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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoristm)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
f ' *

fí.

4.4

uiucm <

60UTQINA

BÍBLJA
MORAL
índice

Pág.

PROVA MAIOR NAO HA 383

"O ACASO E A NECESSIDADE" de Jacques Monod

Um livro-desafio ' 38f>

"ÉTICA DA SITUACAO" E MUDANCAS NA MORAL

As contradicoes em lórno do tema 400

"PAPISA JOANA BERGMANIANA"

Um futuro filme já em foco ■ 411

AÍNDA O SACRAMENTO DA CONFISSÁO

Dois documentos 419

SALVAR A VIDA OU RESPEITAR A CONSCIÉNCIA ?

Um confuto delicado ; 425

RESENHA DE LIVROS 428

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


PROVA MAIOR NAO HÁ...

De vez em quando chega-nos a noticia de fatos que pode


mos di2er estranhamente belos, absurdamente significativos.
— Por que nao os realgar?

Com efeito, os jomáis tém anunciado que será em bieve


beatificado o Padre Maximiliano Kolbe.1

Raimundo (tal era o seu nome de batísmo) nasceu aos 7


de Janeiro de 1894, em Zdunska-Wola (Polonia), numa familia
reta e trabalhadora. Depois dos primeiros estudos, entrou no
Seminario dos Frades Franciscanos Conventuais, professando
mais tarde com o nome de Frei Maximiliano. Enviado a Roma,
lá cursou Teología e finalmente foi ordenado aos 28 de abril
de 1918.

De volta á Polonia, fundou a Milicia dos Cavaleiros de


María Imaculada, em testemunho de sua grande veneracáo a
María Santíssima. Também se dedicou á causa da boa impren
sa, e foi trabalhar como missionárío no Japáo. Dizia: «A vida
é breve, devemos utilizar bem o tempo,... ser avaros do tem-
po... Vivemos urna só vez... É necessário sejamos santos nao
pela metade, mas totalmente».

Regressando á patria, Frei Maximiliano foi vitima da in-


cursáo nazista na Polonia. Em 1941, achava-se, com o n»
16.670, no campo de concentracáo de Auschwitz, um idos mais
ignominiosos da. época. Já que um dos prisioneiros escapou do
campo, as autoridades resolveram matar dez companheiros em
lugar déle. Foram, pois, escolhidos ao acaso dez homens, que
seriam ríscados do rol dos vivos. Um déstes, Francisco Gjo-
wiczeck, ao saber que estava condenado, exclamou em pranto:
«Adeus, minha pobre esposa! Adeus, meus filhos!»

Ao ouvir estas palavras, o Padre Maximiliano, pequeño e


franzino, adiantou-se ousadamente, e, colocando-se frente ao

JA beatificado é urna das etapas para a canonizacio, ou seja, para


que alguém venha a ser reconhecido públicamente pela Igreja como Santo.

— 383 —
coronel Fritsch e aos guardas presentes, exclamou: «Sou um
sacerdote polonés, sou velho. Quero tomar o lugar désse pri-
sioneiro, que tem mulher e filhos...» Após um momento de
perplexidade, o carrasco aceitou a troca do soldado Francisco
pelo P. Maximiliano. Éste, com seus nove companheiros, foi
entáo depositado em urna cela subterránea, onde deveriam
morrer de fome e sede. O carcereiro, empurrando-os para o
buraco, disse-lhes com gargalhadas: «Ai fícareis secos como
tulipas». A agonia do grupo se prolongou por mais de duas
semanas; naquele túmulo de vivos, ouviram-se oragóes, a reci-
tagáo do rosario e cánticos religiosos. Aos poucos, o grupo ia
diminuindo; o P. Kolbe fechava os olhos de seus companheiros,
ajudando-os a encerrar santamente os seus dias. Aos 14 de
agosto de 1941, o carcereiro quis acabar de exterminar o gru-
pinho, pois precisava da cela para outros prisioneiros. Deu-lhes
estáo urna injsgáo de ácido fénico. Assim morreu o P. Kolbe.
Na penumbra do lúgubre cárcere, o seu rosto belo e sereno
irradiava luz e paz. Tinha 47 anos completos e comegava a
viver a vida definitiva junto a Deus, como novo intercessor dos
homens, ssus irmáos aínda militantes na térra.

O fato, profundamente inspirador como é, fala a todo leitor,


podendo sugerir-lhe variados comentarios. Aqui seja licito re-
alcar um tópico apenas: a tenacidade e a coeréncia do amor a
Deus e aos homens que inflamou o P. Kolbe. Foi heroico,
dando a prova máxima de amor (cf. Jo 15, 13). Pertdeu a vida
para encontrá-la (cf. Mt 16, 25). Enfim, realizou a loucura do
Evangelho até as últimas conseqüéncias; hoje ele percebe ex-
perimentalmente quáo pouco é o que se entrega para entrar na
plena posse da vida,... quanto vale «dar para receber, perdoar
para ser perdoado, morrer para viver a vida eterna».

O exemplo do P. Kolbe, que vai sendo proposto a todos os


homens, torne-se incentivo de nossa firmeza heroica no amor-
-servico a Cristo e aos homens! O que hoje em dia Deus e a
Igreja mais esperam de seus filhos, é a coragem de ir até o
fim ide suas opgóes, enfrentando sacrificios, renuncia e morte
para nao trair.

Senhor, que despertas em nos a consciéncia de tais valores,


completa tua obra, dándolos a graga de dizer um SIM inde-
fecüvelmente generoso a Ti e a todos os teus!

E. B.

— 3S4 —
LOTUS SOBRE CRUZ

O Iótus 6 símbolo hindú que designa a vida bela e vigorosa por


ter raizes profundamente imersas ñas aguas. Lembra a indispensável
exigencia de interioridade ou intimidade do homem consigo mesmo c
com Deus.

A cruz significa o sentido cristüo que essa vcrdade tem.


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XII — N' 141 — Setembro de 1971

"o acaso e a necessidade"


de jacques monod

Em sfntese: O livro "O acaso e a necessidade" de Jacques Monod


defende a orlgem do mundo e, mals detldamente, a da vida, por afeito do
acaso ou de um jógo de roleta da natureza. Urna vez obtidos certos resul
tados casuais, estes se tornaram fixos e hereditarios em vtrtude de outro
fator natural, que serla a necessidade biológica.

Com esta tese, Monod tenclona excluir todo animismo e todo evolu
cionismo finalista (dirigido Inteligentemente para determinados fins).

Todavía a posicSo do biólogo francés se revela inaceitável. E isto, por


varios motivos:

1) Oe antemfio, o autor professa o positivismo científico, ou seja,


a irnposslbllldade, para um dentista, de ultrapassar o plano do experimental
e concreto. Ao dentista nfio pertenceria raciocinar filosóficamente. Posta
esta premissa, Monod nSo admite Inteligencia Suprema e invisivel que
explique a realldade presente, mas o Acaso.

2) O acaso nada explica, nao é causa. É o nome que exprime a


ignorancia do homem. Os fenómenos que dlzemos casuais, tem na verdade
a(s) sua(8) causa(s); sómente pelo fato de nSo conhecermos essas causas
e nfio prevemos o seu efelto, dlzemos que tal efelto ocorreu por acaso.
Donde se vS que o apelo para o acaso nfio é senfio a fuga de urna resposta.

3) A própria biología rejelta a explicacño pelo acaso. Para que o


jogo do acaso produzlsse urna só molécula de proteína, as probabilidades
serlam quase nulas. Nfio se fale de producfio de um tecido vivo, de um
ólho, de um ouvldo...
«O ACASO E A NECESSIDADEs

Donde se vé que a tese de Monod nao é simplesmente urna tese de


biólogo, mas ela envolve urna filosofía discutlvel, com seus postulados e
suas conseqüénclas (a filosofía positivista), por mais que Monod se quelra
furtar á filosofía. Na realldade, a ciencia bem conduzlda Indica cada vez
mals eloqüentemente a existencia de urna Suma Inteligencia, criadora do
mundo e do homem.

Comentario: Acaba de sair a tradugáo portuguesa do livro


de Jacques Monod «Le hasard et la nécessité»1, que tem feito
sucesso nos meios filosóficos e científicos. O subtítulo da obra
«Ensaio sobre a filosofía natural da biología moderna» indica
que o autor, ao lado de grande aparato científico, apresenta
igualmente seu modo pessoal de interpretar o mundo e o
homem. Ésse subtítulo, segundo os comentadores, bem poderia
soar «O escándalo da vida», pois o autor pretende discutir os
fundamentos das certezas filosóficas no tocante ao universo, &.
vida e ao homem.

Eis por que dedicaremos as páginas seguintes a análise do


livro e a urna reflexáo sobre o mesmo.

1. «O Acaso e a Necessidade»

Jacques Monod, depois de haver realizado pesquisas bioló


gicas no «Californian Institute of Technology» (U.S.A.), é
atualmente professor no «Collége de France» e dirige o servico
de bioquímica celular do Instituto Pasteur, que ele criou em
1954. Foi ueste Instituto que Monod efetuou os trabalhos que
lhe mereceram em 1965, juntamente com André Lwoff e Fran-
cois Jacob, o Premio Nobel de fisiología e medicina. Devem-
-se-lhe importantes conclusóes sobre o funcionamento do código
genético e as enzimas.

Nos dois primeiros capítulos de seu livro «O acaso e a


necessidade», o autor combate o que ele chama os animismos e

i "O acaso e a necessidade"; traducSo de Bruno Palma e Pedro Paulo


de Sena Madurelra. Ed. Vozes de Petrópolís 1971, 135x210 mm, 219 pp.

— 387 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

vitalismos, ou saja, as teorías que admitem urna finalidade e


urna ordem pré-estabelecida na evolugáo do universo e dos
viventes.

O animismo sería a transposicáo, para o mundo visível,


daquilo que há dentro do homem: um «animus» ou psiquismo,
segundo o qual a natureza tendería a determinadas metas atra-
vésda evolucáo. — Quanto ao vitalismo, é urna teoría filosófica
oposta ao mecanicismo. Enquanto éste julga que os viventes
sao máquinas apsrfeicoadas, os vitalistas afirmam que a vida
(mesmo em seus graus ínfimos, como os das algas e bacterias)
nao se reduz a fenómenos meramente físicos e químicos, mas
supóe um principio organizador, urna fórga específica, um elá
próprio chamado «entelechia» (segundo Aristóteles). Essa «en-
telechia» nao pode ser apreendida nem analisada pela biologia
molecular.

Rejeitando o que ele chama «animismos» e «vitalismos»,


Monod pretende recusar nao sómente as concepcóes cristas re
ferentes ao universo e ao homem, mas também as marxistas...
Com efeito, Marx adotou a posigáo de Hegel segundo a qual o
universo progride para urna sintiese precedida de tese e antítese;
também esta posicáo supóe finalidade no universo e fala ao
senso místico dos homens. Monod é, pois, infenso a toda teleo-
nomia ou toda tendencia a reconhecer que um tolos (finalidade,
meta) reja os fenómenos naturais («a nocáo de teleonomia
implica a idéia de urna atividade orientada, coerente e constru-
tiva», p. 57).

A partir do capitulo 3 de «O acaso e a necessidade», Monod


se volta para o estudo das proteínas, pretendendo assim ficar
no campo estritamente científico. O organismo vivo, diz ele,
nada revela que nao esteja contido ñas proteínas globulares.
Ora os componentes das proteínas devem sua realidade a dois
fatores: o acaso e a neoassidade.

O acaso é a lei geral que preside a reuniáo e combinacáo


dos aminoácidos — aminoácidos com que se identificam todos
os seres vivos, desde o bacteriófago até o «homo sapiens». Os
caracteres hereditarios contidos nos cromossomos podem com-
binar-se erróneamente; daí originam-se individuos mutantes,
que se devem ao mero acaso. Ésses individuos oriundos por
erro casual se reproduzem mais fácilmente do que os individuos
nao modificados e acabam por suplantar a estes. Os «erros»
se multiplicam; a selecáo natural escolhe os viventes que se

— 388 —
«O ACASO E A NECESSIDADE»

devem perpetuar; e assim, de erro em erro, se teráo formado


todas as especies de viventes, com seus tecidos e seus órgáos,
inclusive com as manifestacdes superiores do psiquismo humano
(inteligencia, vontade, consciéncia psicológica...).

A necessidade é o elemento que explica a estabilidade ou


invariáncia das especies produzidas pelo acaso; já que estas se
reproduzem de maneira constante e sem erro, Monod tem de
admitir a necessidade; segundo ele, os mecanismos de invarián
cia captam o acaso e o transformam em «ordem, regra e ne
cessidade».

Monod preconiza que o homem contemporáneo leve a serio


tais idéias. Até hoje, julga ele, as sociedades procuraram res-
posta para suas angustias em mitos, religióes, filosofías; perma-
neceram em alianca com o animismo, ou saja, com concepcóes
espiritualistas.

"Armados de todos os poderes, gozando de todas as riquezas que


devem 6 Ciencia, nossas sociedades aínda tentam vlver e enslnar sistemas
de valores já destruidos na raíz por essa mesma ciencia...

As sociedades marxistas professam sempre a rellgISo materialista e


dlalética da historia, quadro aparentemente mals sólido do que o das socie
dades liberáis, mas talvez mals vulnerével em virtude da própria rigidez que
até aqui se tlnha feito sua fdrca" (p. 189).

Rompendo com suas tradicóes religiosas e filosóficas, o


homem moderno deverá deixar-se guiar exclusivamente pela
ciencia. Ora esta lhe ensina que ele apareceu por acaso no
universo; o homem é produto da «lotería da natureza» ou da
«roleta genética», como diz Monod em mais de urna passagem
(pp. 140, 141, 143 e 164). Em conseqüénda, o homem é um
tipo ¡solado ou singular no conjunto das demais criaturas. Em
parte alguma estáo escritos os direitos e os deveres do homem
ou as mandamentos e as proibicóes que háo de reger o compor-
tamento das sociedades. Ao homem, pois, compete refazer a
ética, desdizendo aos antigos valores moráis inspirados por
crencas religiosas ou espiritualistas, e norteando-se exclusiva
mente pela ciencia. Assim surgirá a nova ética: a ética do
conhecimento.

Eis alguns tópicos mais significativos do capítulo final do


livro:

"A ciencia destrói todas as ontogenias misticas ou filosóficas ñas quais


a tradicSo animlsta, dos aborígenes australianos aos dialéticos materialistas,

— 389 —
8 «rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

fazia repousar os valores, a moral, os deveres, os dlreitos, as proibicSes.


Se aceita essa mensagem em tuda a sua significando, é preciso que o
Homem ertflm desperté de seu sonho mllenar para deacobrir sua solldSo
total, sua estranheza radical. Agora sabe que, como um cigano, está & mar-
gem do universo onde deve viver. Universo surdo á sua música, indiferente ás
suas esperarlas, como a seus sofrlmentos ou a seus crimes" (p. 190).

"Rompeu-se a antlga alianca. Enfim o homem sabe que está sózinho


na ¡mensIdSo indiferente do universo, de onde emergiu por acaso. NSo
mais do que seu destino, seu dever nao está escrito em lugar algum.
Cabe-lhe escolher entre o Reino e as Trevas" (p. 198).

O livro de Monod nao é de fácil leitura, visto que recorre


a numerosos dados da biologia c bioquimica; seu vocabulario é,
por vézes, neologista.. Como quer que seja, compreende-se a
sua tese. É, pois, em torno desta que vamos tecer algumas
reflexóes.

2. Fafam os biólogos

A teoría de Monod nao é nova; em substancia, já foi


proposta sob o nome de «teoría sintética» por um grupo de
estudiosos anglo-saxóes: G. R. S. Kaldane, G. G. Simpson...
A teoría sintética tentava explicar todo o processo de evolugáo
mediante pequeñas mutagóes casuais e sefegáo.

Ora tal tese provocou fundadas críticas por parte de den


tistas de diversos países.

Em abril de 1947, por exemplo, realizou-se em París um


coloquio entre Haldane e Simpson, de um lado, e L. Cuénot,
PP. Grassé, J. Piveteau, de outro lado; estes estudiosos france
ses moveram entáo dificuldades contra a teoría sintética. Cf.
C. Arambourg, L. Cuénot, PP. Grassé... «Paléontologie et
transformismos París 1950.

Em 1953, o dentista positivista J. Rostand exprimiu reser


vas & teoría mostrando-se propenso a admitir finalidade no
processo da evolucáo. Cf. «Ce que je crois». París 1953.

Posteriormente, R. Ruyer e E. Guyénot (membro do Ins


tituto de Franca) levantaram também suas objegóes e propu-
seram outras solugóes para o problema da origem das especies.
Cf. E. Guyénot, «L'origine des espéces». París 1966.

— 390 —
«O ACASO E A NECESSIDADE»

Análogamente nos ambientes germánicos se fizeram ouyir


vozes contrarias á teoría sintética, tais como as de O. H. Schin-
dewolf, Ludwig von Bertalanfly, Adolf Portmann, K. von Frisen,
Walter Heitler e P. Overhage.

O próprio Opárin, biólogo russo que se distinguiu por suas


pesquisas sobre a origem da vida dentro de um contexto mate
rialista, nao admite o acaso:

"Os enormes progressos das ciencias naturais permitlram-me adquirir


a conviccSo de que o apareclmento da vida sobre a térra nao é um feliz
acaso, mas deve ser considerado um fenómeno inseparável da evolucSo
geral de nosso planeta".

O mesmo Opárin julga estéril a hipótesa de urna associa-


gáo fortuita (casual) de moléculas vivas. Cf. «L'origine de la
vie sur la terre». París 1965, p. XV.

2. Mais: o famoso geneticista Th. Dobzhansky, embora


favorável á teoría sintética, admitiu que o binomio «mutagáo +
4-selecáo» até hoje nao produziu especie nova. Cf. «Die
Entwicklung zum Menschen». Hamburg 1958.

Outro geneticista, A. Vandel, aplicou-se especialmente ao


estudo da «Drosophila melanogaster» (mosca do vinagre), e
verificou que, nao obstante as múltiplas mutagóes e a selecáo
pelas quais tem passado, a «Drosophila» conserva seu tipo pró
prio desde o período eocénico, ou seja, há 45/50 milhóes de
anos. Cf. A. Vandel, «L'homme et l'évolution». París 1958.

Outros autores observam que, sa a grande evolugáo é


regida por «mutagáo -|- selegáo», todas as especies deveriam
mudar, pois o dito binomio se exerce sempre e ism toda parte.
Or?. verificare que muitas especies se conservam intactas já
há milhóes ou centenas de milhóes de anos; tal é o caso, por
exemplo, dos foraminíferos, das olotúrias, dos braquiópodos, das
tartarugas e de alguns peixes, que mantém sua identidade desde
tempos remotíssimos. Essa imutabilidade é particularmente
digna de nota desde que se leve em conta que tais especies
vivem desprotegidas, em superficies onde outros viventes mu-
dam constantemente.

3. Mais ainda: verifica-se qus as mutacóes ti das como


casuais na verdade nao sao casuais, mas, sim, condicionadas
pelo tipo d e substrato em que se realizam e pelas exigencias
estruturais e funcionáis do organismo respectivo; por exemplo,

— 391 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

as mudangas de cor dos olhos da «Drosophila» efetuam-se no


setor da cor vermelha, nunca no do verde ou do azul, ao passo
que outros insetos adquirem olhos verdes. Também a organi-
zagáo e o funcionamento do organismo todo condicionam as
mutagóes, como observou L. Law Whyte («Internal Factors in
Evolutíon». London 1965). Pode-se, pois, dizer que, antes da
selegáo externa, ocorre urna selegáo interna, dentro do vívente,
relacionada com o tipo de organizagáo e funcionamento do
respectivo organismo.

Estas e semelhantes observagóes levaram os próprios men


tores da taoria sintética a fazer numerosas concessóes a seus
adversarios, admitindo, por exemplo, «mutagóes convergentes,
convariagóes, neomorfoses, omeostases», elementos estes que
nao se conciliam com a mera casualidade.

Outros estudiosos sustentam que as «coaptagóes orgánicas»


(as quais sao numerosíssimas na natureza), o surto de «novas
estruturas» e o aparecimento de órgáos inteiramente novos sao
incompatíveis com qualquer tipo de pequeñas mutagóes; em
conseqüéncia, julgam que, para explicar as grandes transfor-
magóes apontadas pela paleontología, se devem postular gran
des mutagóes ou «■macromutagóes orientadas».

Em suma, hoje em dia contam-se, sómente entre dentistas,


cérea de trinta teorías que tentam explicar o fenómeno da evo-
lugáo; nenhuma délas, porém, está igsnta de dificuldades.

4. Por último, observam o seguinte: embora naja afini-


dade entre as reacóes de um organismo e as da materia nao
vívente, a vida nao pode ser considerada como mero departa
mento da física e da química: ela traz características que lhe
sao próprias e que essas disciplinas nao explicam. Escreve J.
Huxley:

"N9o se poderáo jamáis compreeñder os niveis de organizacáo da


vida mediante o mero recurso as explicares e aos principios válidos em
ntvels Inferiores... Como Mayr e Slmpson aílrmaram sem hesitacáo, mesmo
o conheclmento mais completo da biología molecular jamáis permitirá de-
duzir desta os fenómenos da biología dos seres organizados ou da biología
evolutiva" ("Sclence et synthése". París 1967, p. 72).

Passemos agora a outro aspecto da teoría de Monod.

— 392 —
«O ACASO E A NECESSIDADE» 11

3. Fale a filosofia...

O acaso, entendido como fator cegó e fortuito, é de todo


inepto para explicar as estruturas dos viventes e suas funcóes
cada vez mais complexas. E isto por varios motivos:

3.1. Acaso que é propriamente ?

1. Dizsm os filósofos que o acaso é o encontró ou o cru-


zamento acidental, isto é, nao necessário, nao harmonizado (nao
ordenado), nao previsto, de duas causas (ou duas series de
causas) independentes urna da outra; cada urna dessas causas
(ou series de causas) age em vista de urna finalidade própria
determinada.

Assim diz-se que alguém, cavando a térra para plantar


uma árvotre, acha por acaso um tesouro que outra pessoa enter-
rou ali para csoonde-Io. Dois amigos se encontram, por acaso,
em uma cidade para onde cada um, sem saber das intengóes
do outro, foi a negocios. Num lance de dados sai, -por acaso, o
número premiado. Uma telha cai, por acaso, na cabeca de um
pedestre.

O próprio Monod dá o seguinte exemplo de acaso:

"Suponhamos que o Dr. Dupont seja chamado com urgencia para visitar
um n6vo doente, enquanto o bombelro Dubois trabalha no consérto urgente
do teto do predio vizlnho. Logo que o Dr. Dupont passa junto ao predio,
o bombelro, por inadvertencia, delxa calr seu martelo, cuja trajetória (de
terminista) vai interceptar a do médico, que morre com o cránio esmaga-
do... Dizemos que ele nao teve sorte. Que outro termo empregar para um
aconteclmento como ésse, imprevislvel por sua própria natureza? Aqui o
acaso evidentemente deve ser considerado como essencial, inerente á
independencia- total das duas series de acontecimentos cujo encontró pro
voca o acídente" (p. 131).

2. Refletmdo .sobre o acaso assim apresentado, verifica


se que

1) O acaso nao é uma pessoa, um ser existente, nem uma


causa com atividade própria. Nao é um agente distinto das
duas pessoas que por seus motivos próprios cavam a térra ou
que, a negocios, váo a uma cidade em dia determinado. O acaso
nao é um espirito maligno que, escondido no fundo de um

— 393 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

copo, faga sair o número premiado ou, postado num telhado,


faga cair urna telha ou um martelo... O «Sr. Acaso» nao
existe.

2) O acontecimento dito casual supóe sempre ¡duas ou mais


causas que agem por um fim determinado; supóe sempre or-
dem e finalidade: se ninguém tives.se enterrado o tesouro para
csoondé-lo e se ninguém tivesse cavado a térra para plantar
urna árvore, o encontró do tesouro (dito casual) teria sido
impossível; se nao fóssem as leis da natureza. como a da gra-
vidade e a da atracáo da materia, nem telha nem martelo
cairiam do telhado. Em conseqüéncia, o que se diz acontecer
por acaso, tem causas: é o efeito das causas que concorreram
para a sua producáo. Todavía, ao tender para a sua finalidade
própria, cada causa é independente da outra; nenhuma está
subordinada á outra.

3) Justamente o fato de que essas causas nao estáo subor


dinadas ou ordenadas urna á outra, torna o efeito dessas causas
imprevisível ao observador; surpréso por tal efeito imprevisto,
o observador entáo fala de efeito casual ou de agáo do acaso.
Se um efeito pode ser previsto, nao se diz que acontece por
acaso. Se alguém pudesse calcular exatamente o ángulo sob
o qual seráo langados os dados num jógo de azar..., se pudesse
calcular a fórga do laneamento respectivo, a elasticidade da
mesa sobre a qual os dados váo cair, a trajetória que háo de
percorrer, poderia prever com certeza o número que ésses
dados apresentaráo ao parar. Para essa pessoa, o número nao
seria casual. O mesmo se pode dizer dos outros exemplos de
acaso atrás recenseados: se alguém pudesse calcular a veloci-
dade e a trajetória do Dr. Dupont, assim como o grau de dis-
tragáo ou inepcia do bombeiro Dubois, e a fórga da gravidade
que atrai o martelo, nao diria que éste caiu casualmente sobre
a cabeca do Dr. Dupont.'

Por conseguinte, conclui-sa que um efeito só é casual em


relacáo á mente do observador incapaz de prever o cruzamento
das causas e o resultado das atividades das mesmas. Tal inca-
pacidade resulta ou de que essas causas sao numerosas e com
plexas demais ou de que nao é possível ohservá-las sem as
perturbar (daí Heisenberg falar das incertezas ou indetermina-
góes do comportamento de agentes naturais).

— 394 —
«O ACASO E A NECESSIDADE> 13

O acaso, portante, é urna simples palavra, que significa a


nossa «ignorancia das causas».1 Ele nada produz; nem é a
negagáo das causas, mas apenas a máscara atrás da qual as
causas se ocultam a nos.

Por estas observagóes acerca do acaso vé-se claramente a


impassibilidade de atribuir-lhe a existencia dos seres do universo
e a ordem com que ésses seres se harmonizam entre si numa
cadeia de agóes e reagóes.

Por isto também o acaso já foi abandonado por muitos


dentistas e pensadores, que reconhecem a necessidade de outro
fator para explicar a realidade do mundo. Eddington chegou
a falar do «Anti-acaso»!

3.2. Acaso, arvna de dois gomes

Suponhamos que a materia primitiva do universo estivesse


sujeita ao mero acaso ou á pura eqiüprobabilidade, sem diregáo
ou fórga ou lei preferencial. Num tal conjunto, qualquer
combinagáo ou estrutura que se formasse por acaso, estaría
também sujeita a deformar-se ou destruir-se por acaso.
Dirá, porém, alguém: a selegáo natural faz que, dentre as
formas produzidas por acaso, subsistam as mais aptas a sub
sistir ou sobreviver e peregam as menos estáveis. — Em
resposta, pode-se observar: se as formas oriundas do acaso sao
equiprováveis entre si, elas se destroem com a miasma proba-
bilidade com que se formam. A selegáo nao confere estabilida-
de, mas supóe-na; ela (personificada?) pode ao máximo escolher
entre as combinagóes estáveis.

3.3. O acaso e suas probabilidades

Considere-se urna só molécula de protema, substancia que


entra na oomposigáo de qualquer corpo vivo. Suponha-se, para
simplificar os cálculos, que tenha o peso molecular 20.000 e
conste de 2.000 átomos pertencentes a duas especies apenas.

1 Ao matemático Henri Polncaré atribuem-se os seguintes dizeres:


"Le hasard est un mol qu'inventa l'lgnorance
Et qul de nos esprtts marque l'lnsufflsance"
(citado na "Revue des Objections". París 1920, pp. 139s).

— 395 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

A probabilida.de de se formar por acaso uma tal molécula se

reduz a 2,02 x 10 —321 ou 2,02 x . O volume de


10 321
substancia nacessária para que urna tal probabilidade se reali-
ze, seria o de uma esfera cujo raio exigiría 1083 anos-luz para
Ihe percorrermos a distancia. Quem langasse ao acaso os áto
mos correspondentes de. tal molécula de proteína ao ritmo de
500 trilhóes de vibragóes por segundo, dispondo de um volume
de átomos igual ao da esfera -terrestre, precisaría de 10S43
bilhóes de anos para obter uma só molécula de proteína. Nao
esquejamos, porém, que a térra só existe há quatro bilhóes de
anos e que a vida nela apareceu há cerca de dois bilhóes de
anos apenas.1 Leve-se em conta outrossim que um ser vivo se
compóe do bilhóes de células de proteínas e que, segundo a
linguagem dos fósseis, bühóes de seres vivos tiveram origem
sobre a térra em lapso de tempo notavelmente breve. — £o
que leva, a novo titulo, a rejeitar peremptóriamente a origem
casual do mundo e da vida.

3.4. Evolu;óo e acaso

A explicagáo pelo acaso desafia a sá razáo aínda por outro


motivo.

Pergunta-se: como combinagóes casuais de cromossomos


puderam acarretar modificagóes cada vez mais complexas, dis
postas segundo auténtica ordem progressiva? Como ss pode
justificar que o progresso dos organismos tenha sempre coin
cidido com uma crescente complexidade? Os grandes grupos
de vertebrados apareceram .sucessivamente, passando dos peixes
aos batráquios. aos reptéis, aos pássaros, aos mamíferos; por
último, veio o homem como remate da serie ascendente. Em
váo se procuraria um fóssil de mamífero nos estrados geológicos
da era primaria ou um fóssil humano na era secundaria. Fica,
pois. a pergunta aberta: donde vem essa arquitetura, essa ordem
progressiva, que ninguém pode negar? Donde pode proceder
a organizacáo ascendente dos seres vivos senáo de uma Inteli
gencia Suprema que tenha previsto e disposto essas escalas de
progrssso da vida? Pode a racionalidade provir do irracional
ou do desarrazoado? Podem as leis da lógica e da matemática,
que pnasidem aos fenómenos do universo, derivar-se do erro
e do ilógico?
«O ACASO E A NECESSIDADE» 15

Mais aínda. Convém lembrar o que é um código genético:


é o conjunto de cromossomos responsável pela construgáo de
um ser vivo. Ésse código contém bilhóes de bilhóes de instru
cóes e sinais. A «construgáo» de urna simples minhoca precisa
de tal número de instrugóes que a imaginagáo mal as pode
conceber. O código genético contém as instrucóes referentes á
construcáo de cada órgáo com seus pormenores ínfimos, com
seus bilhóes de células e neurónios, etc. Nos cromossomos hu
manos em particular, há tantas informacóes que elas poderiam
encher urna biblioteca inteira, ou seja, entre um e dois milhóes
de páginas impressas. Cf. Ph. l'Héritier, «Qu'est-ce que l'hé-
rédité?» em «Hérédité et génétique». París 1964.

Poderá isso tudo ter-se tornado a partir de erras ou de


lances irracionais?

De resto, observa Pierre Leroy:

"Todos sabem que o autor de Acaso e Necossldade nao confiou no


acaso para assegurar a venda da sua obra. Ele apelou para todas as
oportunidades que a publlcldade Ihe oferecla: radio, televlsño, artificios da
imprensa escrita, entrevistas, dlscussoes públicas... Monod utlllzou, slm,
todos os melos para dar a conhecer e difundir o seu livro. Assim proce-
dondo, ele deu-nos belo exemplo de orlentacBo do acaso. Por que nSo
se terá dado o mesmo com fenómenos de envergadura e alcance multo
maiores? NSo ha dúvlda, a vida deve ter sua expücacfio em causas naturals.
Mas isto nSo excluí que tais causas tenham sido premeditadas e intencio
náis" ("Le materialismo ou la nécessité du hasard", em "Ecclesla", n° 263,
fevereiro, pp. 30s).

Por fim, observa-9s:

3.5. Ata'.o e origern do universo

A explicagáo da vida e de suas especies pelo acaso deixa


aberto o problema: e a materia que se combinou casualmente...,
donde vem? Qual a origem da nebulosa inicial?

Monod nao tenta explicar a existencia da materia, nem


parece preocupar-se com isto; parte da materia como sendo
um dado primitivo. Ora a origem da materia é, para todo
pensador, um problema fundamental. Donde possui a materia
a sua existencia e as suas capacidaéas de produzir a ampia
escala de compostos anorgánicos, de formas viventes, de senti-
mentos c instintos?

— 397 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

Caso se diga que ela possui isso tudo por si mesma, tem-se
o panteísmo — o panteísmo que Monod quer evitar. Caso se
responda que ela nao o possui por si, pois a materia é contin
gente, mutável, limitada, chega-se iá existencia de Deus. Tal é
a conclusáo professada por muitos pensadores e sabios.

Alias, quem admite um Dsus Criador, nao cai no animismo


ou no infantilismo de aceitar a materia animada ou dotada de
psiquismo. O Criador se relaciona com éste mundo como o
artista se relaciona com seus artefatos: estes dáo testemunho
da inteligencia, da sabedoria, do carinho de seu autor, mas
nao se confundem com ele. Assim como todo relógio traz a
marca do seu relojoeiro, éste mundo traz os vestigios da ordem
e da harmonía concebidas pelo seu Criador. Esta posicáo é
lógica e cosrente, ao passo que o recurso ao acaso vem a ser
urna fuga ou capitulacáo da razáo.

Conclusáo

Eis o que ocorria observar á margem do livro de Monod,


que, de um lado, pode impressionar por seu aparato científico,
mas, de outro lado, fica sendo extremamente vulnerável pela
debilidade de sua filosofía. Nem sempre os dentistas sao pers-
picazes filósofos!

Talvez urna das fathas fundamentáis da tes2 de Monod


seja a afirmacáo de que os fenómenos biológicos e científicos
só podem e devem ser entendidos á luz das ciencias naturais e
empíricas, ficando excluido todo recunso á metafísica e a ele
mentos transcendentais. — Tal é, alias, a posicáo do positivismo
de Augusto Comte.

Ora é certo que a biología e as ciencias da natureza devem


ter sua liberdade de pesquisa, isenta de preconceitos filosóficos.
Mas também é certo que as ciencias naturais nao esgotam toda
a realidade, nem respondem a todas as interrogacóes que esta
sugere ao estudioso. Existe tima outra fonte de panetragáo na
realidade e de conhecimento da verdade: é o raciocinio filosó
fico ou a filosofía.

As ciencias naturais oferecem a análise dos fenómenos, ao


passo que a filosofía faz a síntese dos mesmos numa visáo
global («cosmovisáo», Weltanschauung). A ciencia expóe como
a vida é; a filosofía tenta elucidar por que e para que a vida é.

— 398 —
«O ACASO E A NECESSIDADE» 17

Ciencia da vida e filosofía nao se excluem mutuamente, mas,


ao contrario, se complementan! urna á outra. O fato de que
antigamente a filosofía se perdía em abstragóes sutis, alheias
á realidade (por falta talvez de dados empíricos colhidos pela
ciencia), nao deve levar ao banimento da filosofía. Esta cons
tituí urna tendencia congénita e indelével do espirito humano,
o qual procurou e procurará sempre, mui legítimamente, partir
da realidade concreta científicamente analisada, para elaborar
a resposta as questóes básicas e decisivas concernentes á vida:
«Donde vem? Para onde vai? Donde procede? Que será de
mim?»

Bibliografía:

Vittorio Marcozzi, "II caso e la necessitá di Jacques Monod", em "La


Civilitá Cattolica" n? 2895, 6/2/71, pp. 255-260.

ídem, "A evolugSo hoje". S3o Paulo 1969.

Plerre Leroy, "Le matérialisme ou la nócessité du hasard", em "Eccte-


sia" n? 263, fevereiro 1971, pp. 29-31.

ídem, "La synthése de la vie et la foi du chrétlen", ib. n? 262, Janeiro


1971, pp. 41-44.

Alfred Hermann, "Teilhard, Melvin Calvin e a origem da vida". Petró-


polis 1968.

Paul-Émile Duroux, "Historia natural da humanidade segundo Teilhard".


Petrópolls 1968.

Francois Russo, "La vida y el azar. Hechos y hipótesis", em "Crite


rio" n? 1622, 24/6/1971, pp. 382-386.

Gérard Bonnot, "A ciencia sob acusacáo", em "Jornal do Brasil" 14


e 15/3/1971, caderno especial p. 3.

Marcal Versiani, "Monod, o acaso ñas origens do 'Homo sapiens'", ib.


26/6/1971, cáderno literario, p. 7.

Claude Tresmontant, "Comment se pose aujourd'hui le probléme da


l'exlstence de Dieu". Paris 1966.

Marc Oralson, "Le hasard et la vie". Paris 1971.


ética da situacao" e mudancas na moral

Em síntese: A Ética da situado reconhece ao ser humano a liberdade


para se reger de acordó cotn principios e luzes meramente subjetivos, nSo
levando em conta necessárlamente leis e normas objetivas, universais e
perenes; cada sltuacfio se resolverla, em última anállse, segundo o alvitre
que parecesse mais reto á pessoa interessada (embora ésse alvitre contra-
rlasse normas constantes da Moral).

Fot principalmente no exlstenciallsmo que tais concepcdes tomaram


voga. Todavía tém encontrado certa aceitacáo tambóm por parte de autores
cristáos que nao professam o exlstenclalismo como tal.

A Moral da Igreja afirma que o ser humano nSo se realiza por crlacSo
arbitraria do sujelto, mas o homem, ao se descobrlr, encontra em si mesmo
a sua deflnlcfio, as suas grandes aspiracfies (que se manifestam tanto
atreves do psíquico como através do somático...). Compete-lhe, pols, aus
cultar e observar essas normas ou lels objetivas que deflnem o ser humano.

Todavía nSo se podería jamáis desconhecer o aspecto contingente e


ocasional do agir humano: a lei deve ser vivida em tais e tats circunstancias;
ora essas circunstancias subjetivas podem fazer que o sujelto nSo esteja
obrigado (em parte ou por completo) a obedecer ás lels objetivas da Moral.
As virtudes da prudencia e da eplquéla compete fazer o confronto entre
a leí objetiva e as condlcóes subjetivas do sujelto em foco e asslm reger
adequadamente o comportamento humano. Ademáis o Espirito Santo jamáis
delxa de assistir a quero procure agir com retidSo.

Comentario: A vida do homem de hoje é muitas vézes co


locada diante de problemas novos e complexos que apresentam
valores em choque, imperativos contraditórios a chamar e atrair
veementemente... Tenham-se em vista, por exemplo, as situacóes
criadas por certas práticas da vida contemporánea que se

— 400 —
«ÉTICA DA SITUACAO» _19

tornam cada vez mais comuns e quase «normáis»: uso de anti-


concepcionais, procura de relagóes sexuais anteriores ao matri
monio, recurso ao aborto, a eutanasia, á extingáo da vida de
criancas deformadas, o suicidio de agentes secretos que, presos,
poderiam revelar segredos de guerra, o divorcio, a fecundagáo
artificial, o cultivo ido feto humano fora do seio materno...

As leis do comportamento humano até hoje vigentes pa-


recem nao ter previsto tais casos. Em conseqüéncia, o homem
se senté por vézes sufocado e oprimido pelas normas da Moral
antiga. Esta — dizem — exerce protecionismo e infantiliza;
já nao atende á realidade contemporánea, de sorte que muitos
dos cidadáos de nossos dias afirmara nao reconhecer nem
compreender os preceitos da Ética antiga. Preconiza-se, pois,
urna nova Moral, que permita resolver os problemas éticos
segundo criterios pessoais e particulares, ficando o homem áe-
sobrigado de atender a determinagóes ditas «perenes, transcen-
dentais, objetivas, etc.» A ciencia moderna, apresentando ao
homem urna imagem dinámica em continua evolugáo, exigiría
urna Moral também em continua evolugio.

É éste o problema suscitado por correntes filosóficas e


x'eligiosas contemporáneas, as quais apregoam com diversos
matizes o .existencialismo ético ou a ética da situacáo. Abaixo
desenvolveremos a questáo e procuraremos indicar-lhe a solu-
gáo crista.

1. «Moral da situa^áo»

As expressóes «Moral (ou Ética) da situagáo», «existen


cialismo ético» sao utilizadas em sentidos diversos. Dai a ne-
cossidade de se definir com prccisáo a acepgáo que vem ao
caso neste estudo.

Situacáo, no caso, significa nao apenas o conjunto de cir


cunstancias que envolvem tima pessoa, mas compreende também
as disposicoes íntimas que caracterizam tal pessoa «ueste mo
mento exato» ou «neste presente» da historia.

A Moral da situábalo ensina que os criterios do agir humano


háo de ser derivados das características concretas da situagáo;
cada individuo está habituado a julgar autónomamente o que
é moralmente bom para si, sem se prender a normas rígidas, a
casos precedentes ou aos exemplos de seus ssmelhantes.

— 401 —
20 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

Estas idéias sao sustentadas por varias correntes de pen-


samento, cujas principáis sao:

1) O existencialismo. Éste, ao menos na sua forma mais


extremada, afirma antagonismo entre Iei e liberdade, dando
absoluto preferencia a esta. Tal é a posicáo de Jean-Paul Sartre
e de Símone de Beauvoir, que ensinam: «Nao há salvacáo a
nao ser na liberdade subjetiva». O único fator que cria valores,
é a liberdade do homem ou o capricho criatívo, que se exprime
na situagáo. Sartre atribuí a Orestes, na sua ffega «Les Mou-
ches», os dizeres típicos: «Já nao há mais nada no céu: nem.
bem, nem mal, nem al'guém para me dar ordens. Fois sou um
homem, um Júpiter, e cada homem deve inventar o próprio
caminho». Em outros termos, poder-se-ia dizer: coisa nenhuma
tem valor, a nao ser pelo lugar que ela ocupa em meus planos;
importante quer dizer importante para mim. Sou condenado
a ser livre dé qualquer coacáo, mas aquilo para que sou livre,
só pode ser determinado pela minha liberdade.

2) O humanismo ateu, acentuando o caráter evolutivo da


historia, afirma nao haver valores éticos absolutos; todo valor
está sujeito a ser questionado pela Iei das mudancas históricas.
A «Liga Humanista Internacional», reunida no seu Congresso
de Amsterdam no ano de 1952, declarou por voz de Julián
Huxley: «O destino humano há de ser considerado nao á luz
da eternidade, mas a luz da evolucáo».

3) A antítese «lei-graga» do protestantismo. O pensador


existencialista Kierkegaard assim raciocinava em funcáo de
suas concepgóes luteranas: a natureza humana está deteriorada
pelo pecado (Lutero era pessimista em relagáo ao homem cha-
gado pelo pecado); ademáis Deus deve ser reconhecido como
absolutamente soberano. Em conseqüéncia, nao se podem ne-
cessáriamente deduzir as normas do comportamentb humano
a partir de leis tidas como impregnadas na natureza do homem;
Deus, Senhor absoluto, pode exigir comportamentos que con-
trariem o bom senso e o comum procedimento da humanidade;
entáo a fé ou a resposta do homem a Deus é comparável a
um salto absurdo, movido por confianca incondicional, nao
sustentada por alguma garantía racional. Kierkegaard, na sua
obra «Temor e Tremor», descreve o sacrificio de Isaque por
Abraáo como o tipo das exigencias de Deus que tém a aparénda
do absurdo; alias, Kierkegaard renunciou ao casamento com
Regina Ollen, lembrado da renuncia do Patriarca Ábraáo.

— 402 —
«ÉTICA DA SITUACAO» 21

A posicáo de Kierkagaard exerceu forte influencia sobre


a ética da situagáo protestante, representada por Thielicke,
Brunner, Althaus, Wunsch...

4) Entre os católicos, a ética da situagáo encontrou acei-


tagáo matizada. Foi claramente adotada por E. Michel no ssu
livro «Ehe. Eine Anthropologie der Geschlechtsgemeinschaft»
(1948), que tentava aplicar os principios da moral existencia-
lista aos assuntos matrimoniáis; a obra, que influenciou outros
autores católicos, foi colocada no Índice dos Livros Proibidos.
— O Papa Pió XII, em 23 de margo e 19 de abril de 1952,
proferiu alocugóes que rejeitavam a ética da situagáo. Poste
riormente, aos 2 de fevereiro de 1956, a Congregagáo do S.
Oficio publicou urna Instrucáo, que, de maneira nítida, definía
a posigáo católica contraria á nova Moral.

Pergunta-se agora qual a atitude católica diante da Ética


da situagáo.

2. A posi$ao católica

Distinguiremos dois aspectos do tema: natnneza e historia.

2.1. Nalureza

A Moral católica, ao orientar e avaliar a conduta dos


homens, nao rejeita a consideragáo da situagáo concreta em
que estes se acham; se o fizesse, já nao seria humana.

Todavía o que a consciéncia crista nao aceita, é a coloca-


cáo da liberdade ácima de qualquer lei (o que equivaleria a
reduzir a liberdade a ura capricho criativo). Para o cristáo,
o ser humano é urna criatura de Deus, a qual procede de
Deus e tende para, Deus; o Criador concebeu um ideal que ele
impregnou sob a forma de germen ou potencialidade no ser
humano; é á plenitude désse ideal que o 'homem deve natural
mente tender, a fim de se realizar devidamente. Em conse-
qüéncia, a liberdade do homem nunca é apenas libardade de
coagáo; é também, e sempre, liberdade para..., para a pleni
tude de seu ser. Todo homem traz dentro de si o seu projeto

— 403 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

concreto, que se deve desabrochar aos poucos. Em outros


termos: todo homem traz virtualidades que ele deve auscultar,
a fim de as fomentar e assim atingir a sua auto-realizacáo.
Deus cria cada ser humano nao sómente com as notas indivi
duáis e inconfundíveis de sua personalLdade, mas também com
as características gerais da natureza humana que se encontram
em todo individuo.

Estas reflexóes estáo sabiamente condensadas no famoso


adagio grego: «Torna-te aquilo que es». És: esta palavra lembra
que, antes de agir, o homem já tem urna estrutura ou urna
definigáo; nao é o agir do homem que cria a definigáo do
homem, mas, vice-versa, é esta que suscita e norteia o agir;
éste nao deve ser senáo o «vir-a-ser-em-plenitude», o «tornar-
-se», ou ainda o desdobramento da estrutura ou da natureza
do ser humano.

Na base destas consideracóes, a Moral católica afirma a


existencia de urna lei natural com seus principios perenes e
estáveis; o homem nao chega a plenitude de si mesmo seguindo
caminhos totalmente arbitrarios e improvisados. Mas ele se
descobre e desenvolve mediante a ausculta dos valores que lhe
sao congénitos e que ele nao pode ignorar ou malbaratar sem
se desfigurar. Todo o dinamismo do ser humano é a tendencia
a realizar, através de situacóes sucessivas e multiformes, o
modelo impregnado, sob a forma de ideal embrionario ou em
esbógo, dentro da natureza humana.

Eis um primeiro termo que integra as concepgóes moráis


cristas: a existencia de urna lei natural, com seus elementos
perenes: nao matar, nao roubar, nao pagar o mal com o mal,
respeitar a mulher do próximo...

O S. Padre Paulo VI propóe esta verdade em alocucáo pro


ferida aos 18/3/70:

"é claro que a lei relativa ao modo de agir, a leí moral, deriva do
ser humano, pois é déle que depende o dever ser. Mas quem é o homem?
Quem é o cristfio? é preciso ter urna noc&o, pelo monos Instintiva e intuitiva,
da natureza do homem para compreender qual deve ser o seu modo de
agir...

Fazemos apenas algumas perguntas: existe realmente urna lei natural?


Esta pergunta parece ser Ingenua, porque se prevé fácilmente urna resposta
exata. Mas. se pensarmos em tantas objecSes que hoje se fazem em relacSo
á existencia de urna leí natural, nSo ó ingenua. Em parte compreendo-se
por qué. Quando se confunde e se altera a verdadelra concepcSo do

— 404 —
«ÉTICA DA SITUACAO 23

homem, confunde-se e allera-se também a concepgio da sua vida, do seu


modo de agir e da sua moralldade.

Mas nos, que julgamos poder responder, por meio da reflexao iluminada
— se qulserdes — pela luz da sabedorla crista, á antlga máxima' 'conhece-
-te a ti mesmo', o sentido Imánente da consciéncia e, principalmente, o
lume da razáo dizem-nos que estamos sujeitos a urna leí — simultáneamente
dlreito e dever — que nasce do nosso ser, da nossa natureza, a urna lei
nSo escrita, mas vivida — 'non scripta, sed nata lex' (Cicero) —, leí que
SSo Paulo reconhece tambóm nos pagaos, fora da luz da Revelacao divina,
quando diz que éles s§o a lei de si mesmos: 'ipsi sibi sunt lex' (Rom 2, 14}...

Aínda somos sensivels ao clá'sslco e tremendo confuto da tragedia


grega, que se reflete no coracáo frágil, mas tfio humano, de Antlgone,
quando esta se insurge contra o poder Inlquo e tirano de Cleonte. Hoje
mais do que nunca, somos fautores da personalldade e da dignidade hu
mana. E por qué? Porque conhecemos no homem um ser que reclama
um 'dever-ser', em virtude de um principio exigente a que chamamos lei
natural" (SEDOC, n? 11, maio 1970, cois. 1320s).

2.2. Dinamismo e historia

1. Neste contexto nao se poderia deixar de levar em


conta também o aspecto existencial e realista da Moral católica:
o homem deve «tornar-se o que ele é» dentro de situaccfes bem
concretas. Cte diversos quadros em que a pessoa sucessivamente
se vé no decorrer de sua vida, podem ser ditos como outros
tantos apelos ou sinais de Deus. Importa, pois, ao ser humano
prestar ouvidos a essas variadas situagóes e interrogar: «Que
pede de mim a vontade de Deus aqui e neste momento?»

Isto quer dizer em outros termos: é necessário que cada


um procure aplicar os principios perenes da Ética as suas
situacóes contingentes, fazendo a síntese entre a lei objetiva e
as condigóes subjetivas da pessoa interessada.

2. Éa virtude da prudencia que realiza essa tarefa, con


frontando as normas gerais da Moral e a situacáo concreta do
individuo: a prudencia julgará como, agora e aqui, deveráo
ser observadas essas leis; ela poderá mesmo concluir que o
sujeito, posto em tais circunstancias, está dispensado de obe
decer á lei, recorrendo assim ao que se chama «epiquéia» (ou
principio de dispensa legitima). Um auténtico juizo sobre urna
situagáo concreta dependerá, pois, nao sómente dos principios
universais da Moral objetiva, mas também de urna sabia com-
preensáo das circunstancias acidentais em que se encontra a
pessoa.

— 405 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

Note-se que «prudencia» nao quer dizer «timidez, mesqui-


nhez, covardia»; ela tanto pode moderar e refrear a audacia
indevida como excitar e impelir a tibieza ou o desánimo.
Pode-se dizer: a prudencia é a virtude que percebe o apelo a
prática ido bem que se deriva da situagáo concreta do individuo.
É preciso observar também que a prudencia é a virtude mais
dependente da índole pessoal do ser humano: idade, formagáo
recebida, experiencias feitas, traumas sofrídos, temperamen
to... influiráo na formagáo do juizo que determinada pessoa
fará a respeito da necessidade ou da conveniencia de agir ou
nao agir em tal e tal situacáo precisa. Em conseqüéncia, a certa
pessoa poderá parecer prudente (ou seja, sabio, consentáneo,
recomendáyel...) o que outra pessoa júlgará ser imprudente;
mesmo assim estaráo'ambas procurando praticar a virtude.

A epiquéia também é uma virtude, ou seja, a virtude de


interpretar a lei em dada situagáo, obedecendo ao espirito,
embora nao a letra da lei. Em nome do espirito da lei, pode
alguém julgar que esta nao inclui sob a regra comum ositos
casos especiáis, pois essa inclusáo seria tola ou absurda. A
auténtica epiquéia pode levar alguém tanto a assumir uma fa-
diga e um encargo nao exigidos pela letra da lei (mas solicita
dos pelo espirito da mesma e pelo bem comum) como pode
declarar alguém dispensado da letra da lei, desde que seja
evidente que o legislador jamáis tena intencionado impor o
fardo da lei (todo ou em parte) a tal ou tal pessoa em tais ou
tais circunstancias.

3. Além das virtudes atrás mencionadas, o cristáo conta


com os dons do Espirito Santo (principalmente com os de con-
selho, ciencia e inteligencia) para julgar como deve proceder
em determinada situagáo. O Espirito Santo, alias, jamáis deixa
de assistir ao homem a fim de que possa discernir a vontade
de Deus em cada quadro concreto de sua vida. Gragas aos
dons do Espirito, o cristáo vé na realidade que o cerca nao
algo de cegó e morto, mas a palavra do Deus vivo, que fala
tanto pelas circunstancias extrínsecas como pelos dons intrín
secos depositados na pessoa humana.

Conclusao

1 A luz de quanto foi dito atrás, pode-se afirmar que


a natureza humana é específicamente idéntica a si mesma
através dos sáculos, manifestando sempre as mesmas aspiragóes

— 406 —
«ÉTICA DA SITUACAO» 25

e tendencias espontáneas (... á conservagáo de si mesma, á


consecugáo da plenitude da vida, da felicidade, do amor, da
justiga...); estas aspiragóes sao vividas por seres psicossomá-
ticos, portante seres sujeitos a Ieis somáticas, bioquímicas, que
o homem ideve reconhecer e respeitar sob pena de se auto-
destruir.

2. Aqui póe-se um problema particular assaz grave: as


Ieis da biología humana poderáo ser amoldadas segundo o
arbitrio do individuo? Mais explícitamente: as Ieis do ato
sexual, que por si tende á prole, podem ser burladas, de modo
a se praticar o ato e excluir a procriacáo? Ou aínda: a natu-
reza humana nao nos permite dizer que pode haver amor e
sexo para satisfazer aos cónjuges, sem os onerar com prole?

Há quem responda afirmativamente: por sua natureza


mesma, o ato sexual seria complementagáo apenas, nao desti
nada á procriagáo. A Moral católica, porém, sempre afirmou
(e Paulo VI o repetiu na sua encíclica «Humanae Vitae») que
as Ieis da biología, no caso, sao impreteríveis; elas fazem parte
integrante e inviolável da lei natural. Esta posigáo. parece ra-
zoável, pois a liberdade humana nao é liberdade desencarnada,
mas, sim, liberdade para conduzir um ser psicossomático (de
pendente, pois, da bioquímica) á plenitude ide si mesmo.

Quando a pessoa humana se descobre, ela já se encontra


dotada de tal natureza: donde se segué qtus ela nao é autóno
ma em sentido absoluto, mas heterónoma; é no seu Autor ou
Criador, manifestado pela natureza, que ela vai encontrar os
ditames de seu engrandecimento ou de sua auto-realizagáo.

3. Todavía é mister que consideremos também o dina


mismo e o progresso da historia. Nao para dizermos que, com
o tempo, tudo muda e se torna relativo. Mas para reconhecer-
mos que a historia, oferecendo perspectivas inéditas, necessá-
riamente fornece ao homem novas e novas ocasióes de apro-
fundar as verdades básicas que ele sempre conheceu.

Assim, por exemplo, no tocante ao conceito de pecado,


tem-se hoje em dia urna nogáo mais rica e matizada do que
outrora, pois a psicología e a biología nos ajudam a compreen-
der mais profundamente os comportamentos humanos. — No
tocante ao consorcio matrimonial entre cónjuges, temos urna
visáo mais tranquila talvez do que a dos primeiros sáculos
cristáos. — No tocante aos empréstimos, nao se condenam os

— 407 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

juros moderados, pois a vida contemporánea nos diz que o


dinheiro, por sua índole mesma, é um bem dinámico, que nao
deve ser estagnado, mas há de produzir em favor de quem o
possui. — No tocante a dignidade do homem, qualquer que
seja a sua cor, instrugáo ou categoría social, aprendemos o
respeito e a estima...

Por isto os juizos moráis que hoje proferimos, neste ou


naquele caso particular, nao sao sempre aqueles que os antigos
proferiam ñas miasmas situagóes. Isto nao quer dizer que a
Moral, em seus principios e nos grandes corolarios désses prin
cipios, tenha mudado'; mas significa, sim, que, além de consi
derar a Iei em si mesma objetiva, fría e universal, a Moral
hoje tem mais posibilidades de considerar também o sujeito
que a Iei interpela em tal situagáo, envolvido em tais e tais
condicionamentos (tanto positivos como negativos).

Em suma, o elemento objetivo e o subjetivo sao atualmen-


te levados e m conta pelo moralista mima dosagem táo fiel
quanto possível, de modo a tornar a Moral personalista (ti-
rando-lhe um caráter um tanto despersonalizante ou desumano
que ela poderia ter). «Personalista», porém, nao quer dizer
«individualista» ou «puramente subjetivo, emancipado de re-
gras e modelos objetivos». Já que o homem nao é autor do
seu ser, também nao é a fonte de sua moralidade. O Criador
que nos fez, é também o nosso Legislador e Consumador. Ao
homem nao é lícito, pois, violentar por principio e arbitraria
mente as grandes aspiragóes de seu ser nem as grandes leis
de seu organismo bem estruturado e sadio.

4. Quanto aos povos primitivos, é verdade que tém cate


gorías moráis diversas das dos mais evoiuidos, chegando mesmo
a contradizer-lhes. Tais diferengas nao significam que a Moral
seja relativa, mas, sim, que a mesma natureza humana (comum
a todos os homens) pode estar em fase de ascensáo ou em
fase de decadencia. Os povos primitivos sao, com efeito, povos
que váo despertando para a cultura ou que estáo declinando
e definhando. Ora a crianga e o anciio fazem coisas tolas, as
vézes imorais, sem, porém, compreender plenamente o que
fazem, justamente por nao possuirem a natureza humana na
plenitude dos seus predicados. É, pois, á luz dessa infantílidade
ou da decrepitude que se devem julgar os comportamentos mo-
ralmente estranhos dos povos primitivos; nao representam au
ténticamente a consciéncia humana.

— 408 —
«ÉTICA DA SITUACAO> 27

Note-se também que a persistencia na prática do vicio


torna a consciéncia insensível ao mal; a consciéncia é entáo
cauterizada ou sufocada. Isto pode-se dar tanto num individuo
como mima populacáo inteira.

Assim se pode explicar que muitas pessoas cometam erros


moráis com a consciéncia aparentemente tranquila.

Apéndice

As idéias que acabam de ser propostas, encontram-se, re


sumidas, na Instrucáo do S. Oficio datada de 2/2/1956 e abaixo
reproduzida:

"Instrusáo dirigida a todos os Ordinarios, aos professóres de Semina


rios, de Casas de Estudos para Religiosos, de Colegios e Universidades,
&6bre a Moral da situacáo.

Contrariamente ás posicoes tradicionais da Igreja em materia de ensino


e de prática da Moral, comecou a se propagar em numerosas regl&es, e
mesmo entre os católicos, um sistema de Moral que geralmente se designa
sob o nome de Moral da situacfio, e que se diz Independente dos principios
da Moral objetiva (a qual, em última análise, se funda no ser); tal sistema
pretende ser nSo so equivalente, mas até superior á Moral objetiva.

Julgam os protagonistas désse sistema que a norma última e decisiva


do agir nao consiste numa ordem objetiva de valores, determinada pela leí
natural e conheclda com certeza por meló déla, mas numa luz e num julzo
internos do espirito de cada individuo, pelos quals éste percebe o que
deve fazer na situac&o concreta. A declsfio final da consciéncia humana
nSo consiste, pois, conforme éles, na aplicacáo de urna lei universal a um
caso particular, considerando-se e ponderando-se segundo as regras da
prudencia, as circunstancias determinantes da situacfio — como enslna
tradlclonalmente a Moral objetiva, transmitida pelos grandes autores — e,
slm, na luz e no julzo internos espontáneos ácima mencionados. A valldade
e a exatidáo objetivas de tal jufzo nSo serSo, ao menos em numerosos casos,
normadas em última Instancia por alguma norma objetiva que vaina Indepen-
dentemente da apreciacSo subjetiva do homem. Alias, nem sequer devera
nem poderá ser normada por sémelhante norma: basta plenamente o jufzo
subjetivo.

Segundo os mesmos autores, a nocáo tradicional de lei natural já


nSo satisfaz mais. Deve-se fazer apSIo á nocSo de natureza existente, que
geralmente nño representa um valor absoluto e objetivo, mas apenas rela
tivo e, conseqüentemente, mutável, com excecSo talvez de uns poucos
dados positivos e principios que dlzem respelto á natureza humana meta
física (Isto é, absoluta e Imutável). O concelto tradicional de leí natural
encontra-se, de fato, no nfvel désse valor apenas relativo. Multos elementos
daquilo que agora é considerado como postulados absolutos da leí natural,
baseiam-se — sempre conforme a opInISo e doutrina désses mesmos auto-

— 409 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

res — táo sómente no conceito de natureza existente; possuem, por conse-


guinte, apenas valor relativo e mutável e devem ser adaptados, cada vez
de novo, ás sltuagdes modificadas.

Urna vez admitidos e aplicados tais principios, os mencionados autores


dizem e ensinam que, se cada pessoa julgar em sua consciéncia o que
há de fazer na sltuacSo presente, nfio segundo lels objetivas, mas de
acOrdo com a luz de ordem íntima e individual que provém de urna intulcáo
pessoal, nos nos preservaremos ou libertaremos com facllidade de numero
sos conflitos moráis, insolúveis por outra via.

Mu ¡las das proposicdes sustentadas pelo sistema da Moral da situacSo


sao contrarias á verdade e ao jjlzo da sá razSo: constituem resquicios do
modernismo e do relativismo, e multo se afastam da doutrina católica ensi-
nada através dos séculos. Estfio próximas, em numerosos aspectos, a
diversos sistemas nao católicos de Moral.

Tendo ponderado isto tudo, a flm de remover o perígo dessa nova


Moral, do qual fatou o Sumo Pontífice o Papa Pió XII em suas alocucSes
de 23 de marco e 18 de abril de 1952, e a fim de conservar a pureza e a
seguranga do magisterio católico, esta Suprema e Sagrada CongregacSo
do S. Oficio prolbe que se ensine e aprove a doutrina da Ética da sltuacfio,
sob qualquer nome que seja, ñas Universidades, nos Colegios, nos Semina
rios e ñas Casas de formacáo dos Religiosos; também veda que se propague
e defenda essa doutrina em llvros, dlssertacCes, cursos ou conferencias, ou
de qualquer outro modo.

Dado em Roma, na sede da S. Congregacáo do S. Oficio, aos 2 de


leverelro de 1956.

J. Card. Pizzardo,

Bispo de Albano, Secretario".

Pode-sa dizer sem hesitagáo que o teor déste documento


corresponde á mente da Igreja ainda nos nossos dias.

Bibliografía:

L. Monden, "Consciéncia renovada". Sao Paulo 1968.

B. Hárlng, "A le! de Cristo", vol. I.

ídem, "Shalom: Paz. O Sacramento da reconciliacfio". Sao Paulo 1970.

W. Mollnskl, "SltuationsGthík", em "Sacramentum Mundl" IV. Freiburg


1969, cois. 568-579.

R. Egenter, "Situatlonsethik", em "Lexlkon für Theologie und Klrche"


IX. Freiburg 1964, cois. 804-806.

J. Fuchs, "Éthlque objectlve et éthlque de sltuatlon", em "Nouvetle


Revue Théologlque" LXXVIII (1956), pp. 798-818.

ídem, "Morale théologlque et morale de sltuation", ib. LXXVI (1954),


pp. 1073-1085.

— 410 —
papisa joana bersmaniana"

.#■ R. Q. S.

Em sinlese: Anuncia-se um filme cinematográfico sobre a "Papisa


Joana". Embora o noticiario dos jomáis acentué tratar-se de urna lenda,
nem tddas as pessoas estSo conscientes do caráter lendárlo desse episodio.

Na verdade, a critica histórica, a partir do século XVI, já nio admite


a veracidade da estória de Joana. E isto, por varios motivos:

— as diferentes versfies da estória estSo marcadas por incertezas,


vacilacdes e contradices. Joana teria sido oriunda da Italia, da Gemíanla,
da Inglaterra... Formada em Roma, segundo uns, formada em Atenas
segundo outros... Principalmente as datas do pretenso episodio oscllam
aberrantemente (séc. VII, séc. VIII, séc. IX, séc. X, séc. XI...?);

— até meados do século XIII os cronistas ignoravam por completo o


pretenso episodio;

— a serie de Papas, como hoje é conhecida, nao admite interrupcSo


entre os Pontífices dos séc. VIl-XI; nao encontra brecha para Intercalar
os dois anos e meio (aproximadamente) do Imginário pontificado de Joana.

A tenda da Papisa terá sido forjada para ilustrar ou caricaturar a


triste situacao em que se viu o Papado no séc. X, quando tres mulheres
prepotentes tentavam dominar a Sé de Pedro, ¡mpondo-lhe seus familiares
(muitos déles com o nome de Joao). Urna serie de Papas Joáo no séc. X,
pouco dignos e multo Influenciados por mulheres nobres, terá inspirado a
lenda da Papisa Joana. — Lamente-se a humllhacáo entao sofrida peto
Papado, e nao se forjem distorcoes da historia!

Comentario: A imprensa anunciou a preparacáo de um


filme que' avivará urna dúvida de vez em quando trazida á
baila em cursos e debates sobre questóes histórico-religiosas: a

— 411 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

«estória da Papisa Joana». — Eis a noticia publicada pelo


jornal «O Globo» de 17/6/71, p. 7:

'.Papisa Joana Bergmaniana

Oepois das manifestares barulhentas do Women's Lib, a historia da


Papisa Joana parece de urna Inesperada atualidade. A essa lendária
figura do século IX que teriá chegado a ocupar o trono de Sao Pedro serfio
consagrados dois filmes: "A Pope Callad Joan", de George Pan Cosmatos,
e "Pope Joan", de Michael Anderson. Para éste último fol contratada, como
ja fol anunciado, a atrlz Llv Ullman, famosa por seus desempenhos sob a
dlrecfio de Ingmar Bergmap. Por sua forte personalldade parece mesmo
ser a mais indicada para o papel: Joana era urna jovem que decldiu vestlr-se
de homem a fim de ser padre. Salu-se tfio bem como sacerdote, conta a
lenda, que chegou a Papa, só sendo descoberta sua verdadelra Identidade
quando, numa procissSo, entrou em trabalho de parto. Foi entao apedrejada
até morrer".

Como se vé, a noticia reconhece explícitamente tratar-se


de urna lenda, ou séja, de urna narrativa nao histórica. Como
qusr que seja, está divulgada a idéia de que a Papisa Joana
existiu realmente e ocupou a Cátedra de Pedro. A fim de
dissipar qualquer dúvida ou equivoco a respeito, vamos abaixo
referir o que se encontra nos documentos da literatura e da
arqueología no tocante a pretensa Papisa Joana.

1. A estória

Nos debates concementes á Papisa Joana sao evocados


onze textos ou fontes escritas, que se escalonan! entre o s anos
de 886 e 1279. Ésses onze textos se reduzem a duas familias
de documentos: urna familia é a da «Chronica universalis Met-
tensis», devida ao dominicano Joáo de Mailly e redigida por
volta de 1250. A outra familia é a do «Chronicon pontificum
et imperatorum», documento confeccionado pelo confrade do
minicano Martinho de Tropau, dito «Polono» (f 1279). Os
relates da estória encontrados em documentos mais antigos do
que os dois atrás citados sao devidos a interpolagóes posteriores
ao século XHI (interpolacóes, pois, tardías, feitas em documen
tos dos sáculos IX — XII).

Que dizem as duas fontes sobre a Papisa Joana?

— 412 —
PAPISA JOANA

1) A recensáo da «Ghronica universalis Mettensis» refere


o seguinte:

Em Roma, urna muther simulou o sexo masculino; e, muito


inteligente como era, veio a ser notario da Curia pontificia,
Cardeal e Papa. Um belo dia, tendo montado a cávalo, foi
acometida de dores de parto. A justica de Roma entáo a con-
denou a ser amarrada pelos pés ao rabo de um cávalo, que a
arrastou a meia-légua de distancia, enquanto o povo a apedre-
java. Foi sepultada no lugar mesmo em que morreu.

Um cronista posterior, Estéváo de Bourbon, acresceritou


dois toacos a essa narrativa: Joana tora, ter a Boma (a crónica
anterior nada dizia sobre a origem da «heroína»), e se tornara
Cardeal e Papa oom » auxilio do demonio.

Posteriormente, um cronista de Erfurt observou, em acrés-


cimo, que Joana era urna bela mulher; também modificou o
papel do demonio, dizendo que éste denunciara num consisto
rio que Joana estava grávida.

A crónica de Metz coloca tal episodio logo após o pontifi


cado do Papa Vítor m (f 1087). Estéváo de Bourbon diz que
ocorreu por volta de 1100, após a marte de Urbano II (1099),
ao passo que o cronista de Erfurt retrocede até 915, depois do
govérno de Sergio m (t 914)!

2) A recensáo de Martinho Potono é rrrais complexa do


que a anterior.

Refere que Joáo da Inglaterra, nascido em Mogúncia (Ale-


manha), ocupou o trono papal durante dois anos, sete meses
e quatro dias. Era urna mulher. Jovem, fóra por seu amante
levada, em trajes masculinos, para Atenas, onde granjeou
grande erudigáo. Transferiu-se para Roma, onde ensinou o
«trivium»,1 tendo entre os seus ouvintes e discípulos grandes
mestres da época. Ja que gozava de boa reputacáo e elevado
saber, foi eleita Papisa (ou pretensamente Papa) por consenti-
mento de todos os eleitores, com o nome do Joáo Ánglico.
Grávida, ela se dirigía certa vez de Sao Pedro a basílica do
Latráo; entre o Coliseu e a igreja de Sao Clemente, deu á luz,
morreu e foi sepultada no mesmo lugar. Isto tudo se terá ve-

10 "trivium" eram as tres materias lingüisticas da Idade Media • ara-


mática, retórica, dlalétlca. '

— 413 —
32 ^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

rificado após o pontificado de Leáo IV (f 855). Todavía um


interpolador, Otáo de Freising, coloca a eleicáo da Papisa
Joana em 705!

A versáo de Martinho Polono foi modificada pelo autor de


um manuscrito do sáculo XIV (publicado por Doellinger em
«Die Papstfabeln des Mittelalters*, Munique 1863, p. 503). Tal
autor pee em foco urna jovem chamada Gláncia, oriunda nao
de Mogúncia, mas da Tessália, a qual se terá tornado Papa, nao,
porém, com o nome de Joana, e, sim, com o de Jutta.

Nos sáculos XIV e XV a estória gozava de crédito mais


ou menos geral: no domo de Sena, por exemplo, em cérea de
1400, foram erguidos os bustos dos Papas, entre os quais o
da Papisa Joana. No Concilio de Constanga (1414-1418), o
hereje Joáo Hus citou a Papisa Joana sem sofrer contestacáo
alguma. Humanistas e adversarios da Igreja, principalmente
após o cisma protestante (sáculo XVI), muito exploraran! a
narrativa, multiplicando livros e folhetos que propagavam a
estória.

Deve-se aínda notar que, com o decorrer do tempo, a lenda


da Papisa Joana foi acrescida de outra, nao menos repugnante.
— Com efeito, forjaram-se documentos segundo os quais os
Cardeais da S. Igreja, receando que fósse de novo eleita urna
mulher Papisa, recorriam a urna cadeira de assento perfurado
a fim de se assegurar do sexo do candidato eleito. Tal ca/ieira
era chamada «stercoraria» (palavra que provém de «stercus»,
estéreo).

Esta outra narrativa se encontré nos escritos de autores


medievais, dos quais alguns protestain contra ela. Tenham-se
em vista Godofredo de Courlon, em cérea de 1295; o domini
cano Roberto de Uzes, t 1296; Tiago Angelí de Scaperia, em
1400 (o qual contradiz á «insana fábula»); Félix Hcmmerlin,
Í1460...

2. A denuncia da falsrdade

Apesar de leves dúvidas sobre a veracidade dessas estórias,


dúvidas proferidas desde o sáculo XIII, sámente a «partir de
meados do sáculo XVI se reconheceu o caráter lendário das
mesmas. O sáculo XVI, com a Renascenca, foi justamente o
sáculo de crítica aos falsos documentos da historia anterior.

— 414 —
PAPISA JOANA 33

O primeiro a denunciar a falsidade da estória de Joana


foi Joáo Thurmaier, cognominado «Aventino» (oriundo de
Abensberg na Baviera), falecido em 1534, e autor de «Annales
Boiorum». Ésse escritor era publicamente católico, mas oculta
mente luterano. A sinceridade, porém, levava-o a reconhecer
a fraude da lenda.

Seguiu-o Onófrio Panvínio (f 1568), que escreveu anota-


góas sobre a vida dos Papas publicadas em Veneza em 1557.

A refutagáo da lenda foi cabalmente empreendida por


Florimundo de Remond, que escreveu o livro «Erreur populaire
de la papssse Jeanne», editado em París (1558), Bordéus (1592,
1595) e Liáo (1595). O autor mostrava a impossibilidade de
tal «estória» e as contradigóes das diversas recensóes. Notem-
se aínda o autor protestante D. Blondel («Familier esclairds-
sement de la question, si une femme a esté assise au siége
papal de Rome entre Léon IV et Benoit m». Amsterdam 1647)
e o erudito Ignaz von Doellinger («Die Papstfabeln des Mit-
telalters». Stuttgart 1890), o qual nao era muito amigo do
Papado, pois se separou de Roma por nao querer reconhecer a
infalibilidade pontificia definida em 1870 pelo Concilio do Va
ticano I.

As razóes pelas quais nao se admite mais a estória da


Papisa Joana sao:

a) as incertezas e vacilagóas das diversas versóes, princi


palmente ao assinalarem a data do pretenso episodio;

b) o fato de que até meados do século XIII a extraordinaria


e interessante historia da Papisa Joana (que teria vivido no
período dos séculos IX, X, XI) é totalmente ignorada pelos
cronistas medievais. Os primeiros que a referem, sao o domi
nicano Joáo de Mailly na sua «Chronica universalis Méttensis»
redigida por volta de 1250, e seu confrade Martinho Polono
(t 1279), autor de «Chronicon pontificum et imperatorum».
Averigüou-se que os relatos da lenda encontrados em documen
tos mais antigás do que estes foram inseridos ai depois do £.é-
culo XIII;

c) a serie dos Papas, como hoje é conhecida, nao admite


interrupgáo entre Leáo IV e Bento DI (século IX), como táo
pouco a .comporta entre Pontífices dos séculos X/XI. — Com
efeito, Leáo IV morreu aos 17 de julho de 855 e Bento m foi
eleito antes do fim de julho de 855. Por conseguinte, entre

— 415 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

Leáo IV e Bento m é impossível intercalar o pontificado da


pretensa Papisa, que teria durado dois anos, sete meses (ou
cinco meses ou um mes, segundo os diversos narradores) e
quatro'días. A mesma impossibilidade se verifica, caso se queira
transferir o «pontificado» de Joana para outra fase dos sáculos
VII/XI; nao há brecha na serie dos Papas para intercalar uma
Papisa.

Resta agoi-a a pergunta:

3. Como explicar. . .?

Como se explicam o surto e a propagacáo da tenda de


Joana?

1. Julga-se que a estória é uma alusáo as tristes condi-


góes em que se achava o Papado no século X: varios Pontífices
cairam entáo sob a influencia de tres mulheres prepotentes em
Roma: Teodora, esposa de Teofilacto, e suas filhas Teodora e
Marócia. Na mesma época houve sete Papas com o nome de
Joáo: Joáo EX (898-900), Joáo X (914-929), Joáo XI (931-
-935), Joáo XH (955-964), Joáo XHI (965-972), Joáo XIV
(983-984), Joáo XV (985-996), sendo que a respeito de Joáo
XI escreveu um cronista seu contemporáneo: «Foi subjugado
em Roma pala prepotencia de uma mulher» (Bento de S. André
de Sorate, «Chronicon», em «Monumenta Germaniae Históri
ca» m 714). Tal noticia por si só podía bastar para fazer crer
que realmente urna mulher ocupara a Sé de Pedro. Podia
também sugerir o nome de Joana para essa mulher, pois a
mulher de que fala o cronista Bento de S. Andró era tida como
familiar de Joáo XI (era a máe déstc Papa); ora «muito
naturalmente» uma mulher aparentada do Papa Joáo deveria
chamar-se Joana! Compreende-se, pois, que o século X, fase
difícil da historia do Papado, tenha sido ilustrado (ou carica
turado) de maneira muito eloqüente pela narrativa ficticia de
que urna mulher chegou a subir ao trono pontificio.

2. Em particular, a lenda da cadeira estercorária expli-


ca-se do seguinte modo:

Uma vez eleito o Papa, os Cardeais e o povo iam á basílica


de Sao Joáo do Latráo. O Pontífice se sentava numa cadeira
de mármore colocada sob o pórtico da igreja; os dois Cardeais

— 416 —
PAPISA JOANA 35

mais antigos o sustentavam pelos bracos e o levantavam, ao


canto da antifona «Suscitans a térra inopem et de stercore
erigens pauperem. — Levantas da térra o indigente e do es
téreo ergues o pobre» (Salmo 112, 7). Em conseqüincia, tal
cadeira se chamava «estercorária» (o canto sugería o adje
tivo. ..) A cadeira nao possuia assento perfurado. A cerimónia
tinha seu simbolismo claramente enunciado pela antífona: apre-
sentava o Papa como o pobre servidor que Deus se dignava de
exaltar ao pontificado.

A seguir, o Pontífice era levado ao batistério do Latráo.


Sentava-se sobre urna cátedra de porfírio e recebia as chaves
da basílica, sirral de suas faculdades pastorais. Depois, sentado
sobre outra cadeira de pprfírio, devolvía as chaves. Essas duas
cadeiras de porfírio tintiam assento perfurado; eram cadeiras
antigás, que haviam servido aos banhos dos romanos e que
eram utilizadas em tal cerimónia papal nao por causa da sua
forma, mas por causa do respectivo valor. Ora a lenda confun-
diu ésses diversos elementos, imaginando a cadeira estercorária
como cadeira de assento perfurado e associando-se á estória da
Papisa Joana.

3. De resto, a lenda foí reforcada pela existencia de urna


estatua de mulhcr com crianca ñas mios, que na Idade Media
92 achava junto á igreja de Sao Clemente em Roma. Essa
estatua seria, conforme os cronistas medievais, a da Papisa
Jonna; estaría acompanhada de urna inscricáo, da qual quatro
variantes nos sao referidas palos historiadores da Idade Media:

«Parce pater patrum papissae prodito partum».

«Parce pater patrum papissae prodere partum».

«Papa pater patrum papissae pandito partum».

«Papa pater patrum peperit papissa papellum».

Ora os arqueólogos admitem, seja a estatua mencionada


a que se encontra hoje no Museu Chiaramonti de Roma; seria
urna estatua de origem paga a representar talvez Juno que
amamenta Hércules.

As diversas formas da inscricáo ácima parecem nao ser


mais do que tentativas medievais para reconstituir urna frase
frajjmentár'a assim encontrada ao pé dessa estatua de origem
paga:

— 417 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

P ... PATER PATRUM P P P.

Sabe-se que Patqr Patrum era o título característico dos


sacerdotes de Mitra (justamente debaixo da igreja de Sao
Clemente em Roma foi encontrado grandioso santuario de
Mitra). Mais aínda: sabe-se que a abreviacáo P P P é freqüente
na epigrafía latina, significando militas vézes propria pecunia
posuit, ou seja, oonstruiu á costa própria. Donde se concluí com
verossimilhanca que a «estatua da Papisa Joana» nao é senáo
urna efigie em uso no culto de Mitra, custeada e colocada no
santuario respectivo pelo sacerdote pagáo P... (talvez Papiros)
em inicios da era crista. A inscricáo abreviada e mutilada pela
injuria dos tempos, prestando-se a interpretagóes diversas, teria
dado lugar as conjeturas dos poetas medievais que corrobara-
vam a lenda da Papisa Joana.

4. Racionalistas e protestantes, desdé que estudem algo


de historia, reconhecem ser a dita «Papisa Joana» urna figura
meramente lendária. Foi o que fiasram os filósofos do sáculo
XVm e. em particular, Voltaire em seus «Annales de l'empire
depuis Charlemagne» («Cteuvres». Genebra 1777, t. XXX, p.
V) e na «Encyclopédie», Neufchátel 1765, t. XI, p. 834.

Vejam-se também a obra protestante «Realencyclopaedie»,


3* edieáo, Leipzig 1901, t. IX, p. 254, e a publicagáo de autores
ateus intitulada «Grande encyclopédie», París (sem data), t.
XXI, p. 110, que concluí o seu artigo referiente a Joana nestes
termos: «A inanidade da lenda hoje a ninguém deixa dúvida;
apenas aínda se pode discutir a origem dessa lenda».

Aínda se podem consultar, do ponto de vista católico, o


artigo «Jeanne (la Papesse)» de Félix Vernet, em «Dictionnaire
Apologétique de la Foi Catholique» n. Paris 1911, cois. 1253-
-1270, assim como qualquer compendio moderno e criterioso
de Historia da Igreja (destaca-se em portugués o de K. Bihl-
meyer e H. Tuechle, «Historia da Igreja», vol. 2, Sao Paulo
1964, pp. 68s).

É para ¿lesejar que toda essa documentagáo ponha fim á


crenga falsa e por vézes maliciosa, sustentada em ambientes
populares ou mal informados, de que existiu urna Papisa com
o nome de Joana, Jutta ou o que o valha!

— 418 —
ainda o sacramento da (onfissáo

Ouvem-se vozes contraditórias a respeito do que a S. Igreja


está para determinar no tocante ao sacramento da Confissáo:
modificará a praxe de administrá-lo?... Ou chegará a dispen-
sá-lo, aboli-lo? — A propósito já foram publicados dois artlgos
em PR 136/1971, pp. 152-172. A fim de esclarecer ulterior
mente o assunto, que constantemente volta 'á baila, váo abaixo
publicados dois significativos documentos.

1. Para os Religiosos...

Um texto relativamente recente da Santa Sé sobre a con


fissáo parece contribuir para esclarecer o pensamento da Igreja
neste setor. Verdade é que ele se dirige aos Religiosos, isto é,
aos cristáos que fizeram votos de vida consagrada a Deus sob
urna Regra conventual. Como quer que seja, indica que a
Igreja estima a freqüentagáo regular e assídua do sacramento
da Confissáo e deseja que seus fiéis nao se esquecam do valor
que ele tem, mesmo independentemente dos casos de pecado
mortal.

Abaixo vai transcrito em traducáo portuguesa o referido


documento, o qual foi sancionado pela S. Congregacáo para os
Religiosos e Institutos Seculares com a data de 8 de dezembro
de 1970. Só mais tarde foi dado a lume, de modo que o
periódico «La Documentation Catholique» o publicou em sua
edicáo de 2 de maio de 1971, pp. 418s.

"Enquanto se prepara a revisáo das leis canónicas, varios


motivos urgentes levaram a S. Congregacáo para os Religio
sos e os Institutos Seculares a examinar em assembléia algu-
mas questdes relativas á freqüentacáo e á admlnistracio do

— 419 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

sacramento da Penitencia, principalmente no que concerne aos


Religiosos.

1. A confissSo dos Religiosos e das Religiosas

1. Em conseqüéncia da sua especial uniáo com a Igreja,


que 'incessantemente prossegue o seu esfórco de penitencia
e renovagáo' (Const. 'Lumen Gentium' n? 8), os Religiosos
teráo em grande estima o sacramento da Penitencia. Com
efeito, éste restaura e fortalece nos membros pecadores da
Igreja o dom fundamental da metanoia, isto é, da conversáo
ao Reino de Cristo, dom já recebido no Batismo (cf. Const.
Apost. 'Paenitemini' AAS 58, 1966, pp. 179s). Aqueles que se
aproximam désse sacramento, recebem da misericordia de
Deus o perdáo das ofensas que Ihe infligiram e, ao mesmo
tempo, sao reconciliados com a Igreja que éles feriram pelo
pecado (cf. Const. 'Lumen Gentium' n? 11).

2. Estimem os Religiosos o uso freqüente désse Sacra


mento. Tal prática incrementa o verdadeiro conhecimento da
própria pessoa, favorece a humildade crista e proporciona a
ocasiáo de salutar diregáo espiritual, ao mesmo tempo que
aumenta a graga. Ésses efeitos admiráveis e outros ainda sao
nao sonriente auxilio para um progresso cotidiano e mais rá
pido na senda da virtude, mas também contribuigáo de grande
valor para o bem icomum de toda a comunidade (cf. encíclica
'Mystici Corporis' AAS 35, 1943, p. 235).

3. Em conseqüéncia, os Religiosos desejosos de fomen


tar sua uniao com Deus esforgar-se-ao por aproximar-se do
sacramento da Penitencia freqüentemente, isto é, duas vézes
por mes. Do seu lado, os Superiores os incentivarlo nesse
sentido, propiciando-lhes a possibilidade de se confessar ao
menos de quinze em quinze dias e mesmo mais asslduamente,
caso o desejem.

4. No tocante á confissao das Religiosas em particular,


fica estabelecido:

a) No intuito de favorecer legítima liberdade, todas as


Religiosas e Novigas podem confessar-se válida e licitamente
a qualquer sacerdote aprovado para ouvir confissóes no lugar
em que residem; nao se requer jurisdicao especial (can. 876)
nem nomeacáo para tanto.

— 420 —
CONFISSAO EM FOCO 39

b) Todavia, a fim de melhor atender ás necessidades das


comunidades, estabelecer-se-á um confessor ordinario para os
mosteiros de vida contemplativa, assim como para as casas
de formacáo e as comunidades mais numerosas. Nesses mos
teiros e ñas casas de formacáo, será também no meado um
confessor extraordinario, ao qual, porém, as Religiosas nao
teráo a obrigacáo de se apresentar.

c) Para as outras comunidades, poder-se-á nomear um


confessor ordinario, se circunstancias particulares o exigirem
e de acordó com o julgamento do Ordinario do lugar. Éste
procederá á nomeacáo, seja a pedido da comunidade, se]a
depois de ter consultado a esta.

d) O Ordinario do lugar escolherá cuidadosamente con-


fessores que gozem de maturidade apropriada e das outras
qualidades necessárias. Depois de haver consultado a comu
nidade interessada, formulará um juízo sobre o número de
confessores, a idade devida e o prazo de exercício de suas
fungoes; efetuará a nomeacáo dos confessores e a eventual
renovacao do mandato dos mesmos.

e) As prescricóes canónicas contrarias ás presentes


disposigóes ou incompatíveis com estas estao revogadas: O
mesmo ocorre com as prescricóes que, em virtude da nova
legislacáo, já nao tenham razáo de ser.

5. O que está dito no artigo precedente aplica-se também


aos Institutos leigos masculinos na medida em que isto Ihes
compete.

Dado em Roma, aos 8 de dezembro de 1970.

E. Heston CSC
Secretario

I. Card. Antoniutti
Prefeito".

Estas instrugóes, aquí publicadas a padido de leitores inte-


ressados, sao assaz significativas para se formar um juízo
sobre o valor <Jo recurso ao sacramento da Penitencia e o
pcnsarnento da Igreja a propósito.

— 421 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

2. Absolvigao coletiva

Nao é raro que se dé a absolvigáo dos pecados a urna


assembléia reunida, desde que se arrependa sincera e publica
mente dos seus pecados. Nao há confissáo específica e pessoal
das faltas nem antes nem depois désse rito. Assim mais fácil
mente se desenvolve o trabalho paroquial e missionário do
que no caso de se ouvirem, um por um, dos fiéis que desejam
a absolvigáo de suas falhas.

Consultada por mais de um Sr. Bispo sobre a liceidade


dessa prática, a Comissáo Teológica da Conferencia Nacional
dos Bispos do Brasil publicou a seguihtis declaragáo assinada
por D. Ivo Lorscheiter, entáo Presidente da dita Comissáo:

"1. A questao da absolvigáo coletiva sem confissáo pre


via e pessoal dos pecados foi estudada pela Comissáo, que
levou em conta nao sámente artlgos e escritos recém-publíca-
dos, mas também os documentos que o Conselho para a Exe-
cucáo da Constitulcao Litúrgica, com sede em Roma, pos á
disposigáo dos peritos do Brasil.

2. Do exame désses dados, ampios e delicados, depre-


ende-se o seguinte:

2.1. Há necessidade patente de se renovarem o rito e


a praxe do sacramento da Penitencia, porque nos dias atuais
nao mais satisfazem. Por isso, merecem elogios os esforgos
feitos no sentido de se prepararem os fiéis ao sacramento da
Confissáo mediante leituras, oragoes e cantos comunitarios.

2.2. Quanto á absolvigáo coletiva dos pecados sem previa


acusagáo dos mesmos, sabe-se que a Santa Sé a tem conce
dido em casos tidos como excepcionais (embora freqüentes
durante as guerras e em territorios de missóes), ressalvada a
obrigagao de se confessarem os pecados já remitidos. As
declaragoes da Igreja tém-se baseado na afirmagáo de que a
confissáo específica dos pecados graves é de preceito divino;
vejam-se os decretos e os cánones do Concilio de Trento em
Denzinger-Schonmetzer, n° 1672, 1679, 1681, 1707.

A Igreja tem tomado por norma nao conceder a faculdade


de absolver colativamente sem confissáo previa específica, a
nao ser nos casos em que haja causa proporcionada á gravi-
dade do preceito da integridade da confissáo.

— 422 —
CONFISSAO EM FOCO 41

2.3. A faculdade de conceder que seja dada a absolvicáo


cotetiva sem previa acusacáo (ficando a obrigacáo de confissáo
posterior) até hoje estove reservada á Santa Sé. Por conse
guirle, parece que nenhuma outra autoridade está habilitada
a conceder tal faculdade; muito menos está credenciada para
legitimar ou pratícar a absolvicáo sacramental com dispensa
da confissáo posterior.

2.4. Sendo, pois, o assunto da competencia da Santa Sé,


esta Comissao de Teologia julga dever responder ao digno
Bispo consulente queira aguardar urna decisáo que, conforme
se diz, está sendo elaborada em Roma e nao tardará a vlr
a lume.

Enquanto nao houver alteracáo ñas determinares, de


mais a mais que o assunto nao é meramente disciplinar ou
pastoral, mas se relaciona também Íntimamente com a teologia
dogmática, nada deve ser mudado".

A luz das normas derivadas da Santa Sé e recordadas na


declaracáo acuna, torna-se evidente que a absolvifiáo coletiva
sem confissáo previa dada ñas ddades, aos domingos ou em
outros días de maneira habitual, nao é válida, ou seja, nao
constituí o sacramento da Penitencia,... nao paga os pecados
moríais (é urna paraliturgia penitencial que contribuí, com a
contricáo dos fíéis, para apagar os pecados veníais apenas).

Nao há dúvida, a grande influencia de fíéis em certos días


do ano (ou mesmo todos os domingos) torna impossivel ao
sacerdote ouvir a todos em confissáo auricular. Parece entáo
que a solucáo obvia do problema é a absolvicáo coletiva. A
propósito seja lícito fazer as seguintes reflexóes:

1) Nao seria possível distribuir o horario das confissóes


sacramentáis de tal modo que os fiéis possam receber o sacra
mento da Penitencia nao sómente no domingo, mas também
no sábado e em outros dias da semana? Assim nao haveria
tanta afluencia ao confessionário justamente no domingo ou
nos dias mais trabalhosos para os sacerdotes. Eliminar-se-ia
a causa que motiva a tendencia a dar a todos a absolvigáo
sem confissáo previa.
2) Os fiéis nao tém obrigacáo de comungar em tal e tal
domingo ou em tal e tal día festivo. Nao estando em condigóes
de receber a S. Comunáo em estado de graca e nao se podendo
confessar, nao se vé por que insistir em que váo comungar;
aguandem a ocasiáo de se confessar alguns dias mais tarde.

— 423 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 141/1971

A devogáo tara com a S. Comunháo, embora saja algo de ex


celente e altamente recomendável, nao impóe obrigagáo de
comungar mais imperiosa do que a obrigagáo de acusar todos
os pecados graves em confíssáo sacramental a ñm de obter
o estado de graca.

3) Os pastores e catequistas deveráo interessar-se maís e


mais por que os fiéis adquiram nocáo táo lúcida quanto possível
da diferenca que existe entre pecado leve e pecado grave. Sai-
bam examinar a sua consciéncia e formar um juízo sobre as
suas faltas, de modo que nao váo procurar o confesionario
em dias de grande afluencia sem ter estrita necessidade de o
fazer.
As faltas leves podem ser acusadas ñas confissóes ditas
«de devogáo» em dias mais tranquilos do que os domingos e
os dias festivos.

É claro, porém, que o sacerdote nao deve insinuar aos


seus fiéis que só se confessa (no domingo ou em qualquer outro
dia) quem tem pecado grave i Tal insinuacüo constrangeria as
consciéncias e prejudicaria o segrédo da confíssáo.

4) Por último, é oportuno lembrar que o pastor de almas


nao é soberano na administragáo dos sacramentos, mas é mero
ministro. É Cristo — e sámente Cristo — quem confeie a
graga; Ele a confere mediante os sacramentos, que Ele instituiu
e que Ele confíou á sua Igreja. Á autoridad© suprema da Igreja
compete formular normas para a administracáo dos sacramen
tos; sao normas que nao raro tocam a validade do rito sagrado.
Se o sacerdote nao as observa, mas improvisa em algum ponto
essencial (ainda que movido por nobre intengáo pastoral),
arrisca-se a nao conferir o sacramento, mas, sim, um cerimo-
nial inválido, que vem a ser abuso e burla...

Diante dos problemas novos que a pastoral moderna sus


cita, compete ao sacerdote nao improvisar em pontos esseneiais,
contrariando explícitas determinagóes da Igreía, mas, sim, in
formar as autoridades competentes e délas solicitar oportunas
normas, mais condizentes com as novas realidades.
5) A confissáo comunitaria só é sacramento para os fiéis
que nela realizam a acusagáo pessoal e específica dos seus pe
cados em forma auricular. Cf. PR 111/1969, pp. 114-126.

As sugestóes pastorais déste artigo parecem ter real valor


até que seja publicada a nova Regulamentagáo do assunto.
prometida pela Santa Sé.

— 424 —
salvar a vida ou respeitar
a consciéncia alheia?

Recentemente foi proposto á redacáo de PR um caso de


deontologia médica que, por ser de ampio interésse e relevo,
pareceu merecer explanado e publicidade ñas páginas que
se seguem. Ei-lo:

"Enfermo, em perigo de morte, recusa tratamento indispen-


sável á conservacáo da vida, por motivos de consciéncia reli
giosa. Em particular, Isto ocorre com pacientes que nfio
aceitam transfusáo de sangue.
Pergunta-se: é lícito ao médico aplicar o referido tratamen
to (ou, mais precisamente, a transfusáo de sangue) contra a
vontade do enfermo?"

O caso assim proposto se registra com certa freqüéncia


nos hospitais, principalmente após acidentes de tráfego ou de
trabalho. Na solucáo do mesmo procederemos por etapas.

1. Código de Deontologia Médica

Diante da embaracosa situacáo ácima referida, o médico


poderia recorrer ao Código de Deontologia Médica, onde se lé:

"O médico deve respeitar as conviccdes políticas e as


crencas religiosas do cliente, nao se opondo á prática que délas
decorram, salvo no caso em que essa prática possa trazer
perturbagáo aos cuidados terapéuticos ou acarretar perigo imi-
nente á vida do doente" (art. 3?, e 1? — Decreto-Leí n<? 7.955
de 13/9/45).

Consoante éste artigo, o médico nao está obrigado, em caso


de perigo iminente de morte do paciente, a respeitar-lhe as
crengas religiosas que se oponham á conservagáo da vida. A le-
gishtgáo civil poderia acusar o médico de faina contra a ética

— 425 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 141/1971

profissional, caso quisesse atender á consciéncia do enfermo que


se condenasse a morrer por motivos religiosos.

Pergunta-se, porém:

2. E a liberdade religiosa ?

O Concilio do Vaticano II, fazendo eco, alias, a principios


de sá filosofía, lembrou que a consciéncia de todo homem é
indevassável por parte de outros homens, mesmo no setor da
religiáo. Ninguém pode ser obrigado a professar ou renegar
a fé, mas, antes, todos 'devem ser respeitados em suas opcóes,
por mais errónsas que sejam (desde que nao perturbem a
justa ordem pública).

Doutro lado, a leí natural impóe a todo homem o dever de


conservar a vida, vedando-lhe o suicidio.

Em conseqüéncia, o caso em foco nos póe diante de uin


conflito entre dois preceitos da lei natural: respeitar a cons
ciéncia alheia, de um lado, e, de outro lado, salvar a vida
repudiando o suicidio.

Pode entáo o médico aplicar o devido tratamento — único


meio de conservar a vida no caso — em oposigáo aos ditames
religiosos que o seu paciente tem o direito de seguir?

A resposta há de ser positiva, ou seja, favorável á interven-


Cáo do médico: entre permitir um suicidio (que poderia ser
evitado) e violar a liberdade religiosa, o médico pode (e — dir-
-se-ia — deve) optar pelo segundo, tratando portante de evitar
o suicidio.

E por que o dizemos?

— A Moral prevé aplicacáo de causas que tenham duplo


efeito: um, bom, diretamente intencionado ou desejado como
tal; e outro, mau, nao diretamente intencionado, mas permitido
e tolerado, porque necessariamente associado á consecucáo do
efeito bom. Ora é lícito a alguém aplicar causa com duplo efeito
(um bom e outro mau) desde que se realizem certas condigóes,
a saber:

— a oonsecuga© de tal tu tal efeito bom seja imperiosa;

— 426 —
DEONTOLOGIA MÉDICA 45

— nao haja antro meto de obter o efleito bom;

— US fratos positivos do efiefto bom aompensem «a ulfcra-


passem o alcance do efeito man ai ele assocsado;
— a Intoncáo d» agente seja realmente boa (vise diiwta-
mente ao bem^ e somante tolere o mal como algo de anexo e
inevztável);

— o efeito bom decnrra por si e diretamente da aplicacao


da cansa. Nao é lídto obter tm efeito bom mediante nm previo
efeito mau. «Nafo facamios o mal nem mesuro oom a intencao dé
obtar o bem», diría o Apóstelo (Bom 3,8) ©u em oirtros termos:
o fim (bom) nao justifica os mellos (mans); o fim (objetivo)
bom deve ser obtido mediante metes botas («a mefos que nao
sejam, em si mesmos, mans).

Como exempk) de lícita aplicagáo de causa com duplo efei


to, aponta-se o caso de um médico que tenha de tratar urna se-
nhora grávida cujo útero esteja canceroso. Para o cáncer, o
tratamento único e necessário é multas vézes a extírpagáo do
órgáo ou dos tecidos lesados. Desde-que tal seja o caso da refe
rida paciente, o médico poderá amputar-lhe o útero, mesmo que
a intervencáo acarrete a morte do feto; verificam-se entáo as
condicóss atrás propostas.

Voltando agora ao caso ido enfermo que recuse transfusáo


de san£ue, pade-se dizer que o médico entáo estaría perfeita-
mente habilitado para recorrer ao principio da causa com duplo
efeito (também dito «principio do voluntario indineto»); ser-
-lhe-á lícito, pois, aplicar o tratamento (transfusáo de sangue)
ainda que contra os ditames da consciéncia do enfermo. Sim:

1) O fim imediatamente intencionado palo médico é bom


(salvar a vida de um paciente). O efeito mau (desrespeito á
libendade religiosa) seria mediato e acidental apenas; o que o
médico procura, é salvar urna vida mediante um meio em si
lícito ou mesmo recomendado.

2) A intencao do médico é evidentemente honesta:

a) procuraría respeitar o seu juramento médico — o que


é para ele obrigagáo de justiga para com a sociedade;

b) procuraría respeitar e fomentar a vida do próximo —


o que é dever de caridade ou amor fraterno.

— 427 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 141/1971

3) A causa para assim proceder é proporcionalmente


grave. Com efeito, a lei natural que obriga a conservar a vida
de outrem, é suficientemente importante para que se possa di-
zer que ela prevalece sobre o preceito natural de respeitar a li-
berdade religiosa.

Eis como se poderia resolver o caso proposto no cabecalho


déste artigo.

Estévüio Bettencourt O. S. B.

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— 428 —
resenha de livros

Deus, onde estás? Curso de Biblia, por Carlos Mesters. — Editora


Vega S. A., Belo Horizonte 1971, 160 x 225 mm, 215 pp.
O conhecido professor de S. Escritura Frei Carlos Mesters oferece
ao público mais urna de suas obras. Desta vez, o autor percorre os
principáis livros da Biblia, procurando elucidar-lhes o sentido e a
mensagem; deténvse especialmente sobre tópicos dificéis a fim de
dissipar questSes que éles suscitam ao leitor.

O estilo de Frei Carlos é bem característico: preocupa-se com a


repercussáo dos textos bíblicos na vida dos liéis. Para tanto, empenha-
-se por expor a Biblia de modo a ser entendido por pessoas simples e
responder aos problemas de antropología, educacáo, política... que o
homem de hoje experimenta.

O intuito pastoral que Freí Carlos assim cultiva, é multo louvável.


Sao dignas de nota as suas consideracóes sobre os salmos, sobre Jó,
sobre o sermáo da montanha... O autor evita descer a explicacfies
lingüisticas, arqueológicas, geográficas; supondo-as, desenvolve a men
sagem concreta para o leitor menos versado em técnicas exegéticas.
Muito proveito decorre daí para quem manuseia o livro. Todavía pode-
-se perguntar se o mestre n5o se deixa demasiadamente absorver por
perspectivas de nossos tempos, tornando-se por vézes unilateral e
exagerado em suas conclusOes concretas. Os aspectos da Biblia que
falam do passado e querem manifestar os feitos de Deus através dos
sáculos, sao insuficientemente valorizados. A leitura do livro pode
tornar-se enfadonha, pois o autor repete certas expressCes como «raios
de fé, lentes para ler a Escritura, UbertacSo...»; volta sempre as
mesmas conclusSes através dos seus diversos capítulos. A linguagem
do livro nem a todos agrada.
Um espécimen típico desse procedimento é a explicac&o que o
autor dá ao episodio do paraíso terrestre; é insuficiente aos olhos da
fé pois nSo leva na devida conta o fato histórico passado para dar
atencáo &s desordens que acometem o mundo de hoje e & necessidade
de lhes trazer remedio.

Em suma, o livro em certas passagens é muito vivo e claro. Mas


é por vézes unilateral; seria para desejar que se preocupasse mais
com a elaborac&o de urna auténtica teología bíblica (tarefa esta que
tem incgávcl aplicacüo na pregac&o e em circuios bíblicos populares).
E. B.

A recusa de ser. A falencia do pensamiento liberal, por Alfredo


Lage. — Editora Agir, Rio de Janeiro 1971, 140x210 mm, 351 pp.
Recusa de ser, segundo o autor, é a recusa das condicSes concretas
om que todo ser, por sua índole mesma, é chamado a existir e desen-
volver-se. Vem a ser, portante, todo exagero, desvio ou aberracáo, tdda
tendencia a mudar por mudar (sem se levar em conta a natureza
própria do respectivo sujeito). O amor as mudancas pelo íato de serem

— 429 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 141/1971

mudancas gera um clima de revolucáo c contestacáo, que é agitaclo


vazia e nao leva a resultado algum. A revolucáo frenética o autor
opfie a renovacSo, que respeita e desenvolve sempre a auténtica defi-
nicSo do respectivo sujeito.

No tocante ao homem, Alfredo Lage julga que a recusa de ser


se verifica quando o homem pretende ignorar que é alma e corpo, es
pirito e vida, pensamento e sensibilidade, para se ter na conta de pura
inteligencia, anjo, Deus. O homem assim destrói-se, desencadeando
sobre si opressáo, terror e guerra.
Estas Idéias sao estudadas sucessivamente ñas tres partes do livro
ácima: Irrealismo (o Homem Abstrato, a Política Abstraía, a Moral
Abstrata, a Historia Abstrata, a Arte Abstrata); Progressismo (refle-
xao sobre a febre de mudancas, com recusa de valdres clásslcos e
intangíveis); Massificac&o (élites, mentores sagazes dominam as mas-
sas por diversos meios, inclusive mediante a formacao de opinlao
pública).
O livre é rico em documentac&o: apresenta fatos, textos e posicSes
filosóficas, teológicas, políticas dos últimos séculos, emiquecendo va
liosamente a cultura e a reflexáo do leitor. Está, porém, marcado por
atitude fortemente critica e pessimlsta em relacSo á evolucao da his
toria e do pensamento dos séculos XIX e XX. Mesmo no tocante a
Igreja (A. Lage é católico convicto e ardoroso), o autor se mostra
propenso a ver antes dificuldades do que aquisicao de valores positivos
neste periodo posterior ao Concilio do Vaticano II. É éste pessimlsmo,
tflo constantemente incutldo pelo livro de A. Lage, que pode merecer
restrigSes por parte do leitor. O público há de ser multo grato ao
benemérito autor por lhe fornecer tfio substancioso e ampio material
de estudo num livro que realmente é grande e importante. Apenas
os leitores poderiam pedir ao autor urna visao menos unilateral, menos
critica e sombría da historia e das idéias analisadas.
E. B.

Aos 15 anos, por Irene Tavares de Sá. — Editora Agir. Rio de


Janeiro 1971, 140x190 mm, 251 pp.
O nome da autora dispensa apresentacSo, pois sao conhecidos os
numerosos romances e ensatas que publicou, reveladores de seu talento
literario aliado a grande penetracSo psicológica. O atual volume Aos
15 anos é um retrato vivo da juventude de hoje com desvíos e erros,
mas também anselos, dúvidas e busca da Verdade. Nesse livro, notável
pelos seus diálogos, pelos assuntos abordados e discutidos, a figura
de Suely destacase de maneira comovente. A menina de quinze anos
narra sua historia coni emocionante realismo, no «Diario» que escreve
por ordem do médico analista com o qual se trata. Impelida pelo
desgosto da situacfio da familia, pela descrenca c pelo desespero, levada
por más companhlas da escola, Suely fuma o primeiro cigarro de
maconha e transvia-se completamente.
Ñas páginas do «Diario» assistimos ?.o remorso e reergulmento
moral de Suely, á sua descoberta dos valores positivos da existencia,
ao encontró consigo mesma e com Deus. De grande interésse sao as
aulas de religiao — ministradas por Da. Helena — que Suely é en-
carregada de gravar e copiar. Partem sempre de fatos objetivos e da
atualidade: noticias de jomáis, filmes de sucesso, a conquista da
Lúa... Infelizmente, porém, apresentam pontos que mereccriam ser
retocados: por exemplo, á p. 79 se lé que «Nossa Senhora nao envelhe-

— 430 —
ceu» — o que nao pertence ao patrimonio da íé; é de íé apenas que
Maria nao conheceu a corrupcáo do sepulcro; pode-se crer que tenha
acompanhado Sao Joáo após a morte de Jesús e haja morrido, nada
se sabendo sobre a data e as circunstancias de seu tránsito ao Pai.
O conceito de inferno (pp. 87s) poderia ser explicado de maneira mais
clara e persuasiva (já que é importante, merece lúcida explicacáo).
As referencias aos Santos (p. 89) poderiam ser mais polidas ou exatas
(Sao José seria o santo mais poderoso do paraíso!). A p. 132, lé-se
que em algumas seitas protestantes há consagracáo eucaristica — o
que é ambiguo. Em vez de se dizer que a Missa é a renovacüo do
sacrificio da cruz (p. 162), diga-se que é «perpetuagáo», a fim da
evitar a idéia de que a Missa repete e multiplica o sacrificio do Calva
rio. A p. 50 insinúa que ñas cavernas da pré-história há vestigios de
astronautas provenientes de outros planetas — o que é opiniüo deslo
cada num livro désses. A p. 71 apresenta, sem explicacáo suficiente,
urna questao de absolvicao de pecados.

Suely faz parte do grupo dos «Sete adolescentes que indagam sobre
Deus, o Bem e o Mal, Amor e Sexo, Vida e Morte* — como lemos no
frontispicio do livro. Éste (feitas as ressalvas ácima) será útil nao só
a mocas e rapazes — aos quais mostrará o caminho certo —, mas
Igualmente aos adultos, que, embora se possam chocar diante da Un-
guagem e dos tatos consignados, precisam lembrar-se de que é essa
a realidade atual e urge enfrentá-la com serenidade, coragem e amor.
O exemplo de Suely, que consegue completa regeneracáo e passa a
encarar a vida com renovada esperanca, será certamente estímulo
válido para muitos jovens.
e. b.

Evangelho para Rezar, por Frei Alberto Chambert, OP. — Edig5es


Paulinas, Sao Paulo, 1971, 135x190 mm, 107 pp.

Diz o subtítulo déste precioso livro: «Maneira Nova de Rezar o


Rosario». De fato, é urna renovacáo da tradicional devocáo ao Rosario
que o A. nos apresenta. Se o Rosario supunha nao apenas a recitacáo
das Ave-Marias e Pai-Nossos, mas também a meditacáo dos misterios
da vida de Jesús e da Virgem Santissima, essa medltacíin toma agora
grande destaque. As Ave-Marias sao entrecortadas de leituras muito
bem escolhidas: trechos do Novo Testamento que focalizam vivamente
a Historia de nossa Salvagao através de exemplos da Misericordia do
Pai, do Amor do Filho, da Luz do Espirito Santo que nos ilumina,
como iluminou e fortaleceu o Povo de Deus ao longo dos séculos.
Findas as leituras (breves, mas muito expressivas), o celebrante — a
pessoa que preside ¿i rcuniáo — pede um minuto de silencio, a fim
de que cada urna possa contemplar no intimo de si mesma algum dos
pontos vitáis de nossa Fé, postos em relevo pelo leitor, e urna bela
oracáo a Nossa Senhora resume a súplica de todos os presentes para
que Maria, aue nos trouxe seu divino Filho, interceda por seus filhos,
os homens, levando-nos todos a Ele. Termina a nova forma de reci
tacáo do Rosario pelo Pai-Nosso como fecho de ouro pois «na Missa
é ele preparacáo para a Comunháo sacramental e aqui fica sendo a
melhor comunháo espiritual» (p. 8). Imenso o valor déste pequeño
volume, que veio preencher urna lacuna, emprestando ao Rosario o
aspecto de urna oracáo bíblica, comunitaria, com íntima participagáo
dos fiéis, e faz déle urna «paraliturgia» que será preciosa ñas reunióes
de Cursilhos, ñas tardes de oracáo, de retiros, nos velorios (escolhendo-
-se os trechos adequados á ocasiáo), enfim sempre que dois ou tres
se reunirem para orar ao Pai, invocando a protecáo da Medianeira de
todas as Gragas. «Eyangelho para rezar» merece larga difusáo e
levará certamente muitos ao mais íntimo convivio com o Senhor.
I.. .1. V.
no próximo' numero :

A «Revolucao de (por) Jesús»


«Love Story» .(Historia dé Amor)
Um novo livro sobre a lgre¡a (Maritain)
Imprensa, radio, televisaos.", era foco
Ainda o caso das novic'as"indianas

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

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