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em obras

MITO

Mercado de artes: global e desigual


Por Ana Letícia Fialho

Dizer que artistas brasileiros estão cada vez mais valorizados nos
circuitos internacionais não reflete a realidade

Têm-se falado muito em internacionalização da arte brasileira, em “Brazil for


export”, em “conquista” do mercado internacional pelos artistas brasileiros
1
. Amigos perguntam-me a respeito da procedência de rumores sobre a
“evasão” do que há de melhor na arte brasileira, que estaria indo parar em
coleções no exterior.

Muitos galeristas que tenho encontrado, em feiras e outros eventos


internacionais, insistem sobre a crescente presença dos artistas que eles
representam no exterior. Algumas galerias já nascem priorizando a
participação em eventos internacionais: Maria Baró, sócia da Galeria Baró
Cruz, declarou que a prioridade da nova galeria é o circuito internacional
(“Folha de S. Paulo”, 24/05/04).

Cabe observar, entretanto, que a entrada no circuitos das feiras exige um


forte investimento. Somente o aluguel de um estande no Armory Show de
Nova York, em 2004, custava de entre US$ 7.950 a 42.000. Facilmente esses
valores duplicam, considerando-se o custo de transporte e o seguro das
obras.

O retorno financeiro para este tipo de investimento não é imediato. Fabio


Cimino, da Galeria Brito Cimino, disse que levou mais de três anos para
começar a conquistar uma clientela em Basel, a mais prestigiosa e
internacional das feiras (entrevista em São Paulo, fevereiro de 2003). Mais
acessíveis, as feiras internacionais semi-profissionais atraem galerias
menores, porém pouco podem oferecer em termos de visibilidade e de
negócios.

No atual cenário de proliferação de eventos e de circulação intensa, qual


seria a real inserção da arte brasileira nos circuitos internacionais? Esse foi
o ponto de partida da minha tese de doutorado 2
. Embora o tema tenha
muitos aspectos interessantes, como a inserção institucional dos artistas
(participação em exposições e coleções de museus), o intercâmbio
institucional (entre museus, curadores e técnicos), a presença brasileira na
mídia e no mercado editorial (publicações sobre arte brasileira e de textos
de especialistas brasileiros publicados no exterior), neste artigo, darei
especial atenção à questão do mercado.

Considerando as dificuldades na obtenção de dados confiáveis sobre o


mercado das artes -onde o sigilo faz parte das regras do jogo, seja a fim de
manter a “aura” dos objetos e das reputações ou por razões de evasão
fiscal- limitar-me-ei a questionar, a partir de resultados parciais de minha
pesquisa de campo (entrevistas, encontros, análise de artigos, catálogos de
vendas, visitas a feiras e galerias, estudo de indicadores etc.), algumas
idéias que têm sido repetidas por parte da mídia e agentes culturais no
Brasil, os quais, no meu entender, atribuem um valor excessivo ao que
chamam de “mercado internacional” 3
e, às vezes, em razão disso,
superdimensionam a presença da arte brasileira no exterior.

Gostaria de deixar claro, no entanto, que neste artigo não faço uma crítica
ao processo de internacionalização dos sistemas das artes no Brasil
-necessário e irreversível-, mas uma crítica aos freqüentes equívocos na
forma como a internacionalização da produção artística do Brasil tem sido
promovida e avaliada.

Muitos agentes se dispõem a pagar caro para participar de feiras e eventos


internacionais e fazem concessões excessivas em relação ao seu conteúdo e
forma 4
. O deslumbramento com o caráter “internacional” impede uma
análise objetiva desses eventos. Uma revisão crítica dessas posturas se faz
necessária a fim de evitar o risco da reprodução de estereótipos,
importação/exportação de projetos de pouca qualidade, contratação de
“experts internacionais” pouco qualificados, etc.

Entendo que dois fatores principais favorecem a confusão nas análises e


estratégias:

O primeiro está associado à aceleração do processo de globalização, que tem


provocado, efetivamente, uma maior circulação de pessoas, mercadorias e
informações; e, sobretudo, uma alteração nas formas de representação
social do espaço internacional 5
. Nesse contexto, a diversificação e a
expansão do mapa das artes (bienais, feiras e outros eventos surgem a um
ritmo impressionante e nos lugares mais diversos) podem dar a impressão
de que o Brasil não só faz parte do circuito internacional, como também de
que é nele que residem as melhores oportunidades, quando não a única
alternativa.

O segundo fator é a falta de informação. De forma geral, pouco se sabe e


muito se especula a respeito da inserção da arte brasileira nos circuitos
internacionais. A inexistência de uma fonte centralizada de informações
sobre a cotação, em termos econômicos e simbólicos, da arte brasileira
acaba gerando uma miríade de informações fragmentadas, facilmente
manipuláveis e que podem dar margem a erro.

Ainda que não exista um modelo ideal de avaliação do valor de obras e da


reputação dos artistas 6
-afinal todos os indicadores existentes contêm um
certo grau de subjetividade e muitas limitações, eles permitem verificar a
evolução das carreiras, as tendências estéticas, as oscilações de preços, a
localização das obras etc.

Tal é o caso de um banco de dados como Artprice (maior banco de dados


existente sobre o mercado de arte internacional), de um indicador como o
“Kunst Compass” (publicado pela revista alemã Capital, traz a relação dos
100 artistas contemporâneos mais bem cotados no mercado internacional,
não só em relação às vendas, mas em relação à participação em exposições,
opinião de especialistas e número de publicações) ou de uma publicação
como o “Top 200” da revista “Artnews” (lista anual que indica os maiores
colecionadores do ano e suas preferências). Esse tipo de indicador tornou-se
uma importante ferramenta para os agentes que operam no mercado
internacional, sejam eles artistas, curadores, marchands ou colecionadores.

No Brasil, tende-se a interpretar eventos isolados -uma crítica em favor de


um artista numa revista internacional, a participação numa exposição, a
venda (ou a aceitação de uma doação) de uma obra a um museu- como um
fenômeno mais amplo, que traduziria o reconhecimento da arte brasileira em
nível internacional e sua conseqüente inserção no “mercado internacional”.

Na verdade, as críticas nem sempre são positivas, ou, se têm a intenção de


sê-lo, muitas vezes, são superficiais -elaboradas por críticos que pouco ou
nenhuma familiaridade têm com a historia da arte brasileira, acabam
forçando analogias entre o artista que analisam e artistas internacionais
consagrados 7
; as exposições nem sempre dão destaques aos artistas
brasileiros e as obras adquiridas pelos museus internacionais vão, em muitas
ocasiões, diretamente para os seus dépositos.

Os artistas brasileiros presentes no circuito internacional têm acesso


limitado ao mercado internacional. No entanto a simples passagem pelo
espaço internacional pode ser suficiente para inflacionar o seu valor no
mercado nacional. Um caso que me chamou bastante a atenção foi de um
artista de razoável reputação que estaria participando de uma importante
exposição em Nova York, sobre a qual foi publicada uma matéria de página e
meia em jornal de grande circulação de São Paulo. Em Nova York na época
tentei localizar a galeria, tarefa que resultou infrutífera, esta pertencia a um
circuito tão off que não estava listada em nenhum anuário, não possuía
página na internet nem era conhecida no meio das galerias contemporâneas.

Isso tudo mostra que a inserção internacional da arte brasileira é, em


muitos aspectos, ainda incipiente, muito embora o imaginário construído em
torno dela tenha impactos significativos e reais sobre a configuração do
sistema das artes no Brasil. A validação pelo espaço internacional tem
impacto importante sobre as carreiras dos artistas (e de outros
profissionais) e sobre o valor das obras; pertencer ao circuito internacional
afeta tanto o capital simbólico 8
(a reputação) quanto o capital econômico
(valorização dos cachês, inflação dos preços das obras no mercado interno).
Mas, de forma geral, os efeitos só podem ser observados em nível nacional.

A afirmação de que a arte brasileira está cada vez mais valorizada nos
circuitos internacionais não reflete exatamente a realidade. Esse tipo de
afirmação deve ser compreendido no contexto de estratégias de distinção,
conceito de Pierre Bourdieu 9
que pode ser estendido, a meu ver, às
estratégias de marketing público (políticas de afirmação da cultura nacional)
e privado (colecionadores e mecenas em busca de capital simbólico e
econômico; empresas em busca de redução de custos de operações
publicitárias através do mecenato; agentes do mercado em busca de lucro).
Eventos comemorativos, como a Mostra do Descobrimento e seus
desdobramentos no plano internacional e sobretudo o Ano do Brasil na
França, que iniciou em março de 2005, são eventos particularmente
interessantes para esse tipo de análise e mereceriam uma avaliação objetiva
de seus custos e benefícios para além dos discursos nacionalistas.

Tais estratégias de valorização do patrimônio nacional através da circulação


internacional não constituem uma novidade nem são, em si, negativas;
podem eventualmente servir para estimular a auto-estima nacional e
dinamizar o setor cultural.

O problema surge quando o espaço internacional passa a ser priorizado nas


estratégias de desenvolvimento das carreiras individuais, dos
estabelecimentos comerciais e de instituições públicas, tomando como ponto
de partida falsas premissas:

1) O mercado internacional estaria mais democrático?

Se, por um lado, o processo de internacionalização representa uma boa


oportunidade para os países que, até recentemente, ficaram à margem dos
circuitos da arte contemporânea, como o Brasil; por outro, esta passagem
do local ao global não é imediata, e as condições de concorrência são
extremamente desiguais. Seria ingênuo pensar que noções como centro e
periferia tenham perdido a sua operacionalidade. No mundo das artes, a
flexibilização das fronteiras e a expansão dos seus limites não eliminaram
uma organização extremamente hierárquica, especialmente no que diz
respeito ao mercado.

A entidade mítica designada como “mercado internacional da arte


contemporânea” está longe de ser internacional no sentido próprio da
palavra; é, na verdade, monopólio de um clube seleto de agentes que se
encontram em áreas centrais do ponto de vista político, econômico e
cultural. Tanto os artistas quanto os colecionadores e galeristas que
pertencem a este circuito -onde os lances mínimos ultrapassam US$ 100
mil- encontram-se no eixo Europa-Estados Unidos 10
. Nesse contexto,
artistas de países periféricos, como o Brasil, são assimilados na medida em
que contribuem a uma revitalização controlada. Evita-se, assim, o
esgotamento da oferta, sem, contudo, alterar a distribuição dos melhores
lugares. As exceções existem e servem para confirmar a regra.

2) O Brasil estaria conquistando um lugar de destaque na arena


internacional ?

O processo de globalização está alterando o mapa das artes e isso significa


uma diversificação das representações nacionais e não uma especial
concessão ao Brasil. Aliás, a grande maioria dos agentes internacionais que
conhece e trabalha com a produção brasileira afirma que “o Brasil não é
mais o lugar mais “quente”, como já foi um dia 11
”. Hoje a atenção volta-
se para outros continentes, em especial a Ásia. Destaque para a China, que
é, de longe, o país que tem despertado o maior interesse no circuito da arte
contemporânea internacional 12
. Isso aponta para uma forte discrepância
entre afirmações por parte dos agentes brasileiros e a opinião de galeristas
e críticos no circuito europeu e americano.

Em relação ao circuito institucional -exposições temporárias organizadas


pelos mais diversos museus e centros culturais no mundo todo-, o Brasil tem
obtido espaço significativo, embora isso possa ser dito também sobre muitos
outros países periféricos, não sendo uma exclusividade brasileira.

No entanto a arte brasileira é praticamente invisível no mercado. Há uma


média de 20 artistas brasileiros representados em galerias européias e
americanas (se considerarmos galerias consolidadas, comerciais, com mais
de cinco anos de atuação, boa localização etc.) e muitos são representados,
mas não vendem 13
; um número ainda menor freqüenta os leilões, nos
quais 70% das obras vendidas ficam dentro da média ou abaixo dos preços
de avaliação (dados coletados a partir de 1999). A arte brasileira não se
destaca em nenhum dos diversos indicadores internacionais existentes
(Artprice, Kunst Compass, Top 200) 14
. Poucos artistas aparecem vez ou
outra nas revistas especializadas e raríssimos são os artistas que fazem
objeto de publicações.

Isso está muito, muito longe de fazer jus à vitalidade da produção brasileira,
considerado o circuito nacional.

3) As fronteiras nacionais estariam desaparecendo?

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1 - Para citar apenas alguns exemplos: o livro “Arte internacional brasileira”, de Tadeu Chiarelli (Lemos Editorial, São Paulo,
1999); os artigos “Passaporte visado” e “As rotas da arte contemporânea” (Revista “Bravo”, edição de setembro de 1999);
“Obra de Ernesto Neto faz passeio pelo mundo” (“Jornal da Tarde”, SP, 16/01/2000); “Brasileiros no exterior” (“Folha de S.
Paulo”, 10/02/1999).

2 - “A inserção da arte brasileira nos circuitos internacionais” é o título provisório de minha tese de doutoramento,
desenvolvida na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, entre 2000 e 2004, com defesa prevista para o
primeiro semestre de 2005.

3 - O mercado internacional exerce especial fascinação e acaba por influenciar, de forma excessiva, os setores produtivos de
países menos desenvolvidos, como o Brasil, que sofrem de uma vulnerabilidade econômica e cultural (tendência ao
mimetismo). Por analogia, penso aqui na produção de grãos, que embora longe de esgotar as potencialidades do mercado
interno, tem adotado o modelo do agronegócio, voltado à exportação.

4 - Faço uma análise mais detalhada da questão no artigo “Les expositions internationales d’art brésilien: discours, enjeux,
pratiques”, apresentado no Primeiro Encontro de Cultura no Brasil, Embaixada do Brasil na França, fevereiro de 2004.

5 - Jacques Leenhardt considera a globalização um processo que constrói e desconstrói as relações culturais no mundo. É
também um imaginário que se constrói pelo discurso, um processo no qual a obra e o artista se posicionam. Fazer parte da
globalização é também construir um sistema imaginário, revisar os quadros, os enunciados da história da arte (seu lugar e
sua legitimidade). Essas questões foram debatidas no seminário Mondialisation des Arts, em Paris, no qual apresentamos
conjuntamente “L’art brésilien dans la mondialisation”, em fevereiro de 2004.

6 - Sobre a questão, ver o excelente artigo de Annie Verger « Le champ des avant-gardes », «Actes de la Recherche en
sciences sociales », nº 98, p. 105-120.

7 - Sobre a recepção da arte brasileira pela crítica internacional, ver Ana Letícia Fialho, “Artistes brésiliens dans les hauts
lieux de l'art contemporain: la preuve de la globalisation ou fait d'exception confirmant l'exclusion ?”, paper apresentado no
seminário internacional New Trends in the Sociology of the Arts, Paris, abril de 2004.

8 - Sobre a noção de capital cultural ver Pierre Bourdieu, “A economia das trocas simbólicas” (Editora Perspectiva, 1974).
9 - Bourdieu, Pierre. « La distinction : Critique social du jugement » ( Minuit, 1979).

10 - Sobre a hierarquia que organiza este mercado, ver os trabalhos de Alain Quemin, especialmente « Le rôle des pays
prescripteurs et le marché de l’art contemporain » (Editions Jacqueline Chambon/Artprice, Nîmes, 2001). Segundo ele, o
mercado internacional é liderado pelos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Suíça, França e Itália. Os americanos têm
34,2% do total do mercado, a Alemanha 29,9%, a Grã-Bretanha 7,5%, a França 4,3% a Itália 3,6%. Em 2000, os dez
primeiros colocados em notariedadade, segundo o indicador da revista francesa “Capital” eram os artistas Sigmar Polke
(Alemanha), Gerhard Richter (Alemanha), Bruce Nauman (Estados Unidos), Rosemarie Trockel (Alemanha), Pipilotti Rist
(Suíça), Cindy Sherman (Estados Unidos), Georg Baselitz (Alemanha), Louise Bourgeois (Estados Unidos), Günther Förg
(Alemanha) e Christian Boltanski (França).

11 - Entrevista com Mary Sabatino, em agosto de 2002, diretora da Lelong Galery, em Nova York, que representa Cildo
Meireles e Waltércio Caldas. Mary Sabatino foi uma das responsáveis pelo evento Brazil in New York, realizado em diversas
galerias, no verão de 1995, e que teve, por conseqüência, a integração de um bom time de artistas brasileiras no mercado
americano.

12 - Em uma entrevista realizada em julho de 2002, Richard Vine, editor da revista “Art in America”, apontou a China como
o país do momento em termos de arte contemporânea. Disse ainda que os Estados Unidos estavam, surpreendentemente,
atrasados em relação à França no que diz respeito ao reconhecimento do interesse da produção chinesa, tendência que ele
se mostrou empenhado em reverter. De fato, uma análise das compras efetuadas pelo Museu Nacional da Arte Moderna
Georges Pompidou indica um crescimento nas aquisições de obras de artistas chineses a partir do início dos anos 90 (Fonte :
Videomuseum, banco de dados sobre as coleções dos museus franceses, 2004). Já “Art in America” tem publicado
regularmente grandes matérias a respeito não só da produção mas da cena artística chinesa. Ver, em especial, a edição de
“Art in America” de julho/agosto 2004. Conseqüentemente, mais e mais artistas têm sido integrados nos circuitos de
exposição e galerias em Nova York. O tema vale um artigo.

13 - Resultado de 18 entrevistas realizadas em Paris, Londres e Nova York, com galeristas que trabalham com artistas
brasileiros apontados como internacionais por agentes culturais no Brasil .

14 - Esses aspectos da inserção da arte brasileira são analisados, em detalhe, na minha tese de doutorado, conforme já
referido, não havendo espaço neste artigo para desenvolvê-los.

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Outro erro recorrente é imaginar que critérios como nacionalidade e local de


residência tenham perdido a validade na classificação dos valores artísticos.
Cabe lembrar que é difícil escapar -mesmo em tempos de globalização- de
determinantes geopolíticas e mesmo de um certo nacionalismo. Aliás, o
nacionalismo é, até hoje, um fator importante para se compreender o
funcionamento (e o sucesso) do sistema das artes em países que se
destacam na cena internacional, como Inglaterra e Estados Unidos.

Os grandes colecionadores britânicos, públicos e privados, preferem o que se


tem designado como “artistas britânicos contemporâneos”. Coleções como a
da empresa Saatchi & Saatchi têm tido um papel importante na divulgação e
na conseqüente valorização econômica desses artistas.

Um relatório da Sotheby’s de 2000 indica que os colecionadores americanos


compram, antes de tudo, arte americana. Como são grandes consumidores,
acabam comprando também arte de outras regiões. Ao contrário do que se
diz normalmente, há também políticas públicas de incentivo à produção
nacional (e ao uso da cultura como arma diplomática). Isso não vem de
hoje. O expressionismo abstrato não seria o que é hoje na história da arte
se não fosse a política cultural do governo americano e o engajamento
nacionalista de críticos como Clement Greenberg.

A afinidade cultural também determina a preferência de colecionadores por


artistas de um lugar ou de outro. Denis Gardarin, da galeria Brent Sikkema,
que representa Vik Muniz em Nova York, comentou que os clientes
americanos se interessam especialmente pelas obras que fazem referência
ao seu sistema de valores. “O trabalho de Vik sobre personalidades
brasileiras não teria uma entrada fácil aqui” (entrevista realizada em agosto
de 2002).

Ainda hoje, quem mais compra arte brasileira é brasileiro, quem mais
compra arte mexicana é mexicano, quem mais compra arte americana é
americano e assim por diante.

Parece lógico, mas isso é freqüentemente negado por quem aspira entrar no
circuito da arte contemporânea “internacional” 1
. No Brasil, muitos
agentes recusam firmemente qualquer referência à “arte brasileira” ou
mesmo à “arte do Brasil”. Quanto aos artistas, alguns tendem a negar toda e
qualquer referência à nacionalidade, vista como obstáculo à
internacionalização, outros abrem mão da superutilização de elementos
identitários, tangenciando por vezes a caricatura ou o exotismo. Essas duas
estratégias, simplificadas aqui, podem ser utilizadas em graus diversos e por
vezes pelo mesmo artista, dependendo do contexto.

***

Para finalizar analisarei os resultados do leilão de arte latino-americana


realizado pela Christie’s no mês de junho de 2004, em Paris. Esse exemplo
recente serve para ilustrar algumas das idéias que desenvolvi ao longo do
texto, cujo objetivo é provocar o debate e não propor respostas definitivas
sobre o espinhoso tema do mercado das artes.

Há mais de 20 anos, Sotheby’s e Christie’s realizam, duas vezes ao ano em


Nova York, leilões especializados de arte latino-americana. Quem já
freqüentou estes leilões sabe que uma parte importante dos clientes viajam
da América Latina a Nova York para a ocasião. Outros tantos são latino-
americanos residentes nos Estados Unidos e colecionadores americanos
interessados na América Latina. Uma parcela menor é representada por
europeus e asiáticos, que, há algum tempo, resolveram investir num filão
que ainda tem muita margem para valorização.

Se tradicionalmente os leilões de arte latino-americana se realizam em Nova


York, qual seria então o interesse de se realizar uma venda em Paris?

Ana Sokoloff, diretora do Departamento de arte latino-americanda da


Christie’s explicou que a decisão de realizar um leilão em Paris se deveu à
vontade de familiarizar o público europeu com a arte latino-americana,
facilitar as relações com os poucos colecionadores existentes e conquistar
novos clientes 2
.

Um outro agente da casa de leilões declarou em off que a verdadeira razão


da realização do leilão em Paris foi um calendário sobrecarregado na sede
nova-iorquina (onde se realizam as vendas mais importantes): “Uma vez que
nos leilões de arte latino-americana os clientes mais importantes são latino-
americanos que viajam especialmente para a ocasião, o local da sua
realização não tem assim tanta importância”.
Embora o leilão da Christie’s tenha apresentado, como de praxe, importantes
obras modernistas (apresentadas de forma a enfatizar os laços com o
modernismo europeu 3
), a representação brasileira mais significativa era
contemporânea. Ao todo 12 artistas e 17 obras, de um total de 100 artistas
latino-americanos: Cícero Dias, Flávio de Carvalho, Di Cavalcanti, Valeska
Soares, Sérgio Camargo, Jac Leirner, Mira Schendel, Vik Muniz, Miguel Rio
Branco, Rosângela Rennó, Edgar de Souza e Ernesto Neto.

Somente um artista brasileiro -Miguel Rio Branco- foi adquirido por um


colecionador europeu, todos os demais compradores eram brasileiros.
Segundo a Christie´s, Beatriz Milhazes também havia despertado interesse
de compradores europeus, mas sua obra foi retirada do leilão depois do
catálogo ser impresso. Jean Boghici abocanhou boa parte das obras (Cicero
Dias, Flavio de Carvalho, Mira Schendel, Di Cavalcanti).

Esses resultados indicam de forma clara que o “mercado internacional” não é


uno, mas segmentado e que os colecionares não são “internacionais”, pelo
contrário, estão sujeitos ao contexto local/regional.

O preço alcançado pelas 17 obras leiloadas não permite uma avaliação


otimista do mercado para os artistas brasileiros: seis obras foram vendidas
acima do preço de avaliação, sete ficaram abaixo e as demais ficaram na
média. Essa variação se repete em muitos outros leilões que já tive a
oportunidade de acompanhar. Isso faz dos leilões uma boa oportunidade de
investimento. Os marchands compram obras abaixo do valor de mercado
para depois revender com uma boa margem de lucro. Uma ocasião, uma
semana após os leilões da Christie’s, encontrei, numa galeria em Nova York,
a mesma obra de Mira Schendel leiloada em Paris por um preço três vezes
maior. Vi isso acontecer muitas outras vezes. Certamente o mesmo pode
valer para obras revendidas no Brasil.

Para a Christie’s, os resultados de Paris, de forma geral, foram positivos,


mas é pouco provável que a empresa mantenha um calendário europeu 4
.

Ainda que se considerem os leilões um mundo à parte e pouco


representativo do funcionamento do mercado de arte -que é muito mais
difuso e dinâmico nas galerias e feiras-, eles oferecem algumas vantagens
para nossa análise: os preços são divulgados à luz do dia, os lances podem
ser acompanhados ao vivo, os resultados públicos e, com sorte, os
compradores identificados. Segundo estimativas, os leilões representariam
menos de 10% dos negócios realizados. Mas, se não se pode dizer que os
resultados dos leilões se reproduzem da mesma forma nas feiras e galerias,
tampouco se pode imaginar que eles são diametralmente opostos.

Com esse exemplo não quero dizer que os agentes do mundo das artes no
Brasil devam abandonar toda e qualquer estratégia de inserção no mercado
internacional. Mas penso que é necessário um pouco mais de cautela nas
apostas.

Existem circuitos alternativos, fatias de mercado que não movimentam


somas extraordinárias, mas que possuem uma grande vitalidade e que são
uma opção muito mais factível para artistas e galeristas brasileiros. Mais
interessante talvez fosse considerar as oportunidades oferecidas por esses
circuitos, pelos mercados reais (locais, nacionais, regionais) que possuem
um potencial extremamente favorável para a arte brasileira. Os galeristas
brasileiros que têm participado da nova Miami Basel destacam os
colecionadores latino-americanos como os melhores compradores 5
.

Por fim, dever-se-ia considerar a criação de um banco de dados sobre a arte


brasileira contemporânea, que disponibilize informações não só sobre a
cotação dos artistas no mercado, mas também sobre a participação em
exposições, referências em publicações e na mídia, entrada em coleções
públicas e privadas no Brasil e no exterior. Tal projeto poderia ser o ponto
de partida para a construção de uma história internacional da arte brasileira
6
, ferramenta importante para a consolidação do sistema das artes no
Brasil e para o reconhecimento, sem concessões, da sua produção no âmbito
internacional.

Ana Letícia Fialho


É critica independente, pesquisadora especialista em inserção da arte
brasileira e latino-americana nos circuitos internacionais, doutoranda na
Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris (Bolsa Capes).

1 - Sobre os requisitos fundamentais da arte contemporânea, entre eles o seu caráter intrinsicamente internacional (em
oposição ao nacional), ver o livro de Anne Coquelin, “L’art contemporain” ( PUF, Paris, 1996).

2 - Entrevista na Christie’s, Paris, dia 3 de junho de 2004.

3 - Sobre a assimilação da arte brasielira à produção americana e européia, ver Ana Letícia Fialho, “Identity and territorial
representation in contemporary art institutions: the gap between discourse and practices”, apresentado na New York
University, em abril de 2004, e publicado no “Research abstracts 2004”, Centre for Brazilian Studies, Universidade de
Oxford.

4 - Entrevista com Alfredo Molina, Christie’s, julho de 2004.

5 - Ver entrevista com galeristas divulgada no site Mapa das Artes, (www.mapadasartes.com.br).

6 - Uma estratégia visando o reconhecimento internacional da arte latino-americana tem sido desenvolvida por Patricia
Cisneros, com auxílio de curadores como Paulo Herkenhoff e Luiz Perez-Oramas. Cisneros tem financiado, entre muitos
projetos dedicados à valorização da arte latino-americana, uma série de publicações pela editora do MoMA.

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