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Armand Mattellart
O modelo político-administrativo
A Computépolis japonesa
Desde o início dos anos 1970, a estratégia formulada pelo Japão, visando responder ao
desafio das novas tecnologias, converte-se no centro das atenções dos grandes países
industriais. Em 1971, um plano elaborado pelo Japan Computer Usage Development
Institute (Jacudi) fixa a "sociedade da informação" como "objetivo nacional para o ano
2000". Epicentro dessa política voluntarista: o MITI, super-ministério do comércio
internacional e da indústria cuja principal missão é a de estimular as sinergias entre a
pesquisa e a indústria, o setor público e os grandes grupos privados. Emergem desse
plano os contornos da sociedade do futuro: um banco central de dados do Estado;
sistemas médicos de atendimento à distância; um ensino programado e racionalmente
administrado, capaz de desenvolver um "estado de espírito informático"; um sistema de
prevenção e de luta contra a poluição; um sistema de informação para as pequenas e
médias empresas; um centro de reciclagem de mão-de-obra. Como pano de fundo, o
modelo Computépolis, a cidade inteiramente interconectada e equipada com terminais
domésticos, com gestão automatizada dos fluxos do tráfego, uma rede de trilhos e
veículos de dois lugares comandados por computador, hipermercados por assim dizer
sem funcionários e com pagamento feito com cartões magnéticos, informatização do ar
condicionado.
O interesse do Japão pela sociedade da informação terá sua tradução nos discursos de
acompanhamento que lhe são próprios. Os escritos do futurólogo Yoneji Masuda
prometem uma sociedade na qual a criatividade intelectual toma a dianteira sobre o
desejo de consumo material inculcado pela sociedade da abundância, em que a ética da
autodisciplina é acompanhada por uma implicação social, em que os seres humanos e a
natureza vivem em harmonia e em que o poder centralizado e a hierarquização dão lugar
a uma "sociedade multicentrada" [Masuda, 1980]. Mas nos projetos Hi-Ovis, enquanto as
mulheres são o principal alvo da prospecção dos usos possíveis dos artefatos, a equipe
encarregada do acompanhamento e da avaliação da experimentação é composta
unicamente por homens [Cronberg e Satlgregorio, 1981]. O que é no mínimo paradoxal
para um projeto que inscreveu entre seus objetivos sociais a "restauração da
subjetividade".
A noção de vulnerabilidade dos sistemas informatizados também veio à tona. Por meio
dela se diz que o processamento de dados não pode ficar à mercê de capitais externos.
Isso "poria em risco a independência econômica ". A parte de capital externo em uma
empresa deverá ser inferior a cinqüenta por cento. O resultado mais patente da estratégia
precoce do MITI é a entrada das firmas japonesas no domínio das memórias. Elas
passam a se dedicar ao computador pessoal em 1978 e, em quatro anos, conseguem
inverter a tendência que dava às empresas americanas um reinado praticamente solitário
sobre o mercado interno. Elas também reforçam sua liderança mundial na eletrônica para
grande público. O período em que se define um quadro institucional para atingir a
sociedade da informação concorda com a aceleração da internacionalização e do
deslocamento da produção das grandes empresas desse setor. Outra revelação: o
engajamento do Japão nos objetivos educativos faz com que no ano 2000 esse país
possa se vangloriar de ser o único a possuir televisões educativas de grande audiência.
O relatório Nora-Minc, uma filosofia da crise deixando de lado o Japão, que foi
amplamente poupado da recessão econômica, a idéia de crise se infiltra nos discursos
dos grandes países industrializados sobre as estratégias de informatização. Mas, de
modo paradoxal, a própria noção de crise só muito raramente é objeto de um tratamento
aprofundado [Schiller, 1984]. O relatório de Simon Nora e Alain Minc sobre a
informatização da sociedade, entregue ao presidente Giscard d'Estaing em janeiro de
1978, constitui uma dessas raras exceções que confirmam a regra da simples invocação
ritual. Esse documento deve ser lido como eco aos diagnósticos preocupantes sobre o
estado do mundo que circulam desde o início da década. Quer seja o do Clube de Roma
sobre os "limites do crescimento", emitido às vésperas do "primeiro choque do petróleo"
por economistas, ecologistas e especialistas em ciências políticas e em relações
internacionais que explicam até que ponto o modelo de crescimento ocidental é
autofágico, devorando homens, matérias-primas e recursos naturais, e portanto destinado
à exaustão [Meadows, 1972]. Quer se trate do relatório sobre a "governabilidade" das
democracias ocidentais, redigido por três especialistas das ciências sociais a pedido da
Comissão Trilateral, espécie de estado-maior privado dos grandes países industriais, que
alerta sobre os "limites potencialmente desejáveis à extensão indefinida da democracia
política" [Crozier, Huntington e Watanuki, 1975]. No momento do início dos trabalhos do
relatório francês, a ameaça de penúria energética já deu um rosto comum ao espectro da
crise.
Sobre as políticas de independência nacional
Simon Nora e Alain Minc aprofundam a noção com o propósito de definir o estado dos
lugares e de propor uma terapêutica, reencontrando assim a doutrina sansimonista sobre
a crise e o papel reorganizador atribuído à rede. "A informática crescente da sociedade",
escrevem eles, "está no âmago da crise, ela pode agravá-Ia ou contribuir para sua
solução." Ela revoluciona o "sistema nervoso das organizações e da sociedade por
inteiro". O "novo modo global de regulação da sociedade" que ela ajudará a instaurar é
capaz de debelar a perda do consenso social e fazer com que seja reencontrada a
adesão dos cidadãos às regras do jogo social: "A reflexão sobre a informática e a
sociedade reforça a convicção de que o equilíbrio das civilizações modernas se baseia
em uma alquimia difícil: a dosagem entre um exercício cada vez mais vigoroso dos
poderes reais do Estado e uma exuberância crescente da sociedade civil. A informática,
para o melhor e para o pior, será um ingrediente importante dessa dosagem" [Nora e
Minc, 1978, p. 5]. Os dois relatores modernizam o discurso redentor: uma vez que a
telemática, neologismo inventado naquele momento para indicar a conexão entre as
telecomunicações e a informática, pressagia modos mais brandos de gestão do
consenso, ela abre caminho para a "recriação de uma ágora informacional". Pois a
sociedade das redes coloca em causa "a longo prazo uma divisão elitista dos poderes,
isto é, no fim das contas, dos saberes e das memórias". Mas essa será, prevêem os
relatores, uma "sociedade aleatória", o "lugar de uma infinidade de conflitos
descentralizados". Objeto de múltiplas rivalidades e de solução incerta, os valores da
sociedade da informação clamam pelo "retorno ao centro dos desejos dos grupos
autônomos, pela multiplicação ao infinito das comunicações laterais".
Os anos 1960 podem ser considerados a seguidos por Singapura. Isso era
apoteose do debate internacional sobre a desprezar a observação feita por Marc
doutrina liberal do free flow of information Porat em seu relatório oficial sobre a
defendida pelo Departamento de Estado economia da informação: "A questão é
ame- rica no (ver capo 111). totalmente política, não técnica" [Porat,
A entrada em cena do movimento dos 1978, p. 78].
países não alinhados confere a esse O certo é que a contestação geral do
debate uma dimensão que ele não tinha desequilíbrio dos fluxos e da doutrina do
quando o enfrentamento nas instâncias Departamento de Estado tem como
da comunidade internacional se resumia efeito notório a aceleração, dentro do
a uma oposição entre os Estados Unidos próprio establishment político, da
e a União Soviética. Os debates que reflexão sobre as implicações
ocorrem na Unesco dizem respeito ao geoestratégicas da sociedade da
reequilíbrio dos fluxos de informação por informação. Em 1977, o Comitê das
serem eles muito desproporcionais no relações exteriores do Congresso
sentido Norte/Sul. Os Estados do Sul organiza as primeiras audiências
defendem a necessidade de instaurar (hearings) sobre a "era da informação". A
uma "Nova ordem da informação e da comissão, presidida pelo senador
comunicação" (NOMIC). Uma George McGovern, ouve responsáveis
reivindicação que, embora permita a pela mídia, donos de empresa,
muitos se livrar de sua responsabilidade universitários, líderes sindicais e, até
na ausência de transparência e de mesmo, um antigo diretor da CIA. As
liberdade de imprensa no terceiro audiências avalizam a definição da
mundo, não deixa de levantar um real informação como "novo recurso
problema ligado à amplidão. O relatório nacional". Do relatório publicado sob o
da Comissão para o estudo dos título The New World of Information
problemas das comunicações Order destacam-se três questões que
estabelecida pela Unesco e presidida permanecem na ordem do dia: "Como se
pelo irlandês Sean McBride, prêmio pode aumentar o fluxo da informação
Nobel da paz e co-fundador da Anistia com o fim de melhorar o futuro de toda a
Internacional, ateia fogo à pólvora humanidade sem desrespeitar a vida das
[McBride, 1980]. Os Estados Unidos de pessoas privadas, o direito de
Ronald Reagan e o Reino Unido de propriedade dos dados e a segurança
Margaret Thatcher usarão como pretexto nacional? Como se pode, ou se poderia,
a "politização" dos debates para fechar a conciliar o desejo do segundo e do
porta do organismo internacional terceiro mundos de controlar os setores
(respectivamente em 1985 e 1986), logo de informação de suas próprias
sociedades com a tentativa de permitir mesmo tempo que ajuda a satisfazer as
um livre fluxo da informação no mundo necessidades das nações em via de
inteiro? Como o governo pode assegurar desenvolvimento, e ganhar sua
a segurança dos Estados Unidos e cooperação? [Kroloff e Cohen, 1977].
preservar seus interesses econômicos ao
A desregulamentação
Os operadores globais
Em 1987, o Livro Verde sobre as telecomunicações dá o primeiro passo para o ajuste dos
países membros da União Européia, tendo em vista a elaboração dos termos de uma
política pública comum no domínio. O documento preconiza a abolição dos monopólios
nacionais e esboça uma problemática das redes de informação como elemento da
construção do mercado único. Durante a década seguinte, nada menos que três diretrizes
balizarão o caminho rumo à liberalização, à plena concorrência e ao serviço universal.
A abertura, em 1986, do oitavo ciclo das consenso entre os parceiros da União foi
negociações comerciais multilaterais, no obtido in extremis, pois alguns deles
seio do GATT (acordo geral sobre as questionavam não apenas a eficiência
tarifas aduaneiras e o comércio, limita a mas também o próprio princípio de tais
questão do intercâmbio cultural somente medidas. Além disso, no interior dos
ao perímetro europeu, no qual o próprios países mais favoráveis à
confinavam até então as políticas exceção cultural, como a França, a
comunitárias de harmonização dos posição governamental entrou em
sistemas publicitários e audiovisuais. confronto com as estratégias dos
Durante esse novo ciclo, batizado de grandes grupos ou "líderes nacionais"
Uruguay Round, a cultura e a multimídia, desejosos de atingir o
comunicação são oficialmente integradas tamanho crítico no mercado mundial e,
nas nomenclaturas do GATT sob a portanto, adversários de todas as formas
rubrica "serviços", e tratadas como tais. A de protecionismo, por temor às
ratificação desse organismo técnico represálias. A delegação americana
como local de prescrição política no fracassa em deixar fora da lei os
domínio manifesta-se na ocasião das sistemas de auxílio nacionais à produção
negociações entre os Estados Unidos e a e à difusão audiovisual assim como as
União Européia em torno da aplicação da medidas tomadas paralelamente pela
livre-troca às indústrias culturais. O braço Comunidade em 1989 na adoção da
de ferro é concluído em Bruxelas em Diretriz da televisão sem fronteiras. O
dezembro de 1993 com a adoção da tese Departamento de Estado aprende a lição
da "exceção cultural" (expressão que de seu fracasso e ajusta sua posição
será abandonada seis anos depois, por contornando o obstáculo ao procurar não
pressão francesa, em benefício da de separar a discussão sobre o audiovisual
"diversidade cultural"): a cultura escapa da que se refere às transformações
ao tratamento livre-cambista. O tecnológicas em curso. Procurar-se-á
que as medidas restritivas referentes aos riqueza da sociedade da informação, do
produtos audiovisuais não se estendam qual depende própria definição das
aos novos serviços de comunicação e se noções de criação e de autor. Há o risco
difundirá a tese segundo a qual a de que se veja – com o desenvolvimento
convergência numérica obriga a fusão da Internet e dos outros serviços on-line
dos regimes regulamentares aplicáveis e em nome da liberalização total dos
ao audiovisual e os das fluxos – a noção de direito autoral,
telecomunicações, a submeter os dois a definida internacionalmente pela
uma norma simplificada ditada peIas Convenção de Berna em 1886, segundo
"forças do mercado". Serão utilizadas a qual o criador é o único dono de sua
todas as tribunas em que se discute a obra, direitos cabem a ele ou a seus
questão genérica da liberalização em herdeiros até setenta anos após sua
termos de investimento para opor-se à morte, apagar-se em proveito da
tese da regulação pública no domínio concepção anglo-saxã de copyright, ou
cultural. Exemplo: as negociações que seu correspondente na era do on-line, a
ocorreram entre 1995 e 1998 no quadro "licença convencionada", em que o
da OCDE, que agrupa os 29 países mais criador cede seus direitos a um produtor
ricos, relativas ao projeto de Acordo que dispõe deles como bem entender,
Multilateral sobre os Investimentos (AMI). recortando ou desviando a obra de seu
Ao propor a liberação dos investimentos uso original. Ao reconhecer o princípio de
privados internacionais, quaisquer que propriedade intelectual inalienável, pelo
eles fossem, das limitações instituídas viés da proteção do direito moral do
pelas políticas nacionais nos países-alvo, autor, a União Européia ratificou em 1996
o acordo procurava anular toda a primeira concepção em um Livro Verde
regulamentação privilegiando os sobre "Os direitos de autores e os
investimentos culturais europeus. direitos aparentados na sociedade da
informação" e uma Diretriz editada no
Sem por isso reduzir a questão da ano seguinte. Ainda resta o complexo
regulamentação das trocas culturais à problema do estabelecimento do
equação técnica, é preciso reconhecer dispositivo institucional que assegura o
que a interpenetração crescente dos direito e o poder dos criadores de
vetores da comunicação força a retirada controlar as suas obras, de guardar,
das barreiras ao debate. Como prova qualquer que seja o caminho, um direito
disso há as controvérsias sobre o direito sobre a sua difusão.
de propriedade intelectual, primeira