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Licenciado em Letras
Histórico-Geográficos
Ilha da madeira
(Separata do Boletim N." 3 do
Liceu Normal de Lisboa)
L I S B O A
MCMXXXII
Horácio B e n t o d e Couueia
Licenciado em Letras
Histórico-Geográficos
Ilha da madeira
(Separata do Boletim N.' 3 do
Liceu Normal de Lisboa)
Explicação
Dr. S I L V A TELLES.
Aspectos Histórico - Geográficos
da Ilha da Madeira
( A Confc.ri;~lcicrrealizada n o Liceic Norm al tle Lixhon)
A - Constituição da Mesa
Presidente, o Reitor; Dr. Nicodemos Pereira, professor do Li-
ceu de D. João de Castro; Vice-Reitor e profcssores - metodólogos
V. Campos e A. Moura.
B - Alocugiio do Reitor
Não deixem V. V. Ex.""", minhas Senhoras e meus Senhores,
de ter em muita considera~ãoque êste Cinema funciona numa esco-
la, o que significa serem os estudantes as pessoas em que especial-
mente pensamos ao organizar as nossas sessões de cultura nacional.
Maxinza debetur pueris reverentia: não vai muito tempo qiie
certos alunos nossos se gabaram, nesta sala, de também saberera la-
tim; mas não será fora de propósito explicar-lhes que a frase çignifi-
ca que à mocidade é devido o máximo respeito - respeito, que, no
caso presente, consiste em não se lhe solicitar a atenção para coisas
que não a interessem.
A terra F r t u g ~ e s a ,porém, não pode deixar de ser um centro
de interêsse para os nossos escolares, como tem de ser para todos os
portugueses. E assim é, de facto: mostra-o a ~iotávelconcorrência a
estas sessões, tam pouco parecidas com as outras do mesmo género.
Centro de interêsse - ponto a que convergem, sem esforço dc
maior, as atenções; como a água procura o regato e o no e o mar,
como a planta se volta para o ar e a luz e sol, assim a curiosidade
do homem é muito cedo atraída para a terra, em que êle vive, para
o mundo, que o cerca.
Centro de interêsse, objecto de curiosidade e de amor. Ig~zoti
nulla cupido: perdoem-me a traduqão os estudantinhos que já blaso-
nam de latinistas - não se ama o que 1.120se cotzlzece. Tenho ouvi-
do, muitas vezes, pôr êste problema - o da ~iecessidaciedc tornar
Portugal amado dos portugueses. O processo de o resolver é iiiiiito
simples: se quereis que os portugueses amem a sua terra, t~zostvai-lha,
se quereis que os portugueses amem a sua terra, fazei que êles a co-
nheçam - Ignoti nulla cupido.
E u nunca vi a Ilha da Madeira; e tenho pena!
Dizem que ela se alelyanta orgulhosa do Atlantico, fornisrido
anfiteatros surpreendentes; dizem qiie o Mar, na siia lida incessantc,
quebra fúrias amorosas de encontro &s suas costas alcantilsrlas c 1x4'-
ja constantemente as areias das suas breves praias; dizem qiie uniri
luxuriante vegetação a cobre clc veludíneas maciezas c que froridoso
arvoredo lhe serve de farta cabeleira, acariciada pelas nuvens que se
humanizam junto dela, rarefazendo-se em suaves neblinas; dizerri quc
se vive uma Primavera eterna na formosíssima ilha, que é a princesa
do Oceano e o padrão primeiro do génio, calculadamente aventu-
reiro ,dos portugueses, que ao miindo deram mundos novos.
Eu nunca vi a Ilha da Madeira; e tenho pena!
Mas é próprio do homem sonhar, e a luz artificial, que o génio
humano criou à imagem do clarão dormente de lua, é muito propicia
aos sonhos do imaginar. Estou, .de momento, desinteressado de quaii-
tas coisas insignificantes constituem as preocupações de todos os nos-
sos dias; esta ampla sala, inundada de luz, parece-me uma vastíssi-
ma nau que sulca as água do mar, demandando as paragens da rc-
gião encantada; já a vista, pouco a pouco, se me desterra dos yátrios
montes, e não vejo agora senão mar e ceu; sinto balouçar suavemente
ã embarcaqão do meti sonho, e não tardará que, do alto da gávea. o
gageiro atento solte o grito animador - Terra, e terra da Pátria! a
Ilha da Madeira!
Estamos, efectivamente, à vista da Madeira.
Vai servir-nos de guia erudito o Sr. Dr. Bento de Gouveia; hon-
ram-nos, com a sua companhia na nossa magnífica excursão, mui-
tos madeirenses ilustres e, à frente de todos, o Ex."" Sr. Dr. Nico-
dèmos Pereira, a quem saudo afectuosamente.
Não acordemos do sonho delicioso: tem a palavra o Confe-
rente.
C - Texto da Conferencia
Do que os livros falam acerca da histbriri da descoberta da Hha
da Madeira.
AtC aos fins do primeiro quaitel do s6culo vinte, quando se
pretendia estudar a Ilha da Madeira, relativamente à história do sett
descobrimento e povoamento, iamos buscar tôda a documentação à
obra do Sr. dr. Gaspar Fructuoso.
I-Ioje, porém, após os recentes trabalhos de investigação histó-
rica que sc de\.em ao acendi-ado amor regionalista dos srs. drs. Pes-
tana Júnior, Jordão de Freitas c João Cabra1 do Nascimento, ve-
rifica-se que as ((Saudades da tel-riil) do di-. Gaspar Fructuoso, escri-
tas em 1590 publicadas cni 1873, tiveram a sua época, 110 capítulo
que se refere à descoberta da Jladeira. Dtl facto, o problciiia penum-
broso do descobriiriento da ilha :ipcAzar(lc. c-o~iservar-selia cabala, en-
contra-se melhor csclarccido, 115 yoiicos aiios.
Nas ((Saiidades da terra)) depara-se-nos tiinn \,crsão extraida da
~x-irtieira década da Asia, do qiiiiilientista João de Rarros, livro im-
presso cni 1552. Segiliido êssc tlociiriic.rito na ri-ativo, no mesmo ano
da tomada de Ccliita c.ni 1419,o Trifante D. Hciii-iquc tinha mandado
apetrechar dois rla vios q uc foram os pr-ir-iiciros q tie conheceram a
costa africana até ao cabo Rojatlor. Qtiando ktcs rchgrcssaram, foi
tal o entusiasmo que, dois nobres cavaleiros, iim João Gonçalves, -
Zargo de alcunha, e o outro, Tristão Vaz, ofcrcccram-se ao Infante
para participarem de uma expediqão ao qilc o Infante acedeu man-
dando armar uma barca ((deo-lhcs regi~nerito))c rccomendoii-lhes que
((corressem a costa ~1a.RerlGiia att: passarclm aqzielc temeroso Cabo
nojador)).
Todavia, arites da chegada ao litoral de Africa, foi tal a tem-
pestade que se desencadiou ( q u e perderam a esperança das vidas por
o navio ser tam pequeno e o mar tam grosso que os comia)).
O tempo, quando amainou. reveloii-lhes urna surpreza: topa-
ram com uma ilha a que batizaram de Porto Santq. Quando do re-
gesso ao reino, com esta notícia alviçareira, D. Henrique ficou rna-
raviIhado. Os navegadores mostraram desejo de povoar a nova ter-
ra e com &se fim foram armados três navios, indo num deles Rarto-
tumeo Perestrelo. Juntamente com diversas plantas e sementes leva-
vam uma coelha da qual se conta o episóidio da sua múltipla descen-
deneia.
Do Porto Santo, João Gunqalves e Tristao Vaz, como tivessem
túbdgado ao longe uma sombra, aproximaram-se dela e descobriram
a Madeira que, depois, foi dividida em duas capitanias: a Zargo,
pertenceu a do Funcha'i e a da Vila de MAchico, a-Tristão Vaz.
Urna outra versão, interessante pelo aspecto romanesco que
apresenta 6 a da lenda de qtre fala Antonio Galvão e q%e=foi adop-
tada pelo historiador ilheu. Centa ela que, na época do rei Duarte
de Inglaterra, um inglês, ,Machim, enamorara-se, perdidamente, de
uma dama nobre Anna de Harfet que o correspondia de igual modo.
E diz Fructuoso:
c(Prosseguir,do êlle com extremo seus amores, veyo eHa tambéni
a amar muito a quem a amava; porque em fim o amor, se não for
com amor não tem igual paga; e, (como As coisas odoriferas) se não
pode encobrir aonde etÉt encerrado, com mostras e suspeitas que de
Agora, concluindo: a perípecia dos dois amantes britânicos que
já foi destruida inteligentemente pelo dr. Kodrigues de Azevedo, pa-
rece pertencer a iim ((somarice d o ciclo bretão, com seu heroi de no-
me terminado em irn,) como iniiito btrn diz joáo Cabral do Nasci-
mento. Machim n5o clescobiiu a ilha nern tani poiico a colonizou. De
sorte que a \.erdadí* da descoberta tem o seu alicerce na crónica do
moço da câmara do Infante, Diogo Gomes, que escreveu: ((No tempo
do Infante D. Heiii-iclue, itrila caravela correndo com tormenta, viu
uma ilha pequena, a qual está próxima da ilha da Madeira, que se
chama agora Porto Sa~ito1120 povoada)). Não se sabe, porém, queni
eram os tripulantes da caravela mas é dc presumir quc a sua mari-
~ihagemfôsse composta poi- homens do infante.
Apesar das duas ilhas se encontrarem desenhadas no mapa
marítimo dos hlédicis, de 13ji C' afinnar-se que Zargo e Tristão ti-
veram apenas uma acção colonizadora como pretende João Cabral,
ilão nos satisfaz, pois que, conquanto os dois nautas tiyessem sido de
facto os povoadores o certo é que foram êles os descobridores oficiais
da ilha, a verdade é que só êleç vincularam à história o nacionalismo
da descoberta.
9 clima ; a3 levadas.
O clima da ilha é oceâ~iico,clirna da zoria temperada quente
(um pouco mais dc ro\o norte do trópico). Os principais factores
climáticos são: sua situação geográfica; a sua qualidade qie ilha, r i
corrente das Canárias que passa pela parte sudeste e os ventos domi-
nantes.
Segundo o major Alberto Artur Sarrnento o clima da ilha po-
de dividir-se em 3 sub-zonas: marítima, de montanha e de altitude.
No entanto êle não precisou quais as diferenças relativas a es-
ta classificação.
Conforme a mais recente resenha estatística dos estudos de tem-
peratura realizados no pôsto meteorológico da cidade, consoante os
dados recolhidos entre 1920 c ~ q j oa temperatura média 6 de 17." pa-
ra todo o ano no lado Sul, sendo o norte de uma percentagem um
pouco inferior.
Agosto é o m6s mais quente e fevereiro o mês mais frio. Em
refaçiio às estações, as médias de 920 a 930 foram: inverno - 1 5 , q
- primavera - r6,30 - verão - 20,7r- outono - 19~64.
O factor humidade é abundante na ilha e a sua pletora ex-
pjica-se pela condigo isolada da Madeira. Os ventos oes-sudoeste são
05 que transportam maior quantidade de chuvas. Elas caem durante
todas as esta@es, mas tem havido anos sequentes em que nos m k s
de jutho ou agosto, só excepcioxialmentc chove. A média geral de
dias chuvosos é de 79 por ano.
No regimen dos ventos domi~lantes,o principal é o nordeste,
seguindo-se depois o nor-nordeste, o norte, o noroeste, o sudoeste.
S6 os ventos de sudoeste e sul não castigam a face norte da ilha.
Quatido se iniciou a colonização tornou-se necessário lançar
fogo as florestas, para preparar o solo, de maneira que as semen-
teiras progredissem. O incêndio apenas durou cêrca de 6 meses
sabemos, no entanto, a que obedecia esta desigualdade de direitos
produto d a época, e hoje sepultados no esquecimento.
As senhoras de distinção iio restrito ambiente da cidade traja-
vam com alarde, luxuosamente.
Diz o dr. Constantino que elas levavam lia sua frente «os
seus protegidos e criados que carregavam os coxins bordados a oiro
ou a seda, bem como os tapetes e alcatifas para que depois de es-
tendidos pudessem elas conservar-se à altura da sua dignidade)).
Não Ihes era'yermitido dar atcnsão aos serventes a não ser
que estes tomassem uma atitude de humilhação, ajoelhando-se com
reverência.
Estes costumes desapareceram inteiramente assim como os tra-
jos pint~irescos: a carapuça dos vilões e as vestimentas semelhantes
aquelas ainda hoje usadas no hliriho. Ao passo que êstes hábitos têm
decaido, em algumas terrejolas um certo despovoamento se tem da-
do em virtude da caminhada de famílias inteiras em procura de uma
vida melhor, mais desafogada eco~iòmicamc~~te, para as terras ce~itri-
petantes do Brasil e dos Estados Unidos da América. A vida emigra-
tória que foi acentuada rios Últimos anos da monarquia e antes da
grande guerra de 1914,inicialmente fazia-se para as Indias Ocidentais
e para a Guiana inglesa, onde, ainda hoje, a colónia madeirense, que
contêm no seu seio alguns argentários, cuserva as suas tradições
seculares. Mais tarde as emigrações dirigiram-se de preferência paya
o arquipklago de Sandwich, pois que, o govêrno americano tendo co-
nhecimento das qualidades excepcionais de trabalho do habitante d a
Madeira e verificando que o insular sc adaptaria ao clima daquelas
paragens enviou agentes A Ilha para tratarem do embarque de culti-
vadores para a s tórridas ilhas oceânicas.
Assim, na segunda metaùc do século 19, êste arquipela-
go começoii a ser colonizado em grande parte por madeirenses
que, nostálgicos e religiosos, em Hawai, edificaram uma igreja em
adoração a Nossa Senhora do Rlonte da Ilha da Madeira. As viagens
para estas regiões, eram verdadeiramente aventurosas, viagens longín-
quas que evocam emotivan~enteas narra~õeslendárias da Nau Ca-e
tríneta e decorriam num ciclo de 6 meses. A embarcação atravessava
o Atlântico, seguia ao longo do litoral do Brasil, da Patagónia e pas-
sado o estreito de Magalhães contornava a periferia Andína fazendo*es-
cala no Chile. Dali, entrava em pleno Pacífico e com rumo à Poliné-
p
/ , cortando o equador, ia até Micronésia.
É curioso que, em quási todas estas longas jornadas quando
o navio chegava à terra da. promissão os emigrados eram em maior
número do que logo depois da partida da ilha. 0s recem-nascidos co-
municavam uma alegria nova à yida monótona de bordo.
A propbsito da colonização destas ilhas do Pacífico por famí-
lias madeirenses, é interessante aIudirmos a uma crónica publicada
num dos mais importaritcs jornais do Rio de Janeiro, logo após o ad-
vento da república, pelo sr. Corisclheiro José de Azevedo Castelo
Branco.
Este ilustre horiieni público, qiic"cxerceu as funções de gover-
nador civil do Functial, tendo sido mais tarde ministro dos 1i.strangeiros
i queda da monarquia, foi em missão diplomática, L: China, quando
dos graves acontecinientos que ali se passaram entre os chineses e os
estrangeiros. Na sua passagenl para o Oriente, o barco fêz escala
pelas ilhas de Sarid\\-ich e o sr. Conselheiro Castelo Branco desenibar-
cou em Honululo para ter iim rápido conhecimento da terra. Ali,
tomou uni breque, indo admirar a cidade. O cocheiro só falava inglês
em resposta 5s prcgiintas que lhe formulava o sr. Conselheiro. No cn-
tanto, numa certa altura, porque as niiilas não puxassem o carro,
o condutor, iriitaclíssimo, soltoii uma frase e111 português castiço.
O sr. José de Azcvedo Castelo Branco reconheceu que estava
em presença durii conlpatriota e que era uma criatiira da Ilha da Ma-
deira, possivelmente duma das freguesias do norte.
Na Africa também a colonização madeirense se efectivou, em
Marrocos e nos planaltos de Huila e de Mossâmedes, onde se encon-
tram as típicas casas da ilha, e onde os mesmos costumes dos insula-
res se perpetuam.
Hordcio Bento
BIBLIOGRAFIA