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HISTÓRIA E INSTITUIÇÕES DA MADEIRA

Sécs. XV- XVIII

APONTAMENTOS

ALBERTO VIEIRA

SUMÁRIO: Evolução da Estrutura Institucional, O Senhorio, O


Município, as instituições régias. A ilha e o poder central. Relações
financeiras.

O presente texto reúne alguns dados fundamentais sobre a História das


Instituições político administrativas da Madeira para o período do antigo
regime. Esta estrutura perdulária transforma-se com a Revolução Liberal,
mais propriamente com a reforma de Mouzinho da Silveira. Até então as
alterações mais significativas ocorreram em três momentos: o governo de El-
Rei D. Manuel, o período da ocupação filipina e a reforma pombalina.

A estrutura institucional é um dos domínios mais característicos no estudo


das ilhas portuguesas do Atlântico. Ela adquiriu forma na Madeira e depois
expandiu-se e desenvolveu-se nos demais arquipélagos de acordo com as
particularidades de cada. Deste modo iremos acompanhar o seu percurso a
partir do modelo madeirense.

A Historiografia debate-se entre a defesa originalidade do processo e a sua


vinculação das estruturas institucionais peninsulares. Quanto a nós parece
haver um pouco de tudo. Na realidade as instituições insulares foram
resultado do transplante das estruturas institucionais peninsulares
(ignorámos se houve qualquer ligação, intencional ou não, com as formas de
colonização do Mediterrâneo) e das inovações geradas pelo novo meio. Foi a
partir da primeira e incipiente forma de estrutura social lançada na Madeira
que ela se ergueu e fundamentou. Ao contrário do que se possa imaginar
nada disto foi predeterminado, tudo emergiu de acordo com as necessidades
do momento.

O caso da Madeira é paradigmático. No princípio todas as funções de mando


ficaram centralizadas nos três homens que comandaram o processo de
povoamento das duas ilhas -- João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e
Bartolomeu Perestrelo. Eles dinamizaram o povoamento da área que lhes foi
distribuída. Sobre eles pendia a soluço das primeiras querelas institucionais,
que a nova sociedade gerou. Depois o progresso sócio-económico criou novas
necessidades, entre elas uma ajustada estrutura institucional.
A concessão em 1433 por carta régia do governo das ilhas ao infante D.
Henrique foi o início de uma nova era. O infante permanecia como o
senhorio, enquanto os escudeiros, que haviam dado início ao povoamento do
arquipélago, passaram a ser capitães, que estavam subordinados à sua
alçada. Eles ficaram conhecidos como capitães do donatário, permanecendo
como tal até finais do século quinze. As cartas de doação das áreas,
conhecidas como capitanias, confirmaram-no juridicamente. Nelas ficaram
estabelecidas a alçada e privilégios.

Aos capitães juntaram-se depois os funcionários do próprio donatário -- o


ouvidor e o almoxarife -- e uma incipiente estrutura de poder local, o
município. E com o decorrer do tempo o progresso social e económico e a
dispersão territorial condicionaram novas mudanças que desembocaram, em
finais do século XV, princípios da centúria seguinte, com uma nova dinâmica
institucional, que perdurará por muitos anos. Daqui resulta que as
instituições insulares não estavam elaboradas mas foram-se definindo de
acordo com as circunstancias. Também os tradicionais suportes de mando
vigentes no reino poucas vezes se mostraram adequados ao governo dos
novos espaços. Por fim resta sublinhar que os portugueses não tinham uma
ideia definida sobre a forma de o concretizar. Pois só a partir de princípios do
século dezasseis surgiu por parte da coroa uma visão clara sobre a realidade
institucional para o espaço atlântico. Ora isto sucedeu numa altura em que
eram passados quase cem anos sobre o início do povoamento da Madeira.

Os resultados profícuos da experiência madeirense serviram de


encorajamento para outros espaços de ocupação portuguesa. Deste modo a
Madeira funcionou como modelo para as novas sociedades e nunca como
campo de ensaio.

O SENHORIO DAS ILHAS

O infante D. Henrique assumiu, desde 1433, de pleno direito a posse das ilhas e,
como tal, tratou, no imediato, de estabelecer uma adequada estrutura
administrativa:
• procedeu à distribuição das terras pelos seus apaniguados que
estiveram empenhados no reconhecimento delas;
• estabeleceu os regimentos para o governo das capitanias;
• definiu os seus direitos e usufrutos;
• ordenou o lançamento de sementes - cereais - e o transplante de
videiras e socas de cana.

Em pouco tempo a ilha da Madeira transformou-se numa horta que, de direito,


lhe pertencia. A tudo isto juntou-se uma estrutura institucional adequada,
tendo como ponto de partida o Infante e as prerrogativas estabelecidas pela
coroa em 1433.
Foi a 26 de Setembro de 1433 que o infante D. Henrique recebeu das mãos de D.
Duarte a posse vitalícia das ilhas de Madeira, Porto Santo e Deserta. De acordo
com esta doação o ele detinha a seguinte capacidade de intervenção:

jurisdição cível e crime, limitada; "com sua jurdiçom civel e crime salvo em
sentença de morte ou talhamento de membro...".

• Usufruto de rendas e direitos: "com todollos djreitos e rendas dellas assy
como as nos de djreito avemos e devemos aver".
• Capacidade de livre intervenção na valorização do espaço: "outrossy lhe
damos poder que elle possa mandar fazer das dictas jlhas todollos proveitos
e bemfectorias aquellas que entender por bem e proveito das dictas jlhas".
• distribuição de terras pelos seus criados e demais povoadores: "E dar ja
perpetuo ou a tempo ou aforar todas as dictas terras a quem lhe aprouver".

No último ponto a coroa estabelece que a referida concessão de terras fosse feita
"sem prejuízo da forma do foro per nos dado as ditas ilhas em parte nem em
todo nem amealhamento do dito foro", com a capacidade de o poder "quitar
parte ou todo". Esta situação remete-nos para a existência de um diploma
anterior do mesmo monarca, que não J possível encontrar e que alguns fazem
coincidir com os capítulos de uma carta de D. João I, inserida noutra de 7 de
Maio de 1493. isto é, aspectos em que a coroa não abdica da sua própria
intervenção:

• A doação é vitalícia: "e aia de nos em todollos dias de sua vjda as


nossas ilhas".
• justiça, com jurisdição do civil e crime, é também limitada: "com sua
jurdiçom civil e crime salvo em sentença de morte ou talhamento de
membro mandamos que a alçada fique a nos E venha aa casa do civel de
Lixboa".
• Respeito pelas normas já estabelecidas: "sem perjujzo da forma do
foro per nos dado nas dictas jlhas em parte nem em todo...".
• Direito cunhar moeda: "E Reservamos pera nos que o dicto jffante
nom possa mandar fazer em ellas moeda mas praz nos que a nossa se
corra nella".

Na mesma data a coroa concedeu também todo o espiritual das ilhas à ordem
de Cristo. Esta doação foi feita a pedido do infante: "E por o jnfante dom
anrrique meu irmão regedor e governador de dita ordem que no lho Requereu".
No entanto, a coroa reserva para si "o foro e o dizimo de todo o pescado que se
nas ditas ilhas matar".

A validade deste diploma era limitada, correspondendo ao tempo de governo


do monarca. Após a sua morte, tudo requeria a confirmação do novo rei. E, foi
na realidade isso que sucedeu em 1 de Junho de 1439, e 11 de Março de 1449,
tendo D. Afonso confirmado a anterior doação.
NOME VIDA GOVERNO DATA CONCESSÃO

D. Henrique 1394-1460 1433-1460 26 de Setembro de 1433

D. Fernando 1433-1470 1460-1470 3 de Dezembro de 1460

D. João -1472 1470-1472(1) 10 de Outubro de 1470

D. Diogo 1452-1484 1472-1484(1) 11 de Janeiro de 1473

D. Manuel 1469-1521 1484-1495


1)Entre 1470-79 o governo foi assegurado por D. Beatriz, mãe dos donatários, em virtude da
menoridade de ambos.

No período que medeia até 1497 o governo das ilhas esteve entregue à Ordem
de Cristo, sendo a administração assegurada por governadores e
administradores vitalícios. Apenas entre 1470-79, em face da menoridade destes
- no caso D. João(1470-71) e D. Diogo(1472-74)- o governo foi assegurado por D.
Beatriz, na qualidade de tutora dos seus filhos. Em 1484 a sua administração
passou para a posse do Duque D. Manuel que, quando foi coroado rei em 1495,
abriu uma porta para a mudança desta estrutura institucional, concretizada em
27 de Abril de 1497. Assim desaparece o senhorio passando as ilhas para a
posse da coroa.

Tal como estava preceituado na primeira doação de 1433 o infante D. Henrique


tinha poder de proceder à divisão das terras das ilhas e distribui-las como
entendesse, estando apenas limitado quanto aos direitos adquiridos resultantes
da intervenção da coroa. É o caso de João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, os
primeiros obreiros do reconhecimento das ilhas. Eles recebem o encargo de, em
nome do infante, coordenarem as tarefas de povoamento dos novos espaços.
São os capitães em representação do donatário, por isso, ficaram conhecidos
como capitães do donatário e não capitães donatários como são
impropriamente referidos por alguma bibliografia. Note-se que esta última
situação quer dizer que os mesmos eram em simultâneo capitães e donatários,
como sucedeu, por exemplo em S. Tomé. O documento que o estabelece
juridicamente não surge em simultâneo para as três áreas, existindo entre eles
alguns anos de diferença. O primeiro a ser contemplado foi Tristão Vaz que em
8 de Maio de 1440 recebeu o "carrego" das terras entre o Caniço e a Ponta de
Tristão que ficou conhecida como a capitania de Machico. Este diploma é uma
peça fundamental, uma vez que estabelece os mecanismos de intervenção dos
interessados e preludia uma nova estrutura de mando. Assim, Tristão Vaz
exercia o governo em nome do infante - "que ele a mantenha por mim em
justiça e em direito" - de acordo com as seguintes condições:

• doação era hereditária como o estabelecia a lei Mental: "E morremdo


elle a mym praz que o seu filho primeiro ou ho segundo se tall for que
tenha este emcarrego pella guisa suso dita E assy de descemdemte em
desçemte per linha direita..."
• administração da justiça, de acordo com os poderes a ele consignados
e os foros do infante: "item me praz que elles tenham em esta sobredita
terra e jurdiçam por mym e em meu nome do çívell e crime rresalvando
morte ou talhamento de membro que a apellaçam venha pera mym (...)
a mym praz que os meus mandados e correiçam seiam hi compridos
como em cousa minha propria".
• privilégios de fruição própria:
1. Monopólio dos moinhos, excepto nos braçais: " o dito Tristam aja
pere si todolos moynhos que ouverem em a parte desta ilha... E em
esto sse nom emtemdo mo o de braço que o faço quem quiser nom
moendo a outrem... na dita Ribeyra do Caniço elle faça os moynhos
que lhe prouver".

2. Monopólio de fornos de poia, excepto fornalha para uso próprio: :


"Item ma praz que todollos fornos de pam em que ouver poya seiam
seus. E porem nom embargue quem quiser fazer fornalha pera sseu
pam que a faça e nom pera outro nehuu".

3. Exclusivo condicionado da venda de sal: "Item me praz que


teemdo elle sall pera vemder que o nam possa vemder outrem (...). E
quando o nom tever que o vendam os das ilhas aa sua vomtade ataa
que o elle venha".

4. Redizima de todas as rendas havidas pelo infante: "outrossy me


praz qo de todo o que eu ouver de renda da dita parte da jlha elle aja
de dez huu".
5. Poder de distribuir e retirar terras, sem embargo do o infante o
fazer: "item me praz que elle possa dar per suas cartas a terra desta
parte fora pollo forall da jlha a quem lhe prouver com tall
condi am que aquelle a que der dita terra a aproveite ataa cinquo
aunos. E nom a aproveitamdo que a possa dar a outrem(...). E esto
nom embargue a mym que me ouver terra por aproveitar que nom
seia dada que eu a possa dar a quem minha mercee for".

As duas cartas posteriores, que legitimam a posse das capitanias do Porto Santo
e Funchal, seguem de perto este enunciado, acrescentando alguns pormenores,
que aqui não mereceram qualquer referência. Assim, na de 1 de Novembro de
1446, em que o rei concedia a posse de ilha do Porto Santo a Bartolomeu
Perestrelo, acrescenta-se estas novas regalias:

ƒ Direitos sobre serras de água e outros engenhos: "item me praz que


aje de todallas serras de gua que hi fizerem de cada hua hum marco de
prate em cada hum anno (...) e esto aje tambem (...) de quallquer
enjenho que se hi fezer (...)"
ƒ Possibilidade de venda das terras de sesmarias: "me praz que os
dictos vezinhos posam vender suas herdades aproveitadas a quem lhe
prouver..."
ƒ Usufruto comum do gado bravio, excepto o pastorado: " os gaados
bravos posam matar os da hilha sem aver hi outra defesa. Resalvando o
gaado que amde nos hilheos ou outro algum lugar çarrado..."

A última carta a ser concedida foi a João Gonçalves Zarco, a 1 de Novembro de


1450. Ela segue de perto as duas anteriores, surgindo já com os acrescentos
supra referidos. Esta foi, todavia, a primeira a merecer a confirmação régia a 25
de Novembro do mesmo ano. Aqui o Rei confirma a doação que passa a
perpetua, a pedido do infante, mas estabelece uma emenda: "E que onde diz na
carta do dito tio que a apelação de morte ou talhamento de membro venha
perante ele, queremos que venham perante nos segundo he conteúdo na carta
del-Rei meu senhor e padre suso escrita...". As demais doações para Machico e
Porto Santo também mereceram a confirmação da coroa, mas só se conhece a de
Machico de 18 de Janeiro de 1452, com o mesmo enunciado da do Funchal,
apenas não refere a usurpação de alçada cuja legalidade estava já reposta.

No decurso do governo henriquino surgiu o problema da sucessão na capitania


de Porto Santo. Bartolomeu Perestrelo terá morrido em 1457, deixando em
aberto a sucessão, uma vez que o filho varão, Bartolomeu Perestrelo, era menor
de 7 anos sem capacidade para assumir ainda o governo da capitania.
Entretanto, a sua mãe Isabel Moniz, optou pela venda ao genro, Pedro Correia
da Cunha, capitão da ilha Graciosa. Esta operação foi confirmada pelo infante
D. Henrique em 17 de Maio de 1458. Todavia, na maioridade do referido
Bartolomeu Perestrelo, a seu pedido, a coroa considerou-a nula, não obstante
estar já confirmada pelo infante D. Henrique.

Esta estrutura de poder foi alvo de alterações no final do século XV, por acção
de D. Manuel. Em 1497 o monarca acabou com o senhorio, passando para a
coroa toda a capacidade atribuída em 1433 ao senhorio. Esta nova situação
condicionou a capacidade de intervenção dos capitães, confrontados com a
presença de funcionários régios e a presença de novas estruturas da fazenda
real e justiça. Mesmo assim o capitão continuou a ser um interlocutor activo,
por iniciativa própria ou através do seu ouvidor, nos municípios.

Durante o período de senhorio o arquipélago conheceu cinco donatários com


uma intervenção diversa. A documentação disponível é o espelho disso. Do
governo de vinte e sete anos do infante D. Henrique ficaram poucos
documentos. Esta lacuna poderá ser resultado da sua perda, mas
fundamentalmente da sua não existência, pois a administração das ilhas no
começo do povoamento fazia-se com poucos regimentos. O fundamental era o
foral do infante e as cartas de doação. Do primeiro sabe-se apenas ter existido,
pois é o infante quem o anuncia em 1440, na carta de doação da capitania de
Machico: "E o que eu hei-de haver na dita ilha he comtheudo no forall que pera
ella mandey fazer". O mesmo aparece em Jerónimo Dias Leite que da conta de
"umas lembranças" do infante "em que lhe encomendava muito ha justiça
principalmente, e ha livrança da terra (...)". Delas o autor enuncia algumas,
rematando: "e outras coisas mais meudas com o tudo se contem no regimento e
lembrança (que ficam em meu poder)".
A herança legada pelo infante D. Henrique ao seu filho adoptivo, o infante D.
Fernando, era merecedora de uma aturada atenção. Por isso os madeirenses
enviaram os seus procuradores ao reino com um extenso rol de reclamações. A
todos os domínios atendeu o novo senhor, mas manteve sempre a fidelidade
aos princípios do seu antecessor. Estas exigências dos moradores espelham o
progresso social e económico da ilha. Da intervenção do senhorio ressalta a
vinda em 1465 do ouvidor, Dinis Anes de Grã, e a posição assumida pelos juízes
ordinários na administração da justiça. A actividade de D. Beatriz vai no
sentido da organização do sistema tributário com a criação em 1477 das
alfândegas do Funchal e Machico, e o delineamento de um sistema defensivo
que, por oposição dos moradores, só veio a ser concretizado mais tarde. É,
todavia, como o governo de D. Manuel, como senhorio e rei, que ficaram
sedimentadas as estruturas institucionais. Estamos perante um conjunto de
medidas que preparam o Funchal para ser cidade e, depois, sede de bispado.

O senhorio português das ilhas iniciou-se em 1433 com a entrega por D. Duarte
ao infante D. Henrique, na qualidade de administrador da Ordem de Cristo, do
governo temporal e religioso das ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas. De
acordo com a carta de doação o infante recebia o poder de administrar e
distribuir as terras, de forma a torná-las rentáveis. Num segundo momento o
infante, na qualidade de donatário, procedeu à subdelegação de poderes nos
três primeiros povoadores -- João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz e Bartolomeu
Perestrelo -- procedendo à partilha do arquipélago em três capitanias: Machico
(1440), Porto Santo (1446) e Funchal (1450). As datas da não coincidem, havendo
quem especule sobre isso. Estamos de novo perante mais um problema
académico que pouco interessa ao debate do tema.

Os primeiros povoadores a quem foi concedida a posse das capitanias passaram


a chamar-se capitães do donatário. Eles, de acordo com as cartas de doação,
eram os representantes do infante na alçada que lhes foi acometida, exercendo
em seu nome a justiça e administração do património. Como recompensa
tinham direito à posse de terras de sesmarias, privilégios exclusivos -- como a
venda do sal e fabrico de sabão, moinhos, fornos, serras de água -- e ao usufruto

A alçada dos capitães estava limitada apenas ao nível da justiça, pois eles não
poderiam suplantar as competências exaradas na carta do senhorio, que lhe
retiravam o direito de apelo e sentença no caso de morte ou "talhamento" de
membro. Todavia o infante ao conceder em 1440 a capitania da parte de
Machico a Tristão Vaz declarava que este lhe pertencia, o que levou D. Afonso
V a rectificar na carta de confirmação da capitania do Funchal a João Gonçalves
Zargo, em 25 de Novembro de 1451. Aí o monarca é peremptório: "honde diz na
carta do dicto meu tyo que a apelaçom de morte e talhamento de menbro venha
perante elle, queremos que venham perante nos segundo he conteudo na carta
[1433] del Rei meu senhor e padre susso escrito".
A intervenção dos capitães do donatário é, muitas vezes, plenipotenciária,
esquecendo-se que os seus poderes estavam limitados ao estabelecido nas cartas
e às inúmeras restrições que se sucederam noutros diplomas régios. O facto de
no início eles terem sido os principais representantes da soberania nestes
espaços criou hábitos plenipotenciários, que teimaram em deter mesmo quando
passaram a estar confrontados com a presença de novas instituições e
funcionários. No caso madeirense sabe-se que até à morte do infante D.
Henrique a figura e presença do capitão era dominante nos vários aspectos
administrativos. Deste modo os funchalenses, à morte do infante D. Henrique,
em 1461 apresentaram ao novo senhor um rol de reclamações em que
clamavam por medidas capazes de frenar o livre-arbítrio do capitão do Funchal.
A afirmação da estrutura de poder municipal foi uma das respostas mais
adequadas à omnipresença do capitão. Mas, esta comunhão de interesses nem
sempre vingou junto do senhorio e, depois, da coroa.

São inúmeras as ocasiões em que o monarca, correspondendo ao apelo dos


capitães ou com o fim de agraciar os seus serviços, estabelece prerrogativas de
reforço da sua alçada. No caso do Funchal vimos a jurisdição ser ampliada em
finais do século XV e princípios do seguinte, momento em que a tendência ia no
sentido inverso: em 1487 o poder de julgar os feitos cíveis foi alargado para os
15.000 reáis e no caso dos escravos foi-lhes atribuída a faculdade de justiciar no
corte de orelha (1509). A primeira medida tornou-se extensiva a todas as
capitanias por ordem régia de 1520. Entretanto em 1509 o capitão do Funchal
acumulava o cargo de vedor da fazenda. E foi precisamente neste período que a
coroa interveio no sentido de reforçar o seu poder, retirando aos capitães
algumas faculdades governativas, que passaram a ser exercidas por novos
funcionários: o almoxarife e o corregedor.

Em simultâneo com isto assistiu-se à plena afirmação do município. Ele que


estivera, por muito tempo, subjugado aos interesses do capitão passou a
usufruir de ampla autonomia: ele perdeu a faculdade de presidir às eleições e
de confirmar os funcionários eleitos, revertendo para a coroa e funcionários
régios. Durante muito tempo foi evidente o conflito entre os seus interesses e do
município, tendo como pano de fundo a perda de prerrogativas
governamentais.

O período de união das coroas peninsulares teve reflexos evidentes na figura


institucional dos capitães, sendo exemplo disso as posições assumidas por Rui
Gonçalves da Câmara e Tristão Vaz da Veiga, respectivamente capitães de S.
Miguel e Machico, que foram cometidos de amplos poderes ao serem nomeados
governadores de S. Miguel e Madeira. Esta foi a última expressão
plenipotenciária dos capitães: a sua alçada foi, paulatinamente, reduzida até se
manter no usufruto das rendas e títulos. Perante isto poder-se-á afirmar que a
iniciativa do Marquês de Pombal foi apenas para confirmar uma situação de
facto. Desde 1766 as capitanias deram lugar às alcaidarias-mores, extintas por
decreto-lei de 13 de Agosto de 1832. Esta mudança é justificada no alvará em
causa como resultado absentismo de todos os capitães.

A carta de doação da capitania, para além de regulamentar as regalias e alçadas,


estabelecia o tipo de relações entre senhorio e a capitania. O primeiro era
vitalício, mas devendo ser confirmado pela coroa todas vezes que mudasse de
mäos, enquanto as capitanias eram hereditárias, regendo-se a sucessão pela Lei
Mental. O texto das cartas é taxativo ao enunciar que ela deveria ter lugar "de
descendente em descendente por linha direita masculina". Todavia esta entrega
era precária uma vez que havia necessidade da confirmação régia todas vezes
que a coroa e a capitania mudassem de posse. A 1 de Novembro de 1450 João
Gonçalves Zarco recebeu do infante o domínio da capitania, mas só em 25 de
Novembro de 1451 a coroa confirmou o acto.

Está ainda por definir a política seguida pelo senhorio e coroa na distribuição
das capitanias criadas nos quatro arquipélagos. Insiste-se no facto de que elas
foram concedidas aos usufrutuários como recompensa pelos serviços prestados
ao senhorio ou rei. Todavia isto não esclarece o porquê de uns receberem uma,
duas ilhas ou apenas parte delas.

Em síntese poderemos afirmar que a estrutura institucional que deu forma à


sociedade implantada pelos portugueses nas ilhas, definida como senhorio,
abrangendo a quase totalidade das pertencentes aos arquipélagos da Madeira,
Açores, Cabo Verde, manteve-se até o governo de D. Manuel. Ele foi, em
simultâneo, senhorio e rei o que contribuiu para acabar com a última situação
em 1498. A partir desta data desapareceu o senhorio, forma intermédia de
governo, mas mantiveram-se os capitães, que passaram a responder junto da
coroa. Também ficou demonstrado, quanto ao aspecto formal das capitanias,
que não há uniformidade, havendo ilhas na posse de um capitão que
dependiam directamente da coroa e outras subordinadas a um senhorio. Por
outro lado os capitães poderiam ser detentores de uma ou mais ilhas ou apenas
duma parcela delas.

Tal como tivemos oportunidade de afirmar o título de posse da capitania estava


sujeito a inúmeros impedimentos. Em primeiro lugar, era precário devendo ser
confirmado sempre que mudasse o rei. Além disso a sucessão fazia-se
obrigatoriamente pela linha varonil, pelo que a inexistência de tais condições
implicava a sua perda, revertendo a sua posse para a coroa. Foi pela última
situação que muitas capitanias foram extintas ou mudaram de mäos. Deste
modo torna-se difícil, senão impossível, traçar o quadro dos capitães dos
donatários das ilhas, a data das doações e confirmações bem como o período de
governo. Apenas as capitanias do Funchal e da ilha de S. Miguel se mantiveram
na posse da mesma família até à sua extinção com o Marquês de Pombal.

A família dos Câmaras em ambos os casos foi persistente na preservação deste


direito, não obstante os inúmeros contratempos que se sucederam. Em 1656 a
do Funchal esteve em vias de ser extinta pelo facto de João Gonçalves da
Câmara morrer sem deixar filho varão, ficando, excepcionalmente, na posse de
D. Mariana de Lencastre Vasconcelos e Câmara.

O MUNICÍPIO

Quanto às estruturas de governo das capitanias sabe-se que, para além da


presença do capitão e do almoxarife, havia o município. Mas este tinha uma
intervenção muito limitada. Assim, no caso do Funchal, não existem paços do
concelho, nem bandeira e selo. A par disso, os juízes e procurador do concelho
eram impostos pelo capitão, contrariando os regimentos do reino que
estabeleciam a eleição dos pelouros. A tudo isto junta-se uma recomendação ao
capitão: "que em esta parte nos não torve", o que nunca aconteceu, uma vez que
ele, por iniciativa própria ou do seu ouvidor, foi sempre um entrave ao normal
curso da vida municipal.

O relativo menosprezo do infante pela regulamentação dos diversos domínios


jurisdicionais do senhorio madeirense poderá resultar do facto de a ilha no
período inicial não o necessitar e da preocupação do mesmo de não criar
obstáculos ao impulso povoador. Todavia, as referências indirectas a alguns
destes documentos, que não chegaram até nós, atestam o seu real interesse no
rápido avanço do povoamento da ilha. As isenções e privilégios, exarados no
seu foral, conseguidos junto da coroa para os súbditos são exemplo disso. O
extenso rol de reclamações apresentado em 1461, após a sua morte, ao sucessor
no senhorio, o Infante D. Fernando, poderão ser o testemunho de um relativo
menosprezo ou antes da tendência centralizadora da politica henriquina.

O infante D. Fernando, ao assumir, em 1460, o governo da casa senhorial do seu


tio, herdou um pesado fardo político-administrativo, por isso, procurando
adequar o governo de ilha à nova conjuntura politica e à satisfação das
reclamações dos procuradores enviados ao Reino, definiu em Agosto de 1461
uma nova dinâmica institucional, económica e religiosa através dos seus
apontamentos. Os poderes discricionários e os privilégios dos capitães sofreram
uma grande machadada mercê da aplicação plena da jurisdição exarada nas
doações de que se faz uma pública-forma de modo que não possa "entender
aalem dele em poer outros foros e a costumes". Ao mesmo tempo estabeleceu-se
a necessária vinculação da jurisdição do capitão às directivas régias e da
estrutura municipal, conjugadas com o reforço da intervenção do almoxarifado.
O avanço mais significativo é dado com o município, que se libertou do
controlo e intervenção discricionária do capitão, passando os seus oficiais a
serem eleitos entre os homens-bons, que fazem parte do rol aprovado pelo
senhorio. Esta autonomia é expressa ainda na concessão do selo e da bandeira.
No campo económico, os referidos apontamentos anotam a necessidade de
adequar a orgânica administrativa ao nível do desenvolvimento económico da
ilha. Primeiro procura-se estabelecer uma adequada repartição das águas, tão
necessárias à faina açucareira, depois, é o apoio indispensável aos assalariados e
pequenos proprietários. No domínio comercial, a intervenção fernandina foi
pautada por uma abertura da ilha aos agentes de comércio nacionais e
estrangeiros, que motiva a sua discordância em favor da pretensão dos
madeirenses para a expulsão dos judeus e genoveses.

Era chegado o momento de mudança, pois havia-se ultrapassado o estado zero


de desenvolvimento e a ilha só poderia avançar com estas mudanças. A
sociedade complexifica-se e requer regulamentos adequados a todas as
solicitações do quotidiano. Foi esta a principal tarefa do infante D. Fernando,
que teve continuidade nos seus sucessores, nomeadamente D. Manuel, na
qualidade de senhorio e rei. O Infante D. Henrique havia lançado a semente,
cabendo ao seu herdeiro fazê-la medrar e colher o fruto e foi isso que na
realidade aconteceu com os diversos regimentos e normativas que se seguiram.

Nos primórdios do povoamento dos arquipélagos a incipiente estrutura


institucional favoreceu a concentração de poderes na figura do capitão ou
senhorio, mas o rápido processo evolutivo a que as ilhas estiveram submetidas,
associado as incessantes e reclamados abusos levaram à inevitável quebra de
poderes. Todavia não tanto como seria desejável pela maioria. Note-se que no
caso do Funchal a família do capitão continuará a deter uma posição
privilegiada até ao século XVII. A par disso o escasso corpus legislativo
disponível propiciou isto pelo que a forma mais adequada de o combater foi o
recurso a medidas regulamentadoras dos vários aspectos da sociedade.

O governo local até 1461 regeu-se pelo foral henriquino, concedido à ilha em
data incerta. Mas nele não se consignavam todas as determinações possíveis,
pelo que muito ficava ao arbítrio do capitão. Foi contra o poder magestático do
capitão e servidores que os vizinhos do Funchal reclamaram ao novo senhor da
ilha, em 1461, a plena afirmação da estrutura municipal. Os regimentos e
regulamentos que se seguiram e uma maior actividade do ouvidor do senhorio
motivaram a nova estratégia de governo do infante D. Fernando para as áreas
do senhorio.

A criação, ou melhor, a plena afirmação do município poderá ser considerado o


prelúdio, ainda que frustrado, de uma nova era para a História das recém-
criadas sociedades insulares. O município afirmou-se, em qualquer dos
arquipélagos, num momento avançado do povoamento, quando os povoadores
tomaram consciência da sua capacidade de intervir na vida política e sentiram
os efeitos da política despótica dos capitães ou seus ouvidores. Mas a
omnipresença destes foi substituída pela das oligarquias locais. Facto comum a
todos os arquipélagos. No Funchal ou em Ponta Delgada, é patente o empenho
do capitão em subordinar esta estrutura de poder aos seus interesses,
entregando os cargos a parentes e servidores, ou actuando à margem dela.
Durante os séculos dezasseis e dezassete parte significativa dos conflitos
municipais são gerados por estes.
Em todos as ilhas a política de criação de novos municípios obedeceu a
determinados princípios: primeiro estabeleceu-se para cada capitania um
município que depois se subdividiu, de acordo com o progresso das localidades
que aí emergem, do isolamento e da capacidade reivindicativa dos munícipes.
O poder municipal adquiriu a plena pujança apenas na primeira metade do
século dezasseis. Só então lhe foi concedida maior legitimidade governativa.
Data também daí a subdivisão das capitanias em mais que um município. No
Funchal, surgiram os de Ponta de Sol (1501) e Calheta (1502), enquanto em
Machico apenas foi permitido o de Santa Cruz (1515). Isto contribui para
evidenciar, por um lado, a falta de um critério na política régia de criação dos
municípios, e, por outro, a maior capacidade reivindicativa dos açorianos,
contrária à presença de uma oligarquia forte nas sedes das capitanias. Só assim
foi possível o alargamento da estrutura municipal.

As primeiras décadas do século XVI são definidas por uma profunda alteração
na estrutura municipal madeirense. Assim os municípios sede das capitanias
foram desmembrados dando lugar a novos. No Funchal tivemos a criação dos
da Ponta de Sol(1501) e Calheta(1502), enquanto em Machico foi apenas o de
Santa Cruz(1515), ficando toda a costa norte sob a alçada de Machico até 1744,
altura em que surgiu o primeiro município em S. Vicente.

A partir da Revolução Liberal abriu-se uma nova era na administração


municipal, levada a cabo com a reforma de Mouzinho da Silveira. Assim, em
1835, o território é dividido em distritos, concelhos e freguesias. Daqui resultou
para a Madeira, o aparecimento de novos municípios. Desta vez, foi de novo
contemplada a costa norte da ilha com a criação dos municípios de Santana e
Porto Moniz. Estamos perante uma aspiração há muito tempo reclamada, como
se infere do requerimento dos seus moradores em 1825. De acordo com o código de
1836, o território passou a estar dividido em distritos, concelhos e freguesias. Na estrutura
eclesiástica as freguesias deram lugar às paróquias. O município nortenho perdeu a
alçada sobre toda a extensa costa entre Porto Moniz e S. Jorge, ficando reduzido
apenas a S. Vicente, Ponta Delgada e Boaventura. No caso do Porto Moniz
estamos perante uma situação passageira, uma vez que o concelho foi extinto
por duas vezes (1849, 1867) sendo as freguesias do Seixal e Porto Moniz
incorporadas no de S. Vicente. O mesmo sucede em 1867 com Santana, de modo
que as freguesias de S. Jorge e Arco de S. Jorge retornaram por algum tempo à
alçada de S. Vicente.

O século XIX é definido por múltiplas mudanças na intervenção e organização


da estrutura do poder municipal. A mais evidente mudança ocorre com o
código administrativo de 18 de Março de 1842, conhecido como cabralista, que
põe fim a uma multissecular tradição de vida municipal. Aqui a grande
novidade é o aparecimento de paróquia como circunscrição civil, sendo
suportada por um conselho, um administrador e o pároco da freguesia, que
serve de sede.
Ao nível da estrutura municipal a grande novidade está conselho municipal,
cujos vogais são recrutados de acordo com o valor do pagamento da décima.
Aliás, neste último aspecto inaugura-se uma nova realidade que irá perdurar
por muito tempo. As eleições demarcam todos os provimentos de cargos,
estando na condição de eleitores todos os maiores de 25 anos de acordo com o
valor de imposto pago. Para um concelho da categoria do de S. Vicente a
Vereação era composta de cinco vereadores, eleitos de dois em dois anos por
uma Assembleia de eleitores. As eleições decorriam no mês de Novembro,
sendo a posse conferida a 2 de Janeiro do ano imediato, após chancela do
Governo Civil. Aqui dos cinco vogais eleitos um presidente e outro vice-
presidente.
As eleições para a assembleia do concelho tinham lugar num domingo em cada
uma das freguesias, sob a superintendência dos vereadores1. Escolhia-se um
juiz eleito, de paz e de junta de paróquia. Vejamos o que sucedeu em 1869:
Na eleição para o conselho municipal fazia-se uma lista dos cinco maiores
contribuintes por ordem decrescente, tal como o estabelecia a lei de 23 de
Novembro de 1859. Os substitutos tinham lugar na ausência dos efectivos ou
face às incompatibilidades detectadas. Os contribuintes em questão eram
convocados obrigatoriamente em Dezembro por carta do administrador do
concelho e caso não justificassem a sua ausência sujeitavam-se a uma pena até
40$000 réis2. Feita a eleição nova ordem era dada aos escolhidos para a tomada
de posse no dia dois de Janeiro do ano imediato3. Para atribuir maior
solenidade ao acto eleitoral a Câmara decidiu construir em 18784 uma urna
eleitoral que lhe custou 10.000 réis.

O código de 1842 foi revogado a 1 de Janeiro de 1879 dando lugar ao novo


aprovado em 1878. Aqui uniformizou-se os actos eleitorais e da lista de
eleitores. Por outro lado para acabar com a sua assiduidade estabelecendo que
os actos eleitorais teriam uma periodicidade quadrienal, sendo renovados de
dois em dois anos. O exercício das funções era gratuito e obrigatório e por isso
não se tornava muito cativante para a maioria dos munícipes, sendo portanto
exercido por quem tinha meios suficientes para o seu sustento. Era afinal um
serviço prestado ao município sem qualquer contrapartida. Ela a existir estava
fundamentalmente no prestígio que atribuía aos seus intervenientes.
Com o novo código aprovado a 17 de Julho de 1886 os mandatos são trienais,
sendo os candidatos ao cargo alfabetizados. São ainda estatuídas normas para a
nomeação do presidente e vice-presidente, eleitos por um escrutínio secreto, em
sessão presidida pelo juiz mais velho. O Administrador do concelho assume-se
como o delegado do Governo sendo nomeado pelo Governador Civil5.
Entretanto este código, que havia sido reformado pelo decreto de 6 de Agosto
de 1892, dá lugar a outro novo aprovado por diploma de 4 de Maio de 1896.

1
. Vereação de 17 de Novembro de 1869, 1 e 15 de Dezembro de 1869.
2
. CMSV, l1 6, fl. 49, 23 de Dezembro de 1891
3
. CMSV, l1 4, fl.24, 29 de Dezembro de 1879, l1.5, fls. 58-58v1, 23 de Dezembro de 1885
4
. Vereação de 24 de Outubro e 7 de Novembro de 1878.
5
. Cf. Código Administrativo aprovado por decreto com força de lei de 17 de Julho de 1886, Porto, 1886.
No século XX o poder municipal foi alvo de várias transformações, sendo de
assinalar as alterações políticas ocorridas até 1926 que demarcaram inúmeras
mudanças. Em 1910 com a República a estrutura camarária será alvo de novas
mudanças. A lei de 13 de Outubro de 1910 retoma o código de 1878. Aqui ganha
força a autonomia municipal, acabando-se com a figura do administrador do
concelho, cujas funções passam para a alçada do presidente. De acordo com a
lei n.1 88, de 7 de Agosto de 1913, os mandatos eram trienais, sendo os
vereadores eleitos pelos cidadãos com capacidade para isso. Assinala-se uma
mudança significativa na estrutura municipal. A presidência da Câmara é
assegurada por um presidente, vice-presidente, secretário e vice-secretário. A
Vereação deu lugar à comissão executiva composta de cinco elementos, sendo
um presidente, um vice-presidente um secretário e dois vogais. Esta tinha
funções deliberativas e deveria reunir-se quatro vezes no decurso do ano civil.

A presidência era nomeada pelo Governador Civil, sendo de sua confiança,


deste modo face à existência de novo Governador estava aberta a possibilidade
de exoneração. Foi isso que aconteceu em 1912. A 4 de Abril tomou posse o
novo Governador e a Presidência da Câmara solicitou a sua exoneração
passados seis dias, tendo este nomeado uma nova.
A eleição da comissão executiva era feita por escrutínio secreto sob a
superintendência do presidente6. Em 1921 os cargos de presidente, vice-
presidente, secretário e vice-secretário eram estabelecidos por listas de
escrutínio secreto retiradas da urna. Passados dois anos ocorre nova mudança
na estrutura municipal. O decreto-lei n.1 11 875 de 13 de Julho de 1926 dissolve
o sistema municipal ficando com o encargo do expediente o administrador do
concelho. Entretanto o Governador Civil estava obrigado de num prazo de
vinte dias indicar ao Ministério do Interior seis cidadãos, sendo três efectivos e
três suplentes, para pertencerem à comissão administrativa. Desde então e com
a constituição de 1933 e o código de 1940 o regime de governo municipal
estabilize até que o 25 de Abril de 1974 veio provocar nova e profunda
mudança na sua estrutura. No período que decorre até 1933 os corpos
administrativos da Câmara, são eleitos todavia estão sob a tutela de uma figura
de nomeação de confiança do governo, isto é o administrador do concelho. A
partir de 1933 muda a filosofia do governo municipal. extingue-se a figura do
administrador do concelho, que será substituído pelo presidente que passa a ser
a figura de confiança do governo, sendo da sua nomeação, enquanto os
Vereadores são eleitos, mas são de confiança do poder político.

O decreto de lei n.1 19 694 de 5 de Maio de 1931 estabelece as normas que


regem a eleição dos vogais da Câmara, dando-lhe um cariz corporativo ao
estabelecer a eleição através das Juntas de Freguesia e corporações existentes no
concelho. Entretanto, a partir de 1936 a figura do presidente assume uma
desusada importância. Este, que é nomeado pelo governo, assume-se como o

6
. Vereação de 2 de Janeiro de 1914.
seu representante e acumula as funções policiais que havia sido do
administrador. O município é assim definido pela figura do presidente, do
conselho municipal e de Câmara Municipal. Para a Madeira foi definida uma
situação especial que ficou exarada no estatuto aprovado em 1947. Os mandatos
do presidente e vice-presidente eram estabelecidos por quatro anos e ninguém
se poderia escusar. Os vereadores eram eleitos pelo conselho para um mandato
de três anos. O seu exercício era gratuito e obrigatório.

Até 1933 os corpos administrativos da Câmara, são eleitos todavia estão sob a
tutela de uma figura de nomeação de confiança do governo, isto é o
administrador do concelho. A partir de 1933 muda a filosofia do governo
municipal. extingue-se a figura do administrador do concelho, substituído pelo
presidente que passa a ser de confiança do governo, sendo de nomeação,
enquanto os Vereadores são eleitos, mas afectos ao poder político. Uma das
alterações mais significativas tem lugar com as república. De acordo com a lei
n.1 88 de 7 de Agosto de 1913 estabeleceu-se a existência em cada concelho de
uma Câmara Municipal eleita definida pelo senado municipal e comissão
executiva. O primeiro era uma assembleia deliberativa e tinha a obrigação de
reunir duas vezes no ano, enquanto a segunda era eleito pelo senado, sendo a
substituta da Vereação a quem competia acudir ao expediente.

Uma das alterações mais significativas no período que decorre até 1933 ocorre
com as república. De acordo com a lei nº 88 de 7 de Agosto de 1913 estabelece a
existência em cada concelho de uma Câmara Municipal eleita definida pelo
senado municipal e comissão executiva. O primeiro era uma assembleia
deliberativa e tinha a obrigação de reunir duas vezes no ano, enquanto a
segunda era eleito pelo senado, sendo a substituta da Vereação a quem
competia acudir ao expediente.

A partir de 1926 com a mudança de regime repercute-se de forma evidente no


poder autárquico. Deste modo foram criadas comissões administrativas a quem
foi atribuído todo o poder municipal, no qual se integrou desde 1927 o
administrador do concelho. De acordo com o código de 1940 os órgãos da
administração do concelho passaram a ser os seguintes: o conselho municipal, a
Câmara Municipal, o Presidente. O conselho Municipal sucede ao senado
municipal, tendo funções semelhantes de que se destacam as funções de
fiscalização e de eleição dos vereadores. É o órgão representativo das diversas
corporações municipais. A Câmara, por sua vez, é composta pelo presidente,
vice-presidente e vereadores: os dois primeiros são de nomeação e os seguintes
de eleição pelo conselho municipal. O mandato do presidente da Câmara é de
quatro anos, podendo ser reconduzido por duas vezes. De acordo com o
decreto-lei nº 49268, de 26 de Setembro de 1969 ao presidente é permitido
delegar competências, o que acontece com o Vice-presidente que, para além de
o substituir nas suas ausências, assume a figura do antigo administrador do
concelho com competências policiais.
No caso da Madeira e dos Açores o estatuto dos distritos autónomos, aprovado
pelo decreto-lei nº 31095 de 31 de Dezembro de 1940 definem algumas
normativas especificas para os concelhos e freguesias, como foi o caso das ilhas
do Porto Santo e Corvo, sem alterar a filosofia de base do código de 1933.

O período que decorreu de 1868 a 1974 é definido por múltiplas mudanças na


intervenção e organização da estrutura do poder municipal. A mais evidente
mudança ocorre com o código administrativo de 18 de Março de 1842,
conhecido como cabralista, que põe fim a uma multissecular tradição de vida
municipal. Aqui a grande novidade é o aparecimento de paróquia como
circunscrição civil, sendo suportada por um conselho, um administrador e o
pároco da freguesia, que serve de sede.

Ao nível da estrutura municipal a grande novidade está conselho municipal,


cujos vogais são recrutados de acordo com o valor do pagamento da décima.
Aliás, neste último aspecto inaugura-se uma nova realidade que irá perdurar
por muito tempo. As eleições demarcam todos os provimentos de cargos,
estando na condição de eleitores todos os maiores de 25 anos de acordo com o
valor de imposto pago. Para um concelho da categoria do de S. Vicente a
Vereação era composta de 5 Vereadores, eleitos bienalmente por uma
Assembleia de eleitores. As eleições decorriam no mês de Novembro, sendo a
posse conferida a 2 de Janeiro do ano imediato, após chancela do Governo Civil.
Aqui dos cinco vogais eleitos um presidente e outro vice-presidente. As eleições
para a assembleia do concelho tinham lugar num domingo em cada uma das
freguesias, sob a superintendência dos vereadores. Na eleição para o conselho
municipal era feita uma lista dos cinco maiores contribuintes por ordem
decrescente, tal como o estabelecia a lei de 23 de Novembro de 1859. Os
substitutos tinham lugar na ausência dos efectivos ou face às
incompatibilidades detectadas. Os contribuintes em questão eram convocados
obrigatoriamente em Dezembro por carta do administrador do concelho e caso
não justificassem a sua ausência sujeitavam-se a uma pena até 40$000 réis. Feita
a eleição nova ordem surgia destinada aos escolhidos para a tomada de posse
no dia dois de Janeiro do ano imediato.

O código de 1842 foi revogado a 1 de Janeiro de 1879 dando lugar ao novo


aprovado em 1878. Aqui uniformizou-se os actos eleitorais e da lista de
eleitores. por outro lado para acabar com a frequência destes actos ficou
estabelecido que os actos eleitorais teriam uma periodicidade quadrienal, sendo
renovados bienalmente. O exercício das funções era gratuito e obrigatório. Com
o novo código aprovado a 17 de Julho de 1886 os mandatos são trienais, sendo
os candidatos ao cargo alfabetizados. São ainda estatuídas normas para a
nomeação do presidente e vice-presidente. Estes eram eleitos por um escrutínio
secreto, em sessão presidida pelo mais velho. O Administrador do concelho
assume-se como o delegado do governo sendo nomeado pelo Governador Civil.
Entretanto este código que havia sido reformado pelo decreto de 6 de Agosto de
1892, dá lugar a outro novo aprovado por diploma de 4 de Maio de 1896.
O Concelho de S. Vicente criado em 1744 englobava as freguesias do actual
concelho do Porto Moniz, que lhe foram retiradas em 1835 com a criação do
novo concelho. Todavia este foi alvo de inúmeras peripécias, tendo sido extinto
por três vezes (1849, 1867, 1895). A última ocorreu em 18 de Novembro de 1895
ficando sob a alçada do de S. Vicente. Esta situação foi passageira uma vez que
em 13 de Janeiro de 1898 é restabelecido por decreto o concelho, reinstalado a
13 de Fevereiro. Deste modo foi dissolvida a Câmara Municipal de S. Vicente,
ficando uma comissão municipal em exercício até novas eleições. O acto
eleitoral que lhe sucedeu deve ter sido muito conturbado uma vez que o
Governador enviou seis guardas "para policiarem esta vila por ocasião das
eleições municipais"

Em 1910 com a República a estrutura camarária será alvo de novas mudanças.


A lei de 13 de Outubro de 1910 restabelece o código de 1878. Aqui ganha força a
autonomia municipal, acabando-se com a figura do administrador do concelho,
cujas funções passam para a alçada do presidente. De acordo com a lei nº 88 de
7 de Agosto de 1913 os mandatos eram trienais, sendo os Vereadores eleitos
pelos cidadãos com capacidade para isso. Assinala-se uma mudança
significativa na estrutura municipal. A presidência da Câmara é assegurada por
um presidente, vice-presidente, secretário e vice-secretário. A Vereação deu
lugar à comissão executiva composta de cinco elementos, sendo um presidente,
um vice-presidente um secretário e dois vogais. Esta tinha funções deliberativas
e deveria reunir-se quatro vezes no decurso do ano civil.

A presidência era nomeada pelo Governador Civil, sendo de sua confiança,


deste modo face à existência de novo Governador estava aberta a possibilidade
da sua exoneração. Em 1921 os cargos de presidente, vice-presidente, secretário
e vice-secretário eram estabelecidos por listas de escrutínio secreto retiradas da
urna. Passados dois anos ocorre nova mudança na estrutura municipal. O
decreto-lei nº 11 875 de 13 de Julho de 1926 dissolve o sistema municipal
ficando com o encargo do expediente o administrador do concelho. Entretanto o
Governador Civil estava obrigado de num prazo de vinte dias indicar ao
Ministério do Interior seis cidadãos, sendo três efectivos e três suplentes, para
pertencerem à comissão administrativa.

O decreto de lei nº 19 694 de 5 de Maio de 1931 estabelece as normas que regem


a eleição dos vogais da Câmara, dando-lhe um cariz corporativo ao estabelecer
a sua eleição através das Juntas de Freguesia e corporação existentes no
concelho. Entretanto a partir de 1936 a figura do presidente assume uma
desusada importância. Este, que é nomeado pelo governo, assume-se como o
seu representante e acumula as funções policiais que havia sido do
administrador. O município é assim definido pela figura do presidente, do
conselho municipal e de Câmara Municipal. Para a Madeira foi definida uma
situação especial que ficou exarada no estatuto aprovado em 1947.
Os mandatos do presidente e vice-presidente eram estabelecidos por quatro
anos e ninguém se poderia escusar do seu exercício. Os vereadores eram eleitos
pelo conselho para um mandato de três anos. O seu exercício era gratuito e
obrigatório. Os pelouros eram estabelecidos pelo presidente que fazia a sua
distribuição aos vogais. A sua existência e âmbito varia ao longo do tempo. O
século XX redobra as responsabilidades da Vereação, levando a uma mais eficaz
distribuição da alçada dos diversos vogais da Câmara.

Nos anos sessenta a estrutura adequa-se à nova realidade municipal. A


Vereação deveria reunir-se de acordo com a assiduidade determinada nos
códigos. Tinham aí assento o presidente, os vogais, o procurador do concelho e
o escrivão a quem ficava o encargo de elaborar as mesmas actas. O ano inicia-se
em dois de Janeiro com a primeira sessão onde eram estabelecidas as formas de
organização e funcionamento. Para o século XIX este era também o momento de
eleição do presidente e vice-presidente, situação que se prolongou até ao código
de 1933.

A Vereação deveria reunir-se de acordo com a periodicidade exarada nos


diversos códigos, sendo o dia estabelecido na primeira sessão do ano. Esta
podia ocorrer em qualquer dia da semana, estabelecendo-se de acordo com a
conveniência dos seus membros.

Não existiam regras precisas para a redacção das actas, a sua estrutura
dependia da capacidade do escrivão. Somente a partir de 1872 sabemos da
necessidade de uma estrutura que facilitasse a sua consulta posterior. Assim, a
primeira parte era ocupada com o despacho do expediente referente aos ofícios
recebidos e requerimentos apresentados pelos munícipes. Nos anos quarenta do
nosso século, de acordo com o estatuto dos distritos autónomos, esta passará a
ter uma estrutura rigorosa: primeiro o despacho dos ofícios presentes de
diversas repartições. depois os requerimentos, normalmente de obras,
seguindo-se as deliberações das sessões e as contas presentes para pagamento

A alçada dos vereadores evolui ao longo do tempo e adequa-se aquilo que os


políticos pensam que deve ser a sua função. Em todos os casos a sua
intervenção é evidente no dia à dia do concelho.

O recenseamento dos mancebos e o recrutamento para a prestação do serviço


militar eram da competência das câmaras. O recenseamento era feito em
Câmara anualmente na presença do vigário e do regedor da freguesia, que
também compareciam depois ao acto de sorteio dos mancebos para o serviço
militar, de acordo com o número estabelecido para o concelho. Por edital era
feito o anúncio do sorteio convocando todos os interessados a assistir, sendo os
números retirados pelos parentes dos mancebos. Aos sorteados assistia o direito
de reclamar, alegando os motivos permitidos de escusa.
Uma das formas de intervenção do município acontecia com a definição do
código de posturas. Nestas estabeleciam-se as normas de direito municipal que
regulavam o quotidiano dos munícipes. O funcionamento da instituição
assentava num número reduzido de funcionários. Deste modo assinala-se
apenas a presença do porteiro da Câmara, o amanuense, escrivão da Câmara. A
estes juntavam-se outros com um estatuto diverso. Estão neste caso o zelador, o
aferidor e o procurador da Câmara.

O administrador assume um papel fundamental no concelho. É ele quem


desempenha as funções de representação do governo na administração geral na
segurança pública concelhia. Juntamente com o regedor na freguesia são os
magistrados administrativos. São agentes de confiança do partido do governo
que os nomeava, exercendo a tutela administrativa sobre os municípios e
freguesias. Era ele quem, em nome do Governador Civil, dava posse aos
Vereadores. A nomeação do administrador ocorria quase sempre com a
nomeação de um novo governador. Esta omnipresença do administrador do
concelho teve início em 1836 com o código de Passos Manuel e manteve-se até à
constituição de 1933. De acordo com esta nova realidade o presidente da
Câmara de nomeação pelo governo, passou a preencher as funções do
administrador do concelho. Também o regedor perdeu quase todas as suas
prerrogativas mantendo-se apenas com auxiliar da presidência da Câmara. O
exercício das funções dos vereadores estava na dependência directa das
disponibilidades financeiras do município. Estas resultavam das receitas
próprias resultantes dos impostos indirectos, taxas e multas mas também das
verbas e subsídios dados pelo governo, normalmente com fim determinado.

O orçamento era elaborado e aprovado em Dezembro ou Julho de cada ano em


sessão pública da vereação que deveria contar com a presença do conselho
municipal, formado pelos quarenta mais importantes contribuintes. Depois
disso o orçamento ficava exposto durante dez dias, seguindo depois para
aprovação do conselho distrital. Concluído o ano económico o tesoureiro
deveria apresentar a conta em vereação para ser aprovada pelos oficiais. Assim
sucedia todos os anos no mês de Dezembro. Até 1879 o ano civil não coincidia
com o ano económico, sendo por isso mesmo a conta apresentada depois de
Julho quando este terminava. Deste modo as contas deveriam dar entrada no
conselho distrital no mês de Setembro, tal como o preceituavam as
recomendações de 11 de Fevereiro de 1850. Em Vereação era apresentado
apenas um balanço da conta.

A principal fonte de receita da Câmara estava nos impostos indirectos. Estes


eram estabelecidos sob a forma de taxa, sendo uma das prerrogativas emanadas
nos diversos códigos administrativos. No final da década de sessenta do século
XIX eles incidiam sobre a aguardente, o vinho artificial, a balança e pesos, as
taxas de licenças a vendilhões ambulantes.
Em 29 de Novembro de 1878 as câmaras da região haviam aprovado o imposto
ad valorem de 3% sobre as mercadorias entradas na alfândega. Todavia esta foi
suspensa por acórdão do Conselho do distrito de 28 de Maio de 1879. Enquanto
se aguardava um despacho definitivo a câmara de S. Vicente com base no que
preceituava o código administrativo decidiu estabelecer o imposto sobre todas
as mercadorias nacionais e estrangeiras vendidas no concelho. Em 1888 ficou
regulamentado o imposto indirecto sobre os produtos importados, que até
então eram cobrados pela alfandega do Funchal e que a partir de agora têm
cobrança local, uma vez que a câmara do Funchal pretendia apossar-se de 75%
do total destas feitas pela alfandega. A tabela de taxas era feita em consonância
com a da Câmara do Funchal e mudava sempre que esta as alterava.

Com a Republica manteve-se este imposto sendo regulamentado em 1923 pela


comissão executiva. O imposto ad valorem incidia sobre os produtos produzidos
no concelho e dele exportados. Isto é: aguardente, aves, batata(semilha),
bordados, cana sacarina, carnes, cereais e legumes, couros e peles, gado, lenha,
madeiras, manteiga, nata de leite, vimes, vinho.

A evolução das instituições policial e da justiça evidenciam mais uma vez o


abandono da vertente Norte, sujeitando os seus moradores a uma opressiva
subordinação a áreas distantes como o Funchal ou Ponta de Sol. As funções
policiais e de justiça estavam no início acometidas aos juízes ordinários, com
assento na Vereação. Aos poucos a situação evoluiu para uma adequada
estrutura institucional. A figura do procurador do concelho continuou até 1974
a exercer aqui um papel fundamental. Com a reforma judicial de 1832 a
Madeira passou a dispor de duas comarcas, ocidental e oriental, instaladas em
1838 no Funchal. As freguesias de São Vicente, Ponta Delgada e Boaventura
ficaram a constituir o quinto julgado dependente da comarca ocidental. A
situação mudou em 1875 com a criação de novas comarcas fora do Funchal.
Uma foi instalada em 16 de Novembro de 1876 na Vila de S. Vicente. A comarca
de S. Vicente ficou assim constituída por cinco julgados: o de S. Vicente, Porto
Moniz, Ponta Delgada, S. Jorge e Santana. O último julgado reclamava em 1881
a transferência da sede da comarca para Ponta Delgada, alegando as
dificuldades no acesso à sede da freguesia.

A comarca persistiu na sede do concelho até à suas extinção em 1926. Isto terá
sido resultado da falta de condições oferecidas à presença dos magistrados. Em
1910 o delegado do procurador régio na comarca queixava-se de terem atirado
alguns tiros de espingarda e arremessado pedras à sua janela. Já na década de
vinte era a falta de habitação e condições condignas para que os magistrados
exercessem a sua actividade que levou à extinção da comarca, passando S.
Vicente a depender da Ponta de Sol. A situação levou a insistentes reclamações
da Câmara. Assim, em 1928 a Vereação reclamou junto do inspector judicial de
visita à Vila, uma passagem pelo concelho afim de averiguar de "visu" a
realidade e "os grandes sacrifícios para a população do norte da ilha que lhes
trouxe a extinção da comarca". Daqui resultou a criação do julgado municipal a
24 de Outubro de 1931. Esta reclamação continuou por muito tempo mas só em
1962 foi atendida. A Vereação de 17 de Janeiro de 1963 propõe um voto de
regojizo da forma como o povo recebeu o novo juiz da comarca. O regozijo é
manifesto e o presidente decidiu promover uma "festa de carácter popular por
motivo da restauração da comarca". A habitação que havia sido uma óbice para
a continuidade da comarca teve andamento imediato. A 28 de Março decidiu-se
avançar com o projecto da casa dos magistrados que ficou concluída no ano
imediato.

OS FUNCIONÁRIOS

Em qualquer dos casos em análise a estrutura institucional do município era


definida por um conjunto variado de funcionários com competências
específicas, que podem ser escalonados da seguinte forma:

• oficiais de nomeação régia;


• oficiais eleitos por sufrágio indirecto, pelos vizinhos;
• funcionários administrativos, de provimento régio.

Esta disposição formal é gradativa e define as competências de cada. Os


primeiros, nomeadamente o corregedor e alcaide detinham maior capacidade
governativa do que os outros. Os segundos -- vereadores, procurador do
concelho, almotacéis, guardas mores de saúde, procuradores dos mesteres --
eram eleitos de entre um grupo restrito que a ele tinha acesso. O senhorio e a
coroa intervinham activamente, pois eram eles que estabeleciam as listas de
homens-bons, donde se retiravam os eleitos. A par disso os cargos de nomeação
foram, num primeiro momento, de iniciativa do senhorio e só depois, a partir
de 1497, passaram a ser da responsabilidade da coroa.

De acordo com os alvarás régios de confirmação das listas e da assiduidade às


reuniões do município é possível saber qual a importância e a capacidade
interventiva dos vários estratos sócio-profissionais na vida municipal. A eleição
dos oficiais concelhios era feita de modo indirecto a partir de uma pauta onde
estavam tombados todos os homens-bons do concelho, isto é, todos aqueles que
aí residiam e que se encontravam aptos para o exercício das funções.

Trienalmente procedia-se, a partir da pauta, à elaboração de três róis para os


cargos de juiz, vereador e procurador com os nomes daqueles que haviam de
exercer os cargos nos três próximos mandatos. Depois eles eram colocados
individualmente em pequenas bolas de cera (= pelouros) e distribuídos por três
sacos, de acordo com os cargos, e guardados numa arca às ordens do porteiro
da câmara e um dos juízes eleitos. No final de cada mandato procedia-se à
abertura solene da arca e dos pelouros.
Os homens-bons, mesmo não fazendo parte da vereação, poderiam participar
nas reuniões concelhias e emitir parecer ou voto. Nas vereações quatrocentistas
do Funchal isto surge com assiduidade, quase sempre motivada pela
necessidade de estabelecer posturas sobre a cultura e comércio do açúcar. Das
partes mais recônditas da Calheta à Ribeira Brava, vinham os homens-bons,
proprietários de canaviais, a defender os seus interesses.

A presença dos demais vizinhos, em geral, estava simbolicamente estabelecida


na figura do procurador do concelho e depois, a partir de 1482, nos
representantes dos mesteres. No Funchal a lista era aprovada pela coroa, sendo
o rei quem indicava os vizinhos que aí deveriam constar. Das diversas listagens
disponíveis a partir de 1470 sabe-se da presença maioritariamente do grupo
possidente da capitania, que se afirmara com a cultura açucareira. Deste modo

O funcionamento do município e o número de funcionários dependia da


importância de cada um e do avolumar dos problemas em debate. As
ordenações e os regimentos régios estabeleciam a obrigatoriedade de duas
sessões semanais para o senado da câmara, mas esta ordem só foi cumprida nos
municípios de maior dimensão. Nos restantes municípios apenas uma reunião
semanal ao sábado era o suficiente para atender aos problemas que a vivência
municipal colocava. Este ritmo de actividade era apenas quebrado com o
redobrar da faina dos campos em tempo das colheitas -- cana, cereais, pastel e
uvas --, passando as reuniões a realizarem-se quinzenalmente ou fazia-se uma
pausa, por um período determinado, nos meses de Verão. Por outro lado a
leitura das actas revela que os três primeiros meses do ano eram aqueles de
mais intensa actividade.

A ALÇADA

Uma das principais preocupações do município estava no assegurar aos


munícipes os meios básicos de subsistência, procurando a evitar qualquer
rotura nos abastecimentos. As posturas definiam as regras que os oficiais
procuravam cumprir com o máximo dos escrúpulos. Todavia a não
correspondência entre o ano civil, porque se regia o governo municipal, e o ano
agrícola, era gerador de dificuldades. Daí surgiu a necessidade de se ajustar o
ano administrativo ao calendário agrícola. A medida parece ter sido seguida na
Madeira até à década de setenta do século quinze, enquanto nos Açores teve
expressão prática em Vila Franca desde 1577 e Ponta Delgada a partir de 1605.
A partir daqui o mandato passou a ter inicio no dia de S. João.

As prerrogativas que definiam a alçada do município estavam exaradas no


foral, concedido, pelo senhorio ou coroa, às localidades nesta situação. Na
Madeira o primeiro foi dado pelo infante D. Henrique, cujo texto se perdeu,
seguindo-se outros em 1472, 1499 e 1515. O penúltimo ficou conhecido como
foral novo.
O do século dezasseis foi uma tentativa uniformizadora da capacidade de
intervenção dos municípios, pois foi extensivo a todos os da ilha. Depois foram
utilizados nos Açores, com ficou testemunhado no caso de Ponta Delgada e
Angra. Os regimentos régios, ou as respostas pontuais às dúvidas colocadas
pelos munícipes complementavam a sua alçada e a capacidade de intervenção
dos funcionários. Algumas destas ordens foram depois compiladas no
articulado das ordenações do reino.

A alçada do município era estabelecida, de forma simbólica, pelo selo, bandeira


e o pelourinho. A eles juntava-se o foral onde era atribuído o estatuto de vila e
as regalias que tinha direito. Mas as vilas criadas pelo infante D. Henrique na
Madeira não usufruíam de tais prerrogativas, pois as duas primeiras foram
concedidas em 1461 pelo infante D. Fernando, a pedido dos vizinhos do
Funchal e o último, símbolo do braço implacável da justiça, só foi dado em 1486
por D. Manuel.

A ideia básica de criação do município resultou da necessidade de


regulamentar os aspectos do quotidiano e a urgência no estabelecimento de
uma estrutura institucional que fosse porta-voz dos anseios das populações.
Deste modo é legitimo de concluir que os interesses locais estavam à frente dos
outros e que a sua acção incidiu, principalmente, neste âmbito. A isto deverá
juntar-se a limitada capacidade judicial.

De um modo geral podemos considerar que o município nos séculos XVI e XVII
desfrutava de ampla autonomia e de elevada participação das gentes na
governança. Todavia a prática municipal veio a revelar alguns atropelos que
levaram a coroa a limitar a alçada por meio de funcionários régios, como o
corregedor. Tendo em conta a situação criada pelos monarcas filipinos, quando
da união das coroas peninsulares (1580-1640), procuraram cercear os poderes
dos municípios portugueses procedendo a algumas mudanças na estrutura na
orgânica.

A intervenção e a alçada dos cargos municipais, porque já definidas nas


ordenações e regimentos régios, não aparecem no código de posturas. Aqui
apenas se estabeleceram normas para serviço dos funcionários municipais,
como sucede com os rendeiros do verde e os almotacéis. Pelos acórdãos e
posturas, insistentemente divulgados em praça pública, sabe-se do empenho
dos vereadores sobre os aspectos do quotidiano das gentes: defesa dos usos e
costumes, da salubridade pública e a manutenção do equilíbrio entre as
actividades económicas. Eis alguns dos domínios preferenciais.

Dos aspectos da justiça, cuja actuação está expressa no número variado de


funcionários -- juiz de fora, juízes pedâneos, alcaide, carcereiro, quadrilheiro,
meirinho da serra e cidade, guardas mores --, é necessário referir a limitada
alçada, resumindo-se apenas aos feitos cíveis, referidos nas posturas.
AS POSTURAS MUNICIPAIS

Definida que foi a estrutura de poder municipal importa agora saber como
intervinham na sociedade em que se inserem. Mas isto só se torna possível
quando se encontrem disponíveis os livros dos acórdãos . No caso das ilhas
persistem inúmeras lacunas que impossibilitam um estudo exaustivo. As mais
antigas de vereações que se conhece, ainda que incompleta, são a da Câmara do
Funchal, que se inicia em 1472. Por isso, e tendo em conta que a maioria das
deliberações são conjunturais e de que só as posturas, porque perdulárias,
poderiam expressar melhor a situação, optamos por analisar as últimas
disponíveis apenas para o Funchal, Angra, Ponta Delgada, Ribeira Grande e
Vila Franca do Campo.

AS INSTITUIÇÕES RÉGIAS

Ao nível das diversas estruturas de mando nunca se alcançou uma harmonia


perfeita, uma vez que surgiram inúmeros conflitos, dentro da própria
instituição ou, o que era mais habitual, fora dela. Para isso terá contribuído, por
um lado, a insistente subdelegação de poderes e , por outro, as dificuldades na
pronta fiscalização por parte da coroa. Uma reclamação da Madeira demorava
meses a obter a concordância do senhorio ou da coroa, e piorava no caso de S. O
distanciamento da coroa e a falta do "olho justiceiro" dos funcionários
provocaram inúmeros atropelos de que foi vitima a vida municipal madeirense
no século quinze e toda a administração de Cabo Verde e S. Tomé para os
séculos XVI e XVII.

Num e noutro lado as situações são quase idênticas, sendo os capitães, cientes
da real importância nas capitanias, o principal motivo de discórdia. Em 1516 foi
o do Funchal a incompatibilizar-se com o corregedor negando-se a aceitá-lo
como tal, o que levou a coroa a suspendê-lo e o seu ouvidor. Caso parecido
sucedeu seis anos depois em S. Tomé, sendo expulso o capitão João de Melo e
para o seu lugar nomeado um governador, repetindo-se com o da Ribeira
Grande em Santiago, em que ele foi substituído pelo desembargador da Casa da
Suplicação.

No libelo acusatório contra o capitão micaelense surgem inúmeros testemunhos


de poder despótico. Mas estas acusações, consideradas por Gaspar Frutuoso
sem fundamento, levaram a que ele fosse suspenso, sendo substituído pelo tio
Pedro da Câmara, sendo a capitania restituída em 1515. Fica assim provado que
a coroa manteve uma atitude implacável junto dos capitães, mas os vícios,
acumulados em anos de livre governança, longe da presença do rei ou seus
representantes, fora o principal obstáculo a essa política.
A usurpação e os confrontos assíduos de alçada das instituições e funcionários
condicionaram uma reacção em cadeia por parte da coroa. Era necessário
demonstrar que a conjuntura mudara e os hábitos despóticos deveriam ser
combatidos com uma estrutura institucional nova, adequada às exigências da
imprescindível centralização régia. O senhorio desaparecera, naturalmente, sem
sobressaltos, mas deixou desamparados os capitães, incapazes de encararem os
desafios das mudanças.

Da nova estrutura institucional contava uma maior revitalização do poder


municipal, o aparecimento de novos municípios e de outras estruturas de
mando, para estabelecer-se uma barreira firme aos hábitos entranhados na
vivência quotidiana dos capitães. Deste modo houve necessidade de estabelecer
uma estrutura forte capaz de enfrentar a nova realidade. Os atropelos à
autoridade legítima do rei aumentavam de acordo com a distância das
capitanias aos centros decisão no reino. Além disso houve necessidade de
definir uma forma específica de governo para as ilhas. Os governadores e
ouvidores passaram a ser nomeados apenas por um período de três anos,
findos os quais o seu governo deveria ser sujeito a uma sindicância. Depois a
coroa passou a enviar, com frequência, ouvidores ou desembargadores a
sindicar a acção dos governadores, ouvidores e capitäes-mores.

Os problemas resolviam-se pontualmente com a presença do corregedor -- um


no primeiro e dois no segundo -- e só a partir da união das coroas peninsulares
o novo monarca viu a necessidade de adequar a forma de governo das ilhas à
vigente nas Canárias: na Terceira foi o cargo de governador(1581), depois na
Madeira em 1585, o de "geral e superintendente das cousas da guerra". Ambas
as situações perpetuaram-se após a restauração da independência em 1640,
ficando nos Açores como governador do Castelo de S. Filipe e das ilhas dos
Açores.

AS FINANÇAS DAS ILHAS

Um dos domínios de maior empenho da coroa foi, sem dúvida, o


estabelecimento da estrutura fiscal e a subsequente forma de intervenção.
Enquanto o senhorio perdurou ela ficou sob alçada do senhorio que intervinha
por meio do almoxarife, que fazia cumprir o estatuído no foral henriquino e
diversos regimentos. Próximo dele estava o capitão, que mais se afirmava como
usufrutuário dos réditos e fruidor da décima parte das rendas senhoriais.

Com o governo do infante D. Fernando esta estrutura fiscal mostrou-se


inadequada para o nível de progresso atingido pela Madeira. Daqui resultou a
necessidade de criar uma nova estrutura capaz de superintender a fazenda na
ilha, surgindo a contadoria. Mais tarde, em 1477, o surto das trocas com o
exterior, motivado pelo progresso da cultura açucareira, conduziu a novo
reajustamento, que levou ao aparecimento das alfândegas, uma para cada
capitania. Depois a estrutura foi ampliada em 1483, com a criação de dois
postos na costa além de Câmara de Lobos.

Foi, no entanto, com a coroa, a partir de 1499, que se lançou um adequado


sistema fiscal, assente em duas instituições: os almoxarifados da alfândega e dos
quartos. O primeiro intervinha no movimento de entradas e saídas e a cobrança
dos respectivos direitos, o segundo foi vocacionado para arrecadar os direitos
lançados sobre a colheita de açúcar, o quarto, que depois passou a um quinto. E
finalmente em 1508 deu-se uma nova forma ao sistema fiscal na Madeira com o
estabelecimento da Provedoria da Fazenda.

Dos direitos arrecadados, de início pelo senhorio, depois pela coroa, temos o
dízimo sobre os rendimentos fixos ou qualquer valia, sendo uns de usufruto do
donatário e outros da Ordem de Cristo. A esta primeira fiscalidade sobrepöe-se
outra assente nas principais produções com valor comercial. Dos cereais era o
dízimo das colheitas, enquanto do vinho era uma determinada quantidade
daquele que fosse posto à venda nas tabernas, que ficou conhecido como a
imposição do vinho(1485), cujo valor ia na totalidade para as obras de
enobrecimento da vila do Funchal.

Os direitos sobre a produção do açúcar, a fatia mais avultada da fiscalidade,


sofreram várias alterações. No início, uma vez que só o infante D. Henrique
tinha direito a fabrica-lo todos os produtores deixavam no seu engenho metade
do açúcar. depois com a autorização para o uso de engenhos particulares este
direito passou para um terço e depois em 1467 para um quarto sobre a colheita.

A arrecadação deste direito fazia-se a partir da avaliação antecipada da colheita.


Esta estava a cargo do almoxarife e dois estimadores escolhidos pela vereação.
Mas este sistema gerou inúmeras críticas dos produtores pelo que em 1507 se
procedeu a um estudo sobre a melhor forma de lançar e arrecadar o referido
direito. Como corolário disso tivemos uma nova estrutura fiscal, com a criação
da Provedoria da Fazenda(1508) e um novo imposto a vigorarem a partir de
1516. O imposto passou para um quinto da produção e a sua recolha a ser feita
por uma nova estrutura institucional, o almoxarifado do açúcar, subdividido
em diversas comarcas. Assim tivemos dois almoxarifados (Funchal e Machico) e
quatro comarcas (Funchal, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta). Esta situação
perdurou até 1522 altura em que este almoxarifado se juntou ao da alfandega
formando uma estrutura única.

Nos séculos XV e XVI os direitos lançados sobre o açúcar foram a principal


fonte de rendimento da coroa na ilha, utilizados para o custear das despesas
com a manutenção das praças africanas e da casa real. Este elevado quantitativo
de açúcar era comercializado pela coroa por meio de contratos específicos com
os mercadores, na sua maioria genoveses. Nos Açores sucedeu algo semelhante
à Madeira, tendo-se por isso copiado os alvarás e regimentos régios que
corporizavam a estrutura institucional. Os forais do almoxarifado do Funchal
de 1499 e 1515, foram aplicados sem reservas nas ilhas de S. Miguel, Terceira e
certamente nas demais. O traslado em Ponta Delgada foi lavrado,
respectivamente em 1526 e 1557. Deste modo o sistema tributário implantado
pelo senhorio e coroa nos Açores foi idêntico ao madeirense, variando apenas a
incidência sobre os produtos disponíveis.
Tudo isto resultou da experiência descentralizadora madeirense e açoriana, que
ficou como a soluço mais adequada aos objectivos da coroa. É de salientar que
também na Madeira e Açores a tendência para a macrocefalia foi um facto.
Enquanto na Madeira o principal centro administrativo se localizou no Funchal,
nos Açores hesitou-se várias vezes entre Ponta Delgada e Angra. A
concretização desta medida em Cabo Verde foi fácil, pois estávamos perante
uma ilha dominante em termos sócio-económicos, uma vez que as demais
ficaram pelo aproveitamento do gado. O mesmo não se poderá dizer da
Madeira e, mais propriamente, dos Açores.

AS RECEITAS

As receitas arrecadas pela Fazenda Real nas ilhas testemunham, em simultâneo,


a eficácia das instituições e a dimensão assumida pela economia, uma vez que
tais valores recaem sobre alguns aspectos do ciclo produtivo e comercial. As
elevadas despesas com a manutenção do império foram custeadas com o
superavit das finanças das ilhas. A Madeira, entre finais do século XV e o
primeiro quartel do seguinte, foi um dos financiadores, nomeadamente das
praças marroquinas.

O discurso histórico é a ossatura fundamental que alicerça a autonomia político-


administrativa. Tudo isto porque a história local faz apelo à valorização do
passado histórico regional e permite reforçar a unidade definida pelo espaço
geográfico. Uma região sem História dificilmente poderá fazer valer as suas
legítimas aspirações autonómicas. Tão pouco uma classe política, alheada ou
desconhecedora do passado histórico terá possibilidades de fazer passar e vingar
o seu discurso político. Na verdade, a História faz parte da essência do discurso
político autonómico sendo com ela onde mais se espelha a identidade local.
Conhecer e valorizar a História regional é uma atitude necessária ao nascimento e
fortalecimento da autonomia. O apelo à História faz-se, não só pela busca das
condições ancestrais que conduziram à materialização do processo autonómico,
mas também pelos combates que o mesmo propiciou. Para os actuais desafios do
processo autonómico o conhecimento das diversas conjunturas de combate, as
opções e justificações que geram são imprescindíveis. Por outro lado a História
deve ser entendida também como a homenagem aos que nos precederam neste
combate ao mesmo tempo que se encontram motivos e alento para novos
embates.

A História da Autonomia, tal como hoje a entendemos, é recente mas rica em


motivos e situações que fortalecem o actual combate político. Todavia, o
sentimento de auto-governo parece ser ancestral e nascido à chegada dos
primeiros povoadores. A barreira geográfica, as dificuldades e forma tardia da
resposta das autoridades centrais contribuíram para alicerçar o sentimento
autonómico. É certo que ele só ganhou a verdadeira dimensão política com a
revolução liberal, mas será injusto ignorar o combate dos que o precederam nas
centúrias anteriores. A partir de então a leitura do discurso histórico da
autonomia, expresso em jornais e panfletos, confunde-se muitas vezes com a
questão financeira, do relacionamento entre a metrópole e a região, da gestão e
aplicação da riqueza.

A autonomia e o debate político-institucional estão em relação directa com os


problemas financeiros. As primeiras vozes na luta pela autonomia política insular
partiram da constatação da realidade financeira pautada pela sangria da riqueza
arrecadada. O subdesenvolvimento regional, em contraste com as cada vez
maiores receitas conduzidas à metrópole, está na origem do debate e fervor
autonomista. A ideia de sangria financeira é patente no debate que teve lugar nas
páginas dos jornais e repercutiu-se na voz dos deputados da Madeira à
Assembleia Nacional. Em 1887 dizia-se no Diário de Noticias que: “Os governos, e
não nos referimos só ao actual, não ligam à Madeira a consideração que ela
merece, não obstante ser uma das províncias portuguesas que mais contribui para
as despesas do Estado.” Entretanto Quirino de Jesus, aquele que foi a eminência
parda de Salazar, considerava que o problema da autonomia era em primeiro
lugar de “carácter financeiro e económico, antes de poder apresentar-se com força
pelos fins superiores de ordem social e política.” E, não será por acaso que uma
das questões mais usuais na voz dos detractores das autonomias insulares seja o
dedo acusador aquilo que consideram uma inversão de marcha do processo.
Afirma-se de forma despicienda que as despesas foram alimentadas pelas receitas
do continente português, ignorando-se a receita aquilo que a região deu, dispõe e
continuará a gerar.

Ao debate da actual conjuntura deverá juntar-se, sob pena de falsear a verdade do


relacionamento financeiro da região com a metrópole, a perspectiva histórica. O
passado histórico reafirma que ao longo dos últimos cinco séculos os madeirenses
deram todo o esforço de trabalho e riqueza para a valorização do espaço nacional.
Isto demonstra que o arquipélago foi compulsivamente solidário. Uma visão
histórica do deve e haver das contas e relacionamento financeiro entre a Madeira e
o reino evidencia que o passado foi pautado por uma forte participação financeira
da ilha nas finanças do Estado. Foram os nossos avós que financiaram as
exorbitâncias da Coroa, as viagens a Índia e as elevadas despesas de manutenção
e defesa das praças africanas. A grande aventura das descobertas dos séculos XV e
XVI seria possível sem a existência de espaços, como a Madeira, geradores de
elevados excedentes? E perante esta posição solidária da Madeira do passado
legítimo seria de esperar por idêntica atitude da mãe-pátria no presente para a
recuperação do subdesenvolvimento a que nos sujeitaram. Em certa medida
poderemos afirmar que hoje, somos nós que recorremos ao velho continente a
reivindicar a cobrança dos "empréstimos", mas no passado a coroa recorria as
receitas madeirenses para colmatar o incessante deficit das finanças publicas.

A economia colonial foi motivo de estudo mais acentuado a partir de Adam


Smith, mas foi com Marx que ganhou maior evidência. Aliás, para a escola
marxista a valorização da teia de relações entre a metrópole e as colónias foi e
continua a ser um dos motivos mais destacados de interesse. Este tipo de relações
tem expressão na pilhagem da riqueza colonial em favor do desenvolvimento da
metrópole. A isto junta-se a dependência mercantil e a política financeira com o
estabelecimento da moeda fraca nas colónias e forte na metrópole. Qualquer das
situações não se afasta do percurso económico madeirense nos últimos cinco
séculos. A definição de uma economia colonial assenta na sangria quase total das
despesas e num reduzido ou quase nulo investimento que não seja vocacionado
para apoiar a extracção da riqueza.

A ideia de colonialismo adquiriu vários significados ao longo do processo


histórico, ficando todavia a expressar uma relação de dependência e exploração
de uma determinada região ou colónia com o centro/metrópole. Ora isso não
implica a clássica visão de um espaço já ocupado que é alvo de uma usurpação
de fora. É neste quadro que devemos encarar a situação da Madeira. Por outro
lado é um facto indesmentível que a Madeira enquadra-se no processo de
expansão colonial portuguesa, sendo o primeiro passo desta estratégia e como
tal irá manter-se por muito tempo. A sua separação em termos políticos e
administrativos será apenas resultado da revolução liberal. E deste modo aquilo
que a até então era colónia, adquire num lapso de tempo o título de ilha
adjacentes, sem que se tenha alterado o relacionamento típico. E assim é que
para muitos a sua sobrevivência está patente na figura do Ministro de
República, que como os anteriores representantes do poder central ocupa o
Palácio / Fortaleza de S. Lourenço.

O debate político cola-se por vezes à História na busca das razões que
fundamentem tal relacionamento institucional. E neste caso mantém
actualidade o relacionamento da ilha com o continente europeu, uma relação
colonial que só poder dos liberais viu acabar em completa ruptura com o
passado. Na verdade, até então a Madeira merecia um tratamento idêntico ao
demais espaço colonial. Aliás, estava sob a mesma alçada do conselho
Ultramarino (1643-1833). Note-se que nas páginas do Patriota Funchalense, o
bastião da liberdade de opinião, reclamava-se contra o tratamento de colónia
feito pelos “mandões de Lisboa”. Deste modo desde 1832 a ilha deixou de ser
uma colónia, passando a província administrativa, igual às demais do
continente. A Reforma de Mouzinho da Silveira é o corte radical com o passado
pelo menos em termos jurídicos, o que não implica que no plano real esse tipo
de relacionamento se tenha mantido até 1974.

Na verdade, o estatuto de colónia não resulta do facto de um espaço estar


habituado à chegada do europeu, pois se isso fosse condição Cabo Verde nunca
teria mantido esse estatuto, pois como quase todas as ilhas Atlânticas estava
deserta à chegada dos Portugueses, excepção apenas para as Canárias. A sua
definição resulta fundamentalmente do relacionamento que se estabelece entre
a metrópole e a região. Ao nível político o estatuto colonial caracteriza-se por
uma profunda distância em relação aos centros de poder. São os governadores e
capitães generais que se comportam de forma altiva do interior da fortaleza do
poder. As ordens despóticas, a subserviência dos ilhéus, que reclamam em
Lisboa através dos seus procuradores e políticos à mesa da coroa e do
orçamento umas magras migalhas da riqueza que remetem anualmente. É o
sentimento de orfandade perante uma autoridade paternalista e despótica. O
regionalismo como constatação dos desequilíbrios regionais e do esbanjamento
dos seus recursos por um poder estranho e distante, é revelador deste estatuto.
Desta forma podemos afirmar que o despontar do movimento autonomista
resulta desta constatação do colonialismo que define as relações institucionais.

Já ao nível económico e financeiro esta relação se revela na entrega de toda a


riqueza. As culturas são impostas para servir os caprichos da metrópole e todo
o lucro situa-se no sector da circulação fora da ilha. Sucedeu assim com a cana
de açúcar que se transformou na galinha dos ovos de ouro para a Coroa
portuguesa entre finais do século XV e princípios do seguinte. Aliás, toda a
riqueza desta exploração económica, impostos incluídos, é orientada para fora
do espaço que a cria. Tão pouco sucede um investimento na valorização do seu
interesse. O pouco que retornava surge sob a forma de caridade da própria
Coroa, sob a forma de oferta. O Rei D. Manuel foi de todos o mais caridoso para
com os madeirenses mas também o que mais feriu das riquezas da ilha.
Distribuiu benesses e obras de arte aos madeirenses. Mas a dívida da dádiva
madeirense era maior e ao que parece ainda está por saldar.

A História da Autonomia confunde-se com a do devir histórico da ilha e, até à


sua afirmação em 1976, ganhou plena expressão nos momentos de crise e de
forte agitação política. Os momentos ímpares do debate político, propiciado
pela revolução liberal, encontram-se com o movimento republicano e revolta da
Madeira. Não obstante a existência de alguns estudos esparsos ainda está por
fazer a História da Autonomia. É um objectivo que deve estar no horizonte das
nossas preocupações. Mas este não será o momento para preencher tal lacuna,
uma vez que aquilo que agora nos ocupa é a abordagem das questões
financeiras, de acordo com o processo evolutivo do movimento autonómico, de
forma a perceber-se como estas influenciaram o debate político. A compilação
dos dados estatísticos referentes à receita e despesa deverá ser enquadrado no
debate político onde a questão financeira esteve sempre presente.

As finanças do reino foram demarcadas por um permanente deficit pelo que a


coroa teve necessidade de se socorrer a diversas meios para saldar a diferença.
Desde o século XIV que a forma mais usual de o solucionar era o recurso a
pedidos e empréstimos. Era com estas formas de financiamento que a coroa cobria
o deficit e cobria as despesas bélicas, a boda dos príncipes. Ficou celebre o
empréstimo de sessenta milhões lançado em 1478 para as despesas da guerra com
Castela. Destes, um milhão e duzentos mil reais foram lançados sobre os
madeirenses, isto é, 2% do valor (valor altamente significativo se tivermos em
conta a capitação media e o facto de a ocupação da ilha ter-se iniciado a pouco
mais de cinquenta anos), mas os madeirenses mostraram-se renitentes ao
pagamento do imposto, argumentando a difícil situação em termos do
abastecimento de cereais e o facto de terem já feito um empréstimo a coroa de 400
arrobas. O desfecho final da questão saldou-se numa redução do referido
empréstimo para metade. Assim os madeirenses manifestavam o repudio face às
exorbitantes despesas do reino e faziam valer os seus interesses e as franquias que
corporizaram o inicial processo de ocupação.

Este episódio revela o vigor demonstrado pelos madeirenses na defesa dos seus
interesses tem e pode ser reafirmado no papel do senado da câmara do Funchal.
Na verdade, a Madeira era desde 1433 um espaço fora do controle da coroa,
dependendo do Mestrado da Ordem de Cristo e tendo o Infante D. Henrique
como senhor. O infante D. Henrique, como senhor da ilha recebia um tributo de
1.500.000 reais, isto é 40,54% do total dos réditos da sua casa senhorial. João de
Barros refere que o mestrado da Ordem de Cristo auferia da ilha anualmente mais
de sessenta mil arrobas de açúcar. Todavia, esta riqueza estava na mira da coroa
pelo que D. Manuel, que também foi senhor da ilha, deu a machadada final no
processo de auto governo dos madeirenses ao proceder em 1497 à
“nacionalização” da Madeira. A carta régia que faz a ilha realenga, revertendo
toda a riqueza para a coroa, é clara quanto ao peso económico nas finanças do
reino: "he huma das principaes e proveitozas couzas que noz, e real coroa de
nosso reynos temos para ajudar, e soportamento de estado real, e encargos de
nossos reynos". Esta ideia da ilha perdurou por muito tempo de modo que em
1836 ainda continuava a afirmar-se “que é uma das mais preciosas jóias da coroa
de Vossa Majestade”.

A partir de finais do século XV toda a riqueza gerada na ilha deixou de pertencer


ao senhorio e passou para o usufruto da coroa, indo a tempo de financiar as
grandes viagens oceânicas e a despesa excessiva da Casa Real. Também, a partir
daqui é evidente que a Madeira perdeu a capacidade reivindicativa perante a
coroa. O centralismo régio está patente na submissão e pronto acatamento pela
vereação de todos os regimentos e decretos régios. O arquipélago foi uma fonte
importante de receita para travar o endividamento do reino e manter a opulência
da casa senhorial e real. Nos séculos XV e XVI o principal sorvedouro de dinheiro
dos novos espaços recém descobertos e ocupados era a Casa Real, a carreira da
Índia e as praças marroquinas. Apenas entre 1445 e 1481 os gastos da coroa em
dotes e casamentos suplantaram as 812.500 dobras, enquanto que nas guerras com
Castela se despenderam 336.000 e na defesa das praças marroquinas o valor
atingiu as 378.000 dobras. Entretanto, no período de 1522 a 1551, as despesas com
a perda das naus da carreira da Índia, por naufrágio ou corso, atingiram 352.150
dobras. Este elevado encargo só poderia ser coberto com as receitas arrecadadas
nas ilhas e novos espaços coloniais. E aqui quando ilha é quase sempre sinónimo
da Madeira.

É evidente que durante o século XV e primeiro quartel do seguinte a principal


fonte de receita do mundo português estava no açúcar madeirense. As receitas
advinham dos direitos lançados, como o quarto e o quinto, e do comércio do
açúcar apurado. No entanto os dados financeiros disponíveis não evidenciam de
forma clara esta situação. Perderam-se os livros de contas, mas os poucos
disponíveis não nos atraiçoam quanto ao volume de negócios em favor da coroa.
Primeiro, o senhorio e depois orei oneraram o produto com diversas tributações
que conduziram a que amealhassem elevadas quantias que usavam em benefício
próprio, no pagamento de tenças, esmolas, empréstimos e dívidas. O açúcar da
coroa em 1494 foi de 80.451 arrobas de açúcar que despendeu da seguinte forma:

Redízima do capitão 12%


Duque, como senhor da ilha 7%
Tenças, mercês e presentes 4%
Desembargos 66%

Para o período de 1501 e 1537 o dispêndio de 29.696 arrobas de açúcar do


almoxarifado dos quartos teve o seguinte destino:

Reposte 37%
Padrões 14%
Esmolas 34%
Diversos 15%

No primeiro registo das receitas do reino e possessões, datado de 1506, a


Madeira surgia com o valor mais elevado das comparticipações dos novos
espaços insulares. Esta situação manteve-se até 1518 mas em 1588 era já
evidente a valorização do mercado açoriano.

RECEITAS 1506
Colonias
54,9%

Madeira
5,3%

Açores
0,5%
Reino
39,3%
Até a década de trinta do século XVI os reditos fiscais resultantes da produção e
comércio do açúcar asseguravam parte importante das fontes de financiamento
do reino e projectos expansionistas. Este rendimento em finais do século XV e
princípios da centúria seguinte era superior a cem mil arrobas, atingindo em 1512
as 144.065 arrobas, o que corresponde a 45.380.475 reais. Este açúcar, depois de
retirada a redizima, isto é, a décima parte que era propriedade do capitão do
donatário, era utilizado pela coroa de formas diversas, como meio de pagamentos
dos salários, esmolas aos conventos (Santa Maria de Guadalupe, Jesus de Aveiro,
Conceição de Braga) e misericórdias (Funchal, Lisboa, Ponta Delgada), benesses a
príncipes e infantes da Casa Real e despesa aduaneira da ilha, enquanto a parte
sobrante era vendida, directamente em Flandres pelos feitores do rei, ou por
mercadores, por vezes, a troco de pimenta. A sua aplicação na ilha era eventual,
resumindo-se às despesas eventuais como a construção da Sé e alfândega do
Funchal, que receberam, respectivamente, 1.000 e 3.000 arrobas de açúcar. Neste
grupo, mas com um carácter quase permanente, poder-se-á incluir o pagamento
dos inúmeros pedidos de socorro e abastecimento das praças marroquinas, o
provimento das armadas da Índia, por norma, em vinho. Sobre as assíduas
despesas com o socorro às praças africanas podemos citar, a título de exemplo, o
concedido entre 1508 e 1514 a Safim. Neste período gastaram-se mil arrobas de
açúcar e 83.815 reais, enquanto em 1531 o provimento de vinhos as armadas da
Índia orçou em 124.490 reais.

Em 1529 com o Tratado de Saragoça foi encontrada uma solução provisória que a
curto prazo parecia agradar a ambas as partes. D. João III viu-se forçado a pagar
350.000 ducados para assegurar a posse das Molucas que afinal se encontravam
dentro da área de influência de Portugal. Mais uma vez é possível assinalar uma
ligação à Madeira, pois terá sido, segundo alguns, o madeirense António de
Abreu o primeiro explorador. Por outro lado os madeirenses contribuíram com
avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido contrato. Manuel
de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense. João
Rodrigues Castelhano é referenciado também como recebedor do referido
empréstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300.000 reais. A este juntaram-
se Fernão Teixeira com 150.000 reais e Gonçalo Fernandes com 200.000 reais. O
pagamento fez-se nos anos de 1530-31 à custa dos dinheiros resultantes dos
direitos da coroa sobre o açúcar.

Os dados fiscais de 1531 permitem uma ideia da evolução da receita e despesa da


ilha. Os réditos sobre as rendas do açúcar foram de 6.990.573 reais de que se
gastaram 10% nos vencimentos do clero da capitania do Funchal e 7% no
pagamento do empréstimo que João Rodrigues Castelhano a Coroa para pagar o
contrato das Molucas. Mais de cinquenta por cento das receitas iam directamente
para o reino a engrossar os cofres da Fazenda Real. A partir desta informação,
ainda que avulsa, conclui-se que os madeirenses foram activos protagonistas da
expansão lusíada dos séculos XV e XVI emprestando a própria vida e reditos,
arrecadados com a safra do açúcar, no financiamento deste projecto e das
exorbitâncias e caprichos quotidianos da Casa Real.
O primeiro monarca a definir as regras rudimentares do orçamento foi D. Manuel,
pelo que o primeiro e mais rudimentar orçamento que se conhece data de 1526.
De acordo com os dados disponíveis as receitas fiscais orçaram em 166.347.611
reais, sendo 12.000.000 (= 7,2%) referentes apenas a Madeira, que conjuntamente
com as demais possessões fora da Europa totalizavam 37.630.000 (= 23%). A
cidade de Lisboa, que apenas arrecadava 5% das receitas, absorvia 17% das
despesas, o que implicava o financiamento externo com o recurso aos réditos
arrecadados noutras províncias nomeadamente na Madeira, Açores e Costa da
Guine.

EVOLUÇÃO RECEITAS.1506-1588 (MILHARES DE


REAIS)

Madeira
60
Açores
C. Verde
40

20

0
1506 1518-19 1588
A Madeira, na primeira metade do século XVII, enfrentou dificuldades
económicas que se reflectiram nas fianças públicas. Deste modo a fonte de
receitas transferiu-se para as demais possessões e mesmo os Açores atingem
valores mais elevados que a Madeira. A situação vinha evoluído neste sentido
desde o ano de 1588. O quadro financeiro do ano de 1607 revela a precária
situação das finanças madeirenses conduzindo a que a despesa representasse
94% da receita, o que correspondeu ao valor mais elevado. Mesmo assim a
despesa não suplanta 1,5% do total. Já em 1619 é evidente a recuperação
económica da ilha subindo o saldo para os cofres do reino a 5,9%.

MOVIMENTO FINANCEIRO DA MADEIRA. PERCENTAGEM EM RELAÇÃO AO


TOTAL 1607 e 1619
100,00%

80,00%
saldo
60,00%
despesa
40,00% receita

20,00%

0,00%
1607 1619

Um dado abonador desta nova situação está no facto de Francisco Rodrigues


Vitória ter contratado em 1602 a arrecadação da receita da ilha por 21.400$ réis,
1072 arrobas de açúcar e 2 arrobas de cera. No quadro das ilhas a Madeira
continuava a apresentar uma posição destacada mas os Açores assumem a
posição cimeira no quadro das ilhas. Por outro lado nas terras ultramarinas
afirmam-se em definitivo como a principal fonte de receita. Aqui, a Índia
assume uma posição cimeira. Assinala-se de novo que, em qualquer dos casos,
a despesa é muito diminuta, porque também a estrutura administrativa não era
muito pesada.

EVOLUÇÃO DAS RECEITAS NAS ILHAS. 1607-1681(em milhares de reis)

Madeira Açores C. Verde

40.000

30.000

20.000

10.000

0
1607 1619 1620 1681

Se atendermos apenas à participação madeirense na receita da coroa no decurso


dos séculos XVI e XVII somos confrontados com uma forte intervenção, tendo em
conta a superfície, que se articula de forma directa com as condições económicas
da ilha. Assim, o açúcar foi o principal gerador de um forte excedente de riqueza
que diminuiu de forma espectacular com a crise do século XVII.
RECEITA DA MADEIRA: PERCENTAGEM EM RELAÇÃO AO
TOTAL DO REINO
10

0
1506 1518 1526 1580-88 1607 1619

Perante este quadro somos forçados a afirmar que a partir do século XVI os dados
estatísticos revelam-nos que Portugal tinha a principal fonte de riqueza nas ilhas e
possessões ultramarinas. Apenas a conjuntura resultante da união dinástica na
década de oitenta conduziu a uma quebra acentuada da receita das colónias. Em
qualquer das circunstâncias os novos espaços gerados com os descobrimentos
revelam-se em todos os momentos dos séculos XVI e XVII como a mais valia e
principal fonte de financiamento.

EVOLUÇÃO PERCENTUAL DA RECEITA DO REINO E POSSESSÕES

140
120
100
ilhas
80 reino
60 colonias

40
20
0
1506 1518 1588 1607 1619

A Madeira, como centro gerador da riqueza do reino e a forma colonial da


administração, não passou despercebida aos locais e visitantes. No século XVIII a
promoção do comércio do vinho veio a gerar de novo elevada riqueza e a ilha
parecia querer regressar aos velhos tempos da opulência açucareira. É dentro
desta ambiência que James Cook refere em 1768 que a coroa arrecadava na ilha
20.000 libras por ano, mas poderia dar o dobro se estivesse nas mãos de outro
povo. Outro súbdito inglês em 1827 apontava o destino desta receita: "o rei
pagava todas as despesas das legações no estrangeiro [isto antes de 1820] com o
excedente dos seus rendimentos da Madeira. Todos os anos era transferida para
Londres com esse fim uma quantia de 50 a 80.000 Libras." O contraste entre esta
crescente riqueza que todos os anos enchia os cofres do reino e as condições cada
vez mais precários da população madeirense é evidente. Paulo Dias de Almeida,
enviado à ilha para proceder ao estudo da defesa e rede viária, foi confrontado
com esta triste realidade e não hesitou em exclamar: “Esta colónia, que já em
quatro séculos, e tanto avulta nos reais cofres (quem o diria ?)...”.

Obs.: O presente texto foi preparado para apoio ao curso de


Post-graduação em Direito Regional.

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