto. Sabe-se que a ação pode ter condições específicas, além das gerais nomeadas no inciso ví
do art. 267 do CPC, onde, prudentemente, se faz enumeração enunciativa, segundo indica o uso da conjunção
conformativa con,o. Se se quiser permanecer no esquema do inciso aludido, dir-se-á que, sem o trânsito em
julgado e sem a existência de sentença de mérito, não há possibilidade jurídica do pedido porquanto,
abstratamente, só são nascindíveis sentenças (ou acórdãos) transitadas em julgado, e de mérito (art. 485,
copia). Se ainda não há trânsito em julgado quando se propõe a rescisória, faltará também interesse
processual porque o recurso será o meio de impugnar a sentença.

Tribunal Federal julgar diferentemente, e contra isso se tem argumentado que novo recurso extraordinário é
interponível da decisão proferida na ação rescisória e, então, se há de apresentar a coisa julgada do primeiro recurso
extraordinário.
O primeiro, diz-se, tem o inconveniente de obrigar as partes à espera de pronunciamento do Supremo Tribunal
Federal, que pode tardar, obrigando a renovação de instância, a despeito de já haver coisa julgada na ação e, pois,
possibilidade de rescisão. Houve terceira opinião, c), que entendia não caber ainda a ação rescisória, devendo-se não
conhecer dela, o que tiraria a ação, porque o prazo corre da coisa julgada e pode ter havido coisa julgada (Corte de
Apelação do Distrito Federal, 13 de outubro de 1937).’ Só o Supremo Tribunal Federal pode conhecer ou deixar de
conhecer do recurso extraordinário. Se o autor da ação rescisória entende que não cabe o recurso extraordinário,
exerce a pretensão à rescisão para que não preclua o prazo de propositura. Se acha que cabe, arrisca-se a que vá
correndo o prazo desde que houve o trânsito em julgado, a despeito da interposição do recurso incabível. Proposta a
ação, tem de aguardar o julgamento do recurso (cf. Seção Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de março de
1948, R. dos T., 173, 1023). Nenhum risco há, porque a pretensão à rescisão foi exercida. E esse um dos pontos a que
se há de prestar toda a atenção.
Ainda a favor da solução a), absolutamente certa, há a consideração de que o prazo para a propositura da ação
rescisória de sentença é prazo preclusivo. O autor exerce a ação alegando e provando que houve recurso
extraordinário, mas é incabível. A matéria não poderia ser apreciada na ação rescisória. Tem-se de esperar o
julgamento do recurso extraordinário para que se possa julgar a ação rescisória.t3” Se dele não se conheceu, cabe
julgar-se a ação, considerando que houve a coisa julgada formal na instância inferior. Se dele se conheceu e se
confirmou a sentença rescindenda ou acórdão rescindendo, nada obsta, por princípio de economia processual, que se
prossiga na ação, ratificado o processado, pois apenas se passou a contar o prazo preclusivo da data em que transitou
em julgado a decisão quanto ao

137 Tratarei, em nota ao art. 495, do problema da tempestividade da ação rescisória de julgado
pendente de recurso que, afinal, não se admite.
138 Aqui. a ação rescisória ficaria condicionada ao julgamento do recurso extraordinário (ou do
recurso especial, acrescentaria o comentarista hoje), o que é admissível, sabido que se podem praticar
atos processuais condicionais e se proporem ações condicionais. Na cumulação eventual de pedidos,
que, na verdade, é cumulação eventual de ações, ocorre isto, como se vê no art. 289, onde se cuidou
daquela espécie de cumulação, embora se falando em pedido formulado em ordem sucessiva.

recurso extraordinário. Se do recurso extraordinário se conheceu o provimento não atingiu o ponto ou os pontos sobre
que versa a petição de rescisão, dá-se o mesmo. Se do recurso extraordinário se conheceu e o provimento altera o
julgado ocorrido, no ponto ou nos pontos, ou em algum ou alguns pontos que foram indicados para rescisão ou não
tem objeto a ação de rescisão, ou o prosseguimento somente pode ser com explicitação do ponto ou dos pontos que
ainda se querem examinados pelo juízo rescindente.
(c) A propósito de ação rescisória, algumas proposições de não-cabimento são extremamente vagas e contêm margem
para graves erros. Se a nulidade da sentença não é suprível e resiste ao trânsito em julgado, há mais do que
rescindibilidade; há nulidade do julgado. Não se pode dizer que, tendo havido nulidade da sentença e sendo insanável
pelo trânsito em julgado, ainda se precisa rescindir o julgado: é nulo. Se a nulidade processual se sanou, ou não mais é
de pronunciar-se, não cabe a rescisória, porque a regra jurídica de sanação, ou de pós-exclusão, por si só afasta que,
incidindo, se rescinda o julgado por violação da que teria tido o efeito nulificante se a segunda regra jurídica não
existisse.
Se a nulidade não se sanou, a sentença é nula. Então, na ação rescisória pode o juiz ou tribunal decretar-lhe a nulidade,
porque é o ensejo que se lhe oferece, segundo os princípios, e a ação rescisória supóe que válida seja a sentença.
Rescindir não é decretar nulidade, nem anular.
Alguns acórdãos têm insinuado que não há decisões interlocutórias com força de coisa julgada formal (e. g., Tribunal
de Apelação do Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1941, A. J., 60, 190). Coisa julgada formal produz-se sempre que não
mais se pode recorrer, ou não se poderia, por ser irrecorrível a decisão. Onde quer que haja decisão irrecorrível, ou de
que já não caiba recurso, há pretensão a rescisão. ~~‘ O que se pode dar é que não haja interesse (art. 3~) para a
rescisão, mas essa é outra questão.
As sentenças, contra as quais só se admitem alterações para lhes corrigir, de oficio, ou a requerimento da parte,
inexatidões materiais, ou retificação de erros de cálculo, ou embargos de declaração, não são óbice à pretensão à
rescisão (Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 20 de fevereiro de 1942, R. F., 91, 163; R.
de D., 144, 281). Inclusive para se excluir o recurso, ou para se mostrar que cabia. No sentido do que dissemos na 1a
edição dos nossos Comentários ao Código de 1939, as Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Justiça de São Paulo,
a 19 de novembro de 1947 (R. F., 117, 168).

139 Não sob o atual Código. Vd. as notas 130e 131.

(d) Quanto à rescindibilidade das decisões da Justiça do Trabalho, os julgados que a negavam se apoiavam em bem
mofinos argumentos, ou em erros crassos, como o de não estar prevista a ação rescisória entre os recursos (!)
admissíveis no processo das questões de trabalho (Conselho Nacional do Trabalho, 11 de maio de 1944; cf. 24 de
junho de 1946). Invocou-se, por vezes (e. g., 11 de maio de 1944 e 27 de novembro de 1943), o princípio de não se
poder, na Justiça do Trabalho, conhecer duas vezes da mesma questão (!). Todos esses argumentos foram trazidos à
tona no despacho do Vice-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, a 31 de maio de 1948. Não mereciam
comentário. Tem-se hoje o Decreto-lei n. 229, de 27 de fevereiro de 1967.
A ação rescisória é remédio jurídico processual previsto na Constituição federal. A lei que rege todas as espécies éo
Código de Processo Civil. No mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da ia Região, a 16 de agosto (R. dei.
B., 80,203; O D., 54, 327) e a 22 de dezembro de 1948 (D. da J. de 19 de fevereiro de 1949); finalmente, a ia Turma
do Supremo Tribunal Federal, a 27 de agosto de 1951 (D. dai. de 8 de junho de 1953); sem razão, a 2a Turma,a
l3dejulhode 1951 (D. daJ. de l6demarçode 1953) e a 17 de agosto de 1951 (D. dai. de 14 de setembro de 1953). Certo,
o voto vencido do Ministro Delfim Moreira Júnior, no acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, a 26 de janeiro de
1950 (R. de J. B., 94, 78, R. F., 140, 499).
Imaginemos que haja recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal e se proponha, depois, a ação rescisória
por um dos fundamentos legais. <,Poder-se-ia postergar a regra jurídica da Constituição?
Afirmaram a existência da ação rescisória o Tribunal Regional do Trabalho da ia Região, a 15 de fevereiro de 1950 (R.
dos T., 190, 461, R. F., 130, 564), a 30 de janeiro, a 16 de abril de 1952 (D. dai, de 16 de junho e 14 de julho de 1952)
e a 23 de setembro de 1952, o Tribunal Regional do Trabalho da 2~ Região, a 1~ de outubro de 1951 (R. dos T., 215,
389), e o Tribunal Regional do Trabalho da 3~ Região, a 9 de julho de 1951(139,996).
Seria infringir-se a Constituição negar-se a ação rescisória de acórdão do Supremo Tribunal Federal em matéria de
legislação do trabalho.
Quanto ao argumento de não se prever na Consolidação das Leis do Trabalho, ao se cogitar dos recursos, ação
rescisória, é de repelir-se por sua inépcia: ação rescisória não é recurso. Também não importa se a decisão mesma é
impugnada, ou somente impugnada quanto ao julgamento de preliminar (Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de
Apelação de São Paulo, 6 de fevereiro de 1942, R. F., 90, 758).
171
(e) No acórdão de 6 de janeiro de 1943, decidiu o Supremo Tribunal Federal (R. F., 96,83) que não cabe ação
rescisória de acórdão que não toma conhecimento de recurso extraordinário.’40 Por que não? Tal decisão passa,
formalmente, em julgado;””’ fechou a porta ao exame de questão de inconstitucionalidade; na incognição é possível
ter havido violação de regra do Código de Processo Civil, do Regimento Interno que é direito e da própria
Constituição. A proposição do acórdão é insustentável.
Se o Supremo Tribunal Federal conheceu de recurso extraordinário, fez sua, na parte da matéria versada, a decisão.’42
Naturalmente, nesse ponto, não pode ser rescindida pelo tribunal de cuja decisão se interpusera o recurso, nem outro a
que caiba julgamento de ação rescisória. Porém isso, não quer dizer que a rescisão não possa ser pedida ao próprio
Supremo Tribunal Federal. Se o Supremo Tribunal Federal não conheceu do recurso, pode ser pedida a rescisão desse
julgado de não-cognição, se ocorreu algum dos pressupostos do art. 485. Não tendo conhecido do recurso, a matéria
julgada continuou na sentença e essa pode ter incorrido em algum dos casos do art. 485. Nada obsta a que se proponha
a rescisória de tal sentença: o Supremo Tribunal Federal somente faz sua a matéria da sentença de que se interpôs
recurso extraordinário quando dele conhece e o julga, dando-lhe, ou não, provimento. Sem razão, o acórdão do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 24 de junho de 1943 (D. da i. de 29 de setembro, 3879), que citou trecho
nosso que só se refere aos recursos extraordinários de que houve conhecimento.’43

(O É preciso ter-se muito cuidado em se fixar o momento em que a decisão passa, formalmente, em julgado. A
interposição de recurso somente adia esse trânsito em julgado se o recurso a) é cabível, b) foi interposto e c) foi
julgado cabível (= dele se conheceu). Se havia a), e não ocorreu b), a decisão transitou em julgado no momento em
que expirou o prazo para a interposição do recurso. Se não havia a) e houve b), tendo sido declarado não cabível, a
decisão transitou em julgado ao ser proferida ou ao se expirar o prazo para outro recurso, que pudesse ser interposto
eficazmente, ou para o recurso eficazmente interponível de prazo maior. Se havia a) e ocorreu
140É preciso distinguir entte o acórdão do STF ou do STJ que diz não ter conhecido, conhecendo,isto é, julgando o
mérito do recurso e aquele em que o não-conhecimento equivale a declararinadmissível o recurso. No primeiro caso, a
ação rescisória é cabível.141Vd.asnotas 130e 131.142Cf.oart.512.143O autor só se scfere ao recurso extraordinário e
ao STF porque escreveu sob a Const. 67 com aEmenda n0 1, de 1969, ainda não instituidos nem o STJ nem o recurso
especial aos quais.escrevendo hoje, seguramente também aludiria.

b), mas a decisão foi não-b), isto é, de não-cognição do recurso, houve infração de direito objetivo e poder-se-á propor
a rescisão de tal julgado. Enquanto não se rescinde, tem-se a sentença como trânsita em julgado no momento em que
foi publicada, ou na data em que se perfez o prazo para outro recurso cabível. Se não havia a), mas houve b) e c), o
prazo para a ação rescisória começa do trânsito em julgado da decisão que conheceu do recurso. Se se propõe a ação
rescisória por ter havido c), a despeito de não a), pode ocorrer que rescindida a sentença se haja de ter de ir contra a
sentença que transitou em julgado, por não haver a). Praticamente, a quem propõe a ação rescisória convém fazer,
desde logo, os dois pedidos, porque um depende do outro.
(g)Quando se propõe perante Tribunal de Justiça ação rescisória de sentença de que houve recurso extraordinário e a
matéria atingida pelo pedido de rescisão foi feita sua pelo Supremo Tribunal Federal, pois que conheceu do recurso
extraordinário, o que o Tribunal de Justiça deve fazer é julgar-se incompetente. Se, por erro de técnica, o acórdão do
Supremo Tribunal Federal disse que não havia violação de direito expresso, mas usou da frase “não se conhece do
recurso extraordinário”, está-se diante de questão de interpretação de sentença: ou houve erro de expressão, e o
Supremo Tribunal Federal decidiu o mérito do recurso, caso em que fez sua a decisão da inferior instância, e a ação
rescisória seria da competência do Supremo Tribunal Federal; ou em verdade só não conheceu, e então competente é o
tribunal prolator do acórdão rescindendo.’44 Certo, o acórdão da 2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, a 27 de julho
de 1943 (A. i., 68, 181; R. i. B., 61,288; R. F., 98,362). Às vezes, o Supremo Tribunal Federal encambulha a preliminar
de conhecimento do recurso extraordinário e o mérito, o que quase sempre acontece ao julgar recursos extraordinários
com fundamento no art. 119, III, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 “~ A separação é fácil, e tudo
aconselha a que os juizes do Supremo
Tribunal Federal não fundam preliminar e mérito. Se o recorrente invocou o art. 119, III, a),’46 e apontou o texto
violado, tem o Supremo Tribunal Federal de conhecer do recurso; se violação não se deu, é caso de negar-se
provimento ao recurso extraordinário. O encambulhamento tem causado

144 Vd.anotal40.
145 Idem, o STJ, julgando recurso especial interposto com fundamento na letra a do inciso III do
art.105.
l46 A norma da alínea a do inciso III do art. 119 da Const. 67 com a Emenda n’ 1, de 1969, foi
Jc~dob,ada na alínea a do inciso III dos arts. 102 e 105 da Const. 88.
graves danos ájustiça. Nunca é demais encarecer-se a correção desse grande defeito dos nossos
tribunais, federais ou locais.

Se o Supremo Tribunal Federal não deu provimento ao agravo interposto do despacho que negou seguimento ao
recurso extraordinário, desse não conheceu; portanto, não fez sua a matéria (Supremo Tribunal Federal, 5 de janeiro de
1944, A. i., 71, 32): a competência é do tribunal que proferiu a sentença. Aliter, se foi provido o agravo, porque, então,
se conheceu do recurso extraordinário, salvo se outra preliminar de não-conhecimento sobreveio e foi acolhida.
Os pressupostos processuais e, antes deles, a pretensão à tutela jurídica e a de rescisão, são preliminares na ação
rescisória. A questão “a sentença, de que se trata, é rescindível, ou não”, isto é, entra, ou não, na classe das sentenças
que têm força de coisa julgada formal, pertence à preliminar de tutela jurídica, é mesmo pré-processual. As Câmaras
Reunidas do Tribunal de Apelação, em acórdão, aliás bem falto de conhecimento de processo (8 de janeiro de 1943, D.
dai. de 4 de outubro, 3952), assertou que “nas ações rescisórias não pode haver preliminar de cabimento ou não-
cabimento da ação (?!), tal como sucede nos recursos, que podem ser ou não cabíveis, conforme sejam ou não
autorizados por lei”; “o que ocorre na ação rescisória, e pode ser objeto de consideração e julgamento preliminar, é a
verificação de ser ou não o pedido fundado em algum dos pressupostos legais para o seu exercício”. Mas logo a seguir
o acórdão julga a preliminar, de que não admitira solução: “...não procede a argúição de não serem suscetíveis de
rescisão, mediante ação rescisória, as decisões proferidas em processos administrativos. É hoje pacífica
ajurisprudência que assentou serem passíveis de rescisão, por esse meio, aquelas decisões”. O pressuposto primeiro é
exatamente existir sentença trânsita em julgado. Se não cabe ou se cabe, nessa classe, a sentença, é questão que pode e
deve ser levantada desde logo.
Enquanto pende o recurso extraordinário, entendeu o Supremo Tribunal Federal que não corre o prazo preclusivo para
o cabimento da ação rescisória interrompe-se, diz o acórdão de 29 de agosto de 1942 (A. i., 67, 141). A questão é falsa
questão: o prazo preclusivo da ação rescisória começa de correr desde que passa em julgado a sentença; se foi
interposta apelação, ou agravo, ou opostos embargos infringentes do julgado, ou recurso extraordinário, e o tribunal do
recurso decide não conhecer dele, claro está que a sentença “transitou” em julgado, e o prazo começou de correr desde
aquele momento. Sair daí é infringir princípio fundamental de direito processual, o da preclusão. Se o Supremo
Tribunal Federal conheceu do recurso e lhe deu, ou não, provimento, aí a coisa julgada formal só se estabelece de
acordo com esse julgamento, que é o último e fez sua a matéria. Não pode haver, em direito, nem nós os temos, dois
conceitos diferentes de coisa julgada formal. O que é preciso é que os membros do Supremo Tribunal Federal e dos
outros tribunais do país pesem bem as suas responsabilidades de juristas quando acolhem preliminares de não-
conhecimento do recurso extraordinário. Se não conhecem, quando deviam conhecer, embora negando provimento,
fizeram antes do que devera ser o momento da coisa julgada formal. Basta isso para se ver a relevância de tais
julgamentos.
Por exemplo: o Supremo Tribunal Federal tem de julgar recurso extraordinário que se interpôs há um ano e meio;
entendem alguns juizes que foi bem interpretada a lei pelo tribunal de que vem o processo, com recurso extraordinário
baseado no art. 119, III, d),’47 da Constituição, e outros, que não houve discordância. Se o acórdão diz que não se
conheceu, sem que os que afirmavam não haver discordância de jurisprudência fossem a maioria, o acórdão não
traduziu o que foi julgado dizendo que não cabia o recurso extraordinário. Somente porque o disse, apenas seis meses
restam ao recorrente para propor ação rescisória do julgado de que se recorrera. Admitindo-se que o julgamento do
recurso extraordinário só se realizou no segundo ano, tem-se resto de prazo, que pode consistir em meses ou dias. Ou
pode ter passado o prazo.
Todo ato de julgamento, perante a Justiça, ainda em caso de concurso para provimento de cargos (Tribunal de
Apelação de São Paulo, 28 de fevereiro de 1941, R. dos T., 144, 252), é suscetível de rescisão, se ocorre um dos
pressupostos, pelo menos, do art. 485. Se se julga e há trânsito em julgado, há rescisão.
Quando a sentença tem força formal de coisa julgada e não na tem material, também cabe a ação rescisória. A ação
rescisória nada tem, aí, com o conceito de coisa julgada material.’45
O problema da existência (ou inexistência) da validade (ou nulidade) da rescindibilidade (ou da irrescindibilidade) da
sentença trânsita em julga-

147 Hoje, o comentarista aludiria ao recurso especial para o STJ, fundado na alínea e do art.
105, III, da Const. 88.
148 Vd. as notas 130 e 131. No atua] Código, a ação rescisória tem tudo o que ver com o conceito
de coisa julgada material. Para sustentar o contrário, o autor, como adiante se verá (comentário n0 1
ao art. 485>, assevera: “o que se há de assentar como interpretação razoável é a de abstrair-se da
expressão ‘mérito’ o que está no art. 485”. Entretanto, não é possível aplicara au. 485 do CPC,
mediante interpretação que suprima do seu capu vocábulo essencial (ntérita. que lá se encontra). Isso
desmantelaria o sistema da lei. Se a norma jurídica. restringindo a rescisória às sentenças de merito,
não atende todos os casos em que é necessário rescindir, o problema não se resolve mediante a
interpretação mutiladora. O defeito está na ordem jurídica, que deve ser aperfeiçoada. Entrementes,
buscar-se-á no sistema da lei a melhor solução que ela possa oferecer.

do é da mais alta importância para o estudo introdutório da ação rescisória. Somente após a obtenção de noções claras
e precisas a respeito, é que se podem interpretar, à satisfação, os arts. 485 e 741, 1, do Código.
O momento em que ocorre a perfeição da relação jurídica processual é determinado pelo direito positivo (cf. art. 262).
A priori, constitui-se ela, se do tipo “autor-Estado”, quando o juiz defere o pedido do primeiro ato processual
(chamado “despacho da petição”), ou, se do tipo “autor-Estado, Estado-réu”, quando se manda citar o réu
(angularidade). A concepção da formação no momento da comparência das partes foi reminiscência romanistíca. A
adoção do despacho da petição como sendo o inicio da relação teria o inconveniente de desprezar o impulso para a
angularidade. No sistema do Código, é o Estado que marca a constituição da relação: pelo despacho, se não há outra
parte, ou se há de começar inaudita altera parte; pelo seu impulso para a citação, se tem de angularizar-se (autor-
Estado, Estado-réu) a relação. É por isso que, ordenada a citação e não feita, a angularidade da relação jurídica
processual se constitui, embora ineficaz; tanto que se completa, com a comparência, a eficácia (art. 214, § 1”), e na
execução o executado pode embargar a execução da sentença, pela falta, ou nulidade da citação (art. 741, 1). A
citação é necessária, seja de cognição, ou executivo o processo, sob pena de invalidade (art. 214), e não sob pena de
inexistência. Lendo-se de tal maneira, são acordes os arts. 214 e § 1~, e 741, 1. A angularidade e a própria citação
provêm de evolução relativamente recente do Estado, em atenção aos interesses do individuo, às vantagens da defesa e
à eficiência social do princípio do processo “acusatório”. Alguns processualistas sugeriram fosse a inscrição ou
distribuição dos processos o momento da formação, porém tomam eles a providência registrária, extraprocessual,
administrativa, como cognição da causa, o que orça pela mais primária das confusões entre ramos do direito público.
Um deles afirmou que é no momento da inscrição (!) que nasce o dever judicial do estatuir sobre a causa. Nem
histórica nem sistematicamente seria de acolher-se esse critério obtuso de seleção do momento inicial. A relação
jurídica processual começa com a iniciativa da parte (art. 262). Depois se angulariza, se é o caso.
As dificuldades de construção da relação jurídica processual, nos sistemas que exigem a citação (*Coeptum esse
iudicium a citatione), se não houve citação e o réu comparece, não são dificuldades de hoje. A solução de, se ojuiz
prossegue e o réu não comparece, ser a relação tida como relação nula, em vez de inexistente, tem a vantagem de
simplificar a explicação, de evitar a alusão à “ratificação”, se o réu comparece: então, a noção de “sanaçao~~ basta.
Tudo se reduz a tratarem-se no mesmo plano a não-citação
e a citação nula, no tocante à constituição da relação jurídica processual, se o juiz, em nome do Estado, a deu como
existente, e a conceberem-se osembargos do devedor como ação mandamental negativa e a actio nuílitatis como a
ação própria contra os processos nulos ipso iure.
A actio veio após se superar o romanismo do nuílus = non existens, quando se pensou em nulidade, defeito, eiva,
vício.
Aqui, fere-se o ponto mais delicado: a ação de nulidade supõe que a relação exista, posto que nula; a ação rescisória,
que exista e valha, porém esteja sujeita à impugnação rescindente.
Se a sentença é nula ipso iure, é sentença, porém não vale.
Assaz diferente é a situação, e. g., quando a sentença só infringe a coisa julgada de outra sentença, porque, então, a
relação jurídica processual existe e precisa ser “rescindida” a sentença, isto é, partida, desconstituída em toda a sua
extensão e intensidade. Se não for iniciada nos dois anos, não mais poderá ser proposta a ação rescisória, e, pois, estará
sem remédio o bis in idem, resolvendo-se o problema segundo os princípios que estudamos noutro lugar deste livro.
Nos casos do art. 485, 1, II e V, não há ataque àrelação, só à sentença, salvo quanto ao art. 485, V, se a eiva está na
petição mesma ou na citação ou em elemento processual que importe para a sentença.
(h) No julgamento das ações rescisórias, a leitura de livros e decisões correspondentes ao direito anterior ao Código de
Processo Civil levou os juizes a erros graves. A fortiori, com o Código de 1973.
a) A alusão ajurisdição contenciosa e ajurisdição voluntária nenhuma pertinência tem, hoje, no trato das questões
sobre sentenças rescindíveis. A imperdoável cincada vem do Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, art. 108,
IV, e do extinto Código de Processo de São Paulo, que, no art. 359, lançara a regra jurídica, de jure condendo
reprovável: “A ação rescisória só é admissível quando a sentença for definitiva e proferida em feito contencioso”. O
Código de 1939 de modo nenhum permitiu que se lhe insinuasse tal enunciado.

b) Tampouco há margem, no direito vigente, para se dizer que as sentenças rescindíveis não passam em julgado antes
de expirado o prazo preclusivo. Primeiramente, a ação rescisória é ação para re-scindir; portanto, para cortar o que não
seria, por oUtro modo, afastável. Somente a respeito de sentenças de que não cabia ou de que já não caiba recurso é
que se pode pensar em rescisão de sentença. E isso é a definição mesma de coisa julgada formal.
Nas Ordenações Manuelinas e nas Filipinas, conforme vimos, havia a referência a não passarem em julgado as
sentenças rescindíveis. No revogado Código de Processo do Distrito Federal, art. 136, V, fora dito que são destituídas
da autoridade de coisa julgada as sentenças nulas. Ou tal regra só se referia às sentenças “nulas”, e não às sentenças
dependentes de rescisão, ou se tratava de reminiscência inoperante dos enxertos reinícolas. Em geral, a tendência das
novas leis é para não entrarem em tais particularidades. Quando a sentença somente pela ação rescisória pode ser
desconstituída, a matéria da nulidade não pode ser oposta em exceções. No processo hodiemo, em simples via
exceptionis não se desconstituem sentenças válidas. Seria imperdoável romanismo, contrário aos princípios atuais de
organização judicial e de processo. Portanto, a expressão “nulas” do Código de Processo do Distrito Federal devia ser
lida como “rescindíveis”.
O Reg. n0 737, de 25 de novembro de 1850, que foi lei até os Códigos locais, art. 681, § 4, dizia poder ser anulada a
sentença, por meio de ação rescisória, não sendo proferida em grau de revista. Imitou-o o Código de Processo da
Bahia, art. 1.362, inciso 30 Não ocorria o mesmo no Distrito Federal. A decisão já revistada, ou a que a revistou pode
ser rescindida. Éimperdoável que ainda hoje se discuta a matéria.

5. Rescindibilidade e ineficácia Outro assunto que merece exame é a diferença entre rescindibilidade e ineficácia. A
eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível. A impugnação em ação rescisória, aliter
em querela de nulidade, nada tem com os limites subjetivos ou objetivos da eficácia da sentença. A legitimação para as
que dizem respeito à extensão da força ou do efeito da sentença é outra que a legitimação para propor ação rescisória.
Adiante, art. 487.
Isso não quer dizer que as duas legitimações não possam coexistir.

6.Ação e recurso; ação rescisória de sentença e ação de revisão criminal (a) O que caracteriza o recurso é ser
impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual da resolução judicial que se impugna. A ação rescisória e a
revisão criminal não são recursos; são ações contra sentenças: portanto, remédios jurídicos processuais com que se
instaura outra relação jurídica processual. A impugnativa, em vez de ser dentro, como a reclamação do soldado contra
o seu cabo, é por fora, como o ataque da outra unidade àquela de que faz parte o cabo. O soldado foi pedir a atuação
alienígena. É erro dizer-se que ação rescisória ou revisão criminal é recurso, como falar-se de reabertura extraordinária
da lide trancada, pela força do caso julgado. A ação rescisória vai, exatamente, contra a força formal da coisa julgada:
quebrada essa muralha de eficácia formal, lá está o processo, a relação jurídica processual, que a preclusão fechara e
fizera cessar; exsurge, não se reibre; o juízo rescisório não é reinstalação, mas volta à vida, ressurreição. Não se
reconstrói a casa, que se fechara; abre-se a porta (= destrói-se a sentença) e re-ocupa-se a casa. Nesses assuntos, de
ciência difícil, como a processualistica, todo cuidado é pouco se lançamos mão de imagens. A cessação da relação
jurídica foi ex nunc; não desaparecera. Resultara da sentença. Destruída, rescindida, a sentença, a relação jurídica
processual, que lá estava até o momento c), quando cessara (com força formal de coisa julgada), continua o tempo
perdido, pois que se eliminou a causa da cessação: a sentença e a sua força formal de coisa julgada. Às vezes, a
rescisão é de resolução concernente à formação da relação jurídica processual, mas, aí, é pelo objeto da impugnação
que se desce até lá.
A sentença não é rescindível somente por defeito oriundo da própria sentença, mas por algum defeito de ato processual
anterior, inclusive a citação. O corte, a cisão, vai mais longe no pretérito processual, pode alcançar diferente momento
na duração da relação jurídica processual. E possível que apanhe desde todo o começo, nada deixando de todo o
procedimento.

(b) Dentro e não por fora da relação jurídica processual, o julgador do recurso encontra resolução judicial, talvez
sentença definitiva, porém não coisa julgada formal.
Historicamente, quando se estudam as impugnativas (as ações e as impugnativas-recursos), verifica-se que houve
ações que passaram a ser recursos (e. g., só se permitiam as impugnativas se ainda pendente a lide) e recursos que
volveram ou se tornaram ações de impugnação de sentenças, isto é, se fizeram impugnativas utilizáveis depois e a
despeito da coisa julgada formal. Outra classe é a das ações contra resoluções (de regra, mandamentais) que abstraem
da preclusão ou força formal de coisa julgada, como os embargos de terceiro, oponíveis na ação de execução de
sentença.
A Corte de Apelação do Distrito Federal, a 15 de agosto de 1933 (A. J., 30, 240), enunciou que o terceiro prejudicado,
que tem o direito de apelar ou de opor embargos de terceiro, tem qualidade para propor ação rescisória. O princípio,
em sua generalidade, era e é falso. A legitimação para ação constitutiva negativa, que é a ação rescisória, é diferente
da legitimação para se opor, como terceiro, em ação mandamental contra a eficácia da sentença. É preciso que o
terceiro tenha interesse jurídico, isto é, que seja “juridicamente interessado” (art. 487, II).

7. Legitimação ativa e legitimação passiva O problema da legitimação ativa e o da legitimação passiva têm de ser
examinados quanto ao exercício do remédio e quanto à ação. Cumpre não se confundirem as duas séries de
pressupostos subjetivos da ação rescisória.
Todos os que podem ir a juízo, em geral, podem lá ir para usar do remédio jurídico processual da “ação rescisória” de
sentença passada em julgado. Têm “ação” aqueles que têm sentença a rescindir, nos casos apontados pelo direito
objetivo. No iudicium rescindens, decidir-se-á se procedente, ou não, a ação intentada.
O que entre a sentença a rescindir e a propositura perdeu a personalidade, ou a capacidade de direito, não pode ser
chamado ajuizo, com direito à prestação jurisdicional.
Os que ao tempo da sentença a rescindir não tinham personalidade ou capacidade de direito e a têm ao tempo da
propositura, têm e podem exercer o direito público subjetivo e alegar aquela nulidade ou outros pressupostos objetivos
da rescisão. Exemplo: a sentença que foi proferida contra a sociedade ainda sem capacidade.
Ao que foi parte, ou pessoa equiparada aparte, em sentença que passou em julgado e subsumivel nas que se têm como
rescindíveis, cabe a “ação” rescisória.
Se é certo que o direito público subjetivo a usar do remédio rescindente não oferece dificuldades, não sucede o mesmo
em relação à legitimação ativa e à legitimação passiva para a ação.
As leis fixam os pressupostos objetivos da ação rescisória. Não costumam dizer quais os sujeitos da ação.
Em primeira plana, são o autor e sucessores, o réu e sucessores, o reconvinte e os sucessores, o reconvindo e os
sucessores. É útil separar a ação e a reconvenção, porque há sentenças que julgam as duas e o pedido rescindente não
vai, necessariamente, às duas partes, separáveis, da sentença, nem a decisão do iudicium rescindens precisa manter a
continência.
Cumpre notar que a ação pode ser intentada pelo que já não tem o direito que lhe reconheceram, em parte, na sentença,
e contra o que já não tem o que a sentença rescindenda negara ao proponente, a favor do vencedor. Exemplo: o que só
em parte ganhou cede tal parte, e vem ajuizo pleitear a rescisão da sentença contra o que já alienou a casa, objeto da
reivindicação.
Partes da sentença rescindenda e, pois, da ação rescisória não são só os que litigaram, mas também os herdeiros, os
outros sucessores, os credores, os fiadores e todos os que ficam sub-rogados nos direitos de outrem àrescisão. E. g., o
sócio de firma falida é parte legitima para pedir a rescisão da sentença decretativa de falência (Corte de Apelação do
Distrito Federal, 14 de outubro de 1925). Não é nulo o processo da ação rescisória, cumulada com a rei vindicatória, se
deixaram de ser citados para ela os possuidores do imóvel reivindicando; o que é preciso é que as partes tenham sido
citadas (Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de abril de 1924). Não teria eficácia contra eles a sentença. Os
possuidores podem contestar a ação como interessados. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, que só se referiu à
parte, foi mal redigido (8 de janeiro de 1916). Sem razão, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 10 de fevereiro de
1914 e a 21 de novembro de 1928.
A propósito de ação rescisória, convém ter-se sempre presente que, se alguém, que teria de ser citado, não no foi, a
sentença rescindente somente tem eficácia contra os citados, continuando de correr o prazo preclusivo contra o autor
ou contra os autores a favor daquele que não foi citado.
Também podem intentá-la e intervir ao lado do réu os terceiros, com interesse jurídico no resultado. Dissemos
interesse jurídico. É a tal interesse que se referiam as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 81, pr., onde se diz “posto
que a sentença não aproveita, nem empece mais que as pessoas, entre que é dada, poderá, porém, dela apelar não
somente cada um dos litigantes que se dela agravado, mas ainda, qualquer outro a que ofeito possa tocar e lhe da
sentença possa vir algum prejuízo”. No Reg. n0 737, de 25 de novembro de 1850, art. 738, tem o mesmo sentido a
referência a terceiros “prejudicados”.
Dissemos “interesse jurídico” e assim fizemos desde os nossos Comentários ao Código de Processo Civil de 1939 e,
antes mesmo, nas edições do Tratado da Ação Rescisória. Acertadamente, na trilha do que escrevemos, foi posto no
Código de 1973 o art. 487, II.
O interesse jurídico do terceiro é (a) na sentença rescindenda e, pois, na rescisória, ou (b) só na rescisória. Por isso
não se precisa ter sido parte naquela. A ação rescisória é suscetível de continência própria, como quaisquer outras
ações. A fórmula que veio em Jorge Americano (Da Ação Rescisória, 2a ed., 112), segundo a qual “é parte legítima na
ação rescisória aquele para quem ou contra quem a sentença rescindenda faz coisajulgada” não estava certa e
contradizia o que escrevera antes. A coisa julgada só opera inter partes, mas exi ste perante todos. ~Que é que
significa “Para quem ou contra quem a sentença rescindenda faz coisa julgada”? Naturalmente, só as partes. ~,E os
terceiros com direito de apelar, de opor embargos ou de usar de recurso extraordinário? Trata-se da confusão entre
coisa julgada, conceito dependente da relação jurídica processual de que resultou a prestação e invasão da esfera
jurídica de outro.
Não são rescindíveis somente as sentenças que fazem coisa julgada material,’49 razão maior para se ter de repelir a
assimilação da legitimação
ativa ao fato de ser a pessoa atingida pelo efeito de coisa julgada material. Exatamente a coisa julgada material é só
entre partes.
O Ministério Público, sempre que foi autor da ação cuja rescisão se pede e sempre que a lei lhe confere agravar, ou
apelar, embargar, ou interpor o recurso extraordinário, ou reclamar, pode propor a ação rescisória. Temos, adiante, de
cogitar do problema que advém do art. 487, III, sobre a legitimação ativa do Ministério Público.
Finalmente: só o interesse de agir justifica que se proponha a ação rescisória. A falta dele pré-exclui propositura.
Assim, ocorrendo que, sendo provido o pedido, não possa aproveitar, juridic amente, ao que a propôs, deve considerar-
se sem pretensão à rescisão o autor. (Cf. Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 29 de outubro de
1900 e 5 de agosto de 1901: Câmaras Civeis Reunidas, 2 de junho de 1902, 10 de dezembro de
1903 e 16 de outubro de 1913.)
O interesse de agir é pré-processual. O principio que se formula no art. 30 do Código de Processo Civil é o princípio
da necessidade ou interesse da tutela jurídica. Não se trata de regra jurídica de direito formal, mas sim de regra de
direito material da justiça, devendo-se repelir a opinião de James Goldschmidt (Der Prozess als Rechtslage, 395;
Zivilprozessrecht, § 12, n0 4, c), que o punha no direito privado e a de Leo Rosenberg (Lehrbuch, ~a ed., 367), que o
considera pressuposto da sentença de fundo, isto é, mérito da ação. A decisão sobre a falta de necessidade da tutela
jurídica supóe que o demandante possa alcançar a finalidade sem pedido à justiça, ou que a justiça nada possa fazer. O
pressuposto é de ordem pré-processual (Tratado de Direito Privado, V, § 625; também, Tomos 1, XXIX e XXX, 58,
152 s., 211 s.).
Nas suas origens, a restituição contra o julgado estava ligada à lesão que a parte sofreu, e muito se discutiu, depois,
sobre o assunto, nos séculos XVI até XVIII. No século XIX, alargou-se um pouco o conceito de lesão, substituindo-se-
lhe o de interesse na rescisão, evidentemente mais próprio, por se tratar, indiscutivelmente, de ação autônoma.
Desde até onde podemos remontar, no direito português, portanto, até o século XIII, a rescisão dos julgados constitui
espécie inconfundível com a rescisão dos atos jurídicos de direito privado. Nos tempos em que a presença em juízo
não tinha, por bem dizer, outra significação a não ser a que tem, nos nossos dias, a presença perante os tabeliães, as
actiones rescissoriae e as restitutiones concerniam, indistintamente, a todos os atos jurídicos, em juízo ou fora dele.
i,Os que desistiram por acordo, homologado por sentença, podem pedir-lhe a rescisão? (1) A solução da jurisprudência
era negativa, já desdeo século passado (Relação de Ouro Preto, 10 de março de 1874; no mesmo sentido, M. 1.
Carvalho de Mendonça, Da Ação Rescisória, 19). (2) Outra opinião distingue o acordo, consequência direta da
nulidade ou ilegalidade da sentença, e o que provém do fato estranho à nulidade ou ilegalidade verificada. Não é essa a
distinção a fazer-se. No acordo homologado pelo juiz, há dois atos: a) um, regido pelo Código Civil, por ser ato
jurídico de direito privado, e a ele se refere explicitamente regra jurídica de direito material, que diz “a transação
produz entre as partes o efeito de coisa julgada, e só se rescinde por dolo, violência, ou erro essencial quanto à pessoa
ou coisa controversa”; b) o ato jurídico processual, inconfundível com aquele. Esse é perfeitamente rescindível, como
todas as sentenças, se há algum dos pressupostos objetivos, previstos no direito processual, para a rescisão.
O ter deixado o processo correr à revelia não tira ao réu a ação rescisória. De regra, enquanto não precluíram todos os
prazos, recebe-o ele no estado em que se acha. Depois, com a preclusão completa e o trânsito em julgado, o princípio
há de ser o mesmo (Código de Processo Civil francês, art. 480); cabe-lhe, pois, a ação rescisória, exercível nos dois
anos.
Os ausentes, contra quem, em virtude dos editais publicados, se operou a coisa julgada, foram partes na ação principal;
pois a atividade do Ministério Público, em tais casos, não exclui às partes a sua qualidade. Se se propõe ação rescisória
da sentença, tais ausentes têm de ser novamente citados porque ação rescisória não é recurso, mas outra ação. Cumpre
ainda observar-se que os ausentes, no momento da propositura da ação rescisória, podem não ser mais os mesmos, e
sim sucessores deles, e os editais têm a consequência de chamá-los.
Se houve revéis na ação em que se proferiu a sentença rescindenda, têm de ser citados na ação rescisória.
Se de alguém era preciso o assentimento para alguma das partes litigar e a situação perdura, tal assentimento é de
exigir-se no processo da ação rescisória. Assim, se assentira a mulher casada, de novo há de assentir ou ser citada, com
o marido, na ação rescisória. Passa-se o mesmo com o marido que para a ação precisava do assentimento da mulher.
O Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 18 de maio de 1939,estabeleceu: “Entende Pontes de Miranda que
podem usar da ação rescisória, não somente os que foram parte na primeira ação, mas os herdeiros sucessores, sub-
rogados nos direitos e os terceiros com interesse jurídico no resultado. Clóvis Beviláqua é de opinião que o terceiro
que não interveio no processo pode propor a rescisória, mas é essencial que prove o
prejuízo que teve com a sentença que pretende rescindir. Outros, mais radicais, como R. Pothier e F. Laurent,
entendem que somente podem usar dessa ação aqueles que foram parte na primitiva ação... Garsonnet, examinando a
espécie, chega à seguinte conclusão podem propor a rescisória:
a) todos os que pessoalmente figuraram na causa, cuja sentença se pretende rescindir, embora no momento da
propositura da ação hajam perdido a qualidade em virtude da qual tomaram parte na causa de que se originara a
sentença rescindenda; b) todos os que, representados na primeira causa, nela foram partes, por meio de seus
mandatários. Assim, não considera parte legitima na rescisória: a) os que se dizem lesados por sentenças proferidas em
processo em que não figuraram; b) os que, embora figurassem, invocam para a rescisória qualidade diferente daquela
pela qual tomaram parte na ação cuja sentença se deseja rescindir. Esse, ainda, o pensamento de Bartjean, na
Encyclopédie Civil Belge. Mas, no direito prático, há prevalecido o sentir de Pontes de Miranda, sem que a doutrina
seja levada ao exagero de permitir que o terceiro use dessa ação, sem a prova de legitimo e irrecusável interesse
econômico ou moral, ligado à causa ou aos efeitos da decisão rescindenda”. (No mesmo sentido, as Câmaras Cíveis
Reunidas do Tribunal de Apelação de Pernambuco, a 25 de fevereiro de 1946, A. F., 20, 369.)
8.Competência do juízo rescindente Não há principio a priori que subordine a ação rescisória à competência do juiz
superior, nem à competência do mesmo juiz. O princípio, se o queremos extrair, é o da par maiorve potestas (do juízo
igual ou superior). A atribuição ao juiz superior não torna “recurso” o remédio da rescisão, como ao tempo da
distinção (estranha às nossas fontes) entre a querela nuílitatis e a actio nuílitatis. O que há de querela de nulidade
contra a sentença ou entrou na apelação, ou nos embargos de nulidade e infringentes do julgado, ou no agravo de
instrumento, ou no recurso extraordinário. Adiante, sob os arts. 49 1-495.

9.“ludicium rescindens”, “judicium rescissorium” A ação rescisória do sistema luso-brasileiro mantém o iudicium
rescindens, talvez exauriente, e o iudicium rescissorium, se é de abrir-se sem quebra dos princípios fundamentais do
processo. Se a sentença é atingida (uma vez que houve sentença), e se pediu o rejulgamento “non solum super
nuílitate, verum etiam super iustitia vel iniustitia ipsius sententiae pronunciare potest eo modo quo iudex primus
pronunciare debebat”. Não assim, se se atingiu algo antes da sentença, ou se alguma sentença não houve.
A restitutio in integrum era ação executiva; a ação rescisória, no sistema jurídico brasileiro, é ação constitutiva
negativa: a restituição resulta de eficácia imediata se houve execução por força da sentença rescindenda ou de eficácia
mediata de tal sentença.

A evolução operou-se através da restitutio fundada na L.33, D., de re iudicata et de effecru sententiarum et de
interlocutionibus, 42, 1, com que o direito comum atacou as sentenças por falsa prova, ou por se terem encontrado
novas provas. No intervalo, há a distinção quanto a menor e maior.
A restitutio in integrum continuou com o duplo juízo, o rescindente e o rescisório, tal como fora no direito romano
(Steinberger, Restitution, J. Weiske, Rechtslexikon, IX, 291 e 308; G. Chr. Burchardi, Die Lehre von der
Wiedereinsetzung in den vorigen Stand, 490 s.), posto que muitos negassem a distinção (Gerh. Noodt, J. O.
Westenberg, Dompierre de Jonquiêres, J. A. Sinner). Havia a praetoria cognitio, a que corresponde a lide sobre a
restituição, e a restituição mesma (eficácia executiva), mas foram os modernos que distinguiram as duas fases, o
iudicium rescindens, e o iudicium rescissorium (cf. M. Voigt, Uber die condictiones und uber causa und titulus, 777;
5. G. Zimmern, De ludicio, quod vocant rescindente ac rescissorio, disputatio, 315). Em verdade, não se precisa
restituir a coisa se coisa não se entregou, o que H. de Cocceius e 5. L. B. de Cocceius viram. No direito
contemporâneo, o de que se abstrai é do intervalo entre o juízo rescindente e o rescisório, ainda se necessariamente
separados na espécie (cf. Chr. Fr. von Gluck, Dissertatio de vita petendae restitutionis in integrum praetoriae,
Opuscula iuridica, II, 401, e 474). A petição, hoje como outrora, podia conter os dois pedidos.
Seja como for, no direito brasileiro de modo nenhum se pode prescindir da distinção que, no parecer de B. de Cramer,
pertencia “ad inanem theoriam”. A discussão sobre ser um só ou duplo ojuízo, no direito hodierno, é sem pertinência:
não há solução apriori; a rescisão do julgado pode bastar; se não basta, tem-se de ter provocado ou de provocar outro
juízo.
Se a rescisão apanha o processo (não só a sentença) e do rescindido dependeu a sentença, todo o rescindido se há de
completar, ou, tratando-se de defeito inicial, não há mais processo, ou relação jurídica processual, reservato iure apte
agendi. Daí baixar o feito se não foi atingido todo o processo, para que, recomposto o rescindido, o juiz dê a sentença
e haja os recursos. O juiz, ou o tribunal, se só se atingiu o processo em superior instância, inclusive a do recurso
extraordinário. Aqui, convém retificar a regra (falsa) de que a ação rescisória devolvit negotium ad cognitionem iudicis
superioris ad instar appellationis. Isso só seria possível quanto às querelas recursais de nulidade, posto que, ainda
quanto à querela nuílitatis, não fosse de admitir-se (a respeito, Piero Calamandrei, La Cassazione Civile, 1, 177, s.).

10.Extraordinariedade do remédio A ação rescisória é remédio jurídico extraordinário, razão por que, se a sentença
não existe, ou é nula,cabe ao juiz declarar-lhe a inexistência, ou a nulidade, em vez de rescindi-la. Qui enim communi
auxilio et mero iure munitus est, ei non debet tribui extraordinarium remedium (Ulpiano, L. 16, pr., D., de minoribus
viginti quin que annis, 4, 4). Se por outro remédio jurídico se pode obter o mesmo resultado, não se há de exercer a
pretensão rescisória, que é contra julgado (K. A. Schneider, Die allgemein subsidiãrem Klagen, 224 s.; G. Chr.
Burchardi, Die Lehre von der Wiedereinsetzung in den vorigen Stand, 99; pela eletividade, W. Francke, Beitrãge, 67;
Steinberger, Restitution, em J. Weiske, Rechtslexikon, IX, 301).

11. Ação, e não exceção A rescisão da sentença não se pode pedir per modum exceptionis, à diferença da integri
restitutio romana, que era pleiteável, em exceção, ou incidente. Johann Voet (Commentarius ad Pandectas, 1, 178),
criticou, injustamente, a Paulo (Sententiae, 1, 7, § 1:“Integri restitutio est redintegrandae rei vel causae actio”) só ter
pensado na actio, e não na actio e na exceptio; mas a palavra compreendia os dois conceitos, como está na L. 1, D., de
exceptionibus praescriptionibus et praeiudiciis, 44, 1 (cf. A. Schulting, Jurisprudentia vetus anteiustinianea, 233). No
sistema jurídico brasileiro, só há a ação, não a exceção de rescisão. Nem a ação incidental rescisória. Que a restitutio
podia ser em exceção está claro em Ulpiano (L. 9, § 3, D., quod metas causa gestum erit, 4, 2). A propositura
incidental era afirmada nos escritores, porém sem texto que pudesse ser invocado fora do caso especial do menor.
Proposta a ação rescisória, pode o réu vir com a reconvenção.
Se foi pedido julgamento em iudicium rescissorium, depende do alcance da rescisão se ainda cabe exceção ou
reconvenção. Se o réu no rescisório opôs exceção e o alcance da eficácia da sentença rescindente foi além, no
pretérito, do momento em que se podia apresentar exceção, a oponibilidade restabelece-se. Se a rescisão não apanhou
o momento em que a exceção podia ser oposta, não pode o juiz ou tribunal do juízo rescisório dela conhecer.
Os pontos que acima referimos são de máxima relevância, porque se tem de saber como e até onde a sentença
rescindente apanhou a sentença rescindida. Pode ser que tenha atingido parte, ou o todo; mais: que haja afastado
qualquer cabimento da ação que foi invocada na sentença rescindida. Então, só há rescisono.

12. Interesse E preciso, para se propor a ação rescisória, que haja interesse (Código de Processo Civil, art. 30) No
direito comum, exigia-se ter havido dano (J. U. de Cramer, Wetzlarische Nebenstunden, 116), sofrido sem culpa do
autor, abstraindo-se das regras jurídicas especiais sobre menores. De modo nenhum se pode entrar, hoje, em tal
apreciação.
Não há ação rescisória, de ofício. As discussões em tomo de casos em que o juiz poderia, excepcionalmente, restituir
ao estado anterior, de oficio, são, hoje, sem qualquer pertinência.
Aliás, seria contra os princípios que o juiz pudesse atacar o que transitou em julgado, ou pudesse desatender à res
iudicata, na suposição de haver rescindibilidade.
Na ação rescisória, pode ser que o julgador encontre invalidade de algum ato, ou mesmo inexistência, mas tais
fundamentos não são fundamentos para declaração de inexistência, ou decretação de invalidade, porém seria para a
rescisão da sentença. Daí a diferença, que é profunda, entre a sentença que declara inexistência e a que decreta a
invalidade. O juízo rescindente vive o que se passou e corta a sentença, cinde-a, indo até onde deve ir.
13. Considerações prévias sobre a ação rescisória A incidência das regras jurídicas dá-se fatalmente, sem qualquer ato
do homem. No mundo do pensamento, foi concebido o direito para ser regula para a vida e para as relação inter-
humanas. Daí a perfeição que se atribui ao incidir das regras jurídicas. A aplicação falha: ou falha porque se ignoram
fatos ou se perceberam mal ou se apreciaram mal as provas, ou porque se ignora a lex, ou se percebe mal, ou se
interpreta mal.
A finalidade da justiça é a de fazer o mais possível coincidentes a incidência e a aplicação. Os erros surgem, ao longo
dos caminhos. O homem, que veio da assembléia e pela assembléia foi feito, confia no reexame e na discussão. Daí os
recursos. Mas ~que se há de fazer, se não há mais recursos?
Surgem, então, os remédios jurídicos heróicos, os remédios jurídicos contra a coisa julgada formal. Nada mais se devia
dizer, nem alegar. Mas a técnica legislativa admitiu, em casos excepcionais, que ainda alegassem os interessados e
ainda a Justiça falasse. Ou se entende, em tais espécies dignas de sanção especial, que a decisão é nula, ou que é
anulável, ou que é rescindível, ou revisível; ou que é revogável, o que pre-exclui, como se se preferiu a sanção de
nulidade, a coisa julgada. Note-se a diferença das soluções técnicas: ou não se admite a própria eficácia de coisa
julgada formal, ou se reconhece que tal eficácia se produz, mas, a despeito dela, se anui em que se ataque a decisão.
Sem partir de conceitos claros como esses (nulidade, revogação; anulação, rescisão), cada um inconfundível, em
ciência, com os outros, arrisca-se o jurista a encambulhar assuntos e a tecer raciocínios viciados. Infelizmente, a
matéria da ação rescisória tem sido vítima de tratamentos assistemáticos. ~,Não se viu a M. 1. Carvalho de Mendonça
falar de combater-se com ela a “nulidade” da sentença? ~,A Jorge Americano, de decretação de nulidade ou
ilegalidade da sentença? j,A Luis Eulálio de Bueno Vidigal, de ação pela qual se pede a “declaração” de nulidade da
sentença? No sistema jurídico brasileiro, declara-se a inexistência, declara-se a ineficácia; desconstitui-se o ato
jurídico nulo, o ato jurídico anulável, o ato jurídico revogável (desconstituição com a simples vox “revocatio”), o ato
jurídico rescindível ou o ato jurídico revisível (desconstituição do irrevogável, na espécie do trânsito em julgado, e
válido, pela rescisão, isto é, corte da decisão e da relação jurídica processual até onde se deu o vício). Cisão até lá (re-
scisio). Se se mesclam os dois conceitos, o de nulidade, que supõe invalidade e, de regra, ineficácia, e o de rescisão,
que nada tem com nulidade, anulação e ineficácia, não se pode dar à ação rescisória o tratamento científico, que é de
mister. A rescindibilidade concerne a sentença que vale e é eficaz; se, além de se comporem os pressupostos da
pretensão à rescisão e da ação rescisória, os da nulidade ou da ineficácia se apresentaram, tem o juiz diante de si
situação semelhante à que se lhe oferece a cada momento: além da rescindibilidade (e. g., por vícios redibitórios da
coisa>, a nulidade ou a ineficácia do negócio jurídico (e. g., o comprador ou o vendedor foi menor de dezesseis anos
ou o outro condômino não tomou parte nas declarações de vontade). Quando Luís Eulálio de Bueno Vidigal (Da Ação
Rescisória dos Julgados, 16) disse que a ação rescisória é a ação pela qual se pede a “declaração” da nulidade da
sentença, e considerou desconstitutiva a sentença, caiu em contradição.

A ação contra julgado, que sucede ao vindex do tempo das legis actiones, era, no direito romano, declaratório, porque
o nuílum era inexistente, e não o existente eivado de invalidade, como é hoje. Tratava-se de erro res in procedendo. A
via recursal era a única para o errores in iudicando.ação rescisória do direito luso-brasileiro e do brasileiro é
constitutiva negativa, superadas as próprias consequências que se quiseram tirar do conceito romano de sentenças
“nenhumas” (e. g., imprescritibilidade ou impreclusibilidade sustentada por Francisco de Caídas Pereira e Jorge de
Cabedo). A tese, vencedora e assente, da preclusibilidade (Antônio da Gama, Álvaro Valasco, Gabriel Pereira de
Castro, Manuel Gonçalves da Silva), necessariamente afastou que a sentença rescindível fosse nula, uma vez que
havia a preclusão, sem caráter de sanação. Foi isso o que se reafirmou com o Código Civil de 1916, art. 178, § 10,
VIII, e o conceito de “ação rescisória” acabou por ser conceito jurídico constitucional.
O que só é rescindível existe e vale.
Do que acima se disse se há de concluir: a) que, no sistema jurídico brasileiro, a ação vai contra a coisa julgada
formal’50 (é para se rescindir, não para se decretar nulidade, ou anulação, nem para se revogar); b) que o conceito é
indeformável pela legislação ordinária, pois que se inseriu na Constituição.
A propósito de sentenças inexistentes, nulas e rescindíveis a confusão é tão grande em certos escritores que às vezes a
atribuem a quem deliberadamente a evitou sempre. Por exemplo: Luis Eulálio de Bueno Vidigal (Da Ação Rescisória
dos Julgados, 32) enumerou casos de inexistência, dizendo que os apontamos. De modo nenhum. Basta ler-se o que
escrevemos à p. 72 s. da ia e p. 82 da 2~ ed. da Ação Rescisória das Sentenças (que ele, aliás, cita), distinguindo,
precisamente, sentenças inexistentes e sentenças nulas:
inexistentes são as sentenças proferidas pela pessoa que não é juiz, ou que não foi escrita, nem publicada. Depois
indicamos sentenças nulas. É estranho que o autor nos haja atribuído o que não dissemos. Nunca e em lugar nenhum
escrevemos que a sentença cognoscitiva, lógica, ou moralmente impossível fosse inexistente. Reputamo-la nula, na 1a
e na 2a ed., devido àineficácia. Isso antes do trânsito formal em julgado. Nos Comentários ao Código de 1939,11, ia
ed., 456 e 484 s., reputamo-la ineficaz e discorremos sobre o tema “Se há sentenças nulas ipso iure”. Já uma vez o
mesmo escritor nos atribui ter dito que alguém escrevera algo que em verdade não escrevera, e apontamos a página do
livro (Comentários VI, ía ed., 722 s.)

14. Direito interespacial Em virtude da distribuição internacional, da repartição intra-estatal das competências
jurisdicionais (espaço) e da ligação de todo direito a um lugar e a um momento (espaço-tempo), os pressupostos
comuns e gerais a rescisórias dependem de um juiz e de uma lei vigente. Mas, ainda quando se abstraia de tal
localização espácio-temporal, a lei vigente possui regras jurídicas de localização por competência e de prazo dentro do
qual se pode propor a ação rescisória.
No caso de um território passar a pertencer a outro Estado, ou a outro Estado-membro, naturalmente se decidirá com
quem ficarão os processos, sendo difícil, fora dos casos de jurisdição ligada aos imóveis, prever-se a que juiz
competirá conhecer da rescisória de sentenças proferidas antes da anexação. Em todo caso, a regra é entender-se que
os arquivos ficam no mesmo lugar em que existia a antiga jurisdição territorial.

150 Vd .as notas 130e 131.

Tudo se passa conforme se deva resolver, a posteriori, o problema de sucessão de jurisdição, seja intemacional, seja
interprovincial. Nada obsta a que as pessoas de direito público, responsáveis pela prestação jurisdicional entregue,
acertem, entre si, qual deva sera sucessora em cada juízo, ou, até, em cada matéria. Os pressupostos somente podem
ser os da lei da enfidade sucessora. Essa, aliás, poderá resolver diferentemente, conservando, por exemplo, os
pressupostos do antigo direito, ou negando a rescisória, porque não existia, ou concedendo, excepcionalmente, embora
não a tenha, por ter existido.
Se não existia ao tempo do trânsito em julgado, surge a questão de direito intertemporal, principalmente a de vedação
da retroeficácia das leis. Ou a) o Estado sucessor respeita o princípio do Estado sucedido que não tinha a ação
rescisória, ou b) tal Estado sucedido não tinha a proibição da lei retroativa, nem a tem o Estado sucessor, ou c) a tem o
Estado sucessor. Na espécie a), não há pensar-se em ação rescisória. Na espécie b), e a líbito do Estado sucessor
adotar a rescindibilidade ou a irrescindibilidade da sentença. Na espécie c), o Estado sucessor infringe o seu próprio
direito se faz rescindível a sentença do Estado sucedido, que o não era.
15. Direito intertemporal Quanto ao momento a que se há de ligar a lei reguladora da ação rescisória, é ele o do
proferimento da sentença rescindenda, e não o da propositura da ação rescisória (erradamente, não tendo o relator
estudado o problema de direito intertemporal, sobretudo diante do principio constitucional sobre irretroatividade, a 2a
Turma do Supremo Tribunal Federal, a 14 de abril de 1947, R. F., 114, 396).

Assim, se no dia em que transitou em julgado a sentença não era rescindível, não há pensar-se em lex nova que a faça
rescindível. Se era rescindível, pelos pressupostos a, b, c, d e e, não pode ser acrescentado o pressuposto
O prazo preclusivo não pode ser encurtado porque o direito e a pretensão à rescisão já nasceram no dia em que
transitou em julgado a sentença, e diminuir o prazo é extingui-lo por lei nova (Não se confunda a espécie com a da
prescrição: o prazo prescripcional é para nascer a exceção,
ao passo que o prazo preclusivo supõe, aí, direitos e pretensões já nascidos.)
Adiante, sob o art. 495.

Art. 485.’~’ A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida’)’6)t7)15) quando2)22):

151 A Medida Provisória n’ 1.577, na quarta versão, de 02.10.97, no momento em que escrevo, acrescentou aos casos
do as-t. 485 uma Outra hipótese de cabimento da ação rescisória, conforme o parágrafo único do seu art. 40• Essa
hipótese ~ analisada adiante, no texto, sob o comentário nº’ 22, como sempre impresso em caracteres diferentes para a
imediata distinção entre o que e do comentarista e o que foi acrescentado pelo atualízador.
1 se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz3);
liproferidaporjuiz impedido4) ou absolutamente incompetente5);
III resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida ), ou de colusão entre as partes, afim
defraudar
a lei7);
IV ofender a coisa julgada5);
V violar literal di.~posição de lei9);
VI se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação
rescisória’0);
VIl depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso,
capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”);
VIII houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença’2);
IX fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa’3).
§ lO. Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente
ocorrido’4).
§ 20. É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia’5), nem pronunciamento judicial
sobre o fato’9)20)21).
1.Rescindibilidade da sentença (a) A expressão “será nula”, que estava no Código de 1939, art. 798, era errada, pelo
sentido ambíguo. O texto enumerava exatamente casos de rescisão, e não de nulidade da sentença casos de
rescindibilidade. A preclusão do prazo de dois anos
para a pretensão a rescindir apaga a atingibilidade pela rescisória. Não era nem é insanável. Não se pronunciava, nem
se pronuncia de oficio, nem fora do processo da ação rescisória; nem depois dos dois anos, contados do trânsito em
julgado da sentença referida no art. 485. Terminologia escorreita aconselhava que se evitasse tão grave ambiguidade,
ainda

152 O art. 40, cap~er, da medida provisória referida na nota 151 ampliou para quatro anos o prazo
da ação rescisória da União, estados, Distrito Federal, municípios, autarquias e fundações instituidas
pelo poder público.
com tais ressalvas. De modo nenhum as sentenças, a que se refere o art. 485, são sentenças nulas. São
válidas e rescindíveis. O prazo para a propositura não é prescripcional (= para que nasça a exceptio),
mas sim preclusivo de direito e pretensão. Não há sanação, com o advento do último instante dos dois
anos: se havia nulidade processual e a sentença a sanou, nada tem isso com a rescindibilidade; se
sanada não tivesse sido a nulidade, não se precisaria da ação rescisória, porque a própria sentença
seria nula. A sentença ou nada encontra que sane, ou sana a nulidade que existia, ou ela mesma é nula.
Por onde se vê que pode o juiz, de oficio, julgar precluida a pretensão.
A nossa exprobração ao texto de 1939, que confundia rescisão e nulidade, rescindibilidade e
decretabilidade de nulidade, foi atendida; e o texto de 1973 só se referiu a poder ser rescindida a
sentença. O rigor terminológico, em qualquer processo social de adaptação, máxime no Direito e na
Ciência, é um dos mais altos pontos a que ascendeu e ascende o Homem.

A sentença rescindível é menos eivada do que a sentença nula e ineficaz enquanto não se rescinde por sentença trânsita
em julgado.
Muito diferente é o que se passa com a sentença inexistente e a sentença nula. Se o réu não foi citado inicialmente e a
ação correu à revelia, claro que pode opor-se à execução, por embargos de devedor (arts. 736,741, 1, e 745). A
sentença, ai, é nula, e ipso iure, porque é nulo, e ipso iure, o processo. Se houve a preclusão de todos os prazos, nem
por isso deixa de ser nula tal sentença. Se, intimada, a parte não recorreu, nem propôs, no prazo preclusivo, a ação
rescisória, a solução é a de se consultar o único texto que pode responder: a lei processual da justiça que proferiu a
sentença. (Se há infração da distribuição interestatal das competências, cabe, preliminarmente, decidir-se tal questão;
porém não há lugar, aqui, para o problema da sanação devido à comparência, se o defeito de incompetência conceme
ao direito supra-estatal. As sanções seriam a não-homologação da sentença, se precisar disso, a reclamação
diplomática, a retorsão, etc. Mas é discutível, se o que sabia do risco de tal sentença não propôs, em tempo, a ação
rescisória.)

No direito brasileiro, a angularidade, embora tardia, perfez-se (arg. aos arts. 485, V. e 741, 1).
Distinguem-se:a) as sentenças inexistentes; b) as nulas; c) as reformáveis; d) as rescindíveis (reformáveis antes de
passar em julgado, isto é, recorríveis; depois de trânsito em julgado, isto é, rescindíveis). A decisão proferida pelo que
não é juiz ou não no é no momento, como se o pretor,substituto do juiz de direito, ou o juiz de direito, substituto do
desembargador, a proferiu quando já não substituia, é inexistente. Dá-se o mesmo, se o pretor a deu como pretor
quando já não no era, ou o juiz a deu como tal quando já não era juiz. Bem diferente é o caso da sentença proferida
pelo juiz incompetente, isto é, que não era o que devia conhecer do litígio, mas, na sua verdadeira qualidade, dele
conheceu. Se a nulidade é insanável, portanto absoluta, ou se há inexistência da sentença e não só nulidade, em
qualquer tempo poderá ser alegada e reconhecida. Aqui, sim, a sentença seria “nenhuma”; ali, seria sentença, mas
nula.
A regra é serem sanáveis as nulidades. Decorridos os termos para os recursos, preclui o direito de se impugnar o ato. A
sentença é impugnável pela ação rescisória quando a infração, que era sanável, não se apagou. Mas aí estamos em
terreno tautológico: se a infração era sanável e não se apagou, então foi a lei que determinou isso, permitindo, na
espécie, a ação rescisória.
A sentença inexistente, e. g., proferida por pessoa ou corpo julgador que não é juiz, é objeto de ação declaratória de
inexistência, sem necessidade de “ação” (cf. 2& Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 11 de
dezembro de 1945, A. F., 17, 647). Às vezes, a ação a propor-se é declaratória negativa incidental.
A sentença nula não precisa ser rescindida. Nula é; e a ação constitutiva negativa pode ser exercida ainda incidenter,
cabendo ao juiz a própria desconstituição de ofício. Tais os exatos princípios.
Sentença proferida em processo em que não se citou o réu, ou em que a citação foi nula, e houve revelia, é sentença
que não precisa ser rescindida, porque a angularidade da relação jurídica processual não ocorreu e nos próprios
embargos do devedor (art. 741, 1) pode ser alegada a falta de angularização e pois a nulidade da sentença. Com o
julgamento dos embargos do devedor passam ao nada, o processo e a sentença. Foi erro grave de Enrico Tuílio
Liebman (Estudos sobre o Processo Civil brasileiro, 186) que, aliás, caiu em confusões entre nulidade e inexistência,
hoje “nula”.

Sentença, no art. 485, está em sentido amplo (sentença, acórdão). No art. 495 fala-se de decisão. Desde que algum
juízo coletivo conheceu de recurso, a rescindibilidade é quanto à sua decisão. Se dele não conheceu, o que pode ser
rescindível é a sentença ou o acórdão de que se recorreu. O julgamento em agravo de instrumento não é rescindível,
porque nenhuma hipótese há de sentença de mérito ou sobre desistência, isto é, quanto ao meritum causae. Advirta-se
que, se não houve cognição de recurso, qualquer que tenha sido a ocorrência (e. g., desistência, perda de algum prazo
ou de preparo), a sentença transitou em julgado.
No art. 485 do Código de 1973 fala-se da rescindibilidade das sentenças de mérito; mas o próprio Código de 1973, que
fez rescindível a sentença que se fundou em desistência invalidável (art. 485, VIII), ao enumerar as sentenças que
extinguem o processo “sem julgamento do mérito”, pôs a desistência da ação. ‘~
(b)O tractus temporis do prazo de dois anos da ação rescisória é de direito pré-processual, que se não confunde com o
processo em si. Tal diferença é, hoje, profundamente estudada pela processualistica científica. Teremos oportunidade
de ver os efeitos sanatórios de tal prazo. Mas as sentenças inexistentes não se fazem sentenças, nem pela preclusão,
nem por haverem decorrido os dois anos para a ação rescisória. Do nada, nada se tira. Se a sentença proferida pelo que
não é juiz (aliás, não seria “sentença”, no sentido técnico), ou que não foi escrita nem publicada, pudesse vir a
convalescer, ter-se-ia de extrair ex nihilo o seu afirmado valor.
(c) A distinção entre sentenças inexistentes, nulas e rescindíveis, isto é, aqui existentes, válidas, mas atacáveis a
despeito do trânsito em coisa julgada, suscita questão a que se há de responder antes de qualquer outra. Porque, se a
sentença é nula ipso iure, existe, porém não vale: se não vale, de pleno direito, não se precisa de “ação” contra ela. Ao
ser invocada, opõe-se que é nula ipso iure. Se alguém quer alegá-lo, pode fazê-lo quando entenda, sem esperar a
citação na ação iudicati.
De nulidade é de inquinar-se a sentença que se proferiu contra ou a favor de processualmente incapaz. Dissemos
“nulidade”, no senso exato; portanto, de sentença nula. Tal decisão, ainda que em tudo mais tenha observado a lei (de
acordo com os princípios de direito, com citação inicial, e perfeita disciplina processual), não precisa, sequer, de
interposição de recursos, nem de proposição de ação rescisória.

153 Parece que o saudoso comentarista leu o inciso VIII sem o vincular ao caput do art. 485: a sentença de mérito
transitada em julgado pode ser rescindida quando (...) houver fundamento para invalidar desistência em que se baseou
a sentença (de mérito). Então, se a sentença rescindenda se fundou em desistência que se possa invalidar (v. g., diante
da desistência nula, o juiz, aplicando o art. 26, condenou o autor ao pagamento de honorários, proferindo, nesse ponto,
sentença de mérito) esse julgado é suscetível de desconstituição pela ação rescisória, fundada no inciso VIII. José
Carlos Barbosa Moreira, atento ao capur do art. 485, diante do qual “necessariamente deve tratar-se de sentença de
mérito”, sustenta que não é possível que o inciso VIII do art. 485 se refira à hipótese do art. 267, VIII, acrescentando
que ‘~por ‘desistência’, aí, há de entender-se, pois, ‘renuncia’: o caso é unicamente o do art. 269, n’ v.’~ (Comentários
ao CPC, vol. V, 6 cd., 2 tiragem, Forense, Rio, 1994, p. 127 e nota 89, onde invoca ilustres processualistas). Essa
interpretação, sem dúvida interessante, parece artificiosa porque implica a confusão de duas figuras distintas
desistência e renúncia abstraindo-se a possibilidade, quiçá demonstrada com o exemplo oferecido nesta nota, de
sentença de mérito fundada em desistência suscetível de invalidação.
Sentença ineficaz é a ferida de morte por alguma impossibilidade:
cognoscitiva (sentença incompreensível, ilegível, indeterminável), lógica (sentença Invencívelmente contraditória),
moral (sentença incompatível com a execução ou a eficácia, como a que ordenasse a escravidão ou convertesse dívida
civil em prisão, coisa inconfundível com a detenção civil nos casos especiais da legislação), jurídica (sentença que cria
direitos reais além daqueles que o direito permite, como, em direito civil brasileiro, fideicomisso do terceiro grau).
Devemos aditar: material (física), científica (se, por exemplo, a sentença ordenar medida que, agora, se verifica ser
calamidade pública, segundo descobertas da ciência), estética (se ordenava levantar platibanda e a lei municipal caíra
em desuso). É nula ipso jure: a) se o mesmo juiz publicou, no mesmo processo, outra sentença (AdolfWach,
Urteilsnichtigkeit, Rheinische Zeitschrift, III, 389); b) se faltou ou foi nula a citação inicial, tendo corrido à revelia o
processo.
(d)Os meios para se evitar qualquer investida por parte de quem tenha em mão sentença inexistente, ou nula ipso iure,
ou ineficaz, são os seguintes:
a)Autor, reconvinte, réu ou reconvindo, ou qualquer pessoa que se ligou subjetivamente à relação jurídica processual,
pode volver a juízo, exercer a sua pretensão à tutela jurídica, com os mesmos pressupostos de pessoa, objeto e causa,
sem que se lhe possa opor, com proveito, a res iudícata: as sentenças inexistentes e as nulas ipso jure não produzem
coisa julgada. A respeito, a terminologia das leis é defeituosissima, como bem se tem advertido e, noutro ramo,
dissemo-lo nós mesmos (cf. Giuseppe Chio-venda, Principii, 899, nota 1, nosso Tratado de Direito Privado, VII,
§§801, 802 e 807, sobre inexistência, nulidade e anulabilidade de casamento); porém cumpre pôr de parte os termos, e
ver as leis em regras entrosadas, em sua compleição.
O terceiro que não se ligara nem se liga à relação jurídica processual não pode propor a ação rescisória: falta-lhe
interesse jurídico. (Assim se há de entender o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 8 de janeiro de 1916:
“Admitir a ação rescisóna proposta por terceiro fora engendrar estado de inseguridade permanente para o direito.
Proferida uma sentença entre A e B, partes únicas interessadas na questão, sempre poderia C, por exclusiva
malevolência, tentar a anulação (?) da sentença passada em julgado”.) Alizer, o terceiro, que opôs embargos de
terceiro, porque esse é autor, ou o que se ligou à relação jurídica processual, ou o que a sentença atingiu, em sua força
ou eficácia.
b)Opor-se a qualquer ato de execução, por embargos do devedor, ou por simples petição; porque, ainda que impossível
a prestação, hão ingresso à execução: a sentença de prestação impossível não dá, nem tira; mas, como
aparência, vai até onde se lhe declare (note-se bem: declare) a impossibilidade cognoscitiva, lógica, moral ou jurídica.
Atenda-se a que se está diante de impossibilidade da prestação. A sentença rescindenda pode ter dito que houve
impossibilidade, ou que não houve. Mais: com a invocação do art. 485, VII, pode ter sido adquirido documento novo,
ou de que não pôde fazer uso o autor da ação rescisória.
Pode acontecer que contra a alegação de ser impossível juridicamente a prestação (alguma lei a afastou) se invoque o
art. 485, V; mas, aí, há um fundamento a mais, que é o de ofensa à regra jurídica.
c) Usando-se o remédio jurídico rescisório, a corte julgadora ou o juiz singular (se for o caso, segundo a legislação
processual), na preliminar do conhecimento, ou, se juntos preliminar e mérito, no julgamento de iudicium rescindens,
dirá que o autor não tem a ação rescisória, porque essa tende àrescisão das sentenças, e a sentença que se pretende
rescindir é inexistente ou nula ipso iure. Ai mesmo pode ele declarar a inexistência de sentença, tendo a sua decisão a
natureza de sentença em ação declaratória, ou decretar a nulidade de pleno direito da sentença, tendo eficácia
constitutiva negativa a sua decisão. Já se chamou atenção para esse ponto: no pedido mais forte está compreendido o
menos forte, se nele cabe. Por isso mesmo, a ineficácia também é declarável. A ação rescisória de sentença não é
recurso: é ação. Assim, a sentença na ação rescisória, sejá trânsita em julgado, cindiu o que existia e a decisão que fora
vera sententia, coisa julgada, deixou de existir, devido à rescisão.
(e) No decidir ação rescisória, ojuiz ou tribunal tem de enfrentar certas questões prejudiciais, o que o levará a proferir
sentença declarativa, ou constitutiva negativa prejudicial, em ação rescisória, que é ação constitutiva negativa.
(O A expressão “nula”, que exprobramos ao Código de 1939, art. 498, teve a sua história, e é pena que isso só em
1973 se houvesse corrigido. Bastaria dizer-se “rescindível”, em vez de “nula”. Veio-nos das Ordenações Filipinas,
Livro III, Titulo 75, pr., onde se lia: “A sentença que é por direito nenhuma, nunca em tempo algum passa em coisa
julgada, mas em todo tempo se pode opor contra ela que é nenhuma e de nenhum efeito e, portanto, não é necessário
dela ser apelado”. No Reg. n0 737, de 25 de novembro de 1850, não se disse o mesmo, porém o Decreto n0 3.084, de 5
de novembro de 1898, Parte III, arts. 99 e 825, que lhe reproduzira os arts. 680 e 681, §40 acrescentou (arts. 101 e
102) que, “se o juiz julgar contra o direito da parte, mas não contra direito expresso, a sentença não será por isso nula”,
e que “a sentença nula nunca passa em julgado”. O Código de Processo da
Bahia (art. 1.363) fez o mesmo, na esteira do consolidador de 1898. No projeto de Código de Processo de São Paulo
(1922), explicitamente se dizia que “a sentença nula produz todos os efeitos da sentença válida, enquanto não for
anulada por qualquer dos três meios”, que anteriormente indicara, e eram o recurso, os embargos à execução e a ação
rescisória. Note-se que o legislador processual de São Paulo quisera deslocar a rescindibilidade para o plano de
eficácia, tendo de atender a que pode ter eficácia sentença nula ipso iure, e assim encambulhou as duas classes e os
remédios jurídicos processuais dos embargos do executado (ou do terceiro) e a ação rescisória.
Os bons juristas trataram de afeiçoar o texto reinícola à ciência. É evidente que se confundiam nulidade ipso iure, isto
é, independente da sentença, e nulidade que o passar em julgado não punha acoberto. Um dos últimos a notar o erro e
a obviar aos seus danos foi J. A. Pimenta Bueno (Apontamentos, 93): “Conseqúentemente, é visto que as próprias
sentenças viciadas de nulidade absoluta não perecem ipso iure no rigor da expressão, e pelo contrário produzem seus
efeitos até que sejam declaradas tais”. O antigo Código de Processo Civil do Distrito Federal, no art. 302, falou em
sentença “nula” e, no art. 303, em “ser anulada a sentença” pelos recursos, que mencionava um a um, e pela ação
rescisória (inciso V). No art. 136, cometeu o legislador a velha cincada: ao enumerar as decisões destituídas de
autoridade da coisa julgada, incluiu (parágrafo único, inciso V) “as sentenças nulas” (!). Ora, todo o sistema do
Código gritou contra isso. O mesmo ocorreu nos outros Códigos de Processo Civil: São Paulo, arts. 348 e 358; Minas
Gerais, arts. 173 e 174 (“a nulidade da sentença pode ser pedida”); Rio Grande do Sul, art. 504; Rio de Janeiro, arts.
2.276 e 2.277; Pernambuco, arts. 162 e 163; Bahia, arts. 1.361 e 1.362; Santa Catarina, arts. 1.844 e 1.845. Só o
Espírito Santo, arts. 271 e 280, foi feliz em manter as expressões “anulável” e “anulada” em perfeita coerência. Ainda
melhor seria dizer “rescindível”, ao tratar-se do caso de rescisória; mas, adotado o sistema da enumeração dos meios
(recursos e remédio), o termo “anulável”, sem ser o melhor, satisfazia.
Para que alguma sentença não produzisse coisa julgada seria preciso que a nulidade fosse ipso iure. No entanto, o
próprio Código de 1939, depois de preclusos todos os prazos de recurso, manteve todas as sentenças, permitiu-lhes a
execução, não admitiu que o mesmo juiz e os outros juizes a desconhecessem, supôs que produzam efeitos perante
todos, e 50 permítiu contra ela: 1) os embargos do executado, nos dias posteriores à penhora, por falta ou nulidade da
citação inicial para a ação, quando esta houver corrido à revelia do embargante nulidade especialissima,
manifestíssima,que compõe o pressuposto de uma restitutio ia iate grum; 2) os embargos de terceiro, que só lhe
cortam os excessos, a negação do direito de outrem, estranho à relação jurídica processuab 3) a actio nuílitatis, ou a
exceptio nuflitatis; 4) enfim, a ação rescisória. ~Onde, pois, a velha sentença “nenhuma” da Ordenação? Semente às
classes 1) e 3) serviria o nome.
A sentença que existe, e não é nula ipso iure, ou é inatacável, ou é rescindível; ou é desfazível com a relação em que
se proferiu. A relação jurídica processual~ que existe e é nula de pleno direito, cai com os embargos do devedor ou
com a querela de nulidade. Para que se desse “rescisão” da relação jurídica processual seria preciso que se houvesse
proposto a ação rescisória com fundamento na prevaricação ou na concussão ou na corrupção do juiz, ou com
fundamento em violação de direito que diga respeito àformação da relação jurídica processual: fora daí, não se atinge,
no começo, a relação. A extinção do processos haja ou não sentença, desfaz a relação que existia e podia ser válida e
irrescindível. Já o autor da Ordenação Afonsina do Livro III, Título 82, § 3, sentira a diferença entre “rescindir” e
“desfazer”; “...em huuma sentença, da qual non fosse apelado por alguuma parte, e depois alguum dos condenados
desfizesse, e recendesse a dita Sentença...” A restituição de menores e a absolvição da instância desfaziam;
procedência dá ação, fundada na infração da coisa julgada, rescindia a sentença.
(g) No direito romano, a relação jurídica processual~ em casos do art. 485, 1 e II) era inexistente. A L. 1, C., si aba a
competenti iudice iudicatum esse dicatur, 7,48, dizia: “Iudex adcertam rem datus, si de aliis pronuntiavit quam quod
ad eam speciem pertinet, nihil egit.” (Algumas edições do Codex, em vez de “eam speciem”, escrevem “eas res”;
outras, “eam rem”.)
No direito brasileiro, se a incompetência é absoluta, a sentença é rescindível,
e desconstituível, pela decretação da nulidade processual~ a relação (art.
485, II).
Na Sistemática dos Títulos IX e X, tratar-se-á da mudança que se operou através dos séculos XII a XVI. Aliás, o direito
processual civil brasileiro contém solução nova.
Vê-se, pois, que se preferiu a categoria da rescindibilidade à da nulidade ipso iure. Tratou-se a prestação jurisdicional
como coisa que se entrega à parte vencedora e à vencida, com vício semelhante àqueles que permitem a ação de
redibição. As sentenças do art. 485 são sentenças viciadas; por isso mesmo, suscetíveis de rescisão.
(h) A parte ou o terceiro a que se atribui deserção de recurso pode intentar ação rescisória. A ação rescisória nada tem
com a exigência de se terem exaurido os recursos, porque não se diz, a respeito da ação rescisória,
que ela somente cabe da decisão de única e última instância, como acontece com o recurso extraordinário. O que se
pressupõe é trânsito em julgado. A decisão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal,
a 25 de julho de 1946 (A. J., 81, 33), fundando-se no argumento de não se poder presumir renúncia a recurso que foi
julgado deserto, se poder presumir renúncia a recurso que foi julgado deserto, acertou na conclusão de cabimento da
ação rescisória, mas errou na argumentação. Quem deixa de recorrer, ou renuncia a recurso, ou dele desiste, pode
propor ação rescisória (Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1945, A. 1., 77, 155).
O art. 485 do Código de Processo Civil diz que pode ser rescindida a sentença, nas espécies que se apontam, se “de
mérito”; de modo que se excluiriam todas as sentenças que extinguem o processo sem julgamento do mérito (cf. art.
267). Ora, a desistência, por exemplo, está no próprio Código, art. 267, VIII, como um dos fundamentos para que a
sentença extinga o processo sem julgamento do mérito, de jeito que não se pode dar acolhida inexcetuável ao que se
diz no começo do art. 485 (“a sentença de mérito transitada em julgado”), pois haveria contradição entre os dois
textos.’TM Outro ponto de grande relevância para a meditação dos juizes e juristas é o que está no art. 267, VI, relativa
quando não ocorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o
interesse processual. O que se há de assentar como interpretação razoável é a de abstrair-se da expressão “mérito” que
está no art. 485. Se o juiz julga extinto o processo porque acolheu a alegação, de coisa julgada (art. 267, V, iafiae), não
se pode dizer que, com isso, não possa ter ofendido a coisa julgada (art. 485, IV). Por exemplo: propôs A ação contra
B para haver a e b, e o juiz, diante da sentença de outro juiz, que havia condenado B a a e não a e b, profere a sentença
extintiva do processo, como se houvesse coisa julgada quanto a a e quanto a b. Houve a ofensa à coisa julgada de que
fala o art. 485, IV. O que importa, para saber se cabe ação rescisória de sentença, é que um dos pressupostos do art.
485 exista. Se o juiz indeferiu a petição inicial (art. 267, 1, que é relativo a extinção do processo sem julgamento do
mérito), mas a sentença resultara de dolo da parte vencedora, em detrimento da parte vencida ou de colusão entre as
partes, a fim de fraudar a lei (art. 485, III), ou, após a sentença, adveio decisão em processo criminal, ou na própria
ação rescisória se prova a falsidade (art. 485, VI), ou o autor obteve documento cuja existência lhe era ignorada, ou de
queagora pode usar para o julgamento favorável (art. 485, VII). Por exemplo:
com a prova da falsidade da prova, ou com aparição ou possibilidade posterior do uso do documento, provado está que
não houve ausência de pressuposto de constituição de desenvolvimento válido e regular do processo
2. Eficácia das sentenças rescindíveis (a) Todas as sentenças sobre as quais se pode propor a rescisória têm eficácia
(força e efeitos), se outra razão não milita. Todas as sentenças que se não for proposta a ação rescisória, continuarão
como estavam, sem serem nulas, pois que não foi intentada a ação nos dois anos, são inimpugnáveis. A sentença
proferida à revelia e sem citação inicial da parte continuará, suscetível de impugnação em embargos do devedor, sem
preclusão possível, porque, esta sim, nao e só rescindível é nula. Se o que foi citado e contra o qual correu, à revelia, o
processo, foi citado nulamente, a sentença também é nula. Pode o nulamente citado opor-se a qualquer força ou efeito
que se pretenda atribuir a tal sentença. O art. 741, 1, é só o exemplo exemplo limitado à força ou efeito executivo da
sentença.

Já vimos que todos os casos de ação rescisória supõem a impugnabilidade; porque, se fosse absoluta a invalidade de
tais sentenças, dificilmente se compreenderia que o remédio jurídico processual não fosse perpétuo. Se, no fim do
prazo preclusivo, nenhum remédio se concede contra a sentença, necessariamente se incolumiza o julgado que antes se
eivava de rescindibilidade. Portanto, temos, a priori: rescindibilidade e sanabilidade são para-lelas. Não se diga que
assim se confere valor a sentenças flagrantemente contrárias aos propósitos da organização e funcionamento da
justiça, como as de juiz absolutamente incompetente. Seria esse, realmente, o caso mais grave, por faltar ou ser
defeituoso o pólo da própria relação jurídica processual. (Adiante mostraremos que o argumento não procede. Quando
alguma das causas de nulidade é de tal gravidade, nula, e não só rescindível, é a sentença, ou o direito material previne
a hipótese com outra açao mais larga. Aliás, no tocante à falta de citação, já dissemos o que era preciso.)

(b) No sistema brasileiro, o advento exaurante do prazo de dois anos é de efeitos totais para todo o Brasil. Bem ou mal
(não é mais oportuno discutirmos). As justiças estaduais já antes de 1934 não ousavam dilatar o prazo, nem tirar às
sentenças, a favor das quais se operou o trânsito em julgado (se “sentenças”), o só se impugnarem por ação rescisória.
Isso quer afirmar que o direito federal do Brasil não conhecia e não conhece sentença, vale dizer prestação
jurisdicional entregue, que deixe de ser sentença, sem qu e intervenha a ação rescisória. Só as sentenças inexistentes,
que não são, por definição, sentenças, e as nulas ipso iure, que são sentenças feridas de morte, escapam ao princípio
implícito de que a sentença, como a escritura pública, somente por processo se desconstitui. Sentenças, entendamos,
passadas em julgado (coisa julgada formal!).
Caso verdadeiramente digno de meditar-se é a sorte da segunda sentença que infringiu a coisa julgada da primeira.
j,Que se passa com ela e com a outra quando preclui o prazo para se propor a ação rescisória?

Se, após a segunda sentença, com intimação do réu, decorreram os dois anos (fora do caso de caber qualquer outro
remédio, hipótese que define a nulidade ipso iure), não pode mais ser impugnada, nem rescindida:
portanto, convalesceu. No direito romano, a primeira continuaria a ser válida e a segunda, nula; porém, no sistema
adotado, a nulidade era oponível em exceção, e não havia o prazo extintivo geral, que se criou no direito brasileiro
material, à semelhança do que ocorre no direito processual alemão, onde as Wiederaufnahmeklagen não concernem às
nulidades insanáveis. No direito italiano, também se dera tal obnubilamento da primeira pela segunda sentença, que
com o esgotar-se do período de rescindibilidade de rescindível se torna irrescindível. Extinto o último momento para a
propositura da ação de “rivocazione”, nada mais é possível contra as sentenças simplesmente “revogáveis”, ou, na
terminologia brasileira, que éa melhor, e na alemã, respectivamente, “rescindíveis” ou “restituíveis”.

A estrutura lógica e jurídica do que acabamos de dizer é fácil de entender-se. Aliás, o que conteria absurdo seria ~dar-
se prazo à rescisão de sentença que “a todo tempo” fosse atacável! A coisa julgada formal não éprincípio que se
imponha necessariamente. Decorre de certas considerações, mudáveis, de utilidade social. Uma vez formulado,
entende-se que a res iudicata opera e vale perante todos. Proferida a sentença e passada em julgado, desde que não
seja inexistente, nem nula ipso iure, que é inconvalescível, só a rescisão pode cortá-la, rescindi-la; porque é cortar,
cindir, a prestação que ela estabeleceu, desdar o laço de preclusão que com ela inter partes se deu. Efeitos há. Tem-se
de arrancar a causa.

Se, após aquele acontecimento judicial, outra sentença entre as mesmas partes, com o mesmo objeto e causa, vem a ser
proferida, o Estado, que assentou o principio, tira a consequência (que poderia não tirar, como
acontece em todos os processos em que há exceções de litispendência, porém cujas sentenças não fazem coisa julgada)
de ter havido infração da regra legal e comina a rescisoriedade perpétua, trintenal, qêinqúenal ou de menor prazo. A
rescindibilidade perpétua teria o efeito de tomar insanável a causa de rescisão, embora limitada a remédio jurídico
processual (ação de restituição ou rescisória). Ainda, aí, a nulidade, inapagável no tempo, não seria ipso iure. Não
seria ipso iure, pela hipótese mesma: só se permitiria o processo autônomo, tendente à rescisão. Mas tudo isso tem de
ser apagado diante do princípio da preclusão e do prazo da ação rescisória.
Já aqui é o momento próprio para assentarmos: a) que o legislador poderia fazer dependente de ação a decretação da
nulidade absoluta (teve tal atitude o legislador civil, quanto às nulidades absolutas do casamento), e não no fez; b) que
o legislador poderia reduzir todos os casos de impugnabilidade da sentença à rescisão, apagando a classe das sentenças
nulas ipso iure, e não os reduziu, manteve as duas classes; c) que o legislador poderia considerar inexistentes as
sentenças que chamamos, agora, nulas, borrando a linha discretiva entre essas duas classes, e preferiu conservar a
distinção entre o não-ser e ser nuíliter. Ser nulamente, para ele, conforme a tradição ainda é ser. O jurista do direito
romano clássico ficaria perplexo diante do nulo diferente do inexistente. Porque outra era a sua filosofia.
3. Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz é pressuposto suficiente para a rescindibilidade (a) O Código de
1973, como o de 1939, volve à tradição das Ordenações Filipinas, que não consideravam a suspeição pressuposto
objetivo da ação rescisória (Livro III, Título 75); posto que a incluíssem nos casos de sentença nula (Titulo 74). O
Reg. n0 737, art. 680, § 10, e as leis processuais dos Estados-membros o haviam contemplado.
Desde que se provasse que a peita do advogado, ou de serventuários, ou pessoal dos cartórios influira na sentença,
devia ser julgada procedente a rescisão, e só assim se compreenderia que a Ordenação falasse em peita, devido à qual
se deu a sentença, e em preço que o juiz houve. Não era preciso que primeiro se procedesse ao julgamento criminal do
juiz. Mas a influência havia de ser subjetiva e seguramente provada. De certo modo, assim é hoje. Mas, se houve
influência, sem ser consciente disso o juiz, peita não houve. Porque o Código de 1939 somente aludia ao ‘juiz
peitado”. Peita do advogado, ou de algum serventuário, que influiu na sentença, ou é peita, tambem, do juiz, ou, de
iure condito, não basta como causa de rescisão.
O Código de 1973, no art. 485,1 e II em vez de falar de ‘juiz peitado, impedido, ou incompetente ratione materiae”,
como o Código de 1939, art.798, 1 , diz caber a ação rescisória de sentença se houve “prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz”, ou se a sentença foi “proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente”. O étimo de
prevaricação não nos bastaria ao conceito (varix, variz). Nas Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 48, § 7, chegara-se
ao que desde muito se usava: “E os Advogados, que aconselharem contra nossas Ordenações, incorrerão nas penas, em
que incorrem os Julgadores, que julgam contra direito expresso. E os que fizerem petição de agravo contra os autos, e
não conforme a verdade, que neles se contém, ou a fizerem manifestamente contra Direito expresso, pagarão por cada
petição, que assim fizerem, dous mil réis para as despesas da Relação. E outros dous mil réis pagarão, quando fizerem
embargos a algum despacho, e se julgar, que não são de receber. E não sejam admitidos a servir seus Ofícios, sem
mostrarem como os têm pago.” No Livro II, Título 26, § 24, após se tratar da perda dos bens para o Fisco (§ 23), disse-
se: “E bem assim os bens do Procurador deI Rei, que prevaricou seu feito, e por cuja causa perdeu El Rei seu Direito”.
Pergunta-se: 6a prevaricação no art. 485, 1, do Código de 1973, tem como pressuposto a má-fé? Não pensemos em
figura de crime de prevaricação, nem no simples erro do juiz; a culpa para a má solução, por falta ao dever de exame e
de deci são justa, é elemento necessário. Não é preciso que tenha havido a peita, a que se referiu o Código anterior. A
peita é plus, de modo que, se houver peita, prevaricação houve. A definição de praevaricatio está na L. 1 (Ulpiano, D.,
de praevaricatione, 47, 15): “O prevaricador é como o que de pé se apóia em duas partes, o que ajuda a parte
contrária, traindo a própria causa”. E refere Labeão que apontou como fonte o apoiar-se alguém numa e na outra parte,
e mais na contrária (“quin immo ex altera”).
O art. 485, 1, falou de concussão e de corrupção. A concussão, no direito romano, a concussio, era o ato do
funcionário, que, com a simulação de ordem superior, extorquia dinheiro (L. 1, D., de concussione, 47, 13). Porém
Macro, na L. 2, foi adiante: “O juízo de concussão não é público; mas se alguém recebeu dinheiro porque ameaçou
com a acusação de crime, pode haver juízo público em virtude dos senatusconsultos em que se submete à pena da Lei
Cornélia os que houverem levado à acusação de inocentes, ou que houverem recebido dinheiro para acusação, ou não
acusar, ou denunciar ou não denunciar testemunha”. Ora, hoje, havemos de entender que é concussionário quem quer
que haja como juiz (ou como titular de outro cargo público) para haver proveitos, ou por tê-lo auferido. O art. 485, 1,
somente cogita da ação rescisória da sentença se se trata de juiz ou de membro de tribunal. Não se afaste a hipótese de
serem acusados algum ou todos na petição inicial da ação rescisória: se de um só se faz prova suficiente, sem atingir o
quanto necessário da votação, a rescisão não ocorre.
Fala-se, no art. 485, 1, de corrupção do juiz. Na Idade Média muito se confundiram a concussão e a corrupção. Ora,
quem abusa da sua qualidade e da sua função, para haver proveitos ou promessa de proveitos, ou por tê-los havido,
comete concussão. Não importa de quem venham os proveitos, uma vez que há a ligação ao ato de concussão. O que
se exige, na corrupção, éo pactum sceleris, seja explícito, seja implícito, seja expresso, seja tácito, como se o juiz deu a
sentença a favor de A porque o irmão de A, ou pai ou sogro de A, tinha de assinar ato de promoção com a escolha
dentre nomes um dos quais é o do juiz, ou se à A ou algum parente ou íntimo amigo cabia nomear para algum posto o
filho do juiz, ou algum parente. A corrupção pode ser ativa (o juiz foi informado pelo extraneus, ou por alguém em
vez dele, do que se passaria se a sentença fosse a favor de A), ou passiva (foi o juiz ou alguém por ele que informou
ou disse o que se passaria). Mas a distinção é sem relevância. O que importa é que tenha havido a causação entre o
proferimento da sentença e o que ocorreu, ou teria de ocorrer. Frisemos que a ligação pode ter existido mesmo se o
ato, que o juiz esperou e o levou à decisão, não veio a realizar-se.
O Código de 1973, art. 485, 1, fez causas de rescindibilidade o ter-se verificado que a sentença foi dada por
prevaricação, concussão ou cormpçáo do juiz. Prevaricar vem depraevari ca ri , cujo étimo está em varicem, tumor,
dilatação de veia, variz, donde também procedeu varicum, que desvia as pernas. Prevaricação é o ato positivo ou
negativo de desviar-se do seu dever, de enganar a quem confia. Tanto prevarica o juiz que retarda ou deixa de praticar,
contra a lei, ato de eficácia, ou contra a lei o pratica, qualquer que tenha sido o interesse ou o sentimento (econômico,
politico, moral, religioso, etc.).
A concussão é exigência criminosa, direta ou indireta, para si ou para outrem, fundada em poder que se tem, para
vantagem ilegal ou imoral. Em vez de discutir, de ir à discussão, discussio, concutere, concutir, concussão.
A corrupção é a rotura, o rumpere, o corruptio (o cor seria coração?),’56 o pedir ou receber, para si ou para outrem,
direta ou indiretamente, vantagem ilegal ou imoral.
Não se atenha o intérprete do art. 485,1, a textos de direito penal, posto que possam ser elementos para o conteúdo do
conceito, porém, pelo fato de se conhecer o texto penal em vigor, não se diga que basta.
156 Parece que o cor não sena coração, porêm derivação de cum. Assim indica o Dicionário Saraiva,
que mostra que corruptio tem por dtimo corrunpere, formado este verbo de cor (cum) e rumpo, romper,
quebrar, na primeira pessoa do indicativo presente.

(b) O conceito de peita e, hoje, o de prevaricação são de direito pré-processual, material, e não o do direito penal
(erradas, nos fundamentos, as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 3 de novembro
de 1941, A. J., 60, 190). O suborno é uma das espécies de peita; e não mais grave que outras, posto que mais ligada à
cupidez material do peitado. Pode ser concussão ou corrupção.
Nos arts. 135 e 136 o Código cogitou da exceção de suspeição. A exceção tem de ser oposta no prazo de quinze dias,
contado do fato que ocasionou a suspeição (art. 305). Suspeição é eiva, que, ainda não sabendo dela a parte e não
sendo arguida, se apaga. Nada tem que leve à ação rescisória, porque suspeição não é impedimento.
Ou a) os conceitos de prevaricação, concussão, ou corrupção, em direito pré-processual, em direito judiciário material
e em direito penal, são os mesmos (= coincidentes em toda a extensão), ou b) aquele é mais largo do que esse, ou c): o
direito pré-processual e o judiciário material é que dão o conceito; não, o penal.
A prevaricação, a concussão e a corrupção viciam a sentença, por imperativo moral. O homem, em quem o Estado
depositou a confiança de julgar, traiu-o, traindo a sua função ele, que no seu papel, deve ser indiferente aos grandes e
aos pequenos e, até, acostumar-se a ver que o ato de justiça exige dupla coragem, a de ferir a grandes, que estão em
faltas, e a pequenos, que também as cometem.
À questão de saber se o preço, a que se referiam as Ordenações Filipinas, é a pecunia data ante sententiam ou post
sententiam, em sendo árbitro ou juiz estatal o prolator, respondiam acertadamente os velhos juristas que a distinção
não procedia, desde que se deu a corrupção (D. B. Altimaro, Tractatus de Nuilitatibus sententiaruni, 510).
Acrescentemos: a prevaricação, ou a concussão.
Também constitui fundamento para a ação rescisória: a sentença proferida em sinal de gratidão, ou ambição, ou por
ódio (Manuel Gonçalves da Silva, Comentaria, III, 136): “idem sententia lata per gratiaín, seu ambitionem, id est,
quod iudex volens parti gratificari pro consequenda aliqua dignitate, vel officio, seu oh amicitiam, vel odium
litigaioruín, aut quod precibus devictus sententiam tulit, ipso iure teneret”.
c) Os termos “prevaricação”, “concussão” e “corrupção” ser em para designar, numa palavra, as inúmeras fraudes em
que pode incorrer o julgador. Não se deve definir a priori. Entre elas há de achar-se aquela mesma, de que menos
culpado é ele do que os tempos: o temor de perder o cargo, sob a espada da Dâmocles dos “poderosos”, a quem se
referenciam Ordenações, de todos os que, nos momentos de crise moral, alvoroçam os tribunais sob as medievais
coerções das aposentadorias e das demissões. Tais sentenças são rescindíveis; foram frutos do medo, que pode ir da
suspeição à fraude. A peita, a que se referiam os textos de 1939, era a prevaricação, com ou sem o caráter estrito de
suborno. No revogado Código do Processo do Paraná empregou-se expressão diferente (art. 933): “prevaricação”. O
Código de 1973 quis evitar interpretações restritivas.
A traição, a peita do advogado, que J. A. Pimenta Bueno lia no texto das Ordenações: “ou foi dada por peita, ou preço
que o juiz houve”, não mais aparece nas leis. Entretanto, seria de mister que estivesse: a peita do advogado, com o fim
de perder prazos, deixar de recorrer, perder documentos, pactuar sobre quesitos ou deixar de reinquirir testemunhas,
louvar-se em pentos também peitados, precisava ser um dos pressupostos objetivos, autônomos, da ação rescisória. A
peita, a que aí se aludia, era a de outras pessoas, e não a do juiz, peita de que pode o juiz não ter sequer ciência, mas
que influirá na sentença, porque se lhe alteraram os dados em que se teria de fundar. Desde que se prove que a peita do
advogado, ou de serventuários ou pessoal dos cartórios influiu na sentença, deveria ser julgada procedente a rescisão
por peita do juiz, e só assim se compreende que a Ordenação falasse em peita, devido à qual se deu a sentença, e em
preço que o juiz houve. Aliás, lá estava peita ou preço. Mas, diante do art. 485, 1, a peita (digamos hoje: a
prevaricação, a concussão ou a corrupção) há de ser do juiz, embora havendo intermediários, e. g., o filho, o genro, o
amigo íntimo, do advogado que influi no juiz.
Se é preciso que primeiro se proceda ao julgamento criminal do juiz, devia responder a lei processual. Nada disse;
portanto, dispensou-o.
A alegação e a prova da prevaricação, da concussão ou da corrupção têm de ser feitas na ação rescisória e não
dependem de se promover a ação criminal.
4.Impedimento do juiz prolator da sentença Impedimento é conceito de lei de direito processual de direito judiciário
material; não de processo. As regras jurídicas a propósito de impedimento escapam às regras sobre suspeição, posto
que se possa alegar o impedimento com o procedimento da exceção de suspeição (arts. 134-138). As suspeições dos
juizes são as do art. 135; os impedimentos são fixados no art. 134. A incompatibilidade supõe serem contemporâneas
as funções; no impedimento, dispensa-se a condição de serem simultáneas. A sentença proferida pelo juiz que era
suspeito não é nula, nem rescindível; a sentença proferida pelo juiz que era impedido é eivada de rescindibilidade,
sanável pela preclusão da pretensão à rescisão.
Se o juiz se toma impedido, e. g., em virtude de casamento posterior à propositura da ação, a sentença que proferiu é
rescindível (2~ Turma do Tribunal de Apelação do Espírito Santo, 28 de agosto de 1946, R. do T. de J., 1, 327).
Se na composição do tribunal não entraram tantos juizes quantos eram por lei exigidos, ou no julgamento tomou parte
quem era impedido, há rescindibilidade da sentença, ali, por infração de lei, e, aqui, com fundamento no art. 485, 1
(Cf. 20 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 30 de abril de 1946 (R. dos T., 165, 240).
É preciso ter-se toda atenção para a preclusão da execução e a persistência da causa de rescindibilidade. Ainda que se
haja deixado de alegar, dentro do prazo, no processo, a prevaricação, a concussão ou a corrupção do juiz, ou o
impedimento, há rescindibilidade da sentença, e o mesmo se passa quanto à exceção de incompetência absoluta: como
exceção, a atacabilidade preclui; como causa de rescisão, persiste, somente precluindo após os dois anos.

5. Incompetência absoluta, pressuposto suficiente da rescisão (a) A incompetência absoluta do juízo é causa de
rescindibilidade da sentença. Cumpre, porém, que se atenda a dois conceitos que aí se juntam (incompetência do juízo
e absolutidade), para se limitar pelo segundo o primeiro.
Na expressão “incompetência do juízo” também há dois conceitos, um positivo, “juízo”, e outro negativo,
“incompetência”. Para que haja incompetência do juízo, é de mister que haja ‘juízo”, e não haja “competência”.
Concretamente: que um juízo se haja obrigado à prestação jurisdicional, ou a tenha entregue, mas que, para uma ou
outra coisa, houvesse sido incompetente. Para a ação rescisória é preciso que a incompetência absoluta seja no proferir
a sentença. Não é pressuposto objetivo da rescisória a sentença de quem não é juiz, ou deixara de o ser (o que vale o
mesmo), pois tal sentença não é sentença; pelo fato da inexistência do juiz, é inexistente. Também não no é a sentença
proferida pelo juiz, no seu ‘jornal íntimo”, ou publicada em livro, ou revista, ou jornal, e não inserta nos autos; porque,
em tais casos, não existiu. Na sentença, cumpre atender-se a que possa ser sentença por parte de quem a deu e
substancialmente (materiais e formalmente) como ato jurídico processual. Se não a deu juiz, nem a lei a considera
sentença por exemplo, deixou-a o prolator em casa, ou a perdeu antes de, no prazo, entregá-la, escreveu-a e não a
assinou, sobrevindo-lhe a morte , sentença não há. As sentenças, de que se trata, não precisam rescindir-se, porque não
são. O que não é, não tem necessidade de ser desfeito. Não se lhes pode atribuir eficácia, nem preclusão, nem,
afortiori, coisa julgada.
Rescindem-se sentenças que sejam as que precisam de rescisão para que “deixem de ser”. No caso particular da
incompetência absoluta de juízo, nulidade ex defectu potestatis, o paralelismo é absoluto: se a sentença e, mas o
defeito de incompetência absoluta não se abluiu, cabe a rescisória para rescindi-la”, isto é, fazê-la deixar de ser. Cinde-
se, corta-sé o que a sentença, que é, estabeleceu. Após o corte, a cisão, a sentença não é mais, deixou de ser sentença.

A incompetência absoluta a que se refere a lei processual, como fundamento para a ação rescisória, é só a que resulta
de regras jurídicas sobre incompetência em razão da matéria e da hierarquia (arts. 111 e 113). Trazer para aqui outros
conceitos, firmados para os processos vulgares, e não para os processos sobre sentenças, constitui, sempre, fonte de
graves equívocos. Demais, cada lei processual tem ou pode ter o seu sistema, ou por entender que as regras jurídicas
da competência sejam absolutas, ou por facilitar a sanaçáo,ou mais prestigiar o direito objetivo da competência em
razão da matéria ou da hierarquia.
(b)A referência do art. 485, 1 e II, à prevaricação, à concussão, àcorrupção, e ao impedimento e à incompetência
ratione materiae ou pela hierarquia, como pressuposto suficientes da rescindibilidade da sentença, não é regra jurídica
restrin gente dos outros pressupostos suficientes (ofensa à coisa julgada, violação de direito em tese, falsidade da
prova, documento de existência ignorada, invalidade da confissão, desistência, ou transação, erro). As regras jurídicas
do art. 485, 1 e II, são à parte e dilatantes dos pressupostos da rescindibilidade. Admite a rescisão a propósito de
quaestionesfacti, que são a da prevaricação, concussão, corrupção, do impedimento e a incompetência absoluta.
Se o juiz foi incluso no art. 485, 1, era impedido, ou absolutamente incompetente, a sentença não cobre o defeito,
como acontece, por exemplo, à sentença do juiz incompetente ratione loci. A sentença que seria nula, por
incompetência do juiz ratione loci, deixa de ser nula ao transitar em julgado. A sentença que seria nula, por
incompetência ratione materiae, ou pela hierarquia, passa a ser, com o trânsito em julgado, rescindível. A exceção do
art. 485, II, abre portas à rescisão, para as sentenças que o juiz absolutamente incompetente proferiu, e não para as
outras sentenças (cf. 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, 17 de dezembro de 1946, R. F., 110, 383, 10 de julho de
1947, 119, 382, A. J., 84, 25, e 24 de outubro de 1947, R. F., 118,442; Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 3 de
setembro de 1947, 119, 506).

O art. 485, II, 2a parte, permite a interpretação a contrario sensu: a incompetência ratione loci não basta à
rescindibilidade. Mas, se o juiz deixou de aplicar regra jurídica sobre a incompetência ratione loci, por entender, por
exemplo, que estava revogada, infringe direito em tese, e cabe a rescisória com fundamento no art. 485, V. Não está
em causa a quaestio facti, mas puramente a quaestio iuris. A referência do art. 485, II, 2~ parte, à incompetência não
exclui a rescindibilidade das sentenças que violem regras jurídicas sobre competência (e. g., sobre competência
ratione loci, Tribunal de Justiça do Pará, 25 de abril de 1951, T. dei. do P., 1951, 66).
(c) As regras jurídicas sobre legitimação ad causam (2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 14 de dezembro de
1948, R. F., 128, 67) e sobre legitimação processual podem ser “disposição literal de lei”, no sentido do art. 485,
(d) À Constituição cabe proceder à devolução da competência judiciária, isto é, da competência, que toca ao Brasil, na
distribuição supra-estatal das competência (direito das gentes). É matéria do direito constitucional dizer quem legisla e
quem organiza a justiça, poderes, no Brasil, que aparecem juntos, mas seria possível se separassem.
Dito o que toca à organização judiciária geral e o que toca às organizações judiciárias locais, ao problema dos
pressupostos objetivos da ação rescisória, concernentes ao juiz da ação primitiva, só nos interessa saber se a sentença
proferida pelo tribunal federal quando devia ter sido pelo tribunal local, ou proferida por esse quando devia ter sido
por aquele é: a) inexistente; b) nula; c) rescindível. Inexistente não é tal sentença, porque a deu um juiz. Seria difícil
que alguma Constituição levasse o seu desvelo pela nitidez das linhas discriminativas das organizações judiciárias a
tão absurdo requinte de caracterização. Nula, também não, porque a solução foi a da rescindibilidade. A discriminação
concreta, em cada caso, do que pertence à jurisdição federal e do que pertence às jurisdições locais não é simples.
Demanda, por vezes, meditação. Principalmente, a invocação de texto da Constituição federal, que suscita a
competência federal, constitui fonte de julgados discordantes. Tudo aconselharia a que se não reputasse haver nulidade
da sentença, mas sim rescindibilidade; e o Código de 1973 atendeu ao que disséramos. i,Será “atacável”, antes da
coisa julgada formal, a sentença? Não resta dúvida que sim. Então, ~,qual será o recurso ou remédio jurídico para se
decidir quanto a tal infração? O caminho, antes da sentença, é o do conflito de jurisdição perante o Supremo Tribunal
Federal.’57 Depois da sentença, antes de passar em julgado, ainda o recurso. Passada em

157 A Const. 88 fala, com mais apurada técnica. em e competência, convindo verificar, para decidir
qual o tribunal competente para o conflito, o quanto nela dispõem os arts. 102, 1, o, lOS, 1, d, e 107, 1.
e.

julgado, a ação rescisória. Dir-se-á que, desse modo, se sana nulidade decorrente de texto constitucional. Não
importa. Se tivesse ocorrido um dos graves casos de que cabe recurso extraordinário e as partes deixassem
precluir o prazo para ele, a situação seria idêntica. Além disso, a repartição das competências é, aí, ratione materiae ou
pela hierarquia, e a lei é expressa. Mas a sentença do juiz do crime como se fosse do cível inexiste; e více-versa.

O mesmo raciocínio que acima fizemos sobre a ação de jurisdição federal julgada no tribunal local deve fazer-se
quanto à de jurisdição local julgada no tribunal federal; não, quanto à de jurisdição local A julgada pela justiça local B,
se não se trata de competência pela hierarquia.
A distinção a que por vezes nos reportamos entre sentença inexistente,nula e rescindível é de importância, teórica e
praticamente, capital. Basta•considerar-se que as sentenças só rescindíveis, passados os dois anos, não
mais podem ser atacadas, o que supõe que as violações inapagadas com a primeira sentença e a preclusão se apagam
com o decurso legal. A processualistica contemporânea esclareceu perfeitamente tais pontos. Alguns dos nossos
praxistas chamaram a atenção para a diferença. As Ordenações, em vez de serem interpretadas com tal critério, foram
subordinadas a estudos•rápidos, muito à flor. A sentença em processo em que se deu infração de regra jurídica sobre
competência ratione valoris não é rescindível (1~ Turma do Supremo Tribunal Federal), 18 de outubro de 1945, J., 29,
184), salvo se a espécie cabe no art. 485, V.• A sentença rescindível por ter havido incompetência ratione materia e
ou pela hierarquia produz seus efeitos (Supremo Tribunal Federal, 29 de agosto de 1945, A. J., 78, 143) e, findo o
prazo preclusivo para a sua propositura, não mais se pode atacar. As outras causas de incompetência não operam após
o trânsito em julgado, ainda que se trate de incompetência ratione loci (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de
Apelação da Bahia,20 de dezembro de 1945, R. de J. B., 72, 221), salvo se há pressuposto dehierarquia. Cumpre,
porém, observar-se que as regras jurídicas sobre com-petência interestatal (e. g., competente era o juiz brasileiro, e não
o francês ou o alemão) não são ratione loci, mas ratione materiae. 6. Dolo da parte vencedora em detrimento da
parte vencida Dolo é a direção da vontade, aí vontade do vencedor, para contrariar direito. No

158 Óbvio que, hoje, o comentarista aludiria tambdm ao recurso especial. O atualizador se sente
dispensado de lembrar essa evidência cada vez que, no sexso, aparecer menção ao recurso
extraordinairio, desdobrado no especial a partir da Const. 88.

suporte fáctico, estão o ato, positivo ou negativo, a contrariedade a direito e a direção da vontade que atinja a outra
parte. Pode ser que se trate de ato imoral, sem que a parte vencedora o haja querido para detrimento da parte, o que
raramente acontece se foi causa da vitória, total ou parcial, no litígio. Não se pode invocar o art. 485, III, se o vencedor
ignorava a ligação entre o seu ato, ou a sua missão, e a favorabilidade da sentença (cf. Richard Weyl, System der
Verschuldensbegríffe, 400). É da máxima importância atender-se a que a contrariedade a direito, elemento do suporte
fáctico, existe, quer a pessoa ignore, quer não, a regra jurídica, que há de incidir ou incidiu, porque a incidência das
regras jurídicas se opera em determinação absoluta; portanto, infalível.
Se a decisão foi favorável em parte a um dos figurantes e em parte ao outro ou a outros, cada um dos vencedores pode
alegar o dolo de quem parcialmente venceu. Cada um pode propor a ação rescisória.

7.Colusão entre as partes, em fraude à lei Se houve conluio, ajuste, entre as partes, inclusive o Ministério Público,
quando presenta ou representa, ou entendimento entre elas parafraus legis, há rescindibilidade da sentença. Tem-se de
alegar e provar. Ai, se há três ou mais partes e o conluio não foi entre todas, há a legitimação ativa da parte ou das
partes que foram atingidas em seus direitos pela colusão entre as outras. O terceiro juridicamente interessado também
é legitimado. O elemento dafraus legis é essencial; mas há fraude à lei mesmo se a combinação dolosa foi a respeito
de fatos que seriam elemento de suporte fáctico de alguma regra jurídica.

8.Trânsito em julgado, formalmente, e a ação rescisória (a) A coisa julgada é fato formal; o trânsito em julgado,
especificamente processual dominado, no plano supra-estatal, pelo direito do Estado do juiz. Supóe, portanto, a
distribuição supra-estatal ou interestatal da competência para legislar sobre direito processual, competência, nos
nossos dias, ligada à competência para a atividade jurisdicional.
Se há ofensa à coisa julgada, cabe a ação rescisória. Naturalmente, tem-se de precisar sobre quais pontos se operou a
preclusão; e aí, tratando-se de sentenças declarativas ou de sentenças com efeito declarativo, ou de coisa julgada
material, intervém a questão do motivo, que é, em verdade, argumento, e do motivo que é decisão (“considerando que
constitui fundamento indispensável”, Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 2 de fevereiro de 1942, D. da J. de 2
de julho, 1778; aliter, se não é premissa necessária, Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 17 de abril de 1941, A. J., 59, 480). A coisa julgada, a que se refere o art. 485,
IV, é a coisa julgada formal.’59 Ou, melhor, basta que ofendida tenha sido a coisa julgada formal. Posto que o mais
comum seja tratar-se de infração da coisa julgada material, de que aquela é um dos ‘~
Se houve desrespeito à coisa julgada formal, tem-se de exercer a pretensão à rescisão (ação rescisória), não a pretensão
ao recurso extraordinário. Se a propósito de coisa julgada formal ou material, ocorreu um dos pressupostos
constitucionais para o recurso extraordinário, há pretensão àcorreção, o que permite que se evite o trânsito em julgado
da decisão na segunda ação (cf. 2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 21 de abril de
1950,R. F., 132,118).
Quando o autor deduz em juízo o bem da vida, para que o juiz decida, entregando-lhe prestação jurisdicional cujo
conteúdo normal é alternativo (“sim~~ ou “não”) e escolhido pelo juiz, esse bem, res in iudicium deducta, se toma,
com a entrega, res iudicata. O conceito é esse, e continua de ser esse: “Res iudicata dicitur, quae finem
controversiarum pronuntiatione iudicis accipit: quod vel condemnatione vel absolutione contingit” (L. 1, D., de re
iudicata et de effectu sententiarum et de interlocutionibus, 42, 1). O condenar e o absolver traduzem resíduos de
tempos ainda mais remotos. Tendo de pôr fim à controvérsia com a coisa julgada, o espírito romano atribui ao estado
de res iudicata certa eficácia de força material, impedindo multiplicação das lides, com o risco de contradição entre
sentenças: “ne aliter modus litium multiplicatus summam atque inexplical5ilem faciat difficultatem, maxime si diversa
pronuntiarentur” (L. 6, D., de exceptione rei iudicatae, 44, 2). A essa sinceridade romana se contrapuseram, depois,
interpretações diferentes da coisa julgada, como a presunção de verdade, o ato de santidade do Estado, a lei concreta, a
vontade da lei no caso concreto
e outras justificações econômico-políticas.

159 Na sistemática do CPC, a coisa julgada formal (preclusão) de sentença terminativa, de extinção
do processo sem julgamento do mérito (art. 267), não faria rescindível a sentença, ou acórdão, que
decidisse contrariamente a ela. Basta ler o art. 268, conforme o qual “salvo o disposto no art. 267, n0
V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação”. O entendimento contrário
levaria à absurda conclusão de que toda vez que, extinto o processo por sentença transitada em
julgado com fundamento no art. 267, o autor propusesse de novo a ação, como lhe permite o art. 268,
a sentença, que ele obtivesse, seria contrária à coisa julgada (formal) no processo da ação anterior. A
coisa julgada formal é pressuposto da coisa julgada material porque esta só ocorre quando, pelo
tránsito, faz coisa julgada formal a sentença de mérito. Dessarte, correto será afirmar-se, embora
serpeantemente, que se torna rescindível pelo art. 485, IV, a sentença que ofender a coisa julgada
formal que cobriu o julgamento de mérito porque, nesse caso, haverá também coisa julgada material,
condição da ação rescisória, como se colhe no caput doart. 485 (vd. as notas 130e 131).
160 Vd.as notas 159, 130e 131.

Observe-se, porém, que o direito brasileiro faz irrescindível, após os dois anos, a sentença infratora, o que a sobrepõe,
portanto, à outra.
(b) Os elementos do pressuposto são dois: (1) sentença passada em julgado; (II) outra sentença, com infração da
preclusão, posterior, que também haja passado em julgado. Assim, terá havido o fato jurisdicional “reiterante” de
outro fato jurisdicional. O conceito de mesmos pontos exige, para que mesmidade se dê, a identidade de sujeitos, de
causa e de coisa; portanto, da própria relação jurídica ou da suposta relação jurídica, que se levou a exame e sobre a
qual se firmou a prestação jurisdicional. Uma vez que são dois os elementos, desde que não se verifique um deles, o
pressuposto não se perfaz.
O primeiro elemento não se verifica: a) ou porque não houve sentença passada em julgado, como se não houve
sentença, ou é nula ipso iure, ou foi dada sobre a matéria em que não cabe coisa julgada formal; b) ou porque a coisa
julgada formal foi destruída extraordinariamente (lei retroativa, em caso de revoluções, ou de legalidade que desfaça
atos de governos de fato), ou em virtude de haver decorrido o prazo para a rescisão da segunda sentença.
O segundo elemento não se verifica: (1) ou porque não houve sentença posterior passada em julgado, como se não
houve sentença, ou é nula ipso iure, ou foi dada sobre matéria em que não cabe julgada formal; (2) ou porque a coisa
julgada formal foi destruída extraordinariamente, ou em virtude de haver decorrido prazo para a rescisão, ou para a
propositura de rescisória de terceira sentença. Figurando-se o caso de ser a sentença em matéria na qual pudesse fazer
coisa julgada, temos que o pressuposto não se perfaz sempre que falta o primeiro elemento.
Dissemos que falta o primeiro elemento “sentença trânsita em julgado que se quer rescindir”, se precluiu o prazo para
a rescisão de tal sentença. Uma vez que se admitiu, de lege lata, a propositura somente dentro dos dois anos a respeito
da segunda sentença, o direito e a pretensão à rescisão desaparecem, e a segunda sentença, tornada irrescindível,
prepondera. Em conseqUência, desaparece a eficácia de coisa julgada da primeira sentença. Esse é um ponto que não
tem sido examinado a fundo, pelosjuristas ejuízes:
há duas sentenças, ambas passadas em julgado e uma proferida após a outra com infração da coisa julgada. Se há o
direito e a pretensão à rescisão da segunda sentença, só exercivel a ação no biênio, e não foi exercida, direito,
pretensão à rescisão e ação rescisória extinguiram-se. A segunda sentença lá está, suplantando a anterior. De iure
condendo, poder-se-ia conceber diferentemente a situação, e. g., fazendo-se rescindível, sempre, a segunda sentença.
Porém nenhuma solução de impreclusibilidade foi admitida: o biênio é inexoravelmente preclusivo. Assim, há duas
decisões que, exhypothesi, se contradizem e a contradição tem de ser afastada pela superação da sentença ofendida.
Salvo, conforme vemos, se a primeira sentença já foi cumprida.
Assim, não cabe a ação rescisória por ofensa à coisa julgada: (a) Quando a primeira sentença é nula ipso iure, ou não é
sentença (Manuel Gonçalves da Silva, Commenta ria, III, 139). Se for proposta ação rescisória com fundamento na
coisa julgada e uma das sentenças for inexistente ou se for nula, ocaso não é de se julgar procedente, mas de se julgar
improcedente, por ser inexistente ou nula ipso iure uma das sentenças. Tal conclusão julga a nulidade ipso iure ou a
inexistência, de modo que, ainda julgada improcedente, teve o autor, ou o réu, acatada a outra sentença. Os outros
pressupostos objetivos da ação rescisória ficam sem razão de ser e, pois, prejudicados. Se houve reconvenção à
rescisória, por parte do réu ou intervenção de pessoa com interesse jurídico, contra a outra sentença, que se supõe não
ser inexistente nem nula ipso iure, julgar-se-á tal pedido de rescisão. Se ambas as sentenças forem inexistentes ou
nulas ipso iure, a decisão (só em iudicium rescindens) apenas poderá ser relativa a tais situações, devendo ser
proferida na preliminar do conhecimento. (b) Se a primeira sentença, absolutória, foi em matéria em que o processo
pode ser renovado, com outras provas. (c) Quando a coisa julgada da primeira sentença foi atingida por lei nova,
segundo ditame de direito intertemporal. (d) Se decorreram os dois anos, sem que se propusesse a ação rescisória
contra a sentença posterior. O que se disse sobre o primeiro aplica-se, mutatis mutandis, ao segundo.
Em todo caso, se a primeira foi executada como se as duas sentenças passaram, ex hypothesi, em julgado , prevalece,
ainda teoricamente, a primeira. Isso quer dizer que, tratando-se de sentença só declarativa, a segunda prevalece
sempre. Se a primeira sentença deixou para que se apurasse no cível, ou no juízo criminal, algum ponto, ou ressalva,
implícita ou explicitamente, outra ação ou outro remédio (ainda que a ação seja a mesma), e a nova sentença só nesse
ponto decide, ou decidiu nesse e noutros pontos que pela primeira não foram decididos, contradição entre elas não se
dá. As vezes, os juizes deferem, ou indeferem o pedido, por ser obscura ou duvidosa a matéria, sem se considerar
entregue a prestação jurisdicional (violação do art. 126). Outras vezes (não se confunda com os casos acima), é a
sentença mesma que é obscura ou duvidosa, e só uma das suas interpretações se chocaria com a posterior. Cabe pedir-
se declaração, ou interpretação, ao mesmo juiz, ou na execução, segundo a lei processual.
Volvamos ao exame das duas sentenças em contradição. Se a primeira não foi cumprida, a segunda pode ser cumprida,
porque a rescindibilidade não é óbice à execução, e nenhum poder têm os juizes para deixar de cumprir
a sentença, que se lhes apresenta, por estar em contradição com outra sentença anterior. Tal cognição só lhes cabe no
iudicium rescindens. Se foi a primeira que se levou à execução, passa-se o mesmo.
Proposta a ação rescisória e sobrevindo a rescisão da segunda sentença, há a volta ao status quo, com as pertinentes
restituições. Se transcorrem os dois anos sem se propor a ação rescisória da segunda sentença, tal sentença passa a ser
incólume. Apenas, com ela, não se vai desfazer o que, em cumprimento da primeira sentença, se fez.
Resta um problema. Se a segunda sentença, já irrescindível, absolveu o réu, ao contrário da outra, ou se ambas
condenaram mas em menos a segunda, ~há a ação de enriquecimento injustificado? Não. Se a primeira absolveu e a
segunda condenou, j,pode ser executada a segunda, tornada, pelo transcurso do prazo preclusivo, irrescindivel? Sim.
Se duas sentenças forem absolutamente iguais, proferidas pelo mesmo juiz, no mesmo processo, só a primeira vale. Se
proferidas em dois processos diferentes, na mesma espécie (identidade de ação), vale a primeira, ou, passados os dois
anos, a segunda, se não foi executada, ou não começou a ser executada a primeira. Não sendo iguais, ainda que in
minimis, dá-se a ofensa à coisa julgada. A rescindibilidade pende, durante os dois anos, e após ele vale a segunda, e
não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se. Se o último momento do prazo
preclusivo da segunda encontra a outra em execução, ainda não precluso o prazo para embargos do devedor, pode o
executado, a que a segunda sentença interessa, opor-se à execução, sustentando a irrescindibilidade da segunda
sentença. A execução da primeira não pode ofender a irrescindibilidade da segunda.
A decisão inconciliável com o julgado anterior, porém que, não obstante, já se tornou irrescindível, prevalece. O
fundamento disso não é a renúncia à sentença anterior ou a aquiescência à posterior. Tal renúncia pode ter sido a
sugestão a fazer-se preclusivo o prazo bienal; não é, por si, ato jurídico, ou de consequências jurídicas interindividuais.
A segunda toma o lugar da primeira, porque a lei a fez só rescindível no lapso. Não prevalece, porque a primeira se
desvaleça , e sim porque, convalescendo-se inteiramente, tornando-se inatacável, irrescindivel, torna impossível o que
lhe écontrário. O direito moderno repudiou o principio romano da perenidade da exceção à sentença que viola a coisa
julgada, o *fp~~ iure nulíam esse posteriorem sententiam quae contraria sit priori. A segunda sentença, ou outra, que
após ela veio, torna indefectível a segunda, ou outra posterior prestação jurisdicional; e o primeiro julgado é como se
não tivesse havido. Assim havia de ser pela descategorização que processualmente ocorreu: o que era inexistente, para
o direito romano, passou a ser apenas rescindível.
(c) Os nossos dias precisam a distinção entre vícios deduzíveis por via de recursos, vícios deduzíveis em qualquer
tempo (indiferentes ao prazo para a rescisão) e vícios deduzíveis no biênio. Aliás, não é necessariamente sanável toda
nulidade que precisa ser alegada; posto que, de lege ferenda, fosse útil fazer decretáveis de ofício pelo juiz, até a
sentença definitiva, todas as nulidades insanáveis. Há, pois, vícios que, não encobertos por ocasião da sentença,
acompanham a coisa julgada são os que permitem rescisão. E nulidades que afetam a própria sentença em si,
impedindo-lhes a existência, ou fazendo-as nulas ipso iure, e a todo tempo.
(d) A exceptio iudicati não é, em todos os casos, perene. Só onde há a nulidade, no sentido de absoluta no tempo,
independente de ação, é que se pode falar de perenidade. Fora daí, não. Ora, a exceção de coisa julgada só se pode
referir aos processos em andamento. Não assim à sentença posterior que passou em julgado e já se não pode reformar,
nem rescindir. Não é sententia perpetue nuíla: o art. 495 afasta os que lhe querem opor a res iudicata de outra após os
dois anos.
(A razão de ser perene a exceção romana de coisa julgada estava em serem os povos romanos, como os outros povos
antigos, atados à concepção da perpetuidade, do eterno, atribuindo ao passado quase tudo do presente e do futuro, A
preclusividade da exceção e da ação por ofensa à coisa julgada atende ao relativismo filosófico dos povos
contemporâneos.)
Temos, portanto:
a) A exceção de coisa julgada só se opõe durante outra lide, portanto até que se possa apresentar segundo as regras
jurídicas processuais.
b) A ação rescisória por ofensa à coisa julgada supóe que tenha havido duas coisas julgadas sobre os mesmos pontos,
porém há de ser proposta no prazo de dois anos.
A decisão das Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 22 de fevereiro de 1946 (R. F., 107,
93, R. dos T., 160, 779), que julgou incompetente o tribunal local para a rescisão de acórdão seu, por ter havido
recurso para o Supremo Tribunal Federal, que dele não conheceu, ofendeu a lei. Outro absurdo está na decisão das
Câmaras Civis, a 22 de março de 1946 (R. F., 108, 321), ao negarem cognição à ação rescisória de acórdãos do
tribunal local, tendo o Supremo Tribunal Federal confirmado o despacho denegatório do presidente do tribunal.
Entendiam que se devia, antes, rescindir a decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas~ a decisão foi a denegação! A
ação rescisória em que se discutisse a legalidade do julgado do Supremo Tribunal Federal, sim; não a em que,
reconhecendo-se o trânsito em julgado após a publicação do acórdão da Justiça local, se alega haver na decisão um dos
pressupostos para o recurso extraordinário.

9.Violação de literal regra jurídica, pressuposto suficiente da rescindibilidade O primeiro elemento a ser explorado no
conceito do art. 485, V, é de extensão: ~que é que cabe na expressão “lei”, “direito”? O segundo, de qualidade: o que é
que se entende por direito expresso, constitutum, agora “literal”. Ou o juiz: a) se atém ao texto da lei, ou ao que dele
imediatamente resulta, e julga secundum legem; ou b) sem a lei, mas junto (imediatamente à lei, praeter legem, cf.
nosso Sistema de Ciência Positiva do Direito, II, í~ ed., 275; III, 2~ ed., 289 s); ou c) contra o que está escrito na lei,
contra legem. O secundum legem pode ser subdividido: aplicação da lei, mecanicamente, ou aplicação auxiliante, do
que dela proximamente se tira, adiuvandi gratia. As duas outras espécies correspondem à aplicação que suplementa,
que estende, que enche, que dilata e dinamiza, suplendi gratia, e a que altera a lei, ou a destrói em parte ou a corrige,
corri gendi gratia. Não há extensão escusada se há regra de interpretação, que a determina.
A expressão erro contra literam, ou violação da regra jurídica (ou texto) literal de lei, nenhuma referência contém a ser
escrito ou não-escrito o direito. O error contra literam legis sempre foi o sucedâneo do error contra iuris rigorem,
contra iuris formam, que aparece no Digesto (L. 19, D., de appellationibus et relationibus, 49, 1) e no Código
justinianeu (L. 2, C., quando provocare necesse non est, 7, 64), oposto ao error contra ius litigato ris. A sentença do
art. 485, V, é a sentença lata contra legis tenorem, sentença que, já na linguagem de Baldo de Ubáldis, “non tenet”.
Contra ius, contra literam são sinônimos, e mais largos que contra ius expressum. De modo que pode haver ação
rescisória ainda quando a infração do direito concerne àquelas regras sujeitas a interpretação, ou quando se trata de
costume ou direito extravagante ou singular, ainda que não notório. A infração da ratio legis, com infração da regra
jurídica (contra literam), não escapa ao art. 485, V. E verdade que, sob a influência do direito canônico, se quis
fossem separadas, como o entendia o abade Panormitano; mas houve repulsa, de que dá testemunho Jasão de Mano
(Commentaria, ad L. 122, 6, D., 45, 1, n. 521), que foi claro: o notável dito, notabile dictum, do abade não é
verdadeiro, porque, sendo contra a mens legis a sentença, não se lhe pode ver com os olhos do corpo o erro (“puto
istud notabile dictum abbstis non esse verum, quia, cum sententia iudicis est contra mentem legis, ilie error non potest
oculis corporeis videri”). Formou-se a doutrina, através de B. Socino, Baldo de Ubáldis, Alexandre Tartagno de Imola,
e outros, de valer, plenamente (então era de não valer e não de se rescindir que se falava), a sentença contra si,nile
legis. Essa exceção atendia à repugnância
L
à analogia como regra de interpretação, o que já se não justifica. Foi o jurista português Bento Pinhel (Selectarum luris
Interpretatioflum, Cap. 19, nos 33 s.) quem edificou, em linhas precisas, a figura de sentença contra simile legis ou
sentença contra similitudinem legis.
Os problemas, que aí se levantam, tornam-se falsos problemas se levamos em conta que há povos em que as regras de
interpretação das leis
inclusive para invocação de princípios gerais do direito e analogia jsáo regras literais! É difícil torcer-se a via: pode
mais do que o artifício... Regra de interpretação das leis direito é.
(a) O direito, o ius, em todas as épocas, é o que se reputa justo, e se realiza, o que se aplica secundum legem, pra eter
legem e corrigendi gratia. Existe, pois, uma parte secundum legem que não é direito, como aconteceu, no Brasil, com
a regra legal que proibia os seguros de vida. Outra, praeter legem, que também não no é. Outra, finalmente, que não se
considera direito, nem é direito. Por onde se vê a gravidade de qualquer enunciado.
ODireito, em sua evolução incessante, ou, pelo menos, em sua mutabilidade, porque lhe faltam os fatores de
estabilidade, mais características da Moral e da Religião, constitui o que, em cada momento, é tido pelo mais justo e
ao mesmo tempo realizável. Ao primeiro elemento servem a lei, a doutrina e a dicção por parte dos juizes; ao segundo,
o processo como realizador do direito objetivo.
O princípio de que o juiz está sujeito à lei é, ainda onde o meteram nas Constituições, algo de “guia de viajantes”, de
itinerário, que muito serve, mas nem sempre basta. Equivale a inserir-se nos regulamentos de uma fábrica uma lei de
física, a que se devem subordinar as máquinas: a alteração há de ser nas máquinas. Se entendemos que a palavra “lei”
substitui a que lá devera estar, “direito”, já muda de figura. Porque direito é conceito sociológico, a que o juiz se
subordina, pelo fato mesmo de ser instrumento da realização dele. E esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do
juiz, quando promete respeitar a assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impor a letra legal, e só ela, aos fatos, a
função judicial não correspondena aquílo para que foi criada: apaziguar, realizar o direito objetivo. Seria a perfeição
em matéria de braço mecânico do legislador, braço sem cabeça, sem inteligência, sem discernimento; mas anti-social
e, como a lei e ajurisdição servem à sociedade ‘ absurda. Além disso, violaria, eventualmente, todos os processos de
adaptação da própria vida social, porque só atenderia a eles, fosse a Moral, fosse a Ciência, fosse a Religião, se
coincidissem com o papel escrito. Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se so fosse a lei: não
apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a
subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado.

É inegável que alguns princípios e regras jurídicas são tidos como cerne, ou, melhor, como núcleo. Uma parte do
direito muda com as leis fáceis de ser feitas (alguns princípios são mais estáveis, por motivos que temos estudado,
como os ligados a religiões ou a razões morais); outra, muda menos com as leis, porém não consegue pôr de acordo os
tribunais, e constitui aqueles pontos que nos repertórios de jurisprudência estão sempre com dois ou mais partidos de
interpretação; outra, dificilmente muda. Onde o direito persiste controverso, o defeito é menos dele que da própria
sociedade (se defeito é): ou ele, no fundo, reputa irrelevante a regra, e pouco se lhe dá que as opiniões e soluções
variem (a decisão definitiva apaziguará, posto que se não realize o direito objetivo), ou a controvérsia demonstra a
heterogeneidade mental da sociedade, em que há duas forças que se opõem, sem que se possa achar a diagonal do
paralelogramo. Por isso mesmo, se bem que o direito busque, ou a integração social busque, para ele, a unidade, por
vezes fica evidenciado que não há grande inconveníente em que o tribunal de um lugar divirja, em certas matérias, de
outro, porque a sua missão é realizar o direito objetivo no âmbito da sua jurisdição territorial. Mas, onde isso não
acontece, o direito processual tem por função realizar o direito objetivo, em sua plenitude e inteireza.
A regra extralegal (no sentido de não-escrita nos textos), assente com fixidez e inequivocidade, é direito, ao passo que
não no é a regra legal, a que a interpretação fez dizer outra coisa ou o substituiu. Pouco importa, ou nada importa, que
a letra seja clara, que a lei seja clara: a lei pode ser clara, e obscuro o direito que, diante dela, se deve aplicar. Porque
a lei é roteiro, itinerário, guia.
Do que foi dito podemos tirar que o direito, a que se referem as leis processuais, não é a lei; mas aquele cercado, não
muito “fino”, em que os textos são estacas, que às vezes, por serem duas ou mais, uma adiante das outras, o arame só
por uma passa, porque a outra ou outras ficaram “fora” do que bastaria ao cercado ou seria preciso ao cercado. O
verbum legis é ínfimo, se nós lhe antepomos a vis ac potestas legis. O conteúdo imanente da ordem jurídica obriga a
que a lei mesma, que não é prius, sofra a ajustação ao direito fixado, que ela não teve forças para mudar. A opinião de
que ao iudicium rescindens não vão somente as sentenças proferidas contra direito “escrito” nunca deixou de ser a
dos grandes juristas. O direito, e não a lei como texto, e o que se teme seja ofendido. Alguns escritores desavisados
leram “direito expresso” como se fosse “lei escrita clara”, “lei escrita explícita”. É grave erro. O direito de que se fala
é o direito em sua consistência de revelação. Tanto assim que a communis opinio se tinha como direito expresso,
desde que fixada (D. B. Altimaro, Tractatus, II, 511; Antônio de Souza de Macedo, Decisiones, 184 s.; Manuel
Gonçalves da
Silva, Commentaria, III, 139): “Et licet non desint au tenentes contrarium (scilicet) sententiam latam contra
communem opinionem esse nulíam sicut latam contra legem”.
Ao lado do direito que se revela de texto à vista, embora sem o juiz se ater a ele como exaustivo, está o costume.
(b)A boa lição dos jurisconsultos sempre foi no sentido de ser rescindível a sentença que se proferiu contra
consuetudinem. (Não se confunda com os usos e costumes a que se recorre quando algo falta ao negócio jurídico, no
tocante à declaração de vontade, e que não são “direito”.) Não só os do século XV, como os dos três séculos seguintes.
Aliás, até onde podemos ir para aquém do século XV, nenhuma dúvida surge. Os grandes espíritos se limitam a
enfileirar as opiniões concordantes: desde Muscatelo. E. Schrader, P. Wesenbeck, D. B. Altimaro e Alexandre Meyer,
sobre as sentenças contra ius constitutum. D. B. Altimaro (Tractatus, II, 512), por exemplo, é decisivo: “Nuíla esset
sententia, si lata esse contra consuetudinem”, compreendendo-se os costumes notórios, ou de que se dê prova
(consuetudinem notoriam, vel exactis probatam). Não menos claro, escrevia Alexandre Meyer (De Nulitate
sententiarum contra ius constitutum latarum, 31): “Num sententia contra consuetudinem lata nuíla sit, raro quasesitum
est; revera intelligi non potest, cur minus sit nuíla, quum generaliter eadem potestas sit iuris quod moribus et iuris
quod legibus constitutum est”. Costumes e regras jurídicas para que se interprete a lei por analogia podem ser escritos,
literais.
(c)Como acontece com o costume, a violação da ratio legis pode constituir pressuposto objetivo da rescisão. E o
mesmo que infringir a lei:
“Quare ratione legis correcta, dicitur correcta ipsa lex”, “Quia contra legem facit, qui illius mentem offendit”; “Nuíla
est sententia lata contra rationem legis, sicut quae profertur contra legem”. Como se vê, os textos de Bártolo de
Saxoferrato, dos seus contemporâneos e dos pósteros não permitiam dúvidas.
Toda regra de qualquer procedência que seja, tida como convicção jurídica e, na prática (trate-se de doutrina ou de
decisão judicial), realizável, de preferência a outras que a excluiriam, ou modificariam é direito. A lei brasileira fala
em ‘‘analogia~~, ‘‘costumes’’ e ‘‘princípios gerais do direito’’. Com isso, não se obstaram outras fontes. O juiz diz o
direito, o direito que é; por isso, não o faz com o propósito de legislar: a sua atividade criativa éde revelação, de levar
o arame de estaca a estaca, compondo o cercado. Nesse sentido é que do juiz que mais criou, o Pretor romano, se
afirma:
Praetor ius dicere, ius facere non potest”.

A analogia, para se aplicar, ou para se não aplicar alguma regra jurídica, pode dar ensejo à ação rescisória. Se o juiz ou
tribunal diz que ao fato a corresponde a regra jurídica b, porque falta a regra jurídica a, o juiz ou tribunal ofende o
direito constituído se a regra jurídica a existe, ou se seria o caso de se aplicar a regra jurídica c, ou nenhuma regra
jurídica. Daí não se dever receber o que disse a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de agosto de 1943 (R. F.,
99, 73) ao afirmar que “a analogia ante-supõe omissão, caso em que não pode haver erro judicial que justifique o uso
da ação rescisória”. Tampouco só se infringe o texto legal que é “claro”, como insinuou o Supremo Tribunal Federal, a
22 de novembro de 1944 (R. F., 105, 67): A existência da regra jurídica e, pois, a sua infringibilidade independem de
ser clara, ou obscura; o sistema jurídico existe em todos os seus enunciados, independente do trabalho de revelação
deles. O velho aforismo *In claris nonfit interpretatio não mais se leva a sério.
Sobre o art. 798, 1, c), do Código de 1939, escreveu Álvaro Mendes Pimentel (Observações, 136 5.): “Empregou o
projeto a expressão literal disposição de lei, usada pelo nosso Código Penal no art. 207, § 1~, e também adotada na
antiga Constituição federal de 1934, quando cogitou do recurso extraordinário, em vez de direito expresso. Não vamos
aqui demonstrar a grande distância que vai de uma a outra. Para se ter a certeza do erro grosseiro em que incorreu o
autor do Projeto basta que se leia o que, a respeito, com profundeza germânica e clareza latina, escreveu Pontes de
Miranda, na sua notável monografia. A Ação Rescisória, p. 169”. Desde que existem regras escritas de interpretação,
são literais como outra qualquer.
a) Ainda quando o juiz decide contra legem scriptam, não viola o direito, se a sua decisão corresponde ao que “se
reputa” direito. (No direito romano, a interpretatio ficava entre o direito e a aequitas: ao aequum ius opunha-se o ius
iniquum; cf. Gaio, II, 25: iuris iniquitates. Vale a pena lerem-se as notas de Theodor Kipp, Geschichte, 83; no direito
brasileiro, nosso Sistema, fi 1a ed., 276 s.; III, 2~, 289 s., sobre alguns casos típicos
de aplicação contra legem scriptam, absolutamente justos, por parte da justiça brasileira.) O absolutismo da
correlação necessária entre texto e direito, que o Estado despótico pregara, o Estado constitucional herdou e as
chamadas escolas positivistas receberam como realidade social permanente, por falta de conhecimento sociológico, foi
aspecto de momento histórico. Felizmente, em torno da expressão “direito expresso”, as mentalidades jurídicas dos
séculos XVI e XVII, que tiveram a missão de interpretá-la, livraram-nos da dogmática oficial dos séculos XVIII a XIX
(a que só alguns filósofos católicos ou de formação sociológica se contrapunham). O juiz tem de decidir. Diante de lei
que contradiz a ela mesma, ou a outra lei em vigor e por ela não revogada, cabe-lhe dizer o que é o direito: não o faz,
revela-o. (Também ao legislador deveria tocar, posto que, com mais liberdade, a revelação. Resquícios de despotismo
fazem com que se creia mais destinado a fabricar as leis que a revelá-las. Por outro lado, fazê-las é fácil; adotar a que,
no momento, a ciência aponta como a melhor, supõe que seja um técnico e que esteja em dia com a ciência.)
b) Tudo que se fixou, segundo o método de interpretação e fontes de sistemas jurídicos a que pertence a matéria, é ius
constitutum. Não é verdade que o direito interpretado, a regra que se adquiriu pelos meios interpretativos, ainda
analógicos ou de princípios gerais, ou, até, a contrário senso (argumento que não é dos melhores), não possa
constituir-se, não possa exprimir-se, não possa ser ius constitutum, ius expressum. Hoje afirmá-lo seria absurdo, dadas
as convicções da ciência vigente. Outrora, assim não se entendeu, e só a obra da ignorância mete distinções onde não
as há. Todos sabem a enorme autoridade de D. B. Altimaro para o direito lusitano, de que houvemos a expressão; pois
bem: o jurista itálico grafou, mais de uma vez, a persuasiva frase dos seus antecessores, e nas suas citações inclui a
dois portugueses: Antônio da Gama e Agostinho Barbosa. Esses só excetuavam o caso de ser a afirmação a contrario
sensu, contrária, por sua vez, a ius expressum. D. B. Altimaro, depois de dizer ser nula a sentença contra o costume
notório ou provado, ensinava: “Idem dicimus de sententia lata contra legem, sumpto argumento a contrario sensu”, o
que se há de entender quando contrarium non est in iure expressum”. Por outro lado, há regras escritas de
interpretação e fontes, suscetíveis, como as outras, de violação in thesi. (No livro Da Ação Rescisória, 2~ ed., 149,
Jorge Americano fala de tese da lei, em vez de dizer direito em tese, ius in thesi. O acórdão do Supremo Tribunal
Federal que citou não lho permitia. Engano, entenda-se, de expressão.)
Na matéria do art. 485, V, o juiz tem de dizer o direito, tal como entende que é e foi violado, sem se preocupar com o
fato de existir, ou não, ínterpretaçáo divergente. As diferenças de exegese passam-se no sujeito, nos juizes, e não no
ordenamento jurídico. São subjetivas. Seria bem frágil o sistema jurídico se, ao simples fato do erro, da meia-ciência,
ou da ignorância de aplicadores e intérpretes, as suas regras jurídicas pudessem empanar-se, encobrir-se, a ponto de
não se poder corrigir a violação da lei. Assim, quando as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, a 3 de dezembro de 1952, deixaram de rescindir julgado que infringira regra jurídica, com o simples
argumento de que havia duas diferentes interpretações da lei, infringiram o direito, porque o atacaram em sua própria
integridade e o reduziram a algo de só existente nas mentes dos juizes. Acertada foi, hoje, a inserção das regras
jurídicas dos arts. 477-479.

Às vezes, a jurisprudência muda entre o proferimento da sentença e o último dia do biênio. Outras vezes, depois de
proposta a ação. De modo que, no momento em que se vai julgar a ação rescisória, o direito já se acha diferentemente
revelado. Dois acórdãos do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro pretenderam (8 de junho de 1926, 10 de junho de
1928) que, sendo outra a revelação ao tempo da sentença rescindenda, não pode ser julgada procedente a ação
rescisória. Estavam em erro. Não só é rescindível tal sentença, como o são quaisquer outras sentenças que tenham
revelado erradamente o direito. A nova jurisprudência faz suscetíveis de rescisão a todas e só o biênio pode cobri-las
contra o exame rescindente.
(d) Os acórdãos do Tribunal e Justiça de São Paulo, de 21 de fevereiro e de 6 de junho de 1919, decidiram que a
sentença que julga contrária à Constituição regra jurídica de decreto ou lei não é suscetível de rescisão. Escusado é
argúir-se a improcedência palmar de tal conclusão: o direito constitucional é direito, como os outros ramos; não no é
menos; em certo sentido, é ainda mais. Rescindíveis são as sentenças que o violam, quer se trate de sentenças das
Justiças locais, quer de sentenças dos tribunais federais, inclusive as decisões unânimes do Supremo Tribunal
Federal.’6’
Disse a Corte de Apelação do Distrito Federal, a 10 de agosto de 1930:
“Os dispositivos legais violados, ao que assegura o autor, são os arts. 530-532 do Código Civil e o art. 106,111, do
Código de Processo (do Distrito Federal) já aludido. Nessa ordem de idéias, sustenta que, admitindo o juiz, como
prova da propriedade do terreno, que o réu se arroga, certidão de partilha, a que se procedeu, por força do falecimento
de sua mulher, e da qual consta que ao dito réu foram adjudicados os terrenos em apreço, sem a transcrição no
Registro de Imóveis, contraveio, de forma evidente, os primeiros dispositivos do Código Civil, citados, pela carência
da formalidade essencial neles exigida para validade da aquisição do imóvel, como identicamente transgrediu o último
dispositivo processual citado, porque esse documento, sem valor jurídico, não prova a transação, de que resulta o
direito do dito réu e a obrigação do autor como seria exigível para a propositura da ação rescindenda. Nenhuma
procedência jurídica encerram essas arguições do autor. O art. 532 do Código Civil, fazendo remissão aos arts. 531 e
530, determina que devem ser transcritas no Registro de Imóveis as sentenças que, nos inventários e partilhas,
adjudicarem bens de raiz, em pagamento das dívidas da herança. Essa não é a hipótese dos autos”. Não houve, pois,
violação do direito em tese, considerado in concreto. Na mesma Corte, o Procurador-Geral (19 de dezembro de 1928),
falou “em ser indispensável confrontar, acarear o texto da lei, que se diz violado, com a espécie
que serviu de base à sentença rescindenda”. Excelentemente, acrescentou:
“Concluído esse exame, uma vez verificado que a sentença violou direito expresso, não em abstrato, porque do
contrário nunca teríamos um caso de ação rescisória, mas sim, em relação imediata com o fato que ela apreciou, deve-
se julgar procedente o iudicium rescindens, que é a ação rescisória propriamente dita, e em seguida o iudicium
rescissorium, que é a espécie cuja decisão tem por fim renovar, em consequência da nulidade da espécie examinada”.
O acórdão atendeu ao parecer, mas foi assaz lacônico (cp. Corte de Apelação, 1” de setembro de 1920, onde há
lamentável confusão de conceitos: direto objetivo, direito subjetivo, nulidade absoluta, nulidade relativa).
a)Todo direito extralegal (fora dos textos) precisa de certos elementos de fixação, porém não depende ela, somente, da
reiterada jurisprudência. Nada obstaria a que, no juízo rescindente, a Corte julgadora ferreteasse como contra direito
literal toda uma série inexcetuada de julgados; toca-lhe, aí, a missão de velar pela realização relativamente perfeita do
direito objetivo, e falharia a ela se tivesse de se submeter aos julgados dos outros corpos. Constitui um dos poucos
argumentos a favor da competência das câmaras mais altas e plenas para Q conhecimento da rescisória, em vez da
atribuição ao mesmo juiz.
b)Muitas vezes, o proponente da ação rescisória invoca princípio que não está na lei, ou que colide com a literalidade
de algum texto. Será devido, talvez, à derrogação pelo costume, quando a regra jurídica já não corresponde à
convicção da sociedade ou à sua função adaptativa, como acontece a uma porção de decretos e posturas municipais
inaplicáveis, de que se esqueceram os artigos derrogatórios das leis novas. Ainda onde um Código diz que a lei só se
derroga por outra, o que ocorre é a confusão do legislador:
pretendeu legislar sobre direito intertemporal, ou sobre fontes e interpretações das leis (dois ramos de sobredireito), e
invadiu a mecânica social; como se uma repartição, encarregada de punir os atentados às árvores, decretasse que “não
fossem mais suscetíveis de ser cortadas”, atribuindo-lhes, assim, a dureza do aço. Algo parecido com aquela
Constituição espanhola, em que se postulava que “todos os espanhóis serão bons
c)A atuação dos outros processos adaptativos cria direito, sustenta direito e derroga direito. Cria direito, como, por
exemplo, e a cada momento vemos, suscitando os projetos, todos ligados, em grande parte, a interesses econômicos,
morais, religiosos, artísticos, científicos, políticos. Sustenta, como ocorre com a indissolubilidade do vínculo
matrimonial, regra jurídica com escoras religiosas. Derroga, como sucede com os regulamentos sobre altura das casas,
materiais de construção, transportes, à medida que a economia muda. Se o juiz tiver de aplicar a lei que ordena algum
ato de que a ciência haja descoberto a nocividade pública, deixará de aplicá-la, porque a convicção pública, confiante
na técnica dos investigadores, se opõe ao ius iniquum, à iniquia lex. Com a Religião e a Ciência, a Moral, a Política e
outros processos acontece o mesmo. Quase sempre o juiz traz à balha as vagas alusões à cultura, à civilização, ou à
evolução social. Mas, fatos sociais, eles cortam o direito no sentido progressivo, ou no regressivo, desde que se
prossiga ou que volva sobre as pegadas.
d) Algumas vezes, o juiz atende à mudança dos próprios fatos que sugeriram a lei: cessante ratione legis, cessat lex
ipsa; à semelhança do que ocorre, nos atos jurídicos, com a cláusula rebus sic stantibus. No juízo rescindente, o
tribunal tem de verificar se a aplicação seria perniciosa, tola, extemporânea. No caso de corresponder a parte da
convicção pública, a própria decisão do tribunal mostrará, por seus votos, se é suficiente, ou não, para sustentar a lei.
Essa noção de suficiência na sustentação da lei constituía pedra-de-toque para os juizes e, para os de fora, quanto aos
juizes. O ideal de cada momento seria o direito em que tudo estivesse claro e preciso; mas ofenderia o outro ideal,
dentro do tempo, que é o da função adaptativa do direito. Por isso, o juiz deve afastar-se do texto legal, quando,
deixando de aplicá-lo, serve ao direito do seu momento, porque, com tal procedimento, atende aos dois ideais
aparentemente inconciliáveis: o da fixidez e o de mutação. Afastamento consciente, motivado; ou, como acontece com
os velhos textos esquecidos, inconsciente. Na ocasião de julgar contra legem, o juiz deve ter em vista se outro juiz,
igual ou superior a ele, julgaria assim (Ponhamos de parte as outras fórmulas: colega médio, juiz normal, outro juiz,
prudente colega, que são vagas e inexatas.) Principalmente, deve-se evitar a infração hipócrita.
Tudo que é direito é suscetível de ser violado; portanto, de dar ensanchas à rescisão. O que se entende por ius
constitutum, passemos a ver. É costume invocar-se, contra ou para as decisões, a parêmia. Lege non distinguente nec
nobis est distinguendum, regra estreita da escolástica, a que se substituiu, com vantagem, o Bene iudicat, qui bene
distinguit. Ao juízo rescindente cabe verificar se era o caso, ou não, de distinguir. Quando a lei ordena que se
apliquem princípios gerais de direito, encampa todo o direito não escrito e o escrito mas esparso.
(e) Por outro lado, é de grande importância fixar-se a natureza das regras jurídicas: se cogentes (ius cogens),
compreendendo as imperativas positivas e as negativas, também chamadas imperativas e proibitivas; se dísposítivas,
que abrangem as dispositivas em sentido estreito e as supletivas; se, finalmente, interpretativas. Direito é qualquer
delas. Se uma regra cogente foi violada negada, invertida, adulterada, destruída em parte, deformada, a ponto de
desaparecer ou dizer outra coisa que o que diz, temos o pressuposto suficiente para a rescisão. Dar-se-á o mesmo, se
dispositiva
a regra (Corte de Apelação do Distrito Federal, 12 de abril de 1933), porque a violação de tais regras jurídicas também
modifica o direito objetivo. Se a interpretativa, também: as regras legais com que. se interpretam os atos jurídicos são
parte integrante do direito objetivo, e a função delas interessa profundamente aos fins da justiça apaziguar e realizar o
direito objetivo. Além disso, constitui ofensa ao direito aplicar o juiz a regra jurídica interpretativa, que só seria de
invocar-se na dúvida, como dispositiva, ou a dispositiva como cogente (imperativa, proibitiva), fazendo dizer como
imposto o que só devia incidir na falta de vontade dos figurantes ou do figurante, ou a cogente, como dispositiva, ou a
dispositiva, como interpretativa, ou a interpretativa como cogente, ou a cogente, como interpretativa. A regra jurídica
interpretativa do art. 85 do Código Civil de 1916, por exemplo, não tendo sido aplicada, dá ensejo à ação rescisória, o
que obriga a exame do ato jurídico, para se verificar se foi atendida a regra legal. Tal foi o que fez, na Ação rescisória
n0 86, a Corte de Apelação do Distrito Federal, 14 de dezembro de 1932, posto que pareça pretender seja expressa (?!)
a violação. Não é preciso que o juiz diga: “Dever-se atender mais à letra que à intenção”, basta que, invocado o art. 85
explícita ou implicitamente, o juiz deixe de levá-lo em conta. Também não é certo que a ação rescisória tenha por fito,
como o recurso extraordinário, manter a unidade do direito federal. O remédio da rescisão nunca teve tal função. O
seu intuito éestranho à distinção “direito federal, diretos locais”. O direito, constituído, que pode ser ofendido, é
qualquer direito: o federal do Brasil, o local de algum Estado-membro brasileiro, o do Distrito Federal, ou algum
Território, o municipal, o estrangeiro.’62
Se existe regra jurídica interpretativa, que foi infringida ao se interpretar negócio jurídico, ou ato jurídico stricto sensa,
cabe ação rescisória:
a regra jurídica interpretativa, ius interpretativum, é regra de direito, como qualquer outra. Se o erro é na interpretação,
sem se infringir ius cogens, ius dispositivum ou ius interpretativum, então sim não há rescindibilidade. Sem razão, o
Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 20 de setembro de 1951 (R. do T. de J. do E. S., VI, 315), afastou a
rescindibilidade das sentenças se interpretam contratos. Tinha o tribunal de distinguir: estava o juiz, ou não, adstrito a
aplicar regra jurídica cogente, dispositiva ou interpretativa.
O Supremo Tribunal Federal, no acórdão de 25 de junho de 1924, cLisse que, excutida a hipoteca, a ação rescisória da
sentença não pode ter por objeto nulidades do contrato hipotecário que se reputou por válido, mas, tão-só,

162 Este ponto é fundamental e nada aconteceu com a ação rescisória, mesmo depois de instaurada a
ordem constitucional de 1988, que pudesse alterar a verdade proclamada, no texto, por Pontes de
Miranda.

a nulidade da sentença. Cumpre atender-se a que a sentença pode ser válida (de regra só as sentenças válidas se
rescindem), e o fundamento da ação rescisória ser exatamente a violação de direito objetivo em se tratando de lei sobre
nulidade do contrato hipotecário.

A decisão da Corte de Apelação de 13 de setembro de 1993, nos fundamentos, excluira o direito subsidiário. Errou
palmarmente. (O Chama-se direito subsidiário àquele a que se reportavam as leis, como suficiente para subsidiar,
completar, integrar, o ius scriptum autóctone. Aliás, a subsidiariedade podia ser entre dois domínios jurídicos do
mesmo país Seja como for, o direito subsidiário, desde que se dê a subsidiação, direito é, como a communis opinio, a
que se referiam os velhos jurisconsultos. A propósito do recurso extraordinário, Pedro Lessa sustentou que se não
entendia com ele a função controladora do Supremo Tribunal Federal. Daí, terem procurado aplicar tal restrição à
rescisória (Pedro Lessa, Do Poder Judiciário, 113; Jorge Americano, Da Ação Rescisória, 2~ ed., 149). Sem razão;
porque, se a coinínunis opinio é o direito cuja violação permite a rescisão, nada justificaria que se excluisse o direito
subsidiário. Hoje, de regra, a lei não se reporta a fontes estrangeiras, ou religiosas, mas pode dar-se subsidiariedade
interna. De qualquer modo, o direito é um só, seja escrito, seja não-escrito. No direito singular está o subsidiário.

Para se ver a que ponto erraram os que excluiram o direito subsidiário, basta lerem-se velhos textos, que seria longo
transcrever, dos séculos XIV, XV e XVI, isto é, dos tempos em que se formaram a legislação e a doutrina portuguesas,
pré-história e história comuns à nossa, e dos séculos posteriores, em que as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e
Filipinas se aplicarem. Os estatutos só se consideravam ius constitutuin quando repugnavam ao direito comum; e o
direito canônico (Concílio Tridentino, por exemplo) era ius constitutum onde fosse de seguir-se. Quando se fala de
sentença contra direito expresso, é a “sententia contra legem, vel statutum, vel extravagantem, in corpore iuris
clausam”. Ia-se até aos estilos, à consuetudo iudiciaria, inclusive os da Cúria. Depois, todas as fontes, segundo a lei
pombalina.

g) ~,O direito, que a ação rescisória protege, é só o direito material, ou também processual? Qualquer resposta
simplista pecaria desastradamente. Primeiro, porque o direito processual é tanto direito quanto o direito material, e
fora arbitrário distingui-los, considerando-se, a um, digno de vigilância e de retomada da prestação jurisdicional, e ao
outro não. E falso que o processo só tenha por fim realizar o direito material; ele procura
realizar o direito objetivo, material ou formal. Direito processual e processo são coisas diferentes: aquele é norma;
esse, fato. Poderíamos invocar os grandes reformadores do direito processual aqueles, dos quais disse Wilhelm Sauer
que o processo é velho e jovem a ciência do direito processual ‘ para com eles fundamentarmos o que acima dissemos
quanto à possibilidade de constituir violação do direito expresso a ofensa do direito processual. Mas, de lege lata,
~,que melhores autoridades poderíamos invocar se temos as que escreveram ao tempo em que se redigiram as leis
portuguesas? J. Menóquio e D. B. Altimaro (Tractatus, III, 519) falavam de stylus iudicio rum circa processus
ordinationem et iudiciorum usam. Segundo se é certo que as nulidades do processo são atendidas no rol dos atos e
termos processuais substanciais , não é impossível pensar-se em nulidades de sentença, à parte dos.atos e termos.
Aliás, a falta ou defeito de qualquer dos figurantes da relação jurídica processual, a nulidade da sentença definitiva,
não só propriamente nulidades do processo, tal importância de tais fatos, que dizem respeito, imediatamente, à
formulação ou à terminação da relação jurídica processual. Tem-se de repelir a esporádica jurisprudência que
pretendia afastar a violação do direito processual em tese como pressuposto da ação rescisória (Corte de Apelação do
Distrito Federal, 28 de setembro, de 1916, cf. nosso A Ação Rescisória, ía ed., 187). Viola-se o direito, deixando-se de
aplicar princípios que dele fazem parte, escritós ou não, ou aplicando-se outro que lhes seja contraditório, modificativo
ou excludente. A contrariedade, a subcontrariedade ou oposição de duas proposições particulares, a contradição, a
subalternação (diferença de quantidade, ou inferência imediata, em virtude da qual se conclui da verdade da
subalternante a da subaltemada) e a exclusão, cada uma é suficiente para que se componha a violação. Não importa se
violado é o direito material, ou o processual, ou, até, o constitucional. A violação do próprio direito constitucional em
tese não é mais suficiente como pressuposto da ação rescisória que a violação do direito ordinário, processual ou
material, público ou privado. O recurso extraordinário, que está na Constituição, seleciona direito; a ação rescisória
não. A propósito, há certo ponto, que é novo e de grande relevância. Ainda quando a ação rescisória se funda em que
se violou a Constituição por ter o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, repelido alegação de inconstitucionalidade
de lei, apura-se a violação da Constituição, em tese. O Supremo Tribunal Federal, não acolhendo, indevidamente, a
preliminar, violou, com a sua atitude de abstenção, o direito constituído. Aliás, em matéria constitucional, como em
todo outro ramo, fura novit curia.

Alguns acórdãos insinuam que, não havendo mais, no Código, regra jurídica que faça nula a sentença proferida em
processo nulo (e. g., o das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 6 de agosto de
1942, D. dai. de 12 de fevereiro de 1943, 894), não se rescinde a sentença que infringiu a lei processual. Mas o
sofisma ressalta, pois o art. 485, V, não distingue: se há a infração, ainda que não seja causa de nulidade de processo,
pode ser rescindível a sentença. Se, por exemplo, foi decidido, com força de coisa julgada, que o procurador não tinha
poderes para o recurso e assim passou em julgado a sentença, pede-se a rescisão da decisão sobre os poderes de
procura judicial, e não a da sentença, pois, rescindida aquela, o prazo corre depois de passar em julgado a sentença na
ação rescisória. Só se hão de cumular os pedidos de rescisão se a decisão no interlocutório ou no que incide apenas
influi na sentença posterior (certo, em parte, o Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de dezembro de 1941,
R. F., 91, 186). Se não se cumularem, após a ação rescisória do interlocutório ou da decisão no incidente, pode ser
proposta a da sentença em que a decisão daquele ou dessa influirá (sem razão, o acórdão acima citado). Se, sem algum
julgado (o rescindendo) atos posteriores poderiam ser diferentes, ou não se teria dado preclusão necessária a eles, esses
atos caem (art. 248).

(h) Modestino, na L. 19 D., de appellaiionibus et relationibus, 49, 1, falou de sentença “expressim contra iuris rigorem
data”, e “specialiter contra leges vel senatus consultum vel constitutionem prolata”. Daí correntes explicavam as
palavras “expressim” e “specialiter” de Modestino. Uma entendia ser necessária a violação expressa; outra, vitoriosa,
com F. C. Gesterding, M. Bardeleben e G. M. Schaffrath, Alexandre Meyer (De Nuílitate Sententiarum contra lus
Constitutum lataram, 9 s.) resumiu a opinião deles: “Modestinum enim eo tantum consilio verba expressim et
specialiter adiecisse, ut sententias quibus ius solum litigatoris laedatur seiungat ab iis, quibus iudex contra
constitutionem decidens et quasí deroget”. E acrescentou a opinião (o que para nós vale mais, como parte do direito
comum): “Idem Modestinum verbis expressim et specialiter hoc tantum significare aiunt, iniustam sententiam non
utique etiam contra ius data videri, sed distinguendum, utrum ius tantum litigatoris laedatur (a iudice puta in facto
errante) an verso falsa iuris ratio subsit, qua iudex legibus aut constitutionibus quase deroget.”

Certamente, é de não se admitir a ação rescisória em cujo processo o autor não cita o princípio ofendido ou a lei
violada (Corte de Apelação do Distrito Federal, lº de dezembro de 1930); mas isso não quer dizer que não possa
invocar direito assente, desde que seja direito, segundo foi definido. Na petição, explícita ou implicitamente, ou na
defesa, autor e réu podem ter exposto a sua situação, ou o que pensam ser ou pretendem seja,. de modo a invocarem
ius in thesi. Tal invocação, ou resulta de citação de regras jurídicas, ou de alusão a instituto, ou de referência a
doutrina, ou dos fatos mesmos, narrados ou aduzidos por eles. Só petição inepta poderia desenvolver pretensão, e só
defesa ineficiente, inconsistente, encadearia acontecimentos e argumentações, que não estivessem em correlação
implícita com o direito objetivo. O julgamento existencial, a respeito desse, é elemento de tal modo essencial, que a
sua falta importaria a inépcia da petitio ou da resposta do chamado à contenda. Por isso mesmo, ao ter de decidir, o
prolator da sentença necessariamente se reporta àquele julgamento, ou à simples inexistência dele. Ai é que se dará,
possivelmente, a violação. Convém separar os dois assuntos: forma e lugar da violação; violação de direito não-
alegado. Por outro lado, se se diz que o juiz se afastou do direito objetivo (preliminar), devendo afastar-se
(improcedência), ou não (procedência), julga-se mérito.
Alguns julgados exigiram que tenha havido discussão sobre a violação da lei. De modo nenhum. Pode A ter discutido
a aplicação da regra jurídica a, afirmando que incidiu ou é de incidir, e B negá-lo, por entender que incidiu ou é de
incidir b, aplicando o juiz a regra jurídica c, porque Jura novit curia. Seria absurdo repelir-se a ação rescisória se o
juiz errou. Pode A ter pedido a aplicação de a e B nada ter oposto, aplicando o juiz a, infringindo o direito expresso,
que seria b. Cabe a ação rescisória. Idem, se aplicou c, erradamente. Na apreciação do pressuposto do art. 485, V, não
pode o juiz ou tribunal entrar em verificação de concordâncias ou de discordância (mente das partes), nem de
interpretações da lei (mente dos juizes e dos juristas): o que lhe há de importar é o direito em tese; e a regra jurídica,
que é, somente pode ser uma A investigação que lhe toca é puramente objetiva: ~qual a regra jurídica que existe no
sistema jurídico que rege a espécie? É lamentável que tenha havido deslizes dos julgadores, entrando em averiguações
sobre a conduta das partes, pendente a lide (e. g., 2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 18 de janeiro de 1949, R.
F., 126, 124; Tribunal de Justiça do Ceará, 9 de abril de 1952, J. e D., VI, 148). Ou tais erros provêm de ignorância do
assunto, ou do propósito hostil de afastar as rescisões.
A Corte de Apelação do Distrito Federal, a 16 de dezembro de 1936, julgou caso de violação de direito processual
expresso, mandando que se julgasse o recurso cabível, do qual o acórdão não conhecera, desprezando o texto da lei
então vigente. A 25 de maio de 1938, o Tribunal de Apelação do Distrito Federal assentou: “...em conhecer da ação
rescisória, se bem que se não houvesse invocado, no processo da sentença rescindenda, a lei que se diz violada, desde
que é aplicável de ofício (Pontes de Miranda, A Ação Rescisória contra as Sentenças, 197 s.)”.
Se a parte não alegou, em tempo, a prescrição, não mais pode argúir estar prescrita a pretensão. Se propõe ação
rescisória, porque não foi julgada prescrita a pretensão, tal ação é improcedente, porque não se deixou de respeitar o
direito: a prescrição teria de ser alegada, não se declara de ofício (Supremo Tribunal Federal, 22 de novembro de
1946, R. F., 109, 370).
(i) A violação pode ser expressa, consciente, confessada, declarada, ou inexpressa, inconsciente, dissimulada (cf.
Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de outubro de 1933), ocultada, velada, disfarçada. Não importa como seja ela. O
que é preciso, para que se componha o pressuposto da rescisão é a violação em si, a negação do direito, conforme foi
definido. O direito é que há de ser expresso, disse a Corte de Apelação do Distrito Federal (17 de julho de 1925); e não
a violação, que pode ser implícita.
Quase sempre, a infração do direito não se opera de frente, abertamente: o juiz ou tribunal recorre a livros
estrangeiros, ou nacionais, tecendo a sua argumentação; ou lança mão de exegesse capciosa (Tribunal de Apelação da
Paraíba, 26 de março de 1940, R. F., 82, 714).
Os erros ontológicos do juiz, erros de falta ou defeito de observação, nao podem ser causa de rescindir a sentença. A
lei entregou a depuração deles à técnica dos recursos. Nesses, é que se apura se houve, ou não, equívoco dos sentidos,
má apreciação das provas, ou falha de inteligência no exame dos fatos. Quanto aos erros nomológicos, nem todos
foram tratados no mesmo plano; porém, sempre que se trata de violação do direito em tese, cabem a pretensão à
rescisão e a ação rescisória. Há, porém, quanto a erro ontológico, o caso do art. 485, VI (falsidade de prova), VIII e
IX.
A regra jurídica do art. 131, í a parte (sem dúvida, a texto anterior se referiu, desacertadamente, aliás, o acórdão das
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 10 de abril de 1942, R.F., 91, 482),
dificilmente poderia ser invocado como tendo sido objeto de erro nomológico do juiz: o erro, proveniente de sua má
aplicação, ou inaplicação, seria ontológico. Não assim, se a forma foi exigida por lei como essencial (art. 366), pois
que, ai, há regra cogente, de outra natureza: o art. 131, 1a parte, pertence ao princípio da prova racional, a despeito da
aparência de regra de julgar; a regra jurídica do art. 366, ao princípio da prova legal. Não
é de excluir-se, porém, a hipótese de sentença que infrinja o arI. 131, e. g.,
a que reconheça certo fato, que está provado, inclusive pela notoriedade, e o exclua no julgamento, “porque não foi
alegado pela parte”.
Quanto ao art. 458, antes, no Código de 1939, art. 180,163 estaria errado o acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul (10 de abril de 1942). Sentença que não tem relatório é sentença que
infringiu “literal disposição de lei”. Sentença que não traz em si os fundamentos de fato e de direito, também a
infringe. Sentença que não contém decisão, como as duas anteriores, é rescindível.
Também é rescindível a sentença em cujo relatório não se menciona o nome das partes, o pedido, a defesa ou o resumo
dos respectivos fundamentos, salvo se noutra parte da sentença, fora do relatório, se satisfaz o requisito que ao
relatório faltou. Não há rescindir-se a sentença, se da omissão não resultou qualquer prejuízo à parte (Arg. ao art. 249,
~ 20).
Má apreciação da prova não basta para justificar a rescisão da sentença. Ai, só se daria ferimento do direito em
hipótese (Supremo Tribunal de Justiça, 30 de agosto de 1873; Corte de Apelação do Distrito Federal, 24 de maio de
1901, l~ de setembro de 1930, 14 de julho de 1932; Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de abril e 23 de novembro de
1904, 10 de agosto de 1908, 11 de maio de 1910, 10 de fevereiro de 1918, 14 de abril, 19 de setembro e 27 de outubro
de 1931; Superior Tribunal de Justiça do Amazonas, 25 de setembro de 1919; Tribunal da Relação do Rio de Janeiro,
14 de março de 1872e27 de março de 1873).
A violação há de ser ao direito em tese (l~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 13 de março de 1946; Câmaras Civeis
Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 13 de junho de 1947, J., 29, 248). O fato de haver divergência
de interpretações não pré-exclui a ofensa à lei (sem razão, as Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 8 de outubro de 1947, R. dos T., 171, 334). Pense-se, hoje, nos arts. 476-479, acertadamente postos no
Código de 1973. Também não a pré-exclui o ter errado a sentença em considerar cogente a regra jurídica dispositiva,
ou vice-versa, ou em tê-la com interpretativa, em vez de cogente ou dispositiva, ou vice-versa (sem razão, as Câmaras
Civis Conjuntas do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de janeiro de 1948, 173, 450, a respeito da regra jurídica
Locus regit actum). Ao invés, tal qualificação indevida contém, de si só, infração, se o julgado seria diferente.

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (Art. 485)


Alguns julgados se aferraram à noção de letra da lei, como se pudesse o juiz distinguir onde acaba a interpretação não
literal ou a interpretação literal (e. g., ia Turma do Supremo Tribunal Federal, 27 de junho de 1946, A. J., 80, 11;
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 23 de agosto de 1945, D. da J. de 20 de
fevereiro de 1946). Outros somente entenderam por letra da lei a letra de regra jurídica de direito material; dupla
confusão com a distinção entre regra de direito material, que era e é, de ordinário, federal, e regra de direito
processual, que não era e hoje é federal, e como recurso extraordinário. Nos pressupostos do recurso extraordinário é
que se têm de distinguir as leis em leis federais e leis locais, mas, a propósito da lei processual, deixou de ter
pertinência a distinção, desde que se tornou federal a legislação processual. Assim, absolutamente sem razão as
Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 10 de maio de 1946 (J., 28, 174), e a
Seção Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 23 de agosto de 1946 (R. dos T., 164, 323, R. F., 111, 157).
Certas, as Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 27 de dezembro de 1946 (J., 28,
624).
(j) Tem-se pretendido que a conclusão da sentença, e não os seus fundamentos, é que deve conter a violação (Tribunal
da Relação de Minas Gerais, 16 de dezembro de 1914, R. F., 23, 340). Noutros termos: se algum dos considerandos ou
dos raciocínios intercalares do julgado ofende o direito, sem que, na conclusão, haja ofensa, o caso é de ação
rescisória. Observe-se, desde logo, a arbitrariedade de tal exigência tópica. Se o juiz armou o raciocínio com perfeição,
o final de da sentença conterá as duas premissas, a de fato e a de direito. Poderá ser que isso não se dê e constituiria
regra jurídica defeituosa que se apurasse onde ele pôs o seu julgamento tético. É interessante notar-se que os críticos
de tal procedimento caíram no excesso oposto: sustentaram que a violação do direito expresso está sempre nos
fundamentos, nas argumentações anteriores à conclusão.
Não há solução a priori. A infração pode estar no fundamento, como se o juiz aludiu, no considerando da sentença, à
inexistência de certo princípio, ou a inatendibilidade de alguma lei, e o decisum só se mescla com argumento de fato.
Em tudo isso, distinguem-se formalmente, fundamento e decisão, como se fosse possível, sempre, a separação. Quase
sempre o fundamento está implícito no decisum ou o decisum apenas aparece como conclusão, incidível, dos
considerandos.
Em tudo isso há certa desatenção pelos caracteres lógicos de toda a sentença. O juiz necessariamente considera o fato,
depois o direito objetivo (julgamento existencial), finalmente conclui. A conclusão contém um e outro: ofaio e o
direito. Se, teratologicamente, a conclusão não confere como desenvolvimento lógico, nada importa. A sentença, ou
afirmará a existência de um direito objetivo, ou negá-la-á, ou dissimulará uma e outra das atitudes. De qualquer
maneira, violará direito, desde que, sem razão, foi posto de lado, pela afirmativa do julgamento oposto, ou pela
negação direta, ou pela omissão, o julgamento existencial contido na petição ou na defesa. A Ordenação falava em
“sendo-lhes alegadas”, o que fez supor que a violação da lei não alegada não constituía violação. Dois textos são
expressivos; um de D. B. Altimaro e outro de Manuel Gonçalves da Silva. Dizia o jurista napolitano (Tractatus, II,
513): “Secus esset, si probabiliter ignoravi potest, puta, quod esset lex nova, aut statutum, seu localis constitutio, et
causa verteretur in alio foro, quam statuentium, et in quo statuta, seu leges huiusmodi estravagantes non querint, neque
sint publicatae, nec notoriae, quia his casibus cum possuit talia a iudice probabiliter ignorari”. Insistia o jurista
portuquês (Commentaria, III, 139): “Intellige iterum de sententia lata contra legem in corpore iuris clausam quae
probabiliter ignorari possuit, puta, quod esset lex nova, et non notoria; quia tunc a partibus allegari, ac produci debet”.
Tudo isso precisa, hoje, de revisão. O juiz é obrigado a conhecer o direito. Desde que houve invocação, de qualquer
espécie que haja sido, deve decidir o juiz, aplicando ou deixando de aplicar o principio ou sistema invocado. Dissemos
“sistema”, porque existem as ordens jurídicas dos diferentes Estados, segundo a distribuição interestatal das
competências, e a dos Estados-membros, nas federações, conforme se dá no Brasil. Dentro do mesmo Estado (no
sentido próprio, de direito das agentes), o juiz éobrigado, pela função, a conhecer as leis do país. Quanto às leis de
outros Estados, foi assunto de que tratamos em nossa obra sobre direito internacional privado, a que nos reportamos.
Posto de lado o problema da obrigação e suposto que o juiz haja omitido a aplicação do sistema jurídico estrangeiro ou
de Estado-membro, examinaremos o problema pelo ângulo que agora nos interessa: a ação rescisória. Se as partes
invocarem texto preciso, a questão por si mesma se resolve. Se disseram, ou se só uma delas disse que dominante era a
lei estrangeira, sem precisar quais regras, a verificação da ofensa ao direito estrangeiro autoriza o remédio rescindente.
Resta o caso do direito estrangeiro não invocado e dominante segundo os princípios. O juiz pode e deve aplicá-lo de
ofício. Se não o aplicou, em assunto imperativo das competências, que é de direito das gentes, a rescindibilidade é
evidente.
Já o Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 25 de maio de 1938, na esteira do que expusemos na 1a edição de A
Ação Rescisória, proclamou que o juiz tem de aplicar o direito ainda que não citado, nem referido.
Dir-se-á que o art. 337 cogita da prova do direito estadual, municipal, costumeiro, ou estrangeiro. Mas o juiz pode
“dispensar a prova”. Juiz que aplicou direito nacional, ou direito do Estado B, em vez de aplicar o direito do Estado A,
que incidira, contra o que se pediu, dispensou a prova e resolveu.

Para não dispensar a prova, tem ele de exigi-la, ou, em tempo, dizer que não basta a que foi feita. Não nos esqueça que
o princípio geral é Jura novit curia. Se o juiz, diante da prova que se fez, decidiu conforme o que se apresentou como
prova, e errou (por exemplo, a lei constante do jornal oficial estrangeiro ou de coleção de leis estrangeiras já fora ab-
rogada ou derrogada), a parte que foi ofendida com o julgado pode propor a ação rescisória. Idem, se o juiz, crendo
conhecer a legislação estrangeira, dispensou a prova. Surge o problema de se saber se pode ser proposta a ação
rescisória pela parte que apresentou a prova errada, ou já impertinente. A afirmativa de certo modo cobre o erro da
parte, ou de seu advogado. A negativa deixaria aberta a porta para se não corrigir a má aplicação da regra jurídica
(municipal, estadual, estrangeira, ou consuetudinária), ao mesmo tempo que desatendia ao dever do juiz de bem
examinar a espécie (exame da prova feita). Nunca encontramos discussão do assunto, e não podemos recusar a
proponibilidade da ação rescisória, se não houve dolo do probante.

(k) Alguns juristas trazem à discussão trechos de autores portugueses em que, comentando-se os Tftulos 60 das
Ordens Manuelinas e 75 das Ordenações Filipinas, só se falava em leis pátrias. Nenhuma pertinência possuem, nos
nossos dias, porquanto pertencem a época enormemente diversa da hodierna, em matéria de direito internacional
privado, ao auge do absolutismo estatalista, em reação aos períodos anteriores. Se o juiz brasileiro aplica à sucessão do
estrangeiro a lei brasileira quando não devia, tal sentença é rescindível. Dá-se o mesmo se anula testamento, ou o diz
nulo, por ter sido feito por estrangeiro de acordo com a forma da lei competente. Tal juiz deu à regra Locas regit
actum o caráter de regra jurídica imperativa, ao mesmo tempo que deixou de atender à do Estado competente, que
permite aos seus adstritos, e. g., a forma da lexpatriae ou a do lugar. Duas violações se quisermos olhar para os textos
de dois países. A regra jurídica brasileira poderia ser imperativa, mas sê-lo-ia somente para os atos subordinados à lei
brasileira. A lei dominadora de um ato é que lhe dá a forma, ou decide quanto à lei-conteúdo que lhe deva ser
aplicada: dirá, em conseqílência, se a lex loci cabe, se é imperativa, alternativa, ou qual deva ser o seu caráter. Se
houve violação do direito objetivo, qualquer que seja, a ação rescisória é de propor-se. O que há de ser nacional é a
decisão rescindenda.

(1) A sentença de eficácia impossível e as outras em que alguma impossibilidade absoluta as fere são rescindíveis; são
decisões ineficazes.
É o que acontece ao julgado impossível quanto ao objeto, ou quanto à causa. A impossibilidade pode existir ao tempo
da sentença, ou sobrevir. Sobrevém, por exemplo: a) se personalíssima a prestação, passiva ou ativamente, e falece o
obrigado, ou o credor; b) se perece o objeto, nos casos raríssimos em que não subsiste a obrigação; c) se a relação se
extingue sem ser por execução, novação, ou outro modo convencional, e. g., por lei nova, que proiba. Nos casos de
superveniência da impossibilidade, é a relação que ela atinge, e não a sentença. Nos de contemporaneidade, a sentença
existe, mas é decisão ineficaz. Proposta a ação rescisória, devem os juizes, decretando, explícita ou implicitamente, a
ineficácia, julgar, na preliminar, ser caso dela, ou, se por acaso passou a preliminar do conhecimento, ser
improcedente a ação, mas julgar a ineficácia.
(Cumpre separar o assunto da sentença de eficácia impossível, o da sentença cognoscitiva, lógica ou moralmente
impossível, e o da sentença que resolveu sobre impossibilidade da prestação. Essa, se violou direito tético, como se
infringiu, por exemplo, regra jurídica sobre a perda da coisa devida, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou
pendente condição suspensiva, ou regra jurídica sobre deterioração da coisa sem culpa do devedor, é rescindível.)
A sentença cuja eficácia era possível, mas se tornou impossível, é também decisão ineficaz. Por isso mesmo, pode
ocorrer que a causa da impossibilidade cesse e volte a eficácia.
A sentença impossível, cognosciva, lógica ou moralmente, não é só rescindível, mas decisão ineficaz. Passado o biênio
não se torna, sã, imune à alegação da ineficácia. Pimenta Bueno (Apontamentos, 112) falou do seguinte caso: sentença
que declara ser de direito, na espécie, a ação ordinária, e com razão; porém a julga sumariamente. Aí, diz ele, há
ofensa a direito. Está certo. A complicação do exemplo foi escusada, a contradição é meramente cênica; porque
haveria ofensa, ainda que o juiz não reconhecesse. Em qualquer assunto em que ojuiz reconheça o direito, porém o
viole, violação há. A violação independe das simulações e dissimulações dos juizes, das suas tiradas eruditas, das suas
referências e louvaminhas ao próprio texto que vai violar, oujá violou. A violação aprecia-se in concreto.
O julgamento ultra petita, ou citra petita, constitui violação de direito processual, que é direito objetivo como
qualquer outro. As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 76, § 1, previram a hipótese das duas nulidades, a da
sentença “extra petita” e a da sentença “ultra petita”: a parte que decide fora do que estava em causa, prestação
jurisdicional mal executada, porque se presta o que não estava para ser prestado, e se resolve o que não tinha
deresolver; e a que decide além do pedido (Tribunal Superior do Amazonas, 29 de setembro de 1910), mais do que se
devia decidir. Não precisaria tê-lo dito a lei. No § 4 estatui-se que o juiz não pode pronunciar-se sobre o que não
constitua objeto do pedido, nem considerar exceções nas propostas, para as quais a lei exija a iniciativa da parte. O
julgamento extra petita seja ultra petita ou citra petita violaria o § 4.
A infração das regras de direito processual, errores in procedendo, desde que fira norma de lei não puramente
instrucional (se as há!) e sempre que a parte poderia ter mais exata apreciação judicial e mais justa decisão se infração
não tivesse havido, é pressuposto suficiente do art. 485, V. O que importa, aí, é ser imaginável a relevância prática da
regra legal como processo técnico para se chegar a decisão justa. Não há, pois, separação de valor entre a regra de
direito processual e a de direito material, se a lei mesma, excepcionalissimamente, não concebeu a regra como
“recomendação” (erro de técnica do legislador), ou de “arbítrio puro”. Aliás, as regras de arbítrio puro são raríssimas;
e as de arbítrio judicial permitem que se veja se a lei foi atendida, em tese.
Quem propõe ação rescisória de sentença com invocação do art. 485, V, pode levantar quaestiones iuris. Toda a
matéria de fato está definitiva e irrescindivelmente julgada.
No Código de 1973, art. 504, diz-se que “dos despachos de mero expediente não cabe recurso”. Esses despachos não
podem dar causa à propositura de ação rescisória, salvo se o juiz teve como despacho de mero expediente decisão que
não o era. Aí, houve violação de regra jurídica concernente a natureza da decisão, e cabe a ação rescisória se tal
decisão foi sentença, impugnável, portanto, no todo ou em parte.

10. Falsidade da prova, pressuposto suficiente da rescindibilidade No Codex lustinianus, L. 1-4, si ex falsis
instrumentis vel testimonjis judicatum erit, 7, 58, quatro leis, de diferentes épocas, se inseriram, concernentes aos
casos de julgados exfalsis instrumentis vel testimoniis: “1. Si tabulas testamenti, quas secutus proconsul vir clarissimus
sententiam dixit, falsas dicere vis, praebebit notionem suam non obstante praescriptione rei iudicatae, quia nondum de
falso quaesitum est. 2. Et qui non provocaverunt, si instrumentis falsis se victos esse probare possunt, cum de crimine
docuerint, ex integro de causa audiuntur. 3. Falsam quidem testationem, qua diversa pars in iudicio adversus te usa est,
ut proponis, solito more arguere non prohiberis, sed causa iudicati in irritum non devocatur, nisi si probare poteris eum
qui iudicaverat secutum eius instrumenti fidem, quod falsum esse constiterit, adversus te pronuntiasse. 4. Judicati
exsecutio solet suspendi el soluti dari repetitio, si falsis instrumentis circumventam esse religionem iudicantis crimine
postea falsi ilíato manifestis probationibus fuerit ostensum”. Tirando em vernáculo: “1. Se as tábuas do testamento,
atendendo às quais, o procônsul, varão esclarecido, proferiu sentença, queres tu dizer falsas, cabe-lhe conhecê-lo, não
obstante a exceção de coisa julgada, porquanto ainda se não questionou do falso. 2. E os que não apelaram, se podem
provar terem sido vencidos por instrumentos falsos, quando houverem documentado o delito, são ouvidos de novo (ex
integro) sobre a questão. 3. Falsa, como pretendes, a testação, de que se valeu em juízo, contra ti, a outra parte, não se
te proibe, na forma acostumada, argi.ií-la. Mas a causa do julgado não será considerada irrita, salvo se puderes provar
que aquele que julgou, se pronunciou contra ti, atendo-se à fé daquele instrumento, que se verifica falso 4. Sói-se
suspender a execução do julgado e dar-se repetição do pago, se, havendo-se deduzido, depois, a acusação de falsidade,
foi demonstrado, com provas evidentes, que com falsos instrumentos se enganou a consciência do julgador”.
É instrutivo, evitando longos comentários, sublinhar, no texto latino de imperadores diferentes, algumas expressões
que muito elucidam: o procônsul conhece da nova arguição, a despeito da coisa julgada, non obstante praescriptione
rei iudicatae; a causa o julgado pode tornar-se irrita, in irritum devocatur; em sendo falsos os instrumentos, manifestis
probationibus, suspende-se a execução do julgado.
As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 55, pr., falavam da rescisão “per falsa prova”. O Reg. n0 737, art. 680, § 30
estatui, na esteira das três velhas Ordenações, que há rescisão “sendo fundada em instrumento ou depoimentos falsos
em juízo competente”. No antigo Código de Processo Civil do Distrito Federal, art. 302, III, só se falava de sentença
fundada em prova falsa, e no paranaense, art. 933 50 em prova falsa ou nula. No de São Paulo, art. 348, III, em
instrumento ou depoimento falso. No de Minas Gerais, art. 173,30, em instrumento ou depoimento falso, como tal
jájulgado em juízo competente. Como o de São Paulo, o do Espírito Santo, art. 271, II. Como o de Minas Gerais e o
velho Reg. n0 737, o da Bahia, art. 1.361, 30 o do Estado do Rio de Janeiro, art. 2.273, c), o de Pernambuco, art. 162,
30 e ode Santa Catarina, art. 1.844,111. Um tanto ambíguo, o do Rio Grande do Sul, art. 504, c): “sendo fundada em
instrumentos ou depoimentos julgados falsos”.
Conforme o Reg. n0 737, art. 680, § 30, só após o julgamento em ‘juízo competente” é que se podia, com o documento
ou depoimento julgado falso, propor a ação rescisória. No Distrito Federal e nas outras regiões de igual regra jurídica
de pressuposto, como em São Paulo, a falsidade podia ser demonstrada na própria ação rescisória, ou resultar de
sentença criminal que a tivesse apreciado, embora a sentença absolutória não obstasse à reapreciação da falsidade para
as consequências de direito privado. O Código de Processo Civil do Distrito Federal ainda permitia que a prova se
fizesse por via do incidente de falsidade, processado na pendência da lide rescindente. Assim, se não houvesse decisão
do juiz competente, tinha de ser feita a prova de incidente.
O Código de 1939, pela redação que tinha o art. 798, II, não se satisfazia com a falsidade provada em incidente cível,
ainda que em incidente da ação em que se proferiu a sentença rescindenda, nem com a falsidade provada durante o
processo da ação rescisória, como assunto da instrução. Exigia que já existisse, para a propositura, sentença de juízo
criminal, incidental ou não. A Lei n0 70, de 20 de agosto de 1947, art. 10 (publicada no dia 27 de agosto de 1947, D.
O., 11467), só referente a sentenças proferidas, pelo menos, nesse dia, manteve o fundamento na provajulgada falsa no
juízo criminal, e admitiu a falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória. Quanto àquela espécie, está
claro que nada se mudou, e em verdade a Lei n0 70 criou, apenas, outro pressuposto ainda concernente à falsidade da
prova.
As duas espécies merecem trato separado; a) se há a sentença criminal, ainda que incidental, trânsita em julgado; b) se
a prova se faz, na ação rescisória. Há, porém, princípios comuns. Naturalmente, supóe-se que não tenha havido revisão
criminal. Porém nada obsta a que tenha havido qualquer outra exclusão da eficácia da sentença (anistia, indulto, etc.),
porque a anistia, o indulto ou outra medida semelhante, não retira a eficácia probatória da sentença criminal transitada
em julgado. Só a rescisão criminal que atinja a prova para riscar o efeito importável pelo processo civil.
(a) Para que haja o pressuposto da prova falsa’~ é preciso: 1) que se apresente na petição inicial da ação rescisória a
sentença criminal sobre a falsidade (art. 283), ou que se faça a prova inequívoca na própria ação rescisória; II) que só
na prova falsa ou, pelo menos, nela, sem ser possível eliminá-la, permanecendo a sentença, se haja apoiado a decisão.
A falsa prova, ou prova falsa, de que falam as Ordenações e o Código, tanto pode ser pessoal quanto instrumental. É a
lição de Agostinho Barbosa, de Antonio Cardoso do Amaral e de Inácio Pereira de Sousa. Que a falsidade tenha sido
alegada, durante a ação primitiva, cuja sentença se quer rescindir, ou que

164 Não se confunda prova falsa com prova obtida por meio ilícito porque esta pode ser falsa, ou
verdadeira, conforme espelhe a realidade, ou não. Se a sentença se fundou em prova falsa, a rescisória
cabe pelo inciso Vído art. 485. Se se fundou em prova verdadeira, mas obtida por meios ilícitos, cabe a
rescisória pelo inciso \‘, por violação do ars. 50, LVI, da Const. 88 e do axt. 332 do CPC. Se em prova,
alêm de falsa, obtida ilicitamente, a rescisória se admitirã pelos incisos V e VI.

só tenha sido descoberta após a prolação da sentença, não importa para a rescisão. Nenhuma lei cogita disso. Sem
razão, in abstracto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 18 de março e 23 de julho de 1908, que, em prestação de
contas de depositários de bens penhorados, não admitiu ação rescisória, por não ter havido reclamação, nem recurso.
Adiante, nota 11.
O Tribunal de Justiça de São Paulo disse não se considerar falsa a prova a quem se baseou a sentença se consiste em
certidão parcial produzida pelo autor e não impugnada pelo réu (6 de junho de 1934). Sim, se não foi feita a prova de
falsidade de acordo com o art. 485, VI; porque o réu revel pode propor ação rescisória e poderia propô-la ainda
quando, comparecendo, não a tivesse impugnado.
Nenhuma distinção se faz sobre o fato de haver sido levantada, ou não, a questão a que se liga o pressuposto da
rescisória. Pretender-se que o “fundamento do pedido deve consistir em matéria não alegada e, conseguintemente, não
apreciada pelo tribunal”, constitui erro grave; e pena é que apareça em julgado, aliás de nenhuma base jurídica (e. g.,
3~ Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 13 de junho de 1928). A decisão foi de grande
infelicidade. Prescindamos das lições doutrinárias, de outrora e de hoje, em Portugal e nos países estrangeiros do
direito comum. Limitemo-nos às leis. A Ordenação Afonsina do Livro III, título 108, § 6, já resolvia com lucidez: “a
qual falsidade nunqua fosse aleguada até esse tempo em esses feitos, ou se foi aleguada, nom foi recebida”. Nas
Ordenaçóes Manuelinas, Livro III, Título 78, pr., reproduz-se o texto: “especificando a falsidade, a qual nom fosse
antes aleguada nesses feitos, ou se foi aleguada non foi recebida”. Também nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título
95, pr.: “especificando a falsidade, a qual não fosse antes alegada nesses feitos, ou se foi alegada, não foi recebida”. O
autor da ação rescisória pode só ter tido conhecimento da falsidade no momento imediatamente anterior à propositura
da ação rescisória; portanto, já ao fechar-se o juízo rescindente no último dia do biênio.
Também seria preocupação perigosa, mas, principalmente, sem finalidade plausível, estar-se a inquirir do que deve ter
pesado no espírito da parte, levando-a a guardar os elementos para iudicium rescindens. A jurisprudência nem sempre
tem sido no mesmo sentido. Alguns julgados, inspirando-se em Pimenta Bueno e em M. 1. Carvalho de Mendonça,
repelem a ação rescisória quand9, ao tempo da sentença, já a parte conhecia a falsidade, dizendo-se que aquiesceu no
vício da prova. Não reparam tais julgadores em que interpretam o silêncio como assentimento ao ato criminoso de
outrem. jQue coisa extraordinária seria negar-se a rescisão de uma sentença, se passou em julgado a que se deu no
crime contra o responsável pela prova! Basta pensar-se em que o autor, ciente da falsidade, pode ter pretendido munir-
se de melhores elementos, aguardar o julgamento criminal, evitando a leviandade de imputação tão grave quanto seria
a do falso. Demais, tem ele a pretensão à rescisão e o prazo preclusivo de dois anos. Não há outro pressuposto quanto
ao tempo. Trata-se de prazo preclusivo. A rescindibilidade pode ser devida à prevaricação, à concussão, à corrupção,
ao impedimento ou incompetência absoluta, e não convir no momento ao titular da pretensão à rescisão exercê-la (e.
g., ser poderoso nos primeiros anos165 o juiz, ou ser poderoso, momentaneamente, quem o peitou, ou com quem se
conluiou, ou ser indecisa a jurisprudência quanto ao impedimento ou à incompetência pela hierarquia ou ratione
materiae). Pode ser devida a rescindibilidade à ofensa à coisa julgada e não ter o autor vencedor tentado executar a
sentença. Pode a rescindibilidade ser devida a falso que está sendo objeto de ação penal. Seja como for, não se tem de
apurar qualquer elemento subjetivo do titular da pretensão à rescisão. Pode ter sido causa da rescindibilidade infração
de direito em tese, que somente após a sentença rescindenda se revelou, para os menos esclarecidos, na jurisprudência
assente.
~A absolvição no juízo criminal obsta à propositura da ação rescisória com fundamento no art. 485, VI, 2a parte
(falsidade “provada na própria ação rescisória”)? É a questão de coisa julgada material da sentença penal em relação à
ação cível ou à sentença cível. Os textos sedes rnateriae são os que constam do Código de Processo Penal. Se, por
exemplo, a regra jurídica diz que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconheceu ter sido o ato praticado
em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito. Nenhuma repercussão tem, no tocante à ação rescisória: o falso dificilmente poderia ser praticado em estado de
necessidade se o tivesse sido, não deixaria de ser falso e produzir a rescindibilidade; a legítima defesa, com a prática
de falso, seria de mais rara ocorrência e de modo nenhum retiraria ao falso o ser causa de rescindibilidade; quanto ao
cumprimento de dever legal e ao exercício regular de direito, não se compreende que existam em matéria de falso. Se
a lei penal estatui que, não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil pode ser proposta quando não

165 Esta observação “nos primeiros anos” só fazia sentido sob o Código de 1939, quando era de um
lustro o prazo da rescisória. Com o advento do atual CPC, não mais se podia falar em “primeiros
anos”, pois só de um bienio o prazo decadencial da ação (art. 495). Hoje, aumentado para quatro anos
o prazo da rescisória para a União, estados. Distrito Federal, municípios e autarquias e fundaçóes
instituidas pelo poder público (~ 40 da Medida Provisória n0 1.577-4, de 02.10.97), o exemplo
recuperou a atualidade.

tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato, ainda assim, a despeito da regra jurídica, se a
sentença penal afirmara que não foi usado o documento, ou produzida outra prova, ou não foi prestado o testemunho
(inexistência material do fato) e o documento ou do testemunho ou outra prova foi fundamento da sentença cível, não
se pode negar a ação rescisória. Se noutra regra da lei penal está dito que “não impedem igualdade a propositura da
ação civil: 1, o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informações; II, a decisão que julgar extinta a
punibilidade; III, a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime”, tal regra jurídica, em sua
explicitude, tem de ser atendida: a ação rescisória, a de.speito de qualquer dos atos judiciais apontados, pode ser
proposta.
Na espécie do art. 485, VI, ia parte, não há ofensa à coisa julgada na ação cível por parte da sentença criminal: apenas
a lei exigiu e julgou bastante como elemento de suporte fáctico da regra jurídica sobre a rescisão da sentença cível, por
falsa prova, o existir ou sobrevir sentença criminal sobre o elemento principal, de fato, do julgamento cível. A
pretensão, para essa espécie, é diferente da que surge ao trânsito em julgado da sentença cível, se o fundamento é o do
art. 485, VI, 2a parte. Antes do trânsito em julgado da sentença criminal não há pretensão do art. 485, VI, ia parte,
posto que possa haver a do art. 484, VI, 2~ parte.
O art. 485, VI, ia parte, deu à declaração de falsidade em sentença criminal ser pressuposto suficiente da ação
rescisória da sentença em que tal prova falsa foi o elemento principal do julgamento elemento probatório, entende-se,
porque não há compararem-se elementos de direito e elementos de fato, nem se pode cogitar, a respeito de falsidade,
de outro elemento que elemento de fato. Tem-se, pois, que a rescisão é causada pela fundamentação em elemento,
falso, de fato prova falsa, quer na espécie do art. 485, VI, 1a parte (“prova, cuja falsidade tenha sido apurada em
processo criminal”), quer na espécie do art. 485, VI. 2a parte (“ou seja provada na própria ação rescisória”) ~,Enquanto
corre (ou não se iniciou) o processo criminal, não pode correr o prazo para se propor a ação rescisória da sentença com
invocação do art. 485, VI, ia parte? O sistema jurídico acolheu tal fundamento da rescisão exatamente para evitar a
contradição (incompossibilidade lógico-jurídica) entre a sentença rescindenda e o julgado criminal, que lhe infirma o
“principal fundamento”. Seria contra os princípios que se desse ao tempo tal importância que a eficácia declarativa do

166 Vd. os arts. 65 a 67 do Código de Processo Penal e 1.525 do Código Civil.

julgado criminal não se exercesse se o trânsito em julgado foi após os dois anos da coisa julgada da sentença
rescindenda. Tem-se de atender a que se completa, depois do trânsito em julgado da sentença criminal, o suporte
fáctico do art. 485, VI, ia parte, antes, dentro ou após o biênio: então, se o trânsito em julgado da sentença criminal foi
dentro do biênio, esse prazo não correu para a espécie, pois ex hypothesi, só sobreveio a sentença criminal que
declarou a falsidade da prova; se depois, o não atender à superveniência importaria em se manter a contradição no
sistema jurídico, pela divergência entre o julgado criminal e o julgado cível, o que o art. 485, VI, 1a parte, tentou
evitar. Temos, pois, de admitir que, na espécie do art. 485, VI, 1a parte, somente se começa de contar o prazo do dia
em que transitou em julgado a decisão criminal declarativa da falsidade, salvo se ocorreu antes do trânsito em julgado
da sentença cível. Teremos de voltar ao assunto sob o art. 495.
No art. 352 diz-se que “a confissão, quando emanar de erro, dolo, ou coação, pode ser revogada: 1 por ação anulatória,
se pendente o processo em que foi feita; II por ação rescisória, depois de transitada em julgado ~ sentença, da qual
constituiu o único fundamento”. Ora, quando se anula, não se revoga, o que põe ao vivo o erro de redação; e, quando
se rescinde, nem se revoga, nem se anula. A anulabilidade é do ato; a rescisão é da sentença. Cumpre ainda advertir-se
que as menções das causas foram insuficientes, porque pode ter faltado poder ao procurador (art. 38, verbo
“confessar”), ou a confissão do outro cônjuge, se ação é sobre imóvel (art. 350, parágrafo único), ou tratar-se de algum
direito indisponível. Não obstante a referência estrita do art. 352 a erro, dolo, ou coação, tem-se de admitir a ação
rescisória em todas as outras espécies de invalidade. O art. 485, VIII, foi mais acertado, porque cogita da
rescindibilidade se há “fundamento para invalidar confissão”. Havemos de entender que, pendente o processo, é
proponível a ação anulativa, qualquer que seja o fundamento, a despeito da limitação do art. 352 ao erro, dolo ou
coação. Uma vez que a parte teme que o juiz não atenda à sua argUição, é aconselhável a propositura da ação do art.
352, 1. Após o trânsito em julgado, o ari 352, II, tem de ser interpretado sem ofensa ao art. 485, VIII.
A sentença cível que declare a falsidade da prova, essa, não tem conseqUência de abertura do prazo preclusivo, porque
a ela não se referiu o art. 485, VI: trata-se a decisão cível como elemento de prova para a ação rescisória dentro do
biênio. Seria argumento contra ísso que a contradição se estabelece, como se estabeleceria se a sentença posterior
fosse criminal; mas a lei tem a sua razão: quem tem provas para ação cível as tem para propor a ação rescisória com
base no art. 485, VI, 2a parte, o que não se dá a propósito das provas em processo criminal, às vezes estranhas ao
conhecimento do que tem como rescindível a sentença. Por outro lado, é preciso atender-se a que a alusão do art. 485,
VI, ia parte, à sentença criminal, introduziu elemento a mais no suporte fáctico da regra jurídica sobre rescisão de
sentenças, de modo que a pretensão antes dele é nondum nata: ao passo que, tratando-se de decisão cível, por não se
ter referido a ela o art. 485, VI, seria criar o intérprete outro caso de rescisão por falsa prova, fora, portanto, da letra do
art. 485, VI, “se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal” (l~ parte); “ou seja provada
na própria ação rescisória” (2~ parte).
b) Às vezes, o fundamento do art. 485, V, é ligado ao do art. 485, VI. Então, devem-se cumular os pedidos.
(c)Pode a parte que produziu o documento pedir a rescisão da sentença com fundamento no art. 485, VI? Se no
documento que foi apresentado pela parte se firmou o juiz para dar ganho de causa à parte contrária, claro que sim.
Igualmente, se se trata de processo inquisitivo ou de processo em juízo dúplice. Restam os processos de caráter
dispositivo em que não foi vencido o que produziu o documento ou outra prova. Desde logo se há de excluir a ação do
que a apresentou de má-fé: falta-lhe, aí, mais do que a legitimação, porque lhe falta a pretensão à tutela jurídica, ainda
que interesse tivesse em ver julgado, de novo, o processo. Se má-fé não houve na produção, muda de figura: o
vencedor não está privado de pedir outro contraditório, para que a causa seja bem julgada, inclusive para se defender
na ação de perdas e danos, fundada no uso de prova falsa.
(d) Se a ação penal está prescrita, ou se está prescrita a condenação (2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 19 de
setembro de 1950, R. dos T., 215, 468), e ainda não precluiu o prazo para a propositura da ação rescisória, a prova da
falsidade pode ser feita no processo da ação rescisória, conforme o art. 485, VI, 2~ parte.
Se está prescrita a condenação, a sentença penal pode servir de base à ação rescisória, uma vez que o prazo preclusivo
começa do trânsito em julgado da sentença civil.
(e) O fundamento a que se alude no art. 485, VI, 1a parte, é o em que se apoiou o juiz para decidir como decidiu. O
juiz da rescisão pode verificar qual foi ele, examinando o encadeamento lógico da sentença. Se há dois fundamentos,
somente não cabe a rescisão se o outro bastaria para se decidir como se decidiu, isto é, se, admitindo-se a falsidade, a
decisão rescindenda teria sido a mesma que se deu. Não se exige que tenha sido o fundamento único (Câmaras Civis
Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 19 de fevereiro de 1951, R. dos T., 192, 350).

Se, afastado qualquer dos fundamentos, seria diferente a decisão rescindenda, qualquer deles pode ser matéria para a
rescisão, inclusive podem ser cumulados os pedidos.

(1) Pode ocorrer que a falsidade da prova só atinja o fundamento principal para um dos pedidos. Então, a rescisão é
parcial. O que foi julgado, sem se apoiar na prova falsa, fica incólume à eficácia da sentença rescindente.
Cumpre, ainda, observar-se que a rescisão da sentença, por ter sido falsa a prova, de modo nenhum declara que o réu
na ação rescisória não tinha direito, pretensão ou ação. A eficácia preponderante é desconstitutiva. O elemento
declarativo somente conceme à prova, não ao direito, à pretensão ou à ação, ou à exceção. Por isso mesmo nada obsta
a que, com outras provas, o demandado e perdente, na ação rescisória, proponha de novo a ação, se ainda não
prescreveu. Aliás, o último ato no processo por ele promovido foi a sentença mesma. Não importa se a sentença
rescindida só o foi em parte, ou no todo. A sentença rescindente, em se tratando de falsidade da prova, como em se
tratando de qualquer sentença que não contenha julgamento explícito ou implícito do rescisório, somente desfazendo o
processo, ou parte dele, não contém eficácia de coisa julgada material sobre o ponto rescindido. A sentença
rescindente, que se baseou na falsidade da prova, apenas tem a eficácia declarativa da falsidade da prova e aí está toda
a sua eficácia de coisa julgada material, se além desse julgamento não foi.

11. Obtenção de documento novo O art. 485, VII, faz pressuposto suficiente para a propositura da ação rescisória ter o
autor obtido documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, se tal documento é suficiente
para que a sentença lhe fosse favorável. Ou ele prova a ignorância ao propor a ação, ou já em momento do processo
em que não poderia apresentar, ou prova que o conhecia, mas dele não podia aproveitar-se (por exemplo, o documento
estava em cofre que fora roubado e só tardiamente, com a descoberta do local em que pusera o cofre, pode o autor
saber da existência do documento; o tabelião não lhe podia dar certidão, devido a incêndio do arquivo, e só mais tarde
alguém encontrou o translado ou a certidão).
O art. 485, VII, fala de obtenção “depois da sentença”, mas havemos de entender quando não mais podia apresentá-lo
para julgamento.

12. Confissão, desistência ou transação inválida, em que se baseou a sentença Diante da técnica e das precisões
conceptuais, o Código de Processo Civil de 1973, no art. 485, VIII, sob influência de legislação
estrangeira, deu como causa de rescindibilidade haver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação
em que se baseou a sentença. Ora, a desistência não faz, segundo o próprio Código de 1973, extinguir-se com
julgamento do mérito o processo (cf. art. 267, VIII), mas o art. 485, VIII, abstraiu disso.’67 A transação, sim (cf. art.
269,111). Quanto à transação, ela é ato subordinado à homologação, de modo que a ação rescisória teria de ser a do
art. 486, e não a do art. 485.166 Mas temos de dar solução e explicação, porque essa é a função da doutrina e do
método de interpretação das leis. Pode ter sido proposta contra o ato homologado a ação rescisória da homologação,
por ser atingida de invalidade a transação; e assim se apagam os dois atos, o das partes e o do juiz, ato transparente.
Diante de tal coisa julgada poder-se-ia ir contra a eficácia da transação. O Código de 1973 entendeu que seria o caso
para se ir, desde logo, com a ação rescisória do art. 485, abstraindo-se do art. 486, a despeito de ter havido
homologação.
A confissão, essa, é um dos elementos que podem levar à extinção do processo com julgamento do mérito. A parte
admitiu a verdade do fato contrário ao seu interesse, seja judicial, seja extrajudicial (Código de Processo Civil, arts.
348-350 e 353). Enquanto pende o processo em que ele foi feito, se houve erro, dolo, ou coação, pode ser revogada (?)
mediante ação anulatória (confusão entre anulação, que é resultado de propositura de ação, e a revogação, que não
precisaria dos elementos de erro, dolo, ou coação, se de revogabilidade se tratasse, pois revogar é retirar a voz). A
eficácia da sentença favorável impediria julgamento ou serviria de base para a rescisão da sentença, que estaria
fundada em confissão invalidada. Se a sentença já fora proferida e trânsita em julgado, o que se estatui no art. 485,
VIII, atende ao que antes se dissera no art. 352,11: em caso de confissão emanada de erro, dolo, ou coaçao, há a
proponibilidade da ação rescisória da sentença, se a confissão foi o único fundamento.
Evite-se confundir com desistência da ação processual a renúncia ao direito, à pretensão e à ação, ou só à pretensão e
à ação, ou só à ação (no sentido do direito material). Porém advirta-se que, se houve a renúncia, nela se baseou a
sentença; apesar de ser inválida, só se pode pensar em invocação do art. 485, VIII, a despeito da expressão infeliz
(“desistência”), tanto mais quanto, no art. 269, V, está explícito que se extingue o processo, “com

167 Parece que não, O art. 485, VIII, não permite a rescisão, nem da desistencia nem da sentença que
a homologa, porém da sentença de mérito, que se fundou em desistência (v.g., a que impôs honorérios
ao desistente, obedecendo ao art. 26), quando houver fundamento para anular a desistência. Idem,
quanto à confissão ou à transação.
168 Vd. a nota 167.

julgamento do mérito”, “quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação”.
Na interpretação do art. 485, VIII, de modo nenhum havemos de entender que a “desistência”, a que se refere, apenas
é a desistência da ação processual, o que se chocaria com “sentença de mérito” do art. 485, pr.; nem tampouco, que a
“desistência” do art. 485, VIII, nada tem com a do art. 267, VIII. Temos de entender que a “desistência” do art. 485,
VIII, está em sentido largo (renúncia e desistência). Basta qualquer fundamento de invalidade, desde que seja básico
(“em que se baseou a sentença”). Quando alguém renuncia à ação, no sentido do direito material, ou, a fortiori,
àpretensão e à ação ou ao direito, à pretensão e à ação, a sentençajulga mérito, tal como está no art. 269, V, e a
invalidade da renúncia (dita “desistência”, no art. 485, VIII) serve de fundamento para a ação rescisória.
A renúncia pode ter sido apenas a um dos direitos, que se alegaram no pedido, ou só a alguns deles, e a ação rescisória
pela invalidade somente apanha o direito ou os direitos a que se renunciou. Se só se renunciou à ação (no sentido de
direito material), é de entender-se que se continua com o direito e a pretensão.
Quanto à confissão, tem-se de verificar se a conclusão ou alguma das conclusões que levaram ao julgamento foi o
fundamento da sentença. Épossível que a um só dos pedidos ela se refira e outras também tenham levado à decisão
favorável. A eficácia rescisória só atinge o que serviu de base à sentença na parte rescindida. Se a parte não tivesse
confessado e a sentença seria a mesma, não há rescindibilidade (cf. art. 352, II). Quanto àespécie do art. 352, II, a lei
exigiu dois pressupostos: ter havido erro, dolo, ou coação, e ser a confissão o único fundamento da sentença. Todavia,
devemos entender que a confissão, no art. 352, II, tem de ser a base única para a decisão quanto ao pedido a que ela
corresponde, e não aos outros, que nela não se basearam, ou ao outro, que nela não se baseou.
Resta saber-se se pode ser proposta ação de anulação da transação, a despeito de ter sido homologada por sentença. A
ação de invalidade, a que se refere o art. 352, 1, quanto à confissão, só é proponível se pendente o processo, solução
acertada; depois, só a ação rescisória. Quanto à transação, não podemos levantar dúvida: a homologação chamou ao
processo, como conteúdo de ato sentencial, a transação, e tinha o art. 485, VIII, de fazer incidente o art. 485, em vez
do art. 486.
(b) No art. 485, IX, cogita-se da rescisão de sentença que se fundou em erro de fato, resultante de choque com ato, ou
com atos, ou com documento, ou com documentos da causa. Uma vez que o erro proveio de
fato, que aparece nos atos ou documentos da causa, há rescindibilidade. O juiz, ao sentenciar, errou, diante dos atos ou
documentos. A sentença admitiu o que, conforme o que consta dos autos (atos ou documentos), não podia admitir, a
despeito de não ter sido assunto de discussão tal discrepância entre atos ou documentos e a proposição existencial do
juiz (positiva ou negativa). Em conseqUência do art. 485, IX, e dos §* l~ e 20, a sentença há de ser fundada em ter o
juiz errado (se a sentença seria a mesma sem erro, irrescindivel seria). Mais: se, pelo que consta dos autos (atos ou
documentos), não se pode dizer que houve erro de fato, rescindibilidade não há. Na ação que se propusesse nenhuma
prova seria de admitir-se. Se houve discussão, ou pré-impugnação do erro, ou qualquer controvérsia a respeito, com ou
sem apreciação pelo juiz, ou se o próprio juiz, espontaneamente, se referiu ao conteúdo do que se reputa erro e se
pronunciou, afastada está a ação rescisória do art. 485, IX. Os §~ 1~’ e 20 são expressivos. Há, portanto, o pressuposto
da incontroversidade no processo, em que se inseriu a sentença, sendo a simples alegação por uma parte elemento
suficiente (a fortiori, a manifestação por outra, pró ou contra). Não se precisa exigir a discussão, de modo que a
admissão do alegado pela outra parte afastasse a invocabilidade do art. 485, IX. Na espécie dos arts. 348 (confissão) e
334, III, se o juiz não se pronunciou a respeito, errou, e há a ação rescisória. Se, pelos atos ou documentos do
processo, tinha o juiz de declarar, de ofício, prescrição ou preclusão, o erro não foi de fato, mas de direito, e a ação
rescisória é a do art. 485, V. Se as partes afirmaram o mesmo fato (e. g., eram casados) e o juiz desatendeu a atos ou
documentos do processo, há erro de fato. Por outro lado, se, antes da sentença ou na sentença, o juiz se manifestara
quanto ao que seria erro, não há rescindibilidade. A parte ou as partes interessadas teriam recurso. O que importa é
que, ao julgar, se o juiz tivesse apreciado as provas dos autos, não teria decidido como decidiu, nem, embora
erradamente no plano jurídico, não tivesse examinado o que se reputa erro e a respeito não se houvesse pronunciado.
Não se está, na ação rescisória do art. 485, IX, a apurar a justiça ou injustiça da sentença, mas apenas o choque entre
erro do juiz e as provas dos autos (atos e documentos). Se foi justa, ou injusta, a sentença, é assunto estranho ao art.
485, IX: o que importa é ter havido o erro de fato, tal como o define o art. 485, §~ V’ e 20.
Os fundamentos para a rescisão da sentença trânsita em julgado são todos os dos arts. 485, 352, II, e 486, e nada obsta
a que se cumulem os pedidos, ou que se proponha uma ação rescisória, com fundamento a, e depois outra, com
fundamento b, ou outras. A decisão na ação rescisória desfavorável ao autor não obsta à propositura de outra, com
outro fundamento.

Tanto no direito brasileiro quanto noutros sistemas jurídicos, a enumeração é taxativa (Paolo D’Onofrio, Commento ai
Codice di Procedura Civile, 1, 682; José dos Santos Silveira, Impugnação das Decisões em Processo Civil, 458).
c)A confissão foi assunto dos arts. 348-354, §* l~ e 20. Tem ela de atender às regras jurídicas processuais que lhe são
concernentes, para que exista e valha, quer se trate de confissão judicial (espontânea ou provocada), quer de confissão
extrajudicial. Um dos exemplos de invalidação da confissão éo de não ter tido poderes suficientes o representante da
parte. Outro, o de ser exigida, na espécie, a prova literal (art. 353, parágrafo único). Se houve erro, dolo ou coação, a
confissão pode ser atacada em ação rescisória se foi ela o “único fundamento” da sentença (art. 352, II). Legitimado
ativo é o confitente, mas, proposta por ele a ação rescisória, passa a seus herdeiros (art. 352, parágrafo único).
Se há fundamento para a parte pedir a invalidação da desistência, em que se baseou a sentença, pode ser proposta a
ação rescisória. A desistência da ação somente produz efeitos depois de homologada por sentença (art. 158, parágrafo
único); de jeito que a sentença há de existir, ser válida e eficaz. A desistência por procurador é necessária a entrega de
poderes especiais, a despeito de não se falar no art. 38 de desistência.169 A desistência, uma vez homologada, extingue
o processo. As causas de invalidade são as do art. 243 e todas as que atingem as declarações unilaterais de vontade, o
que também ocorre com a confissão (e. g., coação).
Quanto à transação, é negócio jurídico bilateral. As eivas são as que a lei processual e a lei de direito natural apontam.

13.Erro de fato, resultante de atos ou documentos da causa O art. 485, IX, cogita da ação rescisória que se funde em
erro de fato, oriundo de atos’70ou documentos da causa. O erro foi do juiz, posto que a sua culpa possa ter sido
mínima, devido a atos, que constavam do processo, ou de documentos apresentados. Pode ser que se tenha admitido
fato que não ocorreu, e para isso haja contribuído a atitude de alguma das partes, de assistentes, de peritos, de técnicos
ou de testemunhas, ou algum documento; ou que se haja repelido a existência ou a continuidade de fato que não se
dera, ou que cessara.

169 O art. 38 menciona expressamente a desistência.


170 A referência a atos decorre de má traduçáo do CPC italiano, art. 395, no 4, que empregou o substantivo
atti, significando autos. Cabe, entáo, a rescisória quando a sentença rescindenda estiver fundada em erro de
fato, decorrente dos autos ou de documentos da causa (cf. Barbosa Moreira, Comentários ao C~PC, cit., p.
131).

14.Existência e inexistência de fato O erro pode consistir em se ter afirmado que o fato acontecera, ou que não
acontecera, ou acontecera no momento b, que interessa a causa, ou que não acontecera em tal momento, e a afirmação
se referiu, erradamente, ao momento b, em vez de só admitir ter existido ou não ter existido no momento a, ou c.
Além disso, pode ser que ao ato existente fosse estranho o elemento subjetivo (ato praticado pelo autor, ou pelo réu).
O que importa é tratar-se do ato ou fato que seja ponto de exame para o juiz.

15.Controvérsia e pronunciamento judicial O art. 485, § 2’, fez indispensável, em se tratando de erro quanto à
existência ou à inexistência do fato, que não tivesse havido controvérsia entre as partes e interessados, o que teria
permitido investigação suficiente, nem pronunciamento judicial sobre o erro. Tem-se de perguntar se afastaria a
incidência do art. 485, IX, ter havido controvérsia sem pronunciamento do juiz, ou o pronunciamento do juiz sem ter
havido controvérsia. Havemos de entender que sim, porque as partes teriam de levar à decisão judicial, na primeira
instância, ou em superior instância, ou na única instância, aquilo que as levara à controvérsia; e, se não houve
controvérsia, mas o juiz se pronunciou, tinham as partes de exercer as pretensões recursais. O que se afasta é a
rediscussão ou rediscutibilidade na ação rescisória.

16.Rescindibilidade de sentenças e de acórdãos Costuma-se invocar a opinião do antigo Tribunal do Comércio da


Corte (14 de março de 1872 e 27 de março de 1875), para se dizer que a rescisão pode ser pedida, não só da sentença,
mas também dos acórdãos que a confirmam. É fácil perceber-se a confusão. A sentença, de que cabe recurso e de que
ainda pode ser interposto, apenas constitui apresentação da prestação jurisdicional, e não entrega. Essa só acontece
quando dela não cabe mais recurso, ou quando já não cabe, ou a lei não o dá, de decisão que a confirmou ou a
reformou. A entrega, portanto, da prestação jurisdicional somente pcorre na última decisão. Não há ação rescisória de
uma sentença e dos acórdãos que a confirmaram, ou que a reformaram. O que é rescindível é a última sentença, ou, se
houve recurso, o último acórdão que conheceu da matéria cujo reexame se pede.’7’ Algumas vezes, o recurso, que se
interpôs (o que acontece freqUentemente, com os recursos extraordinários), não versava sobre o ponto cujo
julgamento se quer rescindir. Então, é a rescisão da sentença, ou do acórdão anterior, que se pretende em juízo,
caracterizando-se o objeto da ação rescisória e a competência para dela se conhecer.
Se há causa para a rescisão, o que se tem de procurar saber, antes de tudo, é qual o momento em que o ponto da
decisão, em que a causa se deu, passou, formalmente, em julgado. Pode tratar-se de acórdão no correr do processo,
sobre preliminar ou sobre questão prévia; pode ser ponto da sentença, ou sobre a sentença, em si mesma; pode ser
assunto de remédio estrito, como o per saltum, o pressuposto, ou o recurso extraordinário.
Decisão sobre recurso de que não se conhece somente pode ser rescindida no que toca a ela mesma ou à não-
cognição.’72
Se não se conheceu do recurso, rescindível é quanto ao mérito a sentença. Idem, quanto a preliminares da sentença.
Não quer isso dizer que o próprio acórdão no recurso não seja suscetível de rescisão per se. São julgados diferentes e
inconfundíveis, pela diversidade do objeto de um e de outro. A decisão do juízo rescindente, que desconstitui o
acórdão que não admitiu embargos a uma sentença, ou a outro acórdão, reabre o processo desde ele. Por isso mesmo,
não foi exato o raciocínio da antiga Corte de Apelação do Distrito Federal, há muitos anos, quando entendeu que,
decretada a rescisão de acórdão que julgara não serem admissíveis os embargos, não aproveitaria. Ai, a espécie
permite e aconselha que se cumulem os pedidos, o de rescisão do segundo e o de rescisão do primeiro acórdão. O
tribunal da ação rescisória, conhecendo de ambos, rescindirá o segundo e, julgando-se os embargos, decidirá quanto a
matéria desses e quanto à do outro pedido, que pode ser a mesma. A cumulação não é, porém, necessária.
O fato de se pedir a rescisão da sentença, em vez dos acórdãos que a confirmaram, não constitui nulidade, nem causa
para não-provimento (Corte de Apelação do Distrito Federal, 2 de maio de 1934; errado, o acórdão do Tribunal do
Comércio da Corte, a 14 de março de 1872, O D., 1, 276). Entende-se que houve, da parte do advogado, apenas lapso,
ou falta de técnica processual suficiente. O vulgo pensa que a decisão confirmada éque é a decisão. Daí erros de
advogados e de tribunais. Em todo caso, há o problema da competência para cognição da ação rescisória.
Quando o acórdão rescindendo se formou em alguma sentença, atribuindo-lhe coisa julgada, ou se tem de provar que
não houve coisa julgada

172 Opinião incompatível com o caput do art. 485, que só admite a rescisão da sentença (ou acórdão) de mérito. A
decisão de mio conhecimento encerra juízo negativo de admissibilidade de recurso e náo pode ser desconstituída por
ação rescisória.
e, nesse caso, o fundamento somente pode ser o da falsa prova; ou se mostra que o acórdão rescindendo deu à sentença
que constitui res iudicata efeitos que de direito não lhe cabiam (extensão da coisa julgada), então o fundamento é a
violação de direito objetivo (Corte de Apelação. do Distrito Federal, 13 de outubro de 1937).

17.Sentença estrangeira e homologação de sentença estrangeira


A sentença estrangeira não é suscetível de ser rescindida pelos juizes do Brasil. A sentença de homologação da
sentença estrangeira, que é prestação jurisdicional do Estado brasileiro, pode ser objeto de ação rescisória perante o
Supremo Tribunal Federal. (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1, g).’73 Revogada ou rescindida a
sentença estrangeira, periclita a de homologação, ainda que já se haja decidido desfavoravelmente a ação rescisória
dessa; mas a rescisão ou revogação da sentença estrangeira precisa, a seu turno, de ser homologada. Não há
dificuldades se se atende aos princípios. Rescindida a sentença estrangeira, homologada a sentença rescindente, caem
a anterior e sua homologação. Idem, quanto à declaração de inexistência e à decretação de nulidade.
18.Sentenças de juizes arbitrais e rescisão A sentenças dos juizes arbitrais escapam, em alguns sistemas processuais, a
pedidos de rescisão; não assim a da justiça estatal que julgou o recurso (Decreto n0 3.900, de 26 de junho de 1867, arts.
20 e 30; Código Civil de 1916, art. 1.046), a que homologou o laudo, ou a do juiz estatal, que serviu de árbitro. A
melhor solução, de legeferenda, é submeter-se a sentença arbitral à rescisão.’74
Não cabe rescisória, se arbitral a sentença, com fundamento na violação de direito, quando as partes deram aos árbitros
o poder de julgarem por eqUidade;’75 exceto por infração do art. 127 do Código (casos previstos em lei).
19.Injustiça e má prestação da prova O direito objetivo, o direito
in thesi, é o que se não deve violar, sob pena de rescindibilidade. Uma coisa é a sentença injusta em seu conjunto, ou
em seus pormenores, contra o direito subjetivo, a pretensão, invocada pela parte, já protegida pelos recursos, e outra, a
sentença que fere o direito objetivo, cuja realização é

173 Const. 88, art. 102, 1, h.


174 No sistema da Lei n0 9.037, de 23.09.96, da sentença arbitral só cabe a açáo de nulidade do art.
32 desse diploma, ou a açáo de embargos do devedor (~ 33 § 30) Considerado, entretanto, que,
conforme o art. 31 dessa lei, “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos
efeitos da sentença proferida pelos órgáos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo”, dela também caberá a ação anulatória.
175 Vd. os arts. 20 e II, II, da Lei n0 9.037, de 23.09.96, que dispóe sobre a arbitragem.

finalidade do processo promover e assegurar. Dai a diferença entre sententia lata contra ius litigatoris (Manuel
Gonçalves da Silva, Commentaria, III, 142, 143), que viola o direito in hypothesi, não suscetível de rescisão (Supremo
Tribunal Federal, 10 de maio de 1933, 14 de janeiro e 5 de setembro de 1914; Corte de Apelação do Distrito Federal,
10 de agosto de 1930, 24 de maio de 1933; Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de abril, 15 de maio e 19 de setembro
de 1931; Câmaras Reunidas da Corte de Apelação do Distrito Federal, 17 de agosto de 1916), e a sentença contra lex
expressa, ou, melhor, contra ius in thesi, contra o direito na totalidade da sua existência social, do seu ser normativo.
A jurisprudência é torrencial (Supremo Tribunal Federal, 18 de outubro de 1920,9 de junho de 1923 e 23 de outubro
de 1925; Corte de Apelação do Distrito Federal, 9 de julho de 1920; Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de março de
1931; Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 18 de março de 1930). Na velha jurisprudência, corretamente a
Relação do Rio de Janeiro, a 13 de novembro de 1874 e a 24 de setembro de 1875.
As sentenças em que se infringe direito em tese são injustas e rescindíveis. As sentenças em que se viola a coisa
julgada são rescindíveis, posto que possam não ser injustas. As sentenças que se apóiam em falsa prova são injustas e
rescindíveis, ou justas, se o fundamento na falsa prova não é o único, e irrescindíveis. As sentenças injustas que não
caibam numa das espécies dos arts. 485 e 486 são injustas, porém não rescindíveis. Uma das espécies de sentenças
injustas não rescindíveis é a das sentenças que apreciaram, sem exatidão, a prova.
Certa vez, o Supremo Tribunal Federal (13 de setembro de 1929) julgou ser carecedora de ação pessoa que invocara a
Lei n0 2.924, de 5 de janeiro de 1915, por ser matéria de injustiça, e não de violação de direito em tese, uma vez que o
juiz apreciara a qualidade, ou não, de funcionário federal. Disse o acórdão: “O que decidiu o acórdão rescindendo foi o
que o art. 125 da Lei n0 2.924 não se aplicava ao autor, por não ser ele funcionário federal, quando aquele dispositivo
de lei outorgava somente aos empregados federais a garantia da estabilidade no cargo, na hipótese de terem mais de
dez anos de efetivo exercício. É claro, pois, que a decisão rescindenda não feriu o direito em tese ou expressa
disposição da lei. Ao contrário, aplicou-se à espécie, consoante a inteligência que lhe pareceu acertada e conforme o
modo por que conceituou o fato sujeito à sua apreciação. Se esse fato não foi bem apreciado e se a decisão foi injusta,
o caso seria de violação do direito em hipótese, o que não dá lugar à ação rescisória, que, em homenagem e em
respeito ao princípio da coisa julgada, somente éadmitida nos casos expressamente prefixados em lei”. Houve
confusão. Certamente, o decidir sobre a prova dos dez anos constituiria, por parte do
juiz, apreciação do fato; não assim o julgar sobre qualidade de funcionário público federal, que é conceito legal, e não
matéria de prova. A questão, nesse ponto, era só de direito, podia, em conseqUência, ter havido a violação do direito
em tese.
Se o direito violado, para servir de pressuposto à ação rescisória, fosse in hypothesi, ter-se-ia de verificar a justiça ou
injustiça da proposição do juiz sobre a matéria de fato. Não é possível isso: se a sentença apreciou bem ou mal (iniusta
contra ius litigatoris) a prova, isto é, se foi acertada, ou não, quanto à hipótese, a decisão pode ser rescindida. O juiz
rescindente, se o tivesse de apurar, resolveria todo o processo, e julgaria de novo. Caberia o dito da L. 5 de
Diocleciano e Maximiano (C., 7, 52): “nec enim insturari finita rerum iudicatarum patitur auctoritas”. Mas a exclusão
de pressuposto que está na lei ou a atribuição do que nela está constitui ofensa à lei, ao ius in thesi. Outrossim, o limiar
ou dilatar o campo da aplicação da regra jurídica. A regra de direito são os seus pressupostos subjetivos (legitimações
ativa e passiva) e objetivos (inclusive forma e conditiones iuris), a sua norma ou mando, a sua extensão material, a sua
aplicação espacial (direito internacional privado, interlocal, etc.) e temporal (início e fim da sua incidência.
A violação que se aprecia não é do direito in hypothesi, e sim a do direito in thesi. E bem certo isso. Também é certo
que se não desce ao exame, sequer, da injustiça manifesta, no caso. Porém nada disso quer dizer que se haja de
apreciar o direito in abstracto: o direito violado há de ser o direito in thesi, mas concretamente considerado. O
exemplo esclarece. O juiz, que tinha de aplicar a regrajurídica de medidas judiciais contra o pai dilapidador dos bens
do filho (abuso do pátrio poder), elogiou a lei, reconhecendo-lhe a alta significação social e por fim suspendeu-lhe o
pátrio poder, dizendo haver colisão de interesses (outra regra jurídica). E caso de rescisão, porque a regra jurídica
elogiada foi violada. Outrossim, se, censurada a regra jurídica, a não aplicou. Ocorrendo, porém, que o juiz viole o
direito in abstracto, sustentando princípios que não são os do direito, ou negando os verdadeiros, e, no entanto, ao
concluir, aplique a regra jurídica do pedido ou da defesa, sem violar, in casu, o direito in thesi, a rescisão não se dá.
Acertou, a despeito da suas digressões.
Ordinariamente, a violação do direito in abstracto e a do direito in concreto se separaram, quando se trata de ius non
scriptum: ou o juiz reconhece a regra jurídica e não a realiza (a aplicação do direito objetivo éessencial à sua função),
ou a realiza, negando-lhe a existência. Ali, viola o direito em concreto, e não o em abstrato; aqui, o direito em
abstrato, e não o em concreto. Tal cisão poderá decorrer de ignorância, de erro, de simulação ou dissimulação do juiz;
mas só a violação do direito em tese, concretamente considerado, torna rescindível a sentença. Pena é que alguns
julgados confundam o direito em tese (contrário a direito em hipótese) e o direito em abstração (contrário a direito em
concreto). Exemplo temos em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (4~ Câmara Civil), a 15 de junho de 1932,
onde se diz “embora o acórdão rescindendo esteja abstratamente conforme o direito”, quando se queria dizer “esteja,
em tese e concretamente, conforme o direito”, isto é, não só abstratamente e sem levar em conta a hipótese.
Se aos juizes do Tribunal de rescisão chegar o feito, devem eles, ao darem as razões de afastar a ação, mostrar o ponto
em que só se violou o direito in abstracto, porque não devem eles perder ensejo de servir à verdade jurídica, ainda que
não se dê, concretamente, a violação. São mesmo a isso obrigados, pois que lhes cabe decidir na espécie e, no iudiciwn
rescindens, a violação do direito em abstrato, em vez da violação do direito em concreto, constitui questão a ser por
eles apreciada, dado o “julgamento de julgamento”, que é a rescisória. A rescisão é de interesse público quanto à
expressão do direito e seu respeito.

20. Má apreciação da prova e ação rescisória de sentença A apreciação da prova não é suficiente para fundamento da
rescisão. Cumpre, porém, entender-se o que se conceitua como “má apreciação da prova”. Aprecia-se a prova, ou
medindo-se e pesando-se o que vale como dados de fatos, sejam embora indícios, para se saber se é verdadeira ou
falsa alguma afirmação (comunicação de conhecimento) das partes e dos que podem, nos processos, afirmar (atividade
do juiz que assaz se aproxima da atividade do cientista), ou acede-se à prova porque a lei mesma ordenou que o juiz
atendesse a ela. Aí, a medida e o peso da prova não são próprios da prova, ainda quando coincida ser o exato. O juiz
deixa o campo do seu livre convencimento (art. 131), para obedecer a regras legais sobre admissão, valor e
atendibilidade da prova. Se é certo que, na teoria da livre apreciação da prova, a boa ou má apreciação corre por conta
do juiz, e é a isso que se alude, ainda restam muitos casos da antiga teoria probatória formal, que ligava o juiz a regras
jurídicas fixas sobre a forma (regras de lei) De modo que ainda existem regras legais sobre a prova, inclusive quanto
ao valor dos documentos, quanto a pessoa a quem a lei proibe de depor e quanto a presunções. Sirva de exemplo o
princípio para o qual a validade da confissão não depende da aceitação da parte a quem beneficiar. Se o juiz aprecia a
prova e funda o seu julgamento em que, não tendo a outra parte aceito a confissão, prova não houve, viola o princípio
implícito no sistema jurídico e coerente com o art. 131 de não depender de aceitação a prova pela confissão. Não há
somente, nesse caso, má apreciação da prova, e sim
infração de princípio jurídico em tese. Assim, a respeito de todas aquelas regras jurídicas de que falamos. Aí cabe a
ação rescisória por infração do direito em tese. Noutros termos: sempre que se deixa de atender a regra jurídica sobre
prova, a ação rescisória de sentença cabe.
A interpretação pode distanciar-se tanto da lei que não se considere interpretação, mas violação: errar no interpretar e
fazer dizer o absurdo não são o mesmo (cf. Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 26 de
maio de 1943, R. F., 95, 592).
21.Interpretação dos negócios jurídicos Na interpretação dos negócios jurídicos (e não só dos contratos), sempre que o
juiz procede a explicitação do conteúdo das declarações de vontade segundo as regras de gramática, de léxico e de
lógica, a linguagem própria do assunto e o uso e costume do lugar, interpreta os negócios jurídicos, ou errôneas ou
acertadamente. Existem, porém, regras legais de interpretação dos negócios jurídicos, e regras jurídicas dispositivas,
para o caso em que haja branco na expressão da vontade do declarante (e. g., deixou de dizer qual o prazo da locação
do serviço agrícola, e a lei estabelece, em regra jurídica dispositiva, que seja o de um ano agrário). As regras jurídicas
interpretativas são para o caso de dúvida na interpretação. Tais regras são regras legais: não as aplicar, por ignorá-las,
ou aplicá-las quando se tomem por interpretativas sendo dispositivas, ou por dispositivas sendo interpretativas, ou por
absurdamente concebê-las como imperativas, é infringir lei. Não há, então, somente “errônea interpretação do
contrato”. Cabe a ação rescisória, com base no art. 485, V.

Alguns exemplos de infração do ius in thesi, em se tratando de regra jurídica interpretativa (ias interpretativum),
melhor esclarecerem o assunto.
a) A regra de interpretação da lei e a regra jurídica interpretativa (dos atos jurídicos) são inconfundíveis. A regra
jurídica que diz “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito” (e.g., Decreto-lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 40; cf. Código de Processo Civil, art. 126),
é regra jurídica de interpretação das leis. A regra jurídica de mais se atender à intenção do que à linguagem das
declarações de vontade, bem como a regra jurídica de, se em testamento se há de enfrentar divergência de
interpretação, dever-se buscar a vontade do testador, é regrajurídica interpretativa. Tanto a violação daquela, que é
regra de sobredireito, quanto a dessa, que é regra de direito substancial (e material), dá ensejo a ação rescisória, se
ferido foi o direito em tese (cf. Tratado de Direito Privado, Tomos 1, § 18, III; §§ 250, 1, e 256, 5; e VII, ~ 763, 3).
A regra jurídica sobre a presunção de serem iguais os quinhões dos condôminos (Tratado de Direito Privado, Tomo
XII, * 1.276, 5, 6) é regra jurídica interpretativa. Somente em caso de dúvida, presumem-se iguais quinhões dos
condôminos. Se havia dúvida e o juiz a reconheceu, mas resolveu segundo, por exemplo, o imposto que pagavam
quando eram locatários, infringiu a lei, em tese. Não assim se o juiz acha não haver dúvida, porque, então está ele a
decidir quaestiofacti (se foi estabelecida a comunhão com os quinhões a, b e c, ou com os quinhões a, a e a).

b) É violar a lei, em tese, supor existir regra jurídica interpretativa que não existe. Por exemplo: um dos figurantes da
relação jurídica processual sustentou haver solidariedade, porém não há a respeito lex specialis, nem os fígurantes do
negócio jurídico a estabeleceram. O juiz, devido à dúvida, resolve pela solidariedade. Certamente, tal infração do
direito em tese não é tão profunda quanto, por exemplo, a que derivasse de, sem haver qualquer dúvida, o juiz
presumir a solidariedade, porém é igualmente grave, por ter atribuido ao sistema jurídico regra jurídica que não está
nele.

22. Rescisória na desapropriação’76 A Medida Provisória n” 1.5 77-4, na quarta versão, de 2 de outubro de 1997,
quando se redige este comentário, estabelece, no parágrafo único do art. 4”: “além das hipóteses referidas no art.
485 do Código de Processo Civil, será cabível ação rescisória quando a indenização fixada em ação de
desapropriação for fia grantemente superior ao preço de mercado do bem desapropriado “. Se essa regra satisfaz o
requisito de relevância, deixa desatendido o da urgência, igualmente exigido pelo art. 62 da Constituição Federal,
que tem servido de pretexto aos ucases do Poder Executivo, tanto mais ousados quanto ineficiente o Congresso e
frouxa a vigilância do Judiciário. A norma, afrontosa do art. 62 da Carta política, é inconstitucional.
Abstraída a questão da constitucionalidade, deve-se reconhecer que a mencionada medida provisória, no parágrafo
único do art. 4” (cujo caput aumentou para quatro anos o prazo das rescisórias da União, estados, Distrito Federal,
municípios, autarquias e fundações instituidas pelo poder público vd. comentário especifico, sob o art. 495),
acrescentou ao rol do art. 485, sem, contudo, lhe somar outro inciso, um novo caso de desconstituição da sentença.
Pode ser rescindida a sentença, obviamente condenatória, que, na ação de desapropriação, estipular indenização fia
grantemente superior ao preço de mercado do bem desapropriado.

176 Comentarios do atualizador, impressos em caracteres tipográficos diferentes para a dissociação do texto do autor.

Exclua-se a incidência da norma no caso de sentenças que, nas denominadas ações de desapropriação indireta, não
concederam a indenização compatível com ressarcimento dos prejuízos decorrentes desse esbulho possessório. Por
sua natureza, a norma comentada demanda interpretação restritiva, devendo-se limitar-lhe a incidência aos casos de
sentença proferida na ação de desapropriação, como tal entendida a que éproposta pelo expropriante, ou terceiro
eventualmente legitimado, não importa a lei que a regule, nem a natureza do bem, já que todos os bens são suscetíveis
de desapropriação, como está no art. 2”do Decreto-lei n”3.365, de 21 de junho de 1941, e se colhe no inciso XXIV do
art. 5”da Constituição de 1988. Aliás, na rescisória de que se trata não cabe questionar a natureza do bem, a sua
localização, bastando que se indague se houve ação de desapropriação e se se proferiu sentença, nas condições
previstas no parágrafo único.
Conquanto inscrita no parágrafo único do art. 40 da Medida Provisória n” 1.577, a legitimidade para a ação
rescisória, no caso dessa norma, não se restringe às pessoas referidas no caput do dispositivo, que, na verdade, não
regulou a legitimação, porém dilatou para quatro anos o prazo decadencial do exercício do direito de propor ação
rescisória pelas pessoas nele nomeadas. Por certo, será esse o prazo para a rescisória daquelas pessoas também
quando elas ajuizarem a ação, no caso do parágrafo único do art. 4”. No entanto, a legitimidade para a ação do
parágrafo único não é regida por seu caput, e sim pelo art. 487 do Código de Processo Civil.
A condição de procedência da ação rescisória, no caso comentado, éa outorga de indeniza çãofiagrantemente
superior ao preço de mercado do bem. Não basta que a indenização supere esse preço. Exige a lei que a diferença
entre a indenização fixada e o preço de mercado seja flagrante. Esse adjetivo, que nunca foi do uso freqUente dos
clássicos, aparece nos léxicos como evidente, manifesto. Procede de flagrans, cujo étimo é flagro, de flagrare, arder,
estar em brasa, assim designado o que é ostensivo e se pode determinar sem hesitação.
A prova da diferença flagrante se faz pelos meios admitidos em juízo, podendo resultar de perícia, de documentos e
até de depoimentos, sem que uma avantaje as outras, embora se deva reconhecer que peritos e assistentes técnicos
concorram de modo especial para aformação do convencimento dos juizes.
A lei exige que a indenização concedida na ação de desapropriação seja “fia grantemente superior ao preço de
mercado do bem expropriado ~‘. Com fundamento nesse dispositivo, de raiz constitucional, não se pode pedir
a rescisão da sentença que houver dado indenização inferior ao valor do bem, flagrante ou não o descompasso, pois a
norma fala apenas em indeniza ção superior. Essa nova regra jurídica não exclui a ação rescisória, nem do
expropriante, nem do expropriado, quando a indenização simplesmemíte nãofor justa, mas, aqui, o suporte jurídico
da pretensão será o inciso V do art. 485 do CPC por literal violação do inciso XXIV do art. 5” da Constituição
Federal.
Art. 486. os atos judiciais’), que não dependem de sentença2), ou em que esta for meramente homologatória, podem
ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil3)4)5).

1.Invalidade de atos judiciais que não dependem de sentença ou em que essa seja meramente homologatória A lei
processual assenta que “os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”. A regrajurídica obriga
à precisão de vários conceitos:
Atos “judiciais”, diga-se “atos das partes em juízo”, isto é, nele ínsertos, ou nele praticados. A alusão à rescisão, se
não houve homologação, apenas frisa que a invalidade alcança o ato de inserção ou de prática no processo. Houve o
reflexo da processualidade.
O art. 486 não se refere aos atos jurídicos praticados fora do processo, salvo os que vêm a ele para a homologação. Os
atos têm de ser atos das partes, e não do juiz, a despeito do adjetivo “judiciais”. A inserção no processo, mesmo sem
a homologação, deu ao legislador a razão para aludir àjudicialização. A sentença homologatória pode ser rescindida,
mesmo se não se trata de pressuposto de anulabilidade do ato jurídico conforme a lei de direito material. Por exemplo:
o juiz, que homologou, era absolutamente incompetente, ou impedido, ou fizera-o por prevaricação, concussão ou
corrupção, mas, aí, se a sentença homologatória atingiu o mérito ou consistíu em homologação de desistência. Se nada
disso ocorre, como se não se trata de ato dito judicial não homologado, os pressupostos para a desconstituição são os
que a “lei civil” aponta. O direito material é que incide e se há de invocar. Se não houve homologação, mas foi inserto
no processo o ato jurídico, o legislador empregou a expressão “rescindidos” para distinguir da simples anulação
conforme o direito material a cisão, a rescisão, da íncursao no processo. Não só a homologação põe por cima do ato
jurídico o elemento transparente do ato judicial sentencial: o despacho que permite ajuntada, ou a constituição em
termo dos autos, ou outro meio processual, é algo que cobre, transparentemente, embora menos extensivamente que
asentença homologatória, o ato jurídico das partes. De ordinário, a anulação do ato das partes reflete-se no ato
processual (ao lado, como o despacho de juntada; ou de cima, como o que defere o requerimento de manifestação de
vontade ou de reconhecimento em termo dos autos, ou de cima e encobrinte, como se há homologação).
Qualquer causa de anulabilidade, que se refira ao ato dito judicial, seja causa prevista em direito privado, ou em direito
público (a expressão “direito civil” foi infeliz antes e no Código de 1973, art. 486), é pressuposto suficiente para que
se vá, no prazo do art. 495, contra o ato das partes, ou da parte. Há-os unilaterais e até plurilaterais.
A sentença homologatória pode ser atacada sem se atacar o ato jurídico, bem como qualquer decisão que faça “ato
judicial” (no sentido do art. 486) o ato da parte, ou das partes. Pense-se no art. 485, VIII (fundamento para invalidar
confissão, desistência ou transação), em que se alude ao ato da parte ou das partes, mas também no impedimento ou
incompetência absoluta do juiz (art. 485, II), ou na própria prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (art. 485, 1).
Pode haver interesse só na rescisão da sentença homologatória.
Homologar é tomar o ato, que se examina, semelhante, adequado, ao ato que devia ser. Quem cataloga classifica;
quem homologa identifica. Ser homólogo é ter a mesma razão de ser, o que é mais do que ser análogo e menos do que
ser o mesmo. A homologação pode ser simples julgamento sobre estarem satisfeitos os pressupostos de forma, ou
sobre estarem satisfeitos os pressupostos de fundo e de forma, ou sobre simples autenticidade. A escala vai da simples
resolução com apreciação dos requisitos exteriores até a homologação, que desce ao exame dos pressupostos de fundo,
como se dá com homologação do suplemento de idade. Há homologações integrativas da forma, ou simplesmente
verificativas, e homologações integrativas de fundo.
Homologação há de atos jurídicos de particulares e de atos jurídicos do Estado. Homologam-se desistências e
transações em processo. Homologam-se partilhas. Homologam-se sentenças estrangeiras.
A homologação é sempre julgamento sobre o que até então se passou. Examina-se o pretérito, para se atribuir certo
efeito, ou se atribuírem certos efeitos, ou se marcar a terminação de certa fase, nos procedimentos que precisam de
exame do que ocorreu. Daí haver em toda homologação preclusão, que só a admissão de recurso ou de remédio
jurídico infringente pode romper. Ato judicial, ou ato administrativo, a homologação apanha o que se produziu para a
declaração de estar homólogo ao que devera ser, ao modelo abstrato. É essencial à homologação ser em certo
momento, a respeito de certo ato e por determinada autoridade judicial, ou administrativa, que tenha competência
quanto à matéria em exame e diga a última palavra, só atacável em via recursal, ou em impugnativa à resolução. Aí,
intervêm os princípios de hierarquia.
Quando se homologa algum ato, reputa-se esse ato o homólogo do ato in abstracto, que se tem por modelo, ou idéia.
Não se pode homologar o que, no momento da homologação, não corresponde ao que, na instância, no grau, na fase,
não é definitivo, ou pode ser alterado, sem ser por deliberação ulterior de quem homologa (reconsideração de
despacho administrativo, decisão de procedência de embargos infringentes do julgado, de prejulgado, decisão de
procedência de ação rescisória) ou de autoridade superior (decisão de provimento do recurso, ou de procedência de
ação de nulidade ou de ação rescisória). Não se concebe que a autoridade A, subalterna de B, possa alterar a resolução
ou o julgamento, depois que B o homologou infringir-se-iam princípios de hierarquia e deturpar-se-ia, até a
contradição, o conceito de homologação. O superior diria que está homólogo ao que seria o ato in abstracto, decisão
declaratória, com maior ou menor elemento constitutivo; e o inferior, retirando sustentáculos ao julgamento, faria ruir
o que a autoridade superior afirmara.
Nas espécies de ação rescisória em que houve homologação de negócio jurídico ou de qualquer ato jurídico de direito
material, a lei de direito material que os rege estabelece os pressupostos para que possam ser atendidos pela rescisão.
Há explícita remissão ao direito material que lhes atribui existência, validade e eficácia. Dá-se o mesmo com atos
judiciais que acolhem atos jurídicos que independem de sentença. (A alusão à “lei civil” que aparece no art. 486 do
Código de 1973 e já aparecia no Código de 1939, art. 800, parágrafo único, deve ser entendida no sentido de alusão a
qualquer direito material, privado ou público, que se refira ao ato jurídico em exame para a rescindibilidade.) O
assunto é de grande relevância, porque pode haver diferença entre o prazo preclusivo para ação rescisória e o prazo
preclusivo ou prescripcional relativo ao ato jurídico, independente ou não de homologação, mas judicializado por sua
inserção no processo civil (verbis “atos judiciais”). Pense-se em ação sobre vício redibitório, em ação de hospedeiros e
estalajadeiros, cujo prazo se conta do último pagamento, em ação de revogação de doação, e em ação de médicos e dos
advogados pelos seus serviços. Em todos esses exemplos e em muitos mais a ação rescisória de atos em processo que
não dependem ou que dependem de homologação, ao ser proposta, pode já encontrar precluído o prazo, ou prescrita a
ação para atingir tais atos.
A lei processual distinguiu o ato jurídico e a sua processualização, ou o ato jurídico e a sua processualização seguida
de homologação. O que se rescinde é o ato processual, e não só o ato de direito material, que está dentro dele.
Brevitatis causa, disse-se “poderão ser rescindidos os atos processuais que não dependem de sentença, ou em que esta
for meramente homologatória”. A elipse ressalta: “Os atos judiciais (de inserção de atos de direito material) que não
dependerem de sentença, ou em que esta for meramente homologatóna, podem ser rescindidos (nos casos em que os
atos insertos ou homologados podem ser invalidados), como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”.
Há dois atos jurídicos, quer se trate de simples processualização por inserção (ação 486, 1a parte, verbis “que não
dependem de sentença”), quer se trate de processualização com homologação (verbis “meramente homologatória”).
(1) O ato jurídico da parte, suscetível de desconstituição segundo os princípios do direito que o rege, seja material (e.
g., renúncia à res deducta, isto é, a pretensão de direito material, e transação), ou processual (e. g., desistência da ação
proposta), ou ato do juiz em lugar da parte (e. g., se as partes acordaram em que o juiz determinasse alguma prestação
ou contra-prestação).
(2) O ato jurídico processual do juiz, pelo qual ele manda inserir, ou tomar por termo nos autos o que declara a parte,
ou declaram as partes, ou pelo qual homologa simplesmente o que foi inserto ou tomado por termo nos autos.
A processualização por inserção e a processualização em tomada por termo distinguem-se em que, naquela, o ato
jurídico precedeu ao ato judicial e, nessa, há simultaneidade entre a declaração e a processualização. Espécie
intennédia é aquela em que, a despeito de se apresentar o que poderia ser inserto no processo, o juiz manda que se
tome por termo.
A processualização com homologação sobrevém, necessariamente, à inserção ou juntada. E o momento a mais, que a
lei exige para a eficácia processual de certos atos das partes.
O ato de inserção, se se trata de despacho que transita, formalmente, em julgado, pode ser atacado, em si, como
decisão judicial que é; bem assim o de tomada por termo. Se no processo que corria perante autoridade competente por
hierarquia ou ratione materiae e não impedida, foi junta escritura pública de cessão de direitos por despacho de juiz
incompetente ratione materiae ou por hierarquia e, a despeito disso, foi atendido o negócio jurídico, tal despacho é
atacável como as decisões em geral, e atacável é a cessão mesma.
Se houve partilha amigável por instrumento particular (art. 1.029, 2~ parte) e homologação por juiz impedido, há duas
impugnações: uma, contra a decisão, e outra, contra o negócio jurídico da partilha. Se a homologação foi sem vício,
permite-se por sua transparência que se ataque o negócio jurídico da partilha e, só consequência, a decisão
meramente homologatória, que, ex hypothesi, cobrirá o atacável, mas só transparentemente. Se a partilha amigável foi
por instrumento público, “reduzida a termo nos autos do inventário” (art. 1.029, ia parte), a ação rescisória pode ser
contra o negócio jurídico, ou contra o termo nos autos.
A regra jurídica do art. 486, 2~ parte, deixa ver-se, sob a decisão meramente homologatória, o ato jurídico que se
“processualizou” (= se inseriu no processo), ou processual. Tal transparência da decisão homologatória de modo
nenhum a exclui: também se vê o ato judicial, a despeito de ser transparente. Daí poderem ser atacadas, com
invocação do art. 485 e do art. 486, conforme a natureza do ato rescindendo, a decisão e o ato jurídico envolvido.
A lei processual assenta que “os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que essa for meramente
homologatória, poderão ser rescindidos como os atos jurídicos em geral, nos termos de lei civil”. O art. 486 obriga à
precisão de vários conceitos: (a) “Atos judiciais” é expressão que aí está por “atos processuais”, como acontece em
todo o Código: porém livremo-nos de entender que “todos” os atos processuais que não dependem de sentença, ou em
que a sentença seja meramente homologatória, se rescindam segundo a lei civil. (b) Os atos processuais que não
dependem de sentença são os atos jurídicos das partes, ou em lugar das partes, que sejam redigidos pelo direito
material. c) Os atos processuais que exigem simples homologação são os atos jurídicos das partes, ou em lugar das
partes, que sejam regidos pelo direito material, porém cuja eficácia processual dependa de sentença, sendo essa
meramente homologatória. d) A referência à “lei civil” foi feita brevitatis causa: entenda-se “lei material”, porque o
ato jurídico inserto no processo, ou tomado por termo, pode ser regido pelo direito público, ou pelo direito comercial,
ou pela legislação do trabalho, ou outra legislação especial, ou, até, por direito estrangeiro (e. g., renúncia a direito
oriundo de negócio jurídico regido por lei estrangeira, homologação de partilha em que há incapazes sujeitos a lei
pessoal estrangeira.
(a) “Atos judiciais” é expressão que ai está por “atos processuais”, como acontece em todo o Código; porém livremo-
nos de entender que “todos” os atos processuais que não dependem de sentença, ou em que a sentença seja meramente
homologatória, se rescindam segundo a lei civil.
A ação, no tocante ao ato jurídico, sobre o pais o qual se pôs a decisão judicial transparente, pode ter o seu prazo
prescripcional, ou o seu prazo preclusivo (e. g., se a alegação fosse de vicio redibitório), ou não estar sujeita a prazo.
Se a alegação é de anulabilidade, rege o direito material. Se a alegação fosse de vício redibitório, regeria outra regra
jurídica com prazos preclusivos. Se a eiva é de nulidade ou de existência, não há prazo. Mas, em qualquer das outras
espécies, que concernem ao ato jurídico (verbis “meramente homologatória”), é preciso que não haja decorrido o
prazo preclusivo da ação rescisória, que é de dois anos.
A decisão transparente pode ser rescindível com fundamento no art. 485. Então, tem de ser proposta, dentro do prazo,
a ação rescisória fundada em algum dos itens do art. 485. Ao ato jurídico a que a sentença se refere pode ser decretada
nulidade ou anulação se cabe invocar-se o art. 486, respeitados os prazos de prescrição, ou de preclusão, que se
refiram ao ato jurídico, e o prazo do art. 495, que é concemente a qualquer ação rescisória.
Se não expirou o prazo para a rescisão do julgado, nem para a desconstituição do ato jurídico de direito material, o art.
486 é invocável.
(b) Os atos processuais a que se refere o Código, art. 486, são os atos processuais que “envolvem” declaração de
vontade, como a desistência e a transação, o compromisso, a outorga de poderes de procuração feita nos autos, etc.
Alguns deles não permitem ao juiz, na integração da forma, qualquer alteração do declarado pela parte, seja unilateral
seja plurilateralmente; e por vezes a homologação, mera integração superficial de forma, épedida ou requerida em
peça diferente, de modo que a declaração de vontade consta de escritura pública ou do termo, e a comunicação de
vontade, de petição ou requerimento. Ainda que essa separação material não se dê entre a declaração de vontade e a
comunicação de vontade, que solicitou a resolução judicial homologatória, a ação para impugnar o negócio jurídico é a
do art. 486, e não a do art. 485. Se a declaração não exige, sequer, a comunicação de vontade, e não há a resolução
judicial, a questão de ser rescindível segundo o art. 485 nem se poderia pôr, uma vez que falta elemento da própria
definição da “ação rescisória de sentença”. O problema só existe para os casos de declaraçôes de vontade seguidas de
homologação (resolução judicial), sendo essa só integrativa de forma ou não, ou de despacho de inserção ou de
tomada por termo.
A sentença de homologação é ato jurídico processual transparente. Se é anulado o negócio jurídico da transação, ou
outro metido no processo, por alguma das causas que o direito material prevê, cai a homologação, porque a eficácia
anulatória, por dentro do ato jurídico global (homologação e negócio jurídico homologado), cinde (rescinde) o ato
jurídico envolvente.
AI está a única escusa para se ter dado ao art. 486 a redação que se lhe deu.

Temos, pois, anulação interior e conseqúência rescindente exterior. O direito material diz qual a causa de anulação; o
direito processual civil aludiu a isso, porque a ele cabe reger o ato jurídico processual envolvente. Também pode dar-
se que não se trate de anulabilidade, e sim, por exemplo, de nulidade da transação. Qualquer juiz pode decretar, se
competente para a ação proposta, a nulidade da transação. Com eficácia de coisa julgada, a sentença homologatória
fica sem conteúdo, oca: para se pensar conforme se teve de raciocinar diante do art. 486, a ablação do efeito extintivo
tem de ser requerida no próprio juízo que fez a homologação. Porque, se é certo que qualquer juízo, no exercício da
função que lhe compete, pode decretar nulidade da transação, ou de outro negócio jurídico levado aos autos de
processo em que se atribui à transação homologada o efeito extíntívo da relação jurídica processual, a decisão sobre
esse efeito extintivo toca ao juízo da relação jurídica processual que se teve por extinta e não está.
Aqui surge problema de classificação de decisão judicial, que não é de somenos importância. j,A decisão do juiz do
processo extinto, ao atender à alegação de nulidade da transação homologada, se não foi ele mesmo que
a proferira, é declaratória ou é constitutiva?
Frisemos a espécie. Outro juiz decretou a nulidade da transação, negócio jurídico de direito material; e vem o
interessado requerer que se continue o processo, porque a transação era nula. A decisão que o juiz do processo tem de
proferir é desconstitutiva da homologação esvaziada pela decretação de nulidade, se ele reputa nula transação.
Portanto, constitutiva negativa.
Dir-se-á que, ao ser proferida a decisão de anulação do negócio jurídico da transação, também esvaziada fica a
homologação. Não tem acolhida o argumento. O juiz que pode pronunciar a anulação do negócio jurídico de
transação, se há referência à homologação, somente pode ser o juiz do processo em que tal homologação ocorreu. O
pedido de decretação de nulidade é pedido de desconstituição do negócio jurídico, e da homologação, porque o efeito,
que se tem, é a continuação do processo, e a decisao desconstitui o negócio jurídico envolvido e o ato processual
envolvente. Se acaso foi pedida, fora, a decretação da nulidade, sem qualquer alusão àhomologação, por se tratar de
negócio jurídico instrumentado fora dos autos, a decisão do juiz do processo que se tivera por extinto, ainda que de
simples “cumpra-se”, contém desconstituição da homologação. Não seria o cumpra-se puramente mandamental que se
dá às decisões dos juízos superiores, em caso de recurso, ou de decisão de instância superior desconstitutiva.
Na terminologia é que se pode discutir acerca do nome que há de ter essa desconstituição da homologação, sem ser por
anulação do negócio jurídico homologado: (decretação de nulidade” ou “rescisão da homologação”?
Se se tratasse de nulidade da homologação, dir-se-á, o juiz de outro juízo poderia decretá-la quando decretasse a
nulidade do negócio jurídico. O argumento seria sem valor, porque há as nulidades processuais que nenhum juiz de
fora poderia decretar. Outro argumento é o de não haver anulabilidades processuais, no sistema do Código de Processo
Civil, e ter-se de considerar nula a decisão. Mas trata-se de sentença, trânsita em julgado.
A solução mais acorde com os princípios científicos e o sistema da lei processual é a de se ter a decisão desconstitutiva
da homologaçao como rescisória conseqUente, à semelhança do que ocorre com a homologação de negócios jurídicos
concluídos no processo, se se tem de decretar a nulidade de que fala o art. 486.
O acórdão da 2~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 28 de abril de 1943 (J. 23, 439), que
negou ação rescisória, com base no art. 485 (ao tempo do Código de 1939, art. 798), da decisão de venda de bens e da
decisão de arrematação, revelou completo desconhecido de direito processual: primeiro, negou coisa julgada formal a
tais decisões; segundo, reputou-as atos de direito material, em vez de atos processuais, chegando a ponto de reputar a
arrematação “homologação” da venda (!). A reVação jurídica entre o adquirente e o dono ou os donos, na arrematação,
é oriunda de ato de direito civil, ou comercial, ou público (administrativo), em qualquer caso de direito material; a
decisão de alienar e a de entregar o bem, por parte do juiz, são de direito processual, sem qualquer caráter
homologatório se a venda dependia de autorização ou julgamento judicial. Também sem razão, a propósito de
adjudicação, a 1a Câmara Cível do Tribunal de Justiça deMinas Gerais, a3 de agosto de 1950 (R. F., 143,319).
Quanto à arrematação, a carta de arrematação é sentença. Nao se trata de ato processual de figurantes que não
dependam de sentença: o ato é do juiz, e não do dono dos bens, e há sentença, que é carta de arrematação. A
arrematação, em si, é ato de alguém, que está de fora e arremata, ou, estando dentro da relação jurídica processual,
atua como se fora estivesse. Contra a carta de arrematação “sententia vero addictionis” (vulgo carta de arremata ção)
cabe ação rescisória. Tudo se cifra em saber-se se o arrematante pode propor a ação do art. 486, contra o ato de
arrematação, em que ele figura diante do juiz. É terceiro com interesse jurídico, o que o legitima. Advirta-se, porém,
em que a carta de arrematação vai sobrevir, se não se desfez a arrematação, e a carta de arrematação é sentença. Dela
somente cabe a ação rescisória do art. 485. (Depois de repetir esse trecho, inteiramente certa a Procuradoria-Geral da
República, a 19 de junho de 1963, D. da J. de 26 de junho.) Incluir-se a arrematação entre os atos processuams que
não dependem de sentença é desconhecerem-se as fontes mesmas do nosso direito a respeito da arrematação e carta (e.
g., Odilou de Andrade, Comentários ao Código de Processo Civil, IX, 87; Tribunal de Apelação de Goiás, 7 de agosto
de 1946). A distinção entre jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa também é estranha ao assunto, e não há
qualquer diferença que se reflita no ato de arrematação e na carta de arrematação (sem razão, as Câmaras Cíveis
Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 12 de julho de 1946, J., 28, 397).
Rescindida a decisão sobre adjudicação, ou com fundamento no art. 485, caso em que o juiz teria de sentenciar de
novo, ou com fundamento no art. 486, caso em que o juiz teria de aceitar, ou não, o pedido de adjudicação e
sentenciar, ficariam a avaliação e a admissão dos créditos. Por conseguinte, não bastaria propor a ação rescisória da
sentença, dentro do prazo; teria sido preciso propor a ação rescisória, para desconstituir os atos judiciais concementes
à admissão do crédito e à avaliação dos bens, o que não é o mesmo que rescindir a sentença de adjudicação.
As regras jurídicas sobre invalidade da transação são invocáveis a respeito das transações que não se fazem em juízo e
das transações que se fazem em juízo. Numa e noutra espécie, anula-se por dolo, ou por violência, ou por erro
essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Como há a homologação judicial, se a transação foi levada aos autos,
ou se foi por termo nos autos, a lei processual, sob cujo regime se faz a homologação, viu de cima o ato jurídico em
seu conjunto (primeiro, visto de cima, a homologação; depois o negócio jurídico da transação) e referiu-se a
“rescisão”, que somente se entenderia se atinente ao ato processual.
Direito processual Direito material
Homologação Transação
Rescisão Anulação
Os negócios jurídicos de direito material, levados aos autos processuais ou por termo nos autos, são negócios jurídicos
sujeitos, quanto à sua desconstituição, às regras de direito material.
Os atos processuais, envolventes desses negócios jurídicos, regem-se pelo direito processual.
Vendo de cima, o legislador processual abstraiu da ordem cronológica (negócio jurídico de transação; depois,
homologação) e falou da “rescisão” (da homologação e do negócio jurídico), em vez de tratar da anulação do
negócio jurídico e sua repercussão na sentença de homologação, que em verdade é “rescindida” por efeito que vem de
baixo (da constituição do negócio jurídico envolvido).
c) O Código não disse que a ação rescisória não caberia se a sentença fosse “meramente homologatória”: disse que,
sendo meramente homologatória a sentença, os atos processuais poderão ser “rescindidos”, isto é, decretada a sua
anulação, ou a sua rescisão (e. g., vícios redibitórios), como aos atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil. (ou
comercial ou especial).
Se, por exemplo, o juiz, em vez de simplesmente homologar, interveio no conteúdo (integração ou transformação do
fundo), a ação rescisória de sentença é imprescindível.
Se se trata de autorização, ou outro ato do juiz, que não seja de exame externo, a ação rescisória há de ser proposta.
A afirmação do relator do acórdão das Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 23 de agosto
de 1943 (R. F., 95, 370), de que prescinde de ação rescisória de sentença todo ato de jurisdição voluntária (!) é
completamente destituída de razão.’17 Por outro lado, o acórdão, em vez de se ater ao conceito de eficácia de coisa
julgada formal, foi buscar o de coisa julgada material. Contra direito, todo o acórdão. Nomeação de tutor ou de
curador, destituição ou remoção, homologação de partilha amigável em que se tenha feito mais do que integrar forma,
e muitos outros atos que o acórdão considera de jurisdição voluntária, passam formalmente em julgado e são
suscetíveis de rescisão fundada no art. 485.
De modo nenhum se há de estar a discutir, a respeito de ação rescisória, se a decisão foi proferida em jurisdição
contenciosa ou em jurisdição voluntária. Nada nos adiantariam a invocação e a consequente pesquisa do que não é
contencioso. É pena verem-se emaranhar em tais conceitos, que a lei evita, a propósito de ação rescisória, alguns
tribunais (e. g., Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio de Grande do Sul, 9 de maio de 1947, J., 29,
377).
Quanto às decisôes meramente homologatórias, não há perguntar-se se o processo é de jurisdição administrativa ou
voluntária, ou não. A simples homologação de ato jurídico pode dar-se em processo de jurisdição admi
177 Note-se. porem, que o art. 1.111 estatul que a sentença de jurisdição voluntária poderá ser modificada sem
prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstanciais supervenientes. No caso, pois, de circunsíãncias
supervenientes, isto ~, fatos ocorridos postersormente à sentença, e não os acontecidos antes mas descobertos depois
dela, a ação será a cognitiva de modificação.
Administrativa ou voluntária, ou em processo de jurisdição contenciosa, e a sentença não meramente homologatória
numa e noutra (sem razão, as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação da Bahia, a 20 de dezembro de 1945,
R. dos T. da Bahia, 37, 513; 2& Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1945;
certos, o Tribunal de Apelação de Goiás, a 7 de agosto de 1946; e a 4~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, a 19 de dezembro de 1945, R. dos T., 164, 236).
A ação do art. 486 é ação sobre invalidade, embora, aí, se empregue o termo “rescindidos”. O que se faz sujeito à
decretação de invalidade é o ato processual, praticado pelas partes, e~ não o ato do juiz, que pode não ter existido (art.
486, verbis “que não dependem de sentença”), ou ser transparente (= “meramente homologatória” a sentença).
No desquite amigável, por exemplo, a cláusula de acordo sobre bem é atacável por erro (Conselho de Justiça do
Distrito Federal, 25 de setembro de 1947,0. D., 50,259), violência, dolo, simulação e fraude contra credores. Idem, se,
tratando-se de partilha, ou divisão, a decisão foi meramente homologatória (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de
Justiça de Minas Geraís, 30 de outubro de 1947). A “rescisão” aliás anulação é o ato homologado (Seção Civil do
Tribunal de justiça de São Paulo, 9 de abril de 1947, R. F., 115, 137). Reflete-se, rescindentemente, no ato judicial.
Não se pode dizer, a priori, que a sentença é meramente homologatória: a sentença de desquite amigável, por
exemplo, é, de regra, meramente homologatória, mas, no que o juiz intervém, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, deixa de ser meramente homologatória, e cabe, nesse ponto, ou nesses pontos, a ação rescisória do
art. 485. Também aqui qualquer apego aos conceitos de jurisdição voluntária e de jurisdição contenciosa é nocivo à
doutrina e à jurisprudência. A propósito da ação rescisória do art. 485 e da ação do art. 486, o Código evitou-os.

O art. 486 não apanha os casos em que a sentença é mais do que integratíva deforma. Por exemplo: a homologação de
demarcação, se não houve
acordo pleno das partes (art. 486, cf. 1a Turma do Supremo Tribunal Federal,26 de abril de 1943, D. da J. de 7 de
dezembro, 4716; R. F., 96, 323; A. J., 69, 112). Nem exclui a ação do art. 485 cumulada com a do art. 486.

Se foi a própria sentença de homologação que deu causa à pretensão à rescisão, é a rescisória de sentença que se
propõe.
Sempre que se impugna a homologação, em si, a ação competente é a ação rescisória de sentença, e. g, se
incompetente ratione materiae ou pela hierarquia o juiz (art. 485, II), ou se houve infração da coisa julgada (art. 485,
IV), como se, na sobrepartilha meramente homologada, se partilhou bem já partilhado no mesmo juízo, ou noutro, ou
se houve infração da lei em tese (art. 485, V), ou se a homologação se fundou em prova falsa (art. 485, VI).
Mais uma vez frisemos: o art. 486 não é regra jurídica de exclusão, a priori, de ação rescisória de sentença; mas regra
de permissão das ação de anulação (ou rescisão) dos negócios jurídicos ou simples atos jurídicos, trazidos ao âmbito
do processo, ou nele concluídos.
Cabe ação rescisória da sentença proferida na ação de desquite, ainda por mútuo consentimento (Câmaras Cíveis
Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 12 de agosto de 1943, R. dos T., 156, 763), da sentença que
decreta a falência (Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 10 de maio de 1944, R. dos T., 153, 260), e da sentença
que está implícita na carta de arrematação (2~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 12 de
fevereiro de 1940, R. dos T., 129, 317).
Os votos vencidos, apostos ao acórdão das Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal,
datado de 14 de janeiro de 1943 (A. J., 66, III), levantaram o argumento de que, tendo havido recurso de decisão que
permitira venda de bens fora da hasta pública, tal decisão não podia ser meramente homologatória. O argumento servia
apenas para sublinhar o absurdo do julgado que considerava meramente homologatória a permissão de venda de bens
pelo juiz. O acórdão fora injusto e contra direito porque, in casu, os bens tinham de ser vendidos em hasta pública.
Mas a discussão toda se afastou de ser vendidos em hasta pública. Mas a discussão toda se afastou do problema:
primeiro, discrepou-se de ser meramente homologatória (qualquer decisão judicial de venda ao público não é
homologatória, salvo quando se trata de venda que não precisa de decisão que permitia); segundo, não é verdade que
não transitem formal-mente em julgado as sentenças homologatórias, inclusive as meramente homologatórias. Aí está
confusão lastimável. Um pouco devido a não terem os juizes entendido o art. 288 do Código de 1939. O art. 288 só se
referia à coisa julgada material; ao passo que a coisa julgada, de que se fala, para se indagar se cabe, ou não, ação
rescisória, é a coisa julgadaformal. Demais, estavam a ler, apressadamente, o art. 800, parágrafo único, do Código de
1939, hoje art. 486 do Código de 1973, como se dissesse: “Os atos judiciais que não dependem de sentença, ou em que
esta for meramente homologatória, somente poderão rescindidos como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei
civil”.
Lá não está o “somente”. O art. 486 do Código de 1973, como o art 800, parágrafo único, do Código de 1939, não é
exceção ao pressuposto de rescisão de sentença, mas permissão de impugnação por outros fundamentos. Nem se
compreenderia que a prevaricação, a concussão, a corupção, oimpedimento, a incompetência pela hierarquia ou
ratione níateriae, a ofensa à coisa julgada, a falsidade da prova pudessem prevalecer, para afastar as ações
constitutivas negativas ligadas ao negócio jurídico.
(d) Outra confusão, que importa erro crasso, é dizer-se que o art. 486 influi na interpretação da regra jurídica sobre
prazo preclusivo para ação rescisória (art. 495), de modo que esse só se refere a sentenças proferidas em processo
contencioso (!). Tal absurdo, que aparecera no acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de
Minas Gerais, de 26 de janeiro de 1942 (R. F., 91, 474), precisou ser evitado. O art. 486 nada tem com o art. 469, que
se refere à coisa julgada material. Nem a ação rescisória tem semelhança ou parentesco com a de anulação de negócio
jurídico; nem o art. 486 exclui a de rescisão da sentença. O juiz A, impedido, julgou a partilha amigável entre B, C e
D, partilha por alguma razão anulável, conforme o direito civil: a anulação é pleiteável dentro do prazo, suscetível de
suspensão e de interrupção a prescrição, de modo que, se foi suspensa durante dois anos, ou interrompida, ainda
persiste a pretensão àanulação, a despeito de ter precluido o prazo de dois anos para a ação rescisória. A homologação,
em si, tomou-se inatacável, mas o seu conteúdo constitutivo continuou atingível pelas ações de anulação de partilha.
Se algum dos interessados, estando prescrita a ação de anulação de partilha, entende que o juiz homologante estava
impedido, ou era incompetente pela hierarquia ou ratione materiae, pode atacar, pela ação rescisória, a sentença, e o
que fica a partilha amigável vale e é eficaz, como valia e era eficaz antes da homologação.
Qual esse valor e qual essa eficácia responde o direito material; a questão já escapa ao direito processual.
Se a sentença não foi meramente homologatória, e. g., se foi judicial a partilha, também ai no fim do prazo
prescripcional expira a atacabilidade conforme o direito material e o art. 486, mas persiste a rescindibilidade da
sentença segundo o art. 485. Há, porém, uma diferença: não se poderia interromper ou suspender a prescrição, além
dos dois anos da ação rescisória: a preclusão se deu, por força do art. 495.
(e) A declaração de vontade a que se refere o art. 641 é declaração feita pelo Estado, em vez da parte; a rescisão dela é
pedida com a rescisão da sentença, cujo conteúdo é, e rege-se pelo art. 485, e não pelo art. 486.
Algumas considerações a propósito dos arts. 639-641 do Código de Processo Civil.
a) Trânsita em julgado, formalmente, a sentença que condena o devedor a emitir declaração de vontade, dá-se a
execução: o que devedor de declaração de vontade devia prestar tem-se por prestado pelo Estado. Tal sentença é
rescindível, nos dois anos que se seguirem à coisa julgada formal.b) Se os efeitos da declaração de vontade dependem
do adimplemento da contraprestação, ou a declaração de vontade, prestada pelo Estado, não compôs o negócio
jurídico, por ser necessário que outra declaração de vontade ou algum ato de credor seja emitido, ou a declaração de
vontade só tem os efeitos obrigacionais ou reais após contraprestação. Esses pormenores não importam no que
concerne a rescindibilidade da sentença que presta a declaração. Se, depois, deixa de ser contraprestada a declaração
que se fazia mister e o prazo para ser contraprestada preclui, tudo se passa como a respeito da oferta a que se não
seguiu aceitação: o negócio jurídico bilateral nao se conclui. Todavia, a decisão que declara não se haver concluído o
negócio jurídico é sentencial declarató ria e pode ser rescindida de acordo com o art. 485, contado o prazo do seu
trânsito formal em julgado.

c) Se já se trata de negócio jurídico concluído, isto é, de negócio jurídico que se compôs com a sentença condenatória
trânsita em julgado (sentença condenatória, diz o art. 641, verbis “condenado o devedor”, mas, em verdade, executiva-
condenatória), ou porque se decidiu quanto a negócio jurídico unilateral, ou porque se integrou com a declaração feita
pelo Estado o negócio jurídico bilateral, tudo se passa como a respeito de qualquer sentença rescindível do biênio.

(1) Os protestos, notificações e interpelações são rescindíveis com fundamento no art. 486; não, com fundamento no
art. 485. As decisões que indeferem o pedido de protesto, notificação, ou interpelação, essas, se examinam mérito ou
não, são rescindíveis com invocação do art. 485.

Nas justificações, há sentença após audiência das testemunhas, que podem ser contestadas e reinquiridas, e apreciação
dos documentos. Não se trata, portanto, de sentença meramente homologatória, embora irrecorrível. Pergunta-se: ~,a
ação rescisória do art. 485 é proponível? A resposta tem de ser afirmativa, porque se trata de sentença e não é
meramente homologatória tal sentença, de modo que não há pensar-se em invocabilidade do art. 486.

(g) A sentença que julga a falência é rescindível conforme os arts. 485 e 486 (Tribunal de Justiça do Ceará, 17 de
março de 1948, A. J., 86, 325). Não importa se negou a falência ou se deferiu o pedido.

Quanto às concernentes, preliminarmente se advirta que não há confundirem-se ações rescisórias de sentenças sobre
concordata e as ações rescisórias de concordatas, que correspondem às ações rescisórias do art. 486, mas
preexcluem-se essa na espécie (= o art. 486 não é invocável a propósito de atos jurídicos de concordata, regidos pelos
arts. 150-152 do Decreto-lei n0 7.661, de 21 de junho de 1945). Aliter, quanto ao art. 485.

As sentenças sobre concordatas são a do art. 144 do Decreto-lei n0 7.661, no caso de não terem sido apresentados
embargos, a do art. 145, se embargos houve, isto é, a do art. 161, * 10, do Decreto-lei n0 7.661, e a do art. 183.
(h) O art. 486 empregou, para se referir à atacabilidade dos atos processuais, à rescindibilidade, as expressóes elípticas
“como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”. De início, afastemos que houvesse exigido haver, in casu, a
rescindibilidade segundo a lei civil. O termo “rescindíveis” está no art. 486, como está “rescisória” em relação à ação
de ataque à sentença. E, evidentemente, conceito de direito processual, e somente conceito de direito processual. Há
referência a princípios da lei civil (= lei de direito material), mas sem haver explicitude quanto ao campo desses
princípios.
Daí ter-se de indagar: sendo nulo, e não só anulável, o ato jurídico a que se não exige sentença, ou para o qual a
decisão foi meramente homologatória, ~,pode ser decretada a nulidade segundo o direito material, que permite a
alegabilidade por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe cabe intervir, e a regra jurídica, que dá
ao juiz o dever de pronunciá-la quando conhecer do ato e de seus efeitos e as encontrar privadas, sem possível
suprimento?
A favor da resposta negativa estaria o argumento de ir o ato do juiz que conhece da arguição de nulidade, ou que a
decretasse de ofício, contra a sentença meramente homologatória do outro juiz. A favor da resposta afirmativa estão os
argumentos maiores de ter a lei processual reduzido, nas espécies do art. 486, a significação da sentença meramente
homologatória, a ponto de permitir a rescisão do ato jurídico, ainda que não haja fundamento para a rescisão da
sentença, e de não se dever permitir que a sentença meramente homologatória cubra o ato nulo.
Tem-se, portanto, de entender que a lei somente se refere às anulabilidades e às rescindibilidades dos atos jurídicos,
não às nulidades. Se o louco ou o menor de 16 anos transigiu, o ato de transação é nulo, e não se precisa de propor a
ação rescisória do art. 486, para que se lhe decrete a nulidade, pelo simples fato de haver alhures sentença meramente
homologatória. O ato nulo não produziu qualquer efeito, nem produz. Quando a lei, a despeito de se tratar de nulidade,
exige a ação ordinária (e. g., Decreto-lei n0 7.903, de 27 de agosto de 1945, arts. 83 e 157), tem-se de atender à lex
specialis.
(i) Estatui o art. 486: “Os atos processuais que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”. O que logo
surpreende é que o legislador não haja dito (a) “podem ser anulados”, ou
(b) “podem ser julgados nulos ou anulados”, e tenha chamado (c) “rescisão” à desconstituição segundo o art. 486:
“podem ser rescindidos”. Não se poderia dizer como em (b), porque se estaria a postular que a sentença meramente
homologatória ou a simples processualidade (inserção do ato jurídico no processo) cobriria a nulidade. Ora, a
permissão de se atacar o ato jurídico anulável, inserto no processo ou homologado meramente, mostra que não fez
obstáculo a desconstituição de tal ato jurídico o fato da inserção no processo ou da sentença meramente
homologatória.
Se o ato jurídico inserto no processo ou meramente homologatório énulo, não se precisa de propor ação de
desconstituição, que tem o rito ordinário:178 o princípio da alegabilidade da nulidade por qualquer interessado e o
princípio da decretabilidade de ofício incidem. E interessante observar-se que não se reputou incursão indevida do juiz
estranho ao processo pronunciar a nulidade do ato jurídico inserto em processo de outro juízo ou homologado por
outro juiz, nem haver obstáculo para o próprio juiz que presidiu ao processo decretar a nulidade do ato jurídico inserto
no processo ou meramente homologado. Assim, se a qualquer tempo o juiz descobre que era louco o co-herdeiro que
fizera partilha amigável, pode e deve decretar a nulidade, quanto ao que concerne à declaração de vontade do louco.
Não importa se a simples homologação foi a instância superior, desde que não se tomou controverso algum ponto ou o
tribunal não fez mais do que meramente homologar.
O art. 486 só se refere à anulabilidade, segundo as regras de direito privado (verbis “nos termos da lei civil”), mas a
anulabilidade pode resultar de direito público. A expressão “rescindidos” está em vez de “anulados”; porém, não há
grande inconveniente em que se fale de rescisão, porque o legislador como que acolhe as anulabilidades para rescindir
a processualização.
A partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os atos jurídicos. No
art. 486, estabelece-se que “os atos judiciais que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”.
(j) A ação de nulidade da partilha é imprescritível. A ação de anulação é que prescreve no prazo que a lei fixa (Tratado
de Direito Privado, VI, §678, 12). A prescrição não corre contra o incapaz; corre contra os outros
interessados, salvo incidência da regra jurídica que, em caso de credores solidários, só o permite em relação aos
outros. Se indivisível o objeto de obrigação (53 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 2 de setembro de
1936, R. dos T., 105, 228; 2~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 14 de agosto de 1946, J.,
28, 34). Errado o acórdão da ja Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 17 de abril de 1944 (R. dos T.,
155, 670, e 151,687), que afirmou a contagiação do benefício. Sobre pormenores da ação de anulação de partilha,
Tratado de Direito Privado, Tomo VI, §§ 707,4, 711, 1, e 717, 1.
A ação de nulidade da sentença de partilha é imprescritível. A de nulidade da partilha, também (sem razão, a 2~
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 18 de dezembro de 1931, R. dos T., 81, 358, e a 4~ Câmara Civil,
a 10 de abril de 1936, 125, 175).
A 43 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 4 de dezembro de 1935 (R. dos T, 107, 203), julgou que,
tendo havido recurso, sem dele se haver tomado conhecimento, o prazo prescripcional somente começa a correr do
trânsito em julgado da decisão na instância superior, o que não está certo. Os atos processuais em que se argúi o vicio
ou defeito interrompem; mas o prazo começa de correr com o trânsito em julgado da sentença de partilha. Se não se
tomou conhecimento, não houve extensão do tempo:
a sentença passou em julgado.
6Como se hão de conciliar a regra jurídica sobre a prescrição da invalidade da partilha que conceme à ação de
anulabilidade da partilha, tenha sido, ou não, meramente homologatória a sentença, e o prazo preclusivo (art. 495), que
se refere à ação rescisória?
O art. 486 nada disse sobre prescrição da ação constitutiva negativa contra o ato jurídico apenas inserto no processo
por efeito de tomada por termo ou juntada, ou homologado. Nem cogitou da preclusão da ação constitutiva negativa
contra o ato judicial de inserção ou de permissão de tomada por termo, ou de homologação. O de que tratou a lei foi do
ato jurídico de direito material “processualizado”. Tinha, porém, de ver o ato processualizante, a despeito da sua
transparência nas espécies sobre as quais incíde a sua regra jurídica. O problema não se apresentara, com igual feição,
ao legislador do direito material. Esse, de ordinário, evita a regra jurídica processual. Em todo caso, tem, a respeito da
ação anulatória da partilha, no tocante à prescrção, a atitude que deveria ter, exatamente por poder ser meramente
homologatória a sentença e sem causa de rescisão, mencionando-a e, fixando o prazo prescripcional. O Código de
Processo Civil atende ao fato para o legislador do direito processual mais em relevo de haver a inserção ou a inserção
e a homologação. ~Como haveria ele de desconhecer o efeito processual, por fato ocorrido durante a relação jurídica
processual, se o próprio direito material conferia efeitos à invalidade de que se trata?
O legislador do direito material podia atribuir às causas (vícios) de que resultam as sanções aludidas à consequência de
não existir, de ser nulo, ou de ser anulável o ato jurídico de direito material. Preferiu a sanção da anulabilidade. Se o
legislador do direito processual somente se referisse às causas de rescisão segundo o art. 485, ficariam os atos
jurídicos processuais de inserção e de homologação expostos a perderem o conteúdo sem se aludir, sequer, à coisa
julgada formal daqueles atos, algumas vezes sentenciais. A situação não seria a mesma do processo em que se
produziu ato jurídico de direito material nulo, que, inserto ou tomado por termo, ou meramente homologado, irradiou
efeitos dentro do processo ou alhures, por se tratar de nulidade, e do ato de outro juiz, ou do mesmo juiz, noutro
processo, que repute nulo aquele ato jurídico de direito material. (Certamente, não nos referimos a atos jurídicos que
foram objeto de declaração de validade, isto é, não-nulidade; ou de qualquer modo reputados válidos com eficácia de
coisa julgada material, o que só ocorre, de regra, quando há sentença não meramente homologatória.)
(1) Entenda-se que a ação do cônjuge desquitado, em caso de coação, erro, dolo, ou simulação, quanto ao acordo
sobre os bens e sua partilha, não havendo, portanto, partilha judicial, prescreve no prazo legal (sem razão, o Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 27 de julho de 1929, R. dos T., 81, 523). Salvo se se há de abstrair de causas de
anulabilidade, tratando-se, apenas, de aparição de bens, que se desconheciam, ou que o cônjuge, com dever de
inventariar, sonegou, e a ação a ser proposta é a de sobrepartilha; talvez, também, a de sonegação.
(m)O negócio jurídico da adoção pode ser nulo. Pode ser nulo, ainda, por absoluta incapacidade do adotante, ou por
infração de regra jurídica de forma. Pode ser anulável, por erro, dolo, incapacidade relativa, coação, simulação, com
prazo prescricional, contados de quando cessar a incapacidade, ou a coação, ou, nas outras espécies, da data do ato (cf.
l~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 30 de agosto de 1949, R. dos T., 182, 856).
(n) A carta de arrematação, que é sentença (nossos Comentários ao Código de 1939, VI, 310 s.), é suscetível de
rescisão (ação rescisória, com o prazo preclusivo do art. 495). A sentença nos embargos do devedor ésuscetível de
rescisão. Bem assim, a sentença nos embargos de terceiro.
Pode ser nula, e pois sujeita a simples decretação de nulidade, a qualquer tempo. Se houve erro, dolo, simulação, ou
coação, aventurou, sem razão, a 43 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 24 de abril de
1940 (R. dos T., 128, 520, e 134, 475), que cabe a ação de anulabilidade, e prescreve no prazo legal. O arrematante não
tem qualquer ação de garantia por vícios fácticos. Quanto aos vícios de direito, não há, no direito material, regra
jurídica, a respeito de evicção, que corresponda à de afastamento da evicção em caso de hasta pública: o terceiro, que
se crê com direito sobre a coisa, tem de apresentar os seus embargos de terceiro (nossos Comentários ao Código de
Processo Civil de 1939, VI, ía ed., 451 s.); se os não apresenta até antes da carta de arrematação, preclui a pretensão
contra a arrematação, de modo que, regularmente, não mais pode ocorrer evicção. Resta saber-se se contra o ato da
arrematação pode o arrematante arguir vícios e defeitos de vontade. A pretensão seria dele contra o Estado: ou pela
coação o ato do Estado seria ato ilícito absoluto, afastável por mandado de segurança, ou por habeas-corpus, ou
gerador de responsabilidade ex delicto; ou pelo erro
o arrematante teve todas as indicações sobre o que adquiria, salvo ressalva feita no próprio edital e no ato de
arrematação; ou pelo dolo ou pela simulação e só ação pelo ato ilícito do funcionário do Estado poderia ter o
arrematante, ou pela fraude contra credores, o que não seria absurdo, dada a publicidade da arrematação ou
adjudicação e o prazo para os embargos de terceiro. Não há ações de anulabilidade do ato de arrematação, que é ato de
direito público e subordinado a princípios processuais próprios. O art. 463 do Código, sobre inexatidões materiais, é
invocável, segundo os princípios peculiares.
(o) Se à ação de anulação se cumula ação real, e. g., a de reivindicação, a prescrição daquela obsta à decisão dessa, que
seria execução da sentença (aí, primeira parte da sentença) na ação de anulação (2~ Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 14 de julho de 1949, R. dos T., 181, 760).

(p)A regra jurídica sobre prescrição da ação de anulação por erro, dolo, simulação ou fraude, de modo nenhum incide
quanto à pretensão à retificação do registro de imóveis, em caso de inexatidão. Disse-o, com razão, o acórdão da 2~
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de junho de 1948 (R. dos T., 175, 626). Porém a ação de
retificação é imprescritivel, por sua natureza, e aí errou a 2~ Câmara, atribuindo-lhe a prescrição das ações reais. A
ação de retificação é ação real, mas imprescritível. A divergência, na doutrina, está exatamente entre os que afirmam
que ela cessa quando prescreve a ação do direito a que a inexatidão ofende, ou se, ainda em tal caso, ela não cessa.
Havemos de entender, por ser a pretensão à retificação efeito de efeito (pretensão oriunda do direito real), que ela
cessa com a prescrição da ação oriunda do direito que a inexatidão
ofendia (W. Turnau-K. Fõrster, Das Liegenschaftsrecht, 1, 33 ed., 306; Heinrich Willenbucher, Das
Liegenschaftsrecht, 42; C. Predari, Die Grundbuchordnung. 2~ ed., 185; G. Planck, Komentar, III, 1,246 s.). Martin
Wolff (Lehrbuch, III, 27~-32~ ed., 133, nota 19) entendia que ação de retificação não cessa ainda com a prescrição da
rei vindicatio. Seja como for, a pretensão à retificação é imprescritível.
(q) A regra jurídica sobre o prazo da prescrição para a ação de anulação não é do prazo para a ação de indenização,
que, ou contra o figurante, ou contra o terceiro, segundo os princípios, toque ao que for vitima da coação, ou do dolo,
ou da simulação. Tal ação de indenização prescreve no prazo geral (G. Planck, Kommentar, 1, 4~ ed., 309 s.; Otto
Warneyer, Komentar,, 197).
No direito brasileiro, considerou-se o prazo, para a propositura das ações de anulação, prazo prescripcional, e não
prazo preclusivo. Todavia, salvo onde excepcionalmente se pode opor depois, como exceção (e. g., exceção de
simulação), a ação constitutiva negativa não é exercível ope exceptionis.
A declaração de vontade a que se refere a regra jurídica sobre a ação para tal prestação é declaração feita pelo Estado,
em vez de pela parte; a rescisão dela é pedida com a rescisão da sentença, cujo conteúdo é, e rege-se pelo art. 485, e
não pelo art. 486. O Estado presta pelo devedor, executa.

(r) O que se disse sobre declarações de vontade nos processos cabe também para o silêncio e para os atos quando tidos
como declarações de vontade. Não cabe, porém, para aquelas declarações de vontade qiiejazemn. parte do processo,
de modo que a sua eficácia se limita ao procedimento, tais como a ratificação de atos processuais e outras declarações
de vontade, as comunicações de conhecimento (como o chamamento à autoria, a nomeação à autoria) e os atos ditos
“reais” (exibição e retirada de documento, indicação de meios de prova).
(A nítida distinção entre a ação do art. 485 e as do art. 486 foi feita por nós no livro A Ação Rescisória, 259, diante da
confusão eíin que incidiam M. 1. Carvalho de Mendonça, Da Ação Rescisória, 33, e Jorge Americano, Da Ação
Rescisória, 2~ ed., 124, a propósito do art. 255 do Reg. n0 737 e do art. 229 do antigo Código de Processo Civil de São
Paulo. Chamava-se “ação de nulidade ou rescisão de atos jurídicos de direito material”. O art. 486, como o art. 800,
parágrafo único, do Código de 1939, tem iínportância teórica e prática, que ressalta, hoje, ainda mais do que então.)
(s) Uma das consequências de ser atribuida eficácia extintiva do processo à transação homologada está em que, com a
desconstituição da homologação, continua o processo à transação homologada está em que, com a desconstituição da
homologação, continua o processo, que se trata como se não tivesse havido o efeito extintivo. A rescisão da sentença
homologatória com fundamento no art. 485 é rescisão só do ato processual sentencial, de modo que o negócio jurídico
da transação pode não ser atingido e ser suscetível de determinar outra decisão homologatória. Mas, ato processual
envolvente, a sentença homologatória, se se desconstitui, por exemplo, o negócio jurídico transacional, é atingida pelo
vazio de conteúdo que se estabelece: a sua permanência seria permanência de homologação do nada, porque éo nada
que fica após toda desconstituição ex tunc. A queda desse envoltório oco é rescisoriforme; donde ter o legislador
falado, no art. 486, de rescisão.

Desde a rescisão, segundo o art. 485 do Código de Processo Civil, ou a rescisão consequente, segundo o art. 486, o
processo deixa de ter sido extinto.
(t) Já vimos qual a razão por que a transação, como outros negócios jurídicos homologados, se rege pelo direito
material, e a homologação pelo direito processual. E com a homologação que se produz o efeito extintivo quanto à
relação jurídica processual. Todavia, se se desconstitui o negócio jurídico transacional, a homologação fica vazia, e
dá-se a rescisão consequente.
A rescisão por ação ordinária contra a sentença homologatória é de propor-se dentro do prazo preclusivo dos dois
anos. A rescisão consequente é decretável enquanto não preclui ou prescreve a pretensão desconstitutiva contra o
negócio jurídico da transação ou de outro. A transação, no tocante a litígio, pode ser para evitar a lide, ou para lhe pôr
fim. Ou não se inicia o processo, ou se põe termo a ele. Se ainda não transitou em julgado a decisão proferida, a
transação encerra o processo, e a relação jurídica processual extingue-se. Daí, ser licito aos interessados prevenirem ou
terminarem o litígio mediante “concessões mútuas”. Se a sentença já transitara em julgado, a transação é extrajudicial.
Se pendia recurso, qualquer que fosse, que poderia ter provimento, a transação é judicial, e apanha o processo, o
litígio. Quando a transação judicial se conclui e se eficaciza, para prevenir litígio, a propositura da ação, a que ela se
referia, é sem fundamento, porque se retirara o conteúdo da possível petição.
Quando a transação judicial é feita, com a homologação, para dar termo ao processo, a relação jurídica processual foi
desfeita ex tunc, e de modo nenhum se pode invocar a inexistência de qualquer julgado que ocorrera. Tudo foi
apagado, porque a transação, com a homologação judicial, tudo retirou do mundo jurídico processual, a partir da
petição.
A transação, homologada em juízo, depois de ter havido sentença, ou antes dela, põe fim ao processo, mas ex tunc. O
processo, a relação jurídica processual, que existia, deixou de existir. Há o conteúdo do negócio jurídico da transação,
que é de direito material, e o revestimento homologatório que tem a mesma eficácia que teria a homologação de
desistência. Quem desiste de “ação” (= demanda, litígio) retira tudo que deu ensejo à propositura, e a relação jurídica
processual desaparece, ficando nenhuns todos os atos processuais. Quem figura em transação, referente a litígio em
que foi autor, obtém, com a homologação, a destruição de toda a relação jurídica, de jeito que os figurantes do
processo deixaram de ser figurantes porque processo houve, porém não mais há. O que persiste no terreno do direito
material
é a transação, negócio jurídico. O processo, que está correndo, não persistiu: desapareceu totalmente. A decisão, que
existe e não existia, é a decisão homologatória, que, transparente, fica por cima do negócio jurídico da transação.
Se, no processo desfeito, alguma decisão,fora proferida, qualquer que tenha sido a instância, deixou de ser. Não se
pode atribuir qualquer sentido a qualquer dos pontos que a transação atingiu e a homologação judicial pôs fora do
mundo jurídico qualquer ato do processo extinto ex tunc.
A homologação dos negócios jurídicos é uma das espécies de atividade da jurisdição voluntária. Aí, há participação do
Estado para integração dos negócios jurídicos, como existe nas funções registrárias e certificativas. A homologação de
negócios jurídicos serve, quase sempre, à solução de contendas, porém aí não há sentença que decida a questão ou as
questões. Um dos pontos principais, a respeito de jurisdição voluntária, é aquele em que se há de evitar a classificação
de todos os atos de jurisdição voluntária como se fossem só homologatórios de negócios jurídicos.
Se a transação foi nula, nula continua de ser. Qualquer juiz pode decretar, se competente para a ação proposta, a
nulidade do negócio jurídico.
A nulidade de transação, que foi homologada, implica o esvaziamento do conteúdo da homologação. Se a transação
foi feita “por termo nos autos”, o negócio jurídico consta do processo, pela forma escolhida, ou em instrumento
público ou particular, juntado aos autos. A diferença não afasta, na primeira espécie, a apreciação da validade do
negócio jurídico, que se rege pelos princípios de direito material, por outros juizes ou tribunuais, que tenham de
verificar se é nulo, ou anulável, a transação. Quanto ao ato processual da homologação, a decretação da invalidade, ou
a rescisão, tem de obedecer ao que se estatui no direito processual civil. Assim, se algum juiz ou tribunal examinou o
negócio jurídico da transação e decretou a nulidade, tal decisão é base para que se decrete a nulidade da homologação,
o que há de ser feito pelo juiz que homologou, ou pelo tribunal, de competência originária ou recursal, onde ocorrera a
homologação ou se repeliu qualquer recurso contra ela. Somente se preexclui a decretabilidade, mesmo de oficio, da
nulidade da homologação por ser nula a transação, se o assunto foi, por exemplo, conteúdo de atitude processual de
terceiro e houve coisa julgada formal e material sobre a validade.
Se foi decretada a nulidade (o que pode ser mesmo de ofício) noutro processo e noutro juízo, com o trânsito em
julgado de decisão, para que se reviva a relação jurídica processual que a transação homologada extinguira, é preciso
que se peça ao juiz, ou tribunal, onde se homologou a transação, que se volva ao invocamento processual, no estado
em que se achava ao tempo da sentença de homologação trânsita em julgado.
Aí surgem alguns problemas. Se a eficácia desconstitutiva ex tunc, que tem, quanto ao processo, a homologação da
transação, começou quando ainda pendia algum recurso, ou fora apenas interposto, à data em que passar em julgado a
decisão de restauração da relação jurídica processual é que se vai ter como reiniciado qualquer prazo, respeitado o
princípio Dies a quo non computatur in termino. A data, que importa, não é da decisão, mesmo se de oficio a
desconstituição, mas sim a do trânsito em julgado.
Ainda quando a decretação da nulidade do negócio jurídico homologado não tenha sido de ofício, mas em ação
adequada, nada obsta a que o juiz ou tribunal homologante, diante da decisão trânsita em julgado, desconstitua de
ofício a homologação.
Uma vez que foi decretada a nulidade da transação e transitou em julgado a decisão, quaisquer efeitos que se
atribuiram à transação, negócio jurídico de direito material, não se podem ser invocados. Apenas se tem de cogitar da
volta à relação jurídica processual, se é conveniente a todos, ou a alguns, ou a algum dos transatores.
A relação jurídica processual somente se restaura depois de transitar em julgado a decisão relativa à desconstituição da
decisão que homologou a transação. Pode acontecer que não haja interesse em promover a decisão constitutiva
negativa. Porém o suscitamento por outrem pode levar o figurante da transação, que a decretação de invalidade
favorecera, a ter de atuar para que o incoamento, ou alguma irrecorribilidade, ou mesmo res iudicata, não aconteça.
Se há prazo preclusivo, ou se há prazo prescripcional para se desconstituir o negócio jurídico homologado, é
indiferente para se saber se a pretensão contra a homologação preclui ou prescreve: o que importa é que ainda se possa
decretar a desconstituição do negócio jurídico de transação, como qualquer outro negócio jurídico homologado, pois
que, se já não se pode decretar, se tomou incólume, a seu tumo, a homologação.
2. Discussão da matéria A meia-ciência que andava por aí não admitia a ação rescisória de sentença proferida em ação
preventiva ou cautelar (arts. 796-889), porque, disse-se, tal sentença não transita em julgado, por explícita regra
jurídica do art. 469, III. Ora, as pessoas que chegam a tal conclusão partem de premissa falha: a de que a coisa julgada,
no art. 469, III, seja a coisa julgada formal; o art. 469, III, apenas se refere à coisa julgada material. O mais estranho é
que os próprios sustentadores de tão errada conclusão lamentavam que o sistema jurídico preexcluia da atingibilidade
pela ação rescisória as sentenças proferidas em processos de ação de segurança. Os que defendiam a tese e a atribuíam
ao sistema jurídico argumentavam que, acessórias tais processos, não há vantagens na ação rescisória de tais
sentenças, que teriam de ser examinadas no processo principal. Nova confusão: aqui, entre acessoriedade de processo
e preparatoriedade.

3.Solução do problema Nas ações de segurança não preparatórias não há, de regra, o prazo do art. 806 para a
propositura da ação principal. A sentença transita em julgado, formalmente, e pode ter ocorrido algum do pressupostos
do art. 485. Quanto a algumas espécies, a própria lei livra-as de necessariedade da propositura da ação principal. Nos
processos preparatórios em que se tem o ônus da propositura “sob pena de perder” eficácia a decisão, nem por isso
deixa de haver sentença trânsita formalmente em julgado. É preciso que se não confunda a revogabilidade ou
modificabilidade com a coisa julgada formal. No juízo da superior instância pode-se ter confirmado ou reformado a
sentença, deferindo-se, ou não, o pedido de segurança. Não se pode mais reexaminar a decisão, formalmente; mas a
medida mesma pode ser objeto de revogação (retirada da vox), ou modificada, com outro reexame em via recursal, até
que se dê a nova coisa julgada formal.
As sentenças proferidas em processos preventivos e preparatórios não têm a força ou a eficácia de coisa julgada
material, mas têm a de coisa julgada formal. Não há pensar-se em invocação do art. 486, porque não há qualquer ato
jurídico a ser apreciado como entre figurantes de negócio jurídico; mas o art. 485 pode incidir.

180 O art. 485 só pode incidir, quando a sentença é cautelar, no caso em que ela compuser a lide, como ocorre na
hipótese da 2 parte do art. 810, ou em qualquer outra, na qual, em vez de se pedir medida cautelar típica, transitória e
urgente, se usou o processo cautelar para se obter satisfação do que James Goldschmidt (Derecho Processual Civil,
Madrid, Labor, 1936, p. 747) chamou necessidudes primários, cuja tutela não pode aguardar o trãmite normal do
processo.

(Aliás, pode dar-se que à ação de segurança se cumule ação declaratóna, ou haja questão prévia declaratóna, sobre a
qual se haja de manifestar, em decisão, o juiz. Mas esse elemento acidental não importa, porque a ação rescisória não
vai apenas contra decisões que têm força ou eficácia, imediata ou mediata, de coisa julgada material vai contra
quaisquer decisões que transitem, formalmente, em julgado.)
A diferença entre falta de coisa julgada formal e revogabilidade ou modificabilidade, passadas as circunstâncias que
permitiram a medida de segurança, é assaz importante. Nas próprias ações cuja sentença pode ser modificada, se
mudam as circunstâncias, há coisa julgada formal das sentenças. As sentenças é que, embora trânsitas em julgado, são
suscetíveis de certa variação de conteúdo, juridicamente prevista como possível.
O assunto tem o interesse de sublinhar que a ação rescisória só se dirige contra a coisa julgada formal, mas, também,
consta a coisa julgada formal de qualquer decisão (sentença ou não).’8’
4. Alterações materiais na sentença e ação rescisória Dissemos acima que o art. 463 do Código de Processo Civil é
invocável, de modo que pode haver alteração só exterior da sentença em qualquer processo. A alusão foi apenas a
respeito da arrematação e, por conseguinte, da adjudicação ou da remição; poi~m há problemas que se ligam à
aplicação, em geral, do art. 463.
A decisão que corrige erro de escrita ou de cálculo, existente na sentença, não é decisão que transite, formalmente, em
julgado. A declaratoriedade é tão rente à materialidade da alteração, sem lhe atingir o conteúdo e a eficácia, que não
merece ser tida como eficácia sentencial. Não se poderia equiparar à declaratoriedade dos embargos de declaração, que
descem ao conteúdo e à análise da eficácia sentencial. Contra as decisões a que se refere o art. 463 não há pedir-se
rescisão. Basta que o interessado que não foi ouvido, ou foi ouvido e discordou, reclame. Se o juiz insiste na alteração
que lhe parece apenas material e não há mais recurso, devido a ter transitado em julgado a sentença a que se alude na
correção de erro de escrita ou de cálculo, pode o interessado opor embargos do devedor, se é o caso, reclamação, ou
mandado de segurança, ou, até, se os pressupostos se compõem, habeas-corpus.
Se a sentença transita em julgado com emenda que se não pode considerar simples corrigenda de inexatidão material,
o prazo para a propositura da ação rescisória começa a correr do dia em que se procedeu, com

181 Posição peculiar do autor ilustre, contudo não seguida nem pela doutrina nem pelos tribunais, diante do
capuz do art. 485, que só dá a ação rescisória de sentença de mérito.

trânsito em julgado, a essa mudança de conteúdo sentencial razão por que, se o biênio se escoa, a restituição do
conteúdo primitivo não mais se pode obter.
Se a emenda na sentença não é de simples inexatidão material, há sentença modificativa da anterior, portanto com
eficácia que seria contra a coisa julgada (Tribunal de Apelação do Ceará, 9 de março de 1942, R. dos T., 1942, 1, 54:
“...claro está que a mesma decisão transitou em julgado e não se podia alterar qualquer de seus efeitos por simples
reclamação, com fundamento no art. 1.276 do Código de Processo Civil do Ceará, e isso porque, se este permite,
independente de embargos, pedido de emenda de erro de conta da quantia exeqúenda, ou de contas, tal não é a
hipótese sujeita, pois o que se pediu a tal pretexto foi verdadeira modificação da sentença que julgou a penhora, e não
mera emenda de erro de conta”).
Quando alguma sentença, acórdão ou outra decisão judicial é rescindida e transita em julgado a decisão rescindente,
tem-se de saber o que se cindiu, porque a apreciação, na ação rescisória, pode ser restrita à nulidade ou à anulação
processual, ou ter-se estendido ao mérito. Se a invalidade de ato do processo foi inicial, ou somente do julgamento
final, ou de algum ato intercalar, é da maior relevância apurar-se qual o momento de que começou a cisão, porque o
que não foi atingido continua existente e não foi rescindido. Se sentença foi rescindida porque não foi profenda pelo
juiz ou tribunal competente, ou o foi do prazo, com impedimento, ou feita de julgador ou de julgadores, .ou ofensa à
coisa julgada, ou violação de alguma regra jurídica relativa ao proferimento, só a sentença se rescinde, e não desce a
rescisão a outros atos e momentos processuais. Se a sentença, como ato processual, não infringiu regra jurídica, mas a
infração ocorreu no início do processo, de modo que a rescisão baixou até a petição inepta, ou sem os pressupostos
necessários, não houve, sequer, o petitum. Se foi até a citação, a eficácia da sentença rescisória elimina a relação
jurídica processual. Para os efeitos sentenciais, nada se salva, exceto se à sentença lex specialis atribuiu efeito que seja
erga oínnes, ou à parte da permanência do ato sentencial.
Se a causa da rescindibilidade fora a falta de citação, de jeito nenhum se corta direito, pretensão, obrigação, ação, ou
exceção, que teria de ser assunto do mérito. O que pode acontecer é que, pela falta de citação, tenha precluído ou tenha
prescrito a pretensão, ou a ação, porém isso é assunto para se apreciar noutra “ação” (de direito processual), isto é,
quando, de outra vez, se proponha a mesma ação (de direito material).
Se a ação, que se intentara e não qual se lavrou a sentença, que veio a ser rescindida, era a ação declarativa típica, ou
outra ação declarativa, ou simplesmente de eficácia imediata ou mediata de declaratividade, seria absurdo sustentar-se
que a rescisão da sentença extinguiria direito, dever,pretensão, ação, ou exceção de quem fora autor. No tocante à
rescisão por falta de citação, ou de invalidade de citação, o mesmo se passa com as outras espécies de ações
(constitutivas, condenatórias, mandamentais, executivas).

5. Ação rescisória de sentença proferida em ação rescisória Em 1934 (A Ação Rescisória, 257 s.), levantamos a
questão da ação rescisória de sentença proferida em ação rescisória, frisando a contradição moral em que incidira a
opinião contrária: “Para que a sentença rescindente não seja sujeita à rescisão, é preciso que o diga a lei processual. No
Brasil, nenhuma lei processual excluiu de tal exame as sentenças proferidas em juízo rescindente ou em ambos os
iudicia.. Os tribunais devem evitar que se excluam da rescisão sentenças suas, ou das câmaras, ou dos juizes, sem que
o diga a lei, explícita ou implicitamente, mas claris verbis, porque é preciso que não pairem dúvidas sobre quais
sejam, ou não, as sentenças rescindíveis. Aqui, se o texto não é claro, tudo aconselha a que se não corte cerce, por
precipitado “Não conhecemos”, ação de tão alto interesse público”.
O Código de 1939, no art. 799, atendeu à nossa argumentação, sem permitir, todavia, a rescisão da sentença proferída
em ação rescisória pelo fundamento de nova infração do direito. Disse o art. 799: “Admitir-se-á, ainda, ação rescisória
de sentença proferida em outra ação rescisória, quando se verificar qualquer das hipóteses previstas no n0 1, letras a e
b, ou no caso do n0 II do artigo anterior”. Apenas confirmou o cabimento, com a preexclusão da ação rescisória com o
fundamento de ser a sentença rescindenda “contra literal disposição da lei”. De legeferenda, não estava certo. Se a
rescisão admitira ação (reconvenção, embargos do devedor ou de terceiro), a violação nessa escaparia à limitação do
art. 799: há outra ação. Foi o que então escrevemos. Ocorre, agora, que se retirou tal texto, no Código de 1973.
No prazo para a propositura, podem-se propor duas ou mais ações rescisórias se diferentes os fundamentos de todas
(cp. Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de junho de 1946, R. dos T., 169, 309). A ação de
rescisão contra a sentença que foi objeto de outra ação rescisória, por outro fundamento, não é ação rescisória de
sentença em ação rescisória. A mesma sentença pode dar ensejo a pluralidade de ações rescisórias, cujos pedidos
podem ser cumulados, ou feitos separadamente.’82

182 Feitos separadamente, incide o art. 103 porque o pedido será de desconstituição de uma
sentença, rompida na sua inteireza, ainda que a ação só vise à rescisão de uma das suas partes,
também chamadas capítulos.
Nada obsta a que se proponham duas ou mais ações rescisórias, cumuladas ou não, simultânea ou
sucessivamente, contra a mesma decisão. Por exemplo: uma, por prevaricação, concussão, ou
corrupção; outra, por impedimento do juiz: outra, por incompetência absoluta; outra, por ofensa à
coisa julgada; outra ou outras, por violação de direito em tese; outra por falsidade de prova; outra,
por ter resultado de dolo da parte vencedora, ou de colusão entre as partes, in fraudem legis; outra,
por ter o autor obtido documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde usar; outra, se há
fundamento para decretar a invalidade de confissão, desistência, ou transação; outra, por erro de fato.

Pode-se rescindir duas ou mais vezes. As ações contra a mesma sentença são cumuláveis. Não há limite ao número de
sentenças sucessivas rescindíveis. Se há duas ou mais sentenças rescindentes, relativas a questões conexas, nada obsta
a que se cumulem os pedidos. Idem, se há relação de consequência entre as duas ou mais sentenças.

Escreveu Luís Eulálio de Bueno Vidigal (Ação Rescisória dos Julgados, 17) que a ação rescisória é a única, dentre os
remédios destinados àcorreção das sentenças, que, repelida, pode ser renovada. Absolutamente não. A confusão
ressalta. Quando, no art. 799, o Código de 1939 permitiu ação rescisória de sentença proferida em outra ação
rescisória, de modo nenhum se aquiesceu em que se renovasse o pedido de rescisão que tenha sido repelido. A
sentença dada na ação rescisória, quer se tenha julgado inadmissível (preliminar), quer procedente, quer improcedente
(no sentido técnico português e brasileiro, e não no sentido atécnico de outros povos), a ação, é outra sentença,
inconfundível com a sentença rescindenda. Se autor ou réu na ação rescisória, ou outro legitimado ativo, propõe ação
rescisória contra a sentença que se proferiu na ação rescisória, não renova pedido: o pedido, que faz, é outro pedido.
Não poderia renovar o que fez. A ação rescisória, que então se lhe permite, é por algum dos fatos mencionados no art.
485, ou mesmo no art. 486, ocorrido na relação jurídica processual da ação rescisória. A sentença na primeira ação
rescisória foi julgamento de julgamento; a segunda é julgamento do “julgamento de julgamento”, e não outro
julgamento do julgamento de que se pedira, antes, rescisão.
Riscou-se o art. 799 de Código de 1939. Portanto, cabe, hoje, ação rescisória de sentença em ação rescisória, se houve:
a) prevaricação, concussão, ou corrupção, de algum juízo rescindente; b) impedimento ou incompetência absoluta do
juízo rescindente; c) dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes com fraude
à lei; d) ofensa à coisa julgada por parte da sentença na ação rescisória (em qualquer dos iudicia, rescindente ou
rescisório; e) violação de literal enunciado de lei;fl fundamentação em prova cuja falsidade se tenha apurado no juízo
criminal, ou se apurar, na própria ação rescisória; g) obtenção de documento, cuja existência o autor ignorava, ou de
que não pudera fazer uso, se com ele lhe seria favorável a sentença; h) fundamento para invalidade, confissão,
desistência, ou transação, em que se basear a sentença; i) erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa
(art. 485); j) infração do art. 486.183 Se o rescissorium foi separado e o juiz desse infringe o julgado do iudicium
rescindens, cabe a rescisão por ofensa à coisa julgada. Se o rescissorium foi separado e se deu nova violação de lei,
isto é, estranha à rescisória, cabe Outra rescisória. Se o rescissorium se procedeu em juízo incompetente ratione
materiae, ou nele houve outra razão para pressuposto de nova rescisória, é inegável o remédio.
A vedação da segunda rescisória (ação rescisória de sentença em ação rescisória), se o fundamento era o do art. 485,
V, procurava estabilizar as relações jurídicas de direito material e firmar o respeito às decisões (cf. ia Turma do
Supremo Tribunal Federal, II de outubro de 1943, D. da 1., de 17 de dezembro, 4887; R. F., 98, 357). Mas verdade é
que a infração poderia ser diferente; e esse erro ex novo mereceria ser tratado com a regra jurídica adequada. E foi.
Não há hoje limitação.

Art. 487. Tem legitimidade’) para propor a ação:


1 quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;
II o terceiro juridicamente interessado3);
Iii o Ministério Público2):
a) se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção;
b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim defraudar a lei.

1. Legitimação ativa e partes Tem legitimidade a parte, que tenha sido o autor, ou o réu, ou o reconvinte, ou o
reconvindo, ou o litisconsorte ou assistente equiparado a litisconsorte (art. 54), ou quem substituiu a parte (artigos 41-
43), o assistente na espécie do art. 52, parágrafo único, ou do art. 55, em que se diz que, trânsita em julgado a
sentença, na causa em que interveio o assistente, ele não pode, em processo posterior, discutir a justiça

183 Acrescente-se o caso do parágrafo único do ~ 40 da Medida Provisória n0 1.577-4, de 2.10.97 (vd. o comentário
n0 22 ao art. 485). da decisão, salvo se, pelo estado em que recebera o processo, ou pelas declarações e atos do
assistido, fora impedido de pedir provas suscetíveis de influir na sentença, ou desconhecia a existência de alegações ou
de provas, de que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu. Ternos, pois, que lhe assiste invocar o art. 485 ou o art.
486, para ação rescisória.
Além das partes, são legitimados ou seus sucessores, quer universais, quer singulares, quer por ato entre vivos ou a
causa de morte. art. 352, II, fala-se da ação rescisória, se houve erro, dolo ou coação no ato de confissão, e o parágrafo
único, atendendo ao interesse pessoal na ação de anulação ou de rescisão da sentença em que a confissão põe o único
fundamento, estatuiu que, seja iniciada a ação de anulação (art. 352, 1), ou de rescisão (art. 352, II), pela parte, passa,
com a morte, aos sucessores. Se não iniciada pela parte que morreu, extinguiram-se as duas ações.
Quanto ao Ministério Público, pode ele ter sido parte no processo, como pode ter recorrido, quando em simples função
de fiscal da lei (art. 499, § 20). O art. 487 apenas se refere a outros casos de legitimação ativa:
tinha de ser ouvido, e não foi (arts. 82, 1-111, 84 e 246); houve colusão das partes, com o fim de fraude à lei. Aliás,
sempre que se deixa de ouvir e sempre que se frauda à lei, há violação de regra jurídica.
No caso de oposição de terceiro (arts. 56-61), a despeito de serem as causas julgadas na mesma sentença (art. 59), há
dois conteúdos sentenciais, de modo que a ação rescisória que o opoente há de propor é da parte da
sentença em que se julgou a oposição. Idem, se ojuiz não tem de julgar ação a oposição na mesma sentença (art. 60, 1ª
parte). Em se tratando de nomeação à autoria (arts. 62-69), se o autor aceita a nomeação à autoria e o nomeado
reconhece a qualidade que lhe é atribuida, é contra ele que corre o processo (art. 66, lã parte), e ele é que é o réu. Na
denunciação à lide, com a litisdenunciação, feita pelo autor, o litisdenunciado que comparece assume a posição de
litisconsorte do denunciante e pode mesmo fazer aditamentos à petição inicial (art. 74); feita pelo réu, se o
litisdenunciado aceita, ou é revel, ou comparece apenas para negar a qualidade, que lhe foi atribuida. A
sentença que julga procedente a ação tem de julgar o direito à evicção ou às

184 Cabe assinalar que o art. 40 da Medida Provisória n0 1.577<4’ versão, de 02.10.97) não ampliou
o rol dos legitimados nem dispôs sobre legitimidade. Ela apenas aumentou para quatro anos o prazo da ação
rescisória da União, estados, Distrito Federal, autarquias e fundaçôes instituidas pelo poder público,
cometendo vistoso exagero porque, embora notoriamente precária a representação das pessoas referidas, o
prazo de dois anos lhes chegaria para a ação rescisória, Não bastasse, seria o caso de reformular a
representação dessas pessoas, em vez de conceder-lhes um prazo que deixa por mais tempo vulnerável a
sentença transitada em julgado.

perdas e danos, razão por que não se pode recusar ao litisdenunciado a legitimação ativa à ação rescisória. Quando a
espécie foi de chamamento ao processo (arts. 77-80), o chamado ao processo é legitimado à ação rescisória.

2.Ministério Público O art. 487, III, atribui a legitimação ativa do Ministério Público à ação rescisória: a) se não foi
ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando houve colusão das partes para fraudar a lei.
Tem-se de perguntar: i,só em tais hipóteses pode propor ação rescisória o Ministério Público? Sempre que a causa foi
proposta pelo Ministério Público, conforme o poder e o dever que lhe dá a lei, o Ministério Público atuou como parte,
e é como parte que se há de tratar. Vamos aos exemplos: órgão do Ministério Público, segundo a lei, pediu decretação
de nulidade ou anulação de documento; ou interveio em causa em que há interesse de incapaz; ou em causa
concernente ao estado da pessoa, ao pátrio poder, tutela, curatela, interdição, declaração de ausência, ou disposições de
última vontade (art. 82,1-111). Nas ações de desquite, o Ministério Público apenas fiscaliza, não litiga. Mas o art. 487,
III, a), permite que o Ministério Público proponha ação rescisória “se não foi ouvido no processo, em que era
obrigatória a intervenção”, o que faz surgir o problema de interpretação da expressão “intervenção”: i,está no sentido
do art. 82, ou no 82 e no do art. 83? Na espécie do art. 83, se obrigatória a intervenção, tinha de ser citado, para ser
ouvido; se o não foi, o art. 487, II, a), fá-lo legitimado ativo à ação rescisória, porque houve nulidade (art. 84).

Quando ele foi parte (art. 82), pode ser proposta por outrem (art. 487, 1) a ação rescisória, com fundamento no art.
485, III, IV, V, VI, VII ou IX.

Se o Ministério Público impugnou declarações de crédito pelo falido ou pelo síndico, ou tinha de ser ouvido e não foi,
toca-lhe a ação de impugnação e, pois, a ação rescisória contra a sentença ou decisão (Tratado de Direito Privado,
Tomo XXIX, §§ 3.399 e 3.400). A função do órgão do Ministério Público, nas ações dos credores retardatários, é
semelhante àquela que tem quanto aos créditos dos credores declarantes. Apenas, em vez de serem legitimados ativos
da ação incidental, são sujeitos passivos. Sempre que faltou audiência do Ministério Público ou de sua assistência, em
ação de falência ou de concordata, há rescindibilidade.
Quanto aos testamentos, o art. 82, II, foi explícito no tocante àintervenção do Ministério Público.

3.Terceiro juridicamente interessado Qualquer terceiro que se inclua no que se estabelece no art. 42, § 20 (na espécie
do art. 42, § jO, se fez parte, em substituição), ou no art. 43, § 30 (isto é, mesmo se não foi
0
pedido o ingresso, ou se não assistiu, como adquirente ou cessionário), élegitimado à ação rescisória. Se a pessoa tinha
de figurar como litisconsorte e não foi citada, ou não foi intimada da sentença, é legitimado ativo à ação rescisória. Se
o litisconsórcio era necessáriô unitário (art. 47), a sentença não tem eficácia contra ele: há a ação declarativa de
ineficácia’ de sentença contra ele (cf. art. 49). Se foi pedida assistência e não ocorreu tomar-se litisconsorte o
assistente, pode ele pedir a rescisão da sentença com invocação dos arts. 55 e 487, II (cp. art. 50: “o terceiro que tiver
interesse jurídico”). O opoente, esse, é parte na ação que propõe. Nas espécies de nomeação à autoria, pode aquele que
tinha de ser nomeado à autoria propor ação rescisória da sentença, em cujo processo não figurou e nomeado não fora,
ou o fora e o autor recusara a nomeação, ou esse foi atendido pelo juiz na recusa (cf. arts. 62-68). Os fatos
mencionados no art. 69 não são óbice àpropositura da ação rescisória. O terceiro, em caso de litisdenunciação, que foi
ofendido com a decisão que se prevê no art. 76, é legitimado à ação rescisória.

Art. 488. A petição inicial 1)2)6) será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 282, devendo o
auto?) ~):
1 cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa4) 8) 9);
II depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causas), a título de multa, caso a ação seja, por
unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente.
Parágrafo unico. Não se aplica o disposto no n011 à União, ao Estado, ao Município e ao Ministério Público’0).
1. Regras jurídicas do art. 282 Analisando-se, a respeito da ação rescisória, o art. 488, tem-se: a) que a petição há de
indicar, precisamente, qual o tribunal ou juiz a que se dirige, com o pedido de rescisão da sentença; b) que se há de
dizer nome e prenome, residência ou domicílio, profissão e estado civil do autor e do réu, ou dos autores e dos réus; c)
que se hão de narrar os fatos que se consideram causa de rescindibilidade e de expor os fundamentos jurídicos para se
entender rescindível a sentença, com clareza e precisão, de modo que possa o réu ou possam os réus apresentar defesa;
d) que se há de fazer o pedido de rescisão, com as suas especificações (e. g., toda a sentença, ou somente a partir do
julgamento do mérito, ou somente no tocante a ter acolhido ou não ter acolhido exceção, ou quanto à carga de eficácia
a, b, ou c); e) que se hão de apontar os meios de prova concementes às alegações do autor, conforme as regras
jurídicas sobre ônus da prova; f)que se hajam de citar os réus, ou o réu, segundo as indicações feitas; g) que se dê valor
à causa. O art. 282 tanto incide na ação rescisória de sentença quanto nas outras ações. Porém há mais requisitos da
petição inicial: h) ter-se cumulado ao pedido de rescisão o de novo julgamento da causa (pode-se pedir apenas a
rescisão do julgado, ou, se é o caso,’85 tem-se de fazer a cumulação, cf. art. 488, 1); i) tem o autor ou têm os autores de
depositar cinco por cento sobre o valor da causa, a tftulo de multa, se for julgada inadmissível ou improcedente a ação
rescisória (art. 488, II).

2. Petição inicial O art. 488 exige à petição inicial da ação rescisória a observância das regras jurídicas do artigo 282,
que cogita dos requisitos da petíçao inicial: a) a indicação do juiz ou tribunal, a que é dirigida, assunto que supõe
conhecerem-se os arts. 49 1-493, sem se afastar a legislação de organização federal ou estadual que venha admitir a
competência do juiz cuja sentença transitou em julgado; b) os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e
residência do autor e do réu, que podem ser sucessores daqueles que foram autor e réu na ação em que foi proferida a
sentença rescindenda; c) o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, que somente podem ser os que os arts. 485 e 486
apontam; d) o pedido, com as suas especificações, isto é, com a referência suficiente ao todo ou à parte ou às partes da
sentença, de que se pede a rescisão; e) o valor da causa, que não pode ser tido como maior do que o da sentença
rescindenda, com a correção monetária, e se, com a sentença favorável, não é possível a volta aos status quo tem de
haver a indenização do bem ou dos bens ao tempo em que teria de ser ou teriam de ser restituidos, mais, mesmo se há
a restituição, o que corresponda ao valor do uso e da fruição; f~ as provas com que o autor pretenda mostrar a verdade
dos fatos alegados; g) o requerimento para a citação do réu ou dos réus, que há de ser pedida e deferida dentro do
prazo preclusivo. Se há mais de um pedido de rescisão (e. g., duas sentenças, ou pontos diferentes da mesma
sentença), pode o autor cumulá-los. Se o pedido é de rescisão, implica novo julgamento da causa, e deve o autor
cumulá-los, se éo caso (art. 488,1). O art. 488,11 exige que o autor deposite a importância de cinco por cento do valor
da causa, a título de eventual multa, isto é, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou
improcedente. Não incide esta regra jurídica se autora é a União, ou se autor é

185 Nem sempre é o casa de fazer-se a cumulaç5o. veja-se, para lembrar repetido exemplo, o caso da aç5o
rescisória cujo autor, fundado no inciso V do art. 485, pede a desconstituição da parte excrescente da
sentença, que deu mais do que o pedido (violação literal dos arts. 20. 128, 459 e 460 do CPC).

Estado-membro, Município ou o Ministério Público (art. 488, parágrafo único). Quanto ao Ministério Público,
entenda-se, a exclusão somente concerne às espécies em que ele é parte.

3.Propositura da ação rescisória A petição inicial deve ser instruída com a certidão da sentença rescindenda (Câmaras
Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de dezembro de 1947, R. dos T., 172, 336). As regras jurídicas
dos arts. 282 e 488 têm de ser observadas.
Também aqui rege o princípio Jura novit curia. O juiz ou tribunal que há de conhecer e julgar a ação rescisória precisa
que se lhe narrem os fatos e se lhe exponham, com clareza e precisão, os fundamentos do pedido de rescisão. Quanto
aos textos e aos próprios princípios gerais e regras jurídicas não escritas, tem ele de conhecê-los, e não se escusa de
julgar, nem pode considerar inepto ou deficiente o pedido somente porque não foram apontados os artigos de lei.

4. Ação rescisória e remédio jurídico processual A ação rescisória é remédio jurídico processual autônomo. Não é
recurso. O que processual-mente se passa com os remédios ordinários, dele é suscetível o rescisório, remédio como os
outros. Errar-se-ia, se outras afirmações fossem feitas, fundadas na natureza sui generis do juízo rescindente.
Processualmente, ainda em matéria de efeitos da citação e de competência tal natureza sui generis não existe.
O processo da ação rescisória é suscetível dos incidentes processuais a que estão sujeitos os outros processos.’86
Particularmente as exceções são as mesmas. Não se tratando daqueles documentos, cuja juntada imediata a lei exige,
nem dos que, por texto legal, não possam ser juntos posteriormente, os juizes do iudiciu,n rescindens podem converter
o julgamento em diligência para que se juntem e se examinem documentos referidos durante o processo em exame (28
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de novembro de 1932). Por outro lado, é preciso ver-se de que
momento processual parte o procedimento atingido pela rescisão. Conforme já temos dito, no ataque à sentença, a
pretensão à rescisão pode só ter por fito destruir a sentença, ou ir, em sua investida, até outro momento da relação
jurídica processual em que a sentença se proferiu. Por vezes a desconstitui desde a citação, o que desfaz toda a
angularização da relação jurídica processual. Outras vezes, a sentença é rescindível porque a prova foi falsa, ou por
outra causa de rescindibilidade ocorrida após a citação e outros atos processuais inatingidos.

186 Sobre a ação cautelar na rescisória, vd. o comentário n0 2 ao art. 489.

Nenhuma particularidade processual, dissemos, tem a reconvenção na ação rescisória. O réu alegará qualquer dos
pressupostos objetivos para ela ou um dos casos, pois que são separáveis, do mesmo pressuposto. A reconvenção é, aí,
outra ação (Seção Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de outubro de 1947, R. dos T., 171, 332).

5. Valor da ação rescisória O valor de uma ação rescisória não pode ser considerado maior do que o da sentença
rescindenda. Para o ingresso no juízo da rescisão (rescindens e rescissorium), não é preciso haver pago as custas da
sentença rescindida (Câmaras Civeis Reunidas da Corte de Apelação do Distrito Federal, 24 de janeiro de 1907). Nem,
sequer, ter-lhe suportado a execução. Já há medida que previne a importuna propositura (art. 488,11). O assunto já foi
objeto da nota 2), a propósito da petição inicial.

6.Coisa julgada sobre rescisão Também contra a ação rescisória se pode opor já se haver julgado a matéria, isto é, a
rescisão da mesma sentença, com os mesmos pressupostos (J. T. B. Linde, Handbuch, II, 734, 737). Éo campo normal
da exceptio rei iudicatae. Nada obsta, porém, a que se proponham diferentes ações, cada uma com o seu pressuposto,
ou com alguns dos pressupostos (A. W. Heffter, System, 2~ ed., 567). Não são necessariamente ligados entre si.
Se a sentença rescindenda, ao ver das partes, ou de alguma delas, infringiu ou versou algum ponto de que caberia
recurso extraordinário e não foi interposto o recurso extraordinário, i,não pode ser utilizado depois, pelo mesmo
fundamento, por ocasião da ação rescisória? Entendeu o Supremo Tribunal Federal (19 de abril e 30 de agosto de
1929) que seria dar nova oportunidade a recurso cujo prazo precluiu. Sem razão, porque se trata de outro julgamento,
tanto mais quanto ainda se está a discutir. As exceções processuais podem ser opostas. O recurso na outra ação pode
ser reexercido.
Ainda assim, cumpre verificar se a matéria de que se poderia ter interposto o recurso continua, ou não, julgada, com
preclusão, a despeito da rescisão parcial da sentença; ou se, diante da sentença que se proferira e agora se rescinde, o
autor da ação rescisória ainda tem interesse. Se a matéria do recurso extraordinário não é a mesma, ou se, só após a
rescisão, seria útil ao autor da ação rescisória interpor o recurso extraordinário, não se podem invocar os acórdãos de
19 de abril e 30 de agosto de 1929.
Se a rescisão apanha a sentença, com base no art. 485,1 e II, a matéria toda é atingida. Também vai ao passado se só
apanha fase anterior do processo.
7.Transação, desistência e compromisso na ação rescisória As partes que tiveram sentença passada em julgado, contra
a qual uma delas se ache com ação para a rescindir, podem transigir, desistir, ou comprometer-se. Cf. arts. 267, VII e
VIII, e 269, III.
(a) Quanto à transação, há dois problemas: o da rescindibilidade da sentença homologatória de transação e o da
transação na ação rescisória. Quanto ao primeiro, não há discutir-se. A lei mesma previu a transação como extintiva da
relação jurídica processual. A transação pode ser feita antes, durante ou depois da execução. Feita por termo nos autos,
homologada pelo juiz, é possível ser rescindida a sentença homologatória, cumulada com a de rescisão da transação,
que é ato jurídico de direito privado (art. 486). Feita fora dos autos, sem homologação, produz o efeito de negócio
jurídico, mas só se anula por dolo, violência, ou erro essencial, quanto à pessoa ou coisa controversa: o prazo é o da
prescrição do ato jurídico de direito privado. A ação rescisória, se houve homologação, é a do art. 486. Salvo se
conceme à homologação em sí.
Resta saber-se se pode haver transação sobre a rescisão da sentença.
O problema merece maior exame.
A transação é negócio jurídico; não há sentença de transação; há sentença que homologa a transação, para que se
extinga a relação jurídica processual. Todavia, o negócio jurídico conceme ao que compunha a res in iudicium
deducta; donde a repercussão sobre essa. Há ato de disposição sobre o objeto litigioso, mas a decisão não é,
propriamente, sobre o mérito, ponto que no art. 269, III, se fale de mérito; a litispendência termina sem decisão
judicial (Adolf Schõnke, Lehrbuch, 73 ed., 20.8: “ohne gerichtlichen Spruch”).
Pode ser entre as partes, o que é regra, mas nada obsta a que se celebre entre a parte ou as partes e terceiro, que
pudesse ser prejudicado pela sentença.
Em qualquer caso, há eficácia de coisa julgada material da transação e há a exceção de transação, similar à exceção de
coisa julgada, conceito em que se fundou a l~ Turma do Supremo Tribunal Federal, a 2 de dezembro de 1946 (R. F.,
109, 377), e foi repetido, em tom de doutrina, pela 2~ Turma, a 5 de setembro de 1947 (117, 145). A exceptio
transactionis era à semelhança da exceprio dou, da exceptio metus, ou da exceptio iusiurandi, porque o direito civil
não levava em conta essas situações e o direito pretório teve de atender a elas, que deixavam intacto o dare oportere
(diferentemente, se o réu alegava pagamento, isto é, se se defendia). A exceptio rei iudicatae prendia-se à consumpção
do direito de demandar, onde tal consumpção não se c~esse e precisasse o Pretor de estabelecer cláusula expressa, para
cada caso concreto, proibindo que se volvesse a processar e julgar o que uma vez, no procedimento formular, se
houvesse levado a iudicium (Gaio, IV, §§ 106 e 107). No iudicium legitimunt, tinha-se de entender que a lei impunha
aoPretor o dever da inserção (exceptio civilis!); se se agia imperio continenti iudicio, tinha o Pretor arbítrio (Moritz
Wlassak, ZLIr Geschichte der Cognitur, 67; Romische Prozessgesetze, II, 356). Veja-se Tratado de Direito Privado,
XXV, § 3.043, 3.
Se o autor volve a demandar sobre aquilo que foi objeto de transação, o reu tem de defender-se com os termos do
negócio jurídico transacion ai; não há exceptio pode haver objeção. Não há diferença entre a eficácia da transação
extrajudicial, homologada, e a eficácia da transação judicial, no tocante à res deducta in iudicium.
Quando se indaga quanto ao que foi regulado em transação, não é na sentença, simples homologação, que se há de
pesquisar, mas sim no negócio jurídico transacional, de modo que afirmativas como a da 7a Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal, a 17 de dezembro de 1946 (O D., 50, 310) revelam que se não entendeu o direito
vigente.
Pode haver transação sobre a res in iudicium deducta da ação em que se proferiu a sentença rescindente (transação
sobre o que seria objeto do juízo rescisório). Note-se que se salta por sobre o juízo rescindens.
Outra coisa seria a rescisão da sentença, por meio de transação. A transação é sobre o que a sentença pode vir ajulgar,
ou sobre o que a sentença julgou; não sobre a sentença mesma.
Não há transação em que se admita rescisão total, ou rescisão parcial da sentença. O que se concede é por fora, e pós-
sentença rescindenda, contra não-rescisão.
(b) Quanto ao compromisso, velha doutrina entendia que não podem as [artes louvar-se em árbitros para o iudicium
rescindens (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado prático compendiário de rodas as Ações Sumárias, 100; Dias
Ferreira, Comentário ao Código Civil Português, 1, 240). Estava certa.
A ação rescisória dirige-se contra o julgado, que foi prestação jurisdicional do Estado. Só o Estado pode examinar, por
seus juizes, o ato dos juizes. Seria chocante que o juízo arbitral decretasse a nulidade, a anulação ou a rescisão das
sentenças.
Aliter, para o rescisório, se separados.
(c) O autor pode desistir da ação rescisória, como de qualquer outra ação (art. 267, VIII). A pretensão à rescisória por
motivo do art. 485, VI, só é irrenunciável quando o for o objeto da própria ação em que se proferiu a sentença
rescindenda.
É efeito da desistência da instância o de restabelecer o status quo anterior à citação, desconstituindo a relação jurídica
processual. Alguns
efeitos são ex tunc. A citação não preveniu a competência, nem produziu litispendência, mas interrompeu prescrição,
ou constituiu em mora. E, contudo, possível que, durante a lide de que se desistiu, se haja dado a prescrição da ação ou
outro fato extintivo da ação, ou a constituição da mora do credor-autor, ou do devedor-autor. Os efeitos da
homologação da transação são os do negócio transacional, salvo para os efeitos da resolução da questão judicial, na
parte declarativa, entre as partes. Não os da desistência.
A eficácia da desistência, depois de trânsita em julgado a sentença, éa de fazer cessar a relação jurídica processual.
Não há mais litispendência. As sentenças que foram proferidas e não transitaram em julgado perdem toda eficácia
(Alfred Bosch, Klageríicknahme nach Urteilserlass, 1 s.). Também perde eficácia a litisdenunciação. (A sentença
homologatória da desistência é rescindível conforme o art. 486.)
A reconvenção não é atingida pela desistência da ação; nem a desistência da reconvenção atinge a ação.
Ao demandante tocam as custas do processo e as da desistência, salvo se sobre custas já havia alguma decisão trânsita
em julgado. Se o desistente não paga as custas, pode a parte contrária provocar decisão sobre elas, no mesmo processo,
de jeito que, quanto a custas, a relação jurídica processual continua. Não há forma especial para essa condenação, nem
se precisa de audiência: há cálculo e há julgamento, se é preciso, in casu, o cálculo.
Se o autor volve a propor a ação, o demandado pode exigir que antes pague as custas anteriores, de modo que há, aí,
exceção dilatória, a que pode corresponder, da parte do autor, exceção de dolo, se o réu renunciara ao ressarcimento
das custas do processo anterior, ou levara, por dolo, o autor a desistir da demanda.
A desistência, homologada por sentença trânsita em julgado (coisa julgada formal), também pode ser atacada pela
ação do art. 486, com fundamento em princípio de direito material, porque a desistência é negócio jurídico. Antes do
trânsito em julgado, se a parte alega, no recurso, ter havido vício de vontade, o tribunal tem de apreciar a espécie (sem
razão, a ~a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 22 de abril de 1947, O D., 45, 361).
Se a causa está no ato judicial como tal, pode ser invocado o art. 485, 1, II, e IV.

8.Relação jurídica processual oriunda da propositura de ação rescisória de sentença e entrega da prestação
jurisdicional (a) A relação jurídica processual, que se estabelece com o ato daquele que veio a juízo pedir a rescisão
de uma sentença, extingue-se, normalmente, com a entrega da prestação jurisdicional. Tal prestação, que é o
julgamento, ou consiste na afirmação de não-conhecimento, como se incompetente o juízo perante o qual se propôs o
remédio, ou outra razão, ou na de ser carecedor de ação o autor, ou na de procedência ou improcedência do pedido.
O modo normal de extinguir-se a relação jurídica processual é a sentença. Há outros modos de extinção: a
homologação da transação, a desistência e outras causas de extinção do processo.
Se há transação sobre o que seria o juízo rescisório, a repercussão é no que foi julgado pela sentença rescindenda; não
sobre a sentença mesma. Não há transação para rescindir. Quem pediu a rescisão da sentença ou foi demandado em
ação rescisória pode ir até o fim e obter o trânsito em julgado, ou sofrê-lo, ou desistir, ou deixar de recorrer e assistir
ao decurso do prazo, sobrevindo a res judicata. Não pode transigir sobre a rescisão em si.
No terreno do direito material, a ação rescisória pode extinguir-se, sem que a relação jurídica processual se extinga:
transação ou renúncia de direito material; lei nova, que extinga as ações rescisórias na espécie.
A eficácia da sentença em que se julgou, na preliminar, não se conhecer do pedido, é a de todas as sentenças de tal
natureza e dependem dos fundamentos da decisão. Se por incompetência o autor ficou livre para a propositura noutro
juízo.’5~ Se por não haver sentença rescindível (e. g., por se não tratar de decisão com força de coisa julgada), o não-
conhecimento firma, definitivamente, esse ponto. Se foi julgado que o autor é terceiro, estranho à lide cuja sentença se
queria rescindir, a eficácia da decisão no iudiciu,n rescindens limita-se a esse juízo. Na execução da sentença rescin-
denda, poderá opor os seus embargos. A sentença nos embargos, quando passar em julgado, será suscetível de exame
em juízo rescindente e rescisório.
O julgamento da improcedência, se a ação foi proposta por um dos pressupostos, ou por certo caso de um deles, não
impede outra ação rescisória por outro pressuposto, ou por outro caso do ínesmo pressuposto. Aquele que tem
interesse jurídico contra uma sentença passada em julgado não possui somente wna ação rescisória, mas tantas ações
rescisórias quantos os fundamentos de que dispõe. Propõe A a ação, por lhe parecer que houve violação de
determinada regra jurídica. Perde. Não fica A inibido de volver a juízo, por não o terem atendido quanto a outra regra
jurídica invocada.
A sentença em ação rescisória, que fora fundada em prevaricação, concussão, corrupção, ou falsidade da prova, não
impede novo exame que

187 Não há extinção do processo por incompetência do juízo, salvo se a autoridade judiciária
brasileira não for competente. Reconhecida a incompetência do órgão jurisdicional perante o qual se
ajuizou a ação rescisória, leva-se o feito ao tribunal competente.

se baseie em alegações novas, distintas, com provas autonomas, inclusive com fundamento no art. 485, VII
(documento novo). Pleiteou A a rescisão de uma sentença, por ser falso um dos documentos em que se fundou.
Perdeu. Não se lhe veda articular a falsidade de outro. Aliás, se novos elementos surgem que provem, por si, a
falsidade do mesmo documento, éoutra ação, e deve ser examinada. A falsidade não é in abstracto; o mesmo
documento é suscetível de diferentes acusações de falso, só uma das quais ou algumas sejam verdadeiras. Dentro do
biênio, as ações separáveis, distintas, podem ser usadas, na ordem em que se entenda.

Se tem bom êxito o remédio jurídico rescindente, a prestação jurisdicional, que fora entregue, é retomada pela Justiça.
O que decorreu da sentença rescindida desfaz-se ex tunc. Se por nulidade antenor a ela, desde tal ato se rompe todo o
laço jurídico processual que ela parecia confirmar. Não se fale em retroatividade da sentença da rescisória, porque a
terminologia seria imprópria: a sentença corta, rescinde, dilui, destroca a outra não se opõe à outra, indo até ela.
Desfeita, tudo que entre uma e outra aconteceu desapareceu ou juridicamente deve desaparecer. Mas, se a rescisão não
importa em mais do que na situação antes da lide, sem que se decída a pendência, só o rescisório poderá resolver
quanto às situações das partes. O fato de se ter ganho no juízo rescindente nem sempre corta cerce a questão.
Dificilmente a cortará. A decisão que rescinde, por violação do direito in thesi, pode deixar ao juiz o novo exame da
causa. A cumulação dos dois juízos tem por fito evitar que se dê o corte sem replantio a retirada da prestação
jurisdicional, sem a entrega de outra, sobre a causa primitIva. O julgamento da ação pelo juiz que proferira a sentença
rescindida pode dar ensejo a outra ação rescisória.

(b) Discutiu-se se o direito romano separava, ou não, os iudic ia. Gerh, Noodt, A. Vinnius, i. O. Westenberg,
Bachovius, Dompierre de Jonquiêres e Sinner pugnavam pela repulsa à distinção (J. A. Sinner, Dissertatio de Actione
Rescissoria, §§ 37-39). A. Vinnius levava assaz longe as suas afirmações. O erro proveio de grande ignorância do
processo romano, ex veteris iuris ignorantia; e não seria preciso o iudiciuni rescissoríufll vel restitutorium. Aqui, não
tinha razão. Certamente, não seriam precisos os dois libelos, as duas contestações da lide, as duas sentenças; mas
implícito existia o segundo juízo (A. Vinnius, Selectarum luris Quaestionum Libri duos, 19:
“Alter error interpretum est, quod duplex hic intervenisse iudicium imaginantur,rescindens et rescissorium, duplicem
litis contestationem et sentetitiam”. Cp. Crh. Fr. von Glúck, Pandecten, V, 410, 411). Leiamos a Gaio
(III, 84; IV, 58), as Institutas (§ 5, de actionibus, 4, 6), a L. 46, § 3, D., de procutarionibus, 3, 3, etc.
Muitos tratadistas dos séculos XVI e XVII falam de juízo rescindente como preâmbulo, ou preparatório, do rescisório.
Alguns, mais prudentes, ou para -atenuarem a errada assimilação, corrigem para “quoddam preambulum, et quasí
praeparatorium.”. Ora, o que se dá é que os dois se podem cumular, sem que o iudicium rescindens precise de ser
seguido daquele, ou o prepare. Basta pensar-se na sentença condenatória, que, sendo rescindida, é suficiente para as
consequências que da rescisão espera o proponente do remédio.’88 Por outro lado, havia os que não reputavam
autônomo o iudicium rescissorium, como se tivesse de seguir àquele. Não há dúvida que o juízo rescindente abre o
caminho ao rescisório, mas fora inexato considerar o simples remover de impedimento (J. Schneidevin falava em via
aperta est et impedimentum remotum) como fato subordinativo do juízo rescisório ao rescindente. Em verdade há
cumulação, sendo a decisão no juízo rescindente causa prejudicial.
Os nossos tempos permitem a cumulação dos dois juízos, em princípio. Portanto, nem é preciso que se cumulem nem
se forcem os casos em que o cumulá-los seria absurdo ou danoso para a Justiça. Se a nulidade é de processo, e não da
sentença somente, não é possível, em todos os casos, cumular dois juízos, o rescindente e o rescisório. Porque, nulo o
processo, volta-se ao estado anterior à nulidade, ou a nenhum, se foi ab initio a sua eiva. Só se concede cumulação das
duas questões, quando o estado da controvérsia, rescindida a sentença, processualmente o permita. Assim, se houve
incompetência ratione materine ou por hierarquia, cuja sentença se rescinde, não pode ser cumulado o rescisório
(Supremo Tribunal Federal, 26 de julho de 1929), porquanto nada se salvaria do processo desfeito. A infração no novo
julgamento, suscitando causa de rescisão, se houve baixa, não é causa de rescisão. O julgado não é rescisório: é ex
novo. Em todo caso, atende-se ao art. 113, § 2~.
O juiz do iudicium rescindens, diante do pedido de restituição (rescissorium), que seria absurdo, dele não conhece,
para que se promova a ação devida, no juízo competente e vulgar. Se lhe parece que melhor será que o juiz da
sentença rescindenda o aprecie, não lhe é dado dizê-lo, porque a sua competência, ná espécie, é extraordinária e
ordinária a do outro.
A sentença proferida na ação rescisória nem sempre corta todo o julgado, rescindindo-o. Sempre que há questão
prejudicial e a sentença na

188 Vd. a nora 185.

ação rescisória a deixa intacta, rescindido não foi até aí o julgado. O juiz que tiver de julgar a ação, por terem descido
os autos para o cumpra-se e o eventual prosseguimento, apõe o cumpra-se e aguarda que se provoque a continuação do
procedimento, se o julgado rescindente o atingiu, ou apõe o cumpra-se e ordena que se prossiga se a decisão contém
atendimento tal que importa se supor provocada a atividade do juízo rescisório.
Rescindida somente a sentença sobre a execução, subsiste a sentença na ação. Rescindida a que se proferiu na ação,
não subsiste o que se lhe seguiu.
Se, eliminado, pela alegação na ação rescisória, um dos fundamentos da sentença, a decisão seria a mesma, não há
rescindir-se ojulgado (Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 19 de fevereiro e 29 de abril
de 1948, M. F., 11,42).
(c) Não é possível darem-se à sentença na ação rescisória os mesmos efeitos .que aos recursos. Não é recurso. Se o
fosse, a prestação jurisdicional não teria sido entregue, mas apenas apresentada. Como ação autônoma que é, o
remédio jurídico rescindente supõe que a prestação jurisdicional já foi entregue e que se vai apenas rediscutir não mais
a pretensão de direito material, e sim a subsistência daquela entrega. G. Wurzer disse, muito bem, que a ação
rescisória só tinha de comum com a ação primitiva, que se quer rescindir, o ser, também ela, ação como as outras. Não
se pode raciocinar com elementos do direito civil. Por uma razão muito simples: a de não estarmos nesse terreno, e
sim em pleno direito processual civil.
A força da decisão rescindente é desfazer a outra sentença e permitir o rescissorium. O efeito do rescissorium é redar,
isto é, entregar, com outro conteúdo, no sentido próprio, ou sob outra forma (rescisão por nulidade), a prometida
prestação jurisdicional.
Há o rescisório implícito, que é o rescisório que resulta da rescisão mesma. Há o rescindente sem rescisório. Infringiu-
se a coisa julgada; rescinde-se a sentença, que não poderia infringi-la, ainda que se não houvesse oposto exceção de
coisa julgada material. A rescisão ocorre porque se violou a coisa julgada formal, posto que as mais das vezes haja
infração da coisa julgada material. Tal infração basta, porém não é necessária. Basta, porque, para que haja
coisajulgada material, é preciso que tenha havido coisajulgada formal. Há o rescindente que deixa possível o
rescisório, de jeito que o juízo rescisório tem de ser provocado explicitamente.
Rescisório implícito ocorre se, ao rescindir, a própria sentença rescindente tem eficácia rescisória, como se deixou de
ser respeitada, na sentença, regra jurídica in thesi: a sentença rescindente cinde e a sentença implícita aplica a regra
jurídica.
É sem rescisoriedade a sentença rescindente e não deixa margem, sequer, ao rescisório, se negou a pretensão à tutela
jurídica, ou a pretensão processual (exercício daquela), ou afirmou o impedimento ou a prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz (ab initio!) ou a sua incompetência absoluta ou a falsidade do documento ou da prova cuja falta não
pode ser suprida por outra, ou a nulidade ab initio do processo.
Há rescisão com rescisoriedade que pode ser suscitada, ou o foi (explicitação simultânea do pedido de juízo
rescisório), como se a eiva da rescindibilidade só estava na sentença mesma e fica para ou por ser julgado o feito, ou
se alcançou algum momento entre o pedido e a sentença e se tem de completar o procedimento e julgar-se o feito,
conforme o pedido, ou se for promovida a continuação do processo.
Cumpre observar-se que a rescisão que cinde a sentença e vai até o inicio de um prazo, por se ter julgado que não o
perdeu o autor da ação rescisória, reabre o prazo desde que o juiz põe o cumpra-se à decisão rescindente que baixou,
ciente a parte que tem o prazo.
Quando a sentença é constitutiva, às vezes surgem questões assaz delicadas. Nos outros casos, não. Os mais
complicados exemplos não resistem à análise cuidadosa e à meditação costumeira dos juristas. Reivindicou A a B o
imóvel (sentença x) e vendeu a terceiro, C. D reivindica-o de C (sentença y), com fundamento anterior à reivindicação
contra B. O título poderia ser posterior, como, por exemplo, venda de A a D. B consegue rescindir a sentença que deu
ganho de causa a A (sentença z). Qual a eficácia? M. 1. Carvalho de Mendonça (Da Ação Rescisória, 33, 34) e Jorge
Americano (Da Ação Rescisória, 2a ed., 255) se enganaram na solução, em parte; por não terem analisado os casos
possíveis. Entedia aquele que somente resta a C reclamar contra A perdas e danos. Ao segundo, reivindicar de D ou
pedir perdas e danos. (a) Se o título de D foi anterior ou posterior à reivindicação por A, oriundo de fato de A, B
reivindica o imóvel contra D. (b) Se foi posterior e por fato de outrem, portanto estranho a A, à reivindicação por D
terá B de opor-se por embargos de terceiro. (c) Se foi anterior ou posterior e por fato de B, a sentença z, que venha
rescindir a decisão x, apenas reafirmará a sentença y, pela qual D reivindicou de C. No caso (a), a sentença z vai livrar
a A das consequências de evicção, que sofrera C (fato em que aqueles dois juristas não prestaram atenção) e sujeitá-lo
às de evicção de D. No caso (b), nos embargos de terceiro é que se vai dirimir a contradição das sentenças. No caso
(c), a juridicidade perfeitamente se estabelece, e A responderá a C, pela evicção, pois que, ex hypothesi, lhe vendera o
imóvel. A ação rescisória apenas rescinde a sentença x, supondo-se, aliás, cumulados os dois iudicia, o rescindente e o
rescisório. A contradição é entre duas sentenças, a do iudiciu,n rescissorium B contra A e a do juízo da reivindicação
D contra C, portanto entre duas sentenças de reivindicação. Se, na luta com D, B (caso b) perde os embargos de
terceiro, ou, se já foi executada a sentença y na ação de reivindicação, não cabe a reivindicação contra D, que seria o
remédio único fica sem eficácia a sentença.
O sistema da transcrição no registro de imóveis simplifica muito tudo isso, porque, se A constava do registro e C
adquiriu dele o imóvel e obteve transcrição, não há mais reivindicabilidade, pois que foi adquirida a propriedade.
Ocorre o mesmo se a aquisição é em virtude de posse de boa-fé (aquisição a non domino), como em se tratando de
títulos cambiârios e cambiariformes.
(d) Questão delicada é a de se saber se a rescisão da sentença de divórcio, nos países que o têm, deixa válido o
segundo casamento. Não toca ao nosso direito, mas pode ser substituida por outras, que lhe conservem todu interesse:
a) Se foi rescindida a sentença que anulou o casamento, ~vale o segundo, celebrado quando aquele estava anulado, em
virtude de res iudicata? b) £,São simplesmente ilegítimos ou são adulterinos’59 os filhos do desquitado, se foi
rescindida a sentença do desquite?
Em contraposição a G. Planck e Heinrich Dernburg, que atendiam àeficácia ex tunc da sentença rescindente, adotou
Konrad Hellwig a opinião contrária: em vez de valer o primeiro, como queriam aqueles, pugnou ele pela validade do
segundo casamento.
A polêmica já atravessou mais de setenta anos. Iniciou-a Karl Friedrichs, em 1899. Parecia-lhe que, rescindida a
sentença dissolutiva do primeiro casamento, ficava o homem duas vezes casado. G. Planck, em 1901, já havia
considerado nulo o segundo, e veio à arena impugnar a tese de Karl Friedrichs: sendo ex tunc a eficácia, a verdadeira
situação foi restaurada pelojulgado, uma de cujas consequências teria de ser, em virtude da validade do primeiro
casamento, a nulidade do segundo (G. Planck, Sprechsaal, Deutsche Juristen-Zeitung, IV, 38). Faltava falar um
processualista; Konrad Hellwig (Grenzen der Ríickwirkung, Geisser Festschríft, 51) impugnou ambas as opiniões.
Para ele, vale o segundo, e a ação de restituição (no direito brasileiro, a ação rescisória) pode trazer à vida o primeiro
casamento que foi dissolvido. As suas razões foram as seguintes: o ato de divórcio é ato de estado, constitutivo; opera
diante de todos. A sentença rescindente tem dois elementos: um, relativo ao pleito inter partes. a culpa, com as
consequências de ordem individual; outro, que é o ato constitutivo,

189 A Const. 88, art. 227, § 60, assegurou aos filhos. havidos ou não da relação de casamento, ou por
adoção, os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discnminatórias relativas
à filiação. Assim, não subsiste, juridicamente, a classificação de filhos em adulterinos.

e o ato extinto não reaparece com a rescisão. Friedrich Oetker (Gultikeit der zweiten Ehe trotz Authebung des
Scheidungsurteils, Deutsche Jurisren-Zeitung, IX, col. 1.030-1.032) respondeu a Konrad Hellwig, colocando-se, com
argumentos reforçados, ao lado de G. Plank. Nos comentários e nas revistas, a discussão prosseguiu. Davidsohn, J.
Erler, H. O. Lehmann, O. Opet, A. B. Schimidt e outros ficaram do mesmo lado que G. Planck. Waldecker veio
engrossar-lhes a fileira: chamou atenção para o fato, bem discutível aliás, de não ter importância para o foro criminal a
sentença de divórcio, a que se seguiu, no prazo, a rescisão; se a primeira sentença foi constitutiva de estado, não no é
menos a segunda. Como G. Planck, também A. Engelmann, Otto Warneyer e outros (ver nosso A Ação Rescisória,
267-270>. Do lado de Konrad Hellwig, Josef Kohler, M. Scherer, Friedrich Endemann e G. Wurzer; na Suíça, August
Egger.
Em toda a polêmica ressaltou o pôr-se em segunda plana o direito processual, como se ele não tivesse princípios
próprios. Dentro dele é que se tem de colocar o problema, porque é direito objetivo, como os outros ramos do direito, e
trata-se, não de direito material, mas de direito processual: eficácia da rescisão de uma sentença, retomada e limites da
retomada da prestação jurisdicional, que se entregou. Se a questão for levada ao plano internacional, não é a lex
patriae que tem de ser consultada, mas a lexfori. Porém não se pode negar que a rescisão da sentença de divórcio ou
de anulação restaura o que antes estava; e foi para obviar a isso que o direito canônico estabeleceu o casamento
putativo.
Osegundo casamento passa a ser atacável, mas pode ser declarado putativo. Desconstituiu-se a eficácia da sentença
constitutiva negativa; e agora há dois casamentos, um dos quais não pode subsistir (cf. Tratado de Direito de Família,
1, 371 s.).
(e)O que trata com o curador nomeado pelo juiz, já passada em julgado a sentença, não pode ter rescindidos os seus
atos jurídicos, perfeitos com toda a diligência, nem se lhe poderia adivinhar a rescisória futura. Àmulher que casou
com o homem divorciado, ou ao homem que casou com a mulher divorciada, não seria justo cortar-se, no passado, o
laço matrimonial. A rescisão da sentença que decretou a interdição do incapaz não destrói os negócios jurídicos
consumados com o curador (Konrad Hellwig, Gultigkeit der zweiten Ehe trotz Aufhebung des Scheidungsurteils,
Deutsche Juristen-Zeitung, IX, col. 837). O dolo e outros vícios (exceto nas espécies do art. 485, III) constituem
questão nitidamente à parte.

9.Cumulação de pedidos e conexão Não ação rescisória, pode cumular-se com o pedido rescindente o pedido
rescisório. Não quer isso dizer que exista princípio a priori. Às leis é dado adotar outro critério:
subordiná-los à condição de terem o mesmo rito, como se um remédio jurídico processual é sumário ou sumaríssimo e
outro também; só os admitir separadamente; permitir a cumulação, mas, julgado o pedido rescindente (iudicium
rescidens), remeter-se ao juiz ordinário o pedido rescisório (iudicium rescissorium); só os admitir juntos, ou, até,
subentender que foram cumulados. Tampouco existia, no Brasil, princípio constitucional. Um podia ser o sistema
federal; e outro ou outros, os dos Estados’ federados. A regra de lege lata, e por interpretação, é a de admitir-se a
cumulação. A lei una pôs termo a disparidades.
Todavia, a natureza das coisas impõe certos princípios de legeferenda:
a) se só a sentença é que se há de rescindir, nada obsta a que no tribunal de superior instância se decida; b) se a
rescisão alcança processo que só se fez na instância superior, na instância superior é que se há de recompor o processo
que a rescisão atingira; c) se a rescisão também apanha a sentença da instância inferior, que fora, por exemplo,
confirmada, não é preciso que o sistema jurídico diga permitir a supressão de instância, para que o juízo superior
rescinda a sua sentença e a outra, pois rescindindo a sua tem de dizer o que fica no lugar da que rescindiu, proferida
em grau de recurso; d) se a rescisão vai mais fundo, isto é, para aquém da sentença de inferior instância, rescindindo
ato jurídico processual anterior a ela, não é de supor-se que se haja atribuído ao corpo julgador superior a competência
para o procedimento a renovar-se.
Ao tempo da pluralidade de leis processuais, a lei processual de Minas Gerais, a do Distrito Federal e outras adotavam
o rito sumário para a ação rescisória. Na Corte de Apelação do Distrito Federal, suscitou-se, certa vez, a questão de
saber-se, se, sendo ordinário o rito no iudicium rescissorium, se podia cumular o pedido com o rescindente, e a solução
foi favorável (Corte de Apelação do Distrito Federal, 29 de dezembro de 1931: “é jurisprudência pacífica deste
Tribunal poder, na ação (rescisória), ser feito o pedido com a cumulação, pouco importando ser a ação rescisória de
rito sumário”; 4 de outubro de 1933). Desde que se aproveitava o processo da sentença rescindida, a sumariedade seria
mais superposta que substituida à ordinariedade.
Cumpre atender-se, ainda, a que o aproveitamento é do procedimento que existia: o juízo rescisório trabalha com o
que ficou salvo, a despeito da rescisão da sentença. Se tivesse sido atingido procedimento anterior à sentença
rescindida, não se poderia admitir a solução que a antiga Corte de Apelação do Distrito Federal pretendia.
No momento em que o juiz ou juizes do iudicium rescidens julgam procedente a ação, rescindida está a sentença e
restabelecida a relação jurídica processual: quem entregará a prestação jurisdicional, uma vez que a outra foi retirada,
o direito processual respectivo responderá. Juridicamente, o julgamento podia ser pelo tribunal do iudiciu,n
rescindens, ou pelo juiz ordinário. O problema de politica jurídica e o direito processual brasileiro consideravam mais
sábio incidir o princípio de economia processual.
Devemos entender que há pedido implícito se é só para se rescindir a sentença, ou se foi definido só para se rescindir a
sentença, porque se diz por que se rescinde e pois o que há de ficar no lugar. Se se pede a rescisão de ato jurídico
processual praticado na superior instância, onde se propôs a ação rescisória, rescindindo está tudo, desde esse ato
jurídico processual até a sentença, e havemos de entender, que se pediu o rescissorium, e não só o rescindens, mesmo
porque, praticamente, se não se pediu, se pode pedir. Tudo se cifraria em localização temporal do pedido cumulado ao
pedido do rescindens, dispensando-se, com o trânsito em julgado da sentença rescindente, ato de iniciação do
rescissorium (petição nova e nova citação), ou tendo de ser feito pedido posterior, passado em julgado a sentença
rescindente, com petição nova e nova citação.
Resta saber se podem ser cumulados pedidos estranhos ao rescissonum. A situação não é a mesma. Aqui, a cumulação
é de pedidos que se têm de se apresentar com os pressupostos do art. 292. §~ l~ e 20. Acrescente-se que a competência
para a ação concernente ao pedido cumulado não pode ser postergada, e. g., eliminado-se instância. Os princípios da
cumulação devem ser aplicados com prudência. Talvez já haja pedido de rescissorium cumulado ao de rescisão da
sentença. Ter-se-ão duas séries de cumulações os pedidos cumulados ao que se fez em’ juízo rescisório. Quanto aos
primeiros, as dificuldades surgiriam se não as cortasse, cerce, o princípio de que a ação rescisória de regra se processa
e julga na mesma Justiça e no mesmo juiz ou tribunal da sentença rescindenda e provavelmente não se possa dar a
cumulação.
Dentro da mesma competência para conhecer de duas ou mais ações rescisórias, quer quanto ao iudicium rescindens,
quer quanto ao iudicium rescissorium respectivo, nada obsta a que uma ou mais pessoas demandem diferentes réus e
os réus sejam demandados por diferentes autores, desde que a causa petendi na relação jurídica processual extinta
tenha sido a mesma, ou seja o mesmo o pedido da nova demanda (na espécie, remédio rescindente). Assim, A, que
teve três processos de locação, no juízo B, contra C, perdeu-os. Pode pedir a rescisão das três sentenças, no mesmo
processo. Também A teve dez processos separadamente, contra locatários do mesmo prédio, por força do mesmo
contrato. As sentenças, ainda que por diferentes motivos, foram-lhe desfavoráveis. Pede, por isso, a rescisão. Pode
fazê-lo no mesmo processo.
A cumulação não relativa ao processo cuja sentença se quer rescindir menos facilmente se dá. Perdeu A o processo
contra B, que o movera com assento em çontrato de locação. Perdeu, e quer propor a rescisória. Tem,
todavia, outra ação de perdas e danos, ligada ao mesmo contrato, que não fora proposta. 4~,Pode cumular ao pedido,
que faz, de rescisão da sentença, o de rescisória, tocante ao processo cuja decisão espera seja rescindida, e todos
aqueles que poderiam cumular ao juízo rescisório? Aqui, cumpre verificar-se se o rito de tais processos novos cabe no
rito da rescisória; porque, se e certo que o rescissonium de processo ordinário pode ser cumulado ao rescindens
especial, no foro que lhe confere especialidade, não se pode pretender o mesmo em relação a causas cumuláveis à ação
que foi proposta e decidida. A respeito dessas não há o argumento, que foi decisivo quanto àquela, de ter sido
processada ordinariamente.
Pode haver conexidade das ações pela identidade das partes e da causa de pedir (art. l04).’~>
Cabe falar-se de conexão dos pedidos rescindentes, quando, por exemplo, duas ações rescisórias são de tal modo
ligadas que o julgamento de uma importa no julgar a outra, ou quando, embora diferentes as pessoas, como nas
rescisórias de duas sentenças que reputaram inexistente uma enfiteuse, o julgamento de uma prejulgaria o da outra (cf.
art. 103).
A conexão também pode existir entre os pedidos de iudicium rescissorium ou entre o pedido de tal juízo e ação em
vulgar andamento.
Cumpre, portanto, distinguirem-se:
a) A cumulação em profundidade: ação rescisória (iudicium rescidens) + rejulgamento do que foi rescindido (iudicium
rescissorium). É a cumulação do rescisório ao rescindente.
b) A cumulação horizontal, por sobre julgados: ação rescisória da decisão a + ação rescisória da decisão b. E a
cumulação de duas ou mais ações rescisórias, isto é, cumulação de rescindente ao rescindente.
c) A cumulação em profundidade e horizontal por baixo dos julgados (= no espaço esvaziado pela rescisão): ação
rescisória + ação em iudiciuni rescissorium (+ ação conexa ou consequente à ação em iudicium rescissonum). É a
cumulação de rescisório a rescindente, seguida de cumulação de ação ao rescisório.
d) A cumulação em profundidade e horizontal por sobre e por baixo dos julgados: ação rescisória + ação rescisória +
ação em iudiciui,n rescissorium + ação em iudicium rescissorium. E a cumulação das rescisões de duas ou mais
sentenças, com o pedido de processo e julgamento ou só julgamento em iudicium rescissorium.
As espécies são inconfundíveis.

190 A referencia deveria ter sido feita ao art. 103.

10.Depósito; União, Estado-membro, Município ou Ministério Público A lei afasta o dever de depósito se estatal o
autor, ou o Ministério Público.
O depósito de importância que corresponde a cinco por cento do valor
da causa é exigido a qualquer autor da ação rescisória, salvo se é a União, Estado-membro ou Município. Se o autor
perde a ação, a quantia do depósito passa ao réu, a título de multa, se o julgamento foi unânime, quer se trate de
inadmissibilidade da ação, quer de improcedência. Salvo se a pessoa que propõe a ação tem beneficio da justiça
gratuita (cf. Lei n. 1.060, de 6 de fevereiro de 1950, art. 30, a que se há de juntar a espécie do art. 488, II, do Código
de Processo Civil), o depósito há de ser feito antes de se levar a despacho a petição. Se não foi feito, tem o juiz de
indeferir a petição inicial (art. 490, II). Todavia, pode o autor, em vez de requerer, antes da apresentação da petição
inicial, o depósito, na petição requerê-lo e então se há de entender que o juiz determina a expedição da guia de
depósito, e aguarda, durante cinco dias, a entrega, com a respectiva prova, e o momento para despachar a petição
inicial.

Art. 489. A ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda’)2).

1. Eficácia da propositura da ação rescisória (a) A ação rescisória não tem efeito suspensivo, não suspende, por
exemplo, a execução. Nem qualquer outro efeito imediato ou mediato da sentença rescindenda. No art. 489 fala-se de
não se suspender a execução da sentença rescindenda. Entenda-se: execução em sentido lato e em sentido estrito.
Portanto, não suspende o mandado, que seja efeito imediato (4) da sentença. Nem mesmo a mandamentalidade
mediata (3). Pode dizer-se: as apelações, de regra, devolvem e suspendem (art. 520); o recurso extraordinário (art.
497)191 devolve, mas não suspende; a ação rescisória nem devolve nem suspende.
Ação rescisória não é recurso, nem é reexame do que foi apreciado pela sentença rescindenda é ação contra a
sentença, para a abrir e lhe mostrar o erro ou o defeito grave, segundo a enumeração taxativa da lei. Rescindir a
sentença é julgá-la. A propósito do julgamento da ação rescisória, não há regra jurídica que corresponda, o que seria
absurdo, à do art. 520, que somente se formula para as apelações.

191 A redação do art. 497 foi alterada pelo art. 42 da Lei n. 8.038, de 28.05.90, que nele incluiu o
recurso especial, que. tanto quanto o.extraordinário, só produz o efeito devolutivo (art. 542, * 20, com
a redação do art. 20da Lei n0 8.950, de l3.12.J-994).
O Decreto-lei n0 1.030, de 21 de outubro de 1969, acrescentou ao art. 822 do Código de 1939 o seguinte parágrafo
único: “Se proposta ação rescisória, ficará sobrestada, em relação à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, a
execução da sentença rescindenda referente ao domínio ou posse de imóveis, ou a reclassificação, equiparação ou
promoção de servidor público civil ou militar, desde que a parte autora for uma das entidades”. De iure condendo,
desacertadissimo atribuir-se eficácia superior à propositura de ação rescisória. Tratava-se de simples aditamento ao
Código de 1939, de modo que não mais persiste com a vigência do Código de 1973, com o art. 489.192
Se foi proposta a ação rescisória ejá tinha sido iniciada a execução da ação rescindenda, ou se iniciou pendente a ação
rescisória, nada pode obstar à continuação até que advenha sentença favorável ao autor da ação rescisória e transite em
julgado. Se há o trânsito em julgado da sentença de rescisão, a execução fica desfeita, como desfeita cindida a
sentença que deu ensejo à ação executiva de sentença. Idem, se a execução foi de título extrajudicial, ou se a sentença
foi predominantemente executiva, ou com 4 de executividade. Não se trata de execução provisória (arts. 587 e 588, 1),
mas havemos de atender a que houve danos, ou pode ser que os tenha havido, e não seria justificável que se
reputassem irreparáveis tais danos causados ao réu pelo autor da ação.
(b) A citação, na ação rescisória, produz litispendência. Seria absurdo que, pendendo já uma lide de iudiciu,n
rescindens, se permitisse outra. A ação rescisória, que é um dos remédios jurídicos contra a multiplicidade de decisões
sobre a mesma coisa, com o mesmo objeto e entre as mesmas pessoas, não poderia acoroçoar a multiplicidade de lides
de que resultaria a de decisões. As duas exceções, a de litispendência e a coisa julgada, são perfeitamente cabíveis
quanto ao juízo rescindente. Evitam que se dê ou que prevaleça a variedade de julgados.
A respeito de litispendência, como de coisa julgada, é preciso atender-se a que:
a) A citação na rescisória por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz que proferiu a sentença rescindida, ou de
um dos juizes, não induz litispendência a respeito de outra ação rescisória por prevaricação, concussão ou corrupção,
se o alegado é diferente, ou se refere a outro juiz.
b) A citação, na ação rescisória por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz que proferiu a sentença rescindenda,
não gera exceção de litispendência contra outra ação por impedimento, ou incompetência ratione materiae ou por
hierarquia do mesmo juiz.
c)A citação, na ação rescisória por impedimento, não gera exceção de litispendência contra outra ação rescisória em
que o impedimento apontado é outro; ou em que se alega prevaricação, concussão ou corrupção, ou incompetência
ratione materiae ou por hierarquia.
d)A citação na ação rescisória por incompetência ratione materiae ou por hierarquia não gera exceção de
litispendência quanto a outra rescisória em que se invoque outro fundamento para a incompetência ratione nlateriae
ou por hierarquia, ou por prevaricação, concussão ou corrupção, ou impedimento.
e)A citação, na ação rescisória por ofensa à coisa julgada, somente gera exceção de litispendência quanto a outra ação
rescisória em que o ponto julgado que se diz ofendido seja o mesmo.
1)A citação, na ação rescisória por violação do direito em tese, somente gera exceção de litispendência se o ponto de
direito que se aponta é o mesmo.
g)A citação, na ação rescisória por falsidade, apurada no juízo criminal, não gera exceção de litispendência contra a
ação rescisória em que se pede que se apure, na própria ação rescisória, a falsidade; e vice-versa. Nem se o falso ou a
falsificação, que se argúi, é diferente.
(c)Devem ser citados para a ação rescisória todos aqueles a quem tocou a eficácia da sentença rescindenda, por terem
sido litisconsortes ou intervenientes equiparados a litisconsortes. Os litisconsortes necessários supervenientes têm de
ser citados e os arts. 46-49 e 52-55 são aplicáveis.
Também se pode dar que, ao tempo da sentença, não fosse interessada pessoa que depois se tornaria, como se o réu
não era casado ao tempo em que foi proferida a sentença favorável. A citação é indispensável. Não é a superveniência
do casamento o único fato que estabelece a necessidade da litisconsorciação. Se C e D adquiriram de A o bem, a
propósito do qual A obtívera sentença favorável, a ação de B contra A há de ser dirigida contra A, C e D, se a sentença
na ação rescisória pode alcançar a esses. Se são omitidos, nenhuma eficácia sentencial se há de esperar a respeito
deles.
Absurda a decisão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a 17 de dezembro de 1952,
entendendo que na ação rescisória de sentença que julgou ação sobre bens imóveis é prescindível a citação do cônjuge.
Sempre que, na ação cuja sentença se pretende rescindir, o cônjuge foi parte (às vezes a citação do cônjuge é como
parte, e.g., condômino, comuneiro em virtude de regime matrimonial de bens), ou teve de assentir,
igual exigência há de ser feita na ação rescisória. Se deixou de ser citado o cônjuge, a relação jurídica processual não
se formou a respeito dele. Idem, se havia comunhão não-matrimonial, que cessou.
(d)O saneamento só é necessário nas ações rescisórias em que, conforme o art. 331, não haja ocorrido alguma das
hipóteses previstas nos arts. 329 e 330.193 Na determinação do que se entende ser regra jurídica de organização
judiciária e do que se considera regra jurídica de regimento interno, devemos assentar que o regimento interno pode
inserir em seus artigos o que não foi posto em lei processual, nem em lei de organização judiciária, se a regra jurídica
inserta não se choca com o direito processual nem a lei de organização judiciária vigente, sem que essa inserção, que
preenche branco, afaste a legislação processual posterior, ou a lei posterior de organização judiciária.
É preciso que se separem as duas questões: a questão de legeferenda, a respeito da qual, se há inconvenientes para se
adotar o despacho saneador na superior instância, havemos de assentar que a priori não é de afastar-se que se receba a
formalidade só referente à primeira instância, sobretudo no processo e julgamento de ações da competência originária
dos tribunais; a questões de lege lata, que poderia ser resolvida conforme a resolveu, então, a comissão do Supremo
Tribunal Federal, supondo existente a regrajurídica sobre despacho saneador limitada ao primeiro grau ou aos feitos de
única instância dos juizes singulares, ou conforme está no art. 331, que remete aos arts. 329 e 330.
A Constituição de 1967, art. 119,1, m),’94 também atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar,
originariamente, as ações rescisórias de seus julgados. Idem, quanto aos Tribunais Federais de Recursos, o art. 122, ‘1,
a).’95

193 O art. 491 manda aplicar à ação rescisória. no que couber, o disposto no Livro 1, Título VIII,
Capítulos IV eV”. Incidiria, então, o art. 331, que determina uma audiência de conciliação. sea causa
versar sobre direitos disponíveis (redação do ari. l0 da Lei n0 8.952, dc 13.12.94) 7 Não, no tocante à
rescindibilidade do julgado (sentença ou acórdão) rescindendo, que não se integra na categoria dos
direitos disponíveis. Nada obsta, porém, a que se promova a tentativa de conciliação do art. 331
porque. por meio dela, as partes podem transacionar quanto ao juízo rescisório, se este versar direitos
disponíveis, bens como desistir da ação. A renúncia ao direito sobre que se funda o pedido de rescisão
e o reconhecimento da procedéncia dele são inadmissíveis porque não se inserem no poder de
disposição das partes. Então, a conciliação do art. 331, na sua atual redação, deve ser tentada.
194Const. 88, art. 102, I,j.
195Consi. 88. art. los. 1. e, quanto ao Superior Tribunal de Justiça, que sucedeu o extinto TFR (vd. o
art. 27 do ADCT).

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (1970) no art. 242 estabeleceu que, “distribuída a inicial (art. 73),
o relator mandará citar o réu, fixando-lhe prazo para a contestação (art. 106, a). No art. 243, acrescentou-se:
“Contestada a ação, ou transcorrido o prazo, o relator proferirá despacho saneador, deliberando sobre as provas
requeridas (art. 22, III)”. E no art. 244: “Concluída a instrução, o relator abrirá vista, em comum, às partes, por dez
dias, para o oferecimento das razões; após ouvir o Procurador-Geral, em cinco dias, lançará relatório nos autos (art.
83), passando-os ao revisor, que pedirá dia para o julgamento~’. O despacho saneador está no art. 243, não pode ser
dispensado se ocorre algumas das espécies que o Código de 1973 prevê no art. 331 (arts. 329 e 330)i~~
A solução vitoriosa é a melhor. Ou a) O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Federal de Recursos supõem que as
regras jurídicas dos arts.331, 329 e 330 do Código de 1973 têm por suporte fáctico os processos ordinários de primeira
instância e os processos ordinários de única instância, ou b) acharam que a matéria concernia à vida interna do
tribunal. A exigência de saneamento atende à singularidade do juízo e o ser o procedimento, todo, perante o relator,
satisfaz tal exigência, razão para interpretarmos o art. 243 do Regimento Interno’95 como implicitamente remissivo aos
arts. 329 e 330, podendo o Regimento Interno explicitar a remissão ou tê-la por implícita, como fez. Assim, não se
atribui ao Supremo Tribunal Federal nem ao Tribunal Federal de Recursos’99 mais poder do que ao Congresso
Nacional, ou vice-versa, isto é, poder dispensar a remissão aos arts. 331, 329 e 330, contra regras jurídicas, diferentes,
da legislação processual, ou regra jurídica processual que dispense o despacho saneador.
No Regimento Interno, ou se insere, comoditatis causa, o que, na legislação processual ou na legislação de
organizaçãojudicial, diz, de perto, com a atividade dos tribunais, ou regra jurídica, não escrita, de qualquer dessas
legislações (função explicitadora do Regimento Interno), ou se edicta regra jurídica que o legislador poderia ter feito e
não fez, ou se cria regra jurídica que aos tribunais pareceu necessária ao seu bom funcionamento, embora não seja
processual, nem de organização judiciária.

196 A ação tescisória é tegulada nos arts. 259 a 262 do vigente Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, O despacho saneador está previsto no art. 261.
197 Obviamente, sob a Const. 88 o autor aludiria ao Superior Tribunal de Justiça, cujo
regimento interno regula a ação rescisória nos arts. 233 a 238. O art. 235 determina que o
relator faça o saneamento do processo.
198 Art. 261 do atual RISTF.
199 Vd.anora 197.

(e) Quanto ao iudicium rescissorium, ele só se abre quando já não émais a sentença rescindenda. Seria difícil, se não
dificiimo, poder-se alegar litispendência, ou coisa julgada, salvo se, quando se rescindiu a sentença, já outra existia
sobre o mesmo caso, ou se rescindiu por outro pressuposto tal decisão ofensiva da coisa julgada, tendo-se também
rescindido, antes, a sentença ofendida e estando em andamento o respectivo rescisório. O réu da ação rescisória, a que
foi também lesiva a sentença rescindenda, e que poderá também propor ação rescisória, pode reconvir. Para que funde
a reconvenção, é preciso que lhe caiba ação rescisória contra a mesma sentença, dado que, por vezes, a rescisão à
sentença interessa juridicamente aos dois, por lhes ter sido contrária no todo ou em parte. Nenhuma particularidade
processual apresenta a reconvenção na ação rescisória. O réu alegará qualquer dos pressupostos objetivos para ela, ou
um dos casos, pois que são separáveis, do mesmo pressuposto.
(ti Na sessão de 6 de janeiro de 1937, a Corte de Apelação do Distrito Federal, na Ação Rescisória n0 147, entendeu, e
bem, que o juiz, prolator da sentença rescindenda, desde que o fundamento do pedido de rescisão não seja, hoje,
assunto para o art. 485, 1 e II, pode, estando no cargo de desembargador, tomar parte no julgamento da ação rescisória.
Aliter, se foi prolator, na primeira instância,2m da decisão proferida na ação rescisória e ora recorrida.

2.Ação cautelar em rescisória20’ Sob o art. 489, cabe indagar acerca da admissibilidade da ação cautelar,
preparatória ou incidental da ação rescisória, destinada a suspender a execução da sentença ou do acórdão
rescindendo, uma vez configurados os pressupostos de outorga liminar ou final dessa tutela.
O direito positivo brasileiro consagra a possibilidade de sustação da eficácia da sentença rescindenda. O art. 71,
parágrafo único, da Lei n0 8.212, de 24.07.91, na redação do art. 2”da Lei n0 9.032, de 28.04.95, autoriza a
concessão de liminar (providência cautelar embutida no processo cognitivo da ação rescisória) nas ações rescisórias
e revisional, para suspender a execução do julgado rescindendo ou revisando, em caso defraude ou erro material
comprovado. Também o art. 50 da Medida Provisória n0 1.577 (40 versão de 02.10.97) enxertou um art. 50
(renumerados os demais) na Lei n08.437,

200 A ação rescisória é processo da competência originária dos tribunais, como


mostram a Constituição Federal, as constituições estaduais e o CPC. Assim, não cabe a
cogitação do texto, onde se alude, genericamente, a ação rescisória julgada na primeira
instancia, o que se admitiria se se tratasse da ação do art. 486, também chamada
rescisória pelo comentarista, a qual se ajuiza no primeiro grau de jurisdição.
201 Comentário do atualizador legislativo, por isso impresso em tipo diferente.
de 30.06.92, que dispõe sobre medidas cautelares contra atos do poder público, o qual estatui que, “na sações
rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações
instituidas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer
tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença ~‘. Interessante assinalar que, se no art. 71 da
Lei n0 8.212 o penculum in mora fica implícito, no novo art. 50 da Lei n0 8.437 ele foi simplesmente dispensado para a
concessão da cautelar, bastando o fumus boni iuris: “caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão ~ diz a lei.
Decerto que pode haver plausibilidade jurídica da pretensão, sem que ocorra o perigo na tardança da presta ção
jurisdicional, com a intensidade que a lei o exige para a proteção cautelar.
Não se acoimem de inconstitucionais os dispositivos legais que se acabam de referir porque não é incompatível com a
Constituição que se suste a execução da sentença, transitada em julgado, como, aliás, ocorre quando a ela se opõem
embargos do devedor (art. 739, s~ 1”, com a redação do art. JO da Lei n0 8.953, de 13.12.94). Se a própria carta admite
a desconstituição da coisa julgada, quando defere aos tribunais competência para a ação rescisória (arts. 102, 1, j; 105,
1, e; 108, 1, b), ela consente, a fortiori, que se suste a execução da sentença coberta pelo fenômeno.
A regra do art. 489 é supérflua porque a sentença rescindenda subsiste íntegra até o trânsito em julgado do acórdão
rescindente. Ela declara, em consonância com a lei, com os princípios e a doutrina, que a ação rescisória não tem
efeito suspensivo. Nada mais. Não obsta, no entanto, à concessão de medida cautelar, instituída afim de assegurar a
eficácia prática da providência jurisdicional dem.andada, inclusive na ação rescisória, que desencadeia um processo de
conhecimento do qual o cautelar, preparatório ou incidente, é fâmulo.
2112
Sobre o assunto há divergências doutrinárias. A jurisprudência também se mostra vacilante, inclinando-se pela
inadmissibilidade, porém condescendendo com a cautelar em casos graves. Posição algo contraditória porque a
cautelar ou cabe ou não cabe.2<0 Tanto mais se deverá compreender admissível a cautelar em rescisória quanto se
considerar que o cabimento da m.edida se encontra expressamente consagrado no direito positivo brasileiro, como se
demonstrou com as normas antes mencionadas.

Art. 490. Será indeferida’) a petição inicial: nos casos previstos no art. 295;

202 No meu livro Direito Processual Civil Estudos e Pareceres, 1’ série, Saraiva, 5. Paulo, 1983, p. 272 e
ss., invocando idêntica e pioneira posição de Galeno Lacerda (Comentários ao CPC, vol. VIII, tomo 1,
Forense, Rio, 1980, pp. 64 e 65), juntei-me à corrente dos defensores da admissibilidade da ação cautelar
como preparatória ou incidente da ação rescisória.
203 Vd. a nota 4 do ~PC e legislação processual em sigo,; de Theotonio Negrão, 28 cd., cit.
II quando não efetuado o depósito2), exigido pelo art. 488, II.

1.Indeferimento da petição inicial A ação rescisória é uma ação como as outras. A petição inicial é indeferida em
qualquer dos casos que o art. 295 aponta, um dos quais é o de extinção do prazo preclusivo, tendo, porém, de ser
levada em consideração a hipótese do art. 485, v~, V parte.
2.Depósito O art. 488, II, exige que o autor da ação rescisória deposite cinco por cento do valor da causa, a título de
multa eventual (o que não se aplica às entidades estatais e ao Ministério Público). Se o não faz, há o indeferimento da
petição inicial, pois, se ainda não fora feito o depósito, tem o juiz de marcar prazo para que se satisfaçam os arts. 248 e
490, II.

Art. 491. O relator mandará citar o réu, assinando-lhe prazo nunca inferior a quinze (15) dias nem superior a trinta
(30) para responder aos termos da ação. Findo o prazo com ou sem resposta, observar-se-á no que couber o disposto
no Livro 1, Título VIII, Capítulos IV e V 1)2)

1.Problema de técnica legislativa da competência O Código de 1973 nenhuma regra jurídica sobre competência
contém que seja explícita quanto às instâncias. Nos arts. 49 1-493 fala de “relator”, de Supremo Tribunal Federal, de
Tribunal Federal de Recursos2~ (art. 493, 1) e de lei de Organização Judiciária dos Estados-membros (art. 493, II).
Temos de partir do plano interestadual e chegar ao plano estatal do Brasil. O problema técnico consistia em se atribuir
(1) ao mesmo tribunal ou juiz, que proferiu a sentença, (2) ou a tribunal superior, (3) ou a um só, para todos os casos, a
competência para julgar a ação rescisória. Não há princípio a priori, exceto contra a solução (1), se o fundamento é
prevaricação, concussão, corrupção ou impedimento do juiz.
(a) A Justiça de um Estado pode negar exequatur ou homologação à sentença de outro Estado; não pode rescindir a
sentença que a Justiça de outro Estado proferiu. Dentro do mesmo Estado, federativo, de organizações judiciárias
diferentes, a questão depende do direito constitucional de tal Estado (direito interno), de modo que é estranha ao
problema de distribuição internacional das competências (direito das gentes) e ao direito processual internacional.
Nem a justiça brasileira pode rescindir sentenças proferidas por juizes estrangeiros, nem as justiças estrangeiras podem

204 Leia-se Superior Tribunal de Justiça, embora ainda não modificado o inciso 1 do art. 493.

rescindir sentenças proferidas por juizes brasileiros; nem os juizes de qualquer Estado podem rescindir sentenças
interestatais. No grau atual da organização internacional, as sentenças dos Estados não são suscetíveis de rescisão pela
justiça supra-estatal, nem por tribunais interestatais. Em casos especiais, poderão ser tidas como “fatos”.
Cumpre, porém, advertir-se em que, rescindida a sentença estrangeira homologada, a homologação cai com a
homologação da nova sentença. Idem, em caso de inexistência, ou de nulidade ipso iure.
A qualificação dada pelo Estado a que pertence a justiça que proferiu a sentença é assaz importante. Se a legislação de
tal Estado entendeu que a sentença não existe, ou que a sentença é nula, sem qualquer necessidade de se propor ação
desconstitutiva negativa, devendo o juiz a que foi apresentada negar-lhe qualquer efeito (declaração de ineficácia), o
juiz do outro Estado procede como procederia o juiz do Estado em que se proferiu a sentença, ali nenhuma, aqui nula e
sem efeitos. Se, em vez disso, a legislação do Estado em que se proferiu a sentença estabelece que a nulidade depende
de ação em que se peça a desconstituição da sentença, ou se edicta regra jundíca de competência para as declarações
de inexistência das sentenças, ou das decretações de nulidade de sentenças, não pode o Estado de importação do
julgado desatender à decisão estrangeira, a despeito da falta de pressupostos sentenciais de existência ou de validade.
A fortiori, se o Estado em que se proferiu a sentença tem a espécie como de anulabilidade.
O que acima se disse não afasta que o Estado de importação repute infringida regra jurídica de competência supra-
estatal ou interestatal que torne existente ou nula a sentença, ou infringida certa regra jurídica supra-estatal ou
interestatal de pressupostos. Aí, a qualificação é dada pelo direito acima do direito estatal.
Tratando-se de exequatur, a homologação da sentença estrangeira éato de importação, que se rege por seus princípios.
Se houve a homologação, símplífícam-se os problemas: cumpre-se a sentença, até que eventualmente se homologue,
depois, a sentença que decrete a inyalidade ou a rescisão da sentença que fora homologada.
Também pode dar-se que decretada seja a invalidade ou a rescisão da própria sentença de homologação: o ato de
importação passa a ser como se nunca houvesse existido.
(b) No Estado federativo, de diferentes organizações judiciárias, a regra é só serem rescindidas as sentenças pelos
juizes que as proferiram ou por tribunais do mesmo Estado-membro ou pais. Não é, porém, princípio necessário. No
Estado unitário, dentro da divisão da Justiça, tudo se passa segundo os seus métodos hierárquicos. Só ao direito
constitucional do Estado é possível responder, em se tratando de Estado federativo. Ou ele resolve, ou dele depende,
se adotou o sistema da competência cumulativa. No Brasil, os textos constitucionais de 1891 e os revistos só
autorizavam atribuir-se aos Estados-membros a competência para legislar sobre os juizes rescindentes das sentenças
proferidas por seus juizes. A competência (interestatal e interlocal ou interdepartamental ou, como se diz no Brasil, em
termo generalizado, interestadual) da Justiça do Estado, Estado-membro ou Província, que proferiu a sentença
rescindenda, para conhecer da ação rescisória, nada tem com a competência pela conexão de causa (continentia
causarum), fundada na necessidade de evitar julgamentos contraditórios e despesas inúteis. Trata-se de normal
incindibilidade da função judicial do Estado. Demais, se uma justiça pudesse rescindir a sentença de outra, quer no
plano internacional, quer no intra-estatal, teríamos verdadeiros conflitos e infindável jogo de tênis de julgamentos. No
Brasil, nunca se pôs em dúvida, salvo em julgados e votos confusionistas de alguns membros do Supremo Tribunal
Federal, que as sentenças federais se devessem rescindir em juízos federais e as locais em juízos locais. Se algum
Município organizasse a sua justiça dos feitos municipais, uma vez que a Constituição estadual o permita, nada
obstaria a que a mesma lei providenciasse sobre competência para a rescisão das sentenças dos juizes de origem
municipal. A Lei n0 1.661, de 19 de agosto de 1952, art. 1~, na esteira do art. 801 do Código de 1939, criou para os
juizes locais a regra jurídica da competência em instância superior.
No Código de 1973, arts. 485-495, a ação rescisória foi posta como Capítulo IV do Título IX, só referente ao processo
nos Tribunais. <,Tem-se de entender que não há mais ação rescisória em juiz singular? O Supremo Tribunal Federal
(Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1,
e os Tribunais Federais de Recursos (art. 122, 1, a),2<’5 têm a competência parajulgar as ações rescisórias das suas
sentenças e demais decisoes. Nada se disse sobre as ações rescisórias dos julgados dos juizes federais. j,Podia o
Código de 1973 atribuir ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais Federais de Recursos o julgamento das ações
rescisórias de juizes federais? Não. Podia impor a competência da superior instância se estadual o juízo? Também não.
No art. 80, XVII, b), diz-se competir à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário,

205Const. 88, au. 102. I,j.


206Const. 88, au. 105, 1, e.
207Const. 88, ais. 22, l.

marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. No art. 80, XVII, t),208 sobre organização administrativa e judiciária do
Distrito Federal e dos Territórios. Não, sobre organização judiciária dos Estados-membros. Portanto, a competência
para as ações rescisórias e as ações de revisão criminal pertence aos Estados-membros, que podem seguir, ou não, o
que se estatuiu nos arts. 491-493. O art. 493, ií, é ambíguo, porque se fala sempre de relator (arts.
491 e 492), inclusive no art. 493, pr., e nele se fala de julgamento “nos Estados, conforme dispuser a norma de
Organização Judiciária”. Temos de interpretar que os arts. 491-493 regulam o quodplerumquefit, sem afastar, portanto,
regra jurídica de Organização Judiciária estadual que faça competente para a rescisão das sentenças de primeira
instância, que transitaram em julgado como tais (aliter, se houve recurso que foi conhecido e julgado procedente ou
não, porque, aí, a sentença é do juízo recursal).
Os Estados-membros poderiam fazer de juízo coletivo a competência para julgar ações rescisórias de sentença e
decisões de juízo singular. A União, absolutamente não, porque os arts. 119, 1, m), e 122, 1, a), da Constituição de
1967, com a Emenda n0 l,~ de modo nenhum permitem outra espécie de competência originária do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Federais de Recursos2t0 para processar e julgar ações rescisórias que não sejam suas.
(c)Dentro de cada organização, os sistemas variam. No processo austríaco, o mesmo juiz que proferia a sentença
conhecia da restitutória. No italiano, a ação era proposta no mesmo juízo. Ocorre o mesmo à requête civile francesa.
Tal subordinação não é, porém, necessária. Trata-se de outra ação e de outro remédio jurídico processual, de modo que
a independência de uma e a do outro devem ser levadas em conta. Nem se diga que existe continentia causarum e que,
sendo conexas a ação da sentença rescindenda e a ação rescindente, haja sugestão de não se dividir a continência das
causas. O instituto da conexão nada tem a ver com o pretendido princípio processual de que a pretensão ao rescisório
deva ser exercida perante o mesmo juiz prolator da sentença rescindida. Primeiro, porque a conexão supõe a
identidade de título, ou a ligação, que permita se unirem ou se fundirem os processos. Ora, a ação rescisória nada tem
de comum com a ação da sentença rescindenda: a sentença rescindenda é, por si só, objeto de exame do iudicium
rescindens. Segundo, porque o exame mais aconselha a verificação por outrem do que pelo próprio juiz. Aliás, em
certos casos, como o de prevaricação, concussão, ou corrupção, de certa forma se impõe.

208 Const. 88. ais. 22, Xvií.209Const. 88, arts. 102, I,j, e lOS, 1, e.210Leia-se Superior Tribunal de
Justiça.
Incorreu no engano de invocar a continência de causas ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
e isso durante muito tempo. Em 1913, adotou-se, porém, em regra jurídica regimental, o sistema de ser
processada a ação nos juizes federais e julgada, em instância única, pelo próprio Supremo Tribunal
Federal. Aliás, anteriormente, alguns julgados, escapos ao argumento heterotópico da conexão e da
continência de causas, se haviam libertado do sistema de ser processada e julgada pelo mesmo juiz da
sentença rescindenda. Nas Justiças locais, refletia-se a solução do Supremo Tribunal Federal. Nesse,
trouxe-se à balha, por ocasião da emenda do Regimento, a própria questão da constitucionalidade.

Devemos, pois, separar os problemas: a) o da possibilidade dos dois sistemas; b) o da possibilidade de se julgar em
primeira instância a ação rescisória de decisão do tribunal mais alto (Supremo Tribunal Federal e Tribunais de Justiça,
em relação aos juizes locais; c) o da constitucionalidade da emenda do Regimento; d) o da solução, no direito positivo
federal e dos Estados-membros. De legeferenda, os dois sistemas são perfeitamente admissíveis. A escolha não
constitui ato de preferência jurídica. Mais se prende a considerações políticas. Problema, portanto, não de direito
constituído, mas de política jurídica.
Em todo caso, a prática era no sentido de se fazerem julgar pelos juizes federais de primeira instância as ações
rescisórias do Supremo Tribunal Federal, contra o que, então, se insurgiu o Procurador-Geral da República (Edmundo
Muniz Barreto). Constituía, para ele, “anomalia judiciária” poder um juiz ou tribunal inferior “revogar as decisões do
poder supremo da Justiça”. Maior argumento ainda invocou: “É contra a ordem natural das coisas, contra todos os
princípios da ordem judiciária, que um tribunal inferior anule sentença de tribunal superior. É o que se daria, sempre
que, tendo-se pronunciado a Justiça de primeira instância, não houvesse apelação”. Também se trouxe à comparação
o caso dos embargos: fazia-se na primeira instância o processo; ao se terem de julgar, subiam os autos ao Supremo
Tribunal Federal. Dos dez juizes presentes à sessão do Supremo Tribunal Federal em que se emendou o Regimento,
somente três votaram no sentido de se manter a antiga jurisprudência que permitia processar-se e julgar-se no juízo de
primeira instância a ação rescisória de sentença do Supremo Tribunal Federal. Chefiava tal corrente Pedro Lessa, que
invocara, em abono da sua tese, acórdão da Relação de Lisboa, no qual prevalecera a opinião de Alberto Carlos de
Meneses, autor do conhecido livro sobrejuízos divisórios, contra a de Antônio Joaquim de Gouveia Pinto, a quem se
deve a obra, durante tanto tempo clássica, sobre testamentos.
A decisão lisboeta era explícita no seu propósito de subordinar a rescisão ao rito vulgar das ações: “Sendo, pois,
permitido usar da ação ordinária rescisória da sentença, ou seja proferida na primeira ou na instância, éforçoso haver
juizes que dela conheçam; ora, não o podendo ser a Relação, ou os juizes que proferiram os acórdãos, porque não
conhecem senão em segunda instância, é consequente e claro que em primeira instância devem conhecer as
autoridades ordinárias, e por isso ojuiz recorrido se devia julgar competente e autonzado pela lei para conhecer. Esta é
a inteligência que àlei tem dado o estilo do foro.” Antônio Joaquim de Gouveia Pinto, juiz de primeira instância,
considerando que a sentença rescindenda fora proferida por tribunal superior, entendera que não estava autorizado
para decidir a questão e julgou-se incompetente. Na sentença, aludira ao Alvará de 30 de outubro de 1751, que
ordenava não se intrometessem os juizes inferiores a julgar, ou conhecer de negócios decididos ou julgados pelos
superiores tribunais, devendo remeter-lhes quaisquer embargos que se opusessem aos seus despachos e decisões.
Achava ser absurdo um juiz inferior haver por bem ou mal julgado o que julgara no superior legítimo, ou em Relação,
em que entra maior número de juizes e a lei supõe serem de maior saber e experiência. Mas a Relação de Lisboa não
aceitou tais argumentos: “Menos lugar tem a legislação apontada pelo juiz a quo na sua sentença, porque não é
aplicável às ações ordinárias rescisórias, mas sim aos recursos diretos por meio de embargos ou de revista, de que
unicamente trata”. Foi reformada a sentença e os autos reverteram ao juiz, para que conhecesse da ação e decidisse do
mérito. O erro foi lamentável.
Contraditoriamente, Pedro Lessa reconhecia: “Não há dúvida que julgar um juiz de primeira instância, reformando ou
anulando, ou, mais precisamente, declarando que é nula sentença de tribunal de instância superior, é violar o princípio
da subordinação hierárquica na judicatura”; mas, veementemente, também se insurgia contra a emenda do Regimento,
porque, ao seu ver, importaria postergação de princípios básicos: 1) “Estatuir, em regime do tribunal de segunda
instância, matéria estranha e descabida, pois o Regimento do Tribunal só pode encerrar normas concernentes à sua
economia interna, ou a transcrição de leis e regulamentos que o Tribunal julgue conveniente reproduzir no Regimento.
Nunca poderá conter normas de processo, contrárias às leis interpretadas pelo mesmo Tribunal, e muito menos regras
aplicáveis à primeira instância. Não se compreende, absolutamente, no regime de um tribunal de segunda instância,
um preceito ou um conjunto de preceitos que devem vigorar na primeira instância. 2) Violar o principio de direito
judiciário que serve de fundamento à instituição das duas instâncias, princípio que importa garantia para os direitos
das partes. Se a reforma do Regimento fosse feita no sentido de suprimir a segunda instância, certo que nenhum
litigante, a quem fosse contrária a decisão da primeira, deixaria de recorrer, considerando uma ilegal privação de
garantia a extinção do recurso. A eliminação da sentença de primeira instância não deixa de ser uma redução, ou,
antes, abolição de uma garantia de ordem pública. 3) Finalmente, infringir a Constituição federal, que no art. 59,
enumera os casos em que o Tribunal julga originária e privativamente, preceituando que em todos os demais decidirá
em segunda instância”. Concluía o defensor da velha praxe, já então em crise naquele Tribunal: “Em suma, o dilema é
este: ou violamos o princípio que não permite seja uma sentença de segunda instância reformada por um juiz de
primeira, ou violamos: 1, a regra fundamental incontestável de que o Regimento de um tribunal de segunda instância
não poderá encerrar preceitos aplicáveis à primeira instância e que importem reforma do direito judiciário; 2, o
princípio que garante às partes litigantes duas instâncias; 3, o artigo da Constituição federal que determina
expressamente os casos únicos em que este Tribunal julga originária e privativamente, prescrevendo que nas demais
espécies julgará em segunda instância. Eu prefiro ofender o primeiro princípio, a violar os outros. Parece-me que é
menos grave; muito menos. E por esses fundamentos voto contra a emenda ou reforma apresentada. A ação rescisória,
qualquer que seja a sentença rescindenda, deve ser processada e julgada na primeira instância, com recurso para a
segunda. Isto no estado atual do nosso direito, por cuja reforma nesta parte faço votos”.
O Ministro Enéias Galvão rebateu os argumentos de Pedro Lessa, lembrando o que se passava com a Justiça local do
Distrito Federal e entendendo que o contrário seria repelido pela ordem natural, por se não poder compreender que
decisão de justiça local, por exemplo, declare ofensivo das leis e da Constituição acórdão do Supremo Tribunal
Federal. Canuto Saraiva, que costumava votar de acordo com o julgado lisboeta, diante da nova orientação da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, achou oportuna a emenda. Os argumentos foram concisos, mas certos:
“A emenda não fere nenhuma disposição de lei. É verdade que a ação rescisória é uma ação, de fato, mas uma ação
muito especial, só cabível em casos restrita-mente expressos em lei. Uma vez que não vai de encontro a lei alguma,
não vê como se deixe de incluir no Regimento a emenda em debate. Fazendo-o, o Tribunal apenas consolida a
jurisprudência atual, ~ão excedendo de sua competência”. Punha-se em regra jurídica escrita a regra jurídica não
escrita.
As duas correntes não deram o exato valor ao princípio de hierarquia judiciária, fazendo ressaltar o princípio superior
de não submeter os julgados dos tribunais ao exame e, portanto, à crítica dos juizes inferiores. É de lamentar que os
chefes, de uma e de outra, partissem, um de premissa falsa e conclusão verdadeira, outro de premissa verdadeira e
conclusão errada. O Procurador-Geral reputava recurso a ação rescisória; Pedro Lessa, diante dos exemplos francês,
italiano e alemão, que não admitem a subversão hierárquia da decisão lisboeta, achava que em tais processos só existe
recurso e que sendo ação o remédio brasileiro e não recurso tinha ele de começar pelo juízo de primeira instância. O
estudo, que fizemos, em 1934, no livro A Ação Rescisória contra as Sentenças, evidenciou a sem-razão de se atribuir o
caráter de recurso aos remédios jurídicos alemães e italianos. Veremos em seguida que a conclusão de Pedro Lessa
não era de admitir-se.
A questão da inconstitucionalidade da emenda ao Regimento do Supremo Tribunal Federal foi levantada, alegando-se
que se lhe atribuía mais um caso, extraconstitucional, de competência irrecorrível. O art. 59 da Constituição de 1891 e
os arts. 59 e 60, alínea 2~, 1, do texto revisto em 1926, consignavam os casos de competência originária do Supremo
Tribunal Federal. Na regra de 1926 apenas se falou, e ainda, da competência para processar e julgar originária e
privativamente: a) o Presidente da República, nos crimes comuns, e os Ministros de Estado, nos casos do art. 52; b) os
Ministros diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade; c) as causas e conflitos entre a União e os
Estados-membros, ou entre esses, uns com os outros; d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a
União ou os Estados-membros; e) os conflitos dos juizes ou tribunais federais entre si ou entre esses e os dos Estados-
membros, assim como os dos juizes e tribunais de um Estado-membro com os juizes e os tribunais de outro. A
enumeração constituiu um dos argumentos para se não querer que o Supremo Tribunal Federal criasse competência
originária, qual a de julgamento das ações rescisórias. Conforme se viu anteriormente, já um, pelo menos, se lhe havia
conferido: o concernente aos crimes comuns dos juizes do próprio Supremo Tribunal Federal. Ao ministro, que tal
objeção fizera, nenhuma resposta lhe deram os contendores. As argumentações de M. 1. Carvalho de Mendonça
(DaAção Rescisória, 22-29), Jorge Americano (Da Ação Rescisória, 89-94) e alguns juizes, antes e após eles, de modo
nenhum convencem de que andasse errado o Supremo Tribunal Federal em corrigir o seu Regimento. Depois, uma vez
que a revisão constitucional nem sequer tocou no assunto, em foco na época em que a ela se procedeu, ficou afastado o
problema, e entendeu-se que tal competência foi acertadamente revelada e juridicamente assente pelo Supremo
Tribunal Federal, à semelhança do que ocorreu com o julgamento dos seus membros em crimes comuns, competência
que lhe veio de decreto anterior à Constituição de 1891 e da Lei de 1894. Foram duas regras jurídicas de devolução de
competência jurisdicional, à parte da letra da Constituição. Revelação judiciária de regra constitucional. A
Constituição de 1934 resolveu o novo caso, e assim ficou até o Código de 1939. Na Constituição de 1946, o art. 101,
1, k), fez da competência do Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento das ações rescisórias dos seus
acórdãos; e o mesmo principio adotou, no art. 104, 1, a), a respeito dos Tribunais Federais de Recursos. Nada estatuiu,
em todo ocaso, quanto às justiças locais. A situação, que se encontrava era a dos arts. 145, 1, e 801, do Código de
1939, mas ressaltava que o assunto pertence à lei de organização judiciária. Volveu-se, portanto, à posição do passado
quanto à legislação de iure condendo.
De lege lata, as Justiças vacilavam, por falta de texto. Alguns juizes se apegavam à conexão de causas, incabível na
espécie; outros, às razões de hierarquia judiciária; outros, a verdadeiras misturas desconexas de argumentos. Não havia
lei que previsse a hipótese. De certo tempo em diante, começaram as leis processuais locais, como, por exemplo, o
Decreto n0 9.263, de 28 de dezembro de 1911, art. 141, a regular a competência, e provavelmente a tendência para
subordinar a ação rescisória ao julgamento do juiz ou tribunal prolator acabaria por ser a solução única, em vez do
apego a simetria com os outros remédios processuais, pela consideração ingênua de que, sendo a ação rescisória
“ação” (no sentido de remédio processual), e não recurso, se impunha a passagem pela primeira instância. Esbarrava
tal assimilação forçada diante dos fatos constituídos pelas outras ações de competência primária dos tribunais
superiores. Por outro lado, o exemplo estrangeiro fortalecera a corrente contra a velha decisão lisboeta. Refugada a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e de alguns tribunais locais, que confirmavam o julgado português, aliás
errado na interpretação do explícito Alvará de 30 de outubro de 1751, e tornada definitiva a regra jurídica do
Regimento do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência não resistiu aos argumentos de se corrigir, dentro da própria
interpretação, o critério velho mas heterodoxo.
Na Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, a situação é a mesma de 1946, e foi assunto que antes versamos (arts.
119, 1, m), e 122, 1, a).
Quanto às sentenças dos juizes inferiores ao Tribunal de Justiça, entendia-se, de regra, que eles mesmos processavam
as ações rescisórias. O princípio manteve-se para os casos de sentença do Tribunal Federal de Recursos, se haveria
recurso e não se recorreu, ou se houve e foi afastado, preliminarmente, pelo Supremo Tribunal Federal.
(d) A ação rescisória suscita litispendência: o processo da ação do juizo rescindente é bastante para que se alegue a
litispendência noutro processo de rescisão de sentença que tenha o mesmo fundamento (= seja a mesma a

211 Const. 88, arrs. 102, I,j, e 105, 1, e.

ação); o processo da ação rescisória, quanto ao juízo rescisório, pode ser causa de exceção de litispendência, se,
rescindido o julgado, em vez de se aguardar que o tribunal rescindente julgue o rescisório, se propõe outra ação, e nele
pode ser apresentada exceção de litispendência se, rescindida a sentença, outro processo existe, ou, rescindida decisão
de superior instância, e. g., por infração de forma, o tribunal não pode entrar no juízo rescisório, por ter de ser
recontinuado o processo. Certa vez ocorreu, no foro do Distrito Federal, haver três sentenças sobre compra-e-venda de
prédio, com infração de direito em tese, não tendo sido alegada litispendência em qualquer delas, nem coisa julgada:
ao ser proposta a rescisão de duas delas, uma das partes opôs, quanto ao rescisório, a exceção de litispendência,
porque a primeira estava pendente de recurso e, rescindidas, que fossem, as duas outras, a litispendência do outro
processo, então em grau de recurso, ficaria sozinha.
2.Regras jurídicas sobre competência O Código de 1939, arts.144,1V, 145,1, e 801, veio põe claro, para todo o país,
as regras de competência. O Código de 1973 não teve a mesma explicitude. Já antes mostramos o que se passara.
Convém que ponhamos claros alguns pontos.
(a) Quando a sentença rescindenda foi proferida por juiz federal de primeira instância, de que haveria recurso
ordinário para o Supremo Tribunal Federal ou para o Tribunal Federal de Recursos, competente é, por força da
Constituição, o próprio juiz de primeira instância.
Nem a Constituição, nem o Código de 1973 se referem a ações rescisórias de sentenças em que haveria competência
recursal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Federal de Recursos, e recurso não houve,
ou dele não conheceu o tribunal para que se recorreu.
A ação rescisória, a que se refere o art. 493, 1, é a ação rescisória do art. 485. Não a ação rescisória do art. 486. A
competência, para essa, é do juízo em que se produziu o ato processual (cf. Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, 3 de outubro de 1947, R. F., 115, 159; ja Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, 6 de maio de 1947,R.dosT, 168,548;R.F., 114,155).
(b)Se o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, em recurso extraordinário, sobre a matéria da rescisória, dela não
pode mais conhecer o Tribunal de Justiça, porque rescisória, se houver, terá de ser do acórdão no recurso (Supremo
Tribunal Federal, 10 de maio de 1919; Corte de Apelação, 10 de outubro de 1928). Em todo caso, cumpre verificar,
precisamente, se a decisão do Tribunal abrange o que se traz como pressuposto da ação rescisória. O simples fato de
ter havido recurso de modo nenhum estabelece que a sentença haja sido substituida, confirmativa ou
reformativamente, pelo acórdão federal. Se ele apenas diz que não cabe o recurso, dificilmente se terá pronunciado
sobre pressuposto objetivo de ação rescisória. Seria contraditório.
Pode bem ser que no Supremo Tribunal Federal se haja julgado recurso extraordinário, e a) a decisão só se tenha
referido a ponto da sentença ou a pontos da sentença que não são aqueles ou não é aquele a respeito dos quais ou do
qual se propôs a ação rescisória, ou b) a decisão a propósito do ponto ou dos pontos que se discutem na ação rescisória
tenha sido a de que não houve, ou houve recurso extraordinário, e dele não se conheceu. Tanto na espécie a) como na
espécie b), não se estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal. O que importa é saber-se se o que se quer
rescindir é ou não é a decisão do Supremo Tribunal Federal. Pode acontecer que a mesma sentença haja de ser
rescindida em três juízos diferentes ojuizo de primeira instância, o juízo de superior instância e o Supremo Tribunal
Federal. O Supremo Tribunal Federal julga a ação rescisória do que ele decidiu, ainda que se trate de acórdão em que
se disse não caber recurso extraordinário. O tribunal superior (Tribunal Federal de Recursos213 ou Tribunal de Justiça)
julga a ação rescisória do que ele decidiu, ainda que se trate de acórdão seu de que disse não caber recurso. O Supremo
Tribunal Federal invoca o art. 119, 1, in), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1; o Tribunal Federal de
Recursos, o art. 122, 1, a); ou o Tribunal de Justiça, o art. 13, IX, § 10.214

O juízo de primeira instância julga a ação rescisória da sua sentença; na parte em que não foi substituida pela decisão
em via recursal, em se tratando de ações da competência recursal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Federal
de Recursos.216 Se a ação é da competência recursal do Tribunal de Justiça, tudo depende de se saber se foi mantida,
ou não, a regra jurídica deixada à lei de organização judiciária?17
Se houve recurso extraordinário e a matéria sobre que versa a rescisão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal, só
o Supremo Tribunal Federal é competente para conhecer e julgar da ação rescisória de sentença (ai,
213Leia-se Superior Tribunal de Justiça.214Const. 88, arts. 102, I,j, e 105, 1, e. O art. 125 náo trata da competência
dos tribunais estaduais para a ação rescisória, mas o art. 101, § 30, da Lei Complementar n0 35, de 14.03.79, prevendo
a criação de seções especializadas, lhes confere competência, na alínea e. para as ações rescisórias dos julgamentos de
primeiro grau, assim reconhecendo que essa ação é da competência originária do tribunal.215De modo algum. A ação
rescisória do art. 485 é processo da competência originária dos tribunais.Compete, todavia, ao juízo da primeira
instáncia processar e julgar a ação do art. 486, que ocomentarista também denomina rescisória.216Leia-se Superior
Tribunal de Justiça.

217 Vd.anota 2l4.

acórdão). Firmou-se no que dissemos a jurisprudência (e. g., as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, a 24 de junho de 1943; Tribunal de Apelação, a 27 de janeiro de 1944; Supremo Tribunal Federal, 11
de junho de 1945 (D. da J., de 6 de dezembro de 1 945)~ 5 de dezembro de 1958, relator Ministro Luís Gallotti: “Na
verdade, quando o Supremo Tribunal Federal houver decidido a causa, ainda que através da declaração de não ser
cabível o recurso extraordinário, seja no julgamento deste, seja no do agravo contra despacho que não o admitira, será
competente originariamente para o julgamento da ação rescisória, se esta tiver por objeto argUições formuladas
naquele recurso. Quando, porém, se alegar na ação rescisória matéria que não foi objeto do recurso extraordinário,
aquela ação, proposta contra o acórdão do tribunal local, será por este julgada originariamente. Esse entendimento é
hoje pacífico e, de acordo com ele, tem o Supremo Tribunal, em mais de um caso, devolvido os autos ao Tribunal
local, para que julgue a rescisória. E não discrepa a doutrina. Pontes de Miranda, no seu Tratado da Ação Rescisória,
que acaba de aparecer em 3a edição, aumentada, de 1957, depois de observar que, se o Supremo Tribunal já se
manifestou em recurso extraordinário sobre a matéria de rescisória, dela não pode mais conhecer o Tribunal de Justiça,
pondera que cumpre verificar, precisamente, se a decisão do Tribunal abrange o que se traz como pressuposto da ação
rescisória (374). E esclarece: Pode acontecer que a decisão do Supremo só se tenha referido a ponto da sentença ou a
pontos da sentença que não são aqueles ou não é aquele a respeito dos quais ou do qual se propôs a ação rescisória; em
tal caso, não se estabelece a competência do Supremo Tribunal; importa saber se é a decisão deste que se quer
rescindir”.
Havemos de interpretar o art. 493, II, como se não houvesse cerceado a escolha dos Estados-membros quanto à
concentração da competência para o processo e julgamento das ações rescisórias das decisões de primeira e de
superior instância, ou quanto à distribuição conforme o grau em que se proferiu a decisão.216
Discutiu-se no Tribunal de Justiça de São Paulo, e freqUentemente se discute em todo o Brasil, o caso de ação
rescisória em que o Supremo Tribunal Federal se haja pronunciado sobre o não-cabimento do recurso (se não é isso o
que se quer rescindir) e julgou-se bem, por unanimidade, pela competência da Justiça local, na espécie (Tribunal de
Justiça de São Paulo, 9 de maio de 1931, grau de embargos, 10 de julho de 1931, 9 de setembro

218 ‘Vd.as notas 2l4 c2l5.


de 1931; Corte de Apelação do Distrito Federal, 12 de abril de 1933). Havia regra jurídica no Código de Processo
Civil de São Paulo, art. 365, III, evidentemente feliz: “Não se pode reproduzir na ação rescisória matéria já arguida e
julgada pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário”. Supunha-se o ter sido decidida. Naturalmente, se a
causa de rescisão está no não conhecer do recurso, a rescisão é do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Aí, não se
vai contra a sentença recorrida, que transitou em julgado; vai-se contra a decisão de não-cognição.
(c) Não é impedido para o julgamento da ação rescisória o desembargador signatário do acórdão rescindendo, ou o juiz
prolator da sentença de primeira instância, convocado para o tribunal (1~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 20 de
dezembro de 1951, D. da J., de 21 de dezembro de 1953), ou ojuiz de tribunal de segunda instância, convocado para o
Supremo Tribunal Federal,219 salvo em se tratando de ação rescisória fundada no art. 485, 1 e II. No caso de
prevaricação, concussão ou corrupção, o juiz que éacusado não toma parte no julgamento da ação rescisória. Aí,
submeter-se ao juiz acusado o julgamento da ação rescisória, que no art. 485, 1 e II, se baseia, constituiria o mais
incoerente sentenciar em causa própria ao mesmo tempo que o postergamento de todas as regras jurídicas de
corrupção ou impedimento. Se, na ação, foram invocados dois diferentes pressupostos da rescisão, como o do art. 485,
1 ou II, e a falsa prova, ou a violação do direito em tese, o juiz que deve substituir o acusado somente poderá julgar a
ação na parte da prevaricação, concussão, corrupção ou impedimento. Não procedente, o prolator da sentença julgá-
la-á quanto aos demais fundamentos. Do contrário, seria dar à parte meio fácil de mudar o juiz, ou de tornar
impedidos juizes do tribunal julgador.
(d) O art. 119,1, m), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 ,221) atribui ao Supremo Tribunal Federal processar
ejulgar, originariamente, as ações rescisórias de seus acórdãos. Rescindido o acórdão, a sorte do julgado anterior é
dependente do que se pôs ou deixou no lugar. Se o acórdão concernia à prestação jurisdicional, entra no lugar dele que
se decidir (rescisão e rescisório) Aliter, se apenas dizia respeito à terminação do processo sem julgamento do mérito:
se a rescisão exaure o que se julgara,

219 Para substituição no Supremo Tribunal Federal, convocam-se, se necessário, ministros do


Superior Tribunal de Justiça. Não se elimine, contudo, a possibilidade de convocação de juizes de
tribunal de segunda instãncia, considerada no texto, bastando imaginar-se a hipótese dc impedimento
ou suspeição de todos do STJ. Sobre substituição nos tribunais por meio de convocação, o art. 118 da
Lei Complementar n0 35, de 14.03.79.
220 Const. 88, ars. 102, l,j.

ou se apanha tudo que se decidiu depois, tem de ser decidido o mérito, e não se pode fazer tábua rasa das regras
jurídicas sobre competência. A rescisão do acórdão que entendera não caber apelação para o Tribunal de Justiça,
embora tenha transitado em julgado a sentença de que se apelara, tem por eficácia permitir a apelação, isto é, atribuir
ao Tribunal de Justiça o julgamento em grau de recurso.
Se foi rescindido o acórdão que julgara prescrita a ação, o tribunal ou o juiz, que a julgara prescrita, tem de apreciar o
restante do mérito, porque só se rescindira o acórdão concernente àquela questão prévia. Se houve recurso
extraordinário, surgindo, após a coisa julgada, a ação rescisória, o Supremo Tribunal Federal só aprecia o que fora por
ele apreciado.
(e) O art. 122, 1, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, dá ao Tribunal Federal de Recursos o julgamento
das ações rescisórias dos seus acórdãos.22’ Tudo se passa como a respeito de (d).
(1) Se foi rescindido o acórdão do Tribunal de Justiça, em assunto que não apanha o que ojuiz julgara, mas implica
que não o poderiajulgar, tem-se de proceder ao julgamento no juízo competente para a ação em que se proferira a
sentença rescindenda. Esse juízo pode ser o próprio Tribunal de Justiça, se a decisão seria sua.
(g) Se foi rescindida a sentença de juiz, de que não houvera recurso, ou dele não se conheceu, o Tribunal de Justiça
pode julgar o recurso interposto da sentença rescindente e ordenar que o juiz julgue, conforme a espécie. Somente
julga se a rescisão afirma que não há ação, ou está prescrita a pretensão, ou a ação, ou que se terminara, sem
julgamento do mérito, o feito. Fora dai, é o juiz que tem de julgar.
(h) O art. 119,1, m), e o art. 122, 1, a),222 não regulam a ação rescisória de sentenças que, proferidas por juizes ou
tribunais, dos quais haveria recurso para o Supremo Tribunal Federal, ou para o Tribunal Federal de Recursos, não
foram objeto de recurso, ou dele não conheceu aquele ou esse tribunal. Tais sentenças são rescindíveis no juízo em que
foram dadas, com recurso para o tribunal federal competente. A competência recursal

221Const. 88, art. 105, 1, e, defere igual competência ao Superior Tribunal de Justiça.
222Referência a dispositivos da Const. 67 com a Emenda n0 1 de 1969, dos quais são correspondentes,
na Const. 88, os arts. 102. l,j, e 105, 1, e.
223Posição isolada de Pontes de Miranda, não acolhida nem pela doutrina nem pela jurisprudência. A
ação rescisória é processo da competência originária dos tribunais. Competente para ela, se proposta
para rescindir sentença, será o tribunal que teria competência para o recurso que da sentença se
interpusesse (salvo se a norma de organização judiciária dispuser o contrário, como, s’. g., se,
havendo Tribunal de Alçada e de Justiça, atribuir a este a competência para todas as rescisórias de
sentenças). Se proposta para rescindir acórdão, o próprio tribunal que proferiu o acórdão e, nele, o
órgão designado pela norma de organização judiciária, ou pelo regimento.
quanto à sentença rescindente é a mesma que existiria para a sentença rescindenda.
Art. 492. Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator delegará 2) a competência ao juiz de
direito da comarca onde deva ser produzida, fixando prazo de quarenta e cinco (45) a noventa (90) dias para a
devolução3) dos autos’).

1.Extensão da regra jurídica Posto que, no art. 492, se aluda a relator, o que supõe referência à organização judiciária
federal, o conteúdo processualístico da regra jurídica apanha também os juizes singulares estaduais, que sejam
competentes para processar e julgar as ações rescisórias das suas sentenças.224 Se a prova tiver de ser feita alhures,
qualquer que ela seja, o relator delega a competência para isso, ou ojuiz singularprecata, deprecata, outro juízo. Aí,
não há falar-se de delegação.
Surge, porém, a questão de se saber, tendo o Código de 1973 somente falado de ação rescisória de sentença como da
competência dos tribunais (Título IX, Do Processo dos Tribunais), se foi abolida a competência dos juizes singulares.
No art. 119, 1, m),225 a Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, diz-se que é da competência originária do Supremo
Tribunal Federal processar e julgar as ações rescisórias de seus julgados”. A propósito dos Tribunais Federais de
Recursos, o art. 122, 1, a),~26 estatui ser da competência originária processar e julgar “as ações rescisórias dos seus
julgados”. Pergunta-se: <,podia o Código de Processo Civil atribuir ao Supremo Tribunal Federal ou a Tribunal
Federal de Recursos a competência para julgar, originariamente, as ações rescisórias de sentenças proferidas por
tribunais inferiores ou por simples juizes singulares? O intuito do Código de 1973 foi esse, por ter metido no Título IX
a ação rescisória. Tratou a ação rescisória à semelhança dos recursos, a despeito da explicitude dos arts. 119, 1, m), e
122, 1, a), da Constituição. A solução é a de
atender-se ao Código de 1973, em se tratando de justiça estadual, cuja lei de organização judiciária entenda respeitar a
lei processual federal. Não, se a justiça é federal, para se não ferir o art. 119, 1, m), nem o art. 122, 1, a):
Se estadual, pode ser que a Constituição do Estado-membro haja repetido, a respeito dos seus tribunais, o que consta
da Constituição federal.

224 Vd. a nota 223.


225 Const. 88. art. 102. I.j.
226 Const. 88, art. 105, 1. e, quanto ao STJ.
227 Vd. as notas 225 e 226.
228 ‘Vd. as notas 225 e 226.

Todavia, como é raro acontecer que se intente ação rescisória de sentença de que não houve recurso, com decisão
confirmativa, ou alterante, ou de provimento do recurso, a competência cabe, quase sempre, ao tribunal que conheceu
do recurso e o julgou. E pena que não se houvesse previsto na Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, a ação
rescisória com fundamento no fato de ser arguida a prevaricação, a concussão ou a corrupção do juiz, porque então se
justificaria a apreciação pelo juízo coletivo.229

2.Precação ou delegação interna de funções judiciais Para que possa haver a precação ou delegação de funções de que
cogita o art. 492 épreciso: a) que a prova do alegado na petição inicial, ou na contestação, ou na reconvenção, ou em
algum.a exceção, dependa de depoimento, ou de exame pericial, ou de qualquer outra prova que alhures se há de
produzir; b) que se trate de ação rescisória proposta perante tribunal ou em recurso de acórdão em ação rescisória. O
texto de 1939 somente falava de prova testemunhal ou de exame pericial, mas havíamos de entender que a regra
jurídica também concernia aos depoimentos de parte, que tinham de ser tomados alhures, e as outras provas. Dai a
interpretação que déraínos ao art. 801, ~ 30 do Código de 1939, e hoje consta, sem limitações, do art. 492 do Código
de 1973.
O prazo marcado é o prazo razoável, ajuizo do tribunal. A prova de ter havido força maior incumbe ao juiz delegado.
Os incidentes no exercício da função delegada são de cognição do juiz delegado, com o recurso de agravo de
instrumento, se os pressupostos desse recurso se compõem.

3.Prazo para a devolução O art. 492 não se satisfez com deixar ao juízo deprecante ou delegante a fixação do prazo, a
seu arbítrio. Há de ser de quarenta e cinco a noventa dias, sem se poder diminuir ou aumentar, se bem que possa o
deprecante ou delegante informar que há urgência, como se há razão para se temer a morte da parte ou da testemunha.
O prazo máximo tem de ser respeitado, rigorosamente, pelo juiz delegado ou deprecado.

Art. 493. Concluída a instrução’), será aberta vista, stícessivam ente, ao autor e ao réu, pelo prazo de dez (10) dias,
para razões finais. Em seguida, os autos subirão ao relator, procedendo-se ao julgamento:
1 no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Federal de Recursos, na forma dos seus regimentos internos2);
II nos Estados 3), conforme dispuser a norma de organização judicia ria.

1.Conclusão da instrução e prazo para razões finais O art. 493 refere-se ao procedimento em superior instância. A
ação rescisória pode ser julgada no juízo singular. Tem-se de atender ao que se estabelece para as
ações ordinárias em geral: há a petição inicial, a resposta do réu, com a contestação e as exceções (e. g.,
incompetência, impedimento, suspeição) 231 As regras jurídicas sobre revelia incidem. Pode dar-se que o tribunal
atenda ao art. 330, proferindo, desde logo, a decisão, se a questão relativa à rescisão da sentença é unicamente
quaestio iuris, ou se, sendo de direito e de fato, não há necessidade de produção de prova na audiência, ou se ocorre
revelia.
Se ocorre alguma das hipóteses que se prevêem nos arts. 267 e 269, II-V, declara-se extinto o processo. Quanto às
provas, a instrução e o julgamento, tem-se de respeitar os arts. 332-457.

2.Supremo Tribunal Federal e Tribunal Federal de Recursos -- -


Os Regimentos Internos têm de estabelecer o que é necessário ao processo das ações rescisórias, sem que possa referir
ao procedimento em inferior instância.

3. Estados-membros Os Estados-membros podem, na lei de organização judiciária, regular o processo das ações
rescisórias, nos tribunais, deixando parte das regras jurídicas ao Regimento Interno do Tribunal de Justiça, e nos juízos
singulares,233ou só admitirem ações rescisórias em tribunais de Justiça ou outros tribunais, como os de Alçada. Diante
da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, arts. 119, 1, mmm), e 122, 1, a), há dois planos de competência,
conforme a origem da sentença trânsita em julgado: o da competência do Supremo Tribunal Federal ou o do Tribunal
Federal de Recursos,233 e dos juizes singulares.236

230Vd. a nota 223


231As exceções de incompetência, impedimento ou suspeição processam-se na forma do regimento do
tribunal onde foi proposta a ação rescisória (art. 265, § 4’, última parte). O prazo para a exceção é o
regimental. Omisso o regimento, aplica-se ao CPC, cujas regras incidem quanto aos efeitos da
exceção.
232Leia-se Superior Tribunal de Justiça, ou Tribunais Regionais Federais. A referência ao extinto TFR
subsiste por mero e irrelevante esquecimento do legislador.
233Vd. a nota 223.
234Const. 88, arts. 102, 1,]. e 105, 1, e.
235Vd. a nota 232.
236Vd. a nota 223.
Art. 494. Julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença 1)2), proferirá, se for o caso6)7)8), novo
julgamento e determinará a restituição do depósito; declarando inadmissível ou improcedente a ação, a importância
do depósito reverterá a favor do réu sem prejuízo do disposto noa art. 20 3)4)5)9)•

1.Julgamento da ação rescisória (a) No julgamento da ação rescisória, primeiro se apreciam os pressupostos pré-
processuais e processuais da própria demanda rescisória. Somente após é que se passa ao mérito. Então, o que
pertenceu aos pressupostos pré-processuais e processuais da demanda em que se proferiu a sentença rescindenda
precisa ser alegável como mérito da ação rescisória. A demanda rescisória precisa ter satisfeitos todos os pressupostos
pré-processuais e processuais para que se lhe possa julgar o mérito. Esse mérito é o julgamento da sentença que se
proferiu na ação em que se deu a sentença rescindenda. Tal sentença pode não ter julgado mérito. Ainda aí ela é objeto
do mérito da ação rescisória.237

(b) Quando a ação rescisória é baseada em dois ou mais pressupostos do art. 485, ou a ação rescisória de sentença
proferida em ação rescisória se baseia em dois ou nos três pressupostos do art. 485, 1, II, IV e VI, tem-se de adotar
ordem dos julgamentos. Primeiro se aprecia o que se referir a pressupostos pré-processuais ou processuais de demanda
de cuja sentença se pede a rescisão; depois, o que se prende a mérito. O art. 485,1 e II, contém três fundamentos
diferentes: prevaricação, concussão, cormpçáo, impedimento e competência absoluta, devendo esse vir em primeiro
lugar, depois do impedimento e, finalmente, o da prevaricação, concussão ou corrupção. Se a alegação de violação de
lei (art. 485, V) se refere a regra jurídica concernente à admissão da demanda, por ser sobre pressuposto pré-
processual ou processual, fora dos que mencionam no art. 485, 1 e II, tem de ser apreciada antes de se apreciar a
alegação de ofensa à coisa julgada. Somente após essa é que se examina a afirmação de ser falsa a prova, ou de ter
havido dcci são que a declarou falsa, cru juízo criminal.
As mesmas distribuições hão de ser observadas no julgamento da ação rescisória de sentença proferida em ação
rescísona.

(c) Se a sentença, na ação rescisória, rescinde a sentença cuja rescisão se pediu, tem-se de verificar a que ponto e até
onde a decisão rescisória

237 Como antes assinalado, só da sentença de n1~rito se admite a ação rescisória, veja-se o c~-iput
do art. 485.
atinge tal sentença, e fixar-se o que, com a rescisão, cai no processo da ação em que se proferiu a
sentença rescindida.

a) Se a sentença rescindida foi sentença de inadmissibilidade da demanda, ou por falta de pretensão à tutela jurídica
(incapacidade de ser parte, indemandabilidade de prestação futura, desnecessidade da tutela jurídica), ou de
pressuposto processual, a rescisão faz admissível a demanda, que tem de continuar, na instância em que se proferiu a
decisão rescindida.235 Se a sentença que se quer rescindir somente foi de admissão da demanda (art. 485,1,11,1V e V),
a rescisão tem a eficácia desconstitutiva, sem que se possa pensar em juízo rescisório.239

b) Se a sentença, na ação rescisória, rescinde sentença que julgou questão prejudicial, que foi acolhida como matéria
de defesa, sem se poder prosseguir no julgamento do mérito, a eficácia sentencial da rescisão é a de permitir que,
desprezada ou afastada a preliminar, se prossiga no julgamento do mérito. Se a sentença rescindente desconstitui a
decisão que repeliu a questão prejudicial, por inadmissível, ou por ser sem fundamento, passa-se a julgar a questão
prejudicial, ou se julgar fundada a alegação, e nada mais há por fazer-se, salvo se a questão prejudicial fora levantada
pelo que é autor da ação rescisória. 24<)
Ao julgar-se a ação rescisória, tem-se de decidir quanto ao depósito dos cinco por cento do valor da causa, que o autor
fizera. Ou a quantia é restituida ao autor, ou aos autores, ou reverte em benefício do réu, ou dos réus. Há, aí, dever dos
juizes, pois não é preciso que tenha havido qualquer requerimento da parte, ou das partes. Ou a ação rescisória é
julgada procedente, ou improcedente, isto é, se tinha razão o autor, ou se não tinha, ou se tinham razão ou autores, ou
se não tinham. Está em causa o iudicium rescindens, a razão para a rescisão, ou a falta de razão; e não o iudicium
rescissori um. A decisão rescindente é constitutiva negativa; se foi julgada improcedente, apenas declarativa
negativa: não havia o direito, a pretensão e ação a rescindir-se a sentença (É erro dizer-se que, se houve julgado de
improcedência, se declarou a “anulação”. Anulação não se declara; e a sentença na ação rescisória, se a tem por
improcedente, rescinde, não anula. O assunto nada tem com a validade.)

238 vd.anota237.239Não se conhece sentença (sei. 162, § l~) somente de admissão da demanda porque a
sentença que a admitir tambêm lhe julgará o mérito.244)Vd. a nota 237.

O depósito é entregue ao autor, em restituição, sem se ter de pensar em que é que vai ocorrer no iudicium
rescissorium. Pode acontecer que a nova sentença seja igual à anterior, salvo, evidentemente, em hipóteses como as do
art. 485, V (violação de direito em tese) e IX (erro de fato).
Há o art. 488, II, onde, a respeito da perda do depósito dos cinco por cento pelo autor, dita a tftulo de multa, se fez
pressuposto para a reversão a favor do réu, ou dos réus, ter havido unânime votação quanto à declaração negativa. Não
se fala disso no art. 494, porém não pode ser interpretado sem se volver ao art. 488, II. Tal requisito da unanimidade
foi fruto da emenda que se fez ao Projeto. Assim, se foi julgada inadmissível ou improcedente a ação rescisória por
maioria, mesmo absoluta, a falta da unanimidade afasta qualquer ensejo para a perda a tftulo de multa. Com isso, o
Código de Processo Civil achou que não devia punir quem propôs e perdeu a ação rescisória, mas algum juiz ou
alguns juizes achavam que ele tinha razão para o pedido.241
Pergunta-se: a) Se a decisão na ação rescisória não foi unânime, mas houve recurso, e no julgamento do recurso a
unanimidade dos votos foi pela inadmissibilidade ou improcedência, há a perda a favor do réu ou dos réus? b) Se foi
unânime a decisão que disse inadmissível ou improcedente a ação rescisória, mas, na ocasião de se julgar o recurso,
não houve a unanimidade, a perda a favor do réu, ou dos réus? c) Se a decisão de competência originária foi favorável
ao autor, mas na de competência recursal foi unânime a declaração de inadmissibilidade, ~,há a perda a favor do réu,
ou dos réus? Quanto a a), a resposta é afirmativa: o autor ou os autores sofrem a pena de multa. Quanto a b), não: ao
autor ou aos autores é restituida a quantia depositada. Quanto a c), evidentemente, sim: o autor ou os autores perdem o
depósito.
Se a ação rescisória foi julgada procedente só em parte, como se foi proposta contra os enunciados a, b e c da
sentença, e foi unanimemente julgada inadmissível ou improcedente quanto a b, ou quanto a b e c, tem-se de atender a
que o valor da causa foi atingido e foi ele que serviu de base à percentualidade. Se a a correspondeu um terço do valor,
a b a metade do valor e a c um sexto, e o autor ou autores só tiveram decisão desfavorável quanto a b, o autor ou
autores perdem a metade dos cinco por cento postos em depósito; se só tiveram decisão desfavorável quanto a c, só um
sexto. Admita-se que é requisito essencial para a multa ou perda do depósito ou parte do depósito a votação unânime.

241 Se o julgamento de inadmissibilidade ou improcedência não for unânime, não cabe a entrega do depósito ao réu,
ainda que isso ocorra em embargos infringentes, em embargos de divergência, ou em embargos dc declaração, quando
a estes se conferem efeitos

A perda a favor do réu ou dos réus, mesmo a total, nada tem com o pagamento das despesas antecipadas, nem dos
honorários advocatícios (arts. 494 e 20). Nem o autor ou autores, que perderam a ação sem ser unânime o julgado,
podem cogitar de escapar ao art. 20.
Trânsito em julgado o acórdão, ou o depósito vai ao réu ou aos réus, ou se devolve ao autor ou aos autores, ou logo na
decisão se ordenou o mandado de retirada, der guia contra a retirada.242
2. Recursos Os recursos são os comuns: da sentença definitiva cabe apelação, se a ação rescisória correu na justiça, de
primeira instância, excepcionalmente,243 embargos infringentes do julgado, se foi processada na instância superior
local ou federal (quanto à instância superior local, 2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 17 de julho de 1945, R.
.F., 107,408), mas dizer-se outro nome não constitui erro grosseiro, í a Turma, 6 de agosto de 1945, 105, 506; se os
embargos não foram opostos, a decisão não é de única ou última instância para o efeito da interponibilidade do recurso
extraordinário, 2~ Turma, 29 de janeiro e 22 de abril de 1946, O D., 39, 280 e 41,411, R..F., 110, 68; quanto aos
tribunais federais, idem. O art. 530 do Código de 1973 foi explícito quanto a embargos infringentes em caso de ação
rescisória na superior instância.
A embargabilidade da decisão em ação rescisória processada na instância superior independe da câmara, turma, ou
plenário que a proferiu (Supremo Tribunal Federal, 6 de abril de 1946, A. J., 83, 187).
São permitidos embargos de declaração e embargos infringentes do julgado (Tribunal de Apelação do Ceará, 10 de
abril de 1944, R. de D., 148, 300; Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 3 de janeiro de 1944, D. da J. de 8 de
dezembro, 5697); o recurso extraordinário, se cabe.2~ Se o rescisório foi julgado por outro tribunal que o competente
para o juízo rescindente, não há a limitação de recursos no tocante a acórdão do Supremo Tribunal Federal. Outrossim,
suando, rescindido o julgado, cabe rejulgar-se a causa, no juízo originário.2 Errados, os acórdãos das Câmaras Cíveis
Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 19 de julho de
242Texto obscuro, ininteligível na última proposição cujo sentido apenas se intui. Ainda assim, nãoo alterei, diante do
reiterado propósito de preservar a incolumidade da obra.243\‘d. a nota 223.244Idem, o recurso especial e os embargos
de divergência (Const. 88, art. 105, III. e CPC, art. 546,na redação do ati. 20 da Lei n0 8.950, de 13.12.94).245Aliter, o
art. 494: o próprio tribunal da ação rescisória proferirá novo julgamento (de mérito. jáque uma sentença de mérito é.
conforme o art. 485, condição específica da ação rescisória, nada obstante a opinião do comentarista, atrelada ao
código anterior, não seguida nem pela doutrina nem pela jurisprudência).
1941, A. J., 59, 379, e a 6 de novembro de 1941, A. .1., 62, 133, que não admitiram embargos infringentes do julgado.
As leis de organização judiciária é que têm de se afeiçoar ao Código de Processo Civil, e não o Código de Processo
Civil às leis de organização judiciária (Certos, o Supremo Tribunal Federal, a 20 de abril de 1942, A. J., 63,346, e 19
de maio de 1942, A. J., 63,352; a 2~ Turma, a 28 de julho de 1942, A. J., 64, 189; e o Tnbunal de Apelação do Distrito
Federal, a 30 de julho de 1942, D. da J. de 8 de agosto, 2745; e a 3 de janeiro de 1944, D. da J. de 8 de dezembro,
5696).

Em processo de ação rescisória, qualquer que seja a decisão não unânime, na superior instância cabem embargos
infringentes do julgado. Pressuposto comum é apenas o não ser unânime a decisão no recurso. Se foi unânime, os
embargos infringentes do julgado são recursos inadmissiveis, cf. art. 530.

3.Recurso extraordinário e ação rescisória Problema assaz delicado é o do se saber se de decisões proferidas na ação
rescisória cabe recurso extraordinário, se não se trata do decisum sobre a rescisão.247 Antes de referirmos acórdão da
2~ Turma do Supremo Tribunal Federal a 4 de junho de 1947 (D. da J. de 22 de setembro de 1947), atendamos a que:
(a) o processo da ação rescisória é outro processo, durante o qual podem ocorrer pressupostos para interposição de
recurso extraordinário e, até, para a propositura da ação constitutiva negativa do art. 486; (b) quanto ao mérito, a) a
decisão rescindente põe solução necessariamente diferente da que se deu na ação a que corresponde a sentença
rescindenda, e é irrecusável que se pode interpor recurso extraordinário, sempre que se lhe componham pressupostos;
mas, pergunta-Se, b), ~no em que se nao rescíndiu a sentença, ou se a decisão é desfavorável ao autor, não se pode
admitir recurso extraordinário, porque de há muito necessariamente há mais de

246 Não unanime o acórdão, admitem-se os embargos infringentes atnda quando a ação rescisória haja sido
julgada pelo tribunal na sua composição pletsilria. Neste caso, os embargos serão recurso reiterativo, que
permite a retratação pelo próprio órgão prolator do aresto recorrido. O relator nunca será o mesmo, como se
extrai, a forriori, do parágrafo único do art. 533 (redação do art. 10 da Lei n0 8.950, de 31.12.94), onde se
determina que a escolha dele recaia, quando possível, em juiz que não haja participado do julgamento da
apelação ou da ação rescisória.
247 Do acórdão que julga a ação rescisória, seja terminativo, seja definitivo, bem como do acórdão,
proferido em agravo regimental da decisão individual do relator quanto á extinção do processo, cabem o
recurso extraordinário, o especial, ou ambos, atendidos os pressupostos específicos dos arts. 102, III, e 105,
III, da Const. 88 e os genéricos, relativos à admissibilidade dos recursos em geral. Também se admite, em
tese, a interposição dos dois recursos de qualquer acórdão proferido ao longo do processo da ação rescisória.
como, s’.g., o que decidisse incidente de impugnação ao valor da causa, ou julgasse agravo regimental de
alguma decisão do relator.
248 Cf. a nota 247.
dois anos se implantara a coisa julgada, que resistiu, ex hypothesí, a tentativa de rescisão? O assunto merece exame
profundo. O acórdão da 2a Turma, de que acima se falou, apenas cogitou de alguns exemplos de (b), b): “Sendo,
assim, a ação rescisória com conteúdo próprio, o recurso extraordinário sobre ela somente pode versar matéria
referente à rescisória, e não se voltando à relação de direito cuja soluçao provocou a rescísorla como no caso,
inverossímil mas possível de entender que, apesar de estar violada a lei, não cabe ação rescisória, ou não cabe, apesar
de se tratar de juiz subordinado ou suspeito; enfim, quando se censura a lei sobre ação rescisória, aí caberá recurso
extraordinário desta. Do contrário, a parte poderia de sentença vuíneradora da lei manifestar recurso extraordinário e
ação rescisória; teria dois ensejos de apreciar a matéria da ofensa da letra da lei: na ação rescisória própria e, depois,
no recurso extraordinário, em outra instância, onde se voltariam a discutir os próprios termos do primitivo
julgamento”. A decisão, certa em alguns pontos, tem o defeito de baralhar as espécies (a) e (b), a) e (b), b).
Quanto a (a), desde que se compõem os pressupostos do recurso extraordinário, ainda que se repita a questão
levantada na ação a que corresponde a sentença rescindenda e tenha havido recurso, inclusive recurso extraordinário,
porque se trata de outra relação jurídica processual a respeito da qual nenhuma coisa julgada formal do outro
processo pode ter qualquer significação, inclusive se a ação rescisória é por infração de regra jurídica processual. A
nova infração, durante o procedimento da ação rescisória, é outra infração. Se, ao rescindir a sentença, a decísao
rescíndente comete infração de lei, há recurso extraordinário.249 Há problema, surgido com o Código de 1973, que
merece profundo exame para que se não volva ao passado, cuja regra jurídica agora está apagada. No Código de 1939,
o art. 799 limitava a proponibilidade da ação rescisória de sentença proferida
em outra ação rescisória quando se verificasse “qualquer das hipóteses previstas no n0 1, letras a e b, ou no caso do n0
II do artigo anterior”.250
Apenas se afastou, então, a rescindibílidade por ser a sentença “contra literal disposição de lei”. Com base nesse texto,
que se apagou totalmente,
não se admitia na ação rescisória recurso extraordinário por ofensa ao direito

249 Sob a Const. 88, a referência seria ao recurso especial.


250 Desapareceu do atual CPC a regra do art. 799 do código anterior. Cabe ação rescisória de
acórdão que julgou ação rescisória, e assim sucessivamente, desde que o acórdão que se quer
rescindir (ele próprio e não o aresto objeto da ação rescisória por ele julgada) se enquadre em algum
dos casos do art. 485.

em tese. Hoje, acertadamente, não mais se limitou o cabimento da ação rescisória, a ponto de poderem os juizes
rescindentes e rescisórios violar a lei, sem se poder exercer a pretensão à rescisão ou ao recurso extraordinário,
conforme o art. 119, III, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 ~
No que se refere ao mérito, a decisão proferida na ação rescisória, que não seja negando a rescisão no ponto de que se
trata, é outra decisão noutro processo, porque se abre ex hypothesi, com ela, a coisa julgada formal, e tudo é já noutro
plano. De tal decisão pode interpor-se recurso extraordinário, mesmo porque poderia caber ação rescisória se a decisão
tivesse sido em recurso extraordinário. Por exemplo: a sentença rescindenda afirma que à posse são de mister o corpus
e o animus; a sentença rescindente rescinde-a por se entender que o Código Civil brasileiro abstraiu do animus~ há o
recurso extraordinário de tal decisão, proferida na ação rescisória. O Supremo Tribunal Federal poderá dizer,
julgando-o, que o Código Civil brasileiro abstraiu do corpus e do animus.252
Se a decisão, na ação rescisória, é no sentido de não rescindir ojulgado, há o recurso da sentença desfavorável, porém
não o recurso extraordinário, porque se encontra a coisa julgada formal que a decisão não rompeu.253 Salvo se distinta
a questão suscitada, isto é, peculiar à sentença rescindente.
Pode acontecer que sobre o ponto que se discute em recurso não assente o fundamento da ação rescisória, tendo a
sentença transitado em julgado sobre os outros. Então, o recurso é sobre a matéria estranha à ação rescisória (cf.
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 6 de junho de 1946, R. de J. B., 81, 88).
Cabe recurso extraordinário de sentença proferida em ação rescisória se há violação dos pressupostos da ação
rescisória (28 Turma do Supremo Tribunal Federal, 5 de novembro de 1946, R. F., III, 429), ou se no decisum do
iudicium rescissorium se compõe alguma das espécies do art. 119, III, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,
estranha ou não às propostas do decisum na sentença rescindenda.254

251 Vd. os arts. 102,111, e 105,111, da Const. 88.


252 Sob a Const. 88, o exemplo seria relativo ao recurso especial e não ao extraordinário, que tem
por pressuposto questão constitucional.
253 o acórdão, que julga a ação rescisória, dá pela improcedência do pedido de rescisão, o limitado
efeito devolutivo do recurso extraordinário ou do recurso especial, que dele se interpusesse, impediria
o STF ou o STJ de, provendo o recurso para desconstituir o acórdão rescindendo, proferirem também
o juízo rescisório. Para esse fim, a causa deve voltar ao tribunal de origem. O acórdão que contivesse
o judícium rescissoríum seria igualmente impugnável por embargos infringentes, se apenas
majoritário, e por recurso extraordinário ou especial, conforme houvesse questão constitucional ou de
direito federal.
254 Na Const. 88, a referência seria ao recurso especial do art. 105, III.

A respeito de ação rescisória, tem-se de distinguir o que se passou a) na relação jurídica processual em que foi
proferida a sentença rescindenda e o que se passou b) na relação jurídica processual em que se pede a rescisão. Não
pode haver recurso extraordinário, na relação jurídica processual b), quanto ao que se passou na relação jurídica
processual a). Seria entrar-se na relação jurídica processual extinta (ex hypothesi, a sentença rescindenda transitou em
julgado e ação rescisória é ação contra a res iudicata) para se admitir recurso extraordinário. Se a sentença ou qualquer
decisão na relação jurídica processual b) deixa intacta a decisão proferida na relação jurídica processual a), ainda que
só a reproduza, argumentando (= não a rescinde quanto ao ponto examinado), não seria possível deixar-se de admitir o
recurso extraordinário (cp. 28 Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de junho de 1947, R. F., 116, 121). Na relação
jurídica processual b) pode ocorrer o que perfaça algum dos pressupostos do art. 119, 111:255 não se poderia negar o
cabimento do recurso extraordinário. Se é no tocante a algum dos pressupostos que ocorre a infração corrigível pelo
recurso extraordinário, é evidente que se tem de abstrair do que se passou na relação jurídica processual a), pois ou se
julgue procedente ou se julgue improcedente a ação rescisória a decisão sobre a matéria é a decisão na ação
rescisória, julgamento de julgamento. Porém não se pode dizer que somente em tais casos se componha pressuposto do
recurso extraordinário. A infração pode ser a outros respeitos, como se a decisão é terminativa do feito sem julgar o
mérito, ou se julga precluso o prazo da ação rescisória, ou se reputa ilegítima, processual ou materialmente, a parte,
autor ou réu, ou se deixou de admitir recurso, ou se admitiu recurso que não cabia. Na jurisprudência da 28 Turma do
Supremo Tribunal Federal, a 6 e a 10 de junho de 1947 (R. F., 115, 115) e 4 e 8 de julho de 1947 (R. F., 115, 458; A.
J., 86, 132), afirmou-se que só a infração dos arts. 485 e 486 correspondentes aos arts. 798, 1 e II, e 800, pará~rafo
único, do Código de 1939, pode dar causa a recurso, extraordinário,25 mas o erro salta aos olhos e fere fundo o direito
processual civil.

4. Recursos nos processos de ação rescisória Cabem das decisões finais em ações rescisórias, se em acórdãos, os
embargos de declaração, os infringentes e o recurso extraordinário.257 Quanto às sentenças, de que não

255 Falecido antes do advento da Const. 88, o saudoso comentarista não se refere ao recurso especial,
instituído no art. 105, III, na nova carta, como hoje faria.
256 Sob a Const. 88, o recurso por contrariedade á lei federal seria o especial (art. 105, III) e não o
extraordinário, este reservado a questões constitucionais (art. 102, III).
257 Ou o recurso especial, manifestado simultaneamente com o extraordinário, se o recorrente interpuser
ambos.

cogitou o Código de Processo Civil, temos de atender a que não se pode com textos de lei processual emendar o que
está na Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, cujos arts. 119, 1, m), e 122, 1, a),255 só fizeram de competência
originária as ações rescisória ‘ide seus julgados”.
Para que caibam embargos de declaração o pressuposto é apenas o de haver obscuridade, dúvida ou contradição, ou ter
sido omitido ponto sobre o qual devia ter-se pronunciado o tribunal (art. 535, cf. arts. 463,11, e 464).259 Para a
oposição de embargos infringentes é preciso que não tenha sido unânime o julgamento da procedência, ou da
inadmissão ou improcedência da ação rescisória (art. 530). O pressuposto tanto é relativo à decisão de admissibilidade,
quanto à do iudicium rescindens ou à do iudicium rescissoriumn. Se no tocante a determinado ponto ou a
determinados pontos da matéria houve divergência, há restrição parcial (art. 530, 2~ parte), O processo dos embargos
infringentes é o dos arts. 53 1-534.

Para a interposição do recurso extraordinário é preciso que ocorra um dos fundamentos que a Constituição de 1967,
com a Emenda n0 1, art. 119, III, aponta.26<> No parágrafo único do art. 119 estatuiu-se que “as causas a que se refere
o item III, alíneas a e d” são indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no Regimento Interno, que há de atender “à sua
natureza, espécie ou valor pecuniário”. No art. 308 do Regimento Interno diz-se: ‘Salvo nos casos de ofensa à
Constituição em discrepância manifesta da jurisprudência predominante no Supremo Tribunal Federal, não caberá o
recurso extraordinário, a que aludo o seu art. 119, parágrafo único, das decisões profendas:
IV nas causas cujo benefício patrimonial, determinado segundo a lei, estimado pelo autor no pedido, não exceda, em
valor, de sessenta vezes o maior salário-mínimo vigente no País, na data de seu ajuizamento, quando uniformes os
pronunciamentos das instâncias ordinárias; e de trinta, quando entre elas tenha havido divergência, ou se trate de ação
sujeita a instância unica.
Cabem embargos infringentes quando não foi unânime o julgado na ação rescisória. Se o desacordo foi parcial,
restringidos estão os embargos

258 Const. 88, arts. 102, I,j, e 105, 1, e.


259 A reforma do Código de Processo Civil ab-rogou o art. 464 e suprimiu a palavra dúvida do
inciso
1 do art. 535, que disciplina os embargos declaratórios em todas as instáncias (arts. 1” e 30 da Lei n0
8.950, de 13.12.94).
260 A Const. 88, art. 102, III, tornou obsoleto tudo o quanto se diz neste parágrafo dos comentários,
que só não foi suprimido pelo propósito de se preservar a inteireza da obra.
261 ‘Vd.a nota 260.

à matéria objeto da divergência (art. 530). Portanto, se a decisão foi unânime, então é interponível o recurso
extraordinário: - Se não foi, primeiro se hão de opor os embargos infringentes de cuja decisão pode ser interponível o
recurso extraordinário.263 O que acabamos de dizer se refere assim ao iudicium rescindens como ao iudicium
rescissorium. (É óbvio que de modo nenhum se pode pensar em ainda haver recurso da sentença rescindenda.)
Depois do trânsito em julgado da decisão da ação rescisória, contra ela somente há a proponibilidade da ação
rescisória da decisão proferida na anterior ação rescisória.

5.Particularidades devidas à instância em que se proferiu a sentença rescindida (a) O art. 119, 1, n~), da Constituição
de 1967, com a Emenda n0 1, atribui ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, as ações
rescisórias de seus acórdãos.2~ Repitamos: com a rescisão, a sorte do julgado anterior é dependente do que se pôs ou se
deixou no lugar. Se o acórdão concemia à prestação jurisdicional, entra no lugar dele o que se decidir (rescisão e
rescisório). Aliter, se apenas dizia respeito à terminação do processo sem julgamento do mérito: se a rescisão exaure o
que se julgara, ou se apanha tudo que se decidiu depois, tem de ser decidido o mérito, e não se pode fazer tábua rasa
das regras jurídicas sobre competência. A rescisão do acórdão que entendera não caber apelação para o Tribunal de
Justiça, ou para o Tribunal Federal de Recursos, embora tenha transitado em julgado a sentença de que se apelara, tem
por eficácia permitir a apelação, isto é, atribuir ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal Federal de Recursos265 o
julgamento em grau de recurso. O Supremo Tribunal Federal não poderia, aí, julgar o feito em juízo rescisório.
Estamos a reproduzir o que antes dissemos.

Se foi rescindido o acórdão que julgara prescrita a ação, o tribunal ou o juiz, que a julgara prescrita, tem de apreciar o
restante do mérito, porque só se rescindira o acórdão concernente àquela questão prévia. O Supremo Tribunal Federal
só aprecia o que fora por ele apreciado.

262 Ou o recurso especial, se o acórdão se enquadra numa das três alíneas do art. lOS, III. da Const.88.
263 vd. a nota 262.
264 A Const. 88 dá essa competência ao STF e ao STJ (arts. 102, I,j, e lOS, 1. e).
265 Na Const. 88, a referência do texto seria aos Tribunais Regionais Federais (art. 108, II).

(b)O art. 122, 1, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, dá ao Tribunal Federal de Recursos o julgamento
das ações rescisórias dos seus acórdáos.2~ Tudo se passa como a respeito de (a).
(c)Se foi rescindido o acórdão do Tribunal de Justiça em assunto que não apanha o que o juiz julgara, mas implica que
não o poderia julgar, tem-se de proceder ao julgamento no juízo competente para a ação em que se proferira a sentença
rescindida. Esse juízo pode ser o próprio Tribunal de Justiça, se a decisão seria sua.
(d)Se foi rescindida a sentença do juiz, de que não houvera recurso, ou dele não se conhecera, o Tribunal de Justiça
pode julgar ou ordenar que ojuiz julgue, conforme a espécie. Assim, julga, se a rescisão afirma que não há ação ou está
prescrita a pretensão, ou a ação, ou que se terminara, com julgamento do mérito, o feito. Fora daí, é o juiz que tem de
julgar. Tínhamos de repetir esses pontos, para chegarmos à questão.
(e)Não é competente o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal Federal de Recursos, para ação rescisória de sentenças
que, proferidas por juizes ou tribunais, das quais haveria recurso para o Supremo Tribunal Federal, ou para o Tribunal
Federal de Recursos, não foram objeto de recurso, ou dele não conheceu aquele ou esse tribunal.267 Tais sentenças são
rescindíveis no juízo em que foram dadas, com recurso para o tribunal federal competente. A competência recursal
quanto à sentença rescindente é a mesma que existiria para a sentença rescindenda. Não é escusado reproduzir-se tudo
isso e o que se segue:
Rescindida somente a sentença sobre a execução, subsiste a sentença na ação. Rescindida a sentença que se proferiu na
ação, não subsiste o que se lhe seguir.
Quando se rescinde parte da sentença, supõe-se a separabilidade dessa parte. O que não foi atingido pela rescisão
continua eficaz. Os efeitos que não foram atingidos não mais o podem ser. Os efeitos atingidos desaparecem ex tunc.
Por isso mesmo, as questões prejudiciais cujas decisões não foram rescindidas operam em relação ao que se mudou,
ou ao que se há de pôr em lugar do que foi rescindido.
Se, eliminado, pela alegação na ação rescisória, um dos fundamentos da sentença, a decisão seria a mesma, não há
rescindir-se ojulgado (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 19 de fevereiro e 29 de abril
de 1948, M. F., II, 42).

266 Const. 88, art. 102, 1, e, quanto ao STJe art. 108, 1, b, quanto aos Tribunais Regionais Federais.
267 Nesta letra, faz-se referência ao extinto Tribunal Federal de Recursos como tribunal detentor da
competência recursal ordinária, que, na Const. 88, é dos Tribunais Regionais Federais (art. 108, II).

1
6.Após a rescisão, juízo rescisório e resto do julgado Trânsita em julgado a sentença rescindente, tudo que foi
rescindido é posto fora do mundo jurídico: a sentença, que antes existia e era eficaz, desaparece. Se houver execução
(carga 5 ou 4 de eficácia), a ação rescisória apanha a própria retirada do bem e faz com que volte: não se precisa de
propor ação iudicati; tudo se passa nos próprios autos da ação rescisória, sem necessidade de outro despacho, inclusive
quanto ao que o autor há de restituir (cp. L. unica, C., de reputationibus, quaefiunt in iudicio in integraum
restitutionis, 2, 47). A restituição deve ser de tal modo que cada um receba o seu.

Há três partes a serem consideradas da sentença rescindida:

1) O que foi rescindido (= o que a sentença rescindenda cindiu e, com o trânsito em julgado, deixou de ser nada).
2) O que, tendo algo sido escapo à rescisão, se tem de recompor desde essa parte incólume para preencher o vazio
deixado pela eficácia constitutiva negativa da sentença rescindente (iudicium rescissoriunl).

3) Aquele “algo escapo à rescisão”, de que acima se falou.

Pode somente haver 1), se todo o procedimento foi atingido pela eficácia constitutiva negativa da sentença
rescindente.
Pode somente haver 1) e 2), se a sentença rescindente apenas deixou inatingida a petição, com o despacho de
deferimento do pedido de citação, porque, se deixou intacta a citação, há resto, isto é, 3).

7.Rescisão de sentença cível e execução a fazer-se ou feita A sentença cível ou a) é dotada de força executiva, ou b) é
de carga imediata de executividade, ou c) de carga mediata de executividade, ou d) apenas apresenta parcela mínima
de eficácia executiva. Somente as espécies a), b) e c) suscitam o problema que aqui nos interessa. Na espécie a) e na
espécie b) não há outra ação, que seja a ação de execução de sentença. Ou a sentença foi preponderantemente
executiva, ou a sua executividade, sendo imediata, se produziu desde logo. Na espécie c), a sentença, com carga
mediata de executividade (3), foi, mediante nova relação jurídica processual, executada. A rescisão da sentença, nas
espécies a) e b), desconstituindo, desconstitui todos os seus efeitos. Na espécie c), tem-se de alegar a inexistência do
título sentencial que serviu de base à execução. Aqui surge o problema: ~,há de ser tratada a execução como
inexistente, nula ou rescindível?
A sentença cível, que ex hyporhesi, foi rescindida, passou a não existir, ex tunc, por efeito da sentença constitutiva
negativa de rescisão. A ação iudicati fundou-se na sentença que depois se rescindira, de modo que ou (a)
se há de considerar nulo todo o processo de execução, por falta de pretensão à tutela jurídica, julgada, implicitamente,
na ação rescisória, ou (b) se há de ter como re,ycindidas todas as decisões no processo executivo de sentença, por se
entender implícito no pedido de rescisão da sentença executada o de rescisão das decisões no processo de execução. A
verdadeira solução é a segunda, o que torna quase iguais as soluções às espécies a), b) e c).
Se a rescisão foi anterior à execução, óbvio é que não mais se pode executar a sentença, ou, sejá iniciado o processo de
execução é de pedir-se a decretação da nulidade por falta do pressuposto da tutela jurídica.

8. Revisão da sentença penal a que se dera execução cível segundo


o direito processual penal Se a lei processual penal diz que, transitada em julgado a sentença condenatória, podem
promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido seu representante legal ou
seus herdeiros, tal execução supõe a eficácia executiva cível mediata da sentença penal, de jeito que a regra jurídica há
de ser interpretada como declaração legal dessa eficácia. Há relação jurídica processual nova, iniciada com a execução
cível, razão por que os meios para se atacar qualquer decisão que durante o processo executivo se profira são os
mesmos que se teria em se tratando de decisões proferidas durante o processo de execução civil de sentença cível.
Suponhamos, porém, que não se promoveu a rescisão de qualquer decisão proferida durante o processo de execução
cível da sentença penal, mas que se promoveu a revisão do processo penal, obtendo-se ganho de causa. ~Qual a sorte
das decisões no processo de execução cível da sentença penal se foi revisto o processo e se desconstituiu a sentença
penal?
Sendo a execução cível da sentença penal apoiada na carga de eficácia. que tem essa, tem-se de entender que o pedido
de revisão da sentença penal inclui o de ineficacização das decisões no processo executivo. Temos, assim, que o prazo
preclusivo da ação rescisória não incide, porque a atacabilidade da sentença penal pela ação de revisão é sem qualquer
prazo, ou tem prazo especial. Se, no julgamento da procedência da revisão, o tribunal alterou a classificação do delito,
ou modificou a pena, sem que a sentença perdesse a carga de eficácia executiva e sem que se houvesse de rescindir,
em conseqUência, embora em parte, as decisões no processo de execução cível da sentença penal, nenhuma eficácia
desconstitutiva tem a sentença de revisão da sentença penal no tocante à execução cível que se lhe deu. Não assim se a
decisão revisora absolve o réu, ou, desclassificando o delito, deixa de ser suscetível de executividade civil, no todo ou
em parte, a sentença penal.
9. Problemas que surgem Outro ponto em que se têm cometido injustiças, devidas a escritores que não aprofundaram
o assunto, é aquele em que se supõe que somente a sentença sobre o mérito, ou, para outros, somente a sentença sobre
o mérito e a que põe termo ao processo sem julgar o mérito, podem ser rescindidas. Não; a rescisão pode ser de
sentença que poderia ter posto termo ao processo e julgar o mérito e da própria sentença que pôs termo ao processo,
sem julgar o mérito.2~5 Aliter, da decisão que ordenou a prisão, que nomeou curador à lide, que confirmou o despacho
que negou apelação, ou a julgou deserta, ou relevou da deserção (art. 519 e §~ 1~ e 20), 2 que negou alimentos
provisionais, que entregou bens sem ser em virtude de sentença e sem caução. A rescisão é da sentença se o ato
anterior não importa julgado àparte, em que seja de se apreciar o decidido, qualquer que venha a ser ou tenha sido,
posteriormente, a sentença.
Se houve sentença e transitou em julgado, mas fora pedida, antes, a rescisão do acórdão que permitira ato ou
dispensara ato, ilegalmente, sem se poder invocar qualquer das regras jurídicas dos arts. 243-250, a sentença favorável
proferida no processo da ação rescisória desfaz o que se julgara quanto a esse momento processual, de modo que a
desconstituição do processo atinge a sentença.
Resta saber se isso também se dá se, no momento de se propor a ação rescisória da decisão do art. 486 já havia
transitado em julgado a sentença sobre o mérito ou alguma sentença de que caberia apelação.
Os problemas exigem a maior atenção. Antes, os casos concretos.270

268 Assinale-se, mais uma vez, que só é vulnerável à ação rescisória do art. 485 a sentença de mérito, isto é,
a que acolhe ou rejeita o pedido formulado pelo autor. Se se quiser chamar também ação rescisória à prevista
no art. 486, ainda assim se excluirão do âmbito da sua incidência as sentenças terminativas porque a sentença
homologatória é definitiva, de mérito portanto. Excluiram-se as sentenças terminativas da incidência do art.
485, porque, embora façam coisa julgada formal, elas não obstam à nova propositura da mesma ação, salvo
quando acolherem a alegação de perempção, litispendência ou coisa julgada. Assim está no art. 268. Quid
juris, se a sentença terminativa preclusa acolhe a alegação de perempção, litispendência, ou coisajulgada,
sem que, efetivamente, haja ocorrido um desses fenômenos? Nesses casos, como o autor ficaria proibido de
ajuizar de novo a ação, a sentença terminativa se tomaria rescindível, por equivalente à prestação
jurisdicional de mérito, pois se estaria, indiretamente, rejeitando o pedido do autor, proibido de formulá-lo de
novo. E de improcedência do pedido a sentença, formalmente terminativa, que põe fim ao processo com
fundamento no inciso V do art. 267, sem que se tenha verificado um dos fenômenos ali previstos porque
consubstancia um julgamento obstativo da demanda. Conseguintemente, é suscetível de desconstituição pela
ação rescisória, com fundamento no art. 485, em cujo n0 V, tirante outros, ela sempre caberá por violação
literal do art. 267, V.
269 O art. 10 da Lei n0 8.950, de 13.12.94, revogou o caput do art. 519. ali colocando a norma do anterior *
1~, mas alterada na redação, tanto quanto a do anterior § 20, transformado em parágrafo único. Vd. os
respectivos comentários.
270Na contemplação dos casos em seguida abordados, não se pode abstrair da opinião isolada do insigne
comentarista de que se admite a ação rescisória do art. 485, ainda quando não seja de mérito o julgado
rescindendo.

a) Se o juiz indeferiu o pedido de execução com fundamento em entender que o titulo extrajudicial não era tftulo
executivo e houve recurso, provido, para a superior instância, esse acórdão, se algum dos pressupostos do art. 485
ocorreu, pode ser rescindido. Não é preciso que se aguarde a sentença do juiz, para se propor a ação rescisória desse
acórdão, nem a propositura da ação rescisória obsta, como é óbvio, ao prosseguimento do processo. Se, ao ser
rescindido o acórdão, não havia sentença, ou havia, porém não passara em julgado, a rescisão dele apanha o
procedimento executivo desde o início, e não há dificuldades em doutrina, porque a invalidade do ato prejudica os atos
posteriores, que dele dependam ou sejam conseqUentes (art. 248). Sejá havia sentença, trânsita emjulgado, ao tempo
do trânsito em julgado da decisão na ação rescisória, posto que a ação rescisória tivesse sido proposta antes do trânsito
em julgado da sentença sobre o mérito da ação executiva condenatória, nem por isso deixa de ser atingida, porque fora
sentença que se pronunciara em processo ainda vulnerável. Não se poderia admitir outra solução sem graves ofensas
aos princípios. Não se tratava de nulidade processual que pudesse ser afastada na sentença, porque a sentença supôs
que não existisse, e a pretensão executiva estava em causa. Donde poder-se concluir que, fora das espécies do art. 249,
§ 20, não há pensar-se em se poderem aproveitar o ato atingido pela rescisão e os atos conseqUentes.

b) Se o tribunal não conheceu de recurso interposto de decisão que não atingira o mérito, inclusive recurso
extraordinário, e se prosseguiu no processo, tendo sido proposta ação rescisória do acórdão de não-congnição, durante
cujo processo se deu o trânsito em julgado da sentença sobrevinda, a decisão, na ação rescisória, que julgou que se
devera ter conhecido do recurso, tem a conseqUência de se fazer subir e julgar o recurso. Tal recurso pode ser provido
ou não. Se não provido, tollitur quaestio. Se provido, tem-se de atender à matéria julgada e saber se o procedimento
posterior ao ato judicial de que se recorre foi completamente atingido, ou, pelo menos, nao se poderia julgar o mérito
se não respeitada a decisão no recurso.
No tribunal em que se aprecia o recurso é que se pode alegar suprimento da falta (art. 250), ou que a sentença foi
favorável ao recorrente (art. 249), ou que não houve prejuízo para as partes (art. 249, * la). O juízo do processo em que
sobreveio a sentença, trânsita, ou não, em julgado, não mais pode apreciar aquelas alegações, devido à coisa julgada
formal ou ao princípio de irrevogabilidade das sentenças, salvo nas espécies em que há agravo de instrumento e
sustentação do juiz. Depois da eficácia da sentença rescindente que apanhou o ato e, em conseqUência, os atos
posteriores até a sentença, é que pode o juízo prosseguir, ex tunc, no procedimento, como se recurso e ação rescisória
não tivessem havido. Os princípios que aplica são os que qualquer juiz aplicaria.
c)Se o tribunal não conheceu do recurso, se prosseguiu no processo, sobreveio sentença e só após ela, com a coisa
julgada, propôs a parte a ação rescisória do acórdão proferido no recurso, tem ela de pedir a rescisão da própria
sentença (isto é, até a sentença), porque a ação rescisória do ato intercalar não poderia existir sem respeito à coisa
julgada da sentença proferida e trânsita em julgado. A coisa julgada da sentença final na ação em que se deu, fora da
sentença, o pressuposto para a rescisão de alguma decisão, não permite rescisão de qualquer decisão anterior sem que
se peça, também, a rescisão da sentença já trânsita em julgado. O processo, após a coisa julgada formal da sentença
final (que conheceu do mérito, ou que pôs termo ao processo sem lhe julgar o mérito), está fechado. Não há abri-lo em
qualquer momento do seu curso, sem se abrir, também, a sentença final.
d) Se o tribunal conheceu do recurso e lhe dera provimento ou não, e a ação rescisória se propõe antes da coisa julgada
formal da sentença final que sobreveio no processo de cuja decisão se recorrera, tudo se passa como se disse em a).
e) Se o tribunal conheceu do recurso e lhe deu provimento, ou não, e a ação rescisória é proposta após trânsito em
julgado, formalmente, da sentença final que sobreveio no processo de cuja decisão se recorrera, seria contra os
princípios que se não respeitasse a coisa julgada formal da sentença final que sobreveio, mas que precedera à
propositura da ação rescisória. A solução é a de exigir-se que se peça a rescisão da sentença final, uma vez que
repousa, ex hypothesi , na eficácia da decisão rescindenda.
Não se poderia preexcluir a ação rescisória de decisão que passa em julgado, formalmente, antes de se proferir a
sentença final. Tanto naquela quanto nessa pode ocorrer algum dos pressupostos do art. 485. Além disso, algumas
vezes, normalmente, ou por precipitação do juiz, há julgamento de parte do mérito, questão prejudicial ou não (e. g.,
decisão sobre prescrição), e seria inadmissível, de legeferenda como de lege lata, que se não considerasse, nas
espécies do art. 485, rescindível tal sentença. Se a decisão érescindida antes de passar em julgado a sentença final, ou
depois de passar em julgado a sentença final, ou se a ação rescisória é proposta antes de transitar em julgado a
sentença final, ou depois, tudo se resolve conforme dissemos acima em d) e e), respectivamente.
Enfim, a solução. A rescisão que poderia atingir a sentença final, superveniente, trânsita em julgado, à decisão
rescindenda, teria de ser rescisão de decisão em que se apoiou a sentença final. Se a sentença final poderia subsistir
sem subsistir a decisão rescindenda, inútil seria a rescisão. Os exemplos mais sim pies são o da rescisão de decisão
sobre nulidade, que se dera e foi decretada na sentença rescindente, se, depois, se operou repetição do ato (art. 250), o
da rescisão da decisão sobre nulidade, que fora decretada pela sentença rescindente, se, ao julgar o feito, o juiz decide
do mérito a favor da parte a que aproveitaria a decretação da nulidade (art. 249, § 20).
Se a sentença só transitou em julgado depois de estar proposta a ação rescisória de ato judicial anterior a ela e com a
decisão que se pede como objeto da rescisão (= a decisão que fica no lugar da decisão rescindida), a sentença não pode
subsistir, a coisa julgada formal depende da decisão na ação rescisória. Contou-se com esteio que talvez viesse a faltar
ao edifício. E faltou.
O ato intercalado pode ser ato processual envolvente, de modo que a rescisão dele e do ato jurídico envolvido tenha de
ser segundo o art. 486, ou segundo o art. 485, se a causa é própria do ato processual envolvente.
O propósito da lei, no art. 486, não foi afastar a ação rescisória nas espécies de que ele trata (sentença meramente
homologatóna e decisão ou despacho não-sentencial). Se, por exemplo, por prevaricação, concussão ou corrupção, o
juiz homologou partilha intercalar, ou se a homologou sem ser homologável, o vicio está na sentença, e não na
partilha: o art. 486 não poderia ser invocado, posto que o possa ser o art. 485, 1, ou 485, V.
A respeito, alguns intérpretes superficiais cometem o grave erro de entender que as sentenças meramente
homologatórias e as decisões nãosentenciais não passam em julgado. Até já houve quem escrevesse que não transitam
em julgado julgamentos de arrematação, adjudicação ou de remição de bens, julgamentos de que note-se bem cabe
recurso e contra os quais, precluso o prazo de interposição, ou julgado recurso eventualmente cabível, não há remédio
fora da ação rescisória: a res iudicata estabelece-se.
Uma das conseqUências do que acima dissemos é a de ter-se de fazer, a respeito das rescisões de atos processuais
intercalares quando envolventes,a mesma distinção que apontamos em geral, atendendo-se a ter já transitado,
ou não, em julgado a decisão envolvente.
Também aqui o juiz se apoiou em esteio, que faltou. A falta é sempre relevante, mas se transitou em julgado a decisão
que serviu de esteio tem de ser também rescindida.
A rt. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue ‘)em dois (2) anos, contados do trânsito em julgado da
decisão2)3)4)5)6)7)
1. Prazo paiii a propositura da ação rescisória da sentença27’ Os velhos jurisconsultos muito discutiam o prazo para a
propositura das ações rescisórias, sendo de citar-se Baldo de Ubáldis, Bártolo de Saxoferrato, J.
H. Bender e Crevett. Fizeram-se, depois, extinguíveis em trinta anos, sobrevindo leis especiais. D. B. Altimaro
(Tractatus, 1, 8) já afirmava ser trintenal: “per viam actiones, durat triginta annis”. Manuel Gonçalves da Silva
esclareceu, no seu tempo, o direito português ( Commentaria, III, 130):
“Si per viam actionis agatur, potest dici de nuílitate usque ad triginta annos, quia tunc competit officium iudicis nobile,
quod eatenus durat, quatenus durant reliquae actiones personales, videlicet triginta annis”. O fato de não se poder, após
o prazo, pleitear a rescisão da sentença é de extrema importância. Qualquer que haja sido o seu vício, nenhum remédio
jurídico resta. Por isso, é imprescindível saber-se quais são as sentenças rescindíveis e quais as que não são. No direito
anterior ao Código Civil de 1916 (Supremo Tribunal Federal, 21 de setembro de 1912), o texto de Manuel Gonçalves
da Silva foi o “direito”. Exemplo eloqUente de direito fora da lei. Era a communis opinio. ~Lá se foi o “em todo
tempo” da Ordenação! Se o direito só fosse o texto legal, melhor exemplo não teríamos de violação de direito.

(a) O Código Civil de 1916, art. 178, § 10, VIII, fixou-o em cinco anos, em vez de trinta. Restava saber-se se o prazo
era de prescrição e, pois, suscetível de interrupção e suspensão, ou preclusivo e, assim, como tais prazos, de ordinário,
indefectivelmente contínuo. A questão só assumia aspecto mais interessante porque se meteu no direito material o que
concerne essencialmente a instituto de direito processual. A desatenção de Rui Barbosa continuou a causar dúvidas e
dificuldades. É pena que o Código de Processo Civil de 1939 não tivesse incluído no seu texto essa regra jurídica, pois
que nele é que devia estar. Nem se compreendia que se dessem os pressupostos de uma pretensão, de uma ação, e se
lhe esquecesse o prazo extintivo. Como ficou, tínhamos a pretensão e a ação no Código de Processo Civil, e estava
certo, e o prazo de preclusão da pretensão... no Código Civil, e estava errado. A feitura das leis envolve
responsabilidades enormes.

(Note-se que se preferia a expressão “nulidade”, em vez de “rescisão”, mas a chamada nulidade era, apenas,
desconstituibilidade, pois havia o prazo. Tal como passou a ser o direito brasileiro, as vantagens de

terminologia eram evidentes, a despeito do inoperante “nula” do art. 798, do Código de 1939, sobrevivência que
chocava.)
As nossas críticas ao que se passava no direito civil e processual antes do Código de 1973 foram integralmente
atendidas. O texto sobre o prazo preclusivo passou a constar do Código de Processo de 1973, art. 495, o que importou
ab-rogação do art. 178, § 10, VIII, do Código Civil de 1916. Nos outros textos do Código de Processo Civil repeliu-se
referências a sentença “nula” e só se fala de rescisão.
No Código Civil de 1916, art. 178, introduziram-se nos tempos de prescrição vários prazos preclusivos, de que são
exemplos os do mesmo artigo, §§lo, 20, 40 fi 50 J (Decreto-lei n. 4.529, de 30 de julho de 1942, art. 1~, pr.), II e III.
Nada obstaria, portanto, a que se reputasse preclusivo, e não prescripcional, o art. 178, § 10, VIII. Tivemos ensejo de
defender a nossa opinião, que passou àjurisprudência. Examinemos, apenas, hoje, com intuito de exposição histórica,
as duas interpretações possíveis: 1) Hipótese do prazo de prescrição: interromper-se-ia pela citação pessoal, ordenada
por juiz incompetente (propositura da ação em juízo que não pudesse conhecer da rescisória); e pelo protesto, nas
mesmas condições; e suspender-se-ia:
entre cônjuges; entre incapazes e o titular do pátrio poder, tutor e curador; se contra os absolutamente incapazes, ou
contra os ausentes do Brasil em serviço público, ou contra os que se achassem servindo nas forças armadas em tempo
de guerra (arts. 172, 168 e 169 do Código Civil de 1916). II) Hipótese do prazo preclusivo: ter-se-ia de atender ao
tempus continuum; correria contra os absolutamente incapazes, bem como contra as outras pessoas designadas no art.
169, II e III, do Código Civil, e entre as pessoas designadas no art. 168. As diferenças eram teóricas e praticamente
importantes. Se A, na hipótese de ser prescripcional o prazo, tivesse contra B ação rescisória a propor, desde três anos
passados, e com B se casou, deixaria de correr e somente após o desquite se retomaria o curso (o Código Civil falou
em “na constância do matrimônio”, mas devia-se entender da “sociedade conjugal”). Se B tivesse ação rescisória
contra C, que passou a ser, antes de expirar o prazo, seu curador, deixaria de correr desde o dia da entrada em
exercício. D herdou de E ação rescisória contra seu pai, titular do pátrio poder: o prazo não correria enquanto não
suplementado, ou não atingisse a maioridade, ou não perdesse o pátrio poder o pai. Tudo isso seria muito grave,
porque se não conservaria a restituição fundada nos iura minorum e casos semelhantes. Na hipótese de prazo
preclusivo, nada disso se daria: o tempo se escoava sem que causas interruptivas e suspensivas pudessem atuar. Se o
Código Civil houvesse respeitado o caráter de instituto de direito processual, portanto público, que tem a rescisão das
sentenças, nenhuma dificuldade teríamos, e fora de responder-se ser preclusivo o prazo, dispensando-se
argumentações. Dado o incidente do art. 178, § 10, VIII, tivemos de procurar saber até que ponto a preclusividade
normal do prazo relativo à ação rescisória resistiria à vizinhança dos prazos prescritivos. Outros, evidentemente,
resistiriam conforme acima se disse.

A favor da prescrição poder-se-ia alegar o seguinte: tratar-se de ação pessoal, segundo a velha concepção dos
jurisconsultos portugueses, aliás de influxo canônico. A favor da preclusão, não se tratar, na rescisória, de proteção a
direitos subjetivos, mas de fatos de interesse público a “causa” para se retomar a prestação jurisdicional. O objeto, e
não o sujeito, está em foco. Os partidários da primeira opinião aduziam que se tratava de ação, ao que os outros
responderam que à prescritibilidade não basta tratar-se de ação: por trás e à base dos prazos preclusivos, por vezes se
acham ações. Demais, estávamos no terreno do direito processual, onde mais função tem a preclusão que a prescrição.
Cumpria examinar-se o prazo em si mesmo. Certamente, não se podia firmar a distinção entre prescrição e prazo
preclusivo na insuspensibilidade ou ininterruptibilidade desse, como pretendia A. Grawein (Verjahrung and
gesetzliche Befristung, 93, cp. M. Biermer, Frist und Verjãhrung, 19); porém, é claro que os prazos preclusivos
escapavam, na maioria dos casos, aos arts. 168-176 do Código Civil de 1916. Houve quem entendesse ter-se prazo de
prescrição onde se suspende, e de preclusão onde não se suspende; porém o critério seria, igualmente, petitio principii.
Outros sustentaram conhecer-se o prazo preclusivo pela não-intermpçáo no caso de haver reconhecimento do devedor
(Christian Weiss, Verjãhrung und gesetzliche Befristung, 69, 72). Tudo isso, ao tempo em que classificamos o prazo
como preclusivo e hoje, não é de admitir-se:
há prazos preclusivos suscetíveis de suspensão, como para abatimento no preço ou perdas e danos, no caso de
disposição contrária do contrato, ou no caso do art. 170, II, do Código Civil de 1916 (L. Enneccerus, Lehrbuch des
Btirgerlichen Rechts, 30a~34a ed., 1, 593).

A prescrição é mais fato, com efeitos jurídicos, ao passo que o prazo preclusivo é mais determinação temporal. Esse
atende mais ao “pedaço de tempo” em si, para que não deixe em aberto a questão, ou ao exercício do direito
indispensável à sua existência, como acontece com a alegação de defloramento da mulher, por parte de outrem que o
marido, com os vícios redibitórios e com os prazos para impugnação da legitimidade. A prescrição leva mais em conta
o que se passa dentro de tal tempo. (Quase assim, Ottmar Rutz, Die gesetzliche Befristung, 1; Die
Wesensverschiedenheit von Verjãhrung und gesetzlicher Befristung, Archiv fíir die civilistische Praxis, 101, 439.) Na
preclusão, mais se considera o objeto; na prescrição, mais o sujeito. A pretensão à cobrança prescreve; a
rescindibilidade por vicio redibitório preclui. A prescrição concerne à pretensão; o prazo preclusivo quase sempre ao
direito. (Note-se que o Código Civil de 1916, no art. 178, posto que falou de ação a propósito de prazos preclusivos,
no § 10, VIII, pela única vez, de “direito”: “o direito de propor ação rescisória”.) Tudo mostrava que o prazo para a
rescisória era prazo preclusivo.
Após as nossas argumentações sobre se tratar de prazo preclusivo, o Supremo Tribunal Federal, a 17 de abril (2~
Turma, A. J., 62, 337) e a 12 de setembro de 1942(laTurma,D. daJ. deiS de abril de 1943). Naturalmente, havemos de
comparar os fatos, semelhantes, da preclusão para o mandado de segurança e os embargos de terceiro e do devedor.
O prazo preclusivo para a propositura da ação rescisória conta-se do trânsito em julgado da sentença rescindenda. Não
importa se sobreveio ação executiva de sentença (2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de janeiro de 1947, R. F.,
118, 442), que tem as suas decisões também suscetíveis de ação rescisória, conforme os princípios.
Se por acaso, sobrevém pátrio poder, tutela, ou curatela, nos casos em que a ação devia ser proposta pelo incapaz e não
no foi, responde por perdas e danos o representante do incapaz. Se o representante, ou pessoa que devia assistir, seria o
próprio réu da ação rescisória, casos em que se infringiu a regra jurídica sobre o curador especial se colidem os
interesses ou sobre prescrição de nomeação, a mesma ação caberá. Se o interesse do pai, tutor ou curador sobrevém, é
caso da nomeação de curador especial, ou da remoção do tutor ou curador. São princípios que se põem com todo
relevo pelo fato de ser preclusivo o prazo.
Se a rescisão se funda em pressuposto objetivo concernente a pressuposto subjetivo da ação cuja sentença se pretende
rescindir, o prazo para a propositura começa a contar-se da data em que transita em julgado a sentença. Tal é ocaso das
decisões rescindíveis por incompetência do juízo ou vício quanto à parte. Tal força formal supõe ciência. Outrossim,
se o pedido concerne à violação do direito (ius constitutum), ou à falsa prova.
Se foi julgada a falsidade da prova, em juízo criminal, <,o prazo preclusivo somente começa de correr com o trânsito
em julgado da sentença penal?
Tratando-se de invocação do pressuposto objetivo da falsa prova, o biênio principia com a passagem em coisa julgada,
e não com a obtenção dos elementos informativos e probatórios da falsidade. Ao trânsito em julgado da sentença
rescindenda liga-se o prazo para a rescisão por infração da coisa julgada.
Falando, acima, da preclusão da ação rescisória, cujo prazo se inicia com o trânsito em julgado da sentença
rescindenda, aludimos à falsidade da prova (art. 485, VI, ia parte: “cuja falsidade tenha sido apurada em juízo
criminal”). A sentença criminal que declara falsa a prova pode ocorrer dentro do prazo para preclusão da ação
rescisória, ou depois. Entenda-se por “ocorrer” o transitar em julgado. Se transita em julgado dentro do prazo, é de
discutir-se (a) se só se inicia a contagem desde que passou em julgado a sentença criminal, ou (b) se continua de correr
o prazo bienal. Se posterior, a questão (c) cifra-se em se saber se se abre novo prazo. Se há afirmativa quanto (a), (c)
está resolvido; se (b), tem-se, ainda, de discutir (c). A opinião verdadeira é (a) e, pois, (c). Aliás, não se abrira o prazo
preclusivo.
Se a lei faz pressuposto da ação rescisória a prova tida como falsa por sentença de juízo penal, trânsita em julgado,
seria perturbante do sistema jurídico que se desse por precluso o prazo para a ação rescisória se nos dois anos não
houve o julgado criminal, ou só passou em julgado após a preclusão. Daí termos, desde muitos anos, procurado no
excepcional iniciamento a solução mais aconselhável. Com o advento do Código de 1973 surgiu outro problema, que é
o que resulta do começo do prazo na espécie do art. 485, VII (“depois da sentença, o autor abtiver documento novo,
cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”).
Dir-se-á que teríamos de seguir a mesm~i trilha que abríramos para a espécie de superveniência de coisa julgada, em
processo criminal, sobre a prova, em que se fundara a sentença rescindenda (art. 485, VI, 1a parte). Mas advertimo-nos
de que, na espécie do art. 48S, VI, ia parte, se evita contradição entre a coisa julgada no juízo cível e a coisa julgada no
juízo criminal, ao passo que, na espécie do art. 485, VII, se trata de documento que foi achado, ou obtido, ou
descoberto, e não foi objeto de apreciação. Daí não devermos ir a mudança no alcance da regra jurídica do art. 495.

(b) ~,Quando começa a coisa julgada formal da sentença? Só a lei processual pode responder: desde que da sentença
não cabe, ou já não cabe qualquer recurso. Para a ação rescisória, alguns sistemas de processo adotaram a data da
intimação como dies a quo do termo para o remédio jurídico processual. Não existe, todavia, princípio a priori. Desde
que o acórdão rescindendo anulou o processo por impropriedade do remédio jurídico proposto e se alegam preclusão
do prazo bienal para a propositura da ação rescisória e prescrição da ação que fora proposta, cumpre separar, com
precisão, o juízo rescindente e o juízo rescisório. Decidido que a preliminar levantada no juízo rescindente não
procede e o tribunal a despreza, passa-se, então, ao mérito do juízo rescindendo. No mérito do juízo rescindente é que
se discute se o acórdão deve ser rescindido. Respondido que não, toilitur quaestio. Respondido que sim, passa-se ao
juízo rescisório. Aí é que se pode arguir a prescrição da ação que foi proposta e que teria de ser julgada. (Inversão
injustificável, por confusão entre juízo rescindente e juízo rescisório, deu-se no acórdão da antiga Corte de Apelação
do Distrito Federal, plena, a 24 de julho de 1935, posto que se possa entender que tal decisão julgou procedente o
judicium rescindens e improcedente o juízo rescisório.)
A despeito do art. 495 do Código de Processo Civil de 1973, como a despeito do antigo texto heterotópico do Código
Civil, continuamos entendendo que a rescindibilidade pode depender, na espécie do art. 485, vi, ia parte (“prova, cuja
falsidade tenha sido apurada em processo criminal”), do trânsito em julgado da sentença penal. Por exemplo: B foi
condenado a pagar a A cheque falso, ou nota promissória falsa, ou outro documento falso, e ficou em situação
econômica gravíssima (e.g., foi à falência) e o processo criminal contra A foi retardado para que se pudesse alegar a
preclusão da ação rescisória. Durante os dois anos, B não podia fazer a prova contra A, porque, durante os dois anos,
não se havia concluído a prova no processo criminal. j~É justo que B sofra o que sofreu, condenado como foi, e se
saiba que foi vencido com prova falsa?
Continuamos com a opinião de que o art. 495 não incide em caso do art. 485, VI, 1a parte; mas aconselhamos que o
perdente da ação proponha a ação rescisória com alusão ao processo criminal. Pode ser que a prova da falsidade da
outra prova (a prova falsa) somente haja aparecido depois dos dois anos e então se inicie a propositura da ação
criminal. ~Qua1 a atitude que há de ter o Estado? O ari. 495 é explícito, mas havemos de atender que a
rescindibilidade da sentença, na espécie do art. 485, VI, ja parte, depende de outro trânsito em julgado. O erro, na
omissão, é semelhante àquele que tanto exprobramos e estava no adjetivo “nula” do art. 798 do Código de 1939.
Esperemos que o Supremo Tribunal Federal e os outros tribunais e juizes atendam à relevância do pressuposto dos
dois trânsitos em julgado (o da sentença rescindida e o da sentença no juízo criminal).
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 30 de maio de 1951 (Jurisprudência, 1952,343), entendeu que o prazo
preclusivo (chamado por ele, erradamente, prescripcional) começa de ser contado da data da publicação do acórdão no
recurso extraordinário, ainda se desse recurso não conheceu o Supremo Tribunal Federal. Sem razão. Se se conheceu
do recurso extraordinário, como de qualquer recurso que se interpôs da senten
ça que, portanto, ainda não transitou em julgado, o que vai transitar em julgado é a decisão no acórdão que examine a
sentença: o prazo preclusivo e para a rescisão desse acórdão, que confirmou ou reformou a sentença. Se não se
conheceu do recurso extraordinário, como de qualquer recurso, é que a sentença transitou em julgado, uma vez que
dela não cabia o recurso interposto, e sentença trânsita em julgado é a sentença de que não cabe ou de que já não cabe
recurso.
A ação rescisória é proponível desde que transitou em julgado a decisão que se quer rescindir. A relação jurídica
processual pode ainda estar pendente de sentença que a faça cessar. A afirmativa de que, pendendo a lide, ainda não há
coisa julgada formal é falsa. Se transitou em julgado decisão que não foi afinal, coisa julgada formal estabeleceu-se
para o ponto ou os pontos dessa decisão.
Se, durante a ação rescisória, surge questão que já deu ensejo a recurso extraordinário e foi julgado, não se pode de
novo recorrer, porque, ex hypothesi, transitou em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal, que teria de ser
rescindida.272 Isso nada tem com o cabimento da ação rescisória se teria sido caso de recurso extraordinário e não fora
usado (confusão grave em Luís Eulálio de Buneno Vidigal, Da Ação Rescisória dos Julgados, 35, que nos atribui, e ao
Supremo Tribunal Federal, opinião que seria justamente a contrária à nossa).
A propositura da ação rescisória nada tem com o já se ter, ou não, iniciado a execução, ou com ainda não se ter
executado ou iniciado a execução. A sentença rescindível é executável como as outras; pode dar-se que se tenha a
pretensão à execução provisória (arts. 587, 2~ parte, e 588) e se haja exercido; ou que a execução possa ser nos
próprios autos (eficácia imediata de executividade), ou que se trate de ação executiva de cognição plena ou não-plena
(adiantamento de execução, e.g., art. 585).
Se, na execução de sentença, o executado apresenta embargos (art. 741, 1), por falta ou nulidade da citação inicial e
por ter corrido à revelia a ação, primeiro hão de ser julgados esses embargos do devedor, por se tratar de ação de
nulidade, incidental, e ser subsidiária a rescisória (= não ser remedium ordinarium), e não haver eletividade entre ela e
a ação de nulidade. O juiz, que encontra o nulo, desconstitui o ato jurídico, ou a parte do ato jurídico em que ele
ocorre. Têm-se, primeiro, de julgar os embargos do devedor, que são suspensivos; mas ainda que o não fossem.
Proposta ação rescisória, processa-se; o julgamento da ação rescisória é que tem de ser após o julgamento dos
embargos do devedor.
A regra * Quae ad agendum temporalia, ad excipiendum perpetua sunt não se aplica, hoje, à ação rescisória. Só temos
a ação; não temos a exceção. E é bem que assim seja. <,Por que havia de ser perpétuo o que se quer que se peça no
biênio? G. Chr. Burchardi (Die Lehre von der Wiedereinsetzung, 496; sobre o direito romano e a observação de G.
Chr. Burchardi, ver Marco Vita Levi, De restitutione in integram, 118) desenvolveu as razões para que os nossos
tempos repelissem, aí, o princípio romano. <,Quem proporia a ação, se tivesse a exceção? <Que significaria o remédio,
com as suas garantias e cautelas, se mais fácil fosse a via da exceção? O elemento canônico atuou no instituto. A actio
de nuilitate vel querela nuilitatis, ação pessoal, passou a prescrever em trinta ou quarenta anos. A noção da sanatio
interveio: “Sanatio autem intelligebatur, si assensa adversarii vel tractu temporis vel aliis rebus supervenientibus ius
infirmum convalescebat”. Se a nulidade ipso jure teve, em parte (art. 741, 1), esse tratamento, não se entenderia a
perpetuidade da pretensão à rescisão.
Mais: a exceção não é pretensão. O seu caráter defensivo, em contraposição à pretensão, à ação, não permite à ciência
modema que se incida em erro de tê-la como contraprestação, contra-ação. (Ainda nisso incidiram Konrad Cosack,
Lehrbuch des deutschen biirgerlichen Rechts, 1, 255; Wilhelm Abegg, Die Verjãhrung der Einreden nach rõmischem,
gemeinem und biirgerlichern Recht, 66). A pretensão e a ação definem-se por certa agressividade (Otto Hoffmann, Die
Verjãhrung der Einreden, 66). A ação rescisória, por exemplo, ataca o julgado. Se pudessem ser alegados, em
exceção, os pressupostos objetivos da rescisão, teríamos a exceção agressiva, a ação dentro da exceção, a ação
dissimulada em exceção. Ora, se há exceções inatingíveis pela prescrição (as verdadeiras exceções), não se dá o
mesmo com as exceções concorrentes, como seria o caso, e a execução correspondente à rescisão, se hoje existisse,
cairia com a prescrição da ação. *Tant dure 1 ‘action, tant dure 1 ‘exceptiou. Não se pode dizer que prescreva, ou
preclua: extingue-se. A prescrição da pretensão acarreta-lhe o apagamento (Paul Langheineken, Anspruch and
Ejurede, 183 e 287; Max Flegel, Der Begriff der Einrede im BGB, 48; Kurt Geier, Der Begriff der Einrede, 25 e 26);
do outro lado, nasce outra exceção, que é a da prescrição (Otto Hoffmann, Die Verjãhrung, 28). As interrupções e
suspensões, que concemem à prescrição, não se aplicam à exceção (Paul Langheineken, Anspruch, 287; Rudolf
Leonhard, Der Aligemeine Te ii, 231), o que bem prova não prescrever com a ação; extingue-se. (Sem razão o parecer
de R. Salmann, Uber deu Satz Quae ad agendum sunt temporalia, ad excipiendum sunt perpetua, 19 s., que sustentava
a prescrição das exceções concorrentes.) Sobre as exceções puras nenhum influxo tem a prescrição, bem assim sobre
as exceções concorrentes reais; as concorrentes pessoais extinguem-se com a prescrição da pretensão ou direito com
que concorrem; as autônomas verdadeiramente não constituem classe à parte (Otto Hoffmann, Dier Verjãhrung, 34;
cp. H. Berent, Die Vernichtung der sogeu konkurrierenden Einreden, 72 s.).
No art. 495, o prazo é preclusivo,273 dito extintivo, conceito que impusemos à própria redação heterotópica e errada do
Código Civil. Com isso, o legislador atende a que o ataque à coisa julgada, por meio de ação (alguns sistemas jurídicos
concebem o remédio jurídico processual como recurso, o que destoa dos princípios de ciência dó direito). Extinguem-
se o direito à rescisão, a pretensão à rescisão e a ação à rescisão. Trata-se de direito potestativo extintivo (ou, digamos,
formativo extintivo), só exercivel em “ação” (de direito processual). Nem se suspende, nem se interrompe. Se ocorre o
despacho dentro do prazo, conforme resulta da regra jurídica do art. 220, que remete ao art. 219, a eficácia é à data do
despacho em que se pediu a citação (art. 219, § 10)274 Citação fora do prazo para ser feita éineficaz para se ter como
proposta a ação de rescisão. A citação, ou, se ela é eficaz, o despacho há de ser feito no prazo preclusivo. Daí a
ocorrência excepcional: despacho no último dia do biênio, citação nos dez dias do ari. 219, § 20,275 ou noventa dias
(§ 30), se houve prorrogação.

2. Influência da coisa julgada na decisão de outra ação Ocorre às vezes que a coisa julgada de um processo serve de
base ao julgamento de outro, e.g., foi vencido o autor da ação de despejo na ação que contra ele se propusera de
reivindicação, e foi julgado nulo o titulo creditório em que o réu era coobrigado; em tais casos, na ação rescisória
contra a segunda sentença, não se pode pretender a rescisão da coisa julgada da outra: ou previamente se propõe a ação
rescisória da primeira (a parte da segunda ação é interessada para propô-la, posto que não seja parte na primeira, como
no exemplo que demos em segundo lugar), ou se propõe a ação rescisória da segunda, se o que se lhe quer rescindir é
o seu próprio julgamento, independentemente da subsistência da primeira sentença.

273 Prazo decadencial. conforme a doutrina e a jurisprudência do artigo comentado.


274 Em virtude da redação dada ao ~ l~ do art. 219 pelo ao. l~ da Lei n0 8.952, de 13.12.94. a
eficácia é à data da propositura da ação (art. 263).
275 Combinados o art. 220 e o * 20 do art. 219. na redação do art. l~ da Lei n0 8.952, de 13.12.94,
écerto que também o autor da ação rescisória não fica prejudicado pela demora da citação imputável
exclusivamente ao serviço judiciário.

3. Embargos de terceiro e rescisão A propositura da ação rescisória da decisão que julgou provados os embargos de
terceiro, ou que os julgou não provados, ou os rejeitou in limine,276 pode ser dependente e pode não no ser. De regra,
se os julgou provados, não é preciso que se rescinda, antes, a sentença proferida na ação principal (Tribunal da
Relação do Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1933; Tribunal da Justiça de São Paulo, 23 de novembro de 1931). Se
os julgou não provados e a ação principal foi julgada improcedente, ou nulo o processo, ou inutilizada por alguma
preliminar, não é de mister que se proponha a ação rescisória da sentença proferida na ação principal. Tem-se de
rescindir o que seria incompatível com o julgado na rescisória da decisão sobre os embargos.
4. Rescindibilidade total e rescindibilidade parcial (a) A rescisão da sentença, por prevaricação, concussão, ou
corrupção, ou impedimento ou incompetência absoluta do juiz (art. 485, 1 e II), apanha a sentença toda; salvo quanto à
incompetência ratione materiae, ou pela hierarquia, se há duas ou mais sentenças numa só (cumulação de pedidos) e
para uma ou mais era competente, ratione materiae ou pela hierarquia, o juiz.
(b) Se a causa da ação rescisória é ter havido dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão
entre as partes, para fraudar a lei (art. 485, III), a sentença é atingida no que o dolo da parte vencedora, ou a colusão
entre as partes, infraudem legis, levou ao resultado da decisão, de modo que pode só em parte sofrer rescisão.
(c) A ofensa à coisa julgada pode não ser em todos os pontos da sentença, só ser em algum ou alguns pontos
separáveis, ou, em caso de pluralidade de sentenças numa só, só em algum ou alguns deles haver a ofensa.
(d) A ofensa à lei, segundo o conceito de “literal disposição de lei”, que é o do art. 485, V, pode ser só em um ou
alguns pontos separáveis, ou, em caso de pluralidade de sentenças numa só, só numa ou em algumas delas haver a
ofensa.
O princípio da incolumidade do separável intervém, de modo que a rescisão, dentro do que acima se expôs, pode ser
total ou parcial.
(e) Se o fundamento principal da sentença foi prova declarada falsa em juízo criminal, ou de falsidade apurada na
própria ação rescisória (art. 485, VI), a rescisão abrange toda a sentença. Se houve pluralidade de

276 Se são rescindíveis as sentenças de procedência ou improcedência do pedido formulado nos


embargos de terceiro, não no são as decisões terminativas de extinção do respectivo processo,
proferidas liminarmente ou não, porque, não julgando o mérito, não cabem no eoput do art. 485.
sentenças numa só, somente se rescinde a sentença ou somente se rescindem as sentenças a que serviu
de fundamento principal a prova falsa.

(O Se o fundamento para a propositura da ação rescisória foi o de ter autor obtido documento, cuja existência ele
ignorava, ou de que não pudera fazer uso suficiente para lhe ser favorável a sentença (art. 485, VII), a sentença é
rescindida naquilo a que serviu para a decisão favorável, ignorando o vencido a existência do documento, ou não ter
podido dele usar.
Se a favorabilidade, toda, foi oriunda disso, ou daquilo, a rescisão é total.
(g) Se a rescisão conceme a sentença proferida em ação rescisória, cumpre saber se tal sentença se compõe de sentença
única, ou se em verdade houve pluralidade de sentenças numa só (cumulação de pedidos de rescisão). Se pluralidade
houve, nada obsta a que só se peça ou que só se defira o pedido de rescisão de uma ou de algumas delas.
(h) Tratando-se de atos processuais que não dependem de sentença, ou em que essa foi meramente homologatória (art.
486), a rescisão é deles, nos casos em que se pode decretar a invalidade dos atos jurídicos em geral.
(i) A rescindibilidade pode somente existir a propósito de um, ou de alguns pontos de sentença, ou ser apenas de
alguma decisão anterior àsentença final, devendo-se pedir a rescisão desde aquela até essa, uma vez que essa só se
conceberia subsistindo aquela.
A rescisão só apanha o ponto em que era rescindível a sentença, ou os pontos em que o era. Se algum ato processual
ocorreu que pode ser rescindido segundo o art. 486, e a sentença também o é, há dois pedidos de rescisão com
diferentes pressupostos.
As Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de outubro de 1947 (R. dos T., 171, 323; R. F.,
116,506), sustentaram, sem qualquer razão, que a rescisão da sentença há de ser de toda ela, ou não pode haver
rescisão. Não haveria rescindibilidade parcial. Nada mais aberrante dos princípios. Pode dar-se que tenha havido
violação de direito, no tocante a certo ponto, separável dos outros; e nada impediria que só se rescindisse, em parte, a
sentença.

5. Término do prazo preclusivo A preclusão não tem a eficácia da prescrição, que apenas encobre a eficácia do
direito, da pretensão e da ação. Não é preciso que se exerça exceção, tal como se passa com a prescrição. O relator
pode indeferir a petição inicial (art. 490, com remissão ao art. 295, porém não ao art. 219, § 50 a despeito do art. 220).
Se não foi edictado qualquer princípio a respeito, entende-se o que dissemos. Se alguma regra jurídica de lei posterior
diminuísse o prazo para a propositura de ação rescisória, feriria o princípio constitucional. Se nada disse, entende-se o
que antes dissemos quanto às duas hipóteses.
No momento de julgar a ação rescisória, pode qualquer membro do tribunal julgador declarar a preclusão, e, com a
coisa julgada, extingue-se o processo. É aconselhável que, se o não fez o relator, o faça o primeiro membro do corpo
coletivo, como preliminar. Julgada procedente a alegação e extinto o processo, há novo prazo preclusivo para a
propositura da ação de rescisão da decisão proferida na ação rescisoria.
Com a preclusão, a ação rescisória da sentença proferida na ação rescisória não mais pode ser rescindida.
Tratando-se de rescisão por infração da coisa julgada, se para a primeira sentença precluiu o prazo para a propositura,
a posterior sentença é que não é atingida. Tal a doutrina brasileira, contra L. 1, C., quando provocare necesse non est,
7, 64: “Datam sententiam dicitis, quam ideo vires non habere contenditis, quod contra res prius iudicatas, a quibus
provocatum non est, lata sit, cuius rei probationem si promptam habetis, et citra provocationis adminiculum quod ita
pronuntiatum est sententiae auctoritatem non obtinebit”. Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 75, pr., também se
entendia que era “nenhuma” a sentença “contra outra sentença”. Isso proveio das Ordenações Afonsinas, Livro III,
Título 78, pr., para as quais a sentença “he nenhuila per Direito”, se “contra outra Sentença jaa dada”; e “nem pode já
mais em alguum tempo passar em cousa julguada, mas em todo tempo se pode dizer contra ella que he nenhuôa, e sem
alguum effeito”. Concepção, essa, superada, a despeito, por exemplo, de ainda a ter recebido o Código de Processo
Civil português, art. 675, ia alínea.
Uma vez que se tem no sistema jurídico a ação rescisória, com prazo preclusivo, o advento de outra sentença que
infrinja a coisajulgada dá ensejo à propositura da ação rescisória dentro do prazo. Recusar eficácia à preclusão é
contra-senso. Quem tinha direito, pretensão e ação a que fosse rescindida a sentença colidente não exerceu o direito, a
pretensão e a ação, e tem de sofrer as conseqUências, uma vez que a outra também tem coísa julgada.
Se pensamos em que pode ser proposta terceira ou outra posterior ação, em que o autor ou réu queira opor exceção de
coisa julgada, ~,qual das sentenças anteriores é que se há de levar em consideração? Tem-se de admitir que contra a
exceção de coisa julgada, com invocação da primeira sentença, ou outra anterior à que também passara em coisa
julgada, não se pode recusar eficácia. A eficácia da segunda ou posterior sentença é que persiste. Assim é que
entendem muitos juristas, de diferentes Estados, como
apenas para exemplo Arwed Blomeyer (Zivilprozessrecht, 247, s.), na esteira de Konrad Hellwig e outros, e P.
Lacoste (De la Chosejugée, 270).
Os efeitos já produzidos na primeira sentença subsistem. Bem assim os que concemem à parte da sentença que não foi
atingida pela segunda, tal como ocorre com a nova coisa julgada da decisão só prejudicial, que só ofende esse ponto da
outra.

6. Direito intertemporal O prazo preclusivo para apropositura da ação de rescisão era de cinco anos, conforme o
heterotópico e errado art. 178, * 10, VIII, do Código Civil de 1916. Passou a ser de dois anos (Código de Processo
Civil de 1973, art. 495). Se alguma decisão transitou em julgado antes de 10 de janeiro de 1974, o prazo para a
propositura é ode cinco anos, porque a lei nova não pode ofender direito adquirido e antes do Código de 1973
nasceram o direito, a pretensão e a ação de rescisão de sentença (cf. Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art.
153, § 30 ía parte).277 Se o novo prazo tivesse sido, por exemplo, de seis anos, ter-se-ia de atender àdilatação, que não
prejudicaria o direito adquirido: beneficiá-lo-ia. São as soluções acertadas (cf. Supremo Tribunal Federal, 4 de abril de
1963; R. dos T., 343, 510; Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de agosto de 1969, 412, 186; 6 de julho de 1970, 418,
160; Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 9 de junho de 1970,419, 204). Na Lei de Introdução ao Código Civil
alemão, art. 169, deu-se solução semelhante quanto ao prazo mais curto de acordo com as leis anteriores e quanto ao
prazo mais longo de acordo com as leis anteriores, mas só a respeito de prazo prescripcional. No Brasil, regra jurídica
diferente daquilo que expusemos seria inconstitucional, porque há o art. 153, § 30 ía parte: já se adquirira o direito e
tal como era e é tem de ser respeitado.
As sentenças que só passaram em julgado a 10 de janeiro de 1974, ou depois, estão regidas pelo art. 495 do Código de
Processo Civil de 1973, porque só então se irradiou o direito formativo extintivo.

7. Rescisória em quatro anos 278 A Medida Provisória n0 1.577 (quarta versão em 02.10.97) aumentou para quatro
anos o prazo, sempre decadencial, da ação rescisória, nos casos previstos no seu art. 4”, que tem a seguinte redação:
“O direito de propor ação rescisória por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, bem
como das

277Const. 88. art. 50, XXXVI.


278Comentário do atualizador.

autarquias e fundações instituidas pelo Poder Público, extingue-se em quatro anos, contados do trânsito em julgado
da decisão ~‘.
Não aludiu o dispositivo a sentença de mérito, como faz o caput do art. 485. A melhor interp reta ção, todavia, é no
sentido de não se admitir a ação contra qualquer decisão (o que implicaria o absurdo de estendê-la às interlocutórias
e despachos). Deve-se tomar o substantivo, restritivamen te, como sinônimo de sentença de mérito transitada em
julgado, considerando-se que a vontade do art. 4”foi dilatar para um quadriênio o prazo da ação rescisória, no
tocante às pessoas ali mencionadas, sem alterar a condição objetiva dessa ação: a existência de sentença de mérito
transitada em julgado. O parágrafo único do art. 4” contribui para essa interpretação, na medida que se referiu ao
art. 485 do CPC, para acrescentar uma hipótese de rescindibilidade ao elenco dos seus incisos, sem lhe derrogar o
caput.
A norma só beneficia a União, os estados federados, o Distrito Federal, os municípios, as autarquias, as fundações
instituidas pelo poder público, e ninguém mais, não se admitindo uma interpretação extensiva da regra jurídica que, a
rigor, não confere legitimação, que já tinham as pessoas nomeadas. O art. 4” da Medida Provisória n”1.577 não
derrogou o art. 495 do Código de Processo Civil, pois não o revogou parcialmente. Apenas justapôs à sua norma,
uma outra, especial, deixando aquela de incidir onde recair esta (s~ 2” do art. 2” da Lei de Introdução ao Código
Civil).
Oprazo maior, de quatro anos, beneficia a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, as autarquias, não
importa a sua natureza, e as fundações instituidas pelo poder público, seja este federal, estadual, municipal. Não
assim as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações instituidas por particulares, Ou algum
território, que venha a ser criado. A ação rescisória dessas pessoas continua a submeter-se ao prazo decadencial do
art. 495.
Onovo prazo apanha o prazo da ação rescisória que já estivesse em curso quando do advento do art. 4” da Medida
Provisória n” 1.577, o qual fica estendido para quatro anos. Essa, aliás, a opinião de Pontes de Miranda, no
comentário n0 6, precedente, onde ele escreveu que “se o novo prazo tivesse sido, por exemplo, de seis anos, ter-se-ia
de atender àdilatação, que não prejudicaria o direito adquirido: beneficiá-lo-ia “. Entenda-se, porém, que, sejá
houvesse chegado ao termo final o prazo bienal da ação rescisória de qualquer das pessoas referidas no art. 40 da
medida provisória, esse prazo, coberto pela decadência, não se reabriria coní o advento daquele dispositivo.

Os legisladores precisam conhecer o conteúdo exato dos conceitos que empregam. Nos regimes democráticos, é dificil
que se não trave discussão em torno de algum conceito menos adequado à expressão da regra jurídica que se adota.
Nos regimes autocráticos, é impoliciada a feitura das leis e podem surgir monstruosidades como a do art. 15, parágrafo
único, do Decreto-lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942: “Não dependem de homo-logação as sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas”. Se “declaratórias” se refere às ações declarativas de filiação, é extremamente
grave conceder-se tal liberalidade a sentença que reputem B filho do brasileiro A, ou do estrangeiro A (casado com
brasileira, ou com filhos brasileiros, ou cuja herança haja de ir, se ele não deixou filhos, à Fazenda Pública do Brasil).
Seria esse o conceito científico de sentenças declaratórias. Se o tomamos a classificações de sentenças já superadas,
como a binária, a trinária e a quaternária, então o absurdo do art. 15, parágrafo único, é maior, e teria de levar a
aplicações desconcertantes, como a da 3a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal (29 de outubro de
1943, D. da J. de 18 de fevereiro de 1944), que, partindo da classificação binária (ações declaratórias ou de cognição,
ações executivas), concluiu que sentença de divórcio a vínculo é meramente declaratória e, pois, por ser desprovida de
efeito executivo, não precisa de homologação. ;Quantas afirmações erradas! A sentença de divórcio a vínculo, como a
própria sentença de desquite, é sentença constitutiva (negativa); tem efeito executivo, inclusive pode ter de executar-se
no Brasil quanto a bens. Pelo acórdão do Supremo Tribunal Federal, datado de 16 de maio de 1944 (R. J. R., 64, 192),
vê-se que as próprias partes não levaram em conta o art. 15, parágrafo único, revelador da superficialidade de
conhecimentos jurídicos dos redatores do decreto-lei, e pedem homologação ou não se sabe por que pedem e por que
se lhes defere exequatur.
A vênia ou licença que alguns sistemas jurídicos possuem para execução testamentária de estrangeiro não é sentença
integrativa do testamento regido pela lei brasileira, salvo a aplicação da regra Locus regit actum. Se
o testamento foi regido pela lei brasileira, ainda que feito no estrangeiro, e é suficiente, não há sentença a ser
homologada, porque seria exigir-se homologação do supérfluo: tal testamento apenas precisa de cumpra-se, no Brasil,
como se fosse testamento feito no Brasil. Certo, o Supremo Tribunal Federal, a 23 de junho de 1943 (R. F., 99, 670).
Aliter, se se regeu pela lei local e há algum ato judicial integrativo da forma, ou do fundo, ou de ambos, exigido pela
lei local.

1- UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

(a) As medidas que se tomaram nos arts. 476-479 são de grande relevo. Primeiro, porque supôem que os juizes se
ponham a ver o que há de dívergencia na jurisprudência, ou quando tal divergência ocorre entre os próprios membros
da turma, câmara, grupo de câmaras, ou do tribunal em plenário. Segundo, nos recursos têm os juizes de se informar
do que outro juízo coletivo haja julgado acertada interpretação de alguma regra jurídica, ou de, mediante exegese, haja
revelado como regra jurídica.
(b) Há dever dos juizes a esse respeito; e há a legitimação de qualquer uma das partes, ou assístentes, a inserir no texto
do recurso ou em requerimento avulso, que diante dos fundamentos que aponta os juizes decidam antes quanto a
esses pontos, que são quaestiones imuris.
Os juizes decidem se há, ou não, a divergência, que algum deles ou alguns deles comunicaram; e, depois de tal
enunciado declarativo, têm de votar os membros do tribunal quanto à interpretação que a maioria absoluta ou a
unanimidade julga certa.
E indispensável a fundamentação de cada voto. Não basta dizer-se que se vota de acordo com o juiz A, ou com o juiz
B.
A publicação obrigatória foi outra medida que merece elogio.

II- DECRETAÇÃo DE INCONSTITUCIONALIDADE

(a) Também a respeito da decretação de inconstitucionalidade, que pode ser a única ou uma das alegações, criou-se o
dever do relator de, ouvido o Ministério Público, logo submeter a questão à decisão do juízo coletivo a que incumba o
conhecimento do processo, seja de competência originária, ou não. Lavra-se o acórdão, mas a quaestio iuris vai ao
Tribunal pleno, qualquer que se~a o juízo coletivo. O acórdão é que se remete a todos os juizes do Tribunal pleno.

279 Const. 88, art. 97: “somente pelo voto da máioria absoluta de seus membros ou dos membros do
respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público’. Art. 93, XI: “nos tribunais com número superior a vinte e cinco
julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco
membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal
pleno”. Portanto, a competência para a declaração de inconstitucionalidade será do tribunal pleno,
referido pelo comentarista, ou, onde houver, do órgão especial.

(b) u,Qual a natureza do ato de remessa e qual a do julgamento? Rigorosamente, o que se tem de entender é que houve
deliberação, de que se lavrou o acórdão e implicitamente se recorreu de ofício, obrigatoriamente.

III - HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

(a) A pretensão à homologação da sentença estrangeira nasce a quem tem interesse (art. 3”) na produção de eficácia
de tal sentença no Brasil. A ela corresponde a ação de homologação. Nem aquela depende da pretensão de direito
material, tal Vez privado, que se invocou por ocasião da dedução in iudiciumn, nem essa da ação que foi, então,
exercida.
A propósito de homologação de sentença estrangeira, cumpre advertir-se que, se era de repelir-se ter-se a sentença
como resultado de contrato (e. g., G. Massé, Le Droit commercial dans ses rapports avec le Droit des gens et le Droit
civil, II, 66; André Weiss, Traité íhéorique et pratique de Droit international privé, VI, 8), é inegável que se trata de
prestação jurisdicional, que o Estado, monopolizando a justiça, prometera. Outra prestação jurisdicional é a decisão
que a homologa, ou lhe nega homologação.
O que se tem de examinar, para a homologação, o que se tem de examinar, para que haja o exequatur,25<> e a
sentença estrangeira. Há de tratar-se de sentença e há de ser estrangeira. Provê-se a isso em regras jurídicas gerais, ou
em tratados, sem que se possa estender o instituto às decisões extrajudiciais que não tenham eficácia de sentença. A
decisão arbitral está incluída, quer a legislação, que a rege, exija a homologação judicial,28’ ou qualquer outro meio de
cognição judicial (e. g., o recurso obrigatório), quer lhe atribua eficácia de decisão judicial; porque o que importa é
haver eficácia de decisão de que se pretenda, noutro Estado, a importação, como sentença estrangeira. Quanto às
decisões de outro poder que o judiciário, dotado de eficácia sentencial, como a decisão constitutiva negativa de
autoridade administrativa, e. g., Chefe de Estado, a que se atribui tal eficácia, não é possível falar-se de importação da
eficácia sem se homologar a sentença. O que se há de levar em conta é a decisão conforme a concepção do Estado de
importação, e não conforme a do Estado de produção da decisão. Esse, indubitavelmente, diz se foi atribuida a
eficácia que se quer exportar; mas aquele é que discrimina o que precisa e o que não precisa de homnologação.

280O art. 102. 1, h, da Const. 88 manteve a distinção entre hotnologoçdo da sentença estrangeira e conce.çsâo de
exequorur ás cartas rogatórias, tal como faz o RISTF, tratando da primeira no capítulo II (arts. 215 a 224), e da
segunda, no capítulo II (arts. 225 a 229) do título \‘lII da sua parte II.
281O art. 35 da Lei n0 9.307, de 23.09.96, que dispãe sobre a arbitragem, condiciona o reconhecimento ou a execução
da sentençá arbitral estrangeira unicamente á homologação do Supremo Tribunal Federal.
Se atendemos a que há decisões ‘judiciais” do Poder Legislativo e do Poder Executivo, não se pode, a priori, enunciar
que somente as decisões do Poder Judiciário são suscetíveis de homologação e precisam de homologação.
Quanto ao requisito da homologação, não concerne ele à produção de eficácia da decisão estrangeira, mas só à sua
importação. Nem se há de pensar em que a eficácia, por ser de decisão estrangeira, não se produziu; produziu-se, sim,
porém, ainda não foi importada. Nem, com a exigência da homologação, se reduz a sentença estrangeira a julgamento
lógico, algo de ajurídico, como queria Dionizio Anzilotti (nota a sentença, Rivista di Diritto internazionale, 1907, 354;
cf. Esecuzione delle sentenze straniere, 1910, 137), nem seria de admitir-se a concepção de que a sentença
homologatória destrói a sentença estrangeira e de que se põe no lugar dessa a sentença que homologou (G. Fusinato, L
‘Esecuzione delle sentenze straniere, 54).
O Estado de importação é que tem de dizer se a eficácia é sentemicial e se é de mister a homologação. Não vem ao
caso discutir-se se o Estado a que pertence a decisão atribuiu ao Poder Judiciário, ou ao Poder Legislativo, ou ao Poder
Executivo, a competência para decidir; porque o que se está a verificar é a legitimidade, ou não, da importação da
eficácia. Assim, para o Brasil, foi sentencial a decisão do rei da Dinamarca que desconstituiu casamento, e era de
exigir-se a homologação (certo, Haroldo Valíadão, Homologação da sentença estrangeira, 14 s.; sem razão, Clóvis
Beviláqua, Código Civil Comentado, III, 145, e 5. Sentis Melendo, La Sentencia extranjera, 38 s.). E preciso que se
não confundam com os pressupostos da homologação os pressupostos da sentença estrangeira. O problema torna-se
gritante a propósito de eficácia sentencial conferida, no estrangeiro, a decisões de outros poderes que o Poder
Judiciário, e de eficácia sentencial conferida, no estrangeiro, a laudos arbitrais independentemente de exame,
homologatório ou recursal, pelos juizes. Ao Estado de importação o que interessa é a eficácia sentencial, que se quer
importar, sem que o seu direito sobre laudos arbitrais possa ser imposto à decisão do Estado estrangeiro de que
procede o laudo (sem razão, entre outros, Paul Brachet, De 1 ‘Exécution internationale des sentences arbitrales, 5). Se
o laudo produz eficácia sentencial é o Estado competente para o processo arbitral que pode dizer:
foi ele que, competente para a distribuição da Justiça, permitiu o julgamento por árbitro, com os pressupostos que a
sua legislação estabeleceu. Se a eficácia sentencial e aqui ao Estado da importação é dado verificar a sentencialidade
da eficácia pode ser importada, é o Estado da importação que há de decidir.
As decisões em jurisdição voluntária estão sujeitas aos mesmos princípios. Se o Estado de importação considera
sentencial a eficácia que o Estado de produção confere à decisão, a homologação da decisão estrangeira é de mister.
Com isso, tomam-se sem interesse as discussões em tomo do conceito de jurisdição voluntária. Qual a eficácia que a
decisão em jurisdição voluntária tem, di-lo o Estado de produção da eficácia; e não se pode generalizar a outros
Estados o que o jurista sabe sobre o seu sistema jurídico. Dai não se poder, no Estado de importação, enunciar-se que a
homologação ou exequatur não é de mister para decisões em jurisdição voluntária (e. g.., E. Bartin, Principes de Droit
international privé, 473; Charles Lachau, Observations sur 1 ‘Exécution des jugements étrangers en France, II, 5). Se
partimos do que acima se disse, não cairemos nas perplexidades ou nas contradições de tantos juristas, nem nas
generalizações contra a importabilidade, ou porque se negue, a priori, a eficácia sentencial (e. g., Lodovico Mortara,
Comenta rio, V, 76), ou a priori se lhe atribua eficácia sentencial, ou na interpretação literal de Alberto M. Rodriguez
(Comentarios aí Codigo de procedimiento civil, II, 584; não se distinguiu, na lei; portanto, não se há de distinguir).
Desde o momento em que, noutro Estado, se entregou prestação jurisdicional, com eficácia sentencial, e se quer a
importação, porque dela se precisa, tem-se de atender à legislação do Estado de importação. O Estado de produção tem
a iurisdictio e a distribui, conforme os seus princípios constitucionais e legais; ao Estado de importação somente cabe
reconhecer, ou não, aquela iurisdictio, sem indagar se a repartição que o Estado de produção fez coincide, ou não, com
a sua. O Estado de importação e que há de dizer se é preciso haver homologação, para que se importe; e, pois, se
éimportável a eficácia sentencial que se produziu lá fora.
Entre a sentença na ação de homologação de sentença estrangeira e a sentença na ação rescisória há de comum terem
ambas por objeto exame de sentença: a res in iudicium deducta é sobre sentença. Aquela lhe confere eficácia no país
em que se importa a sentença; essa lhe tira a existência, pois que a rescinde. Na ação de homologação, a sentença
homologada é prius; a sentença de homologação, posterius. Na ação rescisória, a sentença rescindenda é prius; a
sentença do juízo rescindente, posterius. Pode ojuízo rescisório restaurar a relação jurídica processual, de modo que a
sentença, então proferida, é sucedânea da primeira. A sentença na ação de homologação e a do juízo rescindente têm
carga de eficácia que se não confunde com a carga de eficácia da sentença homologanda e a da sentença no juízo
rescisório.
(b) A sentença na ação de homologação é constitutiva de eficácia,. portanto integrativa, ainda que a sentença
homologada seja declaratória, condenatória, mandamental, ou executiva, e não constitutiva. Na sentença
homologatória, pode haver a retirada de algum elemento para se perfazer a carga de eficácia constitutiva. Salvo
algumas variantes, o que se passa pode ser posto na tabela seguinte:
(c) A invocabilidade da ordem pública, para corte de eficácia das leis estrangeiras, resulta de diferença de tempo social
entre as legislações, isto é, entre a legislação aplicada, que não é necessariamente a legislação do Estado da produção
de eficácia (Estado aplicador da lei), e a legislação do Estado de importação da eficácia. Se esse Estado corta a
eficácia da legislação estrangeira, é porque a regra jurídica, na escala da evolução social, está muito abaixo, ou muito
acima, do grau de evolução da legislação do Estado a que se pede a homologação ou exequatur.
(d) A eficácia das sentenças nunca é uma só. Temos frisado que há a eficácia preponderante, dita força, que serve à
classificação quinária das sentenças, e as demais eficácias, cuja soma é constante. Não há ações puras, nem sentenças
puras. Referiu-se Henry de Cock (Effets et Exécution des jugements étrangers, Recueil des Cours, 10, 437) a algo
como os raios do espectro solar, mas a imagem é inadequada, porque as cargas variam e os cinco elementos se
distribuem sem ser em espectração.
A homologação pode importar a irradiação da sentença com todas as suas cargas de eficácia, ou somente importar
algumas, ou alguma delas. De jeito que a seleção negativa se pode fazer, reduzindo-se a eficácia importada a menos do
que era e é, no Estado da produção a eficácia da sentença.
As teorias que só exigiam a homologação para eficácia executiva (5, 4, 3) eram apegadas a certa assimilação da
importação à permissão da constrição executiva. As imagens, que empregavam, refletiam o medievalismo do “braço
armado” (cf., por exemplo: Pietro Cogliolo, Se la sentenza straniera per avere in Italia l’autorità di cosa giudicata
debba essere sottoposta ad un giudizio di delibazione, La Legge, 1883, 1, 538; L. Mattirolo, Trattato di Diritto
Gitidizia rio Civile Italiano, VI, 636 e 653).
a) A eficácia declarativa é que dá ensejo à exceção de coisa julgada material. A declaração pode ser de se ter
constituído, ou de se ter desconstituído a relação jurídica, ou de se haver infringido obrigação, ou de se não haver
infringido; pode mesmo ser de ter havido, ou não, relação jurídica, que dê base à execução. ~,Como seria possível
deixar-se de exigir a homologação de tal sentença? Tinham razão, de sobra, os que lutaram contra a atitude de só se
atender à necessidade de homologação em se tratando de eficácia executiva e foram explícitos em exigi-la, a propósito
da eficácia declarativa (Giuseppe Saredo, em 1874; C. F. Gabba, em 1875; Pasquale Fiore, Questioni di diritto su casi
controversi, 436; Dionisio Anzilotti, desde 1901; A. Diana, la sentenza straniera e il giudizio di delibazione, Rivista di
Diritto internazionale, 1908, 72 e 85;.Julio Julianez Islas, Procedimientos civiles y comerciales, 45; Çarlos Dose,
Sentencia, Fuero extraterritorial en eI derecho privado, 35 s.; Alberto A. Day, Efectos internacionales de las
sentencias civiles y comerciales, 70). Não importa se é em exceção que se alega ter havido sentença declarativa, ou
com eficácia declarativa imediata ou mediata (sem razão, Hugo Alsina, Tratado teórico prá ctico de Derecho procesal
civil y comercial, III, 126). Atender-se a exceção é atender-se a eficácia.
A produção da sentença como elemento de prova é produção de meio de prova, e não importação de eficácia
sentencial, mesmo declarativa. O que se quer, então, é provar fato, e o juiz aprecia, com o princípio do livre
convencimento, aprova que se produziu. Não se importa eficácia sentencial; a sentença é apresentada como fato. Por
exemplo: se a dívida foi cobrada no estrangeiro a 10 de janeiro e houve sentença, não se pode admitir que tenha
havido falsificação do documento em março, se o conteúdo atual e o daquele momento coincidem; se houve pedido de
suplemento de idade e se produziu, no estrangeiro, prova de economia própria, o juiz do Estado em que se produz
prova, com a sentença estrangeira, pode atribuir valor probatório a esses dados produzidos alhures.
b) A eficácia constitutiva só se importa mediante a homologação da sentença estrangeira. Se negativa a
constitutividade, ou a) algo há, no Estado em que se alega a desconstituição, que ainda não foi desconstituído, ou
ainda não foi retirado por mandamento, ou b) o Estado, em que se argúi a inexistência (o desconstituído não é), é
estranho ao que se passou. Assim, tem ele de ignorar o casamento que se fez alhures, sem que o regesse a sua lei, se
transitou em julgado sentença estrangeira desconstitutiva (de nulidade, de anulação, ou de dissolução).
Se a sentença constituiu fora e se alega tal constituição, e. g., ter sido interditada a pessoa, é de mister a homologação,
pois o que se quer éimportação de eficácia sentencial.
c) A eficácia condenatória não pode ser importada sem homologação da sentença estrangeira. O que se disse, a
respeito da eficácia declarativa, a fortiori há de pesar quanto à eficácia condenatória, pois condenatoriedade é plus.
d)Tampouco se pode pensar que a eficácia mandamental se importe sem que tenha havido homologação ou dação de
exequatur. Quer se trate de constrição, quer não se trate de constrição; porque o mando estrangeiro, de si só, ofenderia
a soberania.

e) Não há execução no Estado de importação, se não houve homologação ou dação de exequatur. Porque seria
ofensivo à soberania a constrição no interior do Estado em que se não produziu a eficácia executiva.
(e) No art. 15, parágrafo único, do Decreto-lei na 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro), disse-se:
“Não dependem de homologação as sentenças meramente declarativas do estado das pessoas”. No art. 119,1, g, 2~
parte, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, dá-se ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar
e julgar, originariamente, “a homologação das sentenças estrangeiras”.283 As sentenças meramente declarativas do
estado das pessoas são raríssimas. Se alguém quer provar que nasceu no dia 13, e não no dia 2, a declaração opera-se
no Estado em que se dá a sentença, e envolve o mandamento de retificação se houve registro no Estado da produção
da eficácia. Mas, se o registro foi alhures, não; porque o Estado em que se fez o registro estaria a importar eficácia
mandamental de sentença estrangeira. No fundo, só se dispensaria a homologação se não se precisasse de importar
eficácia sentencial, por todos os elementos terem ocorrido alhures e apenas se atender ao que consta dos documentos
sobre a pessoa. Responsável pela afirmação errada de que as sentenças sobre o estado e capacidade são “meramente
declarativas” foi Clóvis Beviláqua (Princípios elementares de Direito internacional privado, 446), que, em verdade,
nunca se interessara pelo assunto, árduo, da classificação das ações e das sentenças. Ora, as ações sobre o estado e
capacidade rarissimamente são declarativas. Quem interdita não só declara. Quem suplementa idade faz mais do que
declarar. Quem decreta desquite ou dissolução de casamento desconstitui. Diante do texto constitucional, de hoje e de
antes, não se podia nem se pode admitir que alguma lei abra exceção ao princípio da necessária homologação das
sentenças estrangeiras. Por isso, temos de considerar nulo qualquer ato em que ojuiz ou alguém repute importado o
efeito declarativo ou mesmo a força declarativa de sentença estrangeira sobre estado das pessoas.
(O A expressão “comerciante brasileiro” estava no art. 786 do Código de 1939, em vez de “comerciante com a
nacionalidade brasileira”. Tratava-se, ai, de nacionalidade da pessoa jurídica, ou da empresa, ainda individual,
registrada no Brasil. O estrangeiro, que é comerciante no Brasil e no Brasil está domiciliado, é “comerciante
brasileiro”, para que se lhe não possa decretar falência no estrangeiro, com importação da eficácia sentencial pelo
Brasil. Nem a sentença de sua falência, decretada no estrangeiro, pode ser homologada no Brasil, e os seus efeitos
importados apenas não atingem o estabelecimento que o mesmo tenha no Brasil. Não se precisava da inserção da regra
jurídica que estava no Código de 1939, art. 788.254
Se o comerciante é estrangeiro e domiciliado no estrangeiro, há homologabilidade; mas, antes de homologada a
decisão estrangeira, podem os síndicos, administrador, curadores ou representantes legais da massa requerer
diligências cautelares, exercer ações de cobrança e outras, sem que se lhes possa exigir caução às custas; a seu turno,
os credores domiciliados no Brasil, que antes da homologação intentaram ações, podem prosseguir e executar sem
concurso os bens do falido situados no Brasil.
(g) A hipoteca judiciária (art. 466 e parágrafo único) somente pode fazer-se no Brasil depois de homologada a
sentença estrangeira. Trata-se de efeito anexo, constitutivo (é absurdo considerá-lo declarativo, como Enrico la
Loggia, L.a Esecuzione delle sentenze straniere, 21).
(h) A ação de homologação de sentença estrangeira é um exercício da pretensão à homologação. Não é continuação
da ação exercida no estrangeiro; é outra ação. O direito do Estado de importação é que permite que se importem
eficácias sentenciais e promete a tutela jurídica. Os pressupostos para homologação, fixa-os o direito processual do
Estado de importação.
É preciso que haja a necessidade da tutela jurídica, o interesse de agir. O próprio vencido na ação que se julgou no
estrangeiro pode ter interesse em que se homologue a sentença estrangeira; não só o vencedor (certos, e. Bartin,
Principes de Droit international privé, 486; Santiago Sentis Melendo, La sentencia extranjera, 1 54)~255
O Estado de importação exerce o seu poder de distribuir justiça; não é parte. Não está em causa soberania, posto que
tenha de examinar se é legal a importação da eficácia sentencial (sem razão, G. Fusinato, Delibazione, Giudizio di,
Enciclopedia Giuridica Italiana, IV, 618). A ação não é de direito público, mas sim de direito privado, ou, se a
eficácia que se importa é de direito público, de direito público é a ação de homologação.
A sentença homologatória da sentença estrangeira é sentença, importa eficácia sentencial; o momento b, posterior à
homologação, é diferente do

284 Essa regra, que excluia dos efeitos da sentença estrangeira de falencia do comerciante
estabelecido no território nacional o seu estabelecimento no Brasil, não foi repetida. nem no CPC, nem
no RISTF, cujo art. 216 declara apenas que “não será homologada sentença que ofenda a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes”, deixando ao Supremo a fixação desses conceitos
indeterminados.
285Por isso mesmo, o art. 218 do RISTF declara que ‘a homologação será requerida pela parte
interessada”, ampliando assim a legitimação.

momento a, anterior a ela. Sentença, portanto, constitutiva. Não se pode dizer que se trate de simples “visto”, porque
isso reduziria a homologação a puro ato administrativo, reminiscência da atribuição de homologar, de dar exequatur,
que tinha o Poder Executivo, mas, ainda para esse tempo, não seria adequada a redução em todos os sistemas jurídicos.
Alguns autores tinham a sentença homologatória como declarativa, porque entendiam que a eficácia sentencialjá
estava no Estado homologante e a sentença apenas declararia essa importação automática; outros, porque não sabiam
bem qual a diferença entre a declaratividade e a constitutividade. Outros confundiam o exame da sentença estrangeira,
que é objeto do processo homologatório, com a eficácia da sentença de homologação, que importa a eficácia da outra
sentença (e. g., G. Fusinato, Delibazione, Giudizio di, Enciclopedia Giuridica Italiana, IV, 919). Certos, Giuseppe
Chiovenda (Principii, 306) e Gaetano Morelli (II Diritto processuale civile internazionale, 289 s.).
A retroeficácia é segundo os princípios: o que se constitui é a importação; de modo que se importa, de regra ex tunc.
Se a eficácia sentencial importada é no futuro (condicional ou a termo), só se importa com tal protraimento.

IV - AÇÃO RESCISÓRIA

(a) Os errores in procedendo produziam, em direito romano, a inexistência do julgado: eram, pois, razão para se
declarar a nuilitas; não para se decretar a desconstituição. A impugnação da sentença para a desconstituir foi criação
do século XII (conforme A. Skedl, Die Nichtigkeitsbeschwerde, 54 s.), que levou mais de dois séculos para se
desenvolver. A ação rescisória não nos vem daí, porque essa nos chegou no século VII, desde a Lex Visigothorum, sob
influência romana. Ainda em 1939, aquele obsoleto e contraditório “nula” do Código de 1939, art. 798, e ‘juiz
peitado” foram ecos do século VII. O “nula” é romanismo; estava, aí, em vez de “rescindível”, e o juiz peitado, pelo
juiz que “male iudicaverit per quodlibet commodum”. Desapareceu o caso do juiz que errou, “per ignorantiam iniuste
iudicaverit”, mas perseverou a infração do direito expresso, sob outras designações. O direito visigótico já
transformara em nulidade a inexistência, surgindo a ordem do juiz rescindente para emendare. A competência
pertencia ao superior; e as ações rescisórias, quando, hoje, são atribuidas só aos tribunais, denunciam a regressão
psíquica, assaz explicável no tempo em que recentemente se edictou a regra jurídica, rememorando a reclamatio aos
reis.

Antes de se haver caracterizado nos estatutos italianos a querela nuílitatis, já o direito visigótico havia mudado o
tratamento das sentenças:
em vez da inexistência romana dos julgados, era de não-validade que se falava, porém não ipso iure. Daí não se mais
distinguir o error in procedendo e o error in iudicando.
A querela de nulidade fez dupla evolução uma, fusionante, que foi a de cumular-se com a apelação e, mais tarde,
enchê-la; outra, diferenciante, que foi a de despregar-se dos traços comuns com a apelação. (Sobre isso, Josef Kohler,
Prozess und Nichtprozess, 125 s., e A. Skedl, Die Nichtigkeitsbeschwerde, 110 s., que estudaram as duas fases,
acentuando-as a seu jeito.) Veio até nós a fusão, quer na apelação, quer nos embargos infringentes do julgado. A
querela-ação acantonou-se no reduto dos errores in procedendo, quando a sentença mesma não os sana (art. 741, 1),
ou quando estão na própria sentença. O princípio germânico da validade formal da sentença e os princípios romanos
da nuílitas encontram, aí, uma das suas melhores sínteses.
A bifurcação da evolução, a que aludimos, levou-nos ao *Nttllitas venit accessorie et incidenter in appellatione, que
se transformou em simples Nuílitas venit in appellatione, e ao *Nitllitas principaliter deducta est actio ordinaria.
A actio nuílitatis, isto é, a demanda de nulidade per viam principaliter petitionis, podia ser proposta perante o juiz da
sentença, já no século XVI. A prescrição (?) passou a ser de trinta anos, como para as outras ações. Foi-se-lhe o efeito
suspensivo; depois, o próprio efeito devolutivo.
A distinção entre nulidades sanáveis e nulidades insanáveis da sentença foi resultante da influência romana, após a
aceitação do princípio germânico da validade formal da sentença: a “insanabilidade” era o broto, em tempos novos, da
perpetuidade da nuílitas (= inexistência) das sentenças romanas. O art. 741,1, é reminiscência disso; mais ainda, a ação
de nulidade ipso iure e a exceptio nuílitatis, alegável pelo que, em pleito, vê o seu contendor opor a exceção de coisa
julgada.
No século VII, com a Lex Visigothorum, teve a península hispânica, além da querela por denegação de justiça, a ação
contra o juiz suspeito, com restituição em íntegro, e remédio contra a sentença injusta, em caso de corrupção (per
quodlibet co,nmodum), ou erro (per ignorantiam iniuste iudicaverit), o que dava ensejo a sanção de nulidade (quod
iudicabit non valeat). Resta saber-se era não valer mesmo (existir e ser nulo), ou, segundo o direito romano
republicano e clássico, não existir. W. Seelmann (Der Rechtszug, 911) tentou mostrar que era ação declarativa, porém
não o conseguiu; e prevaleceu o que demonstrou A. Von Bethmann-Hollweg (Der Civilprozess, IV, 122 s), sobre ser
constitutiva.
A ação rescisória, julgamento de julgamento como tal, não se passa dentro do processo em que se proferiu a decisão
rescindenda. Nasce fora, em plano pré-processual, desenvolve-se em tomo da decisão rescindenda, e somente ao
desconstituí-la, cortá-la, rescindi-la, é que abre, no extremo da relação jurídica processual examinada, se se trata de
decisão terminativa do feito, com julgamento, ou não, do mérito, ou desde algum momento dela, ou no seu próprio
começo (e. g., vício da citação, art. 485,1,11 e V), a relação jurídica processual. Abrindo-a, o juízo rescindente penetra
no processo em que se proferiu a decisão rescindida e instaura o iudicium rescissorium, que é nova cognição do
mérito. Pode ser, porém, que a abra, sem ter de instaurar esse novo juízo, ou porque nada reste do processo, ou porque
não seja o caso de se pronunciar sobre o mérito. A duplicidade de juízo não se dá sempre; a abertura na relação
jurídica processual pode não levar à tratação do mérito da causa: às vezes, é limitada ao julgamento ~de algum recurso
sobre quaestio iuris; outras, destruidora de toda a relação jurídica processual; outras, concernente à decisão que negou
recurso (e então a relação jurídica processual é aberta, para que se recorra); outras, apenas atinge o julgamento no
recurso, ou para não o admitir (preclusão), ou para que se julgue o recurso sobre quaestio iuris. A sentença rescindente
sobre recurso, que continha injustiça, é abertura para que se examine o que foi julgado no grau superior, sem se
admitir alegação ou prova que não seria mais admissível, salvo se a decisão rescindente fez dessa inadmissão motivo
de rescisão. (Sem razão, ainda no direito italiano, Francesco Camelutti, Istituzioni, 3a ed., 1, 553.) Tudo que Ocorreu, e
o itidicium rescindens não atingiu, ocorrido está: o que precluiu não se reabre; o que estava em preclusão, e foi
atingido, precluso deixou de estar. Retoma-se o tempo, em caso raro de reversão, como se estaria no momento mais
remoto a que a decisão rescindente empuxa a sua eficácia, se a abertura na relação jurídica processual foi nos
momentos anteriores à decisão final no feito.
A sanação da nulidade da sentença, precluso o prazo, tal como ocorre nas execuções (art. 741, 1), mostra, de si só,
como, depois que a ação de nulidade tratou os defeitos da sentença como causadores de invalidade, em vez de
causadores de inexistência, ainda se permitiu a sanação (“imo sententia sit et habeatur pro valida et soleniter lata et
data”). Isso não quer dizer que, nos outros casos, a sentença fosse inexistente: a sentença nula ipso iure existe ainda
precisa de ser desconstituida, pois, sem isso, continuará de nulamente existir. O prazo para a ação tendente à sua
desconstituição não começa a correr antes de ter de falar: se ainda cabe recurso no recurso; se já transitou em julgado,
quando a sua eficácia atinja o interessado. O prazo é o do art. 738, 1, ou o do art. 632, se se trata de sentença
condenatória. Será outro, conforme a força ou efeito da sentença. A alegação de nulidade ipso iure da sentença
constitutiva há de ser quando se integre a constituição; da sentença mandamental, quando se dê cumprimento ao
mandado; da declaratória, quando se promova a prestação a preceitação, ou se lhe dê alguma outra eficácia; da
sentença executiva, imediatamente à citação (arts. 213, 585, 598, e 641, por exemplo); do mandado executivo
(elemento sentencial), dentro dos prazos dos arts. 738 e 746. Mas sempre ciente o interessado.
(b) O juiz da execução não pode admitir ação constitutiva negativa contra a sentença, salvo se de nulidade ipso iure,
ou nos embargos do devedor, e. g., se se trata de caso do art. 741, 1. Não precisa o executado propor, no juízo próprio,
a ação de nulidade ipso iure (constitutiva negativa). Tal atitude do nosso direito mostra que cedo acordamos para a
concepção publicistica do processo e não poderíamos tratar a sentença como os negócios jurídicos privados, mantendo
a relação “nula = inexistente” que permitia ao direito romano ações declaratórias da nulidade da sentença. Isso seria,
para a dogmática de hoje, contradição. Tanto quanto ação de restituição contra a sentença.
(c) Não há princípio a priori que subordine a ação rescisória à competência do juiz superior, nem à competência do
mesmo juiz. O princípio, se o queremos extrair, é o principio daparmaiorvepotestas (do juízo igual ou superior). A
atribuição ao juiz superior não torna “recurso” o remédio jurídico da ação de rescisão, como ao tempo da distinção
(estranha às nossas fontes) entre a querela nuílitatis e actio nuílitatis. O que há de querela de nulidade contra a
sentença entrou ou na apelação, ou nos embargos infringentes do julgado, ou no agravo de instrumento, ou no recurso
extraordinário.258
Conforme expusemos, com o fato de as Constituições federais, inclusive a vigente (Constituição de 1967, com a
Emenda n0 1, art. 119, 1, in), e art. 122, 1, a), referentes ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Federal
257 de Recursos), nao atnbuírem aos tribunais federais a competência originária para julgar ação rescisória de juízos
infenores,- a lei ordinária não pode retirar dos juízos singulares federais a competência para o processo e julgamento
das ações de rescisão das suas sentenças.289

286 Por certo, o autor mencionaria, hoje, o recurso especial.


287 Const. 88, art. 102, I,j; art. 105, 1, e.
288O que faz a Const. 88, no ai. 108, 1, b, dando competencia aos Tribunais Regionais Federais para
as açôes rescisórias de julgados seus ou dos juizes federais da região.
289 Opinião insustentável na vigência da Const. 88, diante do seu art. I08. 1, b, referido na nota 288.
(d) A ação rescisória do sistema luso-brasileiro mantém o iudicium rescindens, talvez exaunente, e o
indicium rescissorium, se é de abrir-se sem quebra dos princípios fundamentais do processo. Se a
sentença éatingida (uma vez que houve sentença), e se pediu o rejulgamento “non solum super
nuílitate, verum etiam super iustitia vel iniustitia ipsius sententiae pronunciare potest eo modo quo
iudex primus pronunciare debebat”. Não assim, se se atingiu algo antes da sentença, ou se alguma
sentença não houve.
Se a rescisão apanha o processo (não só a sentença) e do rescindido dependeu a sentença, todo o rescindido se há de
completar, ou, tratando-se de defeito inicial, não há mais processo, ou relação jurídica processual, reservato iure apte
agendi. Daí poder baixar, para que, recomposto o rescindido, o juiz dê a sentença e haja os recursos. O juiz, ou o
tribunal, se só se atingiu o processo em superior instância, inclusive a revisional e a do recurso extraordinário. Aqui,
convém retificar a regra (falsa) de que a ação rescisória devolvit negotium ad cognitionem iudicis superioris ad instar
appellationis. Isso só seria possível quanto às querelas recursais de nulidade, posto que, ainda quanto à querela
nuílitatis, não fosse de admitir-se (a respeito, PIERO CALAMANDREI, La Cassazione Civile, 1, 177 s.).
Cumpre advertir-se em que a rescisão tem os seus limites: se ela deixa ao juízo inferior julgar, porque só se rescindiu a
sentença, ou desde outro ponto processual de que se possa prosseguir e sentenciar de novo, cabe ação rescisória do que
for julgado, no rescisório, com base no art. 485, V, e ex hypothesi não houve sentença rescindente quanto ao julgado
no rescisório.

Vous aimerez peut-être aussi