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CAPíTULO QUINTO
SINAIS DE CULTURA
SUPERIOR E INFERIOR
224.
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.
HUMANO, DEMASIADO HUMANO SINAIS DE CULTURA...
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SINAIS DE CULTURA...
HUMANO. DEMASIADO HUMANO
perigosos para elesj então dizem, ou sentem: ele não pode ter
Inglaterra, mas deparou com o cristianismo e o modo de ser
razão, pois nos prejudica.
inglês e os adotou sem razões, como alguém que, nascendo
numa região vinícola, torna-se bebedor de vinho. Maistarde, já
cristão e inglês, talvez tenha encontrado algumas razões em prol 228.
de seu hábitoj podemos desbancar essas razões, não o desban-
caremos na sua posição. Se obrigarmos um espírito cativo a O caráter bom eforte. - A estreiteza de opiniões, transforma-
apresentar suas razões contra a bigamia, por exemplo, veremos da em instinto pelo hábito, leva ao que chamamos de força de
se o seu santo zelo pela monogamia é baseado em razões ou no caráter. Quando alguém age por poucos, mas sempre os mesmos
hábito. Habituar-se a princípios intelectuais sem razões é algo motivos, seus atos adquirem grande energiaj se esses atos harmo-
que chamamos de fé. nizarem com os princípios dos espíritos cativos, eles serão reco-
nhecidos e também produzirão, naquele que os perfaz, o
sentimento da boa consciência. Poucos motivos, ação enérgica e
227. boa consciência constituem o que se chama força de caráter. Ao
indivíduo de caráter forte falta o conhecimento das muitas possi-
Deduzindo razões e não-razões das conseqüências. - bilidades e direções da açãoj seu intelecto é estreito, cativo, pois
Todos os Estados e ordens da sociedade: as classes, o matrimô-
em certo caso talvez lhe mostre apenas duas possibilidades; entre
nio, a educação, o direito, adquirem força e duração apenas da essas duas ele tem de escolher necessariamente, conforme sua
-
fé que neles têm os espíritos cativos ou seja, da ausência de natureza, e o faz de maneira rápida e fácil, pois não tem cinqüen-
razões, pelo menos da recusa de inquirirpor razões. Isso os espí- ta possibilidades para escolher. O ambiente em que é educada
ritos cativos não gostam de admitir e sentem que é um puden- tende a tornar cada pessoa cativa, ao lhe pôr diante dos olhos um
dum [algo de que se envergonhar]. O cristianismo, que era número mínimo de possibilidades. O indivíduo é tratado por seus
muito ingênuo nas concepções intelectuais,102 nada percebeu educadores como sendo algo novo, mas que deve se tomar uma
desse pudendum, exigiu fé e nada maisque fé e rejeitou apai- repetição. Se o homem aparece inicialmente como algo desco-
xonadamente a busca de razões; apontou para o êxito da fé: nhecido, que nunca existiu, deve ser transformado em algo
vocês logo sentirão a vantagem da fé, insinuou, graças a ela se conhecido, já existente. O que se chama de bom caráter, numa
tornarão bem-aventurados. O Estado procededa mesma forma, criança, é a evidência de seu vínculo ao já existentej pondo-se ao
na realidade, e todo pai educa o filho também assim: apenas lado dos espíritos cativos, a criança manifesta seu senso de comu-
tome isso por verdade, diz ele, e sentiráo bem que faz. Masisso nidade que despertaj é com base neste senso de comunidade que
significa que a verdade de uma opinião seriademonstrada pela ela depois se tomará útil a seu Estado ou classe.
utilidade pessoal que encerraj que a vantagem de uma teoria
garantiria sua certeza e seu fundamento intelectual. É como se
um réu falasse no tribunal: meu defensor diz a verdade, pois
I
J'
'~i' 229.
vejam a conseqüência do seu discurso:sereiabsolvido.- Como
Medida das coisas nos espíritoscativos. - Há quatro espé-
os espíritos cativos têm princípios por causa de sua utilidade,
presumem que o espírito livrebusque tambéma própria vanta- cies de coisas que, dizem os espíritos cativos, são justificadas.
Primeiro: todas as coisas que duram são justificadasj segundo:
gem com suas opiniões, e só tome por verdadeiroo que lhe con-
todas as coisas que não nos importunam são justificadas;tercei-
vém. Mas,parecendo-lhe útil o oposto daquiloque é útil a seus
ro: todas as coisas que nos trazem vantagem são justificadasj
patrícios e seus pares, estes supõem queos seus princípios são
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quarto: todas as coisas que nos custaram sacrifíciossão justifica- achar uma saída, descobre às vezes um caminho que ninguém
das. Esta última explica, por exemplo, por que uma guerra que conhece: assim se formam os gênios, dos quais se louva a origi-
se iniciou contra a vontade do povo é prosseguida com entusias- nalidade. - Já foi mencionado que uma mutilação, um aleija-
mo, tão logo se tenham feito sacrifícios. - Os espíritos livres mento, a faltarelevante de um órgão, com freqüência dá ocasião
que sustentam sua causa perante o fórum dos espíritos cativos a que outro órgão se desenvolva anormalmente bem, porque
têm que demonstrar que sempre houve espíritos livres, ou seja, tem de exercer sua própria função e ainda uma outra. Com base
que o livre-pensar já tem duração; depois, que eles não querem nisso pode-se imaginar a origem de muitos talentos brilhantes.
importunar; e, por fim, que em geral trazem vantagens para os - Dessas indicações gerais quanto ao surgimento do gênio
espíritos cativos.Mas,como não podem convencê-Ios deste últi- faça-se a aplicação ao caso específico, o da gênese do consuma-
mo ponto, de nada Ihes vale ter demonstrado o primeiro e o do espírito livre.
segundo.
232.
230.
Espritfort [espírito forte], - Comparado àquele que tem a Conjectura sobre a origem do livre-pensar. - Assim como
tradição a seu lado e não precisa de razões para seus atos, o espí- aumentam as geleiras, quando nas regiões equatoriais o sol atinge
rito livre é sempre débil, sobretudo na ação; pois ele conhece os mares com mais ardor do que antes, também um livre-pensar
demasiado motivos e pontos de vista, e por isso tem a mão inse- muito forte e abrangente pode ser testemunho de que em algum
gura, não exercitada. Que meios existem para torná-Io relativa- ponto o ardor do sentimento cresceu extraordinariamente.
mente forte, de modo que ao menos se afirme e não pereça
inutilmente?Como se forma o espírito forte (espritf011)?Este é,
num caso particular, o problema da produção do gênio. De 233.
onde vem a energia, a força inflexível,a perseverança com que
A voz da história. - A história parece, em geral, dar o
alguém, opondo-se à tradição, procura um conhecimento intei-
ramente individual do mundo? seguinte ensinamento sobre a produção do gênio: "Maltrateme
atormentem os homens", assim grita ela às paixões da inveja,do
ódio e da competição, "incitem-nos ao limite, um contra o ou-
231. tro, povo contra povo, ao longo de séculos; então, como que de
uma centelha solta no ar pela terrível energia assim criada, tal-
A origem do gênio. - A engenhosidade com que o prisio-
vez se inflame subitamente a luz do gênio; e então a vontade,
neiro busca meios para a sua libertação, utilizando fria e
como corcel enfurecido pela espora do cavaleiro, irrompe e
pacientemente cada ínfima vantagem, pode mostrar de que
salta para um outro campo". - Quem tivesse consciência de
procedimento a natureza às vezes se serve para produzir o gênio
- palavra que, espero, será entendida sem nenhum ressaibo
como o gênio é produzido, e quisesse também pôr em prática
mitológico ou religioso -: ela o prende num cárcere e estimu- esse modo habitual da natureza, teria de ser mau e inconsidera-
la ao máximo o seu desejo de se libertar.- Ou, para recorrer a do como a natureza. Mas talvez tenhamos ouvido mal.
outra imagem: alguém que se perdeu completamente ao cami-
nhar pela floresta, mas que, com energia invulgar,se esforça por
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O gênio e o Estado ideal em contradição. - Os socialistas As zonas da cultura. - Podemos dizer, utilizando um sími-
querem o bem-estar para o maior número possível de pessoas. le, que as eras da cultura correspondem aos diversos cinturões
Se a pátria permanente desse bem-estar, o Estado perfeito, fos- climáticos, com a ressalva de que estão uma atrás da outra, e não
se realmente alcançada, esse próprio bem-estar destruiria o ter- ao lado da outra, como as zonas geográficas. Em comparação
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com a zona temperada da cultura, para a qual é nossa tarefa pas- suas obras e tão-somente a perfeição); sim, o Renascimento teve I
sar, a era transcorrida dá a impressão, no conjunto, de um clima forças positivas que até hoje não voltaram a ser tão poderosas em I
tropical.Violentos contrastes, brusca alternância de dia e noite, nossa cultura moderna. Foi a Idade de Ouro deste milênio, ape- I
calor e magnificência de cores, a veneração do que é repentino, sar de todas as manchas e vícios. Contrastando com ele se acha a I
misterioso, terrível, a rapidez dos temporais, em todo lugar o Reforma alemã, como um enérgico protesto de espíritos atrasa- I
pródigo extravasamento das cornucópias da natureza: já em dos, que não se haviam cansado da visão medieval do mundo e
nossa cultura, um céu claro, embora nào luminoso, um ar puro, percebiam os sinais de sua dissolução, a extraordinária superficia-
I.
quase invariável, agudeza, ocasionalmente frio: assim as duas lização e exteriorização da vida religiosa, com profundo mal-estar I'
zonas se distinguem uma da outra. Ao vermos como lá as pai- e não com júbilo, como seria apropriado. Levaram os homens a I.
,xões mais furiosas são abatidas e destroçadas com força estra- recuar, com sua energia e obstinação de nórdicos, e com a violên-
nha por concepções metafísicas, é como se à nossa frente, nos cia de um estado de sítio forçaram a Contra-Reforma, isto é, um
trópicos, tigres selvagens fossem esmagados sob os anéis de cristianismo católico defensivo, e, assim como retardaram de dois
monstruosas serpentes; em nosso clima espiritual não há even- a três séculos o despertar e o domínio da ciência, tomaram impos-
tos assim, nossa imaginação é temperada; mesmo em sonhos sível a plena junção do espírito antigo com o moderno, talvez para
não nos acontece o que povos anteriores viam de olhos abertos. sempre. A grande tarefa da Renascença não pôde ser levada a
Mas não podemos estar felizes com essa mudança, mesmo cabo, impedida que foi pelo protesto do ser alemãolO3que então
admitindo que os artistas foram seriamente prejudicados pelo havia ficado para trás (e que na Idade Média tivera sensatez bas-
desaparecimento da cultura tropical, e a nós, não-artistas, nos tante para renovada mente atravessar os Alpes para a sua salva-
consideram um pouco sóbrios demais?Neste sentido, os artistas ção), Foi o acaso de uma constelação política excepcional que
talvez tenham o direito de negar o "progresso", pois pode-se no preservou Lutero e fez o protesto ganhar força: o imperador o pro-
mínimo duvidar que os últimos três milênios evidenciem uma tegeu, a fim de usar sua inovação como instrumento de pressão
marcha de progresso nas artes; do mesmo modo, um filósofo sobre o papa, e do mesmo modo o papa o favoreceu em sigilo,
metafísico como Schopenhauer não terá motivo para reconhe- para usar os príncipes protestantes como contrapeso ao impera-
cer um progresso, se olhar para os quatro últimos milênios de dor. Sem esse estranho concerto de objetivos, Lutero teria sido
filosofiametafísica e de religião. - Para nós, no entanto, a pró- queimado como Hus - e a aurora do IIuminismoteria surgido
pria existência da zona temperada da cultura conta como pro- talvez um pouco antes, e com brilho mais belo do que agora
gresso. podemos imaginar.
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Renascimento e Reforma.- O Renascimentoitaliano abriga- Justiça para com o deus em evolução. - Quando toda a his-
va em si todas as forças positivasa que devemos a cultura moder- tória da cultura se abre aos nossos olhos como um emaranhado
na: emancipação do pensamento, desprezo das autoridades, de idéias nobres e más, falsas e verdadeiras, e quando, à vista
triunfo da educação sobre a arrogância da linhagem, entusiasmo..... dessa rebentação de ondas, a pessoa é quase tomada de enjôo,
pela ciência e pelo passado científico da humanidade, desgrilhoa- entendemos o consolo que há na idéia de um deus em evolu-
mento do indivíduo, fiama da veracidade e aversão à aparência e ção:J[);ele se revela cada vez mais nas transformações e vicissi-
ao puro efeito (flama que ardeu numa legião de naturezas artísti- tudes da humanidade, nem tudo é mecanismo cego, interação
cas que exigiam de si, com elevada pureza moral, a perfeiçào de de forças sem sentido e objetivo. A divinização do vir a ser é uma
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perspectiva metafísica - como de um farol à beira do mar da que o ser humano é e o que quer representar? Sentimos esses
História-, na qual uma geração muito historicizantede eruditos contrastes de modo inteiramente diverso quando Ihes buscamos
achou consolo; não podemos nos irritarcom isso, por mais erra- as causas. Quanto mais profunda a compreensão que alguém
da que talvez seja esta concepção. Apenas quem, como Scho- tiver da vida, tanto menos zombará, mas afinal talvez ainda
penhauer, nega o desenvolvimento, nada sente da misériadessa zombe da "profundidade de sua compreensão".
rebentação de ondas da história, e, por nada saber e nada sentir
quanto a esse deus em evolução e a necessidade de admiti-Io,
pode justamente dar vazão a seu escárnio. 241.
Gênio da cultura. - Se alguém imaginar um gênio da cultu-
239. ra, qual a sua natureza? Ele utiliza tão seguramente, como seus
instmmentos, a mentira, o poder, o mais implacável egoísmo,
Osfrutos conforme a estaçào. - Todo futuro melhor que se que só poderia ser chamado de mau e demoníaco; mas os seus
deseja para a humanidade é, necessariamente, também um futu- objetivos, que transparecem aqui e ali, são grandiosos e bons.
ro pior em vários aspectos: pois é simples exaltação acreditar que Ele é um centauro, meio bicho, meio homem, e além disso tem
um novo e superior estágio da humanidade reuniria todos os asas de anjo na cabeça.
méritos dos estágios anteriores e, por exemplo, engendraria tam-
bém a forma suprema de arte. Cada estação do ano tem os seus
méritos e atrativos, e exclui aqueles das outras. O que cresceu a 242.
partir da religião e em sua vizinhança não pode crescer nova-
mente, se ela estiver destmída; no máximo, alguns rebentos
Educaçào milagrosa.- O interesse pela educação só
extraviados e tardios podem levar à ilusão acerca disso, tal como
ganhará força a partir do momento em que se abandone a cren-
a lembrança da arte antiga que surge temporariamente: um esta-
ça num deus e em sua providência: exatamente como a arte
do que talvez 'revele o sentimento de perda e de privação, mas
médica só pôde florescer quando acabou a crença em curas
não é prova da força de que poderia nascer uma nova arte.
milagrosas. Mas até agora todos crêem ainda na educação mila-
grosa: viram que os homens mais fecundos, mais poderosos se
240. originaram em meio a grande desordem, objetivos confusos,
condições desfavoráveis; como poderia isto suceder normal-
A crescente severidade do mundo. - Quanto mais se eleva mente?
a cultura de um homem, tanto mais domínios se furtam ao gra- Hoje se começa a olhar mais de perto, a examinar mais cui-
cejo e ao escárnio. Voltaireera grato aos céus pela invenção do dadosamente também esses casos: ninguém descobrirá milagre
matrimônio e da Igreja: assim cuidaram muito bem da nossa neles. Emcondições iguais,inúmeras pessoas pere<;emcontinua-
diversão. Masele e sua época, e antes dele o século XVI,zomba- mente, mas o indivíduo que se salva toma-se habitualmente mais
ram desses temas até o fim; toda graça que ainda hoje se faz forte, porque suportou tais condições mins mediante uma
nesse âmbito é tardia, e principalmente barata demais para atrair indestmtível força inata, e ainda exercitou e aumentou essa
compradores. Atualmente perguntamos pelas causas; é o tempo força: eis como se explica o milagre. Uma educação que já não
da seriedade. Quem se interessa, hoje, por ver à luz do humor crê em milagres deve prestar atenção a três coisas: primeiro,
as diferenças entre realidade e pretensiosa aparência, entre o quanta energia é herdada?; segundo, de que modo uma nova
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energia pode ainda ser inflamada?; terceiro, como adaptar o
indivíduo às exigências extremamente variadas da cultura, sem Na vizinhança da loucura. - A soma dos sentimentos,
que elas o incomodem e destruam sua singularidade? - em conhecimentos, experiências, ou seja, todo o fardo da cultura,
suma, como integrar o indivíduo ao contraponto de cultura pri- tornou-se tão grande que há o perigo geral de uma superexcita-
vada e pública, como pode ele ser simultaneamente a melodia ção das forças nervosas e intelectuais; as classes cultas dos paí-
e seu acompanhamento? ses europeus estão mesmo cabalmente neuróticas, e em quase
todas as suas grandes famílias há alguém próximo da loucura.
Sem dúvida, há muitos meios de encontrar a saúde atualmente;
243. mas é necessário, antes de tudo, reduzir essa tensão do sentir,
o futuro do médico. - Não há, hoje, profissão que admita um esse fardo opressor da cultura, algo que, mesmo sendo obtido
tal avanço como a do médico; sobretudo depois que os médicos com grandes perdas, nos permitirá ter a grande esperança de um
novo Renascimento. Ao cristianismo, aos filósofos, escritores e
do espírito, os chamados "pastores de alma", 10; não podem mais
músicos devemos uma abundância de sentimentos profunda-
exercer com aprovação pública suas artes de conjuração, e que
são evitados pelos homens cultos. Ummédico não alcançou ain- mente excitados: para que eles não nos sufoquem devemos
da a alta formação intelectual, quando conhece e pratica os invocar o espírito da ciência, que em geral nos faz um tanto mais
melhores métodos atuais e sabe fazer essas rápidas deduções das frios e céticos, e arrefece a torrente inflamada da fé em verdades
causas pelos efeitos, que tornam famosos os diagnosticadores: finais e definitivas;ela se tornou tão impetuosa graças ao cristia-
ele deve, além disso, ter uma eloqüência que se adapte a cada nismo, sobretudo.
indivíduo e que lhe atinjao coração; uma virilidade cuja simples
visão afugente a pusilanimidade (o carcoma de todos os doen-
tes); uma flexibilidadediplomática ao mediar entre os que neces- 245.
sitam de alegria para a cura e os que, por razões de saúde, devem Fundição da cultura. - A cultura se originou como um sino,
(e podem) dar alegria;a sutileza de um agente policial ou advo- no interior de uma camisa de material grosseiro e vulgar:falsida-
gado, que entende os segredos de uma alma sem delatá-Ias - de, violência, expansão ilimitadade todos os Eus singulares, de
em suma, um bom médico requer atualmente os artifíciose pri- todos os diferentes povos, formavamessa camisa.Seráo momen-
vilégios de todas as outras classes profissionais:assim aparelha- to de retirá-Ia?Solidificou-seo que era líquido, os impulsos bons
do, estará em condição de tornar-se um benfeitor de toda a
e úteis, os hábitos do coração nobre tornaram-se tão seguros e
sociedade, fomentando as boas obras, a alegriae fecundidade do
universais que já não é preciso apoiar-se na metafísicae nos erros
espírito, desestimulando maus pensamentos, más intenções e
das religiões, já não se requer durc.:a e violência, como o mais
velhacarias (cuja fonte asquerosa é com freqüência o baixo-ven-
poderoso laço entre homem e homem, povo e povo?- Para res-
tre), instaurando uma aristocraciade corpo e de espírito (ao pro-
ponder essa questão não temos mais um Deus que nos ajuda: é
mover ou impedir matrimônios), eliminando com benevolência
nossa inteligênciaque deve decidir.Emsuma, o próprio homem
todos os tormentos espirituais e remorsos de consciência: ape-
deve tomar nas mãos o governo terreno da humanidade, sua
nas assim o "curandeiro" se transforma em salvador, sem preci-
"onisciência"tem que velar com olho atento o destino da cultura.
sar fazer milagres nem se deixar crucificar.
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que seus músculos são movidos ora pelo velho sistema ora pelo
Os ciclopesda cultura. - Quem vê essas bacias cheias de novo, e nenhum deles pode declarar vitória. Nós vacilamos, mas
é preciso não se inquietar por causa disso, e não abandonar as
sulcos, em que se formaram geleiras, dificilmente acredita que
virá um tempo em que no mesmo sítio se estenderá um vale de novas aquisições. Além disso não podemos mais voltar ao anti-
campos, bosques e riachos. Assim também é na história da go, já queimamos o barco; só nos resta ser corajosos, aconteça
humanidade; as forças mais selvagens abrem caminho, primei- o que acontecer. - Apenas andemos, apenas saiamos do lugar!
ramente destrutivas, e no entanto sua ação é necessária, para Talvez nossos gestos apareçam um dia como progresso;Iri> se
que depois uma civilização mais suave tenha ali sua morada. não, que nos digam as palavras de Frederico, o Grande, a título
de consolo: Ah, mon cher Sulzer, vous ne connaissez pas assez
Essasterríveisenergias - o que se chama de mal- são os arqui-
tetos e pioneiros ciclópicos da humanidade. cette race maudite, à laquelle nous appartenons [Ah, meu caro
Sulzer, você não conhece o bastante essa raça maldita à qual per-
tencemos]. 107
247.
250.
248.
Maneiras. - Asboas maneiras desaparecem à medida que
Consolo de um progresso desesperado. - Nosso tempo dá a se reduz a influência da corte e de uma aristocracia fechada;
impressão de um estado interino; as antigas concepções do pode-se observar nitidamente essa diminuição a cada década,
mundo, as antigas culturas ainda existem parcialmente, as novas desde que se tenha olhos para os atos públicos: eles se tornam
não são ainda seguras e habituais, e portanto não possuem coe- cada vez mais plebeus. Já não se sabe homenagear ou lison-
são e coerência. É como se tudo se tornasse caótico, o antigo se jear com espírito; disso resulta o fato ridículo de que, nos
perdesse, o novo nada valesse e ficasse cada vez mais frágil. Mas casos em que se tem de render homenagem (a um grande esta-
assim ocorre com o soldado que aprende a marchar: por algum dista ou artista, por exemplo), toma-se emprestada a lingua-
tempo ele é mais inseguro e mais desajeitado do que antes, por- gem do profundo sentimento, da sincera e digna decência -
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