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MITO
Dizer que artistas brasileiros estão cada vez mais valorizados nos
circuitos internacionais não reflete a realidade
Gostaria de deixar claro, no entanto, que neste artigo não faço uma crítica
ao processo de internacionalização dos sistemas das artes no Brasil
-necessário e irreversível-, mas uma crítica aos freqüentes equívocos na
forma como a internacionalização da produção artística do Brasil tem sido
promovida e avaliada.
A afirmação de que a arte brasileira está cada vez mais valorizada nos
circuitos internacionais não reflete exatamente a realidade. Esse tipo de
afirmação deve ser compreendido no contexto de estratégias de distinção,
conceito de Pierre Bourdieu 9
que pode ser estendido, a meu ver, às
estratégias de marketing público (políticas de afirmação da cultura nacional)
e privado (colecionadores e mecenas em busca de capital simbólico e
econômico; empresas em busca de redução de custos de operações
publicitárias através do mecenato; agentes do mercado em busca de lucro).
Eventos comemorativos, como a Mostra do Descobrimento e seus
desdobramentos no plano internacional e sobretudo o Ano do Brasil na
França, que iniciou em março de 2005, são eventos particularmente
interessantes para esse tipo de análise e mereceriam uma avaliação objetiva
de seus custos e benefícios para além dos discursos nacionalistas.
Isso está muito, muito longe de fazer jus à vitalidade da produção brasileira,
considerado o circuito nacional.
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1 - Para citar apenas alguns exemplos: o livro “Arte internacional brasileira”, de Tadeu Chiarelli (Lemos Editorial, São Paulo,
1999); os artigos “Passaporte visado” e “As rotas da arte contemporânea” (Revista “Bravo”, edição de setembro de 1999);
“Obra de Ernesto Neto faz passeio pelo mundo” (“Jornal da Tarde”, SP, 16/01/2000); “Brasileiros no exterior” (“Folha de S.
Paulo”, 10/02/1999).
2 - “A inserção da arte brasileira nos circuitos internacionais” é o título provisório de minha tese de doutoramento,
desenvolvida na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, entre 2000 e 2004, com defesa prevista para o
primeiro semestre de 2005.
3 - O mercado internacional exerce especial fascinação e acaba por influenciar, de forma excessiva, os setores produtivos de
países menos desenvolvidos, como o Brasil, que sofrem de uma vulnerabilidade econômica e cultural (tendência ao
mimetismo). Por analogia, penso aqui na produção de grãos, que embora longe de esgotar as potencialidades do mercado
interno, tem adotado o modelo do agronegócio, voltado à exportação.
4 - Faço uma análise mais detalhada da questão no artigo “Les expositions internationales d’art brésilien: discours, enjeux,
pratiques”, apresentado no Primeiro Encontro de Cultura no Brasil, Embaixada do Brasil na França, fevereiro de 2004.
5 - Jacques Leenhardt considera a globalização um processo que constrói e desconstrói as relações culturais no mundo. É
também um imaginário que se constrói pelo discurso, um processo no qual a obra e o artista se posicionam. Fazer parte da
globalização é também construir um sistema imaginário, revisar os quadros, os enunciados da história da arte (seu lugar e
sua legitimidade). Essas questões foram debatidas no seminário Mondialisation des Arts, em Paris, no qual apresentamos
conjuntamente “L’art brésilien dans la mondialisation”, em fevereiro de 2004.
6 - Sobre a questão, ver o excelente artigo de Annie Verger « Le champ des avant-gardes », «Actes de la Recherche en
sciences sociales », nº 98, p. 105-120.
7 - Sobre a recepção da arte brasileira pela crítica internacional, ver Ana Letícia Fialho, “Artistes brésiliens dans les hauts
lieux de l'art contemporain: la preuve de la globalisation ou fait d'exception confirmant l'exclusion ?”, paper apresentado no
seminário internacional New Trends in the Sociology of the Arts, Paris, abril de 2004.
8 - Sobre a noção de capital cultural ver Pierre Bourdieu, “A economia das trocas simbólicas” (Editora Perspectiva, 1974).
9 - Bourdieu, Pierre. « La distinction : Critique social du jugement » ( Minuit, 1979).
10 - Sobre a hierarquia que organiza este mercado, ver os trabalhos de Alain Quemin, especialmente « Le rôle des pays
prescripteurs et le marché de l’art contemporain » (Editions Jacqueline Chambon/Artprice, Nîmes, 2001). Segundo ele, o
mercado internacional é liderado pelos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Suíça, França e Itália. Os americanos têm
34,2% do total do mercado, a Alemanha 29,9%, a Grã-Bretanha 7,5%, a França 4,3% a Itália 3,6%. Em 2000, os dez
primeiros colocados em notariedadade, segundo o indicador da revista francesa “Capital” eram os artistas Sigmar Polke
(Alemanha), Gerhard Richter (Alemanha), Bruce Nauman (Estados Unidos), Rosemarie Trockel (Alemanha), Pipilotti Rist
(Suíça), Cindy Sherman (Estados Unidos), Georg Baselitz (Alemanha), Louise Bourgeois (Estados Unidos), Günther Förg
(Alemanha) e Christian Boltanski (França).
11 - Entrevista com Mary Sabatino, em agosto de 2002, diretora da Lelong Galery, em Nova York, que representa Cildo
Meireles e Waltércio Caldas. Mary Sabatino foi uma das responsáveis pelo evento Brazil in New York, realizado em diversas
galerias, no verão de 1995, e que teve, por conseqüência, a integração de um bom time de artistas brasileiras no mercado
americano.
12 - Em uma entrevista realizada em julho de 2002, Richard Vine, editor da revista “Art in America”, apontou a China como
o país do momento em termos de arte contemporânea. Disse ainda que os Estados Unidos estavam, surpreendentemente,
atrasados em relação à França no que diz respeito ao reconhecimento do interesse da produção chinesa, tendência que ele
se mostrou empenhado em reverter. De fato, uma análise das compras efetuadas pelo Museu Nacional da Arte Moderna
Georges Pompidou indica um crescimento nas aquisições de obras de artistas chineses a partir do início dos anos 90 (Fonte :
Videomuseum, banco de dados sobre as coleções dos museus franceses, 2004). Já “Art in America” tem publicado
regularmente grandes matérias a respeito não só da produção mas da cena artística chinesa. Ver, em especial, a edição de
“Art in America” de julho/agosto 2004. Conseqüentemente, mais e mais artistas têm sido integrados nos circuitos de
exposição e galerias em Nova York. O tema vale um artigo.
13 - Resultado de 18 entrevistas realizadas em Paris, Londres e Nova York, com galeristas que trabalham com artistas
brasileiros apontados como internacionais por agentes culturais no Brasil .
14 - Esses aspectos da inserção da arte brasileira são analisados, em detalhe, na minha tese de doutorado, conforme já
referido, não havendo espaço neste artigo para desenvolvê-los.
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Ainda hoje, quem mais compra arte brasileira é brasileiro, quem mais
compra arte mexicana é mexicano, quem mais compra arte americana é
americano e assim por diante.
Parece lógico, mas isso é freqüentemente negado por quem aspira entrar no
circuito da arte contemporânea “internacional” 1
. No Brasil, muitos
agentes recusam firmemente qualquer referência à “arte brasileira” ou
mesmo à “arte do Brasil”. Quanto aos artistas, alguns tendem a negar toda e
qualquer referência à nacionalidade, vista como obstáculo à
internacionalização, outros abrem mão da superutilização de elementos
identitários, tangenciando por vezes a caricatura ou o exotismo. Essas duas
estratégias, simplificadas aqui, podem ser utilizadas em graus diversos e por
vezes pelo mesmo artista, dependendo do contexto.
***
Com esse exemplo não quero dizer que os agentes do mundo das artes no
Brasil devam abandonar toda e qualquer estratégia de inserção no mercado
internacional. Mas penso que é necessário um pouco mais de cautela nas
apostas.
1 - Sobre os requisitos fundamentais da arte contemporânea, entre eles o seu caráter intrinsicamente internacional (em
oposição ao nacional), ver o livro de Anne Coquelin, “L’art contemporain” ( PUF, Paris, 1996).
3 - Sobre a assimilação da arte brasielira à produção americana e européia, ver Ana Letícia Fialho, “Identity and territorial
representation in contemporary art institutions: the gap between discourse and practices”, apresentado na New York
University, em abril de 2004, e publicado no “Research abstracts 2004”, Centre for Brazilian Studies, Universidade de
Oxford.
5 - Ver entrevista com galeristas divulgada no site Mapa das Artes, (www.mapadasartes.com.br).
6 - Uma estratégia visando o reconhecimento internacional da arte latino-americana tem sido desenvolvida por Patricia
Cisneros, com auxílio de curadores como Paulo Herkenhoff e Luiz Perez-Oramas. Cisneros tem financiado, entre muitos
projetos dedicados à valorização da arte latino-americana, uma série de publicações pela editora do MoMA.