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PUBLICITÁRIA1
Lucas de Moraes Martinez2
ABSTRACT: This article intends to tear apart erotism and obscenity, to contextualize fetish in our
time and to demonstrate how nudity can be used in favor of advertising seduction from the
analysis of historical, cultural and semiologic aspects.
______________________
1
Artigo de conclusão de curso de Graduação, sob orientação da Profª. Camila H. Gazal Fortaleza e
do Prof. Dr. Heitor Romero Marques.
2
Graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica Dom
Bosco no ano de 2007. Contato: www.kucamoraes.com.br
3
apud COIMBRA, Rosa Lídia. O nu na publicidade, estratégias pictóricas e discursivas. in:
FERREIRA, A. M. (coord.) Percursos de Eros (Actas do 9º Encontro de Estudos Portugueses).
Aveiro: ALAEP/Universidade de Aveiro, 2003. p. 247-58.
O nu clássico espelha a representatividade estética da arte tradicional – o
que é muito natural, já que o aparelho fotográfico descende da câmara escura dos
pintores –, no entanto, as primeiras manifestações da nudez na técnica recém-
nascida não se encaixavam nesse perfil. Sendo a fotografia em sua alvorada
considerada uma arte menor – nos casos em que era considerada arte – os
primeiros nus tinham um caráter mais obsceno, senão pornográfico.
É importante observar que tais conceitos de moralidade são bastante
variáveis. Na época Vitoriana4, por exemplo, o ícone da obscenidade era mostrar os
pêlos pubianos das modelos. De acordo com Di Ponio, naquele período havia um
tabu contra a exposição da sexualidade, à qual a arte dava vazão – através da arte,
era possível explorar o corpo humano sem necessariamente ter que tocá-lo5.
O próximo período da fotografia de nudez vem com o surgimento das pin-
ups já no século XX. O termo inglês deriva da prática de pendurar calendários
fotográficos na parede e designa fotos sensuais de modelos distribuídas em larga
escala, que viraram ícones da cultura pop. Podem ser as fotografias de glamour de
atrizes, amplamente difundidas ainda hoje pela indústria cinematográfica, ou aquelas
imagens mais pictóricas de fetichismo distribuídas e comercializadas praticamente
em segredo. Nestas últimas, era freqüente o conteúdo de submissão e bondage6, o
uso de acessórios sado-masoquistas e vestimentas incomuns para a época, como
espartilhos e saltos-altos.
Nesta metade do século XX era possível observar a dicotomia do erotismo
socialmente aceitável – os pôsteres de glamour cinematográficos – e do que era
considerado obsceno. Logo nas cenas iniciais do filme The Notorious Bettie Page –
sobre a vida de uma das maiores modelos dos anos 1950, considerada a rainha das
pin-ups – um homem de capa e chapéu pergunta ao jornaleiro: “Você tem alguma
coisa diferente?”, que lhe responde: “Não entendi exatamente o que você quis dizer”
enquanto instrui discretamente ao seu interlocutor para sussurrar. O homem, mais
discretamente pergunta: “Você tem alguma coisa com calçados incomuns?7”. O
jornaleiro puxa o material escondido debaixo de seu balcão, revistas e fotografias
que não eram dignas de serem expostas com as outras publicações, mas que – a
4
A partir da metade do século XIX.
5
DI PONIO, Amanda. Under the Guise of Art: Victorian aesthetic pornography. Disponível em
www.dur.ac.uk/postgraduate.english/AmandaDiPonioArticleIssue14.pdf Acesso em 17/04/2007.
6
Tipo de fetichismo envolvendo a imobilização com amarras.
7
”Do you have anything with unusual footwearing?”, no original.
2
julgar pela forma metódica como ocorre o diálogo – tinha uma clientela própria e
constante.8
O estilo das pin-ups contribuiu tanto para a pop-art quanto para a estética
de revistas masculinas como a Playboy. Um ícone da cultura pin-up que continua
sendo lançado anualmente no mundo todo é o famoso calendário Pirelli. Nesse
contexto fica simples compreender a migração dessas imagens para a fotografia
publicitária, principalmente através da fotografia de moda. Cabral e Silva demarca as
fases da estética dos editoriais de moda como heroin chic, com seus olhares
perdidos associados ao uso de drogas; lesbian chic, em que se insinuava o
homossexualismo feminino; e o porn chic, termo
8
HARRON, Mary et al. The Notorious Bettie Page (video). Direção de Mary Harron; Roteiro de Mary
Harron e Guinevere Turner. EUA, 2006. DVD, HBO Films, 100 min.
9
CABRAL E SILVA, Viviane. A imagem erótica na fotografia de moda. Disponível em
www.unifacs.br/anpap/autores/133.pdf Acesso em 28/02/2007.
3
referindo-se a amor, paixão, desejo intenso. Ou seja, não há nada transgressor ou
obsceno em suas raízes etimológicas.
Ao analisar a palavra obsceno, constata-se que ela própria não está ligada
a nada transviado. Etimologicamente refere-se a algo que está fora de cena, que
não faz parte do mainstream10. “Obsceno seria, portanto, tudo aquilo que não pode
ser representado no ‘palco’. É algo que existe nos bastidores, nas conversas e no
comportamento mais íntimo”11.
Portanto, como se pode verificar, não há nada de imoral sequer nos
significados originais dos termos erótico e obsceno. Tal atribuição de perversidade é
posterior e constitui uma deturpação do referente destes signos – isto é – deve-se
provavelmente a uma interpretação errônea que caiu em senso comum.
Vive-se atualmente em uma sociedade de princípios igualitários e
sexualmente liberada. A livre difusão da informação permite que as gerações mais
jovens sejam instruídas em relação à sexualidade – a transição da puberdade já não
é um choque. Os países de pensamento global respeitam a diversidade sexual da
mesma forma que as diversidades étnicas e religiosas – alguns, em vanguarda
legislativa, já inclusive aprovaram a união civil de casais homossexuais. A partir daí,
poder-se-ia imaginar que o pensamento contemporâneo é constituído de uma
abertura moral mais ampla.
Entretanto, não é o que ocorre neste caso – ao menos não na mesma
proporção e naturalidade em que a sociedade aceitou intelecto-socialmente a
liberação sexual. De certa forma ainda persiste uma hipocrisia semelhante à
observada na era Vitoriana – em que era indecente fotografar uma modelo com os
pêlos pubianos a mostra, mas era socialmente aceitável admirar esculturas de
corpos nus como os cânones clássicos da arte.
É inevitável traçar um paralelismo entre a confusão semântica
anteriormente apresentada e o espectro da hipocrisia moral que acompanha os
assuntos relacionados à sexualidade. Ambas são fruto da ineficiência interpretativa
do receptor da mensagem. No que diz respeito à arte, o responsável por essa falha
é o observador.
10
Linha racional prevalecente.
CARDOSO, Onésimo de Oliveira. O obsceno no protestantismo. in: VOGT, Carlos (direção). O
11
4
Oscar Wilde [...] affirms that “it is the spectator, and not life, that art really
mirrors”. Whatever the spectator sees in the work is a reflection of his or her
own personal tastes and desires. Art does not corrupt. What Wilde suggests
is that the observer who chooses to identify corruption within a work of art is
already corrupt themselves. Artistic creation is free from moral judgement.12
12
DI PONIO, Amanda. Under the Guise of Art: Victorian aesthetic pornography. Op. cit.
13
HARRON, Mary et al. The Notorious Bettie Page. Op. cit.
14
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.in: Edição Standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996 [1905].
15
KRAFFT-EBING, Richard von. Psychopathia Sexualis. Paris: Georges Carré, 1895 [1886].
16
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Op. cit.
17
KRAFFT-EBING, Richard von. Psychopathia Sexualis. Op. cit.
5
Entenda-se por alvo sexual normal o coito propriamente dito, isto é, a
união dos genitais. Assim sendo, a maioria das atividades precedentes ao ato sexual
incorporadas ao jogo de sedução seriam consideradas fetichismos. Vivemos, então,
uma pandemia psicopatológica? Creia-se, não é o caso.
Não é preciso esperar que essas pessoas venham à análise por causa de
seu fetiche, pois [...] raramente é sentido por eles como o sintoma de uma
doença que se faça acompanhar por sofrimento. Via de regra, mostram-se
inteiramente satisfeitos com ele, ou até mesmo louvam o modo pelo qual
lhes facilita a vida erótica.18
18
FREUD, Sigmund. Fetichismo. in: Edição Standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996 [1927].
19
BOTTI, Mariana Meloni Vieira. Fotografia e Fetiche: um olhar sobre a imagem da mulher.
Disponível em www.scielo.br/pdf/cpa/n21/n21a06.pdf Acesso em 28/02/2007.
6
3 ELEMENTOS SÍGNICOS DA FOTOGRAFIA DE NU
CONCLUSÃO
20
BUSSELLE, Michael. Tudo Sobre Fotografia. São Paulo: Círculo do Livro, [1977].
21
BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa: Edições 70, 1998 [1980].
22
Referência ao modelo AIDA: atenção, interesse, desejo e ação.
7
Apesar desta universalidade, o tema geralmente sofre represálias de
julgamento moral. Mas, como constatado, a determinação do que é vulgar ou
obsceno depende, principalmente, da interpretação do spectator – o observador – e
a arte não pode estar à mercê de algo tão etéreo e volúvel.
Na sociedade contemporânea, dita pós-moderna, o fetiche é elemento
presente nos diversos tipos de representação metonímica que nos rodeia – o
mercado de consumo está saturado dele. E mesmo o fetiche sexual já é encarado
com mais naturalidade – inclusive é comercializado como qualquer outro produto, e
não só em lojas especializadas, os sex shops – virou cultura de massa.
Assim como à poesia, – parafraseando Manoel de Barros – todas as
coisas servem para a publicidade. Sobretudo algo que já está inserido na cultura
popular e que, como demonstrado, possui um sistema sígnico absolutamente
consoante à aplicação mercadológica.
Tendo em vista, portanto, que a sedução é inerente à retórica publicitária,
a utilização da nudez é adequada, e não fica necessariamente restrita a produtos
ligados naturalmente a sexualidade – como roupa íntima, por exemplo – pode ser
aplicada de maneira satisfatória a qualquer produto, sem tender para o vulgar.
Principalmente se aplicada sob ótica artística, já que o uso da arte confere um certo
requinte à marca.
REFERÊNCIAS
BUSSELLE, Michael. Como fotografar nus. São Paulo: Abril, 1982 [1981].
8
CARDOSO, Onésimo de Oliveira. O obsceno no protestantismo. in: VOGT, Carlos
(direção). O obsceno (Jornadas impertinentes). São Paulo: HUCITEC/INTERCOM,
[s/d]. p. 70-8.
HARRON, Mary et al. The Notorious Bettie Page (video). Direção de Mary Harron;
Roteiro de Mary Harron e Guinevere Turner. EUA, 2006. DVD, HBO Films, 100 min.
HICKS, Roger et al. Lighting the Nude: top photography professionals share their
secrets. Hove: Rotovision, 2002.