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GARCIA PEREIRA E ASSOCIADOS

SOCIEDADE DE ADVOGADOS RL
António Garcia Pereira
Francisco Nicolau
Paulo Graça Lobo
Ana Leal
Paulo Alves dos Santos

2º PARECER PRELIMINAR
I

A Consulta

As questões colocadas pelo Grupo de Professores que nos consultou podem, no


essencial, sintetizar-se da seguinte forma:

1ª Como é que uma "eleição" (do novo órgão “Director”) pode decorrer de, ou
com, um processo dito "concursal" com análise curricular?

2ª Até que ponto quem participa nessa escolha pode ser alguém “exterior” aos
elementos definidos no nº 4 do artigo 48º da LBSE?

3ª Até que ponto quem, de entre os docentes, escolhe o Director não tem afinal
um interesse directo nessa escolha, visto que o futuro Director será o avaliador
supremo na Escola/Agrupamento, logo dos próprios elementos do Conselho
Geral Transitório?

4ª Sendo o futuro Director alguém não necessariamente professor titular, como


se compatibiliza isso com o modelo de avaliação em que ele será o avaliador de
todos os elementos da escola, quando é exigido que os avaliadores sejam
necessariamente docentes com mais tempo de carreira do que os avaliados?

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Todas estas questões respeitam, no essencial, ao regime que o Decreto-Lei nº


75/2008, de 27/4, em particular nos seus artigos 21º a 23º, veio estabelecer no
tocante à escolha ou designação do ora denominado “Director” e à
compatibilidade, ou não, de tal regime com o constante da chamada Lei de
Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14/10, com as alterações
introduzidas pela Lei nº 115/97, de 19/9 e pela Lei nº 49/2005, de 30/8, e ainda
abreviadamente designada de LBSE), em especial com o dos seus artigos 46º e
48º, e até com preceitos e princípios constitucionais.

A verdade, porém, é que uma resposta adequada a essas quatro questões


impõe uma análise bem mais ampla e o exame de um conjunto bem mais
alargado de pontos problemáticos.

II

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Assim, e desde logo, impõe-se assinalar que se se puder concluir que, em sede
das estatuições criadas pelo citado Decreto-Lei nº 75/2008, se não está afinal
perante um mero desenvolvimento do regime jurídico anteriormente estabelecido
pela Lei de Bases do Sistema Executivo, mas sim perante verdadeira
“inovação”, criação ou modificação inovatória do mesmo regime, se verificará
então evidente violação da reserva de competência da Assembleia da
República, com a consequente inconstitucionalidade orgânica do mesmo
Decreto-Lei.

Ora, tal como aliás melhor se demonstrará adiante, o regime instituído pelo
citado Decreto-Lei nº 75/2008 está – ao invés do que formal e genericamente se
declara no respectivo preâmbulo – muito longe de representar um mero
desenvolvimento do regime estabelecido pela já referenciada Lei de Bases do
Sistema Educativo, e muito em especial dos princípios gerais da administração e
gestão do sistema educativo (que assentam no pleno respeito pelas regras de
democraticidade e de participação dos implicados no processo educativo, na
prevalência dos critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de
natureza administrativa e no asseguramento da direcção de cada
estabelecimento ou grupo de estabelecimento por órgãos próprios para os quais
são democraticamente eleitos os representantes dos professores, alunos e
pessoal não docente), antes consubstancia um autêntico extravasar e até um
completo afastamento desse mesmo regime geral no que respeita ao dito
“Director”.

Ademais e em nosso entender, a matéria da definição e natureza dos órgãos de


administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino, das suas

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atribuições e competências, bem como dos modos de designação dos


respectivos titulares e do regime dos seus mandatos, assume natureza não
apenas de direitos e garantias dos cidadãos, e desde logo dos próprios
professores, como também e inequivocamente de opção fundamental e
disciplinar básica do sistema de ensino, pelo que é, inequivocamente, de
reserva absoluta da competência da Assembleia da República, nos termos da
alínea i) do artigo 164º da Constituição da República.

Razão por que o específico regime relativo aos órgãos de administração e


gestão dos estabelecimentos de educação e ensino constante do Decreto-Lei nº
75/2008, que veio criar um verdadeiro regime novo (através, designadamente,
de várias modificações inovatórias relativamente à LBSE), e porque produzido
pelo Governo no âmbito da matéria de reserva absoluta da competência da
Assembleia da República (que assim foi invadida) é desde logo organicamente
inconstitucional “ex vi”, precisamente, da supracitada alínea i) do artigo 164º da
C.R.P..

Independentemente do que antecede, a Lei de Bases do Sistema Educativo


assume claramente a natureza de lei “supra-ordenadora” em relação a outras
leis posteriores e, mais do que isso, posicionada acima destas últimas, as quais
a terão sempre de respeitar por força do valor hierárquico reforçado que lhe é
conferido pelo artigo 112º, nº 3 da Constituição. Razão por que qualquer
decreto-lei do Governo – mesmo que se admitisse que este para tal teria
competência e assim poderia legislar sobre tal matéria – está necessariamente
subordinado à lei de bases que supostamente esse diploma governamental
venha posteriormente procurar desenvolver.

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Ora, ao fazê-lo de forma que manifestamente afasta-se de todo e mesmo


contraria os princípios e soluções constantes da LBSE, o Decreto-Lei nº 75/2008
viola também a denominada “superioridade paramétrica geral” (estabelecida
pelos citados nºs 2 e 3 do artigo 112º da Lei Fundamental) daquela Lei de
Bases, pelo que também por esta via não poderá vigorar, na exacta medida
dessa contradição, na Ordem Jurídica.

III

Por outro lado, e como já expusemos alhures, consideramos não ser suficiente
para que se considere adequadamente respeitado o imperativo constitucional da

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audiência prévia das associações sindicais representativas de todos os


docentes potencialmente abrangidos pelo novo diploma legal, a mera afirmação
genérica, aposta no preâmbulo do diploma legal, de que “foram ouvidas as
organizações sindicais representativas do pessoal docente”.

As questões reguladas no referido diploma legal (Decreto-Lei nº 75/2008)


constituem inequivocamente matéria do âmbito da “legislação do trabalho” a que
se reporta o artº 56º, nº 2, alínea a) da Constituição e, no tocante aos
trabalhadores da função pública, também a Lei nº 23/98, maxime os artigos 6º e
10º, visto que não está apenas em causa a administração e gestão do
estabelecimento de ensino, mas de igual modo a criação de um novo órgão (o
“Director”) e as atribuições e competências que a este são atribuídas e que
respeitam directamente às condições de trabalho e ao modo de funcionamento
da instituição escolar, designadamente em matéria de designação de outros
órgãos (coordenadores), da definição do regime de funcionamento do
estabelecimento, da constituição das turmas e da elaboração dos horários, da
distribuição do serviço docente, da selecção e recrutamento do pessoal docente,
do exercício do poder hierárquico relativamente a este e da intervenção no
respectivo processo de avaliação de desempenho – cfr. artigo nº 20º, nº 4,
alíneas a), c), d), e), f), j) e nº 5, al. c) e e) do referido Decreto-Lei nº 75/2008

Ora, de acordo com a orientação uniforme do Tribunal Constitucional, aquela


expressão da Lei Fundamental deve ser interpretada como abrangendo
qualquer ponto do estatuto jurídico dos trabalhadores, designadamente os da
Função Pública, e maxime os relativos a direitos constitucionalmente
consagrados.

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Assim, a eventual preterição da audição das associações sindicais


representativas dos Professores ferirá de modo inapelável os diplomas legais
em que tal se tenha verificado de inconstitucionalidade formal.

Tudo isto se verifica quando do próprio texto e respectiva publicação do


Decreto-Lei nº 75/2008 não consta a referência concreta à audição de qualquer
das associações sindicais representativas dos trabalhadores (docentes) mas
antes a fórmula “tabelar”, genérica e abstracta de que “foram ouvidas (…) as
organizações representativas do pessoal docente” sem que se
indiquem – curiosamente ao invés do que sucede com outras entidades – quais
terão sido elas em concreto e de que modo foram efectivamente ouvidas.

Ora, sendo certo que a audição não apenas tem de ser efectivamente realizada,
como tem também de ser formalmente declarada, tal significa que o vício não
deixa de existir nem pela realização de qualquer mera “audição” (como já no
passado sucedeu, por exemplo, com a aprovação inicial de algumas alterações
ao Estatuto da Aposentação, em que se procurou chamar algumas das
associações sindicais para uma reunião na Comissão Parlamentar respectiva,
quando todo o processo já se encontrava praticamente finalizado), nem por uma
espécie de “prova” feita a posteriori com a junção de umas quaisquer actas de
que afinal sempre teriam existido reuniões (uma vez que a proclamação formal
da existência destas no próprio diploma é que é juridicamente relevante até por
ser a única forma viável e eficaz de se aferir, a partir dos factos enunciados, do
efectivo cumprimento da já atrás citada Lei nº 23/98).

E a referenciação exacta e concreta de quais as associações sindicais


representativas dos professores que terão sido ouvidas e em que termos o terão

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sido – até por apenas assim ser possível aferir do efectivo cumprimento do
referido requisito legal e constitucional da audição, consulta ou negociação
prévia, de outra forma transformado numa mera formalidade desprovida de
qualquer significado – deve ter-se, nos termos constitucionais, por
absolutamente indispensável.

Assim, e precisamente porque dele não consta tal referenciação exacta e


concreta, o regime jurídico do Decreto-Lei nº 75/2008 encontra-se também
irremediavelmente afectado pelo vício de inconstitucionalidade formal.

IV

No que ao regime jurídico – instituído pelo Decreto-Lei nº 75/2008 – relativo ao


modo e processo de designação do Director diz respeito, o certo é que o mesmo
se revela de uma enorme complexidade e até de algum confusionismo, que
decorrerão afinal da mal disfarçada tentativa de procurar conciliar no seu seio

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duas realidades distintas e em larga medida contraditórias: por um lado, o


processo de “recrutamento” (de entre docentes do ensino público ou particular e
cooperativo, qualificados para o exercício de funções de gestão administrativas,
financeiras e pedagógicas), apresentado como de natureza “concursal”, e, por
outro, a natureza electiva do cargo, imposta pelos princípios consagrados na Lei
de Bases acerca da administração e gestão dos estabelecimentos de educação
e ensino.

Ora, o modo como em concreto o Decreto-Lei nº 75/2008 procura resolver e


ultrapassar aquela contradição corporiza-se afinal na estatuição de um estranho
e complexo processo que se caracteriza por um primeiro procedimento dito
concursal (que não passa, afinal, de uma mera fase de apuramento da
verificação dos requisitos definidos como mínimos para a candidatura a uma
dada eleição) e por um subsequente processo eleitoral assaz singular, quer por
ser indirecto (o Director é eleito, não directamente pelos docentes, pessoal não
docente e estudantes, mas sim pelo chamado Conselho Geral, por sua vez
composto por representantes não apenas daqueles, como também do município
e da comunidade local – o que aliás entendemos estar em violação com o nº 4
do já citado artigo 48º da Lei de Bases – e em número nunca superior a 21),
quer por a renovação do seu mandato (chamada de “recondução”) não resultar
de qualquer novo processo electivo, mas sim de uma decisão tomada por
maioria absoluta dos membros do mesmo Conselho Geral em efectividade de
funções. E, para culminar tudo isto, o próprio Sub-Director – que substitui o
Director nas suas faltas e impedimentos e no qual este pode delegar e
subdelegar quaisquer das suas competências – é afinal pura e simplesmente
nomeado pelo próprio Director e por ele pode ser exonerado a todo o tempo!

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Significa tudo quanto antecede que temos hoje, por força do já diversas vezes
citado Decreto-Lei nº 75/2008, um singular, confuso e híbrido sistema que não é
(nem poderia ser, face aos já indicados princípios básicos constantes da Lei
Geral) concursal, sendo certo que, desde que todos possuam os requisitos
mínimos estatuídos nos nºs 3 e 4 do respectivo artigo 21º, o Conselho Geral
pode vir a eleger o menos qualificado deles, visto que, como resulta patente dos
artigos 22º e 23º, não apenas o relatório de avaliação de candidaturas não tem
qualquer carácter vinculativo como o referido Conselho Geral não está, sequer,
obrigado ou vinculado a escolher o melhor ou o mais qualificado dos
“candidatos”!

Mas também não é verdadeiramente electivo pois, conforme se assinalou já e ao


contrário do que resulta dos princípios gerais da Lei de Bases, maxime o seu
artigo 46º, nº 4, o dito Director não é designado por eleição directa dos membros
da comunidade escolar, como o seu mandato não apenas pode ser renovado
sem nova eleição, como também pode cessar, a requerimento do interessado,
por mero despacho do Director Regional de Educação (a quem também compete
homologar os respectivos resultados eleitorais), ou seja, de um cargo de
confiança política governamental.

Acontece porém ainda que, tal como decorre do artigo 21º, o Director pode ser
afinal alguém absolutamente exterior à Escola – o que em nosso entender
também contraria claramente o mesmo nº 4 do artigo 48º da Lei de Bases, pois
que este preceito claramente estipula e obriga a que a direcção de cada
estabelecimento ou grupo de estabelecimentos seja assegurada por órgãos
próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes dos
professores, dos alunos e do pessoal não docente, o que obviamente só pode

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significar que os titulares dos ditos órgãos são eleitos directamente pelos
professores (e também pelos alunos e pelo pessoal não docente) – e pode até
ser exterior ao próprio ensino público, tudo isto enquanto o Sub-Director que
substitua aquele nas suas faltas ou impedimentos e em quem aquele pode
delegar quaisquer usos das suas amplas competências já o não pode ser, não
se alcançando de todo a ratio desta diferença de regras.

Temos assim que o Decreto-Lei nº 75/2008 veio criar um órgão unipessoal não
verdadeiramente electivo, escolhido por um órgão colegial restrito onde estão
representados elementos que não os previstos no artigo 48º, nº 4 da LBSE, e
reconduzível sem novas eleições, podendo ser ocupado por pessoa
inteiramente estranha à Escola ou agrupamento de escolas e até ao ensino
público, e com amplíssimas atribuições e competências, entre as quais as já
citadas de designar os coordenadores da escola, os coordenadores dos
departamentos curriculares e os Directores de Turma, de distribuir o serviço
docente e não docente, de proceder à selecção de pessoal docente e não
docente, de exercer o poder hierárquico em relação a ele, de proceder à
selecção e recrutamento de pessoal docente e de intervir no respectivo
processo de avaliação !

O que tudo significa uma modificação claramente inovatória e, mais do que isso,
claramente contraditória com o regime dos órgãos “próprios”, titulados por
“representantes eleitos directa e democraticamente” pelos seus próprios pares,
que é a solução resultante da LBSE, com os daí consequentes e incontornáveis
vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade já atrás assinalados.

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Por outro lado, afigura-se-nos ainda que, nos termos do regime instituído pelo
Decreto-Lei nº 75/2008, os elementos quer do pessoal docente quer do pessoal
não docente têm também um interesse directo e pessoal óbvio, que nada tem
que ver com a maior ou menor qualificação para o exercício da função de gestão
administrativa, financeira e pedagógica, na escolha do Director, até pelo
relevante papel que o mesmo assume depois nos respectivos processos de
selecção, recrutamento e de avaliação.

E a verdade é que se tais questões, susceptíveis de porem em causa a


idoneidade e isenção objectiva do processo, já seriam graves relativamente a
um colégio eleitoral mais amplo, elas assumem muito maior relevância ainda
quando se trata de um colégio eleitoral restrito em que, em regra, o número de
docentes não chegará à dezena (o número máximo de elementos que compõem
o Conselho Geral é de 21 e nele o número de representantes do pessoal
docente e não docente não pode ser superior a 50% da totalidade dos membros,
por força dos nºs 1 e 3 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 75/2008).

E de facto, com um número tão restrito de eleitores docentes, fácil é de perceber


quão longe o sistema instituído por este diploma legal é, em abstracto,
susceptível de ir em matéria de falta de transparência, de toda a sorte de
acordos, expressos ou tácitos, e de condicionamentos objectivos na justeza e na
liberdade de escolha dos membros do colégio eleitoral.

Realce-se ainda que, conforme resulta igualmente do mesmo artigo 21º do


Decreto-Lei nº 75/2008, o referido e praticamente omnipotente Director não tem
que ser necessariamente professor titular mas não apenas procede à selecção e
recrutamento do próprio pessoal docente como tem intervenção decisiva no

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respectivo processo de avaliação de desempenho, o que não pode deixar de


representar uma evidente incongruência com um regime de avaliação em que é
suposto – e exigido – que os avaliadores dos docentes sejam necessariamente
outros docentes com mais tempo de carreira do que os avaliados !

Por fim, saliente-se a circunstância de a escolha de alguém com competências


tão amplas e tão intensas relativamente ao desenvolvimento da actividade
profissional dos docentes ser atribuída um colégio eleitoral restrito, em que os
elementos não docentes constituem a clara maioria e os que não são nem
pessoal docente nem pessoal não docente, e designadamente aqueles que
provêm do universo dos alunos, dos respectivos pais, do município e da própria
comunidade local, representam sempre pelo menos 50%, se afigurar mais do
que apta a suscitar as maiores dúvidas e reservas quanto às garantias de
imparcialidade e objectividade e, sobretudo, as de atenção às especiais
qualificações para desenvolver, gerir e avaliar a actividade docente, que tal
sistema, afina, é ou não capaz de assegurar.

Às observações que antecedem podem ainda adicionar-se algumas outras,


igualmente relevantes tais como as que ora e resumidamente se seguem.

Antes de mais, a instituição “ex novo” desse órgão unipessoal de poder muito
forte como é o de Director, escolhido por um colégio assaz limitado, com

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competência para nomear todo os titulares de cargos (a começar no


Sub-Director e nos Adjuntos e a acabar nos Coordenadores de Escola e de
Departamentos e nos Directores de Turma), com um mandato homologado pelo
Director Regional da Educação e que pode cessar, a pedido do próprio, por
mero despacho deste e sem qualquer intervenção do Conselho Geral,
reconduzível sem novas eleições, tendo por deveres específicos (cfr. artigo 29º
do Decreto Lei nº 75/2008) designadamente “cumprir e fazer cumprir as
orientações da administração educativa” (ou seja e antes de mais, o próprio
Director Regional da Educação) e, note-se, também ”manter permanentemente
informada a administração educativa, através da via hierárquica competente,
sobre todas as questões relevantes referentes aos serviços”, é apta a suscitar
ainda toda uma série de outras questões, para além das decorrentes de estritos
juízos de legalidade formal, e desde logo as relativas às daí decorrentes
evidente deliquiscência dos valores da autonomia e da gestão democrática e
participativa e tentativa de edificação de um sistema de gestão unipessoal
autoritária, centralista, baseado na lógica da sujeição à cadeia hierárquica e da
confiança política.

É que se deve atentar, desde logo, em que o Conselho Geral tem a competência
de eleger o Director [artigoº, nº 1, alínea b)], mas não a de o demitir ou destituir,
pelo que o mesmo Director não é afinal sequer responsável perante quem o
elege.

Depois, se todos quantos o coadjuvam e por ele têm delegadas competências


(Sub-Director e Adjuntos – artigos 19º e 20º, nº 7)) ou até o substituem (Sub-
Director – artigo 20º, nº 8), são afinal por ele livremente nomeados (artigo 21º, nº
5) e livremente exonerados a todo o tempo (artigo 25º, nº 9), fácil é de perceber

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que, no mínimo, se tornarão com este sistema (e contrariamente ao que sucedia,


por exemplo, com o Vice-Presidente do Conselho Executivo, com legitimidade
própria) muito ténues as possibilidades de algum ou alguns deles exercerem
qualquer espécie de controle ou “contrabalanço” relativamente a uma eventual
actuação menos ponderada ou menos correcta por parte do Director, o qual
tenderá muito mais a ser uma mera correia de transmissão da referida
“administração educativa” a quem tem o dever de obedecer, prestar contas e
informar permanentemente, do que um órgão próprio de uma Escola,
democraticamente eleito por quem nela vive e trabalha e funcionando dentro de
um sistema de “checks and balances” de legitimidades, atribuições e
competências capaz de evitar desvios ou perversões de prepotência, arbítrio e
injustiça, em absoluto contrários à natureza democrática e participativa do
sistema de administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino
definido e estatuído como foi pela Lei de Bases do Sistema Educativo, até em
obediência aos princípios estruturantes do Estado de direito democrático,
consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

E princípios esses que passam, não o esqueçamos, pela proclamada definição


da República Portuguesa como um Estado de direito democrático (em que estas
duas componentes “de direito” e “democrático” são tão indispensáveis quanto
indissociáveis uma da outra), em que se revelam essenciais o pluralismo
organizativo, os princípios da separação e interdependência de poderes e o
aprofundamento da democracia participativa, com a exigência e garantia da
participação dos administrados quer nas estruturas administrativas que os
gerem e dirigem quer na formação das decisões ou deliberações que lhes digam
respeito, tal como resulta dos nºs 1 e 5º do artigo 267º da Constituição.

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Mais patente ainda (se possível) se torna então a manifesta incompatibilidade


de princípios entre o edifício jurídico-normativo consagrado na LBSE, em
obediência justamente aos supra-referenciados preceitos e princípios
constitucionais, e a figura do Director como órgão, unipessoal e omnipotente, de
gestão dos estabelecimentos de ensino e dos professores, tal como ele resulta
do já profusamente analisado Decreto-Lei nº 75/2008.

O que, por seu turno, só pode conduzir a um juízo de desconformidade


constitucional do regime de tal órgão, muito em particular no referente à sua
natureza não verdadeiramente electiva e à sua não legitimação democrática e
participativa, com a consequente inconstitucionalidade material dos artigos 21º a
23º do Decreto-Lei 75/2008, de 22/4, por violação dos supra-referenciados
artigos 2º e 267º, nºs 1 e 5 da Constituição.

VI

Em conclusão

1ª O Decreto-Lei nº 75/2008, de 22/4, padece de inconstitucionalidade orgânica


por conter, em diversos dos seus pontos, clara natureza de modificação
inovatória relativamente à LBSE, maxime os seus artigos 46º e 48º, e
invadindo assim a reserva absoluta da competência da Assembleia da
República resultante do artigo 164º, alínea i), da CRP.

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2ª Sem conceder quanto ao que antecede, impõe-se concluir que, pelo menos, o
mesmo Decreto-Lei nº 75/2008 viola, nesses mesmos pontos, a
“superioridade paramétrica geral” da referida LBSE, não podendo assim
vigorar na Ordem Jurídica.

3ª Ao não indicar explícita e concretamente quais as organizações sindicais


representativas dos docentes que teriam sido ouvidas e os termos em que o
terão sido (única forma de aferir do adequado cumprimento, ou não, do
requisito legal e constitucional), o regime jurídico do mesmo Decreto-Lei nº
75/2008 encontra-se também afectado pelo vício da inconstitucionalidade
formal. Por outro lado,

4ª O sistema de designação do novo órgão unipessoal “Director” criado por tal


diploma não é nem verdadeiramente concursal nem verdadeiramente
electivo.

5ª Não sendo o mesmo Director designado por eleição directa dos membros da
comunidade escolar, mas por escolha de um conselho eleitoral restrito e de
onde fazem parte outros elementos que não os previstos no artigo 48º, nº 4
da LBSE, com um mandato renovável sem nova eleição, fortemente
dependente da administração educativa, podendo mesmo ser um elemento
exterior à escola e até ao próprio ensino público, mas com amplíssimas
competências, v.g. as de designar todos os outros cargos, distribuir o serviço
docente, proceder à selecção do pessoal docente, exercer o poder
hierárquico em relação a este e intervir no respectivo processo de avaliação,
manifestamente que tal sistema não apenas contraria o regime dos “órgãos

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próprios” titulados por representantes eleitos directa e democraticamente


pelos seus pares, consagrado nos artigos 46º e 48º da LBSE,

6ª Como também contraria, e de forma em absoluto injustificada e


desnecessária, os princípios constitucionais do estado de direito democrático
e da democracia participativa, consagrados no artigo 2º e 267º, nºs 1 e 5 da
CRP, pelo que tal sistema do mesmo Decreto-Lei nº 75/2008 padece
igualmente de inconstitucionalidade material.

7ª Contraria ainda claramente o artigo 48º, nº 4 da LBSE o dispositivo dos nºs 1


e 3 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 75/2008 quando vem estabelecer que do
colégio eleitoral que escolhe o órgão director, façam parte, e representem
pelo menos 50% do total, os elementos exteriores aos docentes, pessoal não
docente e alunos.

8ª É inegável a circunstância de que os (poucos) docentes que integram esse


colégio eleitoral (o Conselho Geral) têm óbvio interesse directo e pessoal na
escolha do Director, até por ser este que tem o papel decisivo no respectivo
processo de avaliação.

9ª E tal circunstância põe também em causa as condições objectivas de isenção


e imparcialidade do respectivo procedimento de escolha.

10ª O amplíssimo rol de atribuições e competências atribuídas ao Director e a


sua completa supremacia relativamente a todos os outros órgãos (a ponto de
o próprio Conselho Geral, que o elege, não o poder demitir) põe claramente
em causa, de forma tão marcada quanto despropositada e infundada, o

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sistema de “checks and balances” de legitimidades, atribuições e


competências, próprio da natureza democrática e participativa do sistema de
administração e gestão estatuídos pela LBSE e em obediência à
Constituição.

11ª O facto de o Director poder não apenas ser exterior à Escola e até ao Ensino
Público como não ser necessariamente professor titular (embora seja o
avaliador supremo de todos os elementos da Escola, e logo também dos
docentes) entra em clara contradição com um sistema de avaliação em que,
compreensivelmente, se exige que os avaliadores sejam necessariamente
docentes com mais tempo de carreira do que os avaliados.

12ª Pode assim com propriedade afirmar-se que o já diversas vezes citado
Decreto-Lei nº 75/2008, de 22/4, sob a invocação formal do mero
desenvolvimento do regime da Lei de Bases do Sistema Educativo, procede
afinal a uma verdadeira subversão desse mesmo regime, procurando
substituir as linhas essenciais de um sistema de gestão democrática e
participativa das escolas, desenvolvida através de órgãos preenchidos com
representantes eleitos directa e democraticamente pelos membros da
comunidade escolar, por um sistema de gestão unipessoal, autoritário,
centralista e em que o valor da autonomia foi radicalmente substituído pelo da
sujeição à cadeia hierárquica e à lógica da confiança política, com completa e
inadmissível violação quer da mesma Lei de Bases, quer dos já referenciados
preceitos e princípios da Constituição da República Portuguesa.

Este é, em suma, o nosso Parecer.

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Lisboa, 25 de Março de 2009

(António Garcia Pereira)

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