Vous êtes sur la page 1sur 24

MARCO ANTONIO GONÇALVES (ORG.). ACRE: HISTORIA E ETNOLOGIA.

Núcleo de
Etnologia Indígena Laboratório de Pesquisa Social/IFCS - UFRJ.

INTRODUÇÃO
Nossa intenção, nesta parte do trabalho, é tão somente fornecer ao leitor uma visão
da formação histórico-social da região que hoje é designada Estado do Acre. O
objetivo que nos motiva proceder a um corte na historiografia sobre a região, quer
seja especificamente acreana quer seja amazônica, não é outro senão o de produzir
um pano de fundo onde se desenrola a trama dos acontecimentos que envolveram e
continuam envolvendo as populações indígenas que habitam a região. Assim, o escopo
do trabalho que ora se apresenta deve ser entendido enquanto um esforço de situar
as tribos indígenas no tempo e no espaço acreano.

As transformações sociais e econômicas porque passou a região durante os últimos


séculos produziram, sem dúvida, o mapa etnológico das populações nativas. Os
"brancos" bolivianos, brasileiros e peruanos, há pelo menos dois séculos, iniciaram a
ocupação da região de forma mais sistemática. As populações indígenas, a partir
deste momento, se re-arrumam, não sem conflitos, de forma a se organizar no novo
território agora ocupado pelo homem branco.

Nossa visão da história do Acre é orientada pela historiografia produzida sobre a


região. Não temos a pretensão de realizar aqui uma história do Acre buscando
interpretações dos momentos e conjunturas marcantes na construção desta história.
Neste sentido, queremos deixar claro que os recortes que procedemos numa
determinada historiografia e o encadeamento que demos aos temas tratados tiveram
como objetivo trazer à baila a cena histórica onde se movimentam as populações
indígenas procurando, desta forma, fornecer subsídios para um melhor entendimento
da situação atual destas populações.

Nossa proposta pode ser encarada como uma re-leitura despretensiosa das fontes que
cobrem em parte a região amazônica e, mais especificamente, a região acreana.
Lendo as fontes secundárias consagradas, fontes que contam e recontam o mito de
origem da própria história acreana, e mesmo fontes de primeira mão como
documentos-testemunhos de um tempo (cartas, ofícios, mapas, relatórios), encontra-
se um, personagem que insiste em aparecer, transformando-se em cenário que vai
dando sentido à história de ocupação da região: a hevea brasilienses.

A história da região parece confundir-se com a própria história desta árvore. Como o
"genesis": "in the begining was the tree. And darkness was upon the face of the
jungle. And man, created in God's own image, moved furtively upon the forest"
(WOLF, H & R., 1936 apud TOCANTINS, 1982). O homem referido pelo "genesis da
seringa" não é, certamente, o indígena que habita as florestas da região onde esta
árvore cresce em abundância.

Para o indígena, a seringueira não era uma árvore dotada de valor especial. Não
ignorava o látex que produzia e muitas das tribos davam-lhe um sentido cultural,
transformando-o em objetos. O homem do genesis re-classifica esta árvore e lhe
atribui um valor. Virando matéria-prima, sua utilização não cessa de expandir-se para
inventos nunca antes imaginados. A matéria-prima faz os inventores do século XIX,
inventores de mercadorias para uma sociedade de consumo nascente pós-revolução
industrial. A borracha, a partir daí assim designada, passa a ser a mola propulsora de
uma indústria que não pára de crescer dando sentido aos costumes, às idéias de
prosperidade, desenvolvimento e modernidade, que marcaram uma época.

A história da região amazônica e do Acre, em particular, que foi expressão hiperbólica


do "império do ouro negro", não pode ser narrada de outra forma senão através de
uma "symphonia elástica". Os índios da região, desde então, perfilam seus caminhos e
se vêem misturados nessa história que deixou uma marca indelével sobre seus corpos
e suas sociedades.

O LÁTEX ENCANTADO: "everybody wants a pair of rubber shoes"

Os índios das florestas tropicais foram os primeiros a extrair e manipular o látex da


seringueira. O látex, quando coagulava, produzia uma goma elástica que dava forma a
curiosos objetos produzidos pelos indígenas: bolas e esculturas zoomorfas. Cristóvão
Colombo, em segunda viagem ao novo mundo, observa que os nativos do Haiti
utilizavam tal produto para confeccionar bolas que, mediante apenas um impulso, se
deslocavam repetidas vezes. Este produto, como a descoberta do novo mundo, ganha
desde já uma bizarra representação no imaginário europeu (cf. TOCANTINS, 1982:91).
Este estranho produto ganha foros de curiosidade no velho mundo e quem viesse em
expedição para o novo mundo queria, pelo menos, vê-lo.

É o caso do astrônomo francês Charles Marie de La Condamine que, em 1736, vem


para a América do Sul medir o arco do meridiano terrestre. Enquanto esteve no
Equador, pode observar in loco as principais características do produto e fornecer a
primeira descrição sobre seu processo de extração pelos índios. Mas, nesta mesma
época, os portugueses já o utilizavam para fazer bombas, seringas, garrafas, botas e
bolas (cf.CONDAMINE, 1944 apud id.ibid.). Alguns homens de ciência, sobretudo na
França, começam a descrever as qualidades da nova descoberta e seus usos potenciais
para o mundo europeu.

A indústria do látex ficou na mão dos portugueses pelo menos até o século XIX quando
se deu a abertura dos portos às nações amigas, permitindo, assim, que este produto
escapasse para outras partes do mundo. Na Inglaterra foi lançado como a "India-
rubber"' que ficou conhecida nos meios intelectuais ingleses como um produto capaz
de apagar os riscos da grafia (cf. id.:93).

Já em 1828 os franceses e os vienenses empregavam a borracha, proveniente do Pará,


na fabricação de espartilhos, cintas e ligas. Os ingleses e os americanos usavam-na
para fazer capas e protetores contra chuva (cf.Id.:97).

Em 1800 saem as primeiras exportações, ainda clandestinas não da matéria-prima mas


dos produtos. Garrafas e sapatos de ponta fina eram produzidos em Belém e enviados
para os Estados Unidos. Os objetos alcançaram êxito no mercado americano e, em
1830, uma grande quantidade de sapatos chegava a Boston. Este era um negócio dos
"'droguistas" que tratavam a hevea brasilienses como mais uma das "drogas do sertão".
Depois, passa para as mãos dos comerciantes de calçados. Os jornais de Boston
anunciavam, frequentemente, a venda de calçados por até mesmo 5 dólares.
A produção da borracha era altamente rentável, o preço de custo era da ordem de 25
centavos e a venda chegava até a 2 dólares. A indústria da borracha, desde o seu
início, mostrava-se como algo vantajoso, de lucro fácil e garantido, tendo como
mercado de consumo os países estrangeiros. Entre os anos de 1836 e 1856 a
exportação paraense foi da ordem de 4.741.275 pares de sapatos (cf. Id.:94).

O que marcou este período da borracha foi a predominância da manufatura sobre a


matéria-prima, o que se inverteria brutalmente no período seguinte. Em 1850 Bates
(1944) registra, em seus escritos sobre sua expedição no rio Amazonas, o incremento
da coleta do produto. Porém, nesta época, a exploração do produto estava
circunscrita à região do Pará, sobretudo às ilhas que ocupam a foz do Amazonas. Era o
tempo da "borracha das ilhas". Só mais tarde é que a exploração da borracha levaria
penetrações aos rios Jari, Xingú, Tapajós, Madeira, Purús e Juruá.

Os relatórios dos Presidentes de Província do Pará deixam patente que, a partir de


1853, a borracha catalizava toda a mão-de-obra da região e que os gêneros
alimentícios para abastecer o mercado interno eram provenientes de importações
(REGO BARROS, 1854 apud Id.:96). Em 1856-57 surge a primeira crise neste primeiro
tempo de extração do látex, no tempo da manufatura. Os preços caíram e podia-se já
vislumbrar os dramas que enfrentaria o comércio da goma elástica, com as oscilações
de preços dependentes do mercado internacional.
A borracha era pensada, desde estes tempos, como algo atrativo, objeto de
prosperidade. Pois, se comparada à cultura do açúcar e do café, a borracha já fôra
plantada, era uma dádiva divina e, portanto, o homem somente teria o trabalho da
colheita. Tendo como desafio apenas a fantasmagoria da selva. Provações, também
divinas, que se fossem vencidas, trariam prosperidade e vida fácil. A borracha se
projetava num mundo de sonhos onde a aventura e o risco de vida podiam fazer
chegar ao paraíso terrestre.

Até este momento a borracha estava vinculada a uma produção de bens, efeitos de
uma moda que influenciava costumes e incrementava as indumentárias da Europa e
Estados Unidos dando um ar de modernidade enquanto acessório de vestuário. Neste
sentido, o mercado estava sujeito ainda a gostos e preferências, fazendo com que o
produto corresse o risco de não se fixar no mercado de consumo. Devido a estes
fatores, a primeira fase da produção da borracha foi marcada por oscilações nos
preços do produto gerando uma época de incerteza na comercialização e exploração
do látex.

Mas logo irrompe uma outra fase de exploração da borracha, agora decisiva, que não
dependia mais dos gostos, deixando de ser uma preferência e passando a ser uma
necessidade de expansão capitalista moderna: a empresa automobilística. Vários
fatores contribuíram para o emprego da borracha como acessório indispensável não
mais do homem mas da máquina.

A descoberta do processo de vulcanização se deu, ao mesmo tempo, pelo inglês


Thomas Hancock e o americano Charles Goodyear (cf. Id.:98). Com a vulcanização
abrem-se novas fronteiras para a borracha, o que se confirma com a invenção do
pneumático pelo irlandês Dunlop. Estas descobertas dão um novo impulso à
exploração do látex, que era procurado não só no Pará mas em toda a região
amazônica, especialmente no sudeste amazonense, chegando mesmo a ultrapassar as
fronteiras do Brasil, até a Bolívia e o Perú. Nestas décadas do final do século, a
borracha tinha conquistado o espaço definitivo no mercado mundial e sua utilização
envolvia desde pneumáticos até calças para pescar (cf. Id.ibid.). Toda a região
amazônica havia, nesta época, se integrado à indústria extrativa do látex; iniciava-se
o "Império do Ouro Negro" que viria transformar por completo a sociedade
amazonense e instituiria as bacias do Juruá e Purús como o "quartel general" da
produção da borracha. O Acre estava por vir.

Nestes últimos decênios do século XIX e nas décadas seguintes do século XX, a
indústria extrativa iria ganhar corpo cuja sombra se faria sentir nas populações
indígenas da região. Esta seria devassada por gente de toda a parte, importando
apenas fazer "fortuna"; para isso, não seriam medidas conseqüências no
desbravamento e fixação na região.

CARTOGRAFIA DA OCUPAÇÃO

O Tratado de Tordesilhas, primeiro tratado entre Espanha e Brasil, que definia e


dividia, entre os países, a América, já trazia a questão do Acre. Os portugueses
percebiam a linha divisória começando no Oiapoque e terminando no golfo de São
Matias, na atual República Argentina, contendo em seus limites as bacias amazônica e
platina. Os espanhóis delimitavam seu território iniciando na foz do rio Parnaíba e
terminando no Rio de Janeiro, empurrando os portugueses para perto do mar. Ambos
os países desrespeitavam a linha imaginária. Somente no século XVIII é que os países
tentam definir seus limites reais no Novo Mundo.

Em 1750 se deu a assinatura do tratado de Madri no qual a Espanha, em troca da


colonia de Sacramento, assegurou, assim, a Bacia do Prata para si, concordando que
cada parte ficasse com o que à época ocupavam. Portugal já ocupava grande
território e pôde anexar a seu antigo território grande faixa de terra a oeste da linha
imaginária. O Acre, por este novo tratado, passa a pertencer a Portugal. Entretanto,
em 1761 este tratado de Madri foi cancelado e a questão dos limites entre os dois
países voltava a estaca zero.

Em 1777 assina-se, em Santo Ildefonso, novo tratado que trouxe a paz entre Portugal
e Espanha, acabando com o litígio no Novo Mundo. Este tratado retoma os limites
estabelecidos pelo Tratado de Madri, 1750, só que, além da Colônia de Sacramento, a
Espanha anexa a seu território os Povos das Sete Missões. Como o grande interesse da
Espanha era a bacia platina, a bacia amazônica sai intacta e continua sendo de
domínio dos portugueses.

Portugal investiu nesta região amazônica como área privilegiada das especiarias,
exploração das "drogas do sertão". No início se constituía numa simples coleta
desordenada, que aos poucos ganha um caráter de empresa; durante toda a era
colonial houve várias iniciativas e programas governamentais que favoreciam uma
política de cultivo e aclimatação das chamadas drogas do sertão na região amazônica.
Isenção de impostos e outros favores, prêmios concedidos, como sesmarias,
facilitaram a corrida para região e o estabelecimento e fixação desta indústria
extrativa (cf.TOCANTINS,1961).

O tratado de Santo Idelfonso delimitava a possessão dos dois países, Portugal e


Espanha, na faixa territorial entre os rios Madeira e Javari, que à época eram
desconhecidos. No século XIX, a posse por esta região desencadeava conflitos entre os
interessados em garantir e ampliar seus domínios na América do Sul. Em 1867 foi
firmado um outro tratado, agora entre o Império do Brasil e a Bolívia, em que os rios
Alto Acre, Alto Purús, Alto Juruá, e os seus tributários Xapuri, Riozinho, Iaco,
Chandless e Envira se situavam no território boliviano.

O "Manifesto do Povo Acreano" (cf.1909) reivindica o território como pertencente aos


brasileiros, visto que anteriormente a este tratado os brasileiros já tinham penetrado
na região. Manoel Urbano já havia subido o rio Acre por mais de 20 dias, coisa que
nenhum boliviano havia feito. Por causa de um erro de interpretação da linha
Javari/Madeira, o Brasil perde grande parte do território que compreende hoje o
Estado do Acre. Em 1895 é assinado um protocolo de intenções que definia os limites
entre a Bolívia e o Brasil, deixando para a Bolívia o direito da região do Juruá e do
Purús.

A expedição Cunha Gomes, que explorou o Javari em 1897, reconhece que, de direito,
o Acre pertence à Bolívia mas, de fato, ao Brasil, já que era um lugar explorado e
habitado por brasileiros. De acordo com o tratado de Madri, desde 1750, já havia sido
estabelecido o princípio do "uti possidetis" que regulava as questões de limites na
América. Por este princípio, a área seria pertencente ao Brasil.

A partir do evento do estabelecimento da indústria extrativa da borracha, a região vai


sendo ocupada efetivamente por populações oriundas, de início, das províncias do
amazonas e Grão-Pará e, posteriormente, por imigrantes nordestinos que invadem a
região em sucessivas levas, o que consolida a frente da borracha. Eram frotas
patrocinadas pelos comerciantes das casas aviadoras de Manaus e Belém.

De início produziu-se uma ocupação desordenada da região mas posteriormente se


verifica uma expansão das fronteiras quando os grupos de extração subiam o Alto
Purús, o Alto Acre até regiões desconhecidas pela cartografia sul-americana. A
disputa por este território gerou conflitos entre brasileiros, bolivianos e peruanos.
Desde o começo da segunda metade do século XIX, já havia conflitos entre o Império
do Brasil e os vizinhos platinos. Mas com o advento da república, 1889, as relações
com os platinos estavam pacificadas e o novo vetor de dificuldade surgia na bacia
amazônica, o que instituiu a "questão do Acre" e as lutas pela posse do território (cf.
Fragoso & Silva in Linhares (org.) 1990:196-200).

Estas lutas cessaram quando da realização do Tratado de Petropólis, assinado pelo


Brasil e a Bolívia em 1903, no qual a Bolívia, mediante indenizações, entregava a
região do Acre ao Brasil. Os limites do Brasil com o Perú foram reconhecidos por um
tratado preliminar que garantia a posse dos rios Iça ou Putomayo pelos dois países. A
posse foi garantida por um tratado assinado em 1851 e outro assinado em 1875, sendo
ambos ratificados pela Comissão de Limites Brasileiro-Peruana, na segunda década do
século XX. Observa-se que, mesmo com a definição dos limites pelos tratados de 1851
e de 1875 com o Perú, este em vários momentos, sobretudo pelo desenvolvimento da
frente extrativa da borracha, quiz reivindicar para si parte da região acreana.
Villa Nueva, num texto de 1902, quer afirmar que a origem do Purús é peruana e diz
que existem mais de 200 seringueiros peruanos em área brasileira, se queixando,
assim, das fronteiras estabelecidas entre os dois países. Diz que, juntamente com os
brasileiros que exploravam o Purús como a expedição de Manoel Urbano da
Encarnação, o peruano D. Leopoldo Collazos, em 1899, procurou, no rio Urubamba,
uma passagem para o Purús (cf. 1902).

A região acreana aparece na cartografia dos séculos XVII e XVIII como um apêndice do
Amazonas; surge representada com um único rio e alguns de seus afluentes. No
período de 1700 e 1800, há uma ausência de mapas que retratem a região em sua
forma total. O que mais se encontra em forma de mapas, croquis, cartas e plantas são
traços de apenas um rio e alguns acidentes que não podem ser considerados precisos.
Este período marca, também, uma mudança na cartografia em geral. A partir de 1700
a cartografia perde o caráter decorativo em benefício da precisão científica.

A ausência de esboços cartográficos nesta região que compreendia o Acre é devido a


sua inacessibilidade. Enquanto que sobre a costa do Brasil e algumas regiões
interiores já existia uma cartografia com uma nomenclatura desenvolvida, sobre a
região amazônica os cartógrafos e desenhistas se orientavam por sua imaginação. As
cartas e mapas vão ganhando precisão num sentido leste-oeste e sul-norte até
atingirem a região onde se situa o Acre.

No século da borracha, XIX, toda aquela região começa a fazer sentido do ponto de
vista econômico, o que se reflete na cartografia. A necessidade da classificação se
impõe. No processo de classificação e de registros nos mapas surgem, em muitos
deles, anotações feitas, por seus autores ou por quem se utilizou dos mapas nas
viagens, em relação à duração do percurso entre um local e outro, à metragem em
léguas, à classificação dos rios quanto à sua navegabilidade, ao período do ano que
pode ser navegável, etc.

Muitos destes mapas trazem também informações sobre índios. Muitas vezes mapas,
bastante precários com respeito a sua malha hidrográfica, trazem a localização de
alguns grupos tribais. Até os século XIX, os mapas eram feitos usando-se apenas duas
cores: uma para descrever os acidentes e os rios e outra para a nomenclatura. A
partir do século XX, os mapas começam a colorir a região do Acre como uma aquarela,
facilitando sua leitura e ampliando as informações sobre a região. A região acreana
pode ser dividida cartograficamente em duas partes e cada uma destas partes em
duas fases.

A primeira parte vai desde o século do descobrimento até o início do século XIX,
compreendendo sua primeira fase mais de três séculos, em que os cartógrafos agiam
mais pela imaginação do que pelo conhecimento do terreno. A outra fase desta
primeira parte, a começar da segunda metade do século XIX, foi iniciada por
Chandless que traça o primeiro mapa do Purús e concluída pelas comissões científicas,
tanto do Brasil quanto da Bolívia, que promoviam o reconhecimento e estudo da
região.

A segunda fase da cartografia acreana se inicia depois de instalado o território do


Acre, a partir dos estudos das comissões mistas brasileiro-peruanas de levantamento
dos rios Juruá e Purús, compreendendo vários estudos de terreno e suas margens,
bem como os mapas produzidos pelas Prefeituras do Alto Juruá e do Alto Purús. A
segunda fase desta parte se inicia a partir de 1911 com o trabalho das comissões
mistas de limites na área limítrofe com a Bolívia, e mais tarde, com a República
Peruana.

Os primeiros exploradores da região, como Chandless e Keller, produzem os primeiros


mapas do Purús e do Madeira. O mapa de 1865 é uma carta sobre o Rio Madeira feita
por Franz Keller. Em 1866 surge o mapa de Chandless sobre o Rio Purús e mais tarde o
mesmo autor traça o primeiro esboço sobre o Rio Juruá. No mapa sobre o Rio Purús, o
autor faz referência desde a foz do Iaco até suas nascentes.

O mapa também menciona o nome de várias tribos indígenas e sua localização: os


Jamamadis, os Paumaris, os Juma, os Machinéri, os Canamari. Traz ainda descrições
sobre sua navegabilidade e assinala uma "trilha dos índios" que liga por terra o Juruá e
o Purús. Mesmo ainda precário quanto à sua malha hidrográfica, este mapa foi o mais
completo produzido sobre esta região até esta data. Durante este período, os rios
encontrados no Acre foram: Purus, Juruá, Tarauaca, Iaco, Acre, Caeté, Macauá,
Envira e Chandless.

Posteriormente, surgem mapas da Comissão de Limites entre Brasil e Bolívia nos anos
de 1895-1897. Este é um mapa do rio Amazonas e seus tributários. Este mapa se
estende até o Purús e seus formadores na região acreana. O mapa de 1896, de Lopo
Netto, "Uma Planta do Alto Purús", começa a assinalar alguns igarapés e praias nestes
rios, sem nomenclatura, o que sugere uma outra fase de conhecimento hidrográfico
da região.

Surgem já em 1902 mapas políticos-históricos da região como é o mapa de Plácido de


Castro sobre o Estado Independente do Acre, com 54 levantamentos parciais e muitas
coordenadas geográficas, principalmente sobre as áreas de fronteira com a Bolívia e o
Peru. Identifica, ainda, locais onde ocorreram combates e demarca povoações como
Xapuri. Um outro mapa, de autor anônimo, compreende o período de 1777 a 1902,
retratando as diversas interpretações da linha de limites entre o Brasil e a Bolívia, do
Madeira ao Javari, conforme os Tratados de Santo Ildefonso (1777) e outros, até as
linhas Black-Teffe de 1872, de Cunha Gomes de 1897 e da Bollivian-Crubs de 1901-
1902. Este mapa já começa a inserir os afluentes do Juruá como os rios Gregório,
Tarauacá, Envira e do Purús, o Chandless, Iaco, Antimary, Acre e Xapuri. De 1903 a
1905 surge uma série de mapas de Euclides da Cunha abrangendo a região de litígio
entre Brasil e Bolívia. Os mapas são detalhados e começam a ser coloridos, contendo
mais informações sobre a situação hidrográfica, geográfica e topográfica. A
nomenclatura começa a ficar abundante e o conhecimento da região torna-se cada
vez mais detalhado e preciso.

O mapa que mais se destaca é a "Carta do Território Nacional do Acre", resultado final
do trabalho da Comissão mista brasileira-boliviana que teve como comissários Euclides
da Cunha (Alto Purús) e Belarmino de Mendonça (Alto Juruá). Traz anotações sobre
navegabilidade dos rios, descrições da topografia, localização dos grupos indígenas.
Daí por diante os mapas passam a ser mais completos até chegar ao mapa quase
definitivo da região, executado em 1917 por João Alberto Masô, que apresenta seu
trabalho em cores, facilitando a leitura cartográfica de acidentes, rios e localidades.
O desenvolvimento cartográfico acompanha o movimento de penetração na região
ditado pela frente extrativista. Dois processos andam juntos: exploração e
reconhecimento de uma região que passa a ganhar importância no cenário nacional.

O primeiro relato que se tem sobre o Purús é o do cronista Gaspar de Carvajal,


dominicano de Quito, que em 1542 acompanhou Francisco de Orellana numa
expedição que deu combate aos Omágua. Um século depois chegava o jesuíta
Cristobal D'Acuna, cronista de Pedro Teixeira, ao Purús fazendo parte de uma
expedição portuguesa de reconhecimento da região amazônica. Existe uma crônica
datada de 1687 que narra a entrada do padre Antonio Vidal às zonas habitadas por
Conibo e Campa.

Estes religiosos da ordem de São Francisco começaram, desde o ano de 1684, a abrir
caminho na direção do Acre. Na primeira expedição, depois de viajarem 15 dias pelo
rio Perene, encontraram os índios Conibo. Numa segunda expedição pelo mesmo rio
Perene e saindo em outro rio que desce de Cuzco, encontram deste lado do rios os
índios Piros e Conibos; do outro lado do rio dáo notícia dos índios Campa (cf.
AMAZONIA PERUANA, 1985). Os limites do tratado de tordesilhas já tinham sido
devassados pelos portugueses, que a partir de agora queriam ganhar cada vez mais
terreno na América Espanhola. Iniciava-se a expansão portuguesa no sentido leste-
oeste.

Em 1693 o rei de Portugal envia um regimento para os ouvidores do Amazonas,


ordenando um levantamento completo das populações indígenas, especificando
número de aldeias e nativos, posições geográficas, nomes dos chefes e guerreiros
disponíveis. Nesta mesma data, fica determinada a divisão do vale amazônico em
áreas de predomínio de diferentes ordens religiosas. Os jesuítas ficam com a margem
direita do Amazonas, entre os rios Iça e Negro. Os carmelitas se estabelecem na área
do Purús, que compreendia o rio Solimões até a fronteira espanhola. Em 1755, foi
criada a Capitania de S. José do Rio Negro visando a proteção dos confins do Grão-
Pará. A população desta Capitania cresceu em demasia e a Vila de Barcelos tornava-se
o polo mais importante da região.

Para a manutenção da população da Vila eram necessárias provisões, cada vez


maiores, de carne e gordura, o que motivou a procura de outras áreas para
exploração de produtos. Inicia-se a penetração no rio Purús, abundante em peixes e
tartarugas. Em alguns anos o rio Purús torna-se o maior produtor de óleo de tartaruga
para a iluminação da capital Barcelos e de outros gêneros como salsaparrilha e óleo
de copaíba. A "drogas do sertão" passam a ser procuradas em toda a região do Purús,
chegando até o seu limite sul. Em 1757, a partir de um decreto que institui o diretório
de índios, implantado pelo Marquês de Pombal, que tinha como objetivo substituir o
regimento das missões, os religiosos perdem definitivamente o controle sobre as
administrações das aldeias, das distribuições dos índios, que passa a ser exercido pelo
poder civil.

Os Diretores são responsáveis pela organização, fiscalização e distribuição dos índios


para o serviço do Estado e dos colonos (cf.KROEMER, 1978). Mas foi somente no início
do século XIX que a região do vale dos formadores do Purús e do Juruá começa a ser
sistematicamente penetrada. As expedições do padre Bartolomeu Rodrigues e
Francisco Melo Palheta desbravam o Madeira e o Juruá, durante este século. Este
desbravamento se intensifica a partir da segunda metade do século quando, em 1852,
João Rodrigues Cametá, encarregado da pacificação dos índios, faz a primeira
exploração do rio Purús chegando até Sepatini.

A segunda expedição oficial ao Purús foi chefiada por Serafim Salgado, enviado do
Presidente de Província do Amazonas, Tenreio Aranha, que parte no mesmo ano.
Ainda no ano de 1852, o Presidente da Província envia uma outra expedição ao Juruá,
sob o comando de Romão José de Oliveira. Em 1861, sai a terceira expedição ao
Purús, chefiada por Manoel Urbano da Encarnação a quem coube as chefias das
expedições seguintes, nos anos de 1862 e 1866. Esta expedição descobre o rio Aquiri
ou Acre, penetrando até muito além de sua foz no Purús.

A primeira expedição bem sucedida ao Juruá é devida a João da Cunha, então Diretor
de índios, que depois de alcançar o Juruá-Mirim sobe o Tarauacá, passando pelo
Envira, chegando, finalmente, por terra ao Purús. As primeiras notícias de efetiva
exploração do Juruá é de 1858. Desta data em diante, os barcos de negociantes
vindos de Belém e Manaus já saiam desta região carregados de produtos como cacau,
breu, copaíba, anil, óleos, etc. Ainda na mesma década, o geógrafo inglês William
Chandless empreende expedições aos rios Purús e Juruá e contribui definitivamente
para o conhecimento da região realizando um detalhado trabalho cartográfico onde
começam a se fixar os primeiros limites da região (cf. TOCANTINS, 1961).

As expedições de "drogas do sertão" não duram muito tempo pois, em 1882, chegam à
região do Juruá os primeiros exploradores que demarcam as terras para a exploração
da borracha, que tornaram-se, mais tarde, nos seringais. Este é um momento crítico
na vida das populações indígenas da região que se encontram envolvidas pela frente
extrativa, que agora passava por uma nova fase de organização. A frente necessitava
de terras demarcadas para se consolidar e para isso era necessário expandir-se à custa
das terras indígenas.

Ocorre a primeira expulsão do contingente indígena de seu território original, o que


parece ter promovido um re-arranjo nos limites territoriais de toda a região que
englobava a bacia do Juruá e do Purús. Em 1883, os seringueiros chegam à
embocadura do Riozinho da Liberdade. Em 1890 os seringueiros invadem o Tarauacá e
seus principais afluentes como o Envira e o Murú.

Durante 1904-1906, Euclides da Cunha faz parte da Comissão Brasileiro-Peruana que


tinha como missão corrigir e completar a planta feita por Chandless em 1855. Tal
comissão foi instituída a partir de um acordo entre o Brasil e o Perú que estabelecia
um "modus vivendi", destinado a vigorar no Alto Juruá e Alto Purús, durante o prazo
fixado para as discussões diplomáticas sobre os limites dos dois países (cf. CUNHA,
1904-1906).

Em 1905, o Tenente do Exército Luiz Sombra fôra incumbido de subir o Alto Tarauacá,
região à época pouco conhecida, para reprimir as "correrias de índios". Em 1911 o
engenheiro Máximo Linhares, funcionário do então recém- criado Serviço de Proteção
aos Índios, percorre os vales do Tarauacá e do Juruá, entrando em contato com
diversas populações indígenas que à época se viam envolvidas pela frente extrativa da
borracha. Em 1913, os Padres da Companhia Apostólica de Tefé passam a se interessar
pelos índios da região do Alto Juruá. Em 1917 percorrem seus afluentes até os pontos
mais extremos.

Em 1923, a Prefeitura de Tefé se interessa em criar um núcleo indígena no Alto


Envira, com o objetivo de catequese dos índios da região, mas tal intenção nunca se
concretizou. O Padre Francês Constant Tastevin, da Congregação do Espírito Santo,
com sede na cidade de Tefé, empreendeu, durante muitos anos, viagens de estudos e
reconhecimento dos índios da região pela bacia do Juruá, principalmente nos rios da
Liberdade, Tarauacá e Murú. Tastevin, em 1925 percorre o rio da Liberdade e conclui
que ali foi o habitat de numerosas populações indígenas e que, àquela época as
populações nativas se encontravam muito reduzidas devido as frentes de caucheiros
peruanos e brasileiros, que entraram pela região exterminando grande parte da
população.

A frente do caucho, tanto quanto a da borracha, eram extremamente letais para a


população indígena. Caucho e borracha se diferiam no processo de extração, o que
produzia uma relação de contato com os índios de forma muito diferenciada. Euclides
da Cunha em "Memórias da Comissão Mista Brasileiro-Peruana" descreve a extração do
caucho (castiloa elástica) e da seringueira. Enquanto a árvore do caucho não resiste à
extração do látex, fazendo com que os caucheiros a derrubem para extração do
máximo de produto, a seringueira resiste a uma continuada extração.

O caucheiro é um nômade, enquanto o seringueiro se fixa no território. Assim, conclui


que o caucheiro é o que mais combate as tribos da região pois é impelido a ir sempre
adiante nas suas explorações, desbravando novos territórios (cf. CUNHA, 1904-1906).
Outro personagem que dá notícias dos índios do Acre e da ocupação da região é o
médico João Braulino de Carvalho, que fazia parte da comissão de limites do Brasil
com o Perú, e que vive na região de 1920 a 1927.

Atualmente, o Estado do Acre possui uma superfície de 152.589 quilômetros


quadrados e está situado entre o Estado Amazonas ao norte, o Peru ao oeste, a Bolívia
ao sul e o Estado de Rondônia a leste. Seus principais municípios são Brasiléia,
Cruzeiro do Sul, Feijó, Rio Branco, Sena Madureira, Tarauacá e Xapuri.

"A SYMPHONIA ELÁSTICA"

O processo de povoamento da Amazônia, a partir dos meados do século XIX, muda por
completo a face da região. Se antes os "droguistas" se constituiam em uma frente
itinerante, em uma coleta móvel pelo território, sem fins de fixação à terra, os
seringueiros passam a ser os novos ocupantes da terra apesar de não serem os novos
donos. As terras ficariam à cargo dos "patrões", estimulando a expansão do latifúndio.
"O regime oniprodutivo, latifundiário da borracha afastou o homem das culturas
agrícolas, aristocratizou a figura do patrão, aviltou a figura do seringueiro..."
(TOCANTINS, 1982:103).

Quando a borracha passa de droga a produto e o droguista passa a ser seringueiro, a


região do Acre, que era considerada o "eldorado da borracha", vive uma frenética
penetração de frotas, patrocinadas pelas casas aviadoras de Manaus e Belém, que
intencionavam se estabelecer nas bacias do Juruá e do Purús. A região,
simultaneamente, foi invadida por duas frentes. Uma, mais itinerante, formada por
caucheiros provenientes do Peru, que se desloca a partir dos vales Madre de Dios e do
Ucayali transpondo o "aquarum" do Amazonas na direção norte até o Ituxi e outros rios
do baixo Purús (cf. CUNHA, 1976:235).

E por outra, mais sedentária e estável, composta por seringueiros brasileiros que já no
último quartel do século XIX se estabelecem na região; massa de mão-de-obra
proveniente, em sua grande maioria, dos Estados do nordeste do Brasil. Os anos de
1877, 1888 e 1900 foram datas expressivas, que marcaram a ocupação definitiva da
região acreana pelas levas sucessivas de migrantes que penetraram a região
refugiando-se da seca.

Havia uma preocupação permanente, por parte dos "patrões da borracha", em


estabelecer e fixar uma população pois disso dependia o sucesso da empresa
extrativa, que não podia prescindir de mão-de-obra. Os preços que a borracha atingia
no mercado internacional pós-processo de vulcanização, eram realmente vantajosos.
Faltava apenas implantar uma estrutura organizada para viabilizar a extração do látex
e seu escoamento para os grandes centros de exportação.

O Acre, durante todo este período, foi uma espécie de fornecedor exclusivo do
produto, que iria fazer enriquecer os proprietários de casas aviadores nas cidades de
Manaus e Belém. Florescia, em plena selva amazônica, uma nova civilização regida
pela "Symphonia Elástica". Época onde todos os eventos eram por razão e causa da
borracha. Na estrutura econômica da frente havia dois personagens fundamentais
para sua composição, o capital e o trabalho.

Os aviadores eram os banqueiros das cidades e os patrões os aristocratas da beira do


barranco. Para o trabalho restava só o seringueiro, vítima do "holocausto ao leite
branco, espécie de licor maldito, porém desejado, enchendo o cálice de quem o
procurava, sorvido até a última gota, algumas vezes fatal" (TOCANTINS, 1982:104).

Este grande movimento de população para a região amazonica promoveu a


organização da empresa extrativa. Alguns anos antes, a indústria se deparava com a
dificuldade de inexistência de população para organizar a produção. Apesar de existir
o elemento indígena na região, este não tinha nem número suficiente e nem interesse
o bastante para produzir o trabalho de coleta do látex. Em 1870, sobe pela primeira
vez o Purús uma embarcação a vapor: era o Curuzu.
Depois deste evento, os barcos a vapor não mais pararam de singrar os rios Juruá e
Purús, trazendo os braços para a exploração e levando a produção de borracha para
os grandes centros que se construíam à custa da "euforia" do látex. As migrações não
cessaram até o segundo decênio do século XX. Estava dada a transformação: o Acre
passa a ser a frente pioneira, o novo Eldorado. A valorização do produto no mercado
internacional dita esta transformação.

Desde os anos 20 do século XIX, a produção da borracha já se registra na região. A


média de borracha produzida nos anos 40 foi de 460 toneladas/ano, 1.900 toneladas
em 1950 e 3.700 nos anos sessenta (cf. FURTADO, 1980:129). Por esta época, registra-
se o aumento da cotação do produto no mercado externo. Ao invés de exportar os
sapatos prontos para o exterior, o Brasil passa a exportar a goma elástica em estado
bruto; passa de exportador de manufatura à fornecedor de matéria-prima para as
indústrias crescentes na Europa e nos Estados Unidos. O preço de 45 libras por
tonelada, na década de 40, passa para 118 libras/tonelada na década de 50, 125
libras nos anos 60 e 182 libras na década de 70 (cf. FURTADO, 1980:129).

Neste período a borracha se torna a matéria-prima mais procurada com a expansão do


mercado mundial. O processo de vulcanização fazia a borracha resistir ao uso e ao
calor, projetando-se como produto de ponta na expansão capitalista. Da mesma
forma que a indústria têxtil caracterizou a revolução industrial nos fins do século
XVIII, e as construções de estradas de ferro na metade do século XIX, a indústria de
veículos a motor de combustão interna, que rolavam sobre pneumáticos, foi o
principal fator dinâmico das economias industrializad

O preço do produto continua subindo até que, em 1909-1911, a tonelada atinge 512
libras. Esta enorme subida dos preços queria indicar que a produção não era
suficiente para abastecer o mercado mundial e que novas soluções estariam por vir
(cf. FURTADO, 1980:129). Desde o começo do século XX que os países compradores de
borracha procuram soluções alternativas para não depender exclusivamente do
mercado brasileiro. Neste sentido, tanto os Estados Unidos quanto a Inglaterra
organizam a produção de borracha em outro continente: o Asiático. A borracha
oriental entra no mercado, a partir do fim da primeira guerra mundial gerando uma
queda definitiva no preço do produto, que fica inferior a 100 libras/tonelada a nível
internacional. Estava desbancada a soberania brasileira e o império do ouro negro
começa a ruir.

Se acompanharmos as exportações da borracha desde os anos 70 do século XIX,


podemos observar as transformações sofridas na região. Na década de 70, a
exportação foi de 6.000 toneladas, nos anos 80 atinge a marca das 11.000 toneladas,
nos 90 exporta 21.000 e no primeiro decênio deste século a exportação chega a
35.000 toneladas. Observa-se que o enorme incremento na produção, tendo como
consequência a duplicação da cifra de exportação de ano para ano, resultou
exclusivamente do aumento de mão-de-obra na região do que de desenvolvimentos
ocorridos no processo de produção. Estima-se que a população, que chegou a
Amazônia no período que compreende o final do século XIX e o começo deste século,
atinja a faixa de meio milhão de pessoas (cf. FURTADO,1980:129).

O Nordeste era a reserva de mão-de-obra necessária para o sucesso da empresa


seringalista. O Acre virava Nordeste. As próprias casas aviadoras mandavam agentes
para a região Nordeste, principalmente para o Estado do Ceará, maior provedor de
homens para o trabalho nos seringais do Acre, com a intenção de divulgar os
benefícios que a exploração da borracha trazia para os homens que a exploravam:
riqueza, prosperidade, fortuna. Os agentes, nestas viagens ao nordeste, procuravam
convencer o maior número possível de pessoas que o futuro do país estava na região
amazônica, mais especificamente no Acre. Seu trabalho era o de um "gato" moderno,
arregimentador de mão-de-obra para a frente extrativa. Vendedor de ilusões e
avalista das fantasias que encantavam e atraíam os homens para a Amazônia.

Com a queda do preço da borracha, a miséria se generaliza na região. Os migrantes


nordestinos, sem condições de retornar a sua terra natal, estabeleceram-se, passando
a complementar seu orçamento com produtos da caça e da pesca.
O "boom" da borracha agudiza e precipita os problemas de fronteira na região. Os
países envolvidos na questão são o Brasil e a Bolívia, que começam a disputar a fatia
mais "emborrachada" do território. Época de revisão dos tratados, re-leitura dos
mapas, lembranças do Brasil Colonial que já havia cedido à Bolívia toda aquela parte
do território. Da perspectiva da Bolívia, havia já um pensamento voltado contra a
política imperialista do Brasil, herdada dos lusitanos, e era necessário ao povo
boliviano evitar tal expansão sobre suas terras (cf. CARNONA, M., 1925).

Neste sentido, os brasileiros seriam os representantes de Portugal na ambição de criar


uma base física na Sul-América, à custa das terras da Espanha da qual o governo da
Bolívia considerava-se o legítimo continuador (cf. REIS, 1960). Do ponto de vista
brasileiro, um documento de época dá conta dos interesses que estavam em jogo e
que envolviam os dois países:

"A antiga província do Amazonas, hoje Estado do Amazonas exerceu sempre a sua
autonomia nas regiões superiores do Purús e do Acre, com inteira liberdade de
ação.(...) Os representantes do governo da Bolívia e o Brasil, em outubro do anno de
1898, entenderam perturbar as relações de bôa amizade sempre mantidas entre as
duas nações limítrophes, installando nas regiões do Alto Rio Acre, no logar
denominado Puerto Alonso, um governo provisório que tinha por fim conquistar uma
grande extensão de território nacional e até então sujeito a jurisdição do governo do
Amazonas como principalmente desviar de seus cofres estaduais e do de suas
municipalidades os recursos orçamentários de que tanto carece para as despesas do
Estado. Este regimen inteiramente annormal, que os representantes do governo
boliviano estabelleceram na região superior do Acre, onde as linhas divisórias dos
paízes limitrophes não se achavam ainda completamente assinaladas, havia
necessariamente determinar prejuízos ao Estado do Amazonas" (cf.Doc.15,IHGB,
L.200).

A reação do governo do Amazonas foi no sentido de provar que as terras do Acre,


desde os seus primórdios, foram colonizadas por brasileiros e portugueses, e que
somente agora a Bolívia retornava a sua história da época colonial para exigir seus
direitos sobre o território, que compreendia os vales do Juruá e do Purús. Possuindo,
de direito, a região acreana, o que era reconhecido pelo governo brasileiro, a Bolívia
se apossa da área, instalando uma alfândega em Porto Alonso. Estas medidas foram
muito mal recebidas na região, visto que os seringueiros eram brasileiros, os patrões
eram brasileiros, os aviadores eram brasileiros mas a região era boliviana.

O governo da Bolívia instalado no Acre cobrava impostos para a borracha, que passa a
ser exportada para o Brasil. A população, que estava sob as leis bolivianas na região,
se torna cada vez mais revoltosa percebendo os bolivianos como usurpadores. Faz
crescer uma onda de patriotismo na Amazonia, sentimento ameaçado pela "invasão"
boliviana no Acre. Ao mesmo tempo, o governo boliviano fazia, sob o apagar das
luzes, um acordo de comércio e exportação da borracha para os Estados Unidos. Era
um acordo em que os Estados Unidos, entre outras coisas, dariam condições ao Estado
boliviano para continuar explorando o território do Acre. Surge um personagem
importante nesta trama tecida pelos interesses da borracha: Luiz Galvez, que era, à
época, jornalista do Jornal do Comércio do Amazonas e servia aos interesses dos
grandes seringalistas da região.

Galvez foi escolhido o tradutor do documento entre a Bolívia e os Estados Unidos,


descobrindo quais as bases reais do que estava prestes a acontecer na região acreana.
O Brasil, à época, não tinha muito interesse na região visto que a República ficava
alheia a todo o movimento de Belém e de Manaus, que eram independentes nas
transações com o comércio exterior. A questão do Acre não tinha despertado o sul do
Brasil para atentar sobre a importância da economia da borracha. Galvez se
transformou em herói amazonense, da noite para o dia, como representante dos
ideais do povo da região na luta pelos seus interesses no negócio da borracha. Assim,
Galvez parte em expedição para o Acre munido de algumas espingardas e
acompanhado de 20 homens.

Chegando lá, lidera um movimento contra os bolivianos e, em 14 de julho de 1889,


proclama a independência do Acre em relação à Bolívia e cria o Estado Independente
do Acre. A intenção revolucionária era no sentido de desvincular o Acre da Bolívia e
chamar a atenção das autoridades brasileiras para, daí por diante, instituir um litígio
entre Brasil e Bolívia pelo território do Acre.

O Acre, assim, fora feito e era de posse dos acreanos. Época de borracha, época de
estado moderno, de repúblicas. Assim, Galvez, enquanto presidente provisório,
procede a criação de um Estado moderno de governo no Acre: oficializa um decreto
de proclamação da república, estabelece os limites, adota uma bandeira, decreta o
português como língua-oficial, constrói um palácio de governo, institui uma moeda,
selos, escreve cartas em francês a Chefes de Estado participando a independência do
Acre, decreta feriados, organiza as eleições presidenciais e adota a constituição do
Amazonas como a oficial do seu novo país. A república de Galvez dura 8 meses.

Em meados de 1900, já estava acabada e se iniciava um litígio entre o Brasil e a


Bolívia pela posse da região. Do ponto de vista dos que organizaram o movimento
revolucionário, os que defendiam os interesses da borracha, os que controlavam a
empresa seringalista no Acre, o plano dera certo pois logo o Brasil não reconheceu os
direitos do Estado Independente, o que o pressionou à tomada de posição em relação
as terras ocupadas (cf.Doc.IHGB, L.502, P.11).

A Bolívia tentava capitalizar a energia financeira da Inglaterra, da Alemanha e dos


Estados Unidos, experimentando o sistema de "Chartered Companies", entregando a
região a um sindicato americano. Logo, outro herói entra em cena. A Bolívia queria
ceder, à United States Rubber Company, uma área de borracha, na região. Este
acordo fora feito em 11 de junho de 1900. O Brasil faz com que este acordo seja
anulado em Nova York e fosse dado o termo de renúncia do "Bolivian Syndicate". A
revolução comandada por Plácido de Castro, iniciada em 1902, ia ganhando
intensidade e os bolivianos iam perdendo terreno (cf. REIS, 1960). Plácido de Castro
dá combate aos bolivianos e o faz em nome do Brasil.

A partir daí se instaurava um governo provisório no Acre, um "modus vivendi" que o


Barão do Rio Branco havia proposto à Bolívia. O Brasil passa, desde então, a
administrar a região em litígio e daria ao governo provisório boliviano o direito a 50%
das taxas referentes à exportação da borracha. Plácido de Castro, acreditando que a
Bolívia quisesse continuar a brigar pela região, transfere a sede do governo para
Xapuri e a alfândega para Capatará. Muitos combates se deram entre a Bolívia e o
Brasil, na região de Santa Rosa, Costa Rica, Puerto Alonso. A idéia de Plácido de
Castro, como representante do Brasil no litígio, era a de pacificar as relações entre os
dois países para que se pudesse, então, chegar a um acordo diplomático.
Cessado os combates, as negociações diplomáticas se iniciam e, finalmente, a Bolívia
aceita conceder ao Brasil, mediante indenizações no valor de 2 milhões de libras, uma
estrada de ferro que ligasse os dois países e um porto no Rio Madeira, a região do
Acre. Esta foi anexada plenamente pelo tratado de Petrópolis, assinado em 1903 (cf.
ROCHA, J. 1903). Um documento de 1917 diz que o Brasil, em cinco anos depois do
acordo com a Bolívia, recuperaria a indenização paga somente com os lucros obtidos
com as exportações de borracha (cf. MENEZES, M., 1917).

Com a criação do território do Acre, na primeira década deste século, a região foi
desligada do Amazonas, constituindo os departamentos do Juruá e do Purús com suas
respectivas prefeituras. Mas durante toda esta década e a seguinte houve muita
discussão sobre se o Acre se transformaria em Estado ou continuaria a ser Território
Federal, isto é, se o Acre seria administrado pelos acreanos, pelo governo do
Amazonas ou se pelo Governo Federal (cf. VASCONCELLOS, C. 1906). "Quase a
totalidade do povo é cearense. É extremamente nacionalista e contra a incorporação
do território ao Estado do Amazonas" (cf. BUENO DE ANDRADE, A.M., 1907, Arquivo
Pessoal de Afonso Pena, Arquivo Nacional).

Os amazonenses que dominavam a estrutura econômica do território não


incentivavam a transformação do Acre em Estado. Pelo contrário, defendem que a
região deve ser administrada pelo Amazonas visto que ela sempre foi de posse
daquele Estado. "Se o Acre não tivesse as riquezas que tem, teria sido pacífica e
desapercebidamente anexado ao Amazonas, é esta riqueza que faz com que os
acreanos lutem para sustentar a autonomia acreana" (cf. OURIQUE, 1907).

Surge, à época, alguns movimentos liderados, na imprensa e na opinião pública, pelos


acreanos, pleiteando que o Acre se transforme em Estado da União visto que era a
terceira renda nacional, perdendo somente para os Estados de Minas Gerais e São
Paulo. Fazia o governo da União arrecadar recursos significativos devido as taxas de
exportação da borracha (MEIRA, A., 1913).

A discussão se dava por razões de o Acre se situar à margem da história do Brasil visto
que, se por um lado contribuía de forma substancial para o erário nacional, por outro
não tinha representação no governo do país. O debate já se consolidava quando veio a
"débacle" amazonense precipitada pela queda vertiginosa do preço da borracha, nos
anos 20.

Depois desta tentativa frustrada do capital estrangeiro de se apossar da produção da


borracha na região, este estava vinculado, novamente, ao mercado brasileiro,
encontrando-se totalmente dependente do Brasil para prosseguir na sua expansão
capitalista. Neste sentido, os países estrangeiros procuraram tornar possível a
exploração de outras áreas de seringal e voltam seus olhos para suas colônias no
Oriente. Já em 1876, o inglês Henry Wickman, com ajuda de índios Mura, consegue
contrabandear para a Inglaterra 70.000 sementes da árvore seringueira.

Destas, apenas 2.440 germinaram e foram enviadas para as colônias britânicas na Ásia
(Ceilão, Cingapura, Bornéu, Java e Sumatra) onde se adaptaram, sendo plantadas de
forma racional com vistas a grandes safras. Em 1910, a primeira safra de borracha
asiática chega ao mercado mundial causando vertiginosa queda no preço do produto e
desorganizando a economia amazonense. Daí em diante, inicia-se a crise do produto
no Brasil e, cada vez mais, a produção asiática dominava o mercado. Em 1921, o
preço era dez vezes menor do que fora em 1910.

A crise da borracha já se fazia sentir desde 1906-1907 quando o relatório da


prefeitura do alto Acre já assinala que os seringais estavam em franca diminuição no
território em função da "exploração"(...) que atingia uma forma bárbara e vampira e
que os ricos seringais estavam como florestas abandonadas pela cobiça da
exploração"(Cf. Plácido de Castro,1906-1907). Era uma crise de produção e não do
preço no mercado mundial.

Os migrantes quando chegavam à região, transformaram-se em seringueiros,


incorporando os sonhos de fazer fortuna e conquistar territórios. Isto fez com que a
empresa entrasse num rítmo desordenado de exploração. Plácido de Castro descreve,
ainda no mesmo relatório, a miséria que grassava na região em virtude dos
nordestinos já chegarem muito mal nutridos; se não morriam nas viagens, morriam
das condições de vida encontradas nos seringais.

Em documento de 1908, A.M. Bueno e Andrada descreve que na região do Juruá se


instalava a desordem e ocorriam muitos conflitos entre os patrões e os seringueiros,
nesta época de baixa da borracha (cf. Arquivo Pessoal de Afonso Pena, Arquivo
Nacional). Existe outro relato da época, feito por um viajante que chegava ao Purús
em 1907-1908, dizendo que o Purús é o rio mais comercial de todos os tributários do
"Rio-Mar". Observara que a produção da borracha subia 26 toneladas em relação a
safra do ano anterior e que isso significava uma arrecadação de 20 mil contos para o
Governo Federal (cf. AMORIM, A. 1917).

Ainda sobre a diminuição da produção, verifica-se nos escritos de Honório das Neves,
de 1918, que os seringueiros já agora, diante da crise da borracha e da queda de
preço no mercado, precisam retirar mais para ter o mesmo lucro, o que fazem sem
pensar na recuperação da árvore. A diminuição da produção da borracha, neste
período, é de 50 a 60%. "Pensando nos lucros momentâneos, os seringueiros e mesmo
os seringalistas nunca pensaram no futuro e os prejuízos começam a aparecer" é o que
diz este observador da crise da borracha na economia acreana.

Se a Inglaterra já providenciava há bastante tempo sua emancipação na produção da


borracha impondo a plantação da goma elástica no mercado asiático, os Estados
Unidos começavam na primeira década deste século o mesmo processo de
independência do mercado brasileiro. Começam a plantar a árvore nas Filipinas e
esperam uma safra de 192.000 toneladas no ano de 1925. Para o Brasil conseguir o
lugar no mercado externo só restava uma solução, que nunca chegou acontecer: o
aumento da produção (cf. NEVES, H. 1918).

Um relatório do governador do território do Acre, em 1922, chama atençao para o


perigo das safras asiáticas já que, desde 1909, 175 companhias existiam a serviço da
Inglaterra e dos Estados Unidos para o plantio da hevea brasilienses, em colonias
destes países. Estas companhias elevaram o índice de plantação a cerca de
124.000.000 de árvores que racionalmente plantadas poderão produzir cerca de
187.000 toneladas, enquanto a produção de toda a Amazônia não atinge o número de
40.000 toneladas. Diz que, em 1918, houve um êxodo populacional em decorrência da
crise do produto, resultando num aumento de apenas 8% da produção naquele ano (cf.
JACOME, E. 1922).

Os relatórios dos Prefeitos, das Prefeituras que foram instituídas logo após a anexação
do território do Acre ao Brasil, deixam patente a forma como se desenrolava a
economia acreana: "O trabalhador explora a seringa, o patrão explora o trabalhador,
o os commerciantes do Pará e de Manaos exploram os patrões... O corolário desta
irregularíssima vida econômica é que os trabalhadores endividam-se
extraordinariamente junto aos patrões, os quaes, para sustentá-los durante seis a sete
meses de ócio, se endividam por sua vez com os aviadores do Pará e Manaos, e que
por seu turno, se veem em colisões para liquidar qualquer transação; giram num
círculo vicioso" (TAUMATURGO DE AZEVEDO,G.,1905).

Conforme os anos avançam e a crise da borracha se apresenta irreversível, os


relatórios ficam mais pessimistas em relação ao futuro da região acreana ao mesmo
tempo que procuram, desesperadamente, diversificar a produção de matérias-primas
e bens para o mercado interno. A produção da borracha nos áureos tempos
desestimulava qualquer forma alternativa de produção, ainda que fosse para a
subsistência. Todos os esforços eram canalizados para a produção da goma elástica, o
que deixou a região completamente dependente e carente de todos os gêneros de
alimentação, todos importados de outras regiões do país.

Quando a crise se instaura de fato e as esperanças cessam é que há uma preocupação


de incentivar a pecuária e a agricultura na região, o que fica patente nos relatórios a
partir de 1912. No relatório de 1925, José Thomas da Cunha Vasconcellos, governador
do território, diz que "o Acre é um opulento mendigo, produz tudo e tem carência de
tudo" (cf. 1925). A partir deste momento são lançados planos de defesa da borracha e
é estimulada sua plantação em todo o Território Nacional. A Ford lança as bases de
enormes plantações da hevea no pará, e a esta altura, no ano de 1928, o governador
do território do Acre acredita que a iniciativa é boa e que deve até ser imitada na
região acreana mas pondera que ao invés de novas plantações deve-se proteger e
recuperar os seringais nativos (cf. CARNEIRO, H. 1928).

De 1920 a 1940, a empresa seringalista procura adaptar-se às novas situações de


mercado. O preço continua a cair até que na década de 40 e 50, em consequência da
Segunda Guerra Mundial, se estabiliza e a produção da borracha toma novo impulso. O
governo quer monopolizar a extração do látex e chega mesmo a direcionar uma nova
onda migratória do Nordeste para a região Amazônica; paralelamente cria o Banco de
Crédito da Amazônia, que tem como objetivo garantir financiamentos para o aumento
da produção.

Durante a Segunda Guerra Mundial houve um bloqueio, pelas forças do Eixo, aos
seringais do Extremo Oriente, o que fez com que os Estados Unidos procurasse
novamente o mercado brasileiro como alternativa para a crise de produção da
borracha. Os Estados Unidos concederam ao Brasil um crédito de 100 milhões de
dólares destinados à organização da extração.

Embora com menor intensidade, a borracha torna-se um produto rentável novamente,


com a elevação do seu preço no mercado internacional. Parecia que tudo voltava à
época áurea de exploração do produto, e os interesses se direcionam mais uma vez
para a região acreana. A história se repetia, novo ciclo de migrantes nordestinos indo
à procura da prosperidade. Mas não passava de uma "fase de euforia" já que após a
liberação das áreas orientais, a borracha brasileira retornava a ocupar um lugar
insignificante no mercado mundial.

Analisando os documentos do Conselho Nacional de Economia de 1934 a 1942,


percebe-se que havia todo um incentivo à exploração deste produto. No Estado Novo,
há uma intenção de melhoria dos transportes para a região, facilitando a migração de
30.000 trabalhadores nordestinos para os seringais. Durante este período, os
seringalistas passam a ter voz novamente no Conselho Nacional de Economia e
exigiam, entre outras reivindicações, a melhoria dos transportes, a isenção de
impostos, proteção ao produto e incentivo à migração para região acreana, o que
significa um investimento na melhoria de condições de vida da região como a abertura
de hospitais, planos habitacionais e sanitários.

Em julho de 1942 foi submetido ao Presidente da República um projeto de decreto-lei


que criaria o Conselho Federal de Expansão Econômica da Amazônia, mas este projeto
não foi assinado, sendo arquivado em 1948. Durante todo este período a "Borracha
Brasileira" foi discutida amplamente e, ficou na história, relembrada e respeitada
pelos seus tempos de glória e de rentosa contribuição para o erário nacional. Houve
muita polêmica sobre a nova exploração mas não durou mais do que uma década. As
discussões giravam em torno do que a borracha representava no mercado mundial e
no mercado brasileiro, e de sua expansão para as áreas de plantação, submetida a um
processo racional. Já nos documentos de 1934, a borracha nativa é contrastada à
borracha cultivada e a esta última é atribuída a responsabilidade da crise do produto
no mercado brasileiro.

O Acre surge com a frente extrativa da borracha e levará esta marca para sempre, na
construção de sua história. A borracha é questão durante todo o tempo, e há sempre
uma esperança de retorno aos bons tempos, tempos de prosperidade. De 1950 a 1960,
a empresa seringalista sofre uma profunda estagnação. Volta a desenvolver uma
atividade econômica mista. Neste contexto, surge o "barranqueiro", nova categoria
social que fica no lugar do seringueiro. O barranqueiro emerge da estagnação da
empresa seringalista e se dedica a produção de roçados, com o objetivo de vender a
produçào excedente nas cidades vizinhas. Durante a década de 70, mais
especificamente em 1972, foi criado o PROBOR através do decreto lei nº 1232, que
demonstrava que o governo dava destaque à racionalização da produção da borracha
no Brasil. Este programa foi confiado a SUDHEVEA que plantaria, entre 1972 e 1975,
18 mil hectares de cultivo na Amazônia.

O programa também objetivava a recuperação dos antigos seringais nativos da região.


Este programa fracassa e o governo cria, em 1978, o PROBOR II que se desenvolveria
até 1982. Este programa teria que plantar 120 mil hectares de seringais de cultivo,
recuperar 10 mil hectares de seringais cultivados e a recuperar 10 mil colocações de
seringais nativos. Iria, ainda, implantar e realocar 8 usinas de beneficiamento de
borracha. Estes programas fracassaram, foram criados para tirar o Brasil da situação
de importador de borracha dependente do mercado Asiático.

Na década de 70, apesar dos planos do Governo querendo promover a borracha,


surgem os grandes capitalistas do sul do Brasil, que passam a ser os novos
proprietários dos seringais da região, desenvolvendo uma atividade mista de pecuária
e agricultura e usando como pano de fundo os benefícios oferecidos para produção de
borracha. Esta ocupação recente dá uma feição completamente nova à região; agora
não é mais tempo dos seringais, é tempo dos pastos e das queimadas.

VAPOR E BORRACHA: A "BELLE ÉPOQUE" NA SELVA

Do casamento do seringueiro com a selva produzindo borracha nascia a época de


maior opulência que a região amazônica viveu. Ao seringueiro restava o trabalho e a
exploração: "embora livre fisicamente, constituira-se num escravo moral do patrão
pela dependência econômica, rígida, e às vezes, até mesmo num genuíno escravo,
vítima de castigos corporais, tolhidos nas liberdades que fundamentam a existência
livre" (TOCANTINS, 1982:104).

Aos patrões e comerciantes cabia a melhor parte: gastar o dinheiro que o ouro negro
fazia render. Emílio Goeldi, zoólogo suíço que reorganizou o Museu do Pará, foi
testemunha desta época e escreve em 1900: "...a borracha representa a hélice
propulsora do progresso material dos dois Estados e a ela cabe, principalmente, o
merecimento de hoje, entre os Estados confederados do Brasil, o Pará e o Amazonas
gozarem de fama de bem estar e riqueza. Aquelas montanhas de pães pretos,
piriformes, ou amarelas, discóides, que vão arrumadas naqueles caixões de madeira
enfileirados no litoral, e lá esperam a ocasião de serem embarcados para a Europa e
América do Norte, alimentam um grandioso movimento comercial, a cada dia
crescente, de cujos efeitos se ressentem todos os ramos da vida pública, todas as
partes do organismo social" (ALBUM DO PARA, 1900).

Manaus e Belém transformavam-se nas cidades "princesas"' da região equatorial,


centros de atração. Ganharam ar de modernidade com a borracha. Muitos dos
estrangeiros que desenbarcavam no porto do Rio Negro ou na baía de Guajará tinham
a sensação de estarem numa cidade de seu próprio país como Marselha ou Bordéus. "O
movimento de veículos de toda a sorte, num vaivém contínuo, que parecia mais um
grande centro europeu do que uma cidade tropical" (TOCANTINS, 1982:123).

Euclides da Cunha numa viagem ao Pará em 1904, registra em carta ao seu pai: "O que
é a cidade de Belém, com os seus edifícios desmesurados, as suas praças
incomparáveis e com a sua gente de hábitos europeus e generosa, foi a maior surpresa
de toda a viagem" (VENANCIO, F., 1938 apud TOCANTINS, 1982:123).

Comparada à Europa a região vivia em plena modernidade, as cidades adquiriram ar


cosmopolita: ruas espaçosas e largas, teatros imponentes como o de Manaus e o
Teatro da Paz de Belém trazendo artistas internacionais e revistas francesas à
Amazônia. Possuía "magazins de modes" comparáveis aos grandes boulevards
parisienses.

Ganhava-se muito dinheiro, bebia-se champagne e cerveja importada e a bacia


amazônica despejava a borracha para o resto do mundo, tornando muita gente
milionária. Belém importava granito, de mais de 3000 Km de distância, para calçar
suas ruas e avenidas (cf. DONATO, H., 1963). Manaus e Belém, com ares de
metrópoles, causavam espanto e surpresa nos visitantes estrangeiros que lá
chegavam, esperando encontrar selvagens ou uma cidade de índios com seus arcos e
flechas. Pelo contrário, lá encontravam "la civilisation la plus raffinée est parvenue
jusq'áu Rio Negro" (BONNEFOUS, J., 1898 apud id. ibid).

Centenas de paraenses e amazonenses cruzavam o Atlântico para conhecer a Europa.


Não conheciam a capital do Brasil, o Rio de Janeiro, mas conheciam as principais
cidades da Europa. Tocantins narra que os governos da "belle époque"' faziam álbuns
que testemunhavam a opulência da região.

Era também a época da fotografia, que marcava mais uma entrada na modernidade.
Os álbuns documentavam as construções, as praças e os jardins, as residências
particulares; um retrato da época, das grandes e suntuosas construções que
queimavam todo o excedente acumulado pelo comércio e produção da borracha.

Os comerciantes das cidades propiciavam uma vida social europeizada, como se fosse
uma "Paris nos trópicos". Mas mesmo no interior, nas áreas de seringais como o Purús,
era comum encontrar casas elegantes à beira dos barrancos e as filhas dos patrões
tocando, em pianos das melhores marcas alemãs e francesas, valsas de Strauss ou
noturnos de Chopin. As casas eram bem equipadas com faqueiros e cristais franceses,
louças inglesas, toalhas de linho (cf. TOCANTINS, 1982:130).

Todo este período foi regido pelo vapor, barcos que eram responsáveis pela
movimentação da riqueza em toda a região. A navegação fluvial é inseparável do ciclo
da borracha. Os vapores eram alemães, ingleses e italianos, que não só ligavam Belém
e Manaus ao interior e ao Acre mas também à Europa.

A descrição de um vapor, que a firma Barbosa & Tocantins encomendara a armadores


estrangeiros, deixa patente a atmosfera da época, o encanto que as máquinas e os
luxos dos aparelhos do vapor criavam: luz elétrica, ventiladores de teto, piano
automático, máquina de fazer gelo. Os jornais noticiam, no ano de 1908, a chegada
do vapor. Tocantins escreve que "para aquilatar o que representava em novidade,
progresso e sentido estético um acontecimento como esse, é preciso viver o espírito
daqueles anos. Um vapor com os recursos do Tocantins era um fato inédito, um passo
no caminho das transformações sociais" (1982:132).

O tráfego fluvial intensificou-se, desde então, e a Amazônia, em especial o Acre, vivia


a euforia dos vapores. A frente da borracha era tão absorvente, que mesmo sendo o
vapor imprescindível para seu desenvolvimento, ela não permitia que se tivesse
tempo para fornecer lenha às suas máquinas. Tudo que não fosse borracha era difícil
de se conseguir, naqueles tempos.

Se os vapores já eram um sinal de modernidade, faltava ainda consolidar o que era


realmente moderno, à época do final do século XIX e começo do século XX: as
construções das estradas de ferro. Novamente as máquinas vão encantar o homem,
dando um ar de modernidade à selva. Esta fôra a iniciativa que começara na região
pós-anexaçào ao Brasil.

No acordo com a Bolívia, o Brasil ficava responsável pela construção da estrada de


ferro que ligaria o Rio Madeira ao Mamoré, na Bolívia. Esta estrada percorreria os
trechos encachoeirados do rio que não eram propícios à navegação. Desde o final do
século XIX houve planos de construção de uma estrada de ferro na região. Em certo
momento, foi mesmo iniciada sua construção por conta de empresas inglesas mas não
dera nenhum resultado e perdera-se o desafio de se conquistar a selva impondo um
rítmo de vida moderna. Mas no ano de 1907 se inicia esta obra que deixou marcas
profundas na civilização amazonense da época.

A dificuldade de se conseguir mão-de-obra, num tempo em que todos os braços se


voltavam para a coleta do látex, forçou a vinda de imigrantes para a construção da
via férrea. Foi obra grandiosa onde concorreram imigrantes de mais de 50 países do
mundo, que vieram para erguer uma linha férrea no meio da floresta. Esta ferrovia
causou muitas polêmicas, produziu fantásticas histórias e fez a desilusão de muita
gente.

Porto Velho foi o centro administrativo de toda a construção que envolvia somas
consideráveis de dinheiro, garantia de uma construção deste porte. O tempo de
duração da construção foi de 5 anos. Assim, em 1912 estavam encerrados os trabalhos
na estrada de ferro. Todo o trabalho custou milhares de vidas que foram perdidas na
tentativa de construir um carrossel de ilusões, uma estrada de ferro, "um caminho
que conduzisse do nada a lugar nenhum" (cf. HARDMAN, 1988).

Um relato narra as consequências da estrada: "Porto Velho é hoje uma cidade


moderníssima e ali impera o conforto de que os ingleses costumam cercar-se, em
qualquer parte do orbe em que se instalem. Cinemas, clubes, bares, bons hotéis,
restaurantes, teatros... hoje circulam por essa via férrea borracha, caucho..."
(PRADO, E., 1952).

Este período dura pouco pois coincide com o término desta empreitada a crise da
borracha, que fazia entrar em franca decadência toda a região, não conseguindo mais
sustentar por muitos anos o luxo e a opulência desta construção. A estrada de ferro
Madeira-Mamoré era apenas um palco onde se podia sonhar com as maravilhas do
capitalismo moderno que vencia à época mais um de seus desafios: dominar a selva
amazônica. Uma espécie de cunhagem da modernidade sobre a selva. Produziu ilusões
de um tempo, tempo do império do ouro negro. Os trens eram equipados com o que
havia de melhor no mundo. Porcelanas inglesas, talheres franceses e mordomos
vestidos à caráter: luvas brancas e uniforme de ferrovia.

A borracha consagrou e produziu todo este período, os ares de modernidade sopraram


sobre a selva. Ares quentes de vapores que singravam os rios ou que riscavam os
trilhos da selva. Era das máquinas de ferro, da urbanização, da transformação do
"inferno verde" no paraíso terrestre, das construções suntuosas tramadas na euforia
da "symphonia elástica". A "débacle" amazonense, no período pós-primeira guerra
mundial, faz com que todo aquele complexo do ouro-negro passe a viver da
lembrança do que havia sido. Um momento novo onde só restaram as marcas
arqueológicas de um tempo.

TERRAS NO ACRE E A NOVA FRONTEIRA

O Acre, possuindo uma área de 152.589 quilometros quadrados numa altitude media
de 200 metros acima do mar, é pleno em terrenos sedimentares cenozóicos que
descem suavemente para a bacia amazônica onde estão as cabeceiras dos rios Juruá e
Purús, afluentes do amazonas. De clima quente e úmido tendo uma precipitação de
2000 a 2500 mm de chuva anuais, possui terras dominadas pela floresta equatorial ou
hiléia brasileira.

Desde o final do século XIX, a estrutura fundiária acreana surgia de forma muita
concentrada: os seringais se espalhavam por vastas áreas de floresta se configurando
em verdadeiros latifúndios. Um documento da primeira década deste século, de Luis
Rodolfo Cavalcanti, define em três fases distintas a questão das terras no Acre. A
primeira fase data desde o ano de 1852, em que instituída a província do Amazonas
pela lei nº 582 de 5 de setembro de 1850, incorpora a região acreana ao seu território
como parte integrante da antiga comarca da barra do Rio Negro, criada pelo decreto
de 30 de junho de 1759.

A segunda fase começa no ano de 1898, configurando-se numa situação em que os


presidentes de província do amazonas aprovaram as demarcações e rivalizações das
terras de todas as regiões do alto Amazonas, Purús, Acre e Juruá e de seus afluentes,
efetuando a venda de terras. As terras devolutas bem como sua aquisição por compra
ou revalidação, demarcação e discriminação entraram em um novo regime a partir de
1874, quando se regularizam a situação dos posseiros e dos pretendentes de compra
dos lotes destinados à indústria extrativa.

A terceira fase é a que constitui a região em Território Federal, em que se encontram


os seguintes tipos de proprietários: a) proprietários com títulos legais expedidos no
tempo da República e do Império; b) proprietários com títulos bolivianos; c) títulos
expedidos pelos governos revolucionários brasileiro e boliviano; d) os que não tem
título legal mas tem posse; e) os que não tem posse ou título de espécie alguma (cf.
Arquivo Particular de Afonso Pena, Arquivo Nacional).

Neste mesmo período um documento de 1907 afirma que era impossível naquele
momento traçar uma política de demarcações de terra, pois as terras eram fontes de
invasões, de insolúveis demandas. "Os imensos seringais abrem aos donos de barracão
vasto campo para a exploração da borracha. O espaço é largo para todas as atividades
e tipos de ambição. Os seringueiros preferem combinar entre si as raias de suas
explorações a alimentar discórdias e assim vão vivendo em paz, vão estabelecendo os
limites habituais de suas áreas de ação". (cf. BUENO ANDRADE, 1907, Arquivo
particular de Afonso Pena, Arquivo Nacional).

Em um outro documento do mesmo arquivo, o Sr. Gustavo Farnesse diz que em


Cruzeiro do Sul "é difícil aplicar a legislação num território onde o rio e o solo são
árbitros da vontade humana. Aqui não se fazem cálculos. Aqui não existem pobres!"
(cf. id.ibid.). Nos períodos de crise da borracha, esta concentração diminui na medida
em que terras foram vendidas e nelas instaladas colônias ou pequenas propriedades
que utilizavam basicamente o trabalho familiar (cf. DUARTE, E., 1986).

Observa-se esta intenção no relatório de 1922, do governador do território: "Desde o


início da exploração do Acre, as suas terras foram distribuídas, ou melhor,
açambarcadas por um número pequeno de posseiros que se assenhoravam de terras
em proporções constitutivas de verdadeiros latifúndios, e dahi para cá não foi mais
possível a divisão e subdivisão dellas, de modo das quais se pudesse radicar ao solo
maior número de posseiros.

É certo que a crise da borracha está sucedendo em grande escala devido exactamente
ao facto de seringueiros, agricultores e roceiros nada possuirem em caráter fixo, o
que lhes facilita a retirada qualquer momento..." (JACOME, 1922). A reivindiicação
deste governador era a de poder distribuir melhor as terras, procurando evitar o
domínio completo da indústria extrativa sobre qualquer atividade agrícola. Incentiva a
policultura nas áreas o que seria somente possível com concessão de pequenas
propriedades fixando a população à terra.

Em 1925 o Acre possuía, numa área de 140.800 quilômetros quadrados, 454 seringais
com uma população de 30 mil pessoas. O governador da época, em face a esta
estatística, declara que "facilmente se verifica que as propriedades no Acre, ao
contrário da clássica recomendação da sciencia economica, se compõem ainda de
grandes latifúndios, o que dificulta, sobremodo, o seu efficaz aproveitamento e
contribui para que sua população seja, como de facto o é, adventícia e não se radique
ao solo ao qual se não liga por interesses economicos permanentes... Esta região,
mercê de Deus, tudo produz com miraculosa fecundidade, mas por obra sinistra do
destino... Tem tudo e tudo falta!" (VASCONCELLOS, J. 1925).

As décadas de 40 e 50 reacendem a indústria extrativa na região, promovendo mais


uma vez a ocupação de terras que já há muito tempo haviam sido abandonadas. Neste
momento a política fundiária na região parece ainda vigorar sob os interesses da
borracha.

A partir de 1966, se efetivou uma política de incentivos adotada pelo Governo


Federal, o que atraiu muitos investidores para região com objetivo de desenvolver
projetos madeireiros, agropecuários e de mineração. Isto marcou o início da corrida
do grande capital para a Amazônia, ocorrendo a compra de enormes glebas de terras.
O sentido das compras de terras eram, até então, meramente especulativos. O Acre é
atingido, no início dos anos 70, por esta nova fronteira.

Com a economia extrativa em fase de estagnação, os seringueiros endividados


vendiam grandes propriedades aos especuladores do sul do Brasil. Neste momento, o
índice de concentração fundiária atinge os mais elevados níveis na estrutura fundiária
brasileira. A concentração fundiária e a consolidação de grandes propriedades se fez à
custa de conflitos sociais que resultaram na expulsão dos colonos ou índios das antigas
áreas de seringais. Neste período, há uma modificação considerável no quadro sócio-
econômico da região. Deflagra-se um duplo processo: a implantação de fazendas
voltadas para o plantio de pastos artificiais para o gado e a desintegração da empresa
seringalista.

Na região do Purús este processo se encontra em fase adiantada enquanto na região


do Juruá vive os primeiros momentos desta transformação. Desde a década de 60, os
discursos oficiais que falam sobre a região acreana clamam por estradas como
condição de desenvolvimento. As estradas tomam o lugar dos rios como escoadores da
produção que agora não é essencialmente de látex mas de base agropecuária (cf.
MESQUITA, G. 1965).
No final da década de 70, os discursos sobre o Acre são alarmistas quanto ao incentivo
à extração da borracha. Preferem a via das estradas como forma de desenvolvimento
e pretendem decretar o fim da empresa seringalista na região (cf. QUEIROZ, A.,
1980). Estava iniciado o combate de idéias e práticas que colocavam de um lado
agropecuária (associada ao desenvolvimento) e de outro o extrativismo.

A terra, agora, era uma mercadoria, um valor em si. Os discursos de deputados


federais como Nabor Junior, no início dos anos 80, criticam os obstáculos centenários
ao desenvolvimento da região, dos quais o mais grave é a indefinição fundiária: a
falta de titulação da posse da terra e a violência decorrente do caos administrativo
que envolve posseiros, grileiros, indígenas e o próprio governo. A esta época, apenas
10% das terras do Estado estavam delimitadas e discriminadas em caráter efetivo.

Este novo movimento de fronteira estava implantado na região promovendo


desmatamentos nunca antes vistos, expulsando índios e seringueiros de suas terras.
Em 1976 o Radam-Brasil fez o levantamento no estado e constatou que cerca de 70%
de seu território era de seringais e castanhais, predominando a indústria extrativa.
Hoje, já foram desmatados 12% dessa superfície. As áreas que se prestam aos projetos
agropecuários são apenas 10% do seu território, o que corrobora que o
desenvolvimento da região só pode ocorrer por via do extrativismo.

Atualmente, no Acre estão sendo implantadas 7 reservas extrativistas, fruto de um


movimento onde os seringueiros da região conseguiram mobilizar a opinião pública
para suas propostas. Propostas estas recentemente encampadas pelo IBAMA numa
política nacional do meio ambiente (cf. MENEZES, M. 1990). Neste momento, surge
um personagem singular na história da luta pelo extrativismo na região, Chico
Mendes, que perde a própria vida nesta batalha.

Chico Mendes foi um dos pioneiros na tentativa de evitar as derrubadas que acabavam
com o sustento dos seringuerios e destruíam o meio ambiente. Em suas palavras:
"Entre Brasiléia e Xapuri, de 75, 76 até hoje, nós realizamos 45 movimentos de
ëmpates". Nesses 45 movimentos nós tivemos aproximadamente umas 400 prisões,
umas 40 torturas e companheiros assassinados também, mas isto fez que mais de 1200
mil ha de floresta não fossem destruídos" e continua "Nós não temos dúvidas de que
temos uma oposição muito forte pra enfrentar.

Além de uma política dos grandes latifundiários, dos grandes empresários que hoje
dominam a Amazônia, nós temos o poder dos constituintes que votaram contra a
reforma agrária... vamos ter que enfrentar uma barreira enorme, feita pelos grandes
latifundiários e pela política de especulação da terra na Amazônia" (MENDES, Chico,
1990).

Vous aimerez peut-être aussi