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ESCOLA E RELAÇÕES DE PODER:

NOTAS A PARTIR DE UMA LEITURA DE FOUCAULT

Pedro E. Gontijo1

Introdução

Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver


com o significante... É preciso que sirva, é preciso que
funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para
utilizá−la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de
ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda
não chegou. (Gilles Deleuze – Os intelectuais e o poder in
Microfísica do Poder 1989: 71)

Procuro fazer uso de Foucault como uma caixa de ferramentas que possibilite
um apreender, um “bisbilhotar” e um escavar as relações de poder existentes
no cotidiano de escolas a partir da experiência vivenciada em algumas escolas
da periferia de Brasília, mas que certamente não é exclusividade destas
experiências e sim, pode ser vista como amostra do que pode está ocorrendo
em muitos espaços educacionais, se não na maioria deles. Neste bisbilhotar o
cotidiano, me interessa identificar os processos de subjetivação e
disciplinamento dos corpos.

Mesmo entendendo que abordagens sobre o disciplinamento na escola a partir


de Foucault

“talvez já tenha chegado à exaustão e se constituem hoje, tal


como o mito de Eco – ninfa condenada pela deusa Juno a
repetir infinitamente as últimas palavras das frases - ,
reproduções contínuas e insitentes de algo que, assim
banalizado, perde a sua própria função de diagnóstico e
provocação” (EIZIRIK 2002:63)

1
Universidade Católica de Brasília. Doutorando em Filosofia da Educação –
UNICAMP.

Anais do III Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação Rio de Janeiro, UERJ, 9 – 11 outubro 2006.
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prefiro apostar na potencialidade provocadora de cada nova abordagem, por se


tratar de uma busca de apropriação teórica a partir de um local específico,
localizado.

Foucault pode ser bastante frutífero para uma abordagem que se assume local
e fragmentada. Possibilita revelar aspectos pouco observados do cotidiano de
instituições como a escola. Pretendo ter como objetivo o mesmo que
FOUCAULT (1994:778) revela ter em seu trabalho:

Um dos meus objetivos é mostrar às pessoas que um bom


número de coisas que fazem parte dessa paisagem familiar –
que as pessoas consideram como universais – não são senão
resultados de algumas mudanças históricas muito precisas.
Todas as minhas análises vão contra a idéia de necessidades
universais na existência humana. Mostram o caráter arbitrário
das instituições e nos mostram qual é o espaço da liberdade que
ainda dispomos e que mudanças podemos ainda efetuar.

Meu foco não está em escrever a especialistas em Foucault, querendo revelar


algo de novo sobre o mesmo ou sobre o uso do mesmo em algum estudo
específico. Escrevo como docente, que encontra em Foucault um instrumento
para entender situações em que me encontro nas práticas pedagógicas que
vivo. Escrevo pensando em meus colegas professores, muitos dos quais
jamais ouviram falar de Foucault, mas que estão envolvidos nestas redes e
nestes mecanismos disciplinadores da escola, que sendo muitas vezes
invisíveis, formatam as subjetividades dos mesmos.

O texto pretende ser coerente com o título, ou seja, trata-se apenas de notas
que focalizando uma ou outra questão que envolve o cotidiano escolar possa
ser caracterizado a partir do referencial construído por Foucault.

A escola constituidora de subjetividades e espaço de exercício do poder

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Não são apenas os prisioneiros que são tratados como


crianças, mas as crianças como prisioneiras. As crianças
sofrem uma infantilização que não é a delas. Neste sentido, é
verdade que as escolas se parecem um pouco com as
prisões, as fábricas se parecem muito com as prisões. (Gilles
Deleuze – Os intelectuais e o poder in Microfísica do Poder
1989: 73)

A proposta é justamente tomar as práticas concretas no interior da escola como


domínio privilegiado de análise, considerando estas como mecanismos de
produção da experiência de si dos que participam da comunidade escolar. As
práticas pedagógicas são produtoras de subjetividades, apesar de muitas
vezes serem apresentadas apenas como espaços de desenvolvimento ou de
mediação. LARROSA (1994:45) possibilita entender bem esta questão quando
afirma que

“se a experiência de si é histórica e culturalmente contingente, é


também algo que deve ser transmitido e ser aprendido. Toda
cultura deve transmitir um certo repertório de modos de
experiência de si, e todo novo membro de uma cultura deve
aprender a ser pessoa em alguma das modalidades incluídas
nesse repertório”.

Isto reforça a idéia de que a pedagogia não é apenas mediadora da


experiência de si de cada pessoa, mas também é produtora desta relação.
Seguindo esta linha de raciocínio, entendo poder afirmar que há algo de
específico na ação do professor e da escola como um todo e que refere-se
diretamente a seu jeito de funcionar enquanto reprodutora de uma cultura, de
valores e de modos de ser.

A escola enquanto produtora de subjetividade e disciplinadora de corpos e de


discursos possui controle, tanto de alunos, como de outros atores sociais, tais
como diretores, assistentes pedagógicos, professores, técnicos e especialistas
em educação, orientadores educacionais, pais, comunidade geograficamente
próxima e outros. Com Foucault, podemos entender que assim como o ser

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humano é colocado em constantes relações de produção e significação das


experiências que vive, também é colocado em complexas relações de poder.

Em Vigiar e Punir (1987), Foucault expressa os princípios básicos do


funcionamento do poder disciplinador: a espacialização ordenando cada um em
um espaço específico; o controle minucioso das atividades dentro do tempo
estipulado para cada uma; a vigilância hierárquica que organiza todos em uma
rede onde cada um ocupa um lugar na hierarquia de autoridade; a constituição
de sanções normalizadoras para evitar qualquer possibilidade de desvio e que
sanções seriam aplicadas quando este ocorrer; por último, o exame que reúne
características dos outros instrumentos.

Os sistemas educacionais e as escolas em particular, formam espaços onde o


poder disciplinador se expressa de modo exemplar. Todo o processo de
organização curricular, de organização de calendário escolar, de definição das
atividades e seleção de conteúdos, dos sistemas de promoção e reprovação
constituem dispositivos que explicitam e moldam as subjetividades envolvidas
nestes processos explicitando os princípios acima elencados.

Houve época, e não faz muito tempo, em que o discurso dominante na prática
pedagógica era capaz de mobilizar parcelas significativas dos estudantes em
função de ser centrado na preparação para o espaço universitário e, sobretudo,
para o mercado de trabalho. Todavia, hoje, quando assistimos no Brasil uma
expansão do ensino superior (mesmo que prioritariamente privado) diminuindo
a concorrência de forma significativa nos vestibulares e de crescimento do
desemprego estrutural, que cria uma distância ainda maior entre nível de
instrução e empregabilidade, tal discurso já não possui o mesmo efeito de
outrora.

É interessante observar que com o fracasso relativo destes enfoques no


discurso, a prática pedagógica teve que fazer uso de outras estratégias não
mais diretamente sintonizadas com o discurso. Alguns instrumentos
começaram a ter um papel privilegiado no serviço ao poder disciplinador.

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A educação, organizada nos sistemas formais de ensino, enquanto prática


social se constitui como um campo de disseminação de sentido, de produção
de identidades. Trata-se de um “jogo de poder”.

Tomando o conceito de poder não como

“fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um


indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de
uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o
poder – desde que não seja considerado de muito longe- não
é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e lhe
são submetidos”, (FOUCAULT 1989: 183)

percebemos o caráter de circularidade do poder permeando o conjunto das


relações sociais e portanto da prática pedagógica.
Como afirma Foucault:

a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a


múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de
poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política
geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e
faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias
que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade;
o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro. (FOUCAULT 1989:12)

Considerando que as relações sociais no interior das quais se realizam as


práticas de significação são relações sociais de poder e que há um vínculo
estreito e inseparável entre significação e relações de poder, abrem-se
perspectivas diferentes para a prática pedagógica envolvendo os diferentes
atores da cena pedagógica.

Parece que podemos afirmar que a escola tem um importante papel neste
“regime de verdade”. O lugar de onde falam a direção escolar e os professores
é o pretenso espaço da verdade. Este espaço é, muitas vezes, tão bem
ocupado por estes que pouco ou nada sobra de espaço de verdade no discurso
dos alunos. Os professores, em geral pouco ou nada vivenciam o entendimento

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de que tanto eles como os alunos são portadores de verdades e pouco


consegue identificar os processos produtores das verdades contidas na prática
pedagógica.

Podemos afirmar que a escola atualiza o que Foucault chamava de tecnologia


do poder pastoral. Na análise que fez do poder exercido pela Igreja nas
sociedades medievais, Foucault postulava a existência de algumas
características e algumas especificidades:

1) O poder pastoral é exercido como uma forma de poder cujo objetivo final é
assegurar a salvação individual num outro mundo;

2) O poder pastoral não é uma forma de poder que se comanda, deve-se estar
preparado para se sacrificar pela vida e salvação do rebanho;

3) O poder pastoral é uma forma de poder que não cuida apenas da


comunidade como um todo, mas de cada indivíduo em particular, durante
toda a vida;

4) O poder pastoral não pode ser exercido sem o conhecimento da mente das
pessoas, sem explorar suas almas;

Poderíamos fazer um paralelo a estas especificidades para perceber como o


poder pedagógico reproduz de outra forma a mesma matriz de poder.

1) A educação é apresentada como um direito inalienável de qualquer criança,


para que esta possa ter condições de ser salva neste mundo;

2) Ainda é corrente se dizer que professor não é profissão, mas sim vocação.
Como vocação é chamado e este é para se cumprir uma missão: estar a
serviço dos educandos. É alguém que se sacrifica pela aprendizagem dos
alunos. A própria escola “é para os alunos”;

3) Cada aluno é membro de uma comunidade, de uma escola, de uma turma,


mas ele possui suas avaliações, seu boletim de notas e qualquer ação sua
que o diferencie dos demais, seja por baixo rendimento ou por
desobediência o tratamento é personalizado. Assim, a escola tanto cuida de
todos, como cuida de cada um em particular;

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4) A escola conseguindo o respaldo de pais, professores e dos próprios alunos


pode exercer plenamente seu papel normalizador da vida dos alunos e
alunas.

O disciplinamento dos corpos no espaço e no tempo

Nas escolas do século XVII, os alunos também estavam


aglomerados e o professor chamava um deles por alguns
minutos, ensinava−lhe algo, mandava−o de volta, chamava
outro, etc. Um ensino coletivo dado simultaneamente a todos
os alunos implica uma distribuição espacial. A disciplina é,
antes de tudo, a análise do espaço. E a individualização pelo
espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado,
classificatório, combinatório. (FOUCAULT – 1989: 106)

A disciplina é uma técnica de poder que implica uma vigilância


perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá−los às
vezes ou ver se o que fizeram é conforme à regra. E preciso
vigiá−los durante todo o tempo da atividade e submetê−los a
uma perpétua pirâmide de olhares. (FOUCAULT 1989: 106)

Os muros das escolas cresceram muito nas últimas décadas. Na periferia de


Brasília era comum na década de 70, escolas com apenas cercas de tela com
cerca de um metro e meio. Hoje em dia temos muros cada vez mais altos,
muitos com até três metros de altura. Ninguém que está dentro das escolas
tem condições de saber o que ocorre fora dos muros e vice-versa. Os espaços
que fazem comunicação física com o fora da escola e que apresentam alguma
possibilidade de serem usados para entrar ou sair indevidamente da escola são
totalmente fechados com paredes ou com grades.

Assistimos à organização do uso do espaço de sala de aula de duas formas: ou


as turmas são confinadas em salas fixas e nestas permanecem durante todo o
período em que se encontram na escola, tendo os professores se deslocando
de sala em sala para ministrar suas aulas. A outra forma de organizar os
estudantes no espaço se dá por meio do que é chamado de organização de
salas ambientes. Define-se salas ambientes para cada disciplina, mas que na

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prática, em geral, o que há são os professores que permanecem fixos nas


salas e promovendo a transferência de alunos de cada sala a cada mudança
de horário.

O disciplinamento espacial é feito também por outros mecanismos. A


especificação dos espaços da forma como é feita, por exemplo, colocando o
espaço de servidores da limpeza em um lugar afastado, no fundo ou em algum
canto menos importante da escola , revela como este disciplinamento ocorre.
Normalmente, nas escolas públicas, o espaço de servidores que não estão
ligados à regência diretamente ou à burocracia da escola é um espaço menor e
com qualidade inferior de mobiliário. Há uma hierarquia de importância nos
espaços da escola. O espaço principal é a sala da Direção da escola, depois
outros como secretaria, onde, a princípio não deve haver acesso de pessoas
estranhas ao trabalho daquele setor.

Como vivemos em uma época de domínio da tecnologia, e como esta não


chegou de forma substancial nas escolas públicas de periferia, sua presença
na escola ainda é tida como novidade. Qualquer sala que tenha equipamentos
eletro-eletrônicos é cercada de cuidados. A segurança física é reforçada e o
uso é ainda mais disciplinado.

A transferência de sala que cada turma deve fazer a cada cinqüenta minutos,
provoca um mexer nos corpos dos alunos que substitui ou faz às vezes de
alguma ginástica laboral que teria como perspectiva reorganizar o corpo para
poder ficar mais algum tempo sentado, comportado adequadamente para a
próxima aula. Possibilita também, conforme relatos, que professores não
precisem sempre escrever novamente no quadro a cada nova turma que entra
em cada novo horário, pois se o assunto for o mesmo, o professor ganha
tempo e se cansa menos.

No caso dos professores o disciplinamento do tempo se dá por meio do


fracionamento do mesmo, distribuindo as diferentes atividades em
compartimentos bem delimitados de tempo. O horário é dividido em tempo em
sala, tempo de coordenação geral, coordenação de área do conhecimento e
coordenação individual. Em função da própria dificuldade de disciplinar

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acompanhando de tais coordenações, uma fica “flexibilizada” podendo os


professores “coordenarem” em casa mesmo. Na verdade quase todos
necessitam de tempos outros para dar conta do planejamento execução e
avaliação das atividades. Tal situação poderia mostrar algum hibridismo com
dispositivos de controle, pois acaba que não há separação entre o momento
em que acaba o trabalho profissional e começa o descanso no lar.

A grade horária que organiza a distribuição das aulas ao longo das horas é a
forma privilegiada de disciplinamento no tempo dos alunos.

Os alunos possuem 15 componentes curriculares. Esta quantidade de


disciplinas além de ocupar então 30 horas semanais diretas, ainda fazem que
seja necessário a ocupação de tempo correspondente em casa. Se cada aluno
um for dedicar uma hora semanal para atividades de cada disciplina, o que não
é muito, já terá ocupado as manhãs dos dias de aula. Se acreditarmos que
qualquer trabalho de pesquisa e redação de relatório ou coisa parecida, tomará
mais de 03 horas, seria necessário um tempo muito maior.

O tempo na escola é demarcado rigorosamente. Não pode uma aula, salvo


exceção que confirma a regra, demorar mais e outra ter menos tempo. As
disciplinas consideradas mais importantes, balizadoras, tem uma carga horária
maior, como Língua Portuguesa e Matemática (ainda que haja dúvida se a
carga horária não deveria ser maior, dado a quantidade de conteúdos e
necessidade de maior acompanhamento). As demais têm carga horária
uniforme. Apenas alguns projetos que são desenvolvidos como disciplinas
possuem também alguma carga horária, porém ainda menor.

O conteúdo a ser ensinado tem um tempo para isso em cada disciplina Tem
que seguir todo quase “a risca”. Nada de adiantar muito, pois se entrará no
conteúdo do ano seguinte, nada de ir muito devagar, pois “há conteúdo a
vencer”. O conteúdo é fracionado e distribuído ao longo do ano. Há conteúdos
para o início, para o meio e para o fim do ano. Este processo que entende o
conhecimento como tendo uma progressividade positivistamente obrigatória é
tão forte que é comum expressões entre os professores como: ”estou

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adiantado com o conteúdo” ou “estou um pouco atrasado , ainda não cheguei


nesta parte”.

Outra forma de disciplinamento espacial e temporal ocorre com o processo de


adestramento dos corpos ao serem (alunos) obrigados a usar uniformes. Tais
uniformes não são definidos na escola, mas sim um único modelo para toda
rede pública, ou seja, os alunos são obrigados a estarem com uniformes
comuns a toda a rede. Muda apenas o número da escola nas camisetas. Este
uso ocorre tanto dentro da escola, como em qualquer lugar que se encontre
como aluno da escola em atividade da escola. Quando alguém usa
indevidamente o uniforme, torna-se fácil perceber a sua presença, assim como
a presença de quem não é aluno da escola. Na rua, no ir para a escola ou na
volta para casa, ficam evidentes as presenças de alunos e sua diferenciação
de outros transeuntes.

Ainda no que se refere ao disciplinamento pelo vestuário, pode-se constatar em


alguns momentos às vezes simultâneos, às vezes não, proibe-se o uso de
bonés, de óculos escuros e outras peças do vestuário, sempre sob o
argumento de que estes “adereços” possibilitam condutas indesejadas no
ambiente escolar.

Não é estranho que, em várias situações, se busca controlar também a roupa


das meninas, proibindo o uso de mini-saias sob a alegação que o tamanho
curto se torna constrangedor para as mesmas e para outros alunos e
professores. Como pode-se perceber há toda uma tecnologia de
disciplinamento dos corpos tanto do espaço, como do tempo. E como este
disciplinamento envolver vários atores da escola.

A avaliação como instrumento adestrador de comportamentos

O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da


sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma
vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece

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sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são


diferenciados e sancionados. É por isso que, em todos os
dispositivos de disciplina, o exame é altamente ritualizado. (...)
Faz-se a história das experiências com cegos de nascença,
meninos-lobo, ou com a hipnose. Mas quem fará a história
mais geral, mais vaga, mais determinante também, do “exame”
– de seus rituais, de seus métodos, de seus sistemas de notas
e de classificação? (FOUCAULT, 1987:154)

O processo de disciplinamento escolar procura dispositivos diversos para a


eficácia de suas estratégias. A ineficácia de diversas estratégias de confinar
estudantes na escola, encontraram na avaliação um instrumento privilegiado.
As avaliações, que em alguns momentos e lugares mais tradicionais, ocorriam
em momentos estanques do ano letivo, passaram com o tempo a ocorrer
durante todo o período, sob a alegação de que a avaliação é processual e de
que cada aula, cada atividade precisa ser avaliada e fazer parte dos
instrumentos que estarão na composição da nota do estudante. FOUCAULT
(1987:155) mesmo já alertava sobre o que se tornaria a escola. Quando
afirmou que “a escola torna-se uma espécie de aparelho de exame ininterrupto
que acompanha em todo o seu comprimento a operação do ensino”.

Assistimos nos últimos anos a um fenômeno interessante nas escolas, que


poderia servir de ancoradouro para outras análises propostas neste estudo,
mas que nos parece que aqui, na análise sobre a avaliação, pode ilustrar como
que esta tem tido um papel crescente no processo disciplinador.

De um lado os estudantes se encontram envolvidos a processos formativos


total ou parcialmente fora da escola em espaços formais ou não formais que
garantem um volume de informações e conhecimentos, que parece seduzir os
mesmos com muito mais eficiência que a escola. De fato se observa que muito
dos saberes que os estudantes hoje precisam para ingressarem no mercado de
trabalho ou para desenvolverem outros papéis sociais não são oferecidos no
espaço escolar.

Por outro lado, percebemos também que parte significativa do que é ensinado
na escola é considerado pelos estudantes sem sentido para suas vidas. Não
vêem nem enxergam pessoas de seu convívio fazendo uso dos conhecimentos

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e das informações recebidas na escola. O que se ensina no espaço escolar


parece consideravelmente desnecessário para os processos formativos
posteriores ou mesmo para as atividades profissionais que se colocam para
eles como possibilidades de trabalho futuro.

Este processo de dicotomização entre a pregação da escola sobre sua razão


de ser e a percepção dos estudantes sobre o sentido de estar ali se acirrou
tanto que, se em momentos anteriores, o discurso para sedução e atração dos
estudantes para a escola, estava no fato de que nesta os adolescentes iriam
aprender conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais importantes para
a vida pessoal e profissional e, como argumentado acima, hoje este discurso já
não tem o mesmo efeito.

Com esta crise do modelo de funcionamento de escolas públicas, onde boa


parte do que é ensinado já não mais faz sentido aos estudantes, a avaliação,
exarcebando sua função somativa, passou a ser um instrumento de garantia do
estudante na escola e em sala de aula. Com a perda do poder de sedução do
estudo e da aprendizagem, em muitas situações o disciplinamento pela nota se
tornou quase único meio de manutenção de muitos estudantes na escola. A
avaliação foi transformada numa distribuição contínua de “pontos” que
comporão a nota do aluno ao final de cada bimestre.

Pode-se observar que acompanhar a distribuição de pontos nas escolas parece


mais importante que aquilo que chamamos aprendizagem (ou outro nome mais
bonito, dependendo da corrente epistemológica de quem analisa a função da
escola). Às vezes, os alunos não têm acesso a computadores e nem a internet
nas escolas, mas as secretarias de muitas destas possuem equipamentos
modernos para registrar como vem sendo administrada a distribuição de pontos
em diferentes instrumentos de verificação de aprendizagem. A cada dois
meses e meio os professores devem prestar contas da distribuição da nota. É
gerado no computador ou de outra forma, um boletim de cada aluno revelando
quem conseguiu mais pontos. É a avaliação disciplinando os corpos tanto de
alunos como de professores e outros profissionais da educação.

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Este condicionamento em função da verificação de aprendizagem, ou da


distribuição de notas, de pontos é reforçada com o apoio de pais. Investigando
com alunos e alunas sobre o que conversam com seus pais sobre a escola,
estes, na maioria, relatam que a única coisa que os pais fazem referência é
sobre as notas. Talvez acreditando que notas e aprendizagem andam juntas e
mais, que sejam coincidentes. Este reforço dos pais observa-se também em
reunião de professores e pais com a finalidade principal de distribuir os boletins
de desempenho dos alunos. Este processo de computação de notas e outras
informações revelam um outro aspecto da avaliação, ou como escreveu
FOUCAULT a respeito do exame:

“O exame, cercado de todas as suas técnicas documentárias,


faz de cada indivíduo um ‘caso’: um caso que ao mesmo temo
constitui um objeto para o conhecimento e uma tomada para o
poder. O caso não é mais como na casuística ou na
jurisprudência, um conjunto de circusntâncias que qualificam um
ato e podem mofificar a aplicação de uma regra, é o indivíduo tal
como pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a
outros e isso em sua própria individualidade; e é também o
indivíduo que tem que ser treinado ou retreinado, tem que ser
classificado, normalizado, excluído, etc.” (FOUCAULT,1987:
159)

A administração ou distribuição dos pontos que irão compor a nota é, muitas


vezes, baseada no mesmo princípio dos condicionamentos como numa Caixa
de Skinner. Relação de estímulo-resposta. O que muda é que a caixa agora é a
escola e em vez de ratos, temos alunos e alunas. Dá-se um ponto para que as
crianças venham a escola, um ponto para que fiquem quietas, um ponto para
que escrevam no caderno, um ponto para que façam as atividades de casa. A
cada resposta positiva como se quer, uma premiação – o ponto. Há a crença
de que o reforço – ponto - estimula comportamentos cada vez mais positivos,
ou melhor, cada vez mais conforme o interesse do disciplinamento.

Como é possível perceber, nesta análise o processo de avaliação também


disciplina o comportamento dos professores. Como não possuem outros meios
para garantir a atenção dos alunos no período em que estes estão confinados

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na escola, os professores usam diversos mecanismos e tarefas para garantir


tal distribuição de pontos. Alguns professores usam planilhas em computadores
para calcular direito como fazer os instrumentos de verificação de
aprendizagem e a distribuição de pontos. Outros usam, ou talvez abusam até
de uma coisa que chamam “avaliação formativa”, que muitas vezes leva a
distribuir notas a qualquer sinal de adestramento perfeito.

É verdade também que parecem existir situações em que por mais que se
distribua notas, estas já não produzem o mesmo efeito controlador de mentes e
corpos. Volta e meia há convulsões individuais e coletivas. Há alguns que já
nem se importam tanto com os pontos e nem ir para a escola desejam mais.

Novos cenários para a escola?

Daí esses terríveis regimes disciplinares que se encontram


nas escolas, nos hospitais, nas casernas, nas oficinas, nas
cidades, nos edifícios, nas famílias... E depois, a partir dos
anos sessenta, percebeu−se que este poder tão rígido não era
assim tão indispensável quanto se acreditava, que as
sociedades industriais podiam se contentar com um poder
muito mais tênue sobre o corpo. Descobriu−se, desde então,
que os controles da sexualidade podiam se atenuar e tomar
outras formas... Resta estudar de que corpo necessita a
sociedade atual...(FOUCAULT, 1989,148)

As características que percebemos em luta na escola nos permitem dizer que


hoje ela ocupa um entre-lugares, pois há uma constatação de que a mesma
expressa uma não passagem e adaptação das sociedades de disciplina para
as sociedades de controle. As sociedades disciplinares foram amplamente
estudadas por Foucault e algumas de suas características estão expressas nos
trechos anteriores deste texto.

Não há aqui pretensão de avaliar positivamente ou negativamente o que


ocorre, apenas atentar para a trama de poderes que circulam em todas as
instâncias e, em sua capilaridade, abrangem todas as esferas da escola e
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atingem todos os indivíduos. Faço aqui uso de Deleuze, que reconheceu a


importância da análise de Foucault sobre as sociedades disciplinares, e
percebia que também Foucault já sabia que este modelo estava perto de seu
fim.

Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de


confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um
"interior", em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional, etc.
Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente
necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército,
a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num
prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar
as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam.” (Deleuze,
1992: 220)

Deleuze parecia “enxergar” o que acontece nas escolas públicas na periferia de


Brasília. E também parece interessante destacar que em outros lugares esta
crise já produziu efeitos bem mais devastadores. Mesmo assim, escola no
modelo disciplinador parece ainda encontrar algum fôlego. Como não
enxergam outras possibilidades de existência da escola, muitos pais,
professores e outros profissionais se agarram ao modelo como único possível.

É esta agonia que estamos assistindo na escola pública. É este discurso de


reforma que assistimos nos gestores do estado. Parece importante reconhecer
que este modelo hegemônico de poder disciplinador existente nas escolas
passa por uma crise, tal como ocorre em outras instituições. Reformam-se
todos os níveis da educação, porém nestas reformas anunciadas pelo estado
parece não haver, de fato, novas perspectivas para professores, parece não
haver projetos que apontem perspectivas novas para a escola. Apenas
administram a agonia.

Se de um lado ainda percebemos no interior da escola, sobretudo escola


pública de periferia, esta supremacia do modelo disciplinar, de outro modo,
novos espaços educativos, parecem ser gestados sob nova matriz, a da
sociedade de controle e pouco a pouco parecem encontrar espaços para
crescimento.
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No regime das escolas: as formas de controle contínuo,


avaliação contínua, e a ação da formação permanente sobre a
escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na
Universidade, a introdução da "empresa" em todos os níveis de
escolaridade.(Deleuze, 1992: 221)

Como estão se dando estas mudanças no campo da educação? O que se pode


esperar como novidade? Ainda aqui fazemos mais uma vez uso de Deleuze
para tentar identificar o que se anuncia.

O princípio modulador do "salário por mérito" tenta a própria


Educação nacional: com efeito, assim como a empresa substitui
a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola, e
o controle contínuo substitui o exame. Este é o meio mais
garantido de entregar a escola à empresa.(DELEUZE, 1992:
221)

Não se trata de nos perguntarmos se é melhor a escola funcionando em um


modelo disciplinar, ou em um modelo de controle. Trata-se de perceber o que
ocorre nestes modelos e como se dá a transição, ou o porquê esta transição
parece mais demorada no caso da escola púbica, se é que nossa afirmação faz
sentido. Trata-se de perceber para poder atuar. Não há que se ter pessimismo,
pelo contrário, pode ser um momento de profundas possibilidades. Pode-se
exercitar por isso mesmo um interessante otimismo.

Conceber as práticas pedagógicas como relações de poder implica, pois, ver o


campo da produção de significado e de sentido como disputado e conflitivo. O
caráter incerto, indeterminado, incontido do processo de significação, por sua
vez, faz com que o resultado dessa luta não seja, nunca, garantido, previsível.

Há várias formas de se construir resistência ao poder disciplinador da escola e


cada ator social terá suas estratégias e táticas. Professores que normalmente
são instrumentos e objetos deste processo de disciplinamento podem praticar
uma outra forma de relação com alunos. Quero afirmar a possibilidade de uma

Anais do III Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação Rio de Janeiro, UERJ, 9 – 11 outubro 2006.
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relação professor-aluno que seja balizada de outra forma, nem sucumbindo à


disciplina, nem ao controle. Talvez outra postura em sala comece a delimitar as
linhas do que pode ser esta relação. Sem ocupar o lugar da verdade ou talvez
de alguma verdade. Talvez construindo outra forma de ocupar o lugar da
autoridade. Termino com um texto do LARROSA (1998:206) que me parece
oportuno quando já sabemos das fragilidades de nossas crenças e, na busca
de novas possiblidades, nos encontramos na dúvida e sem muito rumo:

“(...) Agora que já não podemos crer no que acreditávamos nem


dizer o que dizíamos, agora que nossos saberes não se
sustentam sobre a realidade nem nossas palavras sobre a
verdade, talvez seja a hora de aprender um novo tipo de
honestidade: o tipo de honestidade que se exige para habitar
com a maior dignidade possível um mundo caracterizado pelo
caráter plural da verdade, pelo caráter construído da realidade e
pelo caráter poético e político da linguagem. (...) Talvez
tenhamos que aprender a nos apresentar em sala de aula com
uma cara humana, isto é, palpitante e expressiva, que não ser
endureça na autoridade. Talvez tenhamos que aprender a
pronunciar na sala uma palavra humana, isto é, insegura e
balbuciante, que não se solidifique na verdade. Talvez tenhamos
que redescobrir o segredo de uma relação pedagógica humana,
isto é, frágil e atenta, que não passe pela propriedade”.

DELEUZE, G. Foucault. Tradução de Cláudia Snt´Anna Martins; revisão da


tradução de Renato Ribeiro.1ªed. São Paulo: Brasiliense, 2002.
DELEUZE, G. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro.
Ed. 34. 1992.
EIZIRIK, M.F. Michel Foucault: um pensador do presente.Ijuí. Ed. Unijuí:2002.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel
Ramalhete. 31ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto
Machado. 9ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1990.

FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. Paris:Gallimard, 1994, vol. IV, pp. 777-783,
trad. de Wanderson F. do Nascimento in http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/.
Consultado em 20/08/2006.

Anais do III Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação Rio de Janeiro, UERJ, 9 – 11 outubro 2006.
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FOUCAULT, M. Ditos e Escritos vol. 4: Estratégia, Poder-saber; organização e


seleção de textos, Manoel Barros da Motta; tradução Vera Lúcia Avellar
Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana - Danças, piruetas e mascaradas.


Contrabando. Rio Grande do Sul. 1998.

Anais do III Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da Educação Rio de Janeiro, UERJ, 9 – 11 outubro 2006.

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