FACULDADE DE GEOGRAFIA
Campinas
2007
EDNELSON MARIANO DOTA
FACULDADE DE GEOGRAFIA
Campinas
2007
COMISSÃO EXAMINADORA
Primeiramente a DEUS...
Agradeço aos meus pais, que desde os primeiros passos na vida me apoiaram,
e me mostraram o verdadeiro valor da educação e do conhecimento. Minha noiva
Sirlene, que durante esta empreitada esteve sempre ao meu lado, me apoiando e
ajudando nas horas difíceis, e ao meu irmão, sempre presente.
Aos meus amigos de sala, com os quais convivi estes últimos quatro anos, em
especial à Natália, Paula e Sabrina, grupo forte nas idéias, e companheiras do dia-a-
dia.
A todos os professores da geografia, que transmitiram parte de seus
conhecimentos para que pudéssemos nos tornar geógrafos competentes, em especial à
professora Juleusa, que me indicou os caminhos para a realização desse trabalho.
Ao Projeto de Extensão Atlas da Violência em Campinas, sob direção do
professor Lucas de Melo Melgaço, que me trouxe condições para que aprimorasse
meus conhecimentos não só em geoprocessamento, mas também no trabalho em
equipe, ao lado do Guilherme, da Cristiane e do Daniel.
Aos migrantes estabelecidos em Santa Bárbara d’Oeste, que foram tão gentis
ao abrirem seus alojamentos e concederem entrevistas que foram tão importantes para
a elucidação desse trabalho. Aos funcionários da Vigilância Sanitária, da Casa da
Agricultura e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que auxiliaram no que
tinham conhecimento.
Enfim, a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para minha
formação como pessoa, e agora como geógrafo, meu muito obrigado.
ii
DOTA, Ednelson M. Migração Sazonal em Santa Bárbara d’Oeste: Condições de
vida e Cotidiano dos bóias-frias. Trabalho de Conclusão de Curso, Graduação em
Geografia – Licenciatura e Bacharelado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
2007.
RESUMO
iii
SUMÁRIO
p. 01
INTRODUÇÃO..................................................................................................................
p. 04
CAPÍTULO I: As migrações no Brasil e suas conseqüências............................................
p. 14
CAPÍTULO II: Santa Bárbara d’Oeste: da formação aos dias atuais.................................
p. 26
CAPÍTULO III: Migrantes sazonais em Santa Bárbara d’Oeste....................................
p. 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................
p. 41
REFERÊNCICAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................
p. 43
ANEXOS.............................................................................................................................
iv
ÍNDICE DE TABELAS
v
ÍNDICE DE MAPAS E FOTOS
Foto 1 - Alojamento.................................................................................................... p. 33
Foto 2 - Alojamento.................................................................................................... p. 33
Foto 3 - Alojamento.................................................................................................... p. 33
vi
ÍNDICE DE GRÁFICOS
vii
INTRODUÇÃO
O fluxo de pessoas pelo espaço sempre foi muito comum em todas as partes
do mundo, e em todas as épocas. Desde os tempos remotos, com os povos nômades,
passando pela época relatada na bíblia, até os dias atuais, a migração constitui-se
como um dos fenômenos principais no globo.
Especificamente no Brasil, os fluxos populacionais iniciaram-se antes mesmo
do descobrimento, a partir dos costumes dos povos indígenas. Tribos como a dos
índios Guarani, que tem por características serem nômades, já viviam se deslocando
pelo território ainda “virgem”. Após 1500, a partir do desenvolvimento das grandes
navegações, chegaram ao litoral brasileiro os portugueses, que a partir daquele
momento se tornariam proprietários das terras, e dariam início ao que hoje chamamos
de Brasil.
Do descobrimento até os dias atuais, nosso país foi palco de vários e
importantes deslocamento de massas humanas. A instalação das primeiras pessoas
vindas de Portugal para as capitanias, a chegada de negros para o trabalho escravo, a
migração de nordestinos para a construção de importantes capitais como São Paulo, e
posteriormente Brasília. O êxodo rural, que tanto modificou o espaço, e os fenômenos
migratórios mais recentes, como a busca pelo Centro-Oeste, e a migração sazonal, a
qual será abordada neste trabalho.
As causas das migrações variam a partir do momento histórico, e da cultura de
cada povo. Os negros eram obrigados; enquanto os índios Guaranis migram por
costume1, objetivando encontrar Nhanderu. Por outro lado, a maior parte dos
movimentos populacionais foi motivado por um algo mais, melhores oportunidades de
trabalho, melhores condições de vida.
As condições mínimas que as pessoas buscam para a realização pessoal
muitas vezes não podem ser encontradas ou conseguidas em sua terra natal, fato que
os fazem buscar novos horizontes, que venham, mesmo que de modo parcial, a realizar
1
Afirmação construída a partir de experiência empírica, através dos trabalhos de campo realizados nas
aldeias guaranis do Jaraguá e Tenodé Porá.
1
seus objetivos. Desta forma, a migração mostra-se como fenômeno multifacetado, seus
fluxos abrangem desde pessoas em condições sub-humanas à procura de
oportunidades, até pessoas de classe média, buscando países como os Estados
Unidos, o leste europeu e o Japão, para, quem sabe, lá encontrar o que lhes faltam
aqui. O deslocamento espacial das populações, com suas diferentes causas é também
uma avaliação dos territórios, das possibilidades que apresentam.
Antes mesmo de ser usado como recurso pelas grandes empresas, (SANTOS,
1997) o território já era usado pela população, tanto como abrigo quanto como meio de
oportunidades. Essas oportunidades se mostram a partir da diferenciação de cada
lugar, seja em suas condições econômicas, sócias e até climáticas
“como no inverno quase nem tem chovido, a gente fica sem opção” (Francisco
Souza, 35 anos)
2
Estes migrantes, que de tão longe buscam os trabalhos nos canaviais
paulistas, passam a maior parte do ano longe de casa, da família, em busca do que não
conseguem no Nordeste, condições de comprar alguma coisa além da própria
alimentação do dia-a-dia. Homens de diferentes situações, desde os simples
empregados do campo no Nordeste, até pequenos proprietários de terras, todos
buscam esse trabalho extra, pesado, mas muito valioso para estes trabalhadores.
Esse é um movimento migratório da atualidade, um movimento que tem como
causas dificuldades de vida em uma região do país pouco desenvolvida, e por objetivo
conseguir melhores condições de vida para esta população. E é este movimento, que
há décadas se mostra relevante para a manutenção de certo padrão de vida para os
migrantes, que será abordado neste trabalho.
O trabalho está estruturado em três capítulos, com objetivo de mostrar as
condições que explicam a migração sazonal nordestina, as vivências e expectativas
destes migrantes em Santa Bárbara d’Oeste. Para tanto, foram recursos empregados
na sua produção leituras quanto às migrações, e especificamente sobre migração
sazonal, de forma que pude compreender tal processo. Entrevistas com agentes do
município, e com os próprios migrantes, compreendendo assim as relações que os
cercam; pesquisas e saídas a campo, para melhor contato com as questões dos
trabalhadores no município, e compreender seus anseios quanto ao trabalho temporário
nos canaviais do município.
3
CAPÍTULO I
As migrações no Brasil e suas conseqüências
2
Em levantamento realizado na base Lattes encontraram-se 23 grupos de pesquisa que estão
trabalhando com o tema migração: 4 deles pertencentes à Geografia, além de 6 da Antropologia, 4 da
Demografia, 3 da Sociologia, 3 da História, 2 da Educação e 1 da Economia. Esses dados demonstram a
relevância dos estudos migratórios não só para a Geografia e para a Demografia, tradicionais neste
tema. Outras ciências também perceberam a relevância do tema para a percepção da estruturação do
espaço, e o entendimento do Brasil como é conhecido hoje.
Disponível em: <www.lates.org.br> .Acesso em 25/04/2007, 15:20.
4
articulavam os dois grandes reservatórios de força de trabalho, o
Nordeste e Minas Gerais, com os estados onde ocorria o maior
crescimento industrial[...]. (Brito et al., 2004,p.02)
Desta forma, uma região supria a necessidade da outra. São Paulo com suas
indústrias em expansão assimilava a grande quantidade de nordestinos, que buscavam
um emprego com o qual pudessem conquistar melhores condições de vida do que
aquela que poderia ter no Nordeste. E a busca por esse sonho movimentou milhares de
pessoas, sendo que o crescimento expressivo desses fluxos ocorre a partir da década
de 1940. A intensidade desse fluxo pode ser confirmada quando analisamos a
afirmação de que “na segunda metade da década de setenta, São Paulo tenha recebido
um terço dos imigrantes interestaduais dos quais, 41,0% eram nordestinos” (Brito e
Marques, 2002, p. 05).
5
empregados principalmente nos serviços de base, que preparavam as estruturas para a
instalação das novas indústrias. Dessa forma, milhares trabalhavam na construção civil,
ajudando a “girar o motor” da economia paulista. Sendo esta a principal economia do
país, e exercendo influência econômica devido à instalação dessas novas indústrias,
fazia “girar” também o “motor” da economia nacional.
Um dos principais motivos que explicam a migração como fenômeno de
gigantescas proporções, de milhares e até milhões3 de pessoas, além dos
desequilíbrios regionais (políticos e econômicos), Matos (1992) cita alguns outros
fatores que tiveram participação neste processo. Afirma que, o aumento da
concentração fundiária no Nordeste, crises na economia exportadora, secas periódicas
e o alto crescimento populacional, também contribuíram decisivamente para o
processo.
3
Ver tabela 1.
4
No ano de 1985, existiam no Brasil 5.802.206 estabelecimentos rurais, que passaram a ser 4.859.865
no ano de 1995-96, uma queda de 16,24% no número de propriedades. A área média das propriedades,
por sua vez, passou de 59,8 ha em 1970 para 72,8 ha no ano de 1995-96, um aumento de 21,73%.
Fonte: Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96. Disponível em: <www.agricultura.gov.br> Acesso em
15/06/2007, 16:48.
6
conceito que explica como a concentração fundiária continuou a crescer em certas
áreas do país, com ênfase aqui à região nordestina: a expropriação. Segundo Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira5, o verbo expropriar significa “tirar a (alguém), legalmente,
a posse de sua propriedade, mediante indenização”, onde, muitas vezes não existe o
pagamento de indenização. Entendendo assim o significado deste termo, podemos
analisar as causas ocorridas durante as últimas décadas que propiciaram a
expropriação das terras dos camponeses.
Conforme Silva (1999), a expropriação de terras no Brasil teve respaldo a partir
“dos planos de modernização edificados durante os anos 1960 e 1970, pelos governos
da ditadura militar” (p. 39). Sendo um fato legal, aos grandes proprietários e donos do
capital não foi necessária a utilização de violência expressa, mas sim, ainda segundo a
autora, “da violência escondida e legal, ou seja, da violência monopolizada pelo Estado,
com a promulgação de leis que implemetaram os projetos de modernização dessa
região”. (idem, p.27)
A expropriação das terras dos pequenos agricultores culminou com o fim do
meio de subsistência de que detinham, ficando assim impossibilitados de sobreviver da
própria terra. Levando em consideração que estes locais mostram pouco ou nenhum
desenvolvimento quanto à indústria e o comércio, fica assim a população
impossibilitada de sobreviver por outros meios que não o da agricultura, modo de
sobrevivência tradicional, mas que agora já não dá mais suporte para tal fato. E aqueles
que acreditam que os camponeses pudessem viver por um tempo com o dinheiro
ganho com a venda da terra, podem ter um claro exemplo do que a autora quer dizer
quando cita “violência legal”. Esse tipo de violência não é aquela citada no código penal
brasileiro, passível de punição, mas sim um tipo de pressão, de assédio para que o
pequeno produtor venda sua terra a preços mais baixos que o de mercado. “O medo de
ficar sem as terras fez com que os camponeses as ‘vendessem’, a qualquer preço, aos
compradores paulistas[...]” (ibidem, p. 46).
Esse processo de expropriação de terras dos camponeses, quando analisado
como fenômeno isolado, parece inexpressivo na explicação dos fluxos migratórios
nacionais. Mas abrindo o foco de análise, e levando em consideração outro fator, como
5
FERREIRA, A. B. de H. Minidicionária da língua portuguesa. Ed. Nova Fronteira, 1993.
7
a quantidade de pessoas que compravam essas terras, chega-se a algumas
conclusões: “o processo de compra das terras foi acompanhado de outros elementos,
tais como a concentração da propriedade, mediante a aglutinação dos minifúndios, da
apropriação das terras devolutas[...]”. (ibidem, p. 47).
A questão fundiária brasileira é tema de grandes e constantes discussões, pois,
o país concentra o quinto maior território do planeta, que por má distribuição e falta de
políticas agrárias eficazes, não consegue solucionar o problema. Essa falta de política,
de assistência governamental é de extrema relevância quando discutimos a questão
das migrações no Brasil, pois reflete nos fluxos populacionais.
Quando se faz uma análise histórica dos donos do poder no Brasil, chega-se à
conclusão de que na maior parte do tempo a classe dominante, os donos do capital
estiveram à frente do poder6. Desta forma as políticas implantadas visavam
predominantemente satisfazer as suas necessidades, indo geralmente em direção
contrária, ou não favorável às populações mais carentes, se “esquecendo” das mesmas
na elaboração das políticas. A questão nordestina, que há séculos é muito bem
conhecida nunca teve um plano efetivo de desenvolvimento7.
A ajuda para o Nordeste não deve ser como muitas que já foram implantadas;
assistencialista como a doação de alimentos, que contribui especificamente para a
subsistência temporária da população. As políticas devem focar o desenvolvimento
regional, com o apoio para os pequenos agricultores, incentivos para as comunidades
visando o trabalho e mesmo intenções voltadas para a redistribuição das terras
improdutivas, que não são poucas na região nordestina. Com a concentração fundiária
já mencionada anteriormente, muitos perderam suas terras. E as pequenas áreas que
6
Um grande exemplo desse fato é o caso que se passou entre os anos de 1894 e 1930, época que ficou
conhecida como República do Café com Leite, pois o país era dominado pelos Barões do café, que
prodominantemente faziam política para defender seus interesses.
7
A SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) foi um plano governamental no
sentido de ajudar no desenvolvimento na região nordestina. Tinha como objetivos a produção de
alimentos na zona úmida do Nordeste, o desenvolvimento no semi-árido de uma agricultura resistente
aos efeitos da seca, a colonização do Maranhão e o desenvolvimento da irrigação no São Francisco. O
plano foi iniciado no governo de Juscelino Kubtscheck, em 1959, e encerrado no ano de 2001. No ano de
2003, no mês de junho foi finalizado o projeto de recriação da SUDENE, onde o “planejamento regional
norteado pelos objetivos da inclusão social, do desenvolvimento sustentável e da melhoria das condições
da competitividade da economia” nordestina são os objetivos desta nova fase.
MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, Bases para a recriação da SUDENE: por uma política de
desenvolvimento sustentável para o Nordeste, 2003.
Disponível em <www.integracao.gov.br/publicacoes> Acesso em 15/06/2007, 18:40.
8
ainda estão nas mãos dos camponeses, sofrem com a seca, que assola o semi-árido
nordestino. Não há modos de derrotar a seca, mas existem meios para se adaptar a
ela, e começar a produzir a partir de métodos que sanem a falta de água, como a
irrigação, que já ocorre em certas partes do Nordeste.
Em todas as partes do país a questão da seca nordestina, e da miséria do seu
povo é constantemente explorada pela mídia, sendo que a seca é que recebe a culpa
pelas grandes dificuldades enfrentadas no cotidiano dos nordestinos, quando na
verdade a responsabilidade pelas condições dessa população está na falta de
assistência, não para combater o clima, mas para aprender a produzir, a estocar água
nos períodos chuvosos, enfim, viver em harmonia com ele.
Com tantos problemas, para boa parte da população desses locais sobra
apenas uma opção para a sobrevivência: migrar. Uma migração forçada, por diversos
fatores, como as diferenças regionais, a perda de terras, ou expropriação, e
conseqüentemente a concentração fundiária que se forma, aos fatores climáticos.
Todos esses fatores citados, exceto o clima, são produzidos pela falta de assistência
governamental, pelo descaso com toda uma população, sua cultura e seus modos de
vida.
Mapa 1:
9
Não havendo outra solução, ou pela rede de relações já construídas, a
população busca na migração seu sustento, o dinheiro extra para ajudar nos meses
sem qualquer renda na sua localidade de origem. É neste contexto que aparece o
migrante sazonal, que busca trabalho fora de seu local tradicional, para manter-se nos
meses em que permanecerá sem maiores ganhos.
Migração sazonal é aquela em que o migrante busca trabalho em outra área
que não seja a de sua residência normal, sendo que de modo geral os canaviais e os
laranjais do estado de São Paulo são os grandes destinos dessa mão-de-obra
temporária, contratada para o período de safra. Terminado este tempo, os migrantes
retornam para suas regiões de origem, voltando a sua vida costumeira. “O tempo,
agora, é compreendido pelo tempo da migração forçada, especialmente a temporária,
mediante a permanência nas fazendas de usinas durante quase 9 meses ao
ano.”(SILVA, 1999, p.58)
10
De modo geral, os migrantes buscam um tipo de serviço igual ao que estão
acostumados a trabalhar em suas áreas, sendo que normalmente trabalham no campo,
principalmente nas lavouras das grandes usinas de álcool e açúcar e nas
processadoras de sucos industriais.
Essas migrações “forçadas” nas quais os nordestinos se inserem não refletem
apenas na vida econômica, mas influenciam, inclusive, na cultura, pois desde pequenos
já sabem que quando chegarem na idade certa, também terão de migrar.
Mesmo conhecendo sua sina desde pequenos, a idade propensa à saída dos
locais de origem é quando se tornam adultos, época em que a responsabilidade pesa e
com ela a necessidade de angariar renda para o próprio sustento. Segundo Cavalcanti
(2000), a migração é mais comum nas idades de entrada e saída da faixa
economicamente ativa, nas idades de se casar, e quando o casal gera filhos, épocas
essas em que a busca por melhores condições de vida “afloram” nas pessoas. Além
disso, migrar significa cortar a raiz com os pais, sinônimo de independência e de
mudança de vida para os jovens. (CAVALCANTI, 2000, p.15)
Entre idas e vindas, um pouco da cultura modificada, novos costumes, novas
palavras e acima de tudo um modo pouco diferente de viver, e de construir práticas
espaciais, fazem com que essas pessoas, ano a ano, incorporem novos valores e
tentem mudar seus padrões de trabalho e de vida. Ao conhecerem as diferenças dos
locais onde vivem, elaboram pensamentos em que a vontade de mudar, de sair do
comum, da vida de miséria e de dependência à qual são vítimas cresce, deixando-os
insatisfeitos com a realidade cotidiana.
Neste período de tempo fora de seus locais de origem experimentam emoções,
sensações, lugares, compras, enfim, um tipo de vida diferente daquela que estão
acostumados.
11
[...]em decorrência da miséria no campo, a mudança para a cidade e o
desemprego em atividades urbanas, mesmo em se tratando de
atividades não qualificadas, significam ascensão para o migrante.
(CAVALCANTI, 2000, p.09)
Esses bens simbólicos aos quais a autora cita são objetos como boné, óculos
de sol e celular, “bens materiais típicos do modo de vida paulista e, portanto, do
‘moderno’”. (VETTORASSI, 2003, p.02) Em contrapartida, nem tudo que é do
“moderno” é assimilado pelos migrantes, que mantém vivo diversos pontos da cultura
tradicional da terra natal, pois “parecer moderno, mais do que ser moderno. A
modernidade se apresenta, assim, como a máscara para ser vista. Está mais no âmbito
do ser visto do que no viver”. (MARTINS, 2000, p.39 apud VETTORASSI, 2003, p.04)
Nesse sentido, forma-se a aparência do migrante bem sucedido, daquele que
foi em busca de melhora de vida, e conquistou seu espaço num dos lugares mais
desenvolvidos do país. O status e muitas vezes a ilusão de uma evolução na qualidade
de vida faz com que os migrantes enfrentem as dificuldades de migrar, e de viver em
um local, mantendo seu coração em outro. Dessa forma não são parte integrante nem
de um (terra natal com vínculos familiares), nem de outro (local em que buscam
trabalho, onde são apenas os migrantes temporários, os bóias-frias). (SILVA, 2001)
Bem ou mal sucedido, o migrante quando retorna geralmente não tem
oportunidades diferentes, não pode fugir do comum, ficando à mercê dos problemas
estruturais aos quais (eles próprios e os estados locais) estão intrinsecamente ligados.
Um dos pólos de atração desses migrantes sazonais no estado de São Paulo é
a cidade de Santa Bárbara d’Oeste, tradicionalmente conhecida pela monocultura de
12
cana-de-açúcar em larga escala em sua área rural, e que anualmente utiliza-se da mão-
de-obra dos migrantes sazonais para a colheita da lavoura, provindos em sua grande
maioria da região nordestina.
O município barbarense, com uma população de 186.3088 pessoas,
distribuídas em uma área de 271 Km², sempre teve papel importante na produção de
cana-de-açúcar, sendo este o principal produto cultivado nas terras do município. Tal
importância se mostra quando se leva em consideração o jargão “Pérola açucareira”,
que a cidade recebeu pela importância da produção que ocorria em sua área rural.
O município, além de tradicional na produção sucroalcooleira, tem estreitos
laços com a migração, não só para os cuidados com os canaviais, mas também a
própria formação do município atualmente mostra que a presença de migrantes é forte
na cidade, representando boa parte da população residente no município, fato que
trataremos no próximo capítulo.
8
Projeção feita pelo Seade, para o ano de 2007.
13
CAPÍTULO II
Santa Bárbara d’Oeste: da formação aos dias atuais
9
As informações foram retiradas do site da prefeitura municipal de Santa Bárbara d’Oeste:
<www.santabarbara.sp.gov.br> e <http://www.santabarbara.sp.gov.br/cmemoria>. Acesso em
07/07/2007, 15:30
10
CRIVELLARI, José Maria. Santa Bárbara d’Oeste – Edição Histórica. Santa Bárbara d’Oeste, Editora
Focus, 1971
11
Em 1818 o sistema de sesmarias ainda vigorava como modo de distribuição de terras. No ano de 1822,
a partir de uma resolução de D. Pedro foi suspensa a concessão de sesmarias, e não se admitiam novas
posses. As posses anteriores a essa resolução foram reconhecidas. Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao02/materia02. Acesso em
10/07/2007, 16:10
14
trazidos pelos americanos “foram considerados revolucionários para a região e para a
época, e que transformaram suas plantações em verdadeiras escolas de lavoura”.
(CRIVELLARI, 1971, p.14) Fundaram na área rural barbarense um vilarejo denominado
Villa Americana, que após ganhar população e importância emancipou-se, formando o
que hoje conhecemos como sendo o município de Americana.
15
estados brasileiros quanto, e principalmente, do próprio estado de São
Paulo. (BAENINGER; MAIA, p. 01)
12
As duas principais rodovias que cortam a região de Campinas, a Anhanguera e a Bandeirantes, que
ligam a capital ao interior, receberam grandes investimentos nesse período. Em 1948, a Anhanguera
recebeu pavimentação no trecho de São Paulo a Campinas, enquanto a Rodovia dos Bandeirantes foi
inaurada em 1978. Disponível em: <www.estradas.com.br>. Acesso em:03/08/2007.
16
Mapa 3: Evolução da Área Urbanizada de Santa Bárbara d’Oeste
13
A taxa de crescimento entre as décadas de 1970 e 1980 ficou em 9,46% ao ano, menor apenas do que
a de Sumaré (16,01%) e Nova Odessa(10,14%). (BAENINGER, 1992, p.11)
17
Mapa 4: Rodovias e a área urbanizada de Santa Bárbara d’Oeste
18
Todos esses fatores fizeram com que se formasse uma região altamente
industrializada e relativamente populosa, observando-se inclusive o “nascimento” de
conurbações entre boa parte dos municípios. Existia então uma metrópole (Campinas),
e seus vizinhos com níveis expressivos de industrialização e urbanização.
Com o desenvolvimento regional se sobressaindo perante as outras regiões do
estado, mostrou-se necessário a formação de uma região político-administrativa em
comum. Formou-se assim a Região Metropolitana de Campinas (RMC), criada no ano
de 2000, e que agrega os principais municípios que mais se destacam no plano
econômico no entorno do município de Campinas, tendo este como metrópole regional.
Mapa 5:
19
A Região Metropolitana de Campinas14 (RMC) tem uma posição de destaque
no cenário nacional, sendo uma das regiões metropolitanas com maior diversificação na
produção industrial, principalmente em setores dinâmicos e de alto input
científico/tecnológico, sendo que as diversas rodovias facilitam a fluidez tanto para a
capital quanto para o interior, fato que atraiu muitas empresas. A mão-de-obra
qualificada atende a demanda das grandes empresas de alta tecnologia, ficando
praticamente independente da capital em todos os setores necessários ao pleno
funcionamento da empresa.
A RMC conta com uma população de aproximadamente 2.338.148 habitantes,
sendo formada por 19 municípios15, dentre os quais Santa Bárbara d’Oeste se destaca,
juntamente a Paulínia, Sumaré, Americana e Campinas, principalmente no setor
econômico: industrial e agrícola.
No setor agrícola, o município barbarense está entre os que mais se destaca,
pela sua enorme produção de cana-de-açúcar. No ano de 2006, a produção nacional do
produto foi de 457.245.516 toneladas de cana, sendo que destes o estado de São
Paulo foi responsável por 69,89% do total, com 269.134.237 toneladas. Santa Bárbara
d’Oeste, que neste ano produziu 960.00016 toneladas, respondeu por 0,20% da
produção nacional, e por 0,35% da produção estadual de cana-de-açúcar. Isso aponta
que a cultura de cana-de-açúcar tem grande relevância na economia do município
barbarense.
14
As informações referentes à Região Metropolitana de Campinas foram retiradas do site da Agência
Metropolitana de Campinas (AGEMCAMP). Disponível em: <www.agemcamp.sp.gov.br>. Acesso em:
02/07/2007.
15
Americana, Arthur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia,
Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara d’Oeste,
Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo.
16
Em 2006 houve redução da área plantada da cana-de-açúcar no município, que passou de 13.439 para
12.800 hectares. Essa diminuição da área reduziu também a produção, que em 2005 havia sido de
1.016.886 toneladas, representando 5,92% de queda para 2006. Fonte: IBGE
20
Mapa 6:
17
Dados mais recentes publicados. Fonte: Instituto de Economia Agrícola. Disponível em:
<www.iea.sp.gov.br> Acesso em: 25/10/2007, 14:30.
18
Dentre os outros 0,15% restantes, estão 90 toneladas de arroz em casca, 330 toneladas de batata-
inglesa, 139 toneldas de feijão em grãos e 904 toneladas de milho em grãos.
19
Dos 4,06% restantes, estão o arroz em casca com 100 hectares, a batata-inglesa com 20 hectares, o
feijão com 190 hectares e o milho com 390 hectares de plantação.
20
Dos 21,28% restantes, o arroz rendeu R$ 900.000, a batata-inglesa ficou com R$ 165.000, o feijão
“abocanhou” o montante de R$ 731.000 e o milho teve um rendimento de R$ 2.317.000.
21
A produção de cana-de-açúcar tem uma importância histórica no município,
mantendo-se à décadas como o produto que mais ocupa as áreas agricultáveis do
município. Neste sentido, a análise dos prós e dos contras da cana-de-açúcar nas
terras barbarenses mostra-se importante, pois o grande predomínio de uma
monocultura pode ser fato de desenvolvimento no setor agrícola ou mesmo atraso para
o desenvolvimento do município como um todo. Mais importante do que se especializar
em determinada atividade é ter uma produção dinâmica, abrangendo diversos tipos de
produto, para que em período de crise de um deles, o município mantenha-se sem
muitas perdas e reflexos negativos.
22
(Proálcool)21, que a cana-de-açúcar novamente ganhou espaço. Teve a partir deste
programa bases de sustentação para o aumento da produção e mercado consumidor
garantido.
Da época de sua implantação até o ano 2000, o Proálcool viveu certo
equilíbrio, não conseguindo manter o crescimento expressivo observado até o ano de
1985. Após o ano de 2000, com o aumento exacerbado do preço do barril de petróleo
no mercado internacional, ocorrido como reação pela guerra do Iraque, os combustíveis
alternativos novamente ganharam destaque e foi lançado, em março de 2003, os
motores flex fluel22, que dominaram as vendas a partir desta data, e alavancaram
novamente a venda do álcool combustível no Brasil.
A importância dos motores bicombustíveis e a retomada da expansão das
lavouras canavieiras não tiveram o mesmo estímulo nas terras barbarenses. Tendo
como base o PIB (Produto Interno Bruto) do município, observa-se que a agricultura
teve um crescimento expressivo até o ano de 2002. A partir de 2003 (ano de
lançamento dos motores flex fluel e início da nova expansão da cana-de-açúcar),
contraditoriamente ao que se chamaria de normal para um município com mais de 90%
das áreas agricultáveis tomadas pela cana, Santa Bárbara sofre uma retração no PIB
agropecuário que também pode ser observado no ano seguinte.
Todo o movimento observado em nível internacional com relação aos
biocombustíveis, apontados como uma das soluções para os problemas ambientais ao
redor do globo, têm incentivado o aumento da produção do álcool combustível, e
conseqüentemente o aumento das áreas ocupadas pela cana-de-açúcar. Segundo
estimativa do IEA (Instituto de Economia Agrícola), a previsão para a safra 2007 é
12,2% superior à 2006, chegando a atingir uma área de 4,8 milhões de hectares
ocupados23.
O aumento da produção brasileira acompanha o movimento global pró-
ambiente, através da política externa brasileira, que tem por objetivo o aumento da
21
O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado em 14 de junho de 1975, através do decreto de
nº 76.593, tendo como objetivo estimular a produção de álcool para o setor de combustíveis automotivos.
Fonte: <www.biocombustivel.br> . Acesso em: 19/07/2007, 14:20.
22
Segundo estimativas da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores),
em 2013 o número de veículos Flex Fluel deve chegar a 15 milhões, representando 52% dos veículos em
circulação no Brasil. Disponível em: <www.anfavea.com.br> Acesso em: 26/10/2007, 15:02.
23
Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/OUT/verTexto.php?codTexto=9039. Acesso em 17/09/2007.
23
exportação do álcool. Essa política nacional visa o aumento das vendas tanto do álcool
anidro (que se mistura à gasolina, variando de 20 a 25% do total), quanto o álcool
hidratado (utilizado em veículos movidos 100% a álcool).
1050000
1000000
950000
900000
850000
800000
90
92
94
96
98
00
02
04
06
19
19
19
19
19
20
20
20
20
Ano
500000000
400000000
300000000 Brasil
200000000 São Paulo
100000000
0
0
6
9
0
19
19
19
19
19
20
20
20
20
Ano
24
cana. Dentre esses produtos, o que leva maior destaque é o álcool combustível, que no
dia 07 de maio de 2004 estreou como commodity no mercado internacional. As
commodities tem por objetivo controlar os preços e garantir o abastecimento do
mercado mundial, funcionando como um mecanismo regulador, assim como acontece
com outros produtos, como o açúcar, o café e o petróleo, que também são
commodities.
25
Capítulo III
Migração sazonal em Santa Bárbara d’Oeste
24
Segundo Jesuína Puschinelli Carneiro, Engenheira Agrônoma da Casa da Agricultura de Santa
Bárbara d’Oeste, em entrevista realizada no dia 11/09/2007.
25
Foram entrevistados 11 trabalhadores rurais nordestinos estabelecidos em Santa Bárbara d’Oeste nos
dias 11 e 12 de agosto de 2007.
26
ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) do Setor Canavieiro dos
municípios-sede de usinas/destilarias, lavouras de cana-de-açúcar e habitações
coletivas das respectivas Regiões de Saúde”26.
26
“Eliminar, minimizar e/ou controlar os riscos à saúde do trabalhador do setor canavieiro paulista” é o
objetivo-geral do curso. Informações disponíveis em: <www.cvs.saude.sp.gov.br> Acesso em:
17/08/2007.
27
Entrevista realizada em 14/08/2007, com a Coordenadora Técnica e com o Fiscal Sanitário Vitor
Rodrigues Junior.
27
que se cadastram é porque estão ciente de suas responsabilidades, [...] se não fossem
cumprir com os deveres, certamente não cadastrariam seus alojamentos.”
Segundo esse cadastro da VISA, o município conta hoje com 11 alojamentos
cadastrados, abrangendo um total de 378 trabalhadores rurais. Esses alojamentos
estão espalhados por todo o município, sendo que se observa uma pequena
concentração na zona leste, área em que os valores de aluguéis são considerados
médios28.
Os trabalhadores rurais cortadores de cana estabelecidos em Santa Bárbara
d’Oeste são na sua maioria migrantes sazonais, ou seja, aqueles que se estabelecem
no município por certo período de tempo. Este tempo constitui-se como sendo a época
de colheita, que se inicia em maio, e tem seu término no mês de novembro. Estes
trabalhadores migrantes são maciçamente de origem nordestina, e buscam o campo
barbarense como saída para os meses em que não conseguem produzir no Nordeste.
Dentre os trabalhadores, existe uma considerável amplitude de idades, sendo
que observa-se pessoas desde os 18 até os 51 anos de idade. Segundo informações
dos próprios trabalhadores, a idade limite comum é por volta dos 45 anos de idade, pois
“o serviço é muito pesado, e depois dos 40 a gente começa arriá”, afirma Cícero Alves
de Souza, 39 anos. No dia da visita ao alojamento, Cícero apresentava luxação no
ombro esquerdo, com o qual manuseia o facão, e por isso estava há 4 dias sem
trabalhar. “O turmeiro disse que eu tô recebendo, vamos ver”, salienta, com certo receio
quanto ao pagamento dos dias em que estava parado.
Trabalhar com a terra é a vida dessas pessoas, pois no Nordeste alguns são
arrendatários de terras, outros prestam serviços para terceiros, e alguns poucos são
pequenos proprietários. A maior parte é casada, e permanecem metade do ano longe
de suas famílias, sendo que a vontade de voltar impera dentre os trabalhadores.
“Se chovesse mais lá, eu nunca viria pra cá. É muito difícil ficar longe da
esposa, da família. O que ajuda um pouco agora é que esse ano meus dois
28
A maior parte dos alojamentos estão no Bairro Planalto do Sol, cujo preço médio do aluguel de uma
casa com 5 cômodos e 1 banheiro é de R$ 400,00. Nos bairros mais carentes, como Parque Zabani e o
Jardim Nova conquista, residências nessas mesmas condições custam por volta de R$ 300,00. Outros
bairros, como Cidade Nova e Jardim Pérola, mais estruturados, o preço do aluguel sairia por volta de R$
500,00 a R$ 600,00 mensais.
28
moleques também vieram, mas também deixaram as mulheres lá.” (João
Francelino Bezerra, 35 anos)29
“se não for assim nóis num tem nada, só faz pra come, e mesmo assim com
muita dificuldade, porque lá no inverno só tem chovido 3 mês, então você
planta, colhe e depois vive com o que conseguiu [...]” (João Francelino Bezerra,
35 anos)
“no campo a gente consegue planta milho, que é mais rápido, mas alguns
também produzem arroz, feijão. Os que tem um pedacinho de terra também
tem algumas cabeça de gado.” (Cícero Alves de Souza, 39 anos)
29
Para melhor caracterização das entrevistas, as transcrições são feitas conforme a fala dos
entrevistados, mantendo inclusive erros de português.
29
depreciação/exploração dos migrantes. Mas o que ocorre, na verdade, é a
complementação, pois “o interesse do capitalista e do operário é, portanto, o mesmo
[...]. E de facto! O operário soçobra se o capital não o emprega. O capital soçobra se
não explora a força de trabalho”. (MARX, 1849)30
O migrante necessita do trabalho, e o usineiro da mão-de-obra barata que o
migrante tem a oferecer. Apesar dessa “dualidade”, cabe ressaltar que não existe
equivalência entre os dois, mas sim a exploração do trabalho dos migrantes por parte
dos usineiros. A lei da oferta e da procura, tão utilizada quando o assunto é o consumo
e as questões do mercado capitalista, é facilmente adaptada aos canaviais. Existe uma
grande quantidade de pessoas no Nordeste interessadas no trabalho oferecido pelas
usinas, maior do que a procura, ou seja, o número de vagas que a usina tem a oferecer.
Isso provoca uma desvalorização do preço do trabalho do migrante: salários baixos
para os trabalhadores, lucros altos para os usineiros.
“a maior parte quer vir, só que os mais animados sempre são os mais jovens,
querem ganhar pra comprar, pra ter as coisas” (Francisco Bezerra da Silva, 31
anos)
30
MARX, Karl. “Trabalho Assalariado e Capital”, Editorial “Avante!”, 2006.
30
“a pessoa responsável pela seleção sempre avisa como é aqui; deixa bem
claro que o trabalho é duro, pesado, cansativo e que não tem muito descanso.
O que não pode acontecer é a pessoa chega e não querer trabalhar, né?”
(Francisco Bezerra da Silva, 31 anos)
“pra este alojamento (26 pessoas) eu é que escolho as pessoas. Tento ajudar a
família e os conhecidos, então trago meu moleques, os vizinhos. Não adianta
eu querer ganhar sozinho, a gente tem que dividir o pão, não é mesmo? [...]
mas pra selecionar não ganho nada não, e faço isso porque já tenho mais
experiência. Aqueles que ficam bagunçando, os que não gosta de trabalhar a
gente não traz, porque aqui não vai render, só vai atrapalhar. (João Francelino
Bezerra, 35 anos)
31
IPEA, Radar Social – 2006: Condições de vida no Brasil. Brasília, 2006
31
Tabela 5: Despesa média mensal familiar
BRASIL 1465,31
CENTRO-OESTE 1433,61
NORDESTE 978,58
NORTE 1115,93
SUDESTE 1757,15
SUL 1564,85
Fonte: IBGE - Pesquisa de Orçamentos Familiares 2003
32
Foto 1: Alojamento Foto 2: Alojamento
33
Segundo a VISA32 de Santa Bárbara d’Oeste, após o início das inspeções nos
alojamentos, observou-se melhora progressiva nas condições oferecidas aos
trabalhadores. Essas melhoras, obtidas a partir de inspeções regulares, foram obtidas
em todos os âmbitos da vida dos migrantes em terras barbarenses, não só no caso dos
alojamentos, mas na alimentação, que obrigatoriamente deve ser servida por terceiros,
e nas próprias condições de trabalho, onde todos são registrados como funcionários
das usinas.
O transporte dos trabalhadores dos alojamentos para a roça é feito através dos
ônibus rurais, notadamente em más condições. Estes ônibus são de propriedade do
empreiteiro responsável pelos alojamentos dos trabalhadores, e pelo transporte diário
dos mesmos até o canavial. Há registros jornalísticos de acidentes ocorridos devido à
precariedade dos meios de transporte dos trabalhadores. A precariedade dos veículos
não recebe importância por parte dos empreiteiros, pois “o Brasil, é o único país onde
existe preconceito com trabalho do campo, com os trabalhadores rurais. Não se dá a
importância merecida a esses trabalhadores”33, e por isso, independente da situação,
chegar ao trabalho, e depois retornar ao alojamento é o que importa para estas
pessoas.
Quando da vinda dos migrantes para Santa Bárbara d’Oeste, pouco trazem de
objetos, sendo que apenas as roupas para o dia-a-dia e o garrafão de água,
acompanham essas pessoas até as terras paulistas. Além disso, por aqui pouco se
compra, sendo que de modo geral as guloseimas são as preferidas.
“a gente procura não gastar muito aqui. A maioria aqui é casada, então
deposita no banco pra mulher se manter por lá. Do dinheiro que pega, metade
fica aqui mesmo, porque tem que pagar a cantina34, água e força da casa,
segura um dinheirinho pra comprá umas bolachas, tomar uma cervejinha,
compra cartão pra ligar pra esposa, e o resto guarda.” (Elton Moraes de Souza,
26 anos)
32
Entrevista realizada no dia 03/11/2007, com Eliane Wiesel Salvador, Coordenadora Técnica, há 08
anos no cargo, e Vitor Rodrigues Junior, Fiscal Sanitário, há 04 anos no cargo.
33
Jesuína Puschinelli Carneiro.
34
Cantina é como se referem à cobrança feita pelos empreiteiros, no valor de R$ 220,00 mensais, para
custeio de alimentação e o transporte até a lavoura. Os custos com a água e energia consumidos nas
casas também são pagas pelos trabalhadores.
34
Além da preocupação com a família que permaneceu no Nordeste, alia-se a
questão do custo de vida, que segundo os trabalhadores, são bem diferentes nas duas
regiões.
“o preço das coisas aqui é muito alto, por isso a gente só gasto o necessário.
Esses dias fui no mercado com o empreiteiro nosso, fazer umas compras pra
ele levar pra turma que manda nossa comida. Ele falou pra eu pegar o que
achava que daria pra 1 mês, então peguei 20 sacos de arroz, bastante feijão,
as carne e hora que passo no caixa, deu 480 reais. Todo esse dinheiro pra
pouca coisa, porque lá no Nordeste, com 400 reais você vai no armazém e
manda vim uma caminhonete carregada de coisas, que dá pra você passa com
a sua família uns par de mês.” (João Francelino Bezerra, 35 anos)
“lá, com 500 reais por mês, você vive tranqüilo, pagando ainda o aluguel. Uma
casinha boa custa 50 reais por mês, a água a gente não paga, então só tem
que pagar a força. Aqui a coisa é bem diferente: pra sustentar uma família aqui,
tem que ganhar uns 1000 reais, porque o aluguel é caro, tem que pagar água,
força e ainda fazer compra. Só to morando com a Maria porque não gasto com
comida, e pago metade do aluguel” (Guilherme Castro dos Santos, 37 anos)
Segundo Guilherme, sentia-se muito carente, motivo pelo qual “juntou-se” com
Maria, e relatou também que o fato de ainda poder enviar dinheiro para a família no
Nordeste foi imprescindível, pois “por mais coisas erradas que faça, nunca me esqueço
dos filhos”. Essa questão das carências, das saudades do Nordeste explicam
35
determinadas compras realizadas no município, especialmente as influências causadas
na feira-livre central, ocorrida nas manhãs de domingo, na área central do município.
Essa feira é tradicional, recebendo inclusive visitantes de outros municípios
como Americana e Capivari. Teve início nos anos 60, mas a partir de 2004, observou-se
o início de um fato interessante, tendo como agente causador os migrantes sazonais
alojados no município. Dentre as mais de 70 barracas presentes na feira, 3
comercializam produtos de origem ilícitas, como CDs e DVDs piratas. Essas barracas
tocam seus CDs desde o início da manhã, e, através de observação a campo, pode-se
constatar que, das 4 horas na qual foram reproduzidas músicas, aproximadamente 3
horas foram especificamente para Forró, tipo de música originariamente nordestina.
“a gente toca mais forró porque os nordestinos procuram bastante, então nós
testamos os cds e colocamos o que chega de novo pra eles ouvirem” (Ronaldo Rocha
Ribeiro, 19 anos)35
35
Entrevista realizada em 28/10/2007.
36
“a gente sai muito pouco. Como quase não conhecemos a cidade, não
sabemos onde ficam os lugares bons, e onde é perigoso freqüentar.” (Elton
Moraes de Souza, 26 anos)
No começo da história, o território era os dois, para todos... Ele era abrigo
e era recurso. As pessoas tiravam dele a sua sobrevivência e eram
também protegidas por ele. A história da humanidade é a história da
dissociação dessas duas condições, que agora chegou ao ápice com a
produção das chamadas redes. As redes são formadas de pontos bem
tratados, bem equipados no território, facilitando a vida das grandes
empresas globais. Essas grandes empresas instalam-se nesses
pontos.[...] Elas tratam o território apenas como recurso, mas são muito
pouco numerosas. No caso do Brasil, esse percentual é ínfimo. A maioria
esmagadora, a quase totalidade das empresas tem o território como
abrigo. (SANTOS, 1997, p.22)
Milton Santos trata do uso do território pelas empresas, e aqui, sua teoria será
aplicada aos migrantes, que tiram sua sobrevivência no território, e que dele dependem
37
integralmente. Guardadas as devidas proporções, os migrantes utilizam-se do território
assim como as empresas, sendo que fazem isso por completo, ou seja, preenchem as
duas saídas existentes.
O território como recurso é aquele que os migrantes utilizam para tirar o seu
sustento caracterizando-se como as plantações de Santa Bárbara d’Oeste. É recurso
pois tem o significado de trabalho, de angariar renda, que por fim é enviado para o
Nordeste. Outros significados típicos da vida humana não existem nessa relação, pois
suas raízes estão no Nordeste, ficando Santa Bárbara d’Oeste como o meio encontrado
de suprir suas necessidades.
Mesmo sendo o modo de fuga encontrado pelos migrantes para os problemas
nordestinos, Santa Bárbara d’Oeste também é abrigo para estes trabalhadores. É
abrigo pois apesar do objetivo específico ser o trabalho, eles tem que se estabelecer, e
dessa forma acabam por criar as interações espaciais com o lugar, como aqueles
citados anteriormente. Durante o dia, horário de trabalho nos canaviais, o território é
recurso, e durante a noite, quando descansam nos alojamentos, o território acaba por
se tornar abrigo.
38
CONSIDERAÇÕES FINAIS
39
O movimento é importante para todos os agentes do processo, por isso é tão
forte, e sem perspectivas de estar em vias de arrefecer. Mas outros fatores ameaçam
essa supremacia da mão-de-obra migrante, como a mecanização. Apesar dela estar
crescendo ano a ano, essas máquinas não alcançam terrenos com determinadas
declividades, fato que favorece o trabalho migrante.
De qualquer forma, a mecanização continuará avançando e cobrirá boa parte
dos terrenos. Qual serão as opções para estas pessoas se o trabalho nos canaviais
paulistas não estiverem mais acessíveis? Estas e outras questões devem receber mais
atenção, e certamente estes fatores acarretarão grande impacto social no Nordeste,
onde a parte das famílias que ficam recebem as economias adquiridas em São Paulo,
sendo imprescindível para as condições de vida dessa população.
O que certamente fica evidente é que se as oportunidades nos canaviais
paulistas diminuírem, os migrantes encontrarão outras formas de suprir as
necessidades. Outros destinos ganham importância, como a busca pelas novas áreas
do Centro-Oeste, no Norte, e no próprio Nordeste, como o oeste da Bahia, por exemplo.
Esta é a única afirmação que se mostra evidente, pois as decisões de
investimento, para possibilitar uma vida com boas condições em conformidade com o
que o semi-árido possibilita, não tem recebido a devida importância pelo poder público,
fato que não ajuda a população a vencer as dificuldades da seca, e tornar a região
auto-suficiente, não precisando assim buscar na migração o sustento da família.
40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRITO, Fausto et. Al. “As tendências recentes das migrações interestaduais e o padrão
migratório”, CEDEPLAR, 2004.
CASTRO, Iná (org) Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro, Editora Bertrand
Brasil, 2003
CRIVELLARI, José Maria. Santa Bárbara d’Oeste – Edição Histórica. Santa Bárbara
d’Oeste, Editora Focus, 1971
41
IPEA, Radar Social – 2006: Condições de vida no Brasil. Brasília, 2006
MARTINS, Dora; VANALLI, Sonia. Migrantes. Editora Contexto, São Paulo, 1997.
MATOS, Ralfo E. S. “Uma questão histórica não resolvida”, in: CEDEPLAR. Alguns
aspectos sobre a importância das migrações internas no Sudeste. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1992.
OLIVIER, Dolfuss. A Análise Geográfica. São Paulo: Editora Saber Atual, 1973
SANTOS, M. “Da Política dos Estados à Política das Empresas”, Belo Horizonte,
Cadernos da Escola do Legislativo, 3 (6): 3-191, jul/dez. 1997.
SILVA, Maria A.M. “O rosto feminino da migração sazonal”. Travessia, São Paulo, N.
26, setembro-dezembro, 1996, pg. 7-10.
42
Anexo I
Conforme solicitado, segue a relação de alojamentos / moradias de trabalhadores rurais cadastradas nesta
VISA no ano de 2007.
- Alberto Medina;
End: Av. São Paulo, 2724, Cidade Nova II
Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 20
43
- Claudinei R. de Carvalho ME;
Rua Lituânia, 155, Jd. Europa IV
Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 12
44
Bien plus que des documents.
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