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Um novo filme
Estamos dentro de um filme de terror em que o objetivo da
vida é apenas ganhar dinheiro e justifica tudo: mentirmos,
desequilibrarmos relações, nos apropriarmos do que não nos
pertence. É preciso mudar de canal urgentemente.
Por Eduardo Farah
A
Consultor de empresas
especializado em ética, ser humano quando manifesta os valores humanos. Enquanto isso
relacionamentos e marketing,
Eduardo Farah é sócio-diretor
não acontece, ele é um projeto em desenvolvimento, que tem seu lado
da firma de consultoria Chama impulsivo e instintivo mais evidente, o que facilmente se identifica nos
Azul Business Care, professor de outros animais. Ações como busca pela sobrevivência e autoperpetuação estão na
MBA da FGV Management e
palestrante. É graduado, mestre essência do ser humano em desenvolvimento.
e doutor em administração, com Quando nos baseamos apenas em nossos instintos animais, o foco volta-se apenas para
especialização em marketing,
os mecanismos de defesa (a velha proteção pela sobrevivência; lembra-se da pirâmide de
pela FGV, bacharel em direito
pela Universidade de São Paulo e necessidades de Maslow?). A preocupação se concentra na perdas e derrotas e em como
especializado em marketing pelo elas podem ser evitadas. Por trás disso está uma crença na escassez: “Se eu não fizer algo
Esade, de Barcelona, Espanha. É
membro da Associação Latino-
(e isso vale para qualquer coisa a nosso alcance), haverá escassez e, conseqüentemente,
Americana de Ética, Negócios e não vou sobreviver”.
Economia (Alene). Dentro das empresas, as pessoas ainda tomam decisões com a crença na escassez e
baseadas nos instintos animais, quando pensam em “como eu vou ganhar” e não em
“como todos vamos ganhar”. Isso é tão concreto quanto o primeiro aprendizado de
um aluno de administração logo ao entrar na faculdade. No primeiro dia de aula, ele
aprende que o motivo da existência de uma empresa é ganhar dinheiro –na realidade,
já tem essa noção antes de ingressar no curso superior. Tal aprendizado não deixa de ser
verdade, porém há um paradigma de que o dinheiro vem na frente de tudo. Hoje, isso
não é tão mais dito, mas infelizmente as ações ainda se baseiam na antiga crença. E não
importa o que as pessoas dizem, e sim suas atitudes diárias para buscar seus objetivos.
Em menor ou maior grau, a prioridade de ganhar dinheiro já impregnou quase
todos que vivem em ambientes corporativos. Eu mesmo me pego muitas vezes em
pensamentos que denunciam alguns elementos em mim que teimam em acreditar em
princípios contrários à humanização.
Um dos pontos fundamentais da humanização dos negócios está na compreensão,
nas próprias atitudes, dentro da empresa e em nome dela, de que o dinheiro não é a
causa, e sim a conseqüência dos atos. Essa é uma profunda mudança de paradigma
de que quase todo mundo ouviu falar, mas na qual poucos acreditam, apesar de a
repetirem verbalmente. A base de uma conduta humana, entretanto, está naquilo que
nos diferencia dos outros animais: nossa capacidade de escolha, de optar além do puro
instinto e medo. É desse ponto que devemos partir.
O paradigma sob o qual vivemos funciona como se estivéssemos assistindo a um filme
cuja história trata de nossa necessidade de algo que acreditamos ser o mais importante
de nossa vida e que, envolvidos pela distorção da realidade, fazemos qualquer coisa para
ter: mentimos, desequilibramos relações, nos apropriamos do que não nos pertence,
entre outras atitudes. Fazemos, de fato, qualquer coisa.
Estamos tão absortos assistindo ao filme que acreditamos ser essa a única realidade,
só que esquecemos que ele é apenas um canal cuja programação, aliás, é especializada
em filmes de terror. Acabamos esquecendo também que temos o controle remoto em
nossas mãos e o poder de escolha para mudar de canal. Vale frisar que o esquecimento
é um de nossos principais males, se não o maior. Vamos à empresa e esquecemos que
somos humanos. Esquecemos que podemos fazer escolhas e, dessa forma, humanizar
as empresas e lembrar quem somos e o que temos. Efetivamente, podemos mudar de
canal.
Ao analisarmos a história da humanidade, percebemos que o dinheiro é apenas uma
expressão do ser humano. Ele é fruto das próprias qualidades e valores, assim como o é a
prosperidade. Isso significa entender que o dinheiro não é a causa de tudo e que a busca
desenfreada por ele faz com que o ser humano coloque o pior de si e atraia o pior dos
outros. Em outras palavras, se eu acho que o dinheiro é a única coisa que me interessa,
não tenho liberdade para me expressar e usar meu potencial criativo para gerar, com
lucro, valor para as pessoas.
Trata-se da perda da conexão com a própria origem da moeda, que é uma forma
simbólica, já que o dinheiro pelo dinheiro não serve para nada. Ele foi criado com a
finalidade de facilitar a troca de valores como comida, transporte, produto, serviços
entre as pessoas, ou seja, a própria concretização do potencial da capacidade humana.
Alguns elementos que mostram a humanização dentro da empresa são perceptíveis
a quem tentar observar a presença dos valores humanos em seu cotidiano. Uma boa
maneira de fazê-lo é começar analisando se existe verdade na comunicação da empresa
com os funcionários. Existe na sua? Um exemplo que acompanhei de perto com um
banco no Brasil, no processo de venda a outro, foi a transparência com que a diretoria
vinha tratando de uma situação que mexia com o tema da sobrevivência (pois, em
uma fusão, muita gente pode perder sua posição). A postura dos líderes desse banco
foi crucial para a manutenção dos valores da empresa, mesmo em um momento tão
delicado.
Assim como o compromisso com a verdade e a transparência, vários outros valores
podem e devem ser observados. Uma infinidade de coisas são influenciadas pelo grau
de humanização da empresa, entre elas responsabilização, criatividade, liderança,
motivação, trabalho em equipe, empowerment e empreendedorismo.
Quando mudamos os paradigmas agindo de maneira ética, todo o restante é
influenciado. Ser ético significa também ser conseqüente, o que nos faz agir com nosso
melhor, oferecendo algo de valor aos outros, com a verdadeira intenção de contribuir para
nós mesmos e para todos, apegando-nos à idéia de que há compatibilidade entre nossa
crença e a dos outros, dando a devida importância aos valores humanos e tomando-os
como base de nossas escolhas. Desse modo, o dinheiro vem “mais gostoso” e vale mais,
porque traz qualidade de vida, alegria.