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A PROFISSÃO MILITAR E A

PREPARAÇÃO PARA A GUERRA – UMA


VISÃO CRÍTICA

Por

HEITOR FREIRE DE ABREU


2 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

NOTA DO AUTOR
Este livro foi concluído no final de 2002. Recebeu
diversas revisões e sugestões, sendo submetido ao Prêmio
Tasso Fragoso - 2004, da Biblioteca do Exército (BIBLIEX),
onde foi premiado com a Menção Honrosa. Malgrado esforços
do autor, não foi possível publicá-lo.
O texto original foi preservado, apesar de,
eventualmente, existirem correções e atualizações a serem
feitas. Era uma questão de honestidade intelectual não
modificá-lo. Além disso, queria manter a visão do Capitão
Heitor quando escreveu “A Profissão Militar e a Preparação
para a Guerra – Uma visão Crítica”; não a do agora Major
Heitor.
Sete anos se passaram, incluindo a vivência de 1 ano na
Costa do Marfim, na África (2006), e a realização do Curso de
Comando e Estado-Maior (2007-2008), na ECEME, dentre
outros eventos significativos na minha vida profissional.
Obviamente, a visão se aprimorou, mas o ideal, a idéia, a
crença e o escopo expostos neste livro continuam os mesmos.
Torná-lo público, ao divulgá-lo na Internet, foi uma
forma de dividir essas idéias. Espero que seja útil no debate
sobre a profissão militar e a sua importância como vetor
fundamental na manutenção da soberania de um país.

Rio de Janeiro, 21 de abril de 2009.

Heitor Freire de Abreu

Email: majheitor@gmail.com
3 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Dedicatória

Este livro é dedicado à Força Expedicionária Brasileira


(FEB).
Força esta que, fruto da situação conjuntural da época,
tinha tudo para ser derrotada nos campos da Itália.
Material deficiente, seleção de pessoal precária, instrução
incipiente, falta de preparo dos quadros, carência de experiência
de guerra e toda a ordem de óbices permearam a nossa FEB. Saiu
do Brasil desacreditada por muitos. Combateu nos campos
gelados da Itália, misturando o sangue brasileiro com a neve das
escarpas rochosas italianas, mostrando aos americanos do norte
e aos europeus a capacidade de enfrentar e ultrapassar
obstáculos do povo brasileiro. Desembarcou no Brasil vitoriosa e
coberta de glórias.
Cometeu erros, é verdade. Todavia, seus acertos e suas
lições de coragem e abnegação transcenderam os equívocos e
falhas ocorridas. Na cavalaria brasileira, há um ditado que diz “Só
cai quem monta”. De certa forma, ele se identifica com a FEB. As
quedas – erros – existiram, mas não mancharam, de forma
nenhuma, o brilho da vitória e o cumprimento da missão
daqueles que ousaram ir para a Itália.
A geração de hoje, civis e militares, deve estudar, analisar e
entender o que possibilitou os acertos e causou as falhas nessa
importante passagem da História Militar do Brasil. Após isso,
traduzir esse aprendizado profícuo em ensinamentos para os
momentos de crise que certamente o Brasil irá enfrentar.
Após ler atentamente sua história - mantendo-me longe do
ufanismo exacerbado e do preconceito maldoso - e visitar os
campos nevados de Monte Castelo, Montese e o Cemitério Militar
de Pistóia, ao ver um expedicionário brasileiro, só há uma
atitude: perfilar-me e prestar uma continência perfeita.
Aos soldados da FEB, a minha admiração, respeito e
agradecimento pelas lições com as quais brindaram os meus
estudos de História Militar. Esse livro é em sua homenagem.
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SUMÁRIO
Introdução 5

Capítulo 1 Algumas idéias sobre a guerra 11


A guerra e os números 16
Guerra: aberração social ou parte da natureza humana? 22
A guerra pode trazer benefícios? 26

Capítulo 2 O pensamento do guerreiro 30


O profissional militar 31
A guerra e seus imponderáveis 34

Capítulo 3 A guerra e a humanidade 40


Os exércitos na paz 42

Capítulo 4 A preparação para a guerra - quadros 48


Formação de oficiais 54
Adestramento da tropa 59
Adestramento dos quadros 63
Liderança 75

Capítulo 5 A preparação para a guerra - Equipamentos 88


Investimentos nas forças armadas 99

Capítulo 6 A preparação para a guerra - Sociedade, política e militares 103


Relações entre civis e militares 114
História Militar 117

Conclusão 121

Bibliografia utilizada 127


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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

QUADROS

01 Atividades de defesa externa 16


02 Progresso humano 18
Países produtores de petróleo com graves problemas
03 21
internos
04 Principais áreas envolvendo disputa por petróleo 22
05 Estatística dos Conflitos (1740 – 1974) 23
06 Países partícipes em conflitos atuais 24
07 Grupos Terroristas em Atividade 25
08 Perdas Militares nas duas Guerras Mundiais 28
09 Custo Direto das Guerras Mundiais 30
10 Gastos com defesa 33
11 Gastos Militares (PIB) 34
12 Dilema Espadas versus Arados 59
13 Classificação Genérica dos Conflitos 81
14 Evolução dos armamentos e contra-armamentos 122
15 Custo e Características dos Equipamentos Militares 125

GRÁFICOS

01 Consumo de petróleo – 2002 20


02 Gastos Militares Globais 31
03 Gastos por países em 2003 32
04 Gastos Militares dos Principais países latinos (PIB) 34
05 Custo de guerras envolvendo os EUA. 35
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“Se eu esperasse a perfeição, este livro não seria terminado nunca.”


Tai T’ung (retirado de Memórias de Um Soldado, do General Ernani Ayrosa)
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INTRODUÇÃO

“Verba volant, scripta manent”1


Provérbio latino.

Este livro tem por objetivo estudar alguns aspectos da profissão militar e a
preparação de um exército para a guerra, sua atividade-fim. O título adotado,
bastante amplo, foi proposital. Visou permitir ao autor flexibilidade para tratar dos
mais variados assuntos ligados ao profissional militar, inclusive permeando a obra
com opiniões advindas não só da leitura, mas da observação pessoal da rotina da
caserna.
Como filho e neto de militares, cedo travei contato com a carreira das armas.
Naturalmente, essa convivência me influenciou e acabei tornando-me um oficial do
Exército Brasileiro. Durante a minha formação, mais do que aprender os passos para
uma correta desmontagem de um fuzil, ou as características técnicas de um carro de
combate, de fácil consulta em manuais, o que realmente sempre me interessou foi a
arte militar. A História e a literatura militar me fascinaram e ainda me fascinam.
Como conseqüência, passei a ler e a estudar livros sobre o assunto.
Remonta aos anos como cadete da Academia Militar das Agulhas Negras,
algumas das leituras que mais me impressionaram e que começaram a talhar o meu
pensamento militar. Foi nessa época que li “Os Sete Combates do Vietnã” , “As
Ações das Pequenas Unidades Alemãs na Campanha da Rússia” , “A Guerra que
Eu Vi”, do General Patton, “Panzer Líder”, de Heinz Guderian, além de um clássico
sobre liderança, “A Arte de Ser Chefe” , de Gaston de Courtois. Tais livros me
estimularam tanto, que passei a dedicar-me ao assunto com afinco, mas sem
maiores ambições. Era movido apenas pelo prazer de ir descobrindo, a cada leitura,
novas facetas da minha profissão.
Durante anos, travei contato com diversos livros e assuntos. Muitos deles,
sem ligação imediata com a profissão militar. Essa pletora de informações acabaria,
evidentemente, por trazer conseqüências. Muitas positivas, e algumas negativas.
Das positivas, destaco esse livro. Devido ao grande número de idéias
colhidas ao longo de profícua leitura, veio a necessidade de analisá-las, ainda que
de forma bastante simplificada, e de ordená-las dentro de uma escala de valores

1
“as palavras voam, mas permanecem quando escritas”.
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própria. Disso, surgiu o meu pensamento militar, que nada tem de inovador ou
grandioso. Apenas é a minha forma de ver e entender as forças armadas,
notadamente a brasileira. O próximo passo só poderia ser a imensa e incontida
vontade em expor o que li de forma organizada, tecendo alguns comentários de
cunho pessoal. Assim nasceu a idéia deste livro.
Longe de buscar me equiparar aos grandes clássicos militares, este livro
busca apenas proporcionar uma leitura agradável e, o mais importante, incentivar as
pessoas a ler e a discutir a profissão militar.
Outra característica que destaco é o fato de ter utilizado durante o
desenvolvimento, passagens da História Militar do Brasil e de alguns países da
América do Sul, embora tenha me servido de muitos exemplos dos Estados Unidos
da América (EUA) e de países europeus, por razões óbvias. A razão de ter insistido
neste ponto deve-se ao fato de que a maioria das obras militares com as quais tive
contato foram escritas por autores dos EUA ou de países europeus. Embora não
tenhamos uma História Militar tão longa e dinâmica quanto desses países, preferi
colher em nosso próprio quintal, sempre que possível e pertinente, os subsídios
necessários para basear meus pontos de vista. A nossa História Militar tem muito a
nos oferecer em termos de ensinamentos.

Ψ ΨΨ

Se, por um lado disse que a leitura rotineira de obras de caráter militar
aumentou o meu interesse pela profissão das armas, por outro, devo dizer de forma
bastante honesta que me trouxe efeitos colaterais. O primeiro e mais patente deles
foi o de modificar a minha visão sobre o Exército Brasileiro. Se, no início, ela era
permeada por um idealismo exacerbado e crença cega nos caminhos que a
instituição trilhava – tão próprios dos jovens – durante a aquisição de novos
conhecimentos e pontos de vista, essa visão transmutou-se, tornando-se crítica, no
sentido de que há muito a se fazer para melhorar o nosso Exército. Mas, para que
isso aconteça, precisamos de uma base humana – civil e militar - que se disponha a
pensar o Exército e não simplesmente recebê-lo de uma geração, mantê-lo e passá-
lo para a geração seguinte.
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Ainda como efeito colateral, acabei por verificar que o estudo da História,
mais especificamente da História Militar em nosso Exército, ao longo dos anos, foi
relegado a um plano inferior ao que realmente merece.
Apesar do esforço hercúleo que a Biblioteca do Exército (Bibliex) vem
realizando ao longo dos anos, disponibilizando a um preço extremamente baixo
obras de qualidade tanto na área militar quanto em outras, notadamente da área
humanística, tenho verificado, nos mais diversos níveis hierárquicos, a falta de um
arcabouço cultural e histórico condizente com a situação de militar de carreira.
Ao contrário do que muitos pensam, esse embasamento não é mero verniz
cultural para ser utilizado durante reuniões sociais ou conversas amenas. É fator
indispensável para aquele militar que deseja entender sua profissão e o mundo que
o cerca, e realmente tornar-se um profissional completo. Será por intermédio do
estudo teórico da Arte Militar e de uma análise profunda dos fatos passados,
levando-se em consideração todos os fatores envolvidos no episódio militar, que um
profissional das armas poderá tomar decisões táticas e estratégicas, formular
doutrinas e resolver os problemas que certamente se apresentarão ao longo da vida
castrense.
Contudo, o que se vê, na maioria das vezes, são visões tecnicistas e
cartesianas em excesso. Costumo dizer que temos excelentes técnicos militares,
mas carecemos de pensadores militares. O militar brasileiro, malgrado os esforços
do Exército Brasileiro em implementar projetos de leitura, ainda lê muito pouco. E o
pior, tem dificuldade em interpretar aquilo que lê. Isso, como se sabe, é um reflexo
da cultura brasileira. No final de 2001, a mídia veiculou o resultado de um teste
realizado com diversos países do mundo sobre leitura e interpretação de texto. O
Brasil classificou-se em último lugar. Se o Exército Brasileiro é um extrato da
sociedade, esse problema não surpreende.
Essa tendência em se valorizar o militar executante, aquele que resolve os
problemas de forma rígida e dentro dos padrões preestabelecidos, sem a devida
análise teórica, sintetizada na cultura medieval pela expressão latina Magister dixit2,
é danosa e está por acabar. Com a modernização do ensino, percebe-se que as
escolas militares brasileiras estão valorizando muito mais a capacidade de o militar
resolver problemas de forma inovadora do que a simples decoreba ou a tentativa em

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Significa “O mestre disse”. Frase da escola medieval, onde a palavra do professor não podia ser contrariada.
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adivinhar a chamada “resposta da casa”. Isso é um avanço, mas traz no seu bojo a
necessidade de alunos e instrutores mais preparados – entenda-se que leiam , leiam
e leiam cada vez mais. Para se atingir o mote “aprender a aprender”, tão na moda
nos estabelecimentos de ensino militares, a leitura crítica é indispensável.
Sobre isso, vale a pena ler a conclusão do artigo “Bulding Victory from the
Ground Up”, de Lon E. Maggart:

“Creativity and innovation from the entire force – not just from those at the top.
It is, therefore, incumbent on all of us to think about the future and to offer
suggestions on how to improve the mounted force.”3(grifo do autor)

Hoje em dia, com o crescimento geométrico das informações e descobertas,


bem como da socialização do conhecimento, abrangendo cada vez mais pessoas,
um bom professor ou instrutor (hoje chamado de facilitador da aprendizagem!) deve
ser capaz de lidar com a multidisciplinaridade do conhecimento e com a
possibilidade do seu aluno conhecer determinado assunto de forma mais profunda
do que ele. A quantidade de informações dos recursos humanos do Exército de hoje
é, sem sombra de dúvida, superior a de vinte ou trinta anos. Isso implica que a
diferença de conhecimento entre um tenente e um general nos dias de hoje é
proporcionalmente menor. Isso é uma conseqüência óbvia da possibilidade de se
adquirir conhecimentos tão facilmente nos dias de hoje. Tal estado de coisas obriga
a que todos, sem exceção, procurem o auto-aperfeiçoamento e a constante busca
do saber. Embora isso não signifique dizer que a nova geração tenha qualidade
nessa bagagem de conhecimentos e que, muito menos, saiba selecionar aquilo que
interessa daquilo que simplesmente é conhecido como “lixo cultural”. Além disto,
existe a preciosa sabedoria que só a experiência proporciona...
Várias são as causas e os efeitos dessa aridez literária a qual me referi
anteriormente. Não serão consideradas as causas, por não serem objetivos deste
livro e já serem por demais conhecidas. O principal efeito é o de que não se conhece
o pensamento dos militares brasileiros – na forma e na quantidade desejável - que
ocuparam importantes posições dentro da instituição militar e também daqueles que,

3
MAGGART, Lon E. Bulding Victory from the Ground Up. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 5, p. 6, set.-
out. 1996. "Criatividade e inovação da força inteira - não somente daqueles que estão no topo.Isso implica que
todos nós devemos pensar no futuro e oferecer sugestões sobre como melhorar a força" (tradução livre).
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embora não ocupem, possuem idéias interessantes sobre diversos assuntos.


Precisa-se que mais militares escrevam sobre suas experiências e pontos de vista,
bem como analisem fatos históricos, tendências e preocupações relacionadas com
as Forças Armadas. A maioria – não todas – das obras atuais gravita sobre temas
consagrados (Caxias, Guerra do Paraguai, participação da FEB na 2ª Guerra
Mundial etc). Evidentemente tais temas devem ser explorados, mas existem outros
ainda pouco trabalhados por militares brasileiros. Apenas como idéias sobre temas a
serem desenvolvidos com mais profundidade, temos a Revolução de 64, as lutas
contra a guerrilha na década de 70, a espionagem alemã e italiana no Brasil durante
a 2ª Guerra Mundial, as relações entre civis e militares nas diversas fases da
História, além de temas atuais que proporcionariam bons artigos, tais como um
estudo sucinto dos ensinamentos da campanha americana no Afeganistão para o
aperfeiçoamento da Doutrina Gama4. Por que os americanos lograram êxito em tão
pouco tempo e os soviéticos amargaram 10 anos de derrotas? Será que o uso
intenso da tecnologia invalida em parte a Doutrina Gama? Há necessidade de se
aperfeiçoar a doutrina? São perguntas que merecem dedicação e esforço de todos
os militares em analisar os reflexos para a defesa do País.
Mas não basta escrever ou debater. Duas características devem permear
esse trabalho: fugir do ufanismo tendencioso e acrescentar de maneira crítica novas
idéias e soluções para os problemas apresentados. Falando francamente, é preciso
que o militar perca o medo de expor suas idéias. Se elas não ferem a disciplina, se
são baseadas em argumentos lógicos e expostas com o intuito de acrescentar
conhecimentos e trazer ensinamentos, ela deve ser compartilhada.
Ao se ler revistas editadas nos EUA, como a “Military Review” e a “Armor”,
onde se vê do cadete ao general expondo suas impressões e idéias sobre tática,
História Militar, estratégia, emprego de tropas em ambientes especiais, operações
de paz e uma infinidade de assuntos relacionados com a profissão militar, é possível
que se sofra de frustração. Frustração por não ver, no Exército Brasileiro,
preocupação similar na intensidade que deveria existir numa Instituição com mais de
200.000 homens e mulheres, e que ultrapassa 300 anos de História e experiências a
serem estudadas, analisadas e, finalmente, sintetizadas.

4
Doutrina militar adotada pelo Exército Brasileiro, voltada para conflitos convencionais, excetuando-se a região
da Amazônia.
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Quantos militares do Exército trabalharam em missões importantíssimas


dentro e fora do País? Quantos já partilharam da companhia de importantes figuras
históricas da Nação (civis e militares)? Quantos já participaram de missões de paz
na última metade do século passado e ainda continuam participando? Sabe-se que
foram vários que passaram por essas experiências enriquecedoras. Todavia,
quantos se dispuseram a dividir a experiência através de livros e artigos? Quantos
tiveram a coragem de confrontar o pensamento militar de outros exércitos com do
Exército Brasileiro, gerando debates salutares a fim de que se pudesse aperfeiçoar o
pensamento militar nacional? Muito poucos...
Confesso que muitas vezes, no silêncio da madrugada, ao refletir sobre a
profissão militar, tenho dúvidas se realmente pode-se dizer que o Exército tem um
pensamento militar sólido ou é fruto de uma colcha de retalhos de pensamentos
alienígenas que foram juntados conforme as necessidades se apresentavam. No
final, num esforço de otimismo, penso que até temos um pensamento militar, mas
que está se perdendo ao longo do tempo, em função da falta de registros e das
devidas análises.
O que pensavam os ministros militares das últimas décadas? Onde
escreveram seus pensamentos? Como as gerações de generais-de-exército dos
últimos anos pensavam? Quais foram os principais óbices com os quais se
defrontaram e como reagiram aos mesmos? Quais eram os seus pontos de vista
sobre as diversas áreas que compõe o Exército? Como eles enxergam o Exército de
ontem em comparação com o de hoje? Qual a visão deles sobre as diversas
gerações de oficiais, inclusive a de hoje? No que se refere à doutrina formulada pela
Escola Superior de Guerra (ESG) na década de 70, da qual muitos deles foram
participantes ativos, qual é o balanço que fazem hoje? Como foi e como é vista a
Revolução Democrática de 64 pelas diversas gerações que estavam no “olho do
furacão” naquela época? Qual o balanço que fazem da participação do Exército
nesse importante fato da História Contemporânea do País? E sobre a doutrina?
Como surgiu a Doutrina Delta, Gama5 e Alfa6? Quais as suas bases teóricas? Quais
as implicações imediatas para o Exército, nos diversos escalões, da adoção dessas
novas doutrinas? Qual a visão estratégica do alto-comando do Exército? Como se

5
Doutrina militar adotada pelo Exército Brasileiro, voltada para operações de Garantia da Lei e da Ordem.
6
Doutrina militar adotada pelo Exército Brasileiro, voltada para operações na Amazônia.
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vê, inúmeras são as perguntas, porém escassas são as respostas. Elas só serão
respondidas se houver uma cultura de leitura e de escrita.
Essa falta de fontes e de livros escritos por militares brasileiros permite que
outras idéias, francamente politizadas ou acobertando interesses diversos, distantes
da verdade histórica, sejam tidas como verdades irrefutáveis, em face da
inexistência de estudos mais elaborados e precisos.
Durante uma palestra seguida de debate que proferi na Universidade do
Contestado, em 2000, para todo os períodos do curso de História, pude comprovar a
visão distorcida que o público acadêmico tem sobre as Forças Armadas do Brasil.
Não me refiro apenas aos eventos de 64, sempre polêmicos e interpretados de
forma maniqueísta na maioria das instituições de ensino superior – em parte porque
a filosofia do “Grande Mudo” , defendida por alguns militares, deixou que as versões
tendenciosas se tornassem verdade no mundo universitário. Refiro-me a História do
Exército, sua atuação nos diversos pontos de inflexão da História do Brasil e na sua
destinação atual. Nem alunos nem professores tinham noções básicas sobre o
nosso glorioso Exército. A Amazônia, suas riquezas, o Sistema de Vigilância da
Amazônia (SIVAM), suas potencialidades e a razão da nossa preocupação com a
sua defesa não fazem parte do cabedal de conhecimento desses acadêmicos.
O que assusta é que daqui a alguns anos, uma parcela deles acabará por
ascender aos importantes cargos na administração do Estado. Aliás, é lícito pensar
que um desses acadêmicos dispersos nas universidades e faculdades do Brasil se
torne ministro da defesa nas próximas décadas e, conseqüentemente, nosso chefe.
A tendência atual é a de que, nos próximos anos, mais e mais civis comecem a se
envolver em processos decisórios que antes eram privativos dos militares. Se o
conhecimento deles for tendencioso em relação ao profissional militar, só se pode
esperar soluções distorcidas e que prejudiquem a Instituição, mesmo que sem
intenção.

Ψ ΨΨ

Para os poucos que lerão as páginas que compõem este livro, cabem
algumas advertências. Não esperem encontrar aqui soluções. Coloquei, de forma
intencional, mais dúvidas do que respostas. Diria, sem a menor possibilidade de
errar, que este livro busca mexer com conceitos arraigados, convidar pessoas
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interessadas no assunto a ler, escrever e, principalmente, debater os temas tratados


no decorrer da obra.
Muitas idéias descritas aqui são óbvias, mas infelizmente continuam sendo o
que sempre foram: idéias. Precisam sair da inércia e transformarem-se em ações.
Neste sentido, essas páginas não constituem novidades. Além disso, não procuram
unanimidade, visto que esta quase sempre é burra – plagiando Nelson Rodrigues - e
conduz as pessoas ao imobilismo. Como bem disse São Tomás de Aquino, “Timeo
hominem unius libri”7.
É preciso que se diga, ainda, que esse não é um livro só para militares. Aliás,
acho que será mais útil para um civil8 do que para um militar, já que o seu conteúdo
é – ou deveria ser – de conhecimento da maioria dos militares. Mas acredito que
poderá acrescentar alguns ensinamentos, principalmente aos mais jovens, e
relembrar aos mais antigos conceitos e valores que insistem em se extraviar ao
longo do tempo, distorcendo procedimentos e condutas.
Por fim, procurei utilizar, de forma generosa, citações, dados e opiniões de
personalidades e autores diversos a fim de me auxiliarem a demonstrar o meu
pensamento. Embora tenha demandado imenso trabalho de pesquisa, acredito que
dessa forma irei incentivar o aprofundamento em uma ou outra área estudada no
escopo deste livro.
Procurei neste prefácio, falar um pouco sobre a obra, sobre minhas idéias e
razões que me levaram a escrever. Não tenho a intenção de ferir suscetibilidades,
de provocar polêmicas absurdas, nem atrair atenção. Isso não faz parte da minha
personalidade. Contudo, faz parte da minha individualidade a discussão séria,
aberta, leal, responsável e sempre ancorada na hierarquia e na disciplina –
desnecessário dizer – sobre os assuntos militares. Acredito que essa discussão é
mais do que salutar; é necessária. Numa profissão que, em última análise, se
prepara para aquela que é a mais sombria e terminal das decisões humanas, nunca
é demais lembrar as palavras do General Douglas MacArthur, que alertava “Não há
nenhuma outra profissão em que as conseqüências do emprego de pessoal mal
adestrado sejam tão estarrecedoras ou tão contundentes como nas Forças

7
“Receio homem de um só livro”. Ou seja, não é prudente aquele que confia em apenas uma opinião e não busca
outras fontes.
8
Razão pela qual algumas abreviaturas e termos de notório saber para militares estão explicados em várias notas
de rodapé.
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Armadas”. Ser um profissional não é um favor que o militar presta ao seu exército e
ao seu país, é um dever moral para todos os que têm fé na sua missão.

Ψ ΨΨ
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CAPÍTULO 1

Algumas Idéias Sobre a Guerra

“É preciso ser muito audacioso para dizer que a guerra está saindo de moda.”
John Keegan

Guerra, conflito, crise, luta, combate, revolta, revolução. Inúmeros são os


termos e expressões para definir um estado de oposição entre grupos, povos,
países, sociedades, enfim, entre os homens.
Os conflitos humanos, como fenômeno social, têm o seu ápice na guerra. Tais
conflitos podem ser causados por diversos pontos de tensão entre indivíduos ou
grupos que inicialmente podem estar apenas competindo entre si. Neste estado de
competição, ainda não há o conflito, pois não existe a intenção de destruir o
oponente.
Entretanto, quando tais indivíduos ou grupos abandonam o campo da
competição, por não mais satisfazer seus objetivos ou necessidades, e passam para
o campo do confronto físico, buscando a destruição das vontades opostas ou a
própria aniquilação do adversário, temos a dialética de vontades e o estado de
guerra. Nessa fase, a norma jurídica – que é o meio essencial de expressão do
direito – é parcial ou totalmente abandonada como instrumento para a regulação dos
comportamentos sociais.
O tema e sua repercussão jurídica sempre foram preocupação dos
responsáveis pela sua execução. Os romanos preocupavam-se em transformar suas
guerras em atitudes justas. Em muitos casos, vários aspectos da guerra a ser
travada (local, hora etc) eram acertados entre os beligerantes. Havia até mesmo
solenidades que as antecediam.
Na Idade Média, houve a preocupação em torná-la, de forma maniqueísta,
justa para um lado e injusta para o outro. Era uma espécie de conformação moral da
guerra. Esse conceito foi aceito pelo holandês Hugo Grotius, na sua obra De jure
Belli ac Pacis9 em 1625. Tal teoria foi prontamente acolhida por teólogos católicos e
canonistas da época. Fruto disso, surgiu a “declaração de guerra”, como instrumento
oficial para o início das hostilidades, gerando efeitos jurídicos nos direitos das

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“Sobre o direito da Guerra e da Paz”.
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pessoas e dos bens nacionais, tecendo, inclusive, detalhes sobre indenizações de


guerra.
A Liga das Nações, já em 1920, exigia tratamento discriminatório contra
países que recorressem à violência. Isso não passou de letra morta, pois os conflitos
continuaram a ocorrer. Foi apenas uma negação diplomática do conflito ocorrido
entre 1914 e 1918. Teve como mérito o fato de só permitir represálias quando os
meios existentes fossem esgotados. Dificultou as guerras punitivas e preventivas.
Em 1928, em Paris, cerca de 15 nações firmaram um tratado de renúncia à
guerra, chamado Pacto Kellogg-Briand. O Brasil aderiu em 1934. De concreto, viu-se
que os países passaram a não fazer mais declarações de guerra.
A III Convenção de Haia (a primeira foi em 1899), já citava a necessidade de
ultimatum, dando ao oponente prazo limite para o início das hostilidades.
Embora a maioria das guerras termine com tratados de paz, isso pode não
acontecer. Tal prática pode ser cabível quando o país inimigo é conquistado ou
anexado. Um caso conhecido foi o da Alemanha e do Japão. As operações de
guerra terminaram em 1945, mas somente em 1951 (Alemanha) e 1952 (Japão)
entrou em vigor um tratado de paz.
A mais conhecida e completa convenção sobre guerra é a Convenção de
Genebra de 12 de agosto de 1949. Nela, procurou-se normatizar uma série de ações
a serem seguidas pelos países contendores durante uma guerra. Sua profundidade
e detalhamento passam por feridos e enfermos, estabelecimentos sanitários,
pessoal, edifícios e material, transportes, sinais convencionais das organizações de
paz, sanções, países neutros etc. Têm sido um importante fator de regulação dos
conflitos, embora nem sempre respeitada.
No quadro abaixo, pode-se ver a possível evolução de um quadro litigioso
externo. Verifica-se que ele pode nascer de uma simples competição econômica
internacional e desaguar num conflito armado, envolvendo todas as expressões do
Poder Nacional. Ressalta-se que a direção, em todas as situações, é do Poder
Político.
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Situação Finalidade das Expressão do Poder Nacional


Atitude Medidas
Externa Medidas Participantes Direção Condução
Preservação da Situação
Competição Persuasiva Persuasivas Todas Política
de Normalidade Externa
Conflito Dissuasivas Qualquer
Dissuasivas, Expressão,
Dissuasiva ou Restauração da Situação
incluindo Todas Política conforme a
Crise Coativa de Normalidade Externa
Movimentação de Situação
Meios Militares Externa
Coercitiva ou Típicas do Impor a Vontade Prevalência da
Conflito Armado Militar
Operativa Conflito Armado Nacional Militar

Quadro nº 01
Atividades de defesa externa10

O estado bélico está profundamente arraigado no ser humano. Pode-se dizer


que é intrinsecamente ligado ao seu nascimento. O surgimento da guerra se perde
em obscuras eras, e confunde-se com o aparecimento dos primeiros hominídeos na
Terra. Faz parte da história do homem, da sua cultura e da sua realidade. Por mais
que grupos pacifistas, organizações não-governamentais, políticos, religiosos e
outros neguem a guerra como instinto humano, ela é um fato em nossa condição. O
recurso à violência é utilizado por diversos grupos com a intenção de sobrepujar um
outro oponente, chamar a atenção para uma causa ou desestabilizar um rival.
Quando se verifica que povos de culturas ou idéias diferentes entram em
contato, ocorre o conflito. Assim foi com as grandes descobertas e com o
aparecimento de novas religiões. Hoje se continua a ver tal quadro com os conflitos
árabes-israelenses e entre os mulçumanos e ocidentais.
No dia 11 de setembro de 2001, o ataque deflagrado pelos terroristas dos
talibãs (mais especificamente da organização de Bin Laden, conhecida como Al
Qaeda), nos EUA, demonstra a veracidade dessa afirmativa. O recurso violento
utilizado – terrorismo – buscou a desestabilização momentânea dos EUA e a
atenção para as causas do grupo terrorista. Pode-se dizer, sem medo de errar, que
os objetivos desses terroristas foram alcançados e ultrapassaram suas expectativas.
Do epicentro das torres gêmeas de Manhattan, e do Pentágono, propagaram-se
ondas mais ou menos intensas no Afeganistão, Paquistão, Israel, Palestina, Iraque e
outros recantos do mundo.

10
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, Fundamentos doutrinários. Rio de Janeiro: ESG, 1997. p. 162.
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Tal tendência guerreira atinge até mesmo o nível prospectivo. É grande o


número de obras e até mesmo de filmes de ficção, que buscam retratar o futuro,
visualizando o porvir do homem inserido em conflitos com armas por motivos
diferentes.
Muitas teorias sobre a guerra já foram exaustivamente descritas, estudadas e
expostas em diversas obras. Foram - e ainda são - abordadas sob vários ângulos:
filosófico, científico, tecnológico, social, entre outros. Cada qual procura validar sua
tese embasada em profundos estudos em áreas específicas.
De todos esses estudos, pode-se inferir que a experiência histórica demonstra
que guerra é um fenômeno inerente à sociedade. Não se vê, no horizonte visível, um
mundo de plena paz. Desde o início da caminhada humana pelo planeta, ela existe
em graus, formas, amplitudes e espaços diferentes. Mas sempre acompanhando o
homem na sua evolução.
Os diversos estudos que tentaram e ainda tentam demonstrar que a guerra
não faz parte da natureza humana, perdem toda a sua força quando se verifica que
a história do homem - queiramos ou não - foi baseada em conflitos.
Por mais que se consiga melhorar a qualidade de vida, minimizar os
problemas sociais da humanidade, por intermédio de descobertas e inventos de
novos remédios, alimentos mais nutritivos e saudáveis, e confortos diversos, o
homem parece estar fadado a encontrar novos motivos para guerrear. Apesar de
melhoras contundentes ao longo dos anos, a guerra persiste, conforme se vê abaixo:

Área Comentário
# A produção agrícola no mundo em desenvolvimento aumentou 52% por pessoa.
# Desde 1800, os preços dos alimentos caíram mais de 90%. Em 2000 foram os mais
baixos da historia.
Fome #A ingestão diária de alimentos no Terceiro Mundo aumentou de 1.032 calorias (1961)
para 2.650 (1998), com previsão de chegar a (3.020) em 2030.
# As pessoas que passam fome no Terceiro Mundo caiu de 45% em 1949, para os atuais
18% em 2000. A tendência é de que caia para 12% em 2010 e 6% em 2030.
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# O El Niño causou prejuízos de US$ 4 bilhões nos EUA (1997-1998), mas proporcionou
Fenômenos
um lucro direto de US$ 19 bilhões com a redução de furacões e inundações de verão no
climáticos
Atlântico.
Pobreza # caiu mais os últimos 50 anos do que nos 500 anos anteriores.
# 30 anos em 1900
Expectativa de vida
# 67 anos em 2000
Quadro nº 02
11
Progresso humano

É importante dizer que fica difícil acreditar que o mundo “melhorou”, vendo o
noticiário da TV. Contudo, há uma tendência, já estudada, de o ser humano de hoje
prestar mais atenção às notícias ruins, descrendo nos bons desempenhos com
argumentos totalmente desprovidos de embasamento científico – “medíocres”
segundo Bjorn Lomborg12 - e esquecer-se que existem sim, entre a comunidade
científica, pesquisadores que buscam qualquer meio para conseguir verbas ou
justificar aquelas que recebem. Um exemplo de distorção não-intencional, segundo
Lomborg, mas que ocorreu, foi com a Worldwide Found for Nature (WWF). Em 1997
a WWF disse, em um artigo oficial daquela entidade, que dois terço das florestas
mundiais estavam perdidos para sempre. O percentual real, já se sabe, é de 20%.
Queira-se ou não, o mundo de hoje é muito melhor do que o de ontem. Por isto
mesmo, deveria haver comemorações diárias, mas o que se vê, são guerras cada
vez mais constantes e letais.
O pensamento de Paul Kennedy, quando diz que “a força relativa das
principais nações no cenário mundial nunca permanece constante, principalmente
em virtude da taxa de crescimento desigual entre diferentes sociedades, e das
inovações tecnológicas e organizacionais que proporcionam a uma sociedade maior
vantagem do que a outra.”13, vai ao encontro da idéia contida neste livro. As
transformações cíclicas pelas quais as sociedades passam no sentido de melhorar
as condições dos habitantes do globo muitas vezes provocam guerras.

11
Baseado no artigo de LOMBORG, Bjorn. Visão apocalíptica oculta progresso humano. The Guardian: O
Estado de São Paulo, São Paulo, 19 ago. 2001, p. 1-11. Organização do autor. Todos os dados são baseados em
informações oriundas da ONU.
12
idem
13
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Transformação Econômica e Conflito Militar de
1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1991. p. 1.
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Algumas causas desse “estado bélico” permanente da humanidade parecem


ser perenes. Procura por água, alimentos, contenciosos religiosos e terras para
cultivar são alguns. Outros, entretanto, são mutáveis e estão diretamente ligados às
riquezas e aos valores específicos de uma época. Antes, os homens guerreavam por
escravos, especiarias (canela14 e pimenta, dentre outras), ouro, prata e tantos outros
bens ou necessidades pertinentes ao período em que viviam. Hoje, salvo raras
exceções, não se faz a guerra por tais motivos. Guerreia-se por causa do petróleo,
pelas reservas de minerais nucleares, pelas tecnologias de ponta ... E no futuro, por
que o homem guerreará? Pelo espaço, pelo domínio da rede mundial de
computadores?
Dentre as várias causas de eclosão de guerras e conflitos, destaca-se o
petróleo como a mais relevante nos dias atuais, merecendo análise mais acurada. O
chamado ouro negro é o suporte da economia mundial na atualidade. A sua
demanda aumenta significativamente a cada ano e, no curto prazo, não há
perspectiva de que este quadro mude radicalmente, diminuindo o seu consumo.
Segundo estudiosos do assunto, ainda falta algum tempo para que o mundo
fique sem petróleo e tenha que optar por uma nova fonte de energia que atenda às
necessidades que esta fonte energética vem dando conta desde que o “homem de
hidrocarboneto” passou a existir15.
A produção mundial de petróleo gira em torno dos 80 milhões de barris
diários16 e não dá mostras de parar com esta curva ascendente. O quadro
prospectivo diz que ela ainda tem fôlego para continuar subindo, mas deverá se
estabilizar e diminuir paulatinamente, já que se trata de uma fonte de energia não-
renovável. Quando esta tendência de declínio começar a se tornar visível, as
tensões irão aumentar e os conflitos pela posse das principais reservas mundiais
poderão se tornar insustentáveis, provocando guerras localizadas, envolvendo
países importantes no cenário internacional, como os EUA, a China e a Rússia,
dentre outros, ainda extremamente dependentes desse combustível fóssil.
Mas quando se dará o início desta temida queda? Para David Greene, do
laboratório Nacional de Oak Ridge, o pico da produção mundial será em 2040,
14
Portugueses e espanhóis lutaram ferozmente pelo domínio das chamadas ilhas das Especiarias, na região das
Molucas.
15
Segundo Daniel Yergin em seu estudo O Petróleo: uma História de Ganância, Dinheiro e Poder (São Paulo,
Scritta, 1992), Op. Cit. em APPENZELLER, Tim. O Fim do Petróleo Barato. National Geographic, São Paulo,
Editora Abril, ano 5 , nº 50, junho 2004, pg 122.
16
Dados do 1o semestre de 2004.
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quando ocorrerá o início da precipitação da produção por pura falta de poços. Já


para o pesquisador Colin Campbell, mais pessimista, os picos de produção mundial
ocorrerão em 2016, e fora do Oriente Médio, em 2006. Embora tais estudos devam
sofrer variações em função de variáveis como melhoria do aproveitamento de
energias alternativas (eólicas, solar e nuclear, dentre outras), diminuição da
produção de carros convencionais dando lugar aos carros híbridos etc, a primeira
metade do século XXI será marcada pelo decréscimo da produção de petróleo.
Para que se tenha idéia da dimensão do problema e as possíveis
conseqüências da escassez do petróleo no futuro, os EUA absorvem nos dias de
hoje 25% do petróleo produzido no planeta, apesar de possuir apenas cerca de 5%
da população mundial. Os 48 estados continentais deste país já esgotaram suas
reservas mais antigas. O Alasca, na bacia de North Slope, está em franco declínio
no que tange à prospecção de petróleo.

Consumo de Petróleo - 2002

8000 7191
7000
em milhões de barris

6000
5000
4000
3000
1935 1935
2000
803 985
1000
0
Brasil Rússia China Japão EUA

Gráfico nº 01
Consumo de petróleo - 200217

Se forem considerados outros países produtores, verifica-se que estes


possuem problemas contundentes de ordem interna, dificultando sobremaneira a
sua aquisição em condições seguras por outros países:

17
Fonte: APPENZELLER, Tim. O Fim do Petróleo Barato. National Geographic, São Paulo, Editora Abril, ano
5 , nº 50, junho 2004. Organização do Autor.
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PAÍS PROBLEMA OBSERVAÇÃO


Arábia Saudita Instabilidade interna preocupa compradores potenciais
A ExxonMobil solicitou auxílio do
Banco Mundial para auxiliar na
solução dos graves problemas
sociais do Chade. O Banco Mundial
sugeriu que o governo do Chade
Desvio dos lucros advindos do petróleo e corrupção
reservasse parte dos 109 milhões de
Chade prejudicam a credibilidade deste país para potenciais
dólares anuías ganhos com petróleo
compradores
para investimento em infra-
estrutura. O plano não funcionou. O
Chade comprou armas no valor de
25 milhões de dólares, militarizando
ainda mais a região.
Irã Instabilidade interna preocupa compradores potenciais
As sabotagens e destruições de
Ocupação dos EUA e conflitos internos, notadamente
instalações petrolíferas nesta região
entre xiitas, curdos e sunitas, dificultam o
Iraque não proporciona, no curto prazo,
estabelecimento de produção em escala comercial
boas perspectivas de comércio
segura
seguro.
Passados cerca de 30 anos
Distúrbios sociais e políticos ameaçam o fornecimento, produzindo petróleo
Nigéria bem como corrupção generalizada envolvendo os comercialmente, a Nigéria dobrou
lucros do petróleo sua população de miseráveis (66%
da população)
A dificuldade em se estabelecer
uma base política confiável dificulta
Rússia Distúrbios na política interna
o comércio de petróleo russo com
estrangeiros.
Venezuela Distúrbios sociais e políticos ameaçam o fornecimento
Quadro nº 03
Países produtores de petróleo com graves problemas internos

Ainda é cedo para se afirmar categoricamente que os EUA invadiram o Iraque


com a finalidade de controlar as reservas de petróleo daquele país. Todavia, uma
coisa é certa: o mundo precisa do petróleo produzido no Oriente Médio, em
particular os EUA. É sempre bom lembrar que desde que a humanidade assumiu o
petróleo como “mola propulsora” do desenvolvimento econômico, muitas guerras
foram travadas tendo o ouro negro como uma das causas.
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GUERRA, CONFLITOS OU ÁREAS DE FRICÇÃO


ANO
QUE TÊM COMO CAUSA O PETRÓLEO
Venezuela X Colômbia (linha do rio Orinoco superior,
1844(a)
canal Cassiquiare e parte do rio Negro)
Guerra do Chaco (Paraguai X Bolívia) 1932
Israel 1948(a)
Israel 1967(a)
Israel X Egito, Síria 1973(a)
Angola 1975(a)
Irã X Iraque 1979
Iraque X Kuat e coalizão liderada pela ONU 1991
Argélia 1992(a)
Chechênia 1994(a)
Peru X Equador (Serra do Condor) 1995
Iraque X Colalizão liderada pelos EUA 2003(a)
Quadro nº 04
Principais áreas envolvendo disputa por petróleo
(a) ainda sem desfecho conclusivo

O fato é que a necessidade de matérias-primas para a economia de um país


ainda continua sendo uma das principais causas de guerra.
Hoje, já se pode antever prováveis guerras no futuro por esses mesmos
motivos. A maioria das reservas de cromo, fundamental na manufatura de turbinas a
gás, encontra-se em países subdesenvolvidos, notadamente na África. O cobalto,
também importante para a indústria farmacêutica e siderúrgica, tem a mesma
característica. A platina e o manganês, importantíssimos em processos industriais
atuais e do futuro, serão objetos de intensa procura. Só que ambos têm sua maior
incidência na África do Sul, e não nos países industrializados, que mais os utilizam.
Cabe ainda abordar o nióbio. Conhecido como “metal do terceiro milênio”, é
fundamental na produção de aviões supersônicos, satélites, trens de alta velocidade
que correm sem contato com os trilhos e na siderurgia pesada. O Brasil detém cerca
de 90% das reservas mundiais, das quais, uma parte considerável no norte do país.
Dentro deste quadro, um eventual bloqueio no fornecimento desses minerais,
importantíssimos para os países industrializados, tenderá a gerar focos de tensões
que podem ou não desaguar em conflitos em nosso continente. Mais uma vez, é o
fator econômico impulsionando as guerras.
Ainda poderia ser objeto de abordagem, mais amiúde, o problema da
escassez de água potável e a importância da Amazônia neste quadro. Mas todos já
sabem desses desafios no futuro, sobejamente explorados pelos meios de
comunicação, não sendo necessário estender-se neste campo.
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A Guerra e os Números

Evidentemente, em cada fase da história, as civilizações combateram de


forma, com armamento e com propósito diferentes. Mas um componente não
mudou: o homem. Este, seja com um tacape, com um arco, com um fuzil de
pederneira, com uma metralhadora ou, quem sabe, com um fuzil de assalto a laser
no futuro, será sempre algoz e vítima nessa viagem humana pela história da
civilização. Ele será sempre o alvo principal, porque é ele quem conduz as guerras,
idealiza as doutrinas militares e inventa as armas. A sua aniquilação, grosso modo,
sempre foi o objetivo da guerra. Seja matando o líder (político ou militar) das forças
em combate, ou destruindo pura e simplesmente tantos homens quanto forem
necessários para quebrar a vontade do oponente.
Uma sucinta análise do quadro abaixo nos dá uma idéia estatística da
freqüência de guerras no período entre 1740 e 1974.

PERÍODO NÚMERO DE CONFLITOS


1740-1799 41
1800-1899 173
1900-1974 152
TOTAL 366
Quadro nº 05
Estatística dos Conflitos18

Entre 1740 e 1974 existem 234 anos de intervalo, com 366 grandes conflitos.
Desses dados, somente foram considerados: 1) As guerras estrangeiras e civis; 2)
As ocupações pela força; 3) As invasões militares: 4) As revoluções; 5) As revoltas e
insurreições; 6) Os massacres, quase genocídios; 7) Os confrontos violentos de
valor importante. Os demais conflitos, embora em grande número e causadores de
mortes, não foram considerados.
Desta forma, verifica-se que se teve neste período uma média de 1,56
conflitos por ano. Como os conflitos se superpõem no tempo, infere-se que em
determinadas épocas, havia mais de dois conflitos acontecendo simultaneamente.

18
Dados retirados de BOUTHOUL, Gaston, CARRERE, René. O Desafio da Guerra: dois Séculos de Guerra
– 1740-1974. Rio de Janeiro: Bibliex, 1979. p. 18. passim. Organização do autor.
26 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Nunca é demais lembrar que nem mesmo os relativos períodos de paz da


História (Pax Romana, do séc II; Pax Ecclesiae, do séc XIII e a Pax Britannica, do
séc XIX), foram capazes de impedir guerras.
Se levar-se em conta o período após 1974, encontraremos diversos outros no
mundo (Inglaterra X Argentina, Irã X Iraque, Guerra do Golfo, Bósnia, Angola, Zaire,
Moçambique, Índia X Paquistão, Israel X Palestinos, El Salvador, Chipre etc) essa
cifra subiria ainda mais.
Em 2002, existiam cerca de 27 (vinte e sete) conflitos armados significativos
ocorrendo. Eram, em sua maioria, de natureza interna, configurando-se como
guerras civis e movimentos separatistas. Todavia, se levar-se em conta que para
cada conflito, existe, diretamente envolvido, pelo menos um país interessado no
problema do outro, e que este interesse se revela por ajuda em armas ou ações
militares limitadas, ter-se-á, facilmente, um resultado que coloca pelo menos 50
(cinqüenta) países inseridos em conflitos no início do século XXI. Isso demonstra
que as guerras ainda fazem parte do cotidiano mundial.

Países
México Burundi Turquia
Colômbia Ruanda Afeganistão
Senegal Uganda Paquistão
Serra Leoa Sudão Índia
Nigéria Etiópia Sri Lanka
Angola Somália Mianmar
Namíbia Eritréia Rússia
Rep Democrática do Congo Geórgia Filipinas
Israel Argélia Indonésia
EUA Haiti Peru
Reino Unido Espanha Yugoslávia
Iraque Irã China
Quadro nº 06
Conflitos atuais em andamento19

19
Foram selecionados países que apresentam diversos tipos de conflitos: guerra interna, externa, ações de
terroristas etc, em diversos níveis de gravidade: latente, eventual, constante, guerra declarada, guerra não-
declarada.
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Some-se aos dados anteriores, a existência de, segundo o Departamento de


Estado dos EUA, 30 organizações que praticam o terrorismo internacional, tais
como:

NOME ONDE ATUA EFETIVO OBS


Já matou ou feriu mais de
Organização Abu Nidal Iraque, Líbia e Egito Poucas centenas
900 pessoas
Em 2000 seqüestrou 30
Sul das Filipinas e
Grupo Abu Say Yaf Não mais que 2.000 estrangeiros em férias nas
Malásia
Filipinas.
Grupo Islâmico Armado Já matou mais de 100
Argélia -
(GIA) estrangeiros
Ensinamento da Verdade Atentado com gás sarin
Japão e Rússia Entre 1.500 e 2.000
Suprema no metrô de Tóquio
ETA – Pátria Basca e Já matou mais de 800
Espanha e França -
Liberdade pessoas
Egito, Afeganistão,
Grupo Islâmico (IG) Sudão, Reino Unido, - -
Iêmen e Áustria
HAMAS – Movimento de Territórios ocupados
Dezenas de milhares -
Resistência Islâmica pelos Palestinos
HUM – Harakat Ul-
Paquistão-Afeganistão Milhares -
Mujahidin
Caminhão bomba contra
Líbano, EUA, Europa, a embaixada dos EUA em
HIZBOLLAH ( Partido de Centenas de terroristas e
Ásia, África e América do Beirute, explosão de um
Deus) milhares de simpatizantes
Sul centro comercial
israelense na Argentina
Uzbequistão,
Movimento Islâmico do
Afeganistão, Tadjquistão Milhares -
Uzbequistão
e Quirguistão
Exército Vermelho Seis militantes e vários
Japão e Oriente Médio -
Japonês simpatizantes
Egito, Afeganistão,
Matou o presidente
Al Jihad Paquistão, Iêmen, Sudão, Centenas
Anwar Sadat, em 1981
Líbano e Reino Unido
Matou 43 palestinos em
Kach e Kahane Chai Israel -
1994
Partido dos Trabalhadores Turquia, Oriente Médio e
4.000 a 5.000 -
do Curdistão Europa
Tigres Tâmeis Sri Lanka 8.000 a 10.000 -
Exército de Libertação
Irã Milhares -
Nacional do Irã
Exército de Libertação
Colômbia 3.000 a 6.000 -
Nacional-Colômbia
Israel, territórios
Jihad Islâmica da ocupados, Jordânia e
- -
Palestina Líbano. Possivelmente
tem uma base na Síria
Frente de Libertação da
Iraque - -
Palestina
Frente Popular para a Síria, Líbano, Israel e
800 -
Libertação da Palestina territórios ocupados
Frente Popular para a Israel, faixa de Gaza.
Libertação da Palestina – Bases na Síria e no Algumas dezenas -
Comando Geral Líbano
Al Qaeda (A Base) Afeganistão (quase Centenas a milhares Atentado contra os EUA
28 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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destroçada) em setembro de 2001.


Atentado a embaixada
dos EUA no Quênia e na
Tanzânia, dentre outros.
FARC (Forças Armadas Colômbia, com ações
Mantém laços com o
Revolucionárias da esparsas na Venezuela, 9.000 a 12.000
narcotráfico
Colômbia) Panamá e Equador .
Mantidos pela elite
colombiana e pelo
Autodefesas Unidas da
Colômbia 8.000 narcotráfico. Mais de
Colômbia
1000 mortos e 203
seqüestros
Organização
Revolucionária 17 de Grécia - -
novembro
Frente Revolucionária de
Turquia - -
Libertação Popular
Luta Revolucionária do
Grécia - -
Povo
Sendero Luminoso Peru 100 a 200 30.000 mortos.
Movimento Manteve a embaixada
Revolucionário Tupac Peru Menos de 100 japonesa ocupada por 4
Amaru meses
Brigada Alex Boncayo Filipinas 500 -
Exército para a Libertação
Congo e Ruanda Alguns milhares -
de Ruanda
Irlanda do Norte, Irlanda, Centenas de atentados a
IRA – Exército
Reino Unido e outros Centenas bomba, seqüestros,
Republicano Irlandês
países da Europa extorsões e assassinatos
Exército de Mohammed Paquistão e Caxemira Centenas -
Paquistão, Caxemira e
Exército dos Justo Mais de 100 -
Afeganistão
Morte de 28 civis e
Irlanda do Norte, Irlanda
IRA Autêntico 150 a 200 ferimento em 220 pessoas
e Reino Unido
em 1998
Seqüestrou 222 soldados
Frente Revolucionária Serra Leoa, Libéria e e 11 observadores da
Vários milhares
Unida Guiné Organização das Nações
Unidas (ONU) em 2000
Quadro nº 07
20
Grupos Terroristas em Atividade
Complementando esses dados, pode-se acrescentar que, desde o término da
Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje, algo em torno de 160 conflitos
aconteceram na Terra. Calcula-se que nesses anos de entrevero (1945 até hoje)
cerca de 7,2 milhões de soldados pereceram em combate. Lembra-se que estas
informações referem-se apenas aos mortos. Excluíram-se os feridos e os mutilados,
além dos civis e daqueles que morreram em conseqüência das guerras (fome etc).
A fim de que se possa ter meios de comparação, é importante ressaltar que o
número de soldados mortos na Primeira Guerra Mundial foi de 8,4 milhões, ou seja,
no período compreendido entre 45 até hoje, lutou-se o equivalente a uma Guerra

20
Fonte: OS tentáculos do terror. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 set. 2001, p. 1-9. Organização do autor.
29 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Mundial. Acrescentando-se os civis mortos, atingiu-se a cifra de 33 a 40 milhões


(excluindo-se os feridos, estuprados, doentes crônicos, empobrecidos, etc)21

21
TOFFLER, Alvim. Guerra e Antiguerra: sobrevivência na aurora do terceiro milênio. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1995. p. passim.
30 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Prisioneiros e
Mortos Feridos
Envolvidos desaparecidos
I GM II GM I GM II GM I GM II GM
Total dos
5.079.522 9.166.255 12.800.706 3.468.402 4.116.590 2.794.551
Aliados
Total das
Potências do 3.386.200 5.380.108 8.388.448 8.741.000 3.629.829 13.670.464
Eixo
Total Geral 8.465.722 14.546.363 21.189.154 12.209.402 7.746.419 16.465.015
Quadro nº 08
Perdas Militares nas duas Guerras Mundiais
22
Eric Hobsbawn , fornece sua idéia sobre essa terrível “estatística da morte”.
Segundo ele, das 74 guerras internacionais ocorridas entre 1816 e 1965, as quatro
que mais mataram ocorreram no século XX: as duas guerras mundiais, a guerra do
Japão contra a China (1937-9) e a Guerra da Coréia. Todas elas, somadas,
mataram, pelo menos, 1 milhão de pessoas.
Ou seja, comparando-se tais números, chega-se a pelo menos duas
conclusões: o século XXI não será, em princípio, um século de paz total. Muitos
problemas entre países ainda estão por ser resolvidos e novos surgirão. É lícito
supor que parcela considerável destes problemas não será solucionada por acordos
diplomáticos.
Uma estatística do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo
(SIPRI), divulgou que somente no ano de 1990 existiam 31 conflitos em andamento
no mundo.
Ainda sobre números da guerra, deve-se levar em conta o custo econômico,
além das perdas humanas. As estatísticas são várias e discordantes. Mas, segundo
a Enciclopédia Barsa, o custo militar da Segunda Guerra Mundial ultrapassou 1
trilhão de dólares. O dano material causado às propriedades privadas beirou 800
bilhões de dólares e custaram mais de 4.700 barcos mercantes, num total de 21
milhões de toneladas brutas. Além disto, deve-se acrescentar os gastos que não se
findaram com o término da guerra. A ONU, só nos EUA, estima que gastou com

22
HOSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. passim.
31 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

ajudas financeiras e benefícios para veteranos de guerra e assistência aos inválidos,


cerca de 30 bilhões de dólares. A tabela a seguir fornece idéia sobre esses custos.
32 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Custo em US$ 1.000.000


País
I GM (a) II GM
POTENCIAS ALIADAS
Bélgica 1.154 3.250
Brasil ... 1.000
China - ...
EUA 27.729 317.600
França 25.813 97.940
Grécia 270 220
Império Britânico
África do Sul 300 ...
Austrália 1.437 6.500
Canadá 1.666 15.680
Grã-Bretanha 44.029 120.000
Índia 601 2.145 (c)
Nova Zelândia 379 165
Itália 12.314 -
Iugoslávia - 220
Japão 40 -
Noruega - 93
Países Baixos - 1.000
Polônia - 2.000
România 1.600 -
Sérvia 399 -
Tchecoslováquia - 1.500
URSS 22.594 192.000 (b)
TOTAL 140.325 761.313
POTÊNCIAS DO EIXO
Alemanha 37.775 272.900
Áustria-Hungria 20.623 ...
Bulgária 815 ...
Itália - 94.000
Japão - 96.000
Romana - ...
Turquia 1.430 -
TOTAL 60.643 462.900
TOTAL GERAL 200.968 1.224.213

Quadro nº 09
23
Custo Direto das Guerras Mundiais
- Não há ocorrência de dados
... Dados não disponíveis
(a) Registro do Congresso Norte-Americano, 14 de abril de 1932
(b) Custo estimado pela URSS US$ 485.000.000.000
(c) Dados referentes a 1943

23
Baseado em dados da Enciclopédia Barsa. Passim. Organização do autor.
33 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Dentro da vertente estatística, os gráficos abaixo revelam que os gastos dos


países com a guerra ainda são altos e, o mais interessante, apresentaram
crescimento de 6% de 2001 para 2002 e de 11,5% de 2002 para 2003. Obviamente,
a invasão do Iraque é a causa mais visível deste fenômeno. Contudo, isto reflete que
não há uma tendência de diminuição imediata dos investimentos em armamentos e
nas novas tecnologias voltadas para o emprego bélico. No mínimo, o que existe é a
manutenção dos gastos ao longo dos últimos anos.

Gastos Militares Globais

1200
Em US$ bilhões

1000
800
600
400
200
0
93

94

95

96

97

98

99

00

01

02

03
19

19

19

19

19

19

19

20

20

20

20
24

Gráfico nº 02
Gastos Militares Globais

A fim de que se tenha idéia do que significam esses números, de forma


comparativa com outras atividades humanas, verifica-se que mandar um homem a
Marte terá um custo estimado em 1 trilhão de dólares, que o montante previsto para
o combate a Aids pela ONU é de 10 bilhões de dólares e que o orçamento fiscal
brasileiro gira em torno dos 127 bilhões de dólares. Em 2003 o mundo gastou cerca
de 960 bilhões de dólares em guerras ou compra de armamentos.

24
Extraído do jornal O Globo, de 10 de junho de 2004, pg 31, artigo: Conflitos que custam caro, do editor.
34 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Gastos por países em 2003


47
50
40 36

Em %
30
20
10 4 4 4 5
0

Unido
EUA

Japão
China

Reino
Países

França
Outros

(153)
25

Gráfico nº 03
Gastos por países em 2003

Gastos em Bilhões
Países
de Dólares
Estados Unidos $396.1
Rússia $60.0
China $42.0
Japão $40.4
Reino Unido $34.0
Arábia Saudita $27.2
França $25.3
Alemanha $21.0
Brasil $17.9
Índia $15.6
Itália $15.5
Coréia do Sul $11.8
Iran $9.1
Israel $9.0
Taiwan $8.2
Canadá $7.7
Espanha $6.9
Austrália $6.6
Holanda $5.6
Turquia $5.1
Cingapura $4.3
Suécia $4.2
Emirados Árabes Unidos $3.9

25
Fonte: jornal O Globo, de 10 de junho de 2004, pg 31, artigo: Conflitos que custam caro, do editor.
35 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Polônia $3.7
Grécia $3.3
Argentina $3.1
Paquistão $2.6
Noruega $2.8
Kuwait $2.6
Dinamarca $2.4
Bélgica $2.2
Colômbia $2.1
Egito $2.1
Vietnam $1.8
Iraque $1.4
Coréia do Norte $1.3
Portugal $1.3
Líbia $1.2
Republica Tcheca $1.1
Filipinas $1.1
Luxemburgo $0.9
Hungria $0.8
Síria $0.8
Cuba $0.7
Sudão $0.6
Iugoslávia $0.5
Quadro nº 10
Gastos com defesa26 (orçamento fiscal)272829

26
Fonte: International Institute for Strategic Studies e (DoD) Department of Defense (EUA)
27
Os dados tem como fonte os orçamentos fiscais da maioria dos governos, enquanto outros são estimativas.
28
Os gastos militares nunca podem ser dados como certos, geralmente há mais de uma fonte com valores bem
diferentes, apenas para citar um exemplo temos a Rússia cujos valores estimados partem dos 20 bilhões de
dólares e chegam a ultrapassar os 100 bilhões, desde os tempos da União Soviética os valores oficiais divulgados
pelos russos são cerca de um terço das estimativas do ocidente
29
Os valores estimados para Líbia, Hungria, Síria, Iugoslávia entre outros parecem ser bem abaixo dos valores
reais.
36 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Países Percentual do PIB PIB


Estados Unidos 3 9.800
Rússia 23 251,1
China 4,12 1.100
Japão 1 4.800
Reino Unido 2,42 1.400
Arábia Saudita 10,5 173,3
França 2,6 1.300
Alemanha 1,48 1.900
Brasil 3 593,8
Índia 3,17 457
Quadro nº 11
Gastos Militares (PIB)30

Gastos Militares na América do Sul

30 23,9
25
% do PIB

20
15
10 1,8 1,6 1,6 1,5 4,11 1,2 3
5 0,91
0
le

la
i

ai

il
ua

as
in

ue
hi
gu
g

nt

Br
C

ez
ru

ra
ge
U

Pa

n
Ar

Ve

Gráfico nº 04
Gastos Militares dos Principais países latinos (PIB)31

30
Fonte: Almanaque Abril 2003 (dados considerados de 2000)
31
Fonte: Almanaque Abril 2003 (dados considerados de 2000)
37 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Custo de guerras envolvendo os EUA


4800

584 588
119 82 6,4 3,2

II GM

I GM
Iraque -

Golfo -

Americana

Americana
Vietnã
1991

Hispano-
2003

Civil
Gráfico nº 05
Custo de guerras envolvendo os EUA. Valores em bilhões de dólares32.

Por outro lado, os dados do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz (Sipri),


sediado em Estocolmo, informam que o ano de 2003, apesar de ter sido o que gerou
maior gasto militar na última década, apresentou o menor número de conflitos
armados desde a Guerra Fria, com exceção de 1997. Seriam, segundo este instituto,
19 conflitos, assim distribuídos: 8 na Ásia, 4 na África, 3 no Oriente Médio, 1 na
Rússia e 3 na América. Tal situação, demonstra que apesar da diminuição do
número de conflitos, os gastos estão sendo mantidos, podendo revelar a tendência a
uma “paz armada” regional, visando possível defesa em caso de guerra em alguns
países.
O relatório do Sipri trata, ainda, de outros tópicos que merecem destaque: o
Brasil e a Índia aparecem como países que podem contribuir no médio prazo para
aumento global de gastos militares; os maciços investimentos na área militar por
parte da China, conduzem para corrida armamentista na Ásia (Índia, Japão, Coréia
do Norte e Paquistão tem razões históricas para se protegerem da China) e a venda
de armas ilegais, notadamente aquelas vindas de ex-repúblicas soviéticas,
preocupam as autoridades haja vista o poder que tais armamentos possuem, não só

32
REDAÇÃO, da. Custos de Guerra. Revista Época, São Paulo: Editora Globo, nº 316, de 7 de junho de 2004. p.
16.
38 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

físico, mas psicológico, no sentido de deflagrar conflitos regionais latentes, em


particular os de vertente religiosa.

Finalizando a abordagem sobre a Guerra e os números, ao contrário do que


se pensa, as guerras do futuro não serão tão “cirúrgicas” quanto se supõe. As mortes
continuarão a acontecer, e não será a tecnologia bélica que irá minimizar essas
mortes. No conflito ocorrido no Iraque, em 1991, segundo relatório da ONU, foram
mortos cerca de 100 mil soldados iraquianos, 7 mil civis iraquianos, 30 mil kuatianos,
510 militares da Coalizão e deixados milhares de refugiados curdos. Os corpos
estraçalhados de militares e civis continuarão fazendo parte das estatísticas da
guerra por mais modernas que sejam as tecnologias. É preciso que qualquer nação
que resolva entrar em conflito saiba disso. É o preço dos conflitos humanos.

Guerra: aberração social ou parte da natureza humana?

Mas, se o homem historicamente esteve no estado de guerra mais do que no


de paz, por que repudia tanto a guerra, evitando-a ao máximo? Talvez por saber que
ela, embora seja uma constante na sua vida, é uma aberração da sua natureza.
Ao mesmo tempo, esse homem que tem verdadeiro pavor da guerra, sabe
fazê-la, levando-a às últimas conseqüências. Emprega toda a sua capacidade
intelectual e física no sentido de obter um resultado próximo da perfeição. É um
paradoxo que talvez leve alguns a pensarem que a humanidade possui uma dupla
personalidade: uma voltada para a paz e compreensão entre os homens, e outra
desenvolvida para a guerra. A primeira é utilizada até onde cada grupo acha
tolerável. Mas quando ela não é capaz de resolver os conflitos existentes, ele “muda”
sua personalidade para a segunda. Nela não há limites, a não ser aqueles que
atendam aos seus interesses.
É importante frisar que ao se fazer uma avaliação do histórico da
humanidade, conclui-se que os pontos de inflexão da história se caracterizam pela
presença marcante, cíclica e indubitável entre guerra e paz.
Muitos historiadores e pesquisadores do assunto, por convicções diversas ou
por prurido, não admitem a natureza humana da guerra. Realmente, ninguém em
seu juízo perfeito gosta da guerra, incita-a ou faz propaganda dela. Contudo, afirmar
39 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

que ela não está, historicamente, ligada ao homem é, no mínimo, questionável sob
vários pontos de vista.
Mas, se o homem não é belicoso, como explicar a reação agressiva de
monges budistas contra a invasão chinesa no Tibet, em 1950? Ou a reação
extremamente violenta dos monges em acontecimentos ocorridos na região citada
na década de 90? Através da mídia, foi possível ver os “pacíficos e frugais” monges
quebrando móveis na cabeça de outras pessoas.
O estado de paz, diz o coração dos homens, é a regra para a humanidade. A
guerra é sua exceção. Entretanto, vive-se mais na exceção do que na regra.
A Declaração de Sevilha33, assinada em 1986, na Universidade de Sevilha,
condenou veementemente a natureza bélica humana. Ela contém cinco artigos,
todos iniciando com “É cientificamente incorreto...”. Sem exceção, todos os artigos
condenam qualquer caracterização do homem como naturalmente violento.
Essa importante e séria declaração, sem dúvida alguma possui validade.
Contudo, ela não responde à razão pela qual o homem se mantém num estado
belicoso constante. Parece que ela é muito mais uma mensagem positiva,
condenando a guerra e tentando convencer as pessoas a olhá-la sob o ângulo da
anormalidade, do que um estudo conclusivo sobre a não-violência humana.
Os inúmeros, profundos e antagônicos estudos publicados sobre a guerra
mostram a sua importância. Se assim não fosse, por que tantas mentes iluminadas
dedicaram-se e dedicam-se ao seu estudo? Evidentemente, não há dúvida da
relevância da pesquisa da famosa e universal indagação “Por que os homens
lutam?”.
Muitas idéias sobre a guerra e suas causas foram ventiladas por intermédio
de livros. Mas quais delas definem com exatidão a guerra?
Flagelo da humanidade advindo do pecado original, cujo ponto inicial seria o
assassinato de Abel por Caim. Um estado inseparável do estado da natureza,
segundo Thomas Hobbes, no século XVII. Fenômeno coletivo entre os “insetos
sociais”, assim definido por André Corvisier. Ato de violência, cuja finalidade é
obrigar o adversário a fazer nossa vontade; continuação da política por outros meios,
definição tão batida e desvirtuada de Clausewitz. Diferença entre príncipes ou
Estados que é decidida pelas armas. Talvez uma definição mais abrangente de

33
Reunião de estudiosos ocorrida em 1986 que procuraram discutir, entre outros assuntos, a problemática da
guerra.
40 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

guerra satisfaça, como a de Engels e Marx, que diziam que a guerra era de natureza
essencialmente econômica, diplomática e psicológica, e que só em última instância
deveria ser, também, de natureza militar. A negativa de Von Seeckt é também
interessante, dizendo que a guerra não é a continuação da política por outros meios;
é a falta da política. Quem sabe, a inversão feita por Lenine, inferindo que será a luta
permanente de classes, onde a paz é a continuação da guerra por outros meios?
Kant diz que a humanidade deve percorrer o caminho sangrento das guerras, para
chegar um dia à paz. Finalmente, uma frase do General William Tecunseh
Sherman, que viveu a guerra durante praticamente toda a sua vida adulta. Disse ele:
“Estou farto da guerra. Sua glória é pura quimera [...] A guerra é o inferno”34. Talvez
seja isso que a guerra represente: um inferno criado pelos homens.
O fato é que o homem possui sentimentos pacíficos e belicosos debatendo-se
no seu íntimo. As condições e o meio em que vive irão determinar qual deles irá
aflorar com maior intensidade. Dizer que o homem é pacífico por natureza é, ainda,
uma proposição cheia de falhas.
A teoria do “Bom selvagem”, mitificada por Thomas Morus, na sua obra
Utopia, em 1516, servia-se da América como contraponto aos hábitos belicosos e
individualistas dos europeus da época.
Essa obra empolgou diversos estudiosos que queriam demonstrar que se o
homem vivesse longe dos vícios e cobiças existentes na Europa daquela época, ele
tornar-se-ia um ser pacífico por natureza.
Todavia, tal tese caiu por terra quando se verificou que os índios do Brasil, por
exemplo, apesar de viverem em total isolamento dos problemas morais europeus,
faziam guerras, praticavam antropofagia e matavam sem necessidade. O trecho
selecionado da carta de Américo Vespúcio35 é bastante ilustrativo. Havia seis dias
que o comandante da expedição, Gonçalo Coelho, mandara desembarcar dois
marinheiros para entrar na mata e tentar negociar com índios da tribo Potiguar.
Naquele dia, a praia se encheu de mulheres. Gonçalo envia, então, dois batéis com
homens a bordo. Quando o primeiro marinheiro desembarcou, algumas mulheres o
cercaram e começaram a apalpá-lo. Ato contínuo, uma mulher que havia se
escondido em um pequeno monte, corre na direção do marinheiro e desfere-lhe um

34
Apud KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras: Bibliex, 1996. p. 22.
35
Parte da famosa Lettera escrita por Vespúcio em Lisboa a 4 de setembro de 1504 e endereçada a Piero
Soderini, importante figura política de Florença.
41 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

golpe com um tacape, ferindo-o na nuca. Continuando a descrição do fato, ele


testemunha:

“Então, as outras mulheres imediatamente o arrastam pelos pés para o


monte, ao mesmo tempo em que os homens, que estavam escondidos, se
precipitam para a praia armados de arcos, crivando-nos de setas, pondo em tal
confusão a nossa gente, que estava com os batéis encalhados na areia, que
ninguém acertava lançar mão das armas, devido às flechas que choviam sobre os
barcos. Disparamos quatro tiros de bombarda, que não acertaram, mas cujo
estrondo os fez fugir para o monte, onde já estavam as mulheres despedaçando o
cristão e, enquanto o assavam numa grande fogueira, mostravam-nos seus
membros decepados, devorando-os, enquanto os homens faziam sinais, dando a
entender que tinham morrido e devorado os outros dois cristãos.”36 ·

A belicosidade de algumas tribos de índios brasileiros data de antes da


chegada dos europeus. Arosca, um cacique Carijó, da tribo guarani, ao travar
contato com os franceses capitaneados por Binot de Paulmier, resolve, em 1504,
enviar seu filho e herdeiro Essomeriq, para a Europa, com a missão de “aprender a
fazer canhões”37, com os quais Arosca queria esmagar seus inimigos tradicionais, os
Tupiniquim do litoral de São Paulo. Isso comprova que os europeus apenas
“incrementaram” a Arte da Guerra indígena, que, diga-se de passagem, já utilizava
táticas de guerrilha, como foi demonstrado na emboscada sofrida pelos infelizes
marujos de Vespúcio.
Finalmente, para que se tenha uma argumentação mais contundente de que
não basta o isolamento dos homens em lugares paradisíacos para extirpar o
fenômeno da guerra, recorre-se ao exemplo da Ilha de Páscoa. Localizada a mais de
3.200 quilômetros da América do Sul, no Pacífico meridional, e a quase 5.000
quilômetros da Nova Zelândia, a Ilha de Páscoa é considerada um dos lugares mais
isolados do mundo. Por conseguinte, pouco influenciada por quistos belicosos de
países mais desenvolvidos.

36
BUENO, Eduardo. Náufragos, Traficantes e Degredados: as Primeiras expedições ao Brasil,1500-1530. Rio
de Janeiro: Objetiva, 1998. p.45.
37
idem. p.94.
42 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

É de se imaginar que neste lugar perdido, a guerra jamais iria ter lugar. O seu
povo não conhecia outras terras e vivia daquilo que era extraído da ilha. Porém, lá
existiu uma guerra que praticamente dizimou a população. Dos 7.000 habitantes
(número máximo estimado), foram encontrados apenas 111 pessoas em 1722 pelo
viajante holandês Roggeveen38. Isso tudo se deveu a um estado de guerra
impressionante, quando, por motivos ainda não comprovados, a população dividiu-
se em dois grupos e passou a guerrear. Sinais colhidos posteriormente, denunciam
a existência de guerra endêmica e de canibalismo, bem como a confecção de
fortificações rudimentares, tais como túneis, abrigos individuais e cavernas fechadas
com pedras polidas para proteger famílias. Em uma das extremidades da ilha foi
encontrada uma vala cavada para separar uma península com a finalidade de
defesa estratégica.
Europeus, índios, polinésios e tantos outros povos diferentes, fizeram a
guerra, cada um ao seu modo, sem saberem da existência dos demais. Será que
ainda se pode afirmar que o homem é pacífico por natureza?
Por outro lado, não se pode afirmar que o homem sempre será belicoso. As
transformações culturais pelas quais ele vem passando podem ser um indício de que
se caminha para um estado de menos guerras e mais compreensão.

“... a instituição da escravidão humana foi criada na aurora da raça humana e


muitos outrora julgaram-na um fato elementar da existência. Contudo, entre 1788 e
1888, essa instituição foi substancialmente abolida[...] e essa extinção parece, até
agora, ser definitiva. Da mesma forma, as veneráveis instituições do sacrifício
humano, do infanticídio e do duelo parecem ter fenecido ou sido eliminadas. Poder-
se-ia argumentar que a guerra, ao menos a guerra no mundo desenvolvido, está
seguindo uma trajetória semelhante.”39

De fato, a tendência atual é da minimização das guerras de grande


intensidade. No entanto, a incerteza do futuro, face aos múltiplos e velozes
caminhos que o homem está por percorrer, infere muita cautela em se afirmar que a
humanidade está se depurando a ponto de eliminar a guerra de sua cultura.

38
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras: Bibliex, 1996. p. 43.
39
John Mueller, cientista político americano. Apud KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo:
Companhia das Letras: Bibliex, 1996. p. 77.
43 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

A Guerra pode trazer benefícios?

Embora maléfica, merecedora do repúdio da humanidade, não é possível falar


da guerra sem lembrar de alguns dos seus efeitos positivos para os homens. As
guerras que levaram milhões de homens e mulheres ao túmulo, também foram
responsáveis pela ampliação de conhecimentos em diversas áreas.
Na psicologia, os estudos realizados com homens em combate, possibilitou a
descoberta de mecanismos de defesa humanos quando submetidos a grande
pressão psicológica. Lorde Moran, em sua obra The Anatomy of Courage, em
196640, verificou que o movimento ou o trabalho de qualquer natureza ajudava o
soldado a minimizar os sentimentos de medo ou estresse. Seus estudos,
possivelmente, foram utilizados em outros tratamentos de pessoas que não
estiveram envolvidas em guerra.
As pesquisas sobre fadiga em combate revelaram novos caminhos no
tratamento e diminuição das suas conseqüências em profissões que exigem grande
pressão e necessidade de manter-se em alerta por longos períodos, tais como
bombeiros, policiais, comandantes de navios, médicos etc.
Robert Andrey, Leonard Berkowitz e Konrad Lorenz41, segundo Kellett, no seu
livro “Motivação para o Combate”, fizeram profundos estudos sobre agressão, ódio,
frustração e hostilidade, baseados em relatos e pesquisas de combate.
O Exército Britânico realizou, em 1976, uma experiência interessante sobre o
efeito da falta de sono em combate. A primeira parte chamou-se Antecipada nº 1.
Suas conclusões demonstram que soldados que dormiam três horas por noite,
permaneciam eficientes por nove dias ou mais; os que dormiam uma hora e meia
por noite, eram eficientes por apenas cinco dias. Os soldados que nada dormiam,
perdiam sua eficiência em parcos três dias.
Na segunda experiência, chamada Antecipada nº 2 (nessa oportunidade não
houve intervalo de sono), os homens deixaram de ser considerados como força
eficiente após 68 horas sem dormir. Ao contrário do que se pensa, a perda da
eficiência física foi mínima. O que os tornou pouco eficientes foi o comportamento
inapropriado e irracional. Verificou-se, neste exercício, que todos os indivíduos que

40
Apud KELLET, Anthony. Motivação para o Combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 1987. p. 255 – 258.
41
Renomados pesquisadores sobre o comportamento humano.
44 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

participaram da experiência, relataram alucinações visuais depois de 72 a 96 horas


sem dormir. Vale ressaltar que tais alucinações foram mais intensas quando os
indivíduos estavam sós ou isolados socialmente. Disso, resultou que o Dr. Belenky,
do Instituto do Exército Walter Reed, concluiu que apoio social e estímulo sensorial
são importantes na manutenção do comportamento normal dos indivíduos cansados
e estressados, transportando os conhecimentos adquiridos para a prática em
doentes civis.42
No que concerne ao desenvolvimento tecnológico, o campo é imenso. A
mesma energia nuclear que foi desenvolvida para os artefatos nucleares, hoje é
utilizada na medicina, salvando milhares de vidas. O radar, um invento militar da 2ª
Guerra Mundial, hoje proporciona navegação segura para aviões e navios. Os
aviões a jato militares foram a mola propulsora para a existência de modernos
aviões comerciais que transportam as pessoas pelo mundo com rapidez e
segurança, além de foguetes que permitem colocar em órbita satélites e telescópios
que ajudam a conhecer melhor o mundo. Os atuais motores refrigerados a ar devem
seu aperfeiçoamento aos motores desenvolvidos para carros de combate que
atuaram nos desertos da África do Norte durante a 2ª Guerra Mundial.
A corrida espacial, durante a Guerra Fria, possibilitou o aperfeiçoamento de
diversos aparelhos de precisão e requintes tecnológicos inimagináveis. O GPS43, um
invento com finalidade predominantemente militar, atualmente é utilizado para a
navegação de navios, aviões, veículos e pessoas no mundo inteiro. Binóculos,
câmaras de filmar potentes que podem “enxergar” no escuro, computadores mais
eficientes que permitem precisão na prevenção de acidentes climáticos, rádios mais
poderosos e menores, sistemas de transmissão de dados mais rápidos e confiáveis,
motores menores e mais robustos, tudo isso foi resultado de pesquisas que,
inicialmente, tinham um só objetivo: proporcionar meios mais modernos e eficazes
para a guerra. A própria Internet foi um projeto militar americano para interligar
computadores militares para uma eventual guerra com a ex-URSS. Hoje fornece
educação, comunicação, salva vidas, ajuda pessoas, enfim, melhora a qualidade de
vida.

42
KELLET, Anthony. Motivação para o Combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 1987. p. 255-259.
43
Global position System. Sistema também conhecido como NAVSTAR. Utiliza sinais de vinte e quatro
satélites em órbita estacionária. Proporciona precisão de até onze metros para lançamento de mísseis e bombas
“inteligentes”. O sinal disponível para o público em geral contém um erro programado de noventa e oito metros.
Um segundo sinal, só pode ser decodificado por equipamento militar norte-americano.
45 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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O campo espacial, que sofreu intensa pressão na Guerra Fria, foi o que mais
influenciou os avanços tecnológicos. Hoje, os satélites KH-11 (tira fotografias
extremamente nítidas de pessoas na Terra), Magnum (proporciona escuta de
conversas telefônicas estrangeiras), LACROSSE (colhe imagens de radar de
qualquer território da Terra), Jumpseat (detecta transmissões eletrônicas), além do
projeto Nuvem Branca (detecta navios inimigos em alto mar) são armas criadas para
a guerra convencional que auxiliam no salvamento de pessoas, no incremento de
avançadas tecnologias de comunicações, além de auxiliar o combate ao
narcotráfico.44
No que se refere à componente econômica, é preciso que se diga que uma
guerra “aquece” determinados setores da economia. Após o atentado de 11 de
setembro de 2001, os EUA aplicaram entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões para as
Forças Armadas. Some-se a isso, mais US$ 33 bilhões de aumento no orçamento
da defesa para 2002 . Como se não bastasse, há a intenção de o Pentágono solicitar
entre US$ 15 bilhões e 25 US$ bilhões, a título de verba adicional45. Todo esse
dinheiro será convertido em compra de armamentos, combustível, víveres e toda a
gama de necessidades, inclusive pesquisa de alta tecnologia, que dá suporte às
Forças Armadas dos EUA, gerando emprego.
Ainda no campo econômico, após esse atentado terrorista, segundo o jornal
Folha de São Paulo, a taxa de juros caiu de 3,5% para 3%, o Federal Reserve (BC
dos EUA) injetou US$ 100 bilhões na economia para aumentar a liquidez bancária,
além de injetar US$ 15 bilhões no setor aéreo e acenar com a possibilidade de
colocar mais US$ 71 bilhões de incentivo fiscal para a construção de ferrovias de
alta velocidade para minimizar as possibilidades de ataques terroristas similares. É
um reaquecimento pontual jamais visto na história econômica do mundo.
O próprio Brasil, com a revisão da política econômica dos EUA, já conseguiu
importantes passos na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha.
Muitas das barreiras comercias e problemas sobre subsídios dos países europeus
começam a ser desatados, haja vista a necessidade de os países ricos olharem com
mais atenção os países pobres. Isso nada tem a ver com bondade repentina. Mas

44
Para se aprofundar, ler o Cap. 12 de TOFFLER, Alvim. Guerra e Antiguerra: Sobrevivência na Aurora do
Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: Bibliex, 1995.
45
Segundo DAO, James. Crise impulsiona indústria bélica. The New York Times: Folha de São Paulo São,
Paulo, 23 set 2001. p. 1-4.
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com a visão clara de que, se os ricos não dividirem melhor a riqueza, outros
atentados podem acontecer provenientes de áreas menos assistidas. Alvos
compensadores não faltam.
Outro aspecto positivo de um conflito é a necessidade de os países
envolvidos em rever suas políticas, tanto externa como interna. Embora ainda
prematuro de ser analisado, uma das conseqüências mais positivas do atentado aos
EUA em setembro de 2001, é a necessidade desse país rever sua política
isolacionista (incrementada por Bush) e parcial. Isso já pode ser notado em vários
aspectos, destacando-se a nova posição dos EUA em relação à Palestina e outras
áreas do Oriente. Como se vê na opinião de Avram Noam Chomsky, lingüista
americano, em entrevista para a Folha de São Paulo em 22 de setembro de 2001:

“Os EUA deveriam aderir ao consenso internacional que vem se formando e


que até agora foi bloqueado por Washington em relação a um acordo diplomático
sobre o conflito entre Israel e Palestina, pôr fim ao seu apoio a regimes repressivos,
remover as barreiras ao desenvolvimento econômico independente, abandonar os
ataques à população civil do Iraque, aceitar os princípios das leis internacionais e
assim por diante.”

Ainda dentro das conseqüências positivas de uma guerra ou conflito,


podemos citar as revisões de políticas internas. Num artigo para a revista Foreign
Affairs, intitulado “Keeping the Edge: Managing Defense for the Future”, Ashton B.
Carter (professor de Ciência e Relações Internacionais da Escola Kennedy de
Governo, de Harvard) e Jonh P. White, questionam sobre quais organismos internos
devem combater o terrorismo. Tal debate está propiciando aos EUA uma nova visão,
mais moderna, sobre combate ao terrorismo.
No campo social também existem benefícios. A inserção da mulher no
mercado de trabalho, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, abriu
portas para a luta por direitos iguais e uma justa valorização da mulher e das suas
capacidades. A unificação de países, como a Itália e o Império Austro-Húngaro,
proporcionou um reordenamento político e social na Europa, para citar apenas dois
exemplos.
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O surgimento de entidades e grupos preocupados em preservar a paz é outro


produto de uma guerra. O Direito Internacional passa a ser mais aprofundado e o
arbítrio internacional a ser valorizado.
Apesar de todos esses avanços inegáveis que a guerra e as suas
conseqüências promoveram ao longo dos anos, ela não pode ser justificada através
desse viés de pensamento. Os rápidos resultados obtidos através dos conflitos não
justificam a sua existência nem a torna um comportamento social normal ou
necessário. O homem, provavelmente, atingiria estes conhecimentos, só que de
forma mais lenta. Contudo, é um fato que não pode ser deixado de lado num estudo
sobre ela. A guerra, principalmente aquela de grande amplitude, é um acelerador do
conhecimento humano.

Ψ ΨΨ
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CAPÍTULO 2

O Pensamento do Guerreiro

“Os soldados não são como os outros homens – eis a lição que aprendi de uma vida entre guerreiros.”
John Keegan

Para o homem das armas - independente das conclusões etimológicas,


morais, legais, psicológicas, lexicográficas, históricas, sociológicas ou até mesmo
filosóficas - a tentativa de definição exata e universal da guerra pouco importa
quando ele se vê diante dela. Este contexto, embora de extrema importância para a
sua compreensão nos níveis mais profundos, perde toda sua força diante dos
sentimentos humanos na iminência de transpor uma linha de partida para um
ataque.
Ao combatente só conta sair vivo do inferno da guerra. As considerações
científicas não são, definitivamente, do seu interesse naquele momento. O suor no
rosto, o cheiro de pólvora, o barulho das explosões, a poeira nos olhos, os gritos dos
moribundos, o som monótono das explosões, o ruído dos aviões com o seu rastro de
querosene invadindo suas narinas, a fome, o frio, o medo de morrer, a secura na
boca, a adrenalina correndo em suas veias e invadindo seu corpo, o clarão das
armas que apontam para ele e toda a imensa quantidade de estímulos aos seus
sentidos é que são a realidade da guerra. O restante é acessório, especulação e
adorno.
Os valores numa situação concreta de combate, muitas vezes, são
desfocados e dúbios, como se vê no trecho abaixo:

“Se você matar alguém, tudo bem, faz parte. Se alguém do seu grupo morrer,
também faz parte. Você teme mais o isolamento do que as balas dos inimigos. Seus
companheiros são tudo para você. E a presença da morte é sempre boa: mostra que
você está vivo”46

46
HAAG, Carlos. A Síndrome do Golfo. Jornal Valor Econômico, Rio de Janeiro, 21 mar. 2001. p. 12.
Depoimento de Anthony Swofford, ex- fuzileiro naval dos EUA, combateu na Guerra do Golfo de 1991,é
professor de literatura em Portland e autor do livro ”Jarhead: A Marine’s Chronicle of the Gulf War”.
49 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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“Mas só os civis celebram o herói, a morte e a destruição da guerra, duas


coisas que os soldados nunca comemoram. A bagunça emocional chamada “vitória
nacional” importa pouco para os guerreiros”47

Para esse homem, valem as palavras de Gaston Bouthoul, que dizia que não
há guerra quando o sangue não corre. É essa constatação que faz um homem em
combate acordar e entender que está, efetivamente, numa guerra: sangue correndo.
É sobre ele que vai convergir todo o impacto de infinitos fatores que somente
uma guerra é capaz de produzir. Sobre seus ombros, independente do lugar que
ocupa na hierarquia militar, é que irão se abater toda uma série de fatores que só
uma guerra pode infligir ao ser humano, e que na maioria das vezes não está escrito
nos manuais de campanha.
Assunto vasto, polêmico, inconclusivo no seu todo, mas que acomete as
mentes dedicadas ao seu estudo de uma necessidade especulativa impossível de
ser contida no peito.

O Profissional Militar

“O soldado conhece a vida em toda a sua riqueza e estímulos”


Temugue (Gengis Khan)

Desse ponto, já se pode depreender que a profissão militar possui aspectos


tão peculiares e marcantes, que não nos permite compará-la com as demais.
O primeiro ponto que salta aos olhos é que, de uma forma ou de outra, os
militares do mundo inteiro e de todas as épocas juram colocar sua vida em risco e,
se preciso for, abrir mão dela para alcançar os objetivos traçados pelos seus chefes
em nome de uma decisão dos políticos que o governam. Desconhece-se qualquer
outra profissão que atinja tal abnegação, de forma oficial e patente.
Um médico, por exemplo, jura envidar todos os seus esforços para salvar
vidas. Um advogado jura promover a justiça aos homens. Um arquiteto tem por
objetivo projetar residências, prédios ou qualquer obra de arte de engenharia que
beneficie o ser humano, proporcionando-lhe conforto e condições básicas de vida. E
assim poderíamos descrever as mais variadas profissões.

47
idem
50 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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O militar é o único que hipoteca a sua vida desde o início da sua caminhada
profissional. Não que os demais não possam – muitos o fazem – dar sua vida em
determinada situação. Contudo, um militar o faz de imediato, esperando ou não, que
chegue o momento em que lhe será cobrado na íntegra o seu juramento. Para que
se tenha a verdadeira noção da profundidade de um juramento feito por militares,
colocamos o juramento feito pelos mangoday (guerreiros) do exército de Gengis
Khan e o do Exército Brasileiro.

Juramento do Exército de Gengis Khan

Juro obedecer ao meu comandante e ao meu comandante supremo, o Kha-


Khan.
Juro ser fiel aos meus camaradas, às ordens recebidas e aos meus
comandantes.
Juro estar sempre pronto a sacrificar minha vida.(grifo do autor)
Juro consagrar-me a Deus e fazer o que ele considerar correto, sem
ambições pessoais e sem considerar as conseqüências.

Juramento do Exército Brasileiro

Incorporando-me ao Exército Brasileiro, prometo cumprir rigorosamente as


ordens das autoridades a que estiver subordinado, respeitar os superiores
hierárquicos, tratar com afeição os irmãos de arma e com bondade os subordinados,
e dedicar-me inteiramente ao serviço da pátria, cuja honra, integridade e instituições,
defenderei com o sacrifício da própria vida.(grifo do autor)

Entre esses dois juramentos, há um espaço de pelo menos setecentos anos.


Contudo, os dois traduzem o mesmo sentido, ou seja, o de preservar o governo (no
caso do juramento do guerreiro de Gengis Khan, ao Kha-Khan, governo constituído
da época ou, contemporaneamente, o Estado) e empenhar a própria vida. Se
analisássemos qualquer outro juramento, de qualquer exército, certamente iria-se
encontrar, com estilos literários diferentes, mas com o mesmo teor, a conotação
acima.
51 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Essa diferenciação não é recente. O Frei Alfonso de Cabrera, no século XVI,


já ressaltava as peculiaridades da profissão militar, dizendo

“O que significa ser um soldado? Um homem determinado a morrer pelo bem


público e para que viva em paz a república. Nisso consiste a profissão militar, não
em andar ao som do tambor e do pífaro, com o fuzil ao ombro. De forma que, se
bem analisada, é uma profissão mais nobre que a de um religioso, cuja vida se
resume em viver sob a promessa de obediência, castidade e pobreza, porém o
soldado professa morrer.”48

A razão de se insistir nessa diferenciação, muitas vezes desconhecida da


maioria das pessoas, é a de que, para se tornar um militar, tanto o homem quanto a
mulher, necessitam de qualidades específicas, como idade, preparo físico, condutas
morais ilibadas, capacidades intelectuais apuradas etc. Normalmente, tais critérios
são rígidos e nem todos estão aptos a se enquadrarem neles.
Além disso, a sua formação geral, notadamente a do oficial e a do sargento,
impõe uma série de restrições na vida pessoal do profissional militar que a maioria
das outras profissões não necessitam. Horário integral dedicado à força,
necessidade de manutenção de padrões físicos permanentes, obrigatoriedade de
procedimentos e comportamentos morais compatíveis com a sua situação de militar
e uma formação disciplinar extremamente rígida, são apenas algumas.
A especificidade da formação escolar também é outro ponto que diferencia o
militar dos demais. A necessidade de uma educação em regime integral, com vasta
amplitude de conhecimentos, com teorias, práticas e estudo de diversas áreas que
numa universidade são estudadas por grupos específicos, torna a formação singular.
Um oficial, por exemplo, deve possuir conhecimentos de Física, Matemática,
Filosofia, Direito, Economia, Psicologia, História, Idiomas etc. Isso, por si só, já o
torna um profissional diferente, haja vista a necessidade de concatenar
conhecimentos específicos em uma só formação, aplicando-os de maneira
multidisciplinar no seu cotidiano.

48
LORA, Juan Boza de. Profissão e Sentido Profissional Militar. Military Review (edição em português), EUA:
ECEME/EUA, Vol. LXX, nº 1, p. 76, 1º Trim. 1990.
52 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Ao profissional militar, além das sanções legais previstas na justiça comum,


há ainda, as penas disciplinares que são impostas àqueles que por algum motivo
transgridem o sem número de normas e leis. Fato que não ocorre – na mesma
intensidade - com outras profissões.
Verifica-se, dentro da profissão militar, o imperativo de se realizar cursos ao
longo da carreira. Alguns de caráter obrigatório e outros de caráter facultativo. O fato
é que, se o militar não buscar, ao longo da sua permanência na força, aperfeiçoar-se
constantemente, corre o risco de perder promoções e comissões.
O risco de vida diuturno, companhia constante do militar, é outra vertente que
deve ser explorada. O manuseio de armamentos, munições, viaturas e outros
equipamentos, sempre operados no limite da capacidade técnica, coloca-o sob
constante perigo. Os problemas, ainda não comprovados, com o trato manual de
munições feitas de urânio empobrecido na Guerra do Golfo (1991) e nos combates
nos Balcãs, atestam tal assertiva.49
Por outro lado, isso não torna os militares, necessariamente, profissionais
melhores do que os demais. Trata-se apenas de uma diferença, mas que não deve
ser esquecida ao se analisar a profissão militar e a sua atividade fim: A GUERRA.
A guerra é a ocasião em que os militares têm por dever honrar na íntegra seus
juramentos. É nela que ele vai ser colocado frente-a-frente com os seus demônios,
suas fraquezas e suas virtudes. Será no combate que ele poderá tornar-se um herói,
um covarde ou apenas alguém que cumpriu ou não o seu dever. Somente ele
poderá julgar a qual dessas categorias pertence, independentemente do juízo que os
seus comandantes, pares ou subordinados façam dele.

A Guerra e seus Imponderáveis


“Equipment may fail; but, minds can improvise, make allowances and adjust50”.
Major-general/ EUA Lon E. Maggart

Inúmeras obras têm sido escritas sobre a guerra. Cada uma delas vê o
combate sob um determinado ângulo. Algumas estudam ou descrevem campanhas
ou batalhas específicas, como Dionísio Cerqueira em “Reminiscências da Guerra do

49
Estudiosos europeus suspeitam que o material usado na fabricação desta munição possa estar causando câncer
em soldados, além de vômitos, dor de cabeça e fadiga precoce. Está sendo chamada de “síndrome dos Bálcãs”.
50
“Equipamentos podem falhar; mas, as mentes podem improvisar, analisar e ajustar” (tradução livre).
53 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Paraguai” ou Moshe Dayan, em “A guerra do Sinai”. Outras se preocupam com o


estudo dos generais que conduziram as batalhas, como Desmond Young em
“Rommel” , onde pinta um retrato bastante interessante sobre este brilhante general
alemão; e Reginald T. Paget, em “Manstein, Campanhas e Julgamento”. Existem as
que abordam as estratégias e as táticas utilizadas nas guerras ao longo da história,
esmiuçando-as em copiosos esboços ilustrativos, como as obras de Lidell Hart e
John Frederick Charles Fuller. Há, finalmente, aquelas que se debruçam sobre a
filosofia da guerra, suas causas, suas conseqüências, sua validade, enfim, sobre a
essência da guerra. Julian Lider, com “Da Natureza da Guerra”, Clausewitz, em “Da
Guerra”, e Sun Tzu, no seu mitológico “A Arte da Guerra”, são bons exemplos de
obras com essa finalidade.
De forma genérica, as obras de cunho militar são ricas em detalhes e
defendem, dentro de uma ótica, determinado ponto de vista do autor. Elas
complementam outras obras, abrangendo o espectro de informações sobre o
assunto. Todavia, não procuram ou não conseguem ser conclusivas.
E por que isso ocorre? Por que não é possível encontrar uma obra final, que
encerre o assunto de forma razoavelmente aceita por todos? Talvez, porque, além
de ser um assunto vasto e fascinante, a guerra tenha um ingrediente que não
permite que seja tratada de forma matemática: o HOMEM.
É precisamente este ser, preso nas suas idiossincrasias, que coloca por terra
muitas teorias, generalizações e conceitos formados ao longo da história da
humanidade em um único combate. Suas respostas, embora previsíveis até certo
ponto, podem apresentar resultados totalmente antagônicos daqueles julgados
“previsíveis”.
Por mais que se tente formular doutrinas, confeccionar manuais, atualizar
teorias, inventar armamentos, nunca se conseguirá colocar a arte da guerra sob um
prisma cartesiano.
Moltke já antecipava essa idéia – impossibilidade de se “calcular o
desenvolvimento do combate” - na primeira metade do século XIX, dizendo:

“Nenhum plano operacional pode ser planejado com certeza além do primeiro
engajamento com o inimigo. É uma ilusão pensar que podemos planejar toda uma
54 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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campanha e chegar até o fim da forma planejada... A primeira batalha determinará


uma nova situação em que a maior parte do plano original será inaplicável.”51

É a sinergia de todos esses fatores, que só mostram a sua magnitude no


combate, que se chama de “imponderáveis da guerra”.
O inimigo que surpreende, a munição que acaba, o combustível que falta, a
comida que não chega, a ferida que rasga a pele, a incompetência do comandante,
a covardia do soldado, a quebra do carro de combate no meio do ataque, a aviação
que lança as bombas na tropa amiga, a fumaça que não permite enxergar o alvo, os
limites indefinidos do terreno, o frio e a chuva que abatem o ânimo, o sol que cega
as vistas, a lama impregnando e emperrando o armamento, a falta de adestramento,
a liderança tíbia, o socorro que não chega, a junção que não se efetiva, o rádio que
não funciona, o equipamento que não corresponde às expectativas, o armamento
novo do inimigo, a solidão, o medo...
As reações mais surreais podem acontecer num combate, como mostra
Turnipseed: “Durante um bombardeio que tentei entrar num ‘bunker’. Um sujeito,
olhos arregalados, de cuecas e uma pistola na mão gritava: ‘Saiam daqui! Esse é um
abrigo apenas para oficiais”.52
O que levou um oficial a tomar essa atitude, pondo em risco a vida de
soldados em razão de um simples abrigo? Falta de coragem, pânico?
Similarmente e de maneira muito mais grave, durante a Guerra do Vietnã, a
ação do então Tenente William Calley, do exército dos EUA, em May Lai, provocou
reações altamente negativas do povo americano ao saber que ele havia ordenado a
execução de 347 homens desarmados, mulheres e crianças. Ao se defender do
ocorrido, alegou que tratava-se de uma resposta “justa” pois diversos companheiros
seus haviam sido mortos em combate naquela região. Foi uma atitude inesperada e
que até hoje fica difícil achar explicação. São os imponderáveis da guerra mostrando
sua face mais tenebrosa.
Evidentemente, os autores que se dedicam a escrever e a pesquisar a guerra
sabem da dificuldade em se construir modelos matemáticos sobre ela. Contudo,

51
KRAUSE, Michel D. Moltke e as origens da arte operacional. . Military Review (edição em português), EUA:
ECEME/EUA, Vol. LXX, nº 4, 4º Trim. 1990. p. 54.
52
HAAG, Carlos. A Síndrome do Golfo. Jornal Valor Econômico, Rio de Janeiro, 21 mar. 2001. p. 12. Relato de
Joel Turnipseed, ex- fuzileiro naval dos EUA, combatente da Guerra do Golfo de 1991, filósofo e autor do livro
“Baghdad Express”.
55 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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alguns procuram perseguir uma formatação que não existe. Caso isso fosse
possível, ela seria uma arte simples – o que não é. Bastaria atacar de três para um e
a vitória seria certa. Fogos sincronizados e profundos teriam como resultado a
quebra da linha de suprimento inimiga. Superioridade tecnológica e experiência em
combate trariam uma vitória cirúrgica e insofismável.
Todavia, a História Militar nos mostra que Vietnã, Azincourt, Lawrence da
Arábia, na sua “guerra fluída” contra os turcos, Yom Kippur, Coréia e Afeganistão
(contra a ex-URSS) dentre outros, são fatos históricos de inegável constrangimento
para os “matemáticos” da guerra. Não que eles estivessem errados por completo,
mas porque outros vetores, como o humano, torna esta equação passível de
resultados diferentes daquele “calculado”.
A batalha de Farsália (48 a 47 a.C.) é um caso típico em que o mais forte
perde para o mais fraco, desafiando as projeções matemáticas. Esta batalha deu-se
entre Caio Júlio César (100-44 a.C.) e Pompeu. Ambos, após a morte de Crasso, em
53 a.C., passaram a disputar o governo do Império Romano. Caio derrotou-o nessa
batalha, malgrado estar em profunda desvantagem numérica: 25 mil infantes (cerca
de 9 legiões) e mil cavaleiros, contra 50 mil infantes (cerca de 18 legiões) e 7 mil
cavaleiros.
A batalha de Ilipa (206 a.C.), entre Públio Cornélio Cipião, o Africano, (234-
183 a.C.) e Aníbal (247-183 a.C.) é outro bom exemplo. Cipião contava com 45 mil
infantes e 3 mil cavaleiros, venceu Aníbal e o exército cartaginês composto por 70
mil infantes, 4 mil cavaleiros e 32 elefantes. Com essa batalha, Aníbal foi
definitivamente derrotado53 e deu-se o término da segunda Guerra Púnica.
Um caso atual corrobora os argumentos acima. Após a Guerra de 1967
(Guerra dos Seis Dias), o General Donn A. Starry54, do Exército dos EUA, frisou que
“os coeficientes iniciais não determinam o resultado de uma guerra. Não faz
diferença quem está em vantagem ou desvantagem numérica”55. O que realmente
conta, segundo Starry, é a iniciativa de um dos contendores. Os escalões atrás de
escalões, tão ao gosto dos chineses, não são necessariamente mais eficazes.
Essa afirmação foi fruto da mentalidade americana até 1984, que afirmava:

53
Aníbal suicidou-se antes de ser capturado pelos romanos ao fim dessa batalha.
54
Junto com o General Don Morelli, criaram o que eles mesmos chamaram de “Doutrina Ar-terra”.
55
Apud TOFFLER, Alvim. Guerra e Antiguerra: Sobrevivência na Aurora do Terceiro Milênio. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1995. p. 66.
56 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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“....tinha como pressuposto –enraizado em jogos de guerra e manobras de


treinamento – era de que , se um dia os soviéticos atacassem na Alemanha, as
tropas da OTAN iriam recuar, lutar para ganhar tempo, e então passar à ofensiva e
fazê-los recuar. Se falhassem iriam recorrer ao uso de armas nucleares.”56

Hoje, fruto da reestruturação da doutrina militar americana e do avanço


tecnológico vertiginoso, viu-se que era um erro confiar apenas nos números.
Evidentemente, o fator matemático existe na guerra. Seria um despropósito
não aceitá-lo. O que merece ser analisado é o verdadeiro peso que o número de
homens, carros de combate, aviões, submarinos, bem como os seus alcances, raios
de ação e estado da arte tecnológica influenciam numa batalha. Tais dados são
fáceis de serem tabulados, estudados e, finalmente, analisados. Basta uma consulta
na Internet ou no último “Military Balance”, publicado pelo International Institute Of
Strategic Studies (IISS) para que um pesquisador atento e meticuloso faça um
balanço de forças que poderão se opor e seu provável desfecho. Mas isso seria
suficiente para se chegar a um prognóstico certeiro? Sabe-se que não...
Clausewitz, que de certa maneira tentou formatar a guerra com algumas
idéias chaves, alerta dizendo que “...Na guerra, tudo é retardado pela influência de
inúmeras circunstâncias insignificantes que não podem ser avaliadas no papel, mas
que podem levar um homem a não alcançar o seu objetivo.”57 Talvez, nesse ponto,
Clausewitz tenha interpretado com precisão e concisão a alma de uma batalha: a
imprevisibilidade.
Os motivos que levam um exército, uma divisão, um batalhão ou um simples
grupo de combate a vencer ou a perder uma batalha, transcendem o momento da
ultrapassagem da linha de partida e retroagem a passados distantes, que incluem a
história do exército a que o militar pertence, o seu grau de treinamento, a sua
religião, o seu moral e crença na batalha que está travando, os políticos que o
governam, a capacidade dos seus chefes, a logística que o apóia, o serviço de
saúde de campanha, os resultados de campanhas anteriores, a doutrina utilizada, o
terreno, as condições meteorológicas, a qualidade do seu equipamento, enfim,
inúmeros fatores que estas linhas não conseguiriam descrever. O caos da batalha

56
TOFFLER, Alvim. Guerra e Antiguerra: Sobrevivência na Aurora do Terceiro Milênio. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1995. p. 66.
57
CLAUSEWITZ, Carl von. On War, Princeton, 1976. Apud FREYTAG-LORINGHOVEN, Hugo von. O Poder
da Personalidade na Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1986. p. 59.
57 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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não se inicia na ordem de atacar, ele é mais pernicioso e envolvente do que se


imagina. E serão esses fatores, que podem ser adversos ou não, mas impossíveis
de serem quantificados integralmente, que irão determinar o resultado final do
combate.
A simplificação do combate é uma necessidade dos exércitos, como deixa
claro John Keegan, nos capítulos iniciais de sua obra “A Face da Batalha”58. O
militar é formado dentro de um prisma de concisão, objetividade e clareza. No fragor
da batalha não há espaço para tergiversar ou conjecturar profundamente. Há, sim, a
necessidade de ação, seja ela qual for. Disso resulta o pensamento pragmático -
para muitos insensível - do militar em situações de crise. Na realidade é um instinto
de autopreservação pessoal, dos seus homens e da sua missão. Ele sabe que deve
preservar o seu grupo, custe o que custar, bem como resolver o problema que se
apresenta com o menor número de baixas para ele e o maior para o inimigo.
Por outro lado, utilizar a simplificação de forma demasiada pode levar um
exército à derrota. Princípios, fundamentos e técnicas de abordagem automatizadas
para uma situação de combate são benéficas, pois permitem colocar sob uma ótica
cartesiana elementos dispersos que afetam, terrivelmente, a decisão do comandante
em qualquer nível, além de evitar a “paralisação por pânico” dos militares sob fogo
ou sob pressão de decisões inadiáveis e imediatas.
Entretanto, adicionar elementos e fatores, nem sempre palpáveis ou
catalogáveis que influenciam o resultado, é tão importante ou mais do que somente
seguir manuais ou regulamentos em combate. Somente homens de mente aberta,
formação sólida e com razoável capacidade de abstração dos dogmas militares
(doutrina, tática, regulamentos etc) saberão fazê-lo sob o fogo inimigo.
Posto assim, de forma escrita e ordenada, parece razoavelmente simples
formar este homem. Mas para a decepção de muitos, isso é extremamente difícil
para qualquer exército. Cada vez mais, os conflitos modernos exigem um homem
com “dupla personalidade”.
Ele deve ser capaz de reproduzir, automaticamente e sem vacilo,
determinados desempenhos e ações que se espera dele em combate. Ao receber
fogos de artilharia deve abrigar-se numa coberta. Ao ver o seu pelotão deparar-se
com uma coluna inimiga, deve desdobrá-lo, informar ao seu comandante, esclarecer

58
Para entender o ponto de vista de Keegan acerca da necessidade de simplificação da guerra, ler KEEGAN,
John. A Face da Batalha. Rio de Janeiro: Bibliex, 2000. p. 22. passim.
58 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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a situação, adotar uma linha de ação (atacar, retrair, desbordar etc) e informar ao
seu comandante a linha de ação tomada o mais rápido possível, sem vacilações.
Quando realizar um salto de pára-quedas, ao tocar o solo, deve ter o seu armamento
à mão e reunir-se com o seu grupo no mais curto prazo e combater. Enfim, são
atitudes automatizadas inerentes ao militar e fundamentais para que a operação em
que ele esteja envolvido tenha as mínimas possibilidades de sucesso.
Todavia, ele deve ser capaz de fazer mais. Deve ter capacidade de analisar
todas as variantes que lhe aparecerem e tomar uma decisão que na maioria das
vezes não consta dos manuais nem pode ser treinada na paz.
Iludir o inimigo com artifícios e ardis, demonstrar mais poder do que possui,
arrastando galhos nas areias do deserto para levantar poeira e dar a impressão de
que uma coluna de viaturas leve é uma coluna de blindados, como fizeram ingleses
e alemães na 2ª Guerra Mundial. Lançar bonecos de pára-quedas, dando a
impressão de que o número de combatentes é maior do que o que realmente existe.
Ou, quem sabe, lançar o corpo de um falso major, de nome Willian Martin, nas
proximidades do rio Huelva, no sudoeste da Espanha, com falsos planos para
enganar os alemães quanto ao verdadeiro local do desembarque aliado na Sicília
em 10 de julho de 1943 como fizeram os aliados na 2ª Segunda Guerra Mundial.
Certamente, tais artifícios não constavam dos manuais. Foram frutos de decisões de
homens que ultrapassaram os ditames regulamentares e foram capazes de ampliar
suas possibilidades decisórias a fim de atingir seus objetivos de forma inesperada e
criativa.
Mas como saber quando o militar deve ser um autômato e quando deve ser
um analista criativo e versátil?
Muitos fatores irão levar o combatente a tomar um ou outro caminho. Todos
conhecem frases do tipo : “Você não é pago para pensar, mas para executar.” Ou,
quem não ouviu: “Aqui nós defendemos a democracia, porém não a praticamos.”?
São expressões que estão arraigadas em muitos exércitos e acabam influenciando o
homem na sua decisão, tornando-o mais ou menos criativo.
Às vezes se cobra iniciativa, impetuosidade e outros atributos de
personalidade dos subordinados extremamente importantes para um exército.
Todavia, esquece-se de que tais atributos são minados de forma inconsciente em
muitos exércitos, no seu nascedouro, ou seja, nas escolas militares. Os exércitos
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árabes são bastante conhecidos pela falta de criatividade e arrojo de suas tropas,
fruto de uma instrução extremamente rígida, inflexível e automatizada.
Com o passar do tempo, os militares, na sua maioria, adquirem o bom-senso
e passam a tomar decisões criativas e acertadas. Porém, o problema é que são os
mais novos, em geral, que sofrem as maiores pressões em combate. Isso porque
são eles que estão no front, vendo os “olhos do inimigo” e recebendo toda sorte de
fogos sobre suas cabeças.
Disso tudo, pode-se dizer, usando uma frase de John Keegan, em seu livro
“Uma História da Guerra”, que ”os soldados não são como os outros homens”.
Embora a guerra mantenha laços com todos as outras expressões do poder (política,
econômica, psicossocial, ciência e tecnologia), ela possui características que a torna
diferente na sua condução e no seu pensamento. Qualquer tentativa de se equiparar
militares a civis é perda de tempo e grave erro de análise. Trata-se de uma cultura
diferente, quase quixotesca, onde os mais altos valores morais são evidenciados ao
máximo.
O combatente profissional é, sem dúvida alguma, uma classe especial de
homem. Classe essa que existe há milhares de anos e continuará existindo por
muitos outros, de formas e maneiras diferentes, adaptando-se às mudanças do
tempo. Todavia, sempre conservará seus valores de sacrifício pessoal e coletivo em
prol de um grupo maior, chamado Nação. A consideração de Yen Tzu, em 493 a.C.,
sobre Ssu-ma Jang-chu, são conclusivas sobre o perfil de um bom soldado: “O
comandante ideal reúne cultura e temperamento bélico; a profissão das armas exige
uma combinação de dureza e suavidade”.
Importante se faz dizer que o combatente profissional aqui relatado é o militar
pertencente a uma organização estruturada, organizada e legitimada pela lei de um
país. Outras tropas, embora tenham combatido em guerras ao longo da história,
como os cossacos e os partzanos, não podem ser considerados militares
profissionais. Embora até utilizassem técnicas militares, terem na sua organização
alguma similitude com os exércitos regulares, tratava-se apenas de hostes
guerreiras, sem objetivos muito definidos e despidos de qualquer amparo legal que
legitimasse suas ações. Podem até servir como exemplos específicos a fim de se
colher lições sobre sua atuação, mas de forma nenhuma podem ser confundidos
com militares. Seria uma injustiça com últimos.
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Ψ ΨΨ
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CAPÍTULO 3

A Guerra e a Humanidade

“Sobre a pergunta se a guerra é arte ou ciência, a resposta a ser dada é que é uma
profissão.”
Engels e Marx

Como já foi visto, o homem repudia a guerra, mas está constantemente


preparando-se para ela. Ele não a quer, mas se ela acontecer, ele estará preparado.
Cada Nação, ao longo de sua história, se preparou e se prepara para um
eventual conflito de acordo com suas possibilidades. A expressão econômica é,
dentre todas as outras do poder nacional, quem dita o grau de preparo em tempo de
paz de um exército, embora cada uma das demais tenha participação significativa,
dependendo das origens culturais do país analisado.
Países ricos tendem a estar mais preparados para a guerra, e países pobres
menos. É o dilema das “espadas versus arados”59. Quanto mais desenvolvido um
país, mais investimentos em defesa ele necessita despender a fim de poder, numa
eventualidade, proteger os seus direitos e interesses. Os EUA são um exemplo
disso. Além de serem a maior economia do mundo, possuem o exército mais bem
equipado do globo, em condições de projetar o seu poder militar em qualquer parte
do planeta em poucas horas ou dias.
Essa teoria encontra eco em Friedrich List, que dizia “A guerra, ou a
possibilidade mesma da guerra, torna o estabelecimento de uma capacidade
industrial uma exigência indispensável para uma Nação de primeira categoria...”60 ,
em franca oposição com a visão de Adam Smith, que insistia em se manter os
investimentos militares em patamares baixos a fim de que estes não prejudicassem
o desenvolvimento do país.

59
Dilema macroeconômico, que juntamente com o dilema Consumo X Investimento, trata dos problemas
econômicos relevantes da atualidade.
60
Segundo MACCORMICK, T. China Market: America’s Quest for Informal Empire. Chicago, 1967. Apud
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Transformação Econômica e Conflito Militar de
1500 a 2000.Rio de Janeiro: Campus, 1991. p. 512.
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Destinação da expansão das possibilidades de produção com o duplo objetivo


de aumentar a SEGURANÇA e o BEM-ESTAR. Os padrões de vida podem
permanecer estacionários. Se forem bem administrados pela política de
governo, equilibram boas condições de aumento progressivo do bem-estar com
a necessária segurança dos padrões de vida atingidos.
Ex: EUA, Reino Unido, França

X=Y
Destinação da expansão das possibilidades de produção prioritariamente para a
SEGURANÇA. Os padrões de vida podem regredir, tornando o governo
insustentável ao longo dos anos. O paradoxo de uma máquina bélica eficiente,
porém cara e em descompasso com as precárias condições de vida da
população podem levar aos distúrbios internos.
Ex: ex- URSS, Coréia do Norte, China

X<Y
Destinação da expansão das possibilidades de produção prioritariamente para o
BEM-ESTAR. Os padrões de vida podem aumentar. A inexistência de forças
armadas condizentes com o alto nível de conforto populacional, provocando
cobiça de outros países, pode conduzir a conflitos externos em que o país não
tenha as condições de defender o modo de vida adotado.
Ex: Kuweit, Suíça

X>Y

Eixo do X = Bem-estar
Eixo do Y = Segurança

Quadro nº 12
Dilema Espadas versus Arados

Alguns países, aparentemente, fogem da regra geral de que a economia é a


mola de propulsão das guerras. A antiga URSS, hoje fragmentada, é um exemplo.
Embora a condicionante ideológica tivesse um papel fundamental, foi a economia da
ex-URSS quem ditou até aonde a ideologia poderia alcançar. A mesma economia
que impeliu o comunismo para boa parte do mundo, foi a que motivou o seu
crepúsculo, derrubando o vetor ideológico, obrigando aquele país a implementar a
Glasnost e a Perestroika.
Evidentemente, outros fatores podem fomentar um conflito. A religião, a
política, a necessidade de segurança estratégica regional, dentre outras. Todavia,
elas são dependentes das possibilidades econômicas de um país para empreender
uma luta armada.
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Mesmo os acontecimentos atuais, ligados ao atentado terrorista de 11 de


setembro de 2001 aos EUA, não servem para contradizer o argumento da
importância do peso econômico sobre os conflitos. Embora haja, em acentuada
quantidade, o componente religioso, são os interesses econômicos dos EUA que
fizeram o diapasão da guerra vibrar. Afinal, o terrorismo só existe quando encontra
um terreno fértil em fome, desigualdade econômica e pobreza para proliferar.
O artigo “Onde o Nome da Religião é Petróleo”, de José Arbex Jr, tece amplo
comentário sobre a vertente econômica da guerra travada pelos EUA e aliados no
Afeganistão. Entre outras observações, Arbex argumenta que:

“o que está em jogo, na Tchetchênia, travestido de “conflito religioso”, é a


disputa pelo controle da economia do petróleo. Os cinco países da bacia do Cáspio
– Azerbaijão, Cazaquistão, Irã, Rússia e Turcomenistão – possuem reservas
estimadas em 200 bilhões de barris de petróleo e um volume comparável de gás.61”

Desnecessário dizer que o Afeganistão faz fronteira com o Turcomenistão e


Irã entre outros. Além disso, é importante destacar que o Azerbaijão, o Cazaquistão
e o Turcomenistão possuem mais petróleo e gás do que o Golfo Pérsico inteiro. Não
é a toa que empresas de petróleo dos EUA negociam acordos bilionários (exceto
com o Irã) com a finalidade de explorar essas reservas. Ainda haverá, segundo
alguns, a necessidade de se passar oleodutos e gasodutos em território afegão.
Apenas causas religiosas nesse conflito? Difícil de acreditar...
Como forma de sustentar a teoria de que o campo econômico e militar
andam, em tempos de crise, juntos, vale-se de Paul Kennedy: “...a riqueza é
geralmente necessária ao poderio militar, e este por sua vez é geralmente
necessário à aquisição e proteção da riqueza.”62
Em síntese, a expressão econômica é o aspecto fundamental das guerras,
embora não seja a única. O próprio Paul Kennedy alerta para algumas poucas
exceções, referindo-se ao posicionamento geográfico, a organização militar, a moral
nacional, ao sistema de alianças e outros. Porém, será a expressão econômica que

61
JUNIOR, José Arbex. Onde o nome da religião é petróleo. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 set. 2001, p. 9.
62
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Transformação Econômica e Conflito Militar de
1500 a 2000.Rio de Janeiro: Campus, 1991. p. 2.
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dirá se pode ou não haver a guerra e, se esta for declarada, qual será a sua
amplitude.
A história mostra que os exércitos se prepararam e continuam se preparando
para a eventualidade de um conflito. Os diversos fatores que podem deflagrar uma
guerra são intimamente ligados ao fator econômico e à necessidade de
desenvolvimento dos países. Como esse desenvolvimento implica em tensões com
outras nações, tudo leva a crer que a guerra continuará a acompanhar a
humanidade por muitos anos.

Os Exércitos na Paz
“As bases principais de todos os Estados – sejam novos, antigos ou mistos – são as boas leis e os bons exércitos.
E porque não pode haver boas leis onde não há bons exércitos e onde há bons exércitos convém haver boas leis,
deixarei de lado a discussão das leis e falarei dos exércitos”.
Maquiavel

Os exércitos são organizados, adestrados e formados com o objetivo de usar


a violência, de forma legal, para atingir objetivos traçados pelos mandatários de um
Estado, dentro de uma situação de crise. Neste contexto, eles se preparam nos
períodos de paz para responder a um eventual chamado.
A preparação para a guerra em tempo de paz é complexa e difícil de ser
cumprida na íntegra. Exige recursos que uma Nação normalmente não dispõe na
necessidade exigida e que poderiam ser carreados para outras áreas mais
importantes e prementes, com: saúde, educação, saneamento básico, transportes,
moradias etc.
Outro aspecto difícil de ser entendido pela população é que o produto final
dos exércitos não é palpável. Se o governo investe em moradias, a população as vê
construídas e, uma parte, usufrui dela. No caso dos exércitos, o seu “produto final” -
a segurança - não é facilmente perceptível.
Um exército em tempo de paz deve ter como objetivo principal tornar-se um
vetor de dissuasão contra interesses divergentes de outras nações em relação aos
da Nação a que pertence. A sua principal tarefa é, em conjunto com as outras
expressões do poder, evitar a guerra. Para conseguir tal intento, ele deve ser capaz
de convencer a população e as demais nações da sua capacidade de responder a
qualquer ameaça eventual que os canais governamentais, notadamente o político e
o diplomático, não consigam responder.
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Isso só é possível se esse exército for bem adestrado, equipado, dotado de


quadros capazes (em todos os níveis) e possuir uma doutrina experimentada e
coerente com os objetivos de segurança do país. Esses fatores, aliados a outros,
tais como política responsável, diplomacia firme, autodeterminação, posições
internacionais claras e economia pujante, formam um complexo conjuntural positivo
que tornam a Nação relativamente segura63, em condições de prosseguir na
conquista dos objetivos nacionais, sem necessitar de recorrer à guerra.
O Brasil, dentro das limitações e óbices conjunturais, procura estar preparado
para dissuadir qualquer crise, respondendo com suas Forças Armadas quando for
preciso, segundo depreendemos das palavras do Ministro Geraldo Quintão:

“A avaliação permanente dos quadros regional e mundial, conduzida


conjuntamente pelo Itamaraty e pelo Ministério da Defesa, é um elemento importante
para a identificação de ameaças e oportunidades. O novo sistema de defesa
nacional deverá, portanto, em cumprimento ao estabelecido na Política de Defesa
Nacional, buscar sintonia cada vez maior com o Itamaraty no delineamento de suas
ações voltadas para a defesa externa. A consolidação da paz é o nosso principal
objetivo, mas o ambiente internacional de hoje, nem sempre amigável, nos obriga a
estarmos preparados para garantir a integridade territorial e a soberania do País
diante da emergências que demandem resposta armada.”64

Contudo, manter um exército nessas condições por um longo período é


extremamente difícil e oneroso. Com o passar do tempo, é possível que ele comece
a perder sua identidade e adote outros rumos que pouco a pouco o tornam ineficaz
contra a eventualidade de um conflito. Isso não quer dizer que um exército necessite
entrar em guerras constantes e desnecessárias de tempos em tempos para manter-
se eficiente.
Tal tendência vem tornando os exércitos de alguns países ineficazes para os
fins a que se destinam. Isso é extremamente preocupante, haja vista as
características da guerra moderna, que tendem a ser mais rápidas na sua evolução
63
Segurança é um elemento indispensável à busca do Bem Comum, caracterizado pelo fato de a Nação sentir-se
garantida contra ameaças de qualquer natureza, pelo emprego do Poder Nacional. Defesa é um ato diretamente
ligado a determinado tipo de ameaça, caracterizada e dimensionada. (Fundamentos Doutrinários da Escola
Superior de Guerra).
64
Palestra proferida pelo Ministro Geraldo Quintão, em 28 de agosto de 2000, aos alunos do Instituto Rio
Branco, sobre o tema “Defesa, Diplomacia e o Cenário Estratégico Brasileiro”
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de estado de paz, para o estado de preparação e, finalmente, para o estado de


guerra propriamente dito. É imperativo que uma Nação possua uma força armada
pronta e capaz de atuar em pouco tempo, dentro dos interesses e das necessidades
do país.
Para exemplificarmos a crescente velocidade no desenvolvimento de
conflitos, tomem-se alguns exemplos brasileiros.
O Brasil declarou guerra ao Eixo em 22 de agosto de 1942. A Força
Expedicionária Brasileira (FEB) foi criada em 9 de agosto de 1943 pelo Ministro
Eurico Gaspar Dutra. O primeiro escalão chegou a Nápoles somente em 16 de julho
de 1944 e só entrou em combate em meados de novembro de 1944. Foram 25
meses desde a declaração de guerra até o seu batismo de fogo. Nesse perído foi
possível organizá-la, adestrá-la e equipá-la da melhor forma possível para entrar no
conflito com as mínimas chances de sucesso.
Recentemente, em 1997, o Exército Brasileiro teve problemas na sua fronteira
com a Colômbia. Elementos das Forças Armadas Revolucionarias Colombianas
(FARC) ameaçavam ampliar o conflito além das fronteiras colombianas. O Exército e
a Força Aérea Brasileira, em pouco mais de 36 horas, desdobraram efetivos e
equipamentos ponderáveis na região, dissuadindo de imediato qualquer pretensão
das FARC em penetrar nas fronteiras brasileiras. Isto mostra claramente a
necessidade de se manter efetivos adestrados e prontos para intervir em poucas
horas em situações como estas.
O pelotão de PE do Exército Brasileiro, designado para juntar-se às Forças de
Paz da ONU, no Timor Leste, teve pouco mais de quatro dias para ser organizado,
embarcar e atuar. No dia 15 de setembro de 1999 o Presidente Fernando Henrique
autorizou o envio de tropas. No dia 20 de setembro fizeram escala no Rio de Janeiro
e decolaram para o Timor Leste.
Esses três exemplos mostram o crescimento geométrico da necessidade de
grande velocidade de resposta que uma tropa deve ter para ser empregada. Isto
ensina que os exércitos, mesmo em tempo de paz, precisam ter um mínimo de
preparo para um emprego imediato. Mas será que todos os exércitos são ou foram
assim? Veja a transcrição do texto abaixo:

“A Nação vive a transição entre as 1ª e 2ª Guerras Mundiais.


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O Exército espelha as atitudes do povo. O que hoje acontece já ocorria há um


século. A massa de oficiais e praças é destituída de qualquer senso de urgência.
Atletismo, recreação e entretenimento têm precedência, na maioria das unidades,
sobre o treinamento sério. Alguns dos oficiais, devido aos longos anos de paz,
criaram pra si mesmos profundos sulcos de rotina profissional, dentro dos quais se
abrigam contra irritantes idéias novas e os problemas perturbadores. Outros,
atolados num posto por muitos anos, pois o tempo de serviço é, praticamente, a
única base para a promoção, abandonaram a esperança de progresso.
Não há nenhuma defesa segura contra carros de combate ou aviões
modernos. As tropas carregam modelos de madeira de morteiros e metralhadoras e
podem estudar novas armas apenas por cópias de desenho técnico. Equipamentos
de todo o tipo estão em falta, e muitos dos que estão em uso foram, originalmente,
produzidos para a última guerra.
Além disso, as verbas militares durante a última década restringiram os
treinamentos à base de pequenas unidades. Mesmo a munição de armas portáteis,
para o tiro ao alvo, é racionada e distribuída ocasionalmente.
Veículos, carros de combate modernos e equipamentos antiaéreos são
criticamente escassos.
O exército concentra-se em cuspir e polir formaturas para revistas e paradas,
porque o povo, na sua repugnância à guerra, nega a si mesmo uma situação militar
razoável.
A doutrina e a teoria militares, conseqüentemente, não podem ser
suplementadas com a aplicação prática; os oficiais e as praças não possuem a
segurança que se obtém apenas com a experiência e a prática em campanha.
Apesar da crescente preocupação com a guerra, a Nação está tão
despreparada para aceitá-la com seriedade, que o treinamento não pode ser
conduzido em imitação realística do campo de batalha. Tem de ser efetuado no
estilo xarope calmante, calculado para levantar o mínimo de ressentimentos dos
soldados e das famílias. Muitos oficiais superiores têm medo de uma manchete
sensacionalista contra a exposição dos soldados ao tempo inclemente ou ao
cansaço de extensas manobras e, assim, não ordenam o único tipo de treinamento
que renderá dividendos, tão logo as balas comecem a voar.65

65
Apud MINERVINO, Oacyr Pizzotti. Forças Armadas em tempo de paz: reflexões. A Defesa Nacional, Rio de
Janeiro: Bibliex, nº 760, p. 41 – 42, abr. – jun. 1993.
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Ao concluir a leitura do trecho acima, a maioria é tentada a imaginar que o


exército descrito pertence a algum país em desenvolvimento, muito provavelmente
na América Latina, África ou talvez, no Oriente. Mas essa descrição é do Exército
dos EUA, no início da década de 40, quando a Alemanha já lutava na Europa.
Na ante-sala da 2ª Guerra Mundial, a França também sofria com essa
despreocupação irresponsável em relação às suas forças armadas.

“É inegável que um impulso obscuro compele nossos legisladores a reduzir


cada vez mais a duração do serviço ativo. Em dois lustros, ela baixou de três anos
para um só, encurtando recentemente. Já se fala em oito meses e não tardará o dia
em que se proponha seis ou quatro. Ora, os recrutas que, por dupla fornada,
passam cada ano pelos regimentos, mesmo que consigam aprender o uso de suas
armas por um milagre de ardor dos instrutores, não poderiam tornar-se bons
técnicos do combate. Nas 24 semanas, a que se reduz de fato a instrução de cada
soldado, deduzindo-se as demoras de incorporações e de licenciamento, as festas,
as folgas, as moléstias, as medidas sanitárias, os trabalhos extraordinários etc,
pede-se à infantaria que prepare e adestre metralhadores, fuzileiros, granadeiros e
volteadores, observadores, sinaleiros, condutores, telefonistas e radiotelegrafistas,
tornando-os tanto quanto possível intercambiáveis e adaptando-os, além disso, à
ação de conjunto, quando a simples formação de uma equipe selecionada de futebol
reclama tantos esforços e cuidados. Grupos sempre provisórios, dispersos, apenas
reunidos, como figuras de um jogo de cartas incessantemente distribuídas e
baralhadas, eis em que, para falar a verdade, consistem nossos corpos-de-tropa. Em
lugar de um rendimento máximo, que uma combinação de atividades bem reguladas
poderia tirar de um material aperfeiçoado, nunca se vai além de esboços
apressados. E como, por outro lado, não se pode mais contar com a perícia dos
antigos combatentes, já desaparecidos dos fichários das reservas, nossas unidade
mobilizadas só poderiam adquirir a habilidade coletiva exigida pelo material depois
de um largo prazo, que tende a se tornar cada vez maior. Basta ver, empilhado nos
depósitos, o montão de armas, instrumentos, aparelhos, fardamentos, veículos,
munições etc, destinados a qualquer das unidades de formação e imaginar a
multidão de indivíduos sem experiência e sem coesão que, da noite para o dia, teria
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de servir-se de tudo isso, para se avaliar que imenso desperdício de homens e de


material acarretaria a entrada em fogo de modo precipitado.66

O testemunho profético de De Gaulle cairia como uma avalanche sobre a


cabeça dos mandatários franceses em 1939. O Exército da França pouco pode fazer
contra o potente ataque alemão. Suas tropas, além de estarem despreparadas,
foram ineficazes na defesa do país.
Os soldados franceses, por culpa não só dos políticos, mas também da alta
administração militar, eram desqualificados e possuíam um adestramento deficiente
e mal feito.
Das descrições vistas anteriormente, pode-se verificar que existem um sem
número de óbices, falhas e equívocos que podem ser cometidos por um exército em
tempo de paz que refletem negativamente na guerra.
Alguns responsáveis pela defesa de um país, por falta de comprometimento
com a segurança do país, ou por não conhecer com profundidade como um exército
deve funcionar, acabam considerando normal o afrouxamento de certos
procedimentos durante a paz. Acreditam que quando a guerra vier, as deficiências
da paz serão sanadas em poucas semanas de combate. É um equívoco inaceitável
para qualquer país que deseja ter sua soberania preservada.
Contudo, uma boa preparação para a guerra não isenta um exército de sofrer,
em intensidade infinitamente menor, com a inexperiência em combate. Mesmo
tropas muito bem preparadas encontram sérias dificuldades nos primeiros meses de
combate. O Canadá, durante a 2ª Guerra Mundial, adquiriu uma experiência
interessante sobre a necessidade e a relatividade do treinamento. O depoimento
data de 1948, de autoria do General Foulkes, que comandou o 1º Corpo Canadense
no final da guerra.

“Na última guerra precisamos de quatro anos para nos aprontarmos... Quando
levei a 2ª Divisão para o noroeste da Europa ela tivera quatro anos de árduo
treinamento. Treinamos dia e noite; pensei que ela estivesse tão perfeita quanto era
possível, como instrumento de combate. Quando entramos na luta em Falaise e
Caen esbarramos logo com as experientes tropas alemãs e sentimos que não

66
GAULLE, Charles De. Por um Exército Profissional. Rio de Janeiro: José Olympio: Bibliex, 1996. p. 56 – 57.
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poderíamos nos comparar com eles... Não teríamos tido sucesso não fosse o apoio
de fogo, aéreo e de artilharia. Tínhamos mourejado durante quatro anos...e levamos
cerca de dois meses para colocar a Divisão em ordem e dizer que éramos uma
organização militar que podia lutar.”67

O interessante deste depoimento é que apesar de bem treinada, a tropa


canadense foi obrigada a vencer vários obstáculos que o melhor treinamento
possível não foi capaz de prever. Imagine-se quanto maior seriam as dificuldades se
ela não estivesse preparada. Quantas vidas preciosas não teriam sido ceifadas
desnecessariamente pela falta de treinamento e zelo dos responsáveis em tornar
essa divisão um vetor de combate?
A guerra, por si só, cobra preços caros aos que se preparam. Quando ela
encontra pessoal e estrutura despreparada, esse preço é ainda mais alto e menos
justificável.
Mas como as atividades do tempo de paz podem influenciar tanto no decorrer
de uma guerra? Quais são os aspectos que merecem atenção e cuidado na paz,
para minimizar os efeitos de uma guerra sobre um exército? Mostrar-se-ão alguns
deles nos próximos capítulos.

Ψ ΨΨ

67
Apud KELLET, Anthony. Motivação para o Combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 1987. p.100.
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CAPÍTULO 4

A Preparação para a Guerra

Os Recursos Humanos

Quadros
“A guerra é uma arte de execução e do que o Exército precisa é de oficiais aptos ao serviço, oficiais
robustos, enérgicos, conhecedores da profissão, convictos de sua missão militar, social e política,
como oficiais de verdade”
Marechal José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque

Os quadros profissionais – oficiais e sargentos - de um exército são o seu


maior bem. Neles repousam todo o conhecimento técnico-profissional, suas virtudes,
sua competência, sua liderança, enfim, os quadros são a “pedra de toque” de um
exército. Se forem ruins, o exército fatalmente será ruim. Se forem bons, haverá
grandes chances de se minimizarem outras vertentes deficientes, como armamentos
obsoletos e falta de recursos.
No tempo de paz os quadros são formados de maneira diferente do tempo de
guerra. Os recursos humanos e o seu gerenciamento tendem a se distanciar daquilo
que seria o melhor para o tempo de guerra.
Pequenos detalhes, aparentemente insignificantes, podem corroer a coesão
do grupo e a sua preparação para a guerra. As pequenas querelas, personalismos e
vaidades de toda ordem começam a atrapalhar o desenvolvimento da atividade-fim:
o combate. A administração e a burocracia “engolem” as atividades militares,
jogando-as para planos secundários.
Isso é bastante característico em exércitos com longos períodos de paz.
Passa-se a dar importância demasiada para as atividades burocráticas, expedição
de relatórios de pouca importância, ofícios, partes, quadros detalhados sobre a
situação da munição, do combustível etc. Ordens, mensagens e diretrizes que não
necessitariam de mais de uma página, acabam se tornando documentos imensos,
dos quais se extrai algumas poucas idéias importantes. A falta de objetividade
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administrativa é grande, pois ela permite, muito mais do que o adestramento,


divagações e demonstrações de preciosismos descabidos.
As medalhas passam a ser entregues não pelo mérito pessoal, mas para
aqueles que estão mais próximos dos chefes mais bem posicionados na hierarquia
militar. As comissões mais importantes e as que, fruto da sua natureza, importam em
ganhos econômicos e profissionais, nem sempre são distribuídas aos mais capazes
ou aptos para determinada missão. O pessoal da tropa começa achar que está
marginalizado em relação aos quadros que trabalham nos gabinetes. Por vezes se
esquecem que o trabalho realizado em gabinetes, estados-maiores e comandos
elevados são de vital importância para o sucesso daqueles que se encontram nos
corpos-de-tropa. Esta falsa idéia de dicotomia entre troupiers e militares
comissionados em quartéis-generais gera um distanciamento entre a tropa e os
estados-maiores de níveis mais elevados.
Durante o Conflito de Canudos, na Bahia, as conseqüências dessa distância e
a falta de preocupação com a preparação da tropa, tanto de militares como de civis,
fez-se sentir. O despreparo das tropas para lá mandadas e a falta de conhecimento
profundos dos problemas existentes por parte de militares e políticos mais bem
posicionados na época são razões importantes dos insucessos iniciais. As brigas e
ofensas entre políticos e militares são inúmeras. O texto abaixo retrata esta situação
de despreparo e desconhecimento, frente a um revés sofrido pelo Tenente Manoel
da Silva Pires Ferreira, do 9º Batalhão de Infantaria.

“(...) a força foi posta à disposição do governador, por ordem do governo


federal; e sob a responsabilidade e instruções dele foi desempenhar aquela
comissão; entretanto, recorreu ao comando do distrito militar, por descrença e falta
de confiança no governador, pelo inqualificável descuido e até menosprezo com que
tratou a força do exército que tão injusta e ilegalmente lhe foi confiada; fazendo-a,
em uma diligência tão arriscada, embrenhar-se por caminhos escabrosos e
longínquos, áridos e inóspitos, inteiramente desamparada, sem recursos nem
proteção de natureza alguma”. 68(grifos do autor)

68
Apud ARARIPE, Tristão de Alencar. Expedições militares contra canudos: seu aspecto moral. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1985. p. 13. Trecho da carta do General Solon Ribeiro comandante do 3ª Distrito Militar (Bahia) às
autoridades estaduais, repudiando a maneira com que o exército era tratado e das condições de escassez de
material e instrução para tal empreitada. Publicada no Jornal do Comércio de Recife, em 23 de abril de 1897.
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Os critérios de promoção tornam-se duvidosos para alguns, os instrumentos


de avaliação meritórios são precários, tendo em vista que é extremamente difícil
avaliar certos atributos imprescindíveis em combate, tais como coragem moral e
física, liderança, desprendimento, arrojo e capacidade de tomar decisões sobre
pressão em período de paz. Dentro desse quadro, acaba-se por formar-se grupos
privilegiados e grupos de “excluídos”.
Tal fato, acarreta que nem sempre aqueles militares que são destaques no
tempo de paz, serão necessariamente os que estarão mais aptos a liderar tropas na
eventualidade de uma guerra. Isso, até certo ponto, é normal em função da
dificuldade de avaliação. Em alguns casos, verifica-se até mesmo a dificuldade em
encontrar homens para exercerem funções importantes e de responsabilidade numa
guerra.
Essa situação foi bastante comum no exército dos EUA, por ocasião da
Guerra do Vietnã, onde diversos militares, até então considerados destaques na
força, encontraram as mais diversas desculpas e formas para não irem para o
campo de batalha.
O Brasil, durante a 2ª Guerra Mundial, também sofreu, em menor escala,
esse problema. O depoimento do Marechal Floriano de Lima Brayner, na época
coronel e Chefe do Estado-Maior (EM) da FEB, fornece sua idéia sobre o problema
vivido no alvorecer daquela força expedicionária:

“Decidido o envio de tropas, esquematizada a organização da 1ª Divisão do


Corpo Expedicionário, passou o Ministro da Guerra à escolha de seu comandante.
Em 9 de agosto de 1943, era dirigida uma consulta ao general de Divisão
(este era o mais alto posto da hierarquia militar) João Batista Mascarenhas de
Moraes, com requintes de delicadeza: “Consulto prezado camarada se aceita
comando de uma das Divisões que constituirão Corpo Expedicionário”.
Essa consulta, quase humilde, já havia sido endereçada a outros generais
que, por motivos pessoais, a rejeitaram. E nada sofreram, não sendo sequer
anotado nos seus assentamentos militares. No entanto, o General Mascarenhas de
Moraes, que talvez fosse o único que poderia alegar imperiosas razões para não se
afastar do Brasil naquele momento, respondeu com muita dignidade, no dia
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imediato, 10 de agosto de 1943: “Muito honrado, e com satisfação, respondo


afirmativamente consulta que V. Excia acaba fazer-me” 69·

O interessante é que tal distorção não é prerrogativa dos níveis mais elevados
de um exército. A narrativa abaixo, bastante sucinta, mas extremamente reveladora,
mostra situação semelhante.

“Começaram a circular levemente, nas rodas oficiais, os boatos da existência


de ordem para a criação de uma Força, que deveria atuar fora do Brasil. Vagos
indícios iam-se acumulando, levando-nos à convicção de que algo estava realmente
em preparação, ao mesmo tempo em que os quinta-colunistas, como que tocados
por vara mágica, subitamente se empenharam em terrível campanha de ridículo e
desmoralização de nossas tropas” representativas de uma sub-raça desfibrada e
doentia “.
Eu, nessa época, era tenente, e servia na Fortaleza de São João, sob as
ordens de um reconhecido patriota de tendências totalitárias, o tenente-coronel
Affonso de Carvalho.
Dele ouvi a primeira palavra oficial sobre a participação do Brasil,
efetivamente, na guerra: “todo o soldado má-conduta será imediatamente transferido
para as unidades que vão combater”...
Dias após, outro aviso sintomático surgia: ordens verbais emanadas
diretamente das fontes do poder, determinavam a baixa imediata de inúmeras
praças, todas elas apadrinhadas por personagens bem colocadas na sociedade, na
política e nas finanças...
Uma guerra que se transformara rapidamente numa atividade complexíssima,
exigindo as mais variadas aptidões, cada soldado sendo obrigado a ser um técnico,
a agir com rapidez e inteligência, ia o BRASIL recrutar homens da pior espécie,
aqueles que se tivessem revelado a borra dos quartéis.
Por outro lado, os filhos das famílias abastadas, os que da Pátria só tiveram o
melhor bocado, os sadios de corpo e esclarecidos de espírito, os que fugiram das
unidades de campanha para um período de adestramento nos recantos
maravilhosos da Guanabara como são nossas fortalezas, eram justamente os que

69
BRAYNER, Floriano de Lima. A Verdade Sobre a FEB. Memórias de um Chefe de Estado-Maior na
Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 17.
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se esquivavam ao dever de lutar pela Nação que só lhes dera alegrias, para serem
substituídos pelos pobres de fortuna, pelos que da terra mãe só provaram travosos
frutos.”70 (grifos do autor)

Embora com um tom de mágoa e indignação, perfeitamente compreensíveis,


a narrativa acima mostra um quadro que certamente não foi a regra de
comportamento dos oficiais e praças da FEB, é conseqüência natural de qualquer
exército que passa de um estado de paz duradouro para um estado de guerra
repentino. Entretanto, tal fato se reflete de forma altamente negativa no seio da
tropa, levando-a a perder sua confiança e estima nos chefes, já que o raciocínio
lógico seria o de impedir qualquer baixa no exército nesse período.
Tal fato é ainda mais contundente quando os militares de um exército
possuem ampla participação na política nacional. Isso acaba afastando, ainda mais,
os verdadeiros objetivos de um exército para outros que não são apanágio da
instituição. Isso revela, indubitavelmente, as mazelas e os procedimentos
específicos da política, que prejudicam sobremaneira os quadros e não se
coadunam com os propósitos de um exército profissional.
Vale lembrar que, segundo Eric Hobsbawn, em “A Era dos Extremos”71, o
inverso aconteceu com o Reino Unido no início da Primeira Guerra Mundial.

“Os britânicos perderam uma geração – meio milhão de homens com menos
de trinta anos – notadamente entre suas classes altas, cujos rapazes, destinados
como gentleman a ser os oficiais que davam o exemplo, marchavam para a batalha
à frente de seus homens e em conseqüência eram ceifados primeiro. Um quarto dos
alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos que serviam no exército
britânico em 1914 foi morto. “ (grifo do autor)

Para não se fugir muito de exemplos ocorridos no Brasil, verifica-se situação


similar no Exército Brasileiro durante a Guerra do Paraguai: “Segui para a Praia
Vermelha com outros recrutas, todos das camadas mais baixas da sociedade.

70
HENRIQUE, Elber de Mello. A FEB Doze Anos Depois. Rio de Janeiro: [s.n.t], 1957. p. 34.
71
HOSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. p. 34.
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Compreendi, então, a sobranceira com que os mártires cristãos afrontavam a cólera


da turba de pagãos na arena ensangüentada do anfiteatro de Flávio.”72
Outra tendência verificada, é a distorção por parte dos quadros no
discernimento dos objetivos principais e secundários na tropa em tempo de paz. É
comum, como mostrado no trecho sobre o exército dos EUA no início da década de
40, que atividades meio e complementares tomem o lugar da atividade-fim. O
exagero na importância das competições desportivas, na implementação de projetos
pessoais do comandante, na realização de festas e formaturas que “param” a
instrução e a manutenção da organização militar são comuns. Isso traz no seu bojo,
uma série de implicações.
A primeira delas é a de que aqueles homens comprometidos com a atividade-
fim (instrução, manutenção etc), acabam se tornando insatisfeitos ou frustrados. O
seu trabalho não é reconhecido, enquanto os outros que, de forma calculada ou não,
dedicam-se a outras tarefas que lhes possibilitem mais destaque perante os mais
antigos, são postos em evidência. Isso acaba desestimulando segmentos mais
capazes de um exército, obrigando-os a “dançar conforme a música” ou retirar-se da
força assim que possível e carrear sua dedicação para outras atividades em que ele
possa despender sua capacidade e qualificações recebendo o reconhecimento que
ele julga ser justo.
Verifica-se ainda, em relação aos quadros, uma certa tendência ao desleixo
nas suas condições físicas. Há, em muitos exércitos, a constatação de que os
quadros, principalmente os oficiais e praças de nível intermediário para cima, deixam
seu preparo físico para um plano secundário. Isso gera reflexos negativos. Tais
militares não conseguem acompanhar seus subordinados nos exercícios físicos
rotineiros nem nos de campanha; tendo como conseqüência o enfraquecimento da
liderança. Doenças que poderiam ser adiadas ou até mesmo eliminadas começam a
aparecer precocemente: enfartos, aneurismas, problemas de coluna, colesterol alto,
enfraquecimento muscular, câncer, dentre outros. Um exército acaba perdendo,
muito cedo, militares que ainda poderiam ser úteis por um período maior. Isso
provoca danos no sistema de saúde, que se torna mais oneroso, mais solicitado e
menos eficiente.

72
Palavras de Dionísio Cerqueira, apud IZECKSOHN, Vitor. O Cerne da Discórdia. A Guerra do Paraguai e o
núcleo profissional do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1997. p. 163.
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Somente como referência, no ano 2000, o exército americano, fruto da grande


incidência de obesos em suas fileiras, viu-se obrigado a desligar do serviço ativo
centenas de militares, além de empreender uma forte campanha para mudança dos
hábitos alimentares de seus homens e mulheres. As conseqüências de um efetivo
obeso era visível e afetava o rendimento do pessoal bem como a imagem do
Exército dos EUA.
No campo da liderança também há reflexos, já que a higidez física é um vetor
importantíssimo no exercício do comando em qualquer nível. Na apresentação
individual diária pode-se também verificar conseqüências negativas neste sentido, já
que os uniformes dos militares menos preparados fisicamente ficam amarfanhados e
largos, aparentando falta de zelo.
O problema da apresentação individual pode parecer banal, mas não é. O
soldado, ao chegar em uma unidade, não pode e nem tem a capacidade de
conhecer o seu comandante profundamente. Ele não sabe que apesar de o seu
sargento, tenente, capitão, coronel ou general poder ter, eventualmente, problemas
de saúde de difícil tratamento ou dificuldades físicas vista a olho nu, ele pode ser um
competente instrutor, planejador ou administrador. Ele enxerga o seu comandante e
o avalia pela sua compleição física, capacidade nos exercícios da sua tropa e na voz
de comando. Um pouco mais adiante, irá avaliá-lo pela sua conduta profissional,
principalmente ao tomar decisões que reflitam no seu bem-estar, tais como
dispensas e punições.
Individualmente, ele irá sempre colocar uma eventual falha no preparo físico
como severa crítica a qualquer outra falta que não estiver ligada ao problema físico.
Para os oficiais e sargentos mais novos que não possuem boa compleição física, o
problema é ainda mais contundente, prejudicando sobremaneira a liderança.
Face ao exposto, infere-se que os quadros devem ser uma preocupação
constante dos comandantes de uma força. Os treinamentos, as exigências e os
detalhes que dizem respeito ao seu adestramento, bem-estar, anseios e
necessidades devem ser motivo de monitoração diuturna.
Os sistemas de promoção, reconhecimento, e toda a sorte de decisões que
os envolva merece ser considerado com cuidado. Deve ter como objetivo primordial
valorizar o homem que realmente se dedica à força. Mesmo na paz, é imperativo
que se mantenha um espírito guerreiro entre os homens, afastando-os de áreas que
não são ligadas ao seu preparo profissional e aos interesses da força.
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Adestramento competente, transparência nas ações, justiça nas decisões e


preocupação com as necessidades dos homens são as melhores maneiras de
manter os quadros ocupados e acreditando na sua missão.

Formação de Oficiais
“Sua missão continua imutável, determinada, inviolável. E ela é vencer nossas guerras...Na guerra não há
substituto para a vitória.”
General Douglas MacArthur dirigindo-se para os formandos de West Point em 1962

Como já foi visto, os quadros são a alma de um exército. Se isso é


verdadeiro, pode-se dizer que os seus oficiais são o espectro mais brilhante desta
alma. São eles, junto com as praças, que fazem a instituição (elemento atemporal)
funcionar.
Aos oficiais cabe a responsabilidade de conduzir um exército, ditando-lhes
regras, procedimentos e políticas. São eles que otimizam as diretrizes emanadas do
poder político, respondendo-as com as melhores soluções de treinamento, aquisição
de equipamento e formando a doutrina correspondente para um país ser atendido
naquilo que foi definido pela política de defesa nacional.
Para que todo esse complexo decisório dê certo, o fator preponderante nessa
equação é a capacidade profissional dos oficiais deste exército. Seja ele o general
de maior hierarquia, seja o tenente mais moderno. Todos, sem exceção, devem ser
capazes de executar suas tarefas dentro do seu nível, da forma mais competente
possível.
A sua formação é a chave para que isso aconteça dentro do esperado. Se a
formação foi frágil, se os ensinamentos adquiridos não foram bem aprendidos, se os
valores do exército a que o oficial pertence não foram marcados na sua alma militar
a “ferro e fogo” nas escolas, haverá distorções no futuro.
Durante três anos fui instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras. Devo
reconhecer que fui bastante rígido com os cadetes que estiveram sob minha
responsabilidade nesse período, principalmente nas atividades de campo. Algumas
vezes fui criticado por eles, pelas exigências a que os submeti, sempre dentro do
previsto nos Planos de Matéria, agora chamados de Planos de Disciplinas.
Dois aspectos me conduziram a esse tipo de procedimento. O primeiro
remonta da minha formação acadêmica, quando tive, na sua maioria, excelentes
instrutores, que durante boa parte dela exigiram o máximo, nunca o mínimo.
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Exercícios duros, operações continuadas, a área afetiva constantemente cobrada,


ocasião em que éramos submetidos a situações em que nos víamos obrigados a
superar não só os desconfortos físicos, mas os psicológicos, forjaram na maioria de
nós um sólido caráter militar. Quando concluí o meu curso e fui desempenhar as
minhas funções de oficial subalterno de Cavalaria no corpo de tropa, verifiquei,
aliviado, que não tinha dúvidas do que esperavam de mim nem como agir. Eu tinha
um parâmetro vivo e sólido em minha mente: confiança na minha formação.
Lamentei apenas os momentos em que não fui cobrado de forma mais rígida.
O segundo aspecto é o de que a escola de formação de oficiais de qualquer
exército deve ser o modelo do oficial. Lá, mais do que em qualquer outro lugar, as
exigências devem ser máximas e não mínimas ou medianas. Será na escola de
formação, e em nenhuma outra que ele vier a cursar, que devem ser implantados no
futuro oficial os parâmetros fundamentais da sua linha de pensamento militar e
moral. Nas escolas de formação devem estar retratados os mais sagrados e rígidos
padrões de conduta de um exército e os seus valores centrais
As escolas de formação de oficiais devem exigir níveis de respostas altos. A
instrução deve ser diuturna, os atributos afetivos devem ser desenvolvidos ao
máximo, a gama de ensinamentos deve ser a mais abrangente possível, a disciplina
e a hierarquia devem ser cultivadas de forma quase sagrada e o quadro de
instrutores deve ser objeto de minuciosa seleção. Será por intermédio de conceitos e
procedimentos profundamente enraizados no futuro oficial que estar-se-á
construindo um exército com esqueleto forte e inquebrantável.
É preciso que ele aprenda a pensar sob pressão, que tome decisões rápidas
e compatíveis, que solucione problemas com as ferramentas que possui, que ele
tenha em mente que para cada problema existem diversas soluções. As técnicas
aprendidas por ele são apenas ferramentas e não soluções formatadas para os
problemas. Só uma formação feita nestas condições, em que ele seja obrigado a
raciocinar constantemente diante de desafios novos, poderá fornecer aos exércitos
um oficial capaz de combater sob quaisquer condições.
Os exercícios devem ser conduzidos apresentando situações novas e
inesperadas, já que a guerra é o encontro do inesperado. Um exercício de
reconhecimento, por exemplo, pode ser inserido num quadro de guerra química por
algumas horas. Isso trará, certamente, dificuldades de coordenação e controle para
o comandante do pelotão. Ele sofrerá restrições no uso de seus rádios e na eficácia
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de suas armas, além de diminuir a eficiência operacional de sua fração. Mas existem
soluções e ele deverá encontrá-las. O uso de meios auditivos e visuais para
coordenar sua fração é uma das várias respostas possíveis. Fumígenos, bandeirolas
e sinais manuais serão necessários. O importante é que ele continue cumprindo a
sua missão. Se ele confiou o cumprimento da missão somente no rádio ou não
possui a iniciativa necessária, terá problemas...
Contudo, após vencer tais dificuldades, ele irá valorizar outras técnicas de
coordenação e irá agregar a sua bagagem profissional maior capacidade de
responder a problemas desconhecidos.
Ainda durante a minha permanência como oficial na AMAN73, foi montado um
exercício de força-tarefa de subunidade num quadro de aproveitamento do êxito74.
Ela contava com cerca de 12(doze) carros blindados. À medida que realizávamos o
exercício, as quebras e panes de muitos carros eram inevitáveis, haja vista a idade
dos mesmos.
Esse fato me chamou a atenção, pois achei que o instrutor-chefe deveria ter
suspendido o exercício por algumas horas para que os carros quebrados fossem
manutenidos. Todavia, as quebras continuaram e o exercício também. Ele só
interrompeu o exercício quando contávamos apenas dois carros em condições de
uso. Após a manutenção, o treinamento continuou e chegou-se ao final conforme
planejado.
Durante a análise pós-ação do exercício, o instrutor-chefe explicou-nos sua
decisão. Sabia que poderia parar o exercício por algumas horas e manutenir os
carros para que os cadetes em função de comandante de pelotão sempre tivessem
seus pelotões completos. Mas ele deixou uma pergunta: “Será que em combate nós
poderíamos pedir um tempo ao inimigo para manutenir os nossos carros?”
Evidentemente que não.
Foi uma lição formidável para mim e, acredito, para os demais oficiais e
cadetes envolvidos. Não importam os meios disponíveis em combate, a missão deve
ser cumprida de qualquer forma. Esse espírito deve ser aprendido na escola de
formação! Os exércitos precisam de oficiais que tenham capacidade de responder
aos imponderáveis da guerra sem titubear e manter-se no cumprimento da missão.

73
Academia Militar das Agulhas Negras. Estabelecimento de ensino militar de nível superior que tem como
missão formar o oficial de carreira combatente do Exército Brasileiro.
74
Tipo de operação ofensiva que ocorre logo após o êxito de um ataque. Visa infligir ao inimigo mais baixas e
diminuir suas possibilidades de se reorganizar para um contra-ataque.
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Um dos mais contundentes exemplos de formação de oficiais flexíveis,


criativos e cumpridores de missão, forjados numa escola de oficiais extremamente
exigente com seus alunos, é o de Israel. Se não fosse assim, passagens heróicas
envolvendo seus oficiais nunca teriam sido escritas.
Vale a pena ler com cuidado a descrição em que foi protagonista o Tenente
Zvi (“Zwicka”) Greengold, do Exército de Israel, durante a Guerra do Yom Kippur em
1973.
Neste episódio, esse bravo tenente, ao saber que Israel estava sendo atacado
por forças sírias, saiu de sua casa e dirigiu-se ao posto de comando em Nafekh.
Perguntou ao oficial de operações se podia receber um comando. Soube que em
breve chegariam quatro carros, três deles danificados em combate. Em poucos
minutos, recebeu os carros, acompanhou o seu conserto e recebeu a missão
diretamente do subcomandante da Brigada Barak (que se encontrava cercada),
tenente-coronel Yisraeli. Este determinou que Zwicka pegasse os carros e atuasse
na rodovia Tapline, destruindo qualquer carro sírio que avistasse.
Quando Zwicka entrou em combate, não sabia no que estava se metendo. A
proporção, em favor dos sírios, era de 50 para 1. Combatia à noite.

Nesse momento, Zwicka fora avisado pelos carros que o acompanhavam que
se aproximava uma coluna de blindados sírios equipados com pequenas luzes
laterais. Às 21:20 horas, avistou na estrada o primeiro carro sírio, O primeiro tiro, a
curta distância, pôs em chamas o inimigo, mas o choque fez com que seu sistema
de comunicações entrasse em pane. Zwicka sinalizou para que o carro mais próximo
se aproximasse; trocou de lugar com o oficial que o comandava e ordenou-lhe que o
seguisse e que o imitasse em tudo que fizesse. Após percorrer poucas centenas de
metros, verificou que perdera seu acompanhante; ao galgar uma elevação, avistou
na estrada três carros sírios com pequenas luzes laterais acesas. Três tiros rápidos
e os três irromperam em chamas, que arderam por toda noite. 75(grifos do autor)

Naquele momento, ele tinha duas alternativas: abandonar o combate, por


insuficiência de meios (além de estar combatendo numa proporção de 50 para 1,
seu rádio quebrou) ou reestruturar as forças que tinha e manter-se em combate,

75
HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977. p. 121. Para se aprofundar nesse
combate, onde o Ten Zwicka combateu durante 20 horas ininterruptas, consultar p. 111 – 136, incluindo fotos.
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abatendo os carros sírios por partes, aproveitando-se da deficiência síria em


combater de forma integrada. Optou pela segunda linha de ação e obteve êxito.
Criatividade, adestramento - três tiros, três carros destruídos - arrojo, tirocínio e
flexibilidade foram os fatores preponderantes e não o fato de ele estar em
desvantagem material.
Um outro exemplo que confirma a assertiva sobre os militares israelenses,
também ocorrido na Guerra do Yom Kippur, foi o protagonizado pelo TC Avigdor,
comandante da 7ª Brigada israelense, quando travou um dos mais sangrentos
combates daquele conflito.
Numa 2ª feira, a sua brigada enfrentara um poderoso ataque da 3ª Divisão
Blindada e da 7ª Divisão de Infantaria, ambas sírias, além de elementos da Guarda
Republicana do Egito. Ao final daquele dia, suas tropas estavam esgotadas. Havia
três dias que combatiam sem parar. Não havia tempo para comer, para dormir ou
qualquer outra atividade que não fosse lutar. Ele sabia que, mais cedo ou mais
tarde, sua linha de defesa iria cair. Além da superioridade em carros, os sírios e os
egípcios possuíam equipamentos de visão noturna e os israelenses não. Isso
implicava em combates continuados.
Na manhã de 3ª feira, verificou que sua tropa estava em situação
desesperadora. Naquele momento, seu carro foi atingido e ele ferido. Abandonou o
carro e subiu em um outro. Era o segundo carro que perdera naqueles dias. Pouco
tempo depois recebeu um chamado da Força Tigre, solicitando autorização para
retrair e remuniciar, pois se encontravam quase sem munição. Não havia tempo para
isso. Avigdor não autorizou (quando, mais tarde os reforços chegaram, encontram,
incrédulos, os homens da Força Tigre combatendo atrás dos carros, com fuzis e
granadas de mão). Disse que só poderia retrair quando cada carro tivesse somente
um tiro.
Após uma análise rápida, decidiu que a única saída seria um contra-ataque
de desorganização, a fim de atrasar as forças sírias e egípcias. A confusão era
tamanha que a distância entre os carros contendores estava entre 50 a 27 metros!76
A capacidade mental e física das guarnições israelenses era mínima. Apoio ao
combate e logístico não existiam mais. Chegavam a quatro noites de luta,

76
Para saber mais sobre essa batalha ler HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Rio de Janeiro: Bibliex,
1977. p.148 – 161.
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ininterruptas. O cansaço era tamanho que quando Avigdor falava com o seu oficial
de operações, este adormeceu no rádio.
Foi neste momento que o TC Yossi, comandando o que restara da Brigada
Barak (onze carros), penetrou na defesa de Avigdor e proporcionou-lhe algum
reforço. A 7ª Brigada encontrava-se com apenas sete carros dos cem iniciais.
Observadores israelenses verificaram que os sírios estavam recuando e
detendo o ataque. As perdas estavam sendo inaceitáveis para eles. O que sobrou da
7ª Brigada mais as tropas da Brigada Barak, indo contra qualquer lógica,
deflagraram um pequeno contra-ataque contra as forças sírias que se retiravam.
Destruíram ainda, carros e transportes inimigos. Ao atingir um fosso anticarro,
pararam o contra-ataque. A 7ª Brigada atingira o limite das possibilidades física e
mental dos seus homens e mecânicas dos carros.
O que levou a 7ª Brigada a conseguir realizar empreitada tão magnífica?
Determinação do seu comandante, liderança em todos os escalões, adestramento
de altíssimo nível, profundo conhecimento das possibilidades do equipamento, são
algumas razões. Sabedores que o inimigo possuía um equipamento melhor, trataram
de usar o limite máximo dos que possuíam. Tabelas de tiro foram preparadas,
roteiros de tiro minuciosamente confeccionados, fossos anticarros escavados,
criteriosa utilização do terreno, ocupando elevações que lhes possibilitava
comandamento sobre o oponente. A isso tudo, chamamos de adestramento bem
feito e forte liderança e criatividade dos oficiais.
As narrativas acima mostram a importância de um exército possuir oficiais
bem formados. As iniciativas do Tenente Zwicka e do TC Avigdor não foram acaso
ou exceção. Outros relatos confirmam que os atos protagonizados por estes
militares eram a regra das Forças de Defesa de Israel (FDI). Apesar de que só a
vitória interessava aos israelenses, já que a derrota significava o fim do Estado de
Israel, o resultado positivo para Israel foi fruto de formação militar bem feita e sob
duras condições de execução.
Verifica-se, desta forma, que a formação dos quadros deve ser preocupação
constante dos comandantes de um exército. O espectro que abrange a manutenção
de elevados padrões no seu seio vão desde justiça na distribuição de recompensas,
passando por elevado grau de exigências intelectuais, físicas e morais, desaguando
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em treinamentos duros77, exigentes e próximos do real. Além de um oficial ou


sargento disciplinado, o que os exércitos necessitam são de homens com
capacidade de liderança, flexibilidade e arrojo.

Adestramento da Tropa
“Se muito perdemos, muito ainda temos;
Se não dispomos da força que outrora
Movia céu e terra, o que somos, somos:
Um grupo coeso, corações heróicos,
Fracos no tempo e na vida, mas prontos:
Lutar, buscar, chegar, jamais ceder.”

Trecho do poema Ulisses, de Alfred Lord Tennyson

O adestramento ou o ato de tornar as tropas hábeis, capazes e habilitadas ao


desempenho de suas funções na guerra é extremamente importante no tempo de
paz. Sem isso, um exército é descaracterizado. Será por intermédio de um
adestramento bem planejado, coordenado e executado de acordo com as
necessidades de segurança de um país, que as chances de êxito aumentarão no
caso de conflito.
O primeiro aspecto que deve ser visto ao se tratar desse assunto diz respeito aos
objetivos traçados para o adestramento da tropa. As possibilidades atuais de conflito são
enormes, bem como suas variantes, como pode-se ver abaixo:
Convencional # ser declarada, em princípio
(1º Guerra Mundial) # ser externa e entre Estados
# ser reconhecida à luz do Direito
Guerra Regular
Nuclear Internacional
(última fase da 2ª Guerra Mundial) # utiliza, em princípio, a plena ação
das forças armadas
Insurrecional # luta violenta pela tomada do
(lutas de independência na África) poder
# desenvolve-se, quase sempre,
Guerra Irregular dentro dos limites espaciais do
Revolucionária
Estado
( tomada de Cuba por Fidel Castro)
# pode ser, basicamente, uma
agressão indireta.
Quadro nº 13
Classificação Genérica dos Conflitos78

77
Importante ressaltar que tratamento duro não significa humilhação e a quebra da auto-estima do militar. Isto
seria covardia em relação ao subordinado, além de formar militares desvirtuados.
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Protocol 2003RJ 7820

Um exército, salvo poucas exceções, não tem condições de se adestrar para


todos os tipos, variantes e possibilidades de conflitos existentes. A gama de
modalidades não permite: conflitos de alta , média e baixa intensidade, guerrilha,
narcotráfico, atividades do tipo polícia, terrorismo, combate em localidade, combate
em terreno montanhoso, deserto, sob frio intenso, em largas ou pequenas frentes,
selva etc.
Este quadro obriga os exércitos a selecionarem suas prioridades de emprego
e, conseqüentemente, suas prioridades de adestramento. Aqueles que têm a
possibilidade de serem empregados em diversos pontos do planeta e sob diversas
condições têm pela frente uma tarefa das mais complexas, obrigando os
responsáveis pela segurança de um país a executarem adestramentos diferentes
dentro de um mesmo exército. Tal fato ocasiona a necessidade de possuírem
quadros extremamente versáteis, capazes de adequarem-se em curto espaço de
tempo, para missões de contingência.
Um erro na interpretação do tipo de adestramento adequado para um exército
pode ser fatal em tempo de guerra. Se um exército for adestrado para combater
contra o narcotráfico, como é o caso do exército da Colômbia atual, ele poderá não
lograr êxito tão facilmente se for colocado em uma situação de guerra regular
convencional. Além de o seu material não estar adaptado para esse tipo de conflito,
seus homens aprenderam a “pensar” o combate de forma diferente. No combate ao
narcotráfico o inimigo é ardiloso ao extremo, os imperativos logísticos são menos
significativos, o nível de comando é menor, privilegiando as pequenas frações, a
conduta de guerra diferente, os objetivos do combate são limitados, a presença da
mídia e da política são maiores, enfim, o desenvolvimento do combate e a sua
condução se apresentam totalmente diferentes de um ambiente convencional.
Isso quer dizer que o ponto fundamental do adestramento deve ser dirigido
para responder a ameaça mais imediata e lógica. Evidentemente, isso se torna cada
vez mais difícil nos dias de hoje.
O Brasil sofreu esse dilema. Até bem pouco tempo, nas décadas de 70 e 80,
nossas forças armadas tinham uma orientação de adestramento voltada para um
possível conflito no sul do país. As tropas blindadas e mecanizadas se adestravam

78
MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. Evolução da Arte da Guerra e do Pensamento Militar no Século XX.
Coletânea do C Prep EsCEME. Rio de Janeiro: A Escola, 1997. Organização do autor.
86 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

para combater em largas frentes, em combates convencionais e de curta ou média


duração. Viveu-se nesse entremeio, períodos em que as tropas foram orientadas
para um adestramento de guerra irregular, tendo em vista a atuação de elementos
de guerrilha no País. A ênfase era voltada para as ações de pequenos grupos,
infiltrações, patrulhas de combate, técnicas de interrogatório, ações isoladas,
incursões com helicópteros, instruções de fuga e evasão e forte liderança nos
pequenos escalões.
Com o fim da guerrilha, dos governos militares na América do Sul e do
período áureo dos Movimentos Comunistas, houve a necessidade de redirecionar os
objetivos de adestramento. Por um tempo, ainda foi mantida a orientação de
adestramento convencional para a hipótese de conflito mais provável (sul do país).
Contudo, com o advento do Mercado Comum do Sul (Mercosul), da globalização e
do aumento da interferência de outros países na soberania alheia, principalmente
por parte dos EUA, apareceu uma outra hipótese de conflito mais lógica: a
Amazônia. Com a possibilidade cada vez maior de transformação da Amazônia
numa área internacional, houve a necessidade de o país redirecionar seus objetivos
de segurança e, como conseqüência, o adestramento. Hoje, uma parte considerável
do Exército Brasileiro mantém-se adestrada para um eventual conflito na região
amazônica.
Tal é a preocupação do governo brasileiro com a defesa da região norte do
País, que para lá foram carreados diversos meios militares, além de tomadas
diversas providências no sentido de manter aquela região sob cuidadosa vigilância.
Hoje existem cerca de 40.000 homens desdobrados na região. Os
equipamentos do SIVAM/SIPAM79 estão sendo instalados e em breve operarão na
sua máxima capacidade. As Forças Armadas brasileiras desenvolvem doutrinas
militares compatíveis com aquele possível teatro de operações.
Para que se possa aquilatar a dificuldade em se estabelecer doutrinas para os
exércitos no mundo de hoje, basta se verificar a profusão de brigadas que o Exército
Brasileiro se viu obrigado a adotar em função do cenário difuso no que tange ao seu
emprego. Há alguns anos, o Exército se limitava às divisões de Cavalaria e de
Infantaria para se organizar para o combate. Depois, vieram as brigadas de

79
Sistema de Vigilância da Amazônia. Projeto desenvolvido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, juntamente com O Comando da Aeronáutica e Ministério da Justiça. Tem por objetivo
zelar pela Amazônia Legal.
87 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Cavalaria Mecanizada, Blindada, de Infantaria Motorizada,. Blindada, Pára-quedista,


Leve, Selva e outras. No início deste século, o Exército já criou novos tipos de
brigadas, como a de Operações Especiais (combate ao terrorismo entre outras
missões) e planeja a criação das brigadas de Força de Paz e de Garantia da Lei e
da Ordem.
Esse quadro complexo de organização para o combate, com múltiplas
missões, cada vez mais especializadas, obriga a manutenção de quadros
adequadamente preparados, de meios específicos para cada tipo de organização,
de homens conhecedores profundos dos seus misteres e de um gerenciamento
muito sério por parte dos órgãos de direção no sentido de manter essas grandes
unidades realmente aptas para o emprego em tempo muito curto. O adestramento
contínuo será a única ferramenta capaz de manter esta pletora de meios
diversificados em condições de emprego. A sua falta poderá torna-las ineficientes e
fonte de frustração para aqueles que depositam confiança na sua capacidade de
responder às operações de contingência.
Esse não é um problema atual. Muito antes da década de 70 do século XX,
durante a Guerra do Paraguai, o Exército Brasileiro sentiu o problema da falta de
adestramento80. Vivia-se o tempo em que os oficiais ditos “bacharéis” eram a regra.
Poucos conheciam da Arte Militar. E os mais antigos e experientes haviam
direcionado suas carreiras para a política. A guerra surpreendeu, de certa forma, a
todos. Inúmeros oficiais, principalmente os mais jovens, ao entrarem na guerra,
rebelaram-se contra essa defasagem no adestramento. Neste sentido, destacaram-
se Dionísio Cerqueira, André Rebouças (crítico severo de Osório), Senna Madureira
(oficial engenheiro de currículo altamente qualificado, que devido a quantidade de
punições por criticar seus superiores e o amadorismo reinante, pediu baixa do
Exército – prontamente recusada por Caxias) entre outros.
O fato é que há necessidade de os exércitos estarem adestrados para
responderem de imediato à hipótese de conflito mais provável, além de não poderem
ficar sem objetivos de adestramentos perfeitamente delimitados pela doutrina
vigente e pelas diretrizes do alto-comando. Isso poderia colocar um exército sob as
rédeas do achismo e do preciosismo pessoal.

80
Caxias teve importante papel, mais uma vez, no sentido de preparar a tropa, organizando-a em equipamento,
adestramento-a e proporcionando os apoios necessários. Sua capacidade de planejamento foi fundamental para
os êxitos obtidos nas campanhas lideradas por ele.
88 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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A necessidade de correção de rumos de adestramento constante traz alguns


reflexos negativos para a tropa. Um deles é a dificuldade de os mais velhos
reformularem pensamentos e atitudes. Como exemplo, pode-se analisar o papel da
mídia na guerra. Há alguns anos esse fator era pouco importante. Isso por várias
razões, principalmente pela dificuldade tecnológica em se levar os fatos do campo
de batalha para os lares da população dos países envolvidos no conflito.
Atualmente, com satélites, câmaras que filmam no escuro e jornalistas cada
vez mais presentes nos cenários de guerra, a mídia cresceu de importância. O
Vietnã, a Guerra do Golfo e o conflito no Kosovo são bons exemplos disso. O papel
da mídia foi fundamental para que tais conflitos mudassem seus rumos em função
da pressão popular de repúdio ao tomar contato mais direto com as mazelas da
guerra.
Os fundamentos, técnicas e táticas de ontem podem não ser importantes
hoje. Às vezes, o conhecimento de uma determinada técnica, como “estouro de
aparelho”, outrora importantíssima num ambiente de guerrilha urbana, passa a ser
secundário numa hipótese de conflito de combate convencional. Aí começam os
problemas entre gerações.
Aquele militar que foi educado e que treinou exaustivamente uma
determinada técnica, acaba querendo que ela permaneça, de qualquer jeito, sendo
aplicada. Os mais novos, por sua vez, tendem a querer implementar as novas e
necessárias técnicas, pois já foram doutrinados dentro delas. Nesse momento
acontecem os problemas de transição. Duram pouco, é verdade, mas atrasam
sobremaneira a implantação dos novos objetivos de adestramento. Peguemos um
exemplo do Brasil durante a Guerra do Paraguai, quando André Rebouças evidencia
o desequilíbrio entre “jovens e velhos” ou entre “oficiais instruídos” e “tarimbeiros”81:
82

“O espírito acentuadamente crítico e agressivo com que Rebouças redige o


Diário parece aguçar-se nos últimos tempos da Campanha. O seu inconformismo
traduz-se em críticas violentas contra os superiores, em freqüentes atritos com seus
chefes e em referências impiedosas às deficiências de orientação tática e à

81
Oficiais que não cursaram a Escola Militar.
82
Maria Odília Silva Dias, apud IZECKSOHN, Vitor. O Cerne da Discórdia. A Guerra do Paraguai e o núcleo
profissional do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1997. p. 164.
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morosidade da guerra. Descontando-se o arroubo de seu temperamento e levando-


se em conta circunstâncias peculiares que revelam um estado psicológico de revolta
latente, resta, sem dúvida, muito de procedente em suas observações sobre a
desorganização do Exército e da vida militar, nos primeiros tempos de guerra, e a
improvisação com que a enfrentaram os chefes militares”.83

Quando Heinz Guderian iniciava seus estudos e experimentações na


utilização de carros de combate no campo de batalha, em 1929, a resistência dos
oficiais mais antigos foi enorme. As palavras de despedida do General Otto von
Stulpnagel, Inspetor de Cavalaria de então, após inspecionar as novas tropas de
Guderian, retratam bem este ceticismo: “O senhor é muito impetuoso. Acredite-me,
nenhum de nós verá carros de combate alemães em operação durante nossa
vida”.84
Um dos muitos benefícios que um adestramento bem realizado proporciona é
o aumento do espírito de corpo entre os integrantes de uma unidade. Ninguém pode
esquivar-se em aceitar que determinadas forças no mundo são merecedoras da
nossa admiração não só pelos seus feitos passados, mas pela excelência do seu
adestramento. Assim é com os Marines, com os Boinas Verdes, com os Rangers e
com a 82ª e 101ª Divisão Aeroterrestre (EUA), com a Legião Estrangeira (França),
com os SAS85 e SBS86 (Inglaterra), com os Spetnaz (Rússia) e com as FDI, dentre
muitos outros. São assim consideradas em razão do seu profissionalismo e do
adestramento que seus homens possuem, proporcionando confiança dos seus
chefes e reconhecimento da sua capacidade profissional dentro e fora dos seus
exércitos.
No Brasil não é diferente: reconhece-se e admira-se tropas como as do 1º
Batalhão de Forças Especiais e de Ações de Comandos, da Companhia de
Precursores Pára-quedistas e das tropas de Selva, dentre outras. O fulcro dessa
admiração, sem dúvida alguma, vem da qualidade do seu adestramento, gerando
respeito, confiança e orgulho profissional.

83
idem, p. 164.
84
GUDERIAN, Heinz. Panzer Líder. Rio de Janeiro: Bibliex,1966. p. 13. Para saber mais sobre a criação da
força blindada alemã consultar op. cit. p. 4 – 39.
85
Special Air Service.
86
Special Boat Service.
90 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Adestramento dos Quadros

Um aspecto que merece ser analisado mais detidamente diz respeito ao


adestramento dos quadros. É comum nos exércitos com períodos prolongados de
paz, dar ênfase ao adestramento do soldado. Normalmente, o período de
adestramento dos recrutas é caracterizado por intenso trabalho e uma profusão
quase caótica de instruções, gritos de guerra e competições de instrução salutares
entre as frações. Diferentemente, aquele período referente às instruções de quadros
é caracterizado por uma relativa calma e dedicação às lides administrativas. Muitos
justificam essa tendência afirmando que a instrução de quadros é cara e que esses
já estão suficientemente adestrados.
Isso é erro grave. A formação do soldado é relativamente simples se
comparada com à dos quadros. O soldado é adestrado em táticas individuais e
conhecimentos limitados às suas missões, normalmente simples. Tiro,
maneabilidade individual e coletiva, preparo físico básico, topografia, orientação em
campanha e outras disciplinas requerem pouco tempo para sua absorção. A
experiência mostra que em três ou quatro meses se forma um bom soldado, desde
que tenha bons instrutores e seja submetido a um regime intenso de trabalho. Em
caso de conflito iminente, esse período cai consideravelmente. Na Primeira Guerra
Mundial, levava-se dez semanas entre a convocação e o batismo de fogo de um
soldado inglês.
Todavia, a formação de um oficial ou sargento é contínua no tempo. Não se
resume apenas ao seu período de formação. Além disto, devido às peculiaridades e
detalhes das tarefas a serem desempenhadas em combate pelos quadros, é
necessário um profícuo trabalho de execução constante e de aperfeiçoamento das
técnicas aprendidas.
Somente uma instrução muito bem planejada, orientada por pessoal
competente e executada com seriedade pode proporcionar aos quadros a qualidade
que se pretende neles. Oportunidades não faltam para que isso seja feito. Exercícios
na carta, adestramento com armamentos de dotação, discussões dirigidas sobre
condutas, exercícios em postos de observação, análise de operações já realizadas,
estudo da História Militar, revisões doutrinárias, instruções com rádios,
equipamentos e procedimentos de combate, exercícios no terreno com figuração,
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Protocol 2003RJ 7820

são apenas alguns exemplos das múltiplas possibilidades de adestramento dos


quadros.
O maior problema está em se achar que os quadros foram bem formados nas
escolas e não carecem de instruções mais apuradas na tropa. É um engano. Os
quadros precisam e querem aprender mais. Antes de tudo, é um dever dos
comandos enquadrantes proporcionar-lhes uma instrução de alto nível durante toda
a sua vida militar.
Se realmente um exército quer ser conhecido pelo seu profissionalismo, há a
necessidade de um compromisso por parte dos comandantes desse exército de que
a instrução em tempo de paz deve ser a prioridade um. Tudo, tudo mesmo, o que
estiver fora disso é acessório. Aí se incluem festas inoportunas, competições
desportivas em época imprópria e com importância acima do que merecem,
representações no horário da instrução etc.
Essa falta de comprometimento dos escalões mais altos pode minar
iniciativas na área de instrução dos escalões mais baixos. Não pode haver, no seio
de um exército sério, dúvidas de que tanto para o general de mais alta antigüidade
ao soldado mais moderno, a instrução e o adestramento – e tudo o que se relaciona
com esses dois aspectos - é a prioridade do exército a que pertencem.
É preciso que todos, sem exceção, aceitem as inovações, os
aperfeiçoamentos e as mudanças no sistema de instrução que visem a elevar o
aumento da operacionalidade de um exército. Qualquer preconceito contra
modificações, típico de um exército de paz acomodado, deve ser combatido com
argumentos, com instruções e com exercícios que comprovem a eficácia das novas
metodologias.
Ao se analisar, muito superficialmente, as causa da derrota do Exército
italiano na 2ª Guerra Mundial, verifica-se, sem muito esforço, que faltaram
equipamentos mais modernos e liderança. Mas, a principal causa do fracasso foi a
falta de adestramento sério e interesse dos mais altos chefes e estadistas no que se
referia à segurança daquele país.
Por força de costumes e também por comodismo, os quadros acabam
tornando-se apenas instrutores do soldado. Normalmente são bons nessa área.
Ensinam muito bem as tarefas nos níveis mais baixos. Contudo, acabam carecendo
de conhecimentos e experiências vivas no desempenho de suas funções.
92 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Será por intermédio de exercícios onde os quadros sejam executores e não


somente instrutores, que se poderá aquilatar o nível da unidade e realizar as
correções necessárias, além de se testar efetivamente a doutrina vigente, corrigindo
possíveis erros. Os quadros são a alma da operacionalidade!
Os alemães, antes da 2ª Guerra Mundial, já se preocupavam em manter seus
quadros hábeis. A redução drástica de efetivos e equipamentos preconizada pelo
Tratado de Versailles determinava, entre outras coisas, que o Exército alemão não
poderia possuir mais do que sete divisões de Infantaria e três divisões de Cavalaria.
Não deveria, ainda, ultrapassar os 100.000 homens, sendo que aí estariam incluídos
oficiais e elementos logísticos. Desse efetivo, somente 4.000 homens poderiam ser
oficiais.
A verdadeira intenção do tratado era de proporcionar à Alemanha apenas um
efetivo suficiente para resolver problemas de ordem interna, nunca de ordem
externa, ou seja, conduzir uma guerra em alta escala como fizera em 1914.
Contudo, os aliados não esperavam o aparecimento de uma figura importante
no cenário militar alemão, que iria mudar completamente a concepção de
adestramento de tropas até então vigente na Europa. Seu nome era General Hans
von Seeckt, conhecido na Alemanha como “o homem que preparou a Segunda
Guerra Mundial”.
Ao invés de enveredar pelo caminho da acomodação com o status quo
alemão, o General Seeckt decidiu investir em um sólido núcleo de profissionais -
oficiais e sargentos - nos quais poderia, segundo ele mesmo, “transformá-lo em
fôrma para derramar a massa de recrutas quando isso fosse possível”87. Foi ele
quem selecionou pessoalmente os oficiais e sargentos que iriam auxiliá-lo nesta
empreitada. Como curiosidade, vale a pena destacar que dentre os primeiros
militares a passar pelo crivo de Seeckt estavam os jovens oficiais Erwin Rommel e
Hanz Guderian. Ambos teriam destacado papel no futuro, durante a Segunda Guerra
Mundial.
Para atingir seu objetivo, von Seeckt e sua equipe usaram de forma generosa
a criatividade. Para que se tenha idéia da amplitude dessa criatividade, ao iniciar o
estudo de teoria sobre blindados, Guderian comandou um batalhão com modelos
simulados. Eram armações cobertas com lona e empurradas por homens a pé. As

87
YOUNG, Desmond. Rommel. Rio de Janeiro: Arte Nova: Bibliex, 1975. p. 51.
93 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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viaturas eram simulacros, os canhões anticarro eram de madeira, tudo era


improvisado. Isso se passou em 1929. Em 1939 a Alemanha assombrava a Europa
com sua “Guerra Relâmpago”. Em apenas dez anos, sem equipamento no início,
com soldados mal selecionados e adestrados, mas com quadros minuciosamente
escolhidos e duramente treinados, a Alemanha, sob as rédeas de Von Seeckt,
revolucionou um exército, tornando-o uma potente máquina de guerra.
Seu objetivo primordial era o de adestrar os quadros, fazendo-os entender a
mecânica da guerra, as decisões que deveriam tomar à luz do terreno, as medidas
de coordenação e controle dos seus pelotões e companhias, enfim, a tática do nível
pelotão até o de exército de campanha – como diz Marshall em seu livro “Homens
ou Fogo?”, criar o “soldado-pensante”. Formar soldados era uma questão
secundária, formar quadros capazes e com experiência era fundamental. Essa lição
ficou arraigada no seio dos oficiais alemães até os nossos dias. Basta verificar o
prestígio que eles possuem nos exércitos ocidentais, como oficiais íntegros,
disciplinados, dedicados e arrojados. Certamente há uma semente plantada por von
Seeckt nesta tradição alemã.
A lição do Exército alemão, que sempre teve o apanágio de possuir
excelentes quadros em seu exército – incluindo o lendário Estado-Maior Alemão –
ensina que a melhor forma de proporcionar satisfação aos homens em combate e
possibilidade real de vitória, é ministrando uma instrução de primeiro nível na paz.
Essa atitude foi capaz, inclusive, de minimizar os problemas da perda de auto-estima
e prestígio, baixos salários e frustração profissional que grassavam nas Forças
Armadas alemãs após a 1ª Guerra Mundial.
É importante que o adestramento seja feito levando-se em conta o máximo de
realismo possível dentro daquilo que se pode esperar numa guerra. Deve, ainda, ser
avaliado em itens mensuráveis e determinar que se atinja padrões específicos. Ou
seja, o comandante de pelotão deve ser capaz de receber uma missão, aprestar o
seu pelotão, realizar o estudo de situação, planejar, transmitir seu planejamento à
luz do terreno e cumprir a sua missão. Dentro desse prisma, ele deverá atingir
inúmeros padrões específicos: Soube interpretar a sua missão? Planejou dentro da
sua esfera de atribuições? Estabeleceu medidas de coordenação e controle para os
seus homens? Foi capaz de emitir sua ordem de forma verbal, simples e concisa?
Durante o exercício, ele procurou cumprir o que planejou? Ao deparar-se com
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situações inesperadas, colocadas pela coordenação do exercício, ele foi capaz de


contorná-las? Seguiu a intenção do seu comandante imediato?
É preciso que todos os aspectos sejam levados em consideração. A sua
88
VBC estava com a escotilha fechada, dificultando a sua visão – como será em
combate - ou ele foi com ela aberta? Seu carro de combate estava com toda a
munição prevista, diminuindo o espaço no interior do carro? Foram lançados
fumígenos no terreno que ele operou, para confundir sua orientação, como
provavelmente acontecerá numa situação real?
Quando o piloto americano, Capitão Scott O’Grady, foi abatido com sua
aeronave F-16 Falcon, às 15:03h de 2 de junho de 1995, sob os céus do noroeste da
Bósnia, o jornalista Chistopher Bellamy, escreveu um artigo interessante sobre o
fato. O’Grady pertencia ao 555º Esquadrão de Caças dos EUA e cumpria missões
de patrulhamento nos céus da Bósnia (Operation Deny Flight ) autorizadas pelo
United Nations Security Council Resolution number 816. No momento em que um
míssil SA-6 atingiu seu avião, ele ejetou e caiu em território bósnio. Sobreviveu cerca
de 6 dias sem ser capturado pelas forças bósnias, sendo resgatado por uma equipe
de fuzileiros navais americanos. Foi recebido como herói.
Vista assim, essa estória prova a capacidade e adestramento do militar. Mas,
segundo Bellamy, as coisas foram um pouco diferentes.

“(...) Mas ele escapou mais por sorte do que por raciocínio, segundo
funcionários da OTAN89 na Itália. Em vez de “fazer tudo certo” durante os seis dias
que passou em território inimigo, O’Grady fez tudo errado. Militares da OTAN
disseram que foi um milagre os sérvios e os bósnios não o terem prendido. Se ele
tivesse seguido as instruções, teria sido salvo dias antes. (...) A série de erros
cometidos por O’Grady começou quando ele decolou, usando apenas uma camiseta
sob seu uniforme de vôo. Ele deveria estar preparado para um frio intenso e talvez
ter que ficar fugindo por dias. Seus colegas confirmaram que os sérvios apontaram o
radar para seu avião F-16 várias vezes antes de derrubá-lo. “Deveria ter fugido
imediatamente”, disse um piloto. Mas ele continuou a voar num círculo previsível a
15 mil pés, até que um míssil sérvio derrubou seu avião. Ao aterrissar, ele deveria
ter contatado a chefia de vôos com um pequeno rádio de sobrevivência, mas não

88
Viatura Blindada de Combate. Nome técnico como são chamados os carros de combate sobre lagarta.
89
Organização do Tratado do Atlântico Norte.
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sabia operar o rádio. Também havia um sistema de posicionamento global capaz de


informá-lo sobre sua posição, mas teve problemas para usá-lo. Demorou dias até
descobrir como utilizar o auxílio-resgate. Também não deveria ter se afastado tanto
do lugar onde caiu.(...) Mas ele não entendeu corretamente e caminhou mais 24 km
em território inimigo, para tentar chegar ao ponto de referência. Quando a equipe de
resgate aterrissou, O’Grady correu da mata com uma pistola carregada e com a
trava solta. Um sargento que correu ao seu encontro foi obrigado a tirar a pistola das
mãos dele antes de permitir que subisse no helicóptero. Um dos pilotos disse:
“Estamos felizes que tenha sido salvo, mas isso dá uma boa idéia sobre seu
treinamento.”90 (grifo do autor)

São pequenos detalhes no adestramento que diferenciam um verdadeiro


treinamento de uma demonstração ou pseudotreinamento, que só serve para
registrar que houve o adestramento da unidade e causar problemas como aqueles
ocorridos com o Cap O’Grady. É importante que se lembre: o combustível, a
munição e o dinheiro são sempre parcos em tempo de paz. Deve, por isso, ser
utilizado da melhor forma possível, visando o adestramento sério e competente.
O Exército Americano já utiliza um tipo de treinamento inovador nesse campo.
Trata-se do famoso Centro Nacional de Instrução (CNI), localizado em Fort Irwin, na
Califórnia, onde há a sinergia da tecnologia com exercícios bastante realísticos. Lá,
são utilizados o sistema MILES91 , figuração inimiga experiente - montada de acordo
com a doutrina do exército opositor - controladores e avaliadores.
O Exército Brasileiro criou recentemente o Centro de Avaliação de
Adestramento do Exército (CAAEx), no Rio de Janeiro. Bastante parecido com o seu
congênere americano, vem realizando diversas avaliações em tropas do Exército
Brasileiro em condições mais próximas da real do que em outros treinamentos,
inclusive fazendo uso do MILES. Isso tem possibilitado ao Exército conhecer suas
deficiências e corrigi-las de forma mais científica. Os seus frutos serão cada vez
maiores e certamente sentidos nos corpos de tropa por intermédio de

90
BELLAMY, Chistopher. Piloto dos EUA foi salvo apesar de seus erros. Trad de Lise Aron. Folha de São
Paulo, São Paulo, jun. 1995. p. 8.
91
Simulador Integrado Múltiplo a Laser. Esse sistema, colocado em cada homem e viatura, permite saber
quando um alvo foi atingido e por quem. Além disso, controla o número de tiros dados e quem acertou cada
alvo. Possibilita, inclusive, a descoberta de fratricídio durante os treinamentos.
96 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

recomendações, lições aprendidas e diretrizes dos escalões superiores,


aperfeiçoando técnicas e táticas.
Durante um exercício na AMAN, em 1995, tive a oportunidade de verificar o
quanto é importante um treinamento o mais próximo do real. Estávamos realizando
um exercício no terreno com cadetes do 4º ano em que eles seriam avaliados,
durante um reconhecimento de eixo92, na sua conduta frente a um ataque aéreo. Em
outras oportunidades, nós simulávamos os ataques aéreos por intermédio de apitos
ou outros meios. Entretanto, naquela oportunidade, conseguimos o apoio do 1º
Grupo de Aviação de Caça, que iria realizar a tarefa de reconhecimento armado93 e
realizar algumas surtidas sobre a nossa tropa, de valor esquadrão.
Durante a leitura do relatório94 após o exercício, verificou-se o seguinte: 1)
Não foi conseguido contato rádio com os aviões no PI; 2) a utilização de cortina de
fumaça por parte dos carros de combate, durante um ataque aéreo não se mostrou
recomendada. Os pilotos das aeronaves F-5 Tiger relataram que no início tiveram
bastante dificuldade em localizar nossas tropas. Mas, quando o primeiro carro
lançou os fumígenos de proteção (conforme é previsto), eles tiveram sua tarefa
simplificada. Mesmo que os blindados não ficassem à vista, o simples emprego de
bombas sobre a fumaça certamente traria baixas à tropa, tendo em vista o seu
grande efeito de sopro95 e demolição.
Segundo os pilotos, a atitude mais correta para dificultar o trabalho deles,
nesse caso, era a procura imediata de matas densas e bosques para proteção e o
abandono imediato das estradas não pavimentadas. O contraste entre o verde dos
carros e o vermelho das estradas facilita a sua localização. Caso o terreno não
oferecesse as facilidades de cobertas próximas, a melhor maneira para dificultar o
trabalho da força aérea inimiga é dispersar a unidade ao máximo e abandonar as
viaturas. Isso, segundo os pilotos, minimiza as baixas no caso de um ataque
surpresa onde não se disponha de meios antiaéreos imediatos e eficazes.
A maior lição desse exercício foi a de que treinar imaginando é bem diferente
de treinar fazendo. A velocidade dos aviões, o ruído produzido e a conseqüente

92
Operação militar que visa colher dados sobre uma determinada estrada e suas adjacências para subsidiar
comandos superiores no planejamento de outras operações de maior envergadura.
93
Missão típica da Força Aérea que consiste em sobrevoou ao longo de um eixo (estrada, por exemplo) com a
finalidade de destruir alvos inimigos compensadores.
94
Relatório Final Operação AMAN, do 1º Grupo de Aviação de Caça, 31 Mar 95-19 Mai 95.
95
Deslocamento de grandes massas de ar de maneira repentina e violenta, em todas as direções. Este efeito
provoca danos ao corpo humano mais ou menos graves em função da distância de arrebentamento da munição.
97 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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confusão gerada na formação foi grande. Verificou-se o quão difícil é para uma tropa
responder a um ataque deste tipo. Aprendeu-se, ainda, que nem sempre o uso de
fumígenos para mascarar uma tropa é a melhor solução. Ele pode proporcionar um
resultado inverso, ou seja, denunciar TODAS as nossas viaturas para a aviação.
O mesmo deve ocorrer com o pessoal de apoio no que tange ao
adestramento. Eles merecem um treinamento rigoroso e dentro das condições que
encontrarão em combate. As equipes de manutenção devem ser adestradas a
reparar danos sob condições de pouquíssima visibilidade, pois em combate não
poderão acender holofotes sob o risco de chamar para si o fogo inimigo. O trabalho
de ressuprimento deve ser feito com disciplina de ruídos e luzes, os comboios
devem ser treinados para transitarem com limitada velocidade e visibilidade, mesmo
que isso implique em que o café da manhã só chegue na frente de combate na hora
do almoço. Provavelmente será assim mesmo no combate.
Durante a Guerra das Malvinas/Falklands, em 1982, verificou-se o quanto é
importante adestrar tropas para combater em situações de contingência. Os
Argentinos ficaram vivamente impressionados com a capacidade dos ingleses em
executar movimentos a pé, em terrenos rochosos, com lama profunda, totalmente
equipados, combater e vencer.
O deslocamento de 80 km através de pântanos, sob nevascas e temperaturas
inclementes, realizado pelas tropas inglesas na parte setentrional das Falklands
Orientais demonstra a importância de um bom adestramento. Mesmo levando-se em
conta que os ingleses possuíam equipamentos individuais modernos para
protegerem-se do frio, esta façanha só foi alcançada com treinamento anterior duro
e sob condições próximas da realidade. Aqueles que já realizaram marchas longas
sabem que mesmo com o melhor equipamento, o que concorre para que a tropa
atinja seu objetivo em condições de combate é o treinamento. O equipamento ajuda,
mas não resolve o problema. Como afirmou Gary L. Guertenr, em seu artigo “A
Guerra dos 74 Dias: Nova Tecnologia e Velhas Táticas”:

“A coragem e o profissionalismo demonstrados pelos britânicos não foram


acidentais. Seu treinamento salienta orgulho, disciplina e responsabilidade para com
os companheiros desde o início, e dá ênfase às operações em qualquer tempo e
condições. Não se vence batalhas com aeronaves no solo, navios ancorados e
98 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

soldados nos quartéis durante longos períodos de seus ciclos de instrução.”96 (grifo
do autor)

Ou seja, a imensa quantidade de equipamentos modernos à disposição dos


ingleses, tais como helicópteros Chinook, Sea King, aviões Sea Harrier, morteiros
médios, carros de combate leves Scorpion, Scimitar e mísseis Rapier não
substituíram o fulcro de uma tropa: o adestramento individual e coletivo sério, sob
condições próximas da realidade e conduzidos diuturnamente.
A importância do adestramento na paz pode ser verificada e patenteada no
“Informe Oficial do Ejército Argentino – Conflicto Malvinas – Tomo I – Desarrollo de
Los Acontecimientos”, de 1983. Este relatório, bastante elucidativo e pormenorizado,
confeccionado pelo Exército Argentino, presta-se a importantes conclusões sobre
diversos aspectos que envolvem uma guerra, mesmo de pequena magnitude como
foi a das Malvinas/Falklands.

“a. El combatiente individual


En este aspecto, deben tenerse en cuenta los factores siguientes:
1) Los soldados argentinos carecían de la capacitación y el equipo necesario
para combatir en el ambiente geográfico de las ISLAS MALVINAS...
...la oportunidad en que se los empleó coincidió com el período del año en
que las unidades poseen comparativamente el menor pie de instrucción,
teniendo en cuenta la estructuración del año militar normal.
2)El soldado inglés contó com un prolongado período de adiestramiento
(grifos do autor) en operaciones, en los niveles específicos, conjunto y
combinado (NATO).
Mais adiante, o relatório diz:
“En el 95% de los casos, los ataques se ejecutan durante la noche, ya que el
enemigo dispone de gran cantidad de medios técnicos para visión y detección
nocturnas. Además, es excelente su nivel de instrucción.”97
Ao final, na sua “Reflexión Final”, verificamos:

96
GUERTNER, Gary L. A guerra dos 74 dias: nova tecnologia e velhas táticas. Military Review (edição em
português), EUA: ECEME/EUA, Vol. LXIII, nº 2, 2º Trim. 1983. p. 78.
97
EJÉRCITO ARGENTINO. Conflicto Malvinas. Tomo I – desarrollo de los Acontecimentos. Buenos Aires:
Ejército Argentino, 1983. p. 17 - 18.
99 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

“Según há podido apreciarse, el deselace del conflicto fue natural


consecuencia de factores condicionantes severamente adversos. Ya se han
enumerado, en forma conveniente, las duras condiciones geográficas, la carencia de
los apoyos aéreos y navales necesarios, los exiguos niveles de abastecimeiento, la
falta de movilidad y, en suma, la desigual relación de combate, integralmente
considerado. Todo esto, que en su momento jugó como elemento contrario, se unió
a outro aspecto que, en justicia, debe tenerse en cuenta: la capacidad de los
mandos tácticos ingleses, y el valor y adiestramiento de sus tropas”98 (grifos do
autor).

Os trechos acima são apenas alguns dos muitos possíveis de serem


selecionados. Durante a leitura de tal relatório, são muitas as oportunidades em que
se depreende a importância do adestramento e o arrependimento argentino em não
ter tido cuidado maior com o preparo de suas tropas.
No que se refere ao treinamento de estados-maiores em tempo de paz, a
dificuldade em mantê-los aptos na solução de problemas atinentes aos seus
encargos também existe em muitos exércitos. Além do conhecimento profundo sobre
a doutrina a ser empregada, é necessário que se tenha em mente que o trabalho
será árduo e desgastante.
Sobre essa distância entre o trabalho de Estado-Maior na paz e na guerra, o
Marechal Lima Brayner nos esclarece:

“Foram grandes os ensinamentos que colhi neste particular. A preocupação


principal nas nossas grandes escolas era o brilho teórico das operações, face à face
com o inimigo “azul” ou “vermelho”. O funcionamento dos Serviços, não exigindo
maiores esforços de imaginação, sempre se deixou arquitetar à base de dados
fictícios que nunca exprimiam uma imagem da realidade”.99 (grifos do autor)

Outro aspecto que não pode ser esquecido é a grande pressão, notadamente
psicológica, que os membros de um Estado-Maior sofrem. Se tudo der certo, o

98
idem. p. 177.
99
BRAYNER, Floriano de Lima. A Verdade Sobre a FEB. Memórias de um Chefe de Estado-Maior na
Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 46.
100 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

mérito é da tropa que combateu. Se algo der errado, será culpa do planejamento do
Estado-Maior:

“Todo trabalho construtivo era inteiramente acionado sob a persistência


daquele pequeno grupo, pois qualquer insucesso que pudesse ocorrer seria
colocado sob a responsabilidades dos seus componentes, arrastando a todos nós,
Comandos e Estado-Maior, a um descrédito irremediável no campo profissional.100

Finalmente, é preciso que um comandante, em qualquer nível, saiba escolher


bem os integrantes do EM que irá para a guerra. Estudos diversos, principalmente
americanos, tratam desse assunto. É extremamente perigoso montar-se uma equipe
somente de “luminares” ou de personalidades fortes demais. É preciso inteligência
nessa escolha. Deve-se mesclar oficiais persistentes, com oficiais comedidos.
Homens de temperamento forte, devem ser escolhidos junto com homens de
temperamento equilibrado, pragmáticos e com forte embasamento teórico.
Napoleão, como nos contam muitos historiadores, foi mestre em selecionar
guerreiros para liderar e compor seus EM. Além de líder inconteste, era profundo
conhecedor da alma humana. Sabia que determinados marechais eram brilhantes
atuando isoladamente. Mas se os reunisse, o desastre era certo, frente à fogueira de
vaidades.
Usando, mais uma vez, as palavras de Brayner, e de Castello Branco (E3101
do Estado-Maior da FEB), pode-se ver o quanto é difícil o convívio diário entre
aqueles que sofrem pressões físicas e psicológicas, que devem decidir sob pressão,
que não podem – e não devem – procurar agradar a todos, que recebem ordens de
pessoas diversas, com personalidades distintas e com opiniões, muitas vezes,
conflitantes. O relato abaixo mostra o quanto é difícil esse trabalho e que mesmo
vencendo e demonstrando competência ao final – como foi o caso da FEB – um EM
sofre demasiadamente na guerra. Talvez um adestramento em tempo de paz mais
real e menos fictício possa ajudar a minimiza os problemas que não estão escritos
nos manuais de Estado-Maior:

100
Idem, p. 50.
101
Um Estado-Maior do nível brigada para cima é, via de regra, composto pelos seguintes oficiais: oficial de
pessoal (E1), oficial de inteligência (E2), oficial de operações (E3), oficial de logística (E4) e oficial de
comunicação social (E5).
101 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

“Uma surpresa desagradável estava reservada ao EM da FEB.


Em setembro de 1945, estava ele reunido no Rio, na sua antiga sede da rua
S. Francisco Xavier.
Não tinha aquele humor virginal, digamos assim, da vida que vivíamos antes
de partir para a Itália, quando tudo era ânsia honesta de aprender, de adquirir
envergadura de guerreiro, de desprender o espírito da vida de rotina, para predispor-
se às realidades da guerra.
Agora, o EM da 1ª DIE estava ali, entediado, rememorando um grande acervo
de decepções e mágoas.
Realizou a experiência que todos haviam imaginado, através da dureza da ida
de campanha, do tremendo desgaste físico e moral, com os dias e as noites
angustiadas pela incerteza, sempre admitindo a vizinhança da morte numa curva de
estrada ou num desvão de montanha, afora os conflitos emocionais que
despontavam em cada jornada, resultantes da exaustão e do entrechoque de
personalidades tão heterogêneas.
Uma das mais chocantes conseqüências da guerra e da vida de campanha é,
sem dúvida, com o convívio dia a dia, o desenvolvimento do senso psicológico e o
crescente conhecimento das profundezas da alma humana, com o seu cortejo de
grandezas e pusilanimidades.
Acontece muitas vezes que indivíduos que se acotovelam conosco nas
atividades normais da vida sabem se manter egoisticamente indevassáveis, nas
diversas facetas de sua personalidade, enquanto outros deixam ler, como num livro
aberto, tudo o que se pode esperar de seu caráter e de sua formação moral.
O vendaval da guerra, entretanto, com sua inexorabilidade, sacode o velho
tronco milenar da criatura humana, obrigando-o a liberar as flores que pudicamente
escondia, e as imperfeições que intimidavam ante a luz da ribalta.
A solidariedade humana, o espírito de sacrifício, a suprema renúncia e o
senso de cooperação, a bravura que diviniza, exercida pelo bem comum, a
capacidade de perdoar, enfim, são guirlandas que envolvem em claridade esse
escrínio que é a alma humana. Mas, no outro extremo, há a inveja, a ambição, a
ganância, a preocupação de destruir, de menosprezar, de desfigurar o trabalho
alheio.
102 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

O espírito de competição desonesta, enrodilhado pela intriga e pela ambição


de predomínio, de usurpação daquilo que outros produzem, são os fatores negativos
que não respeitam sequer a ronda da morte.
O caso do EM da 1ª DIE já foi focalizado nos capítulos iniciais deste trabalho
(do livro do Marechal Brayner). A falta de unidade espiritual na sua organização
manteve-se durante toda a Campanha.”102

“...A guerra é um empreendimento muito difícil e brutal. Por isso, vemos os


homens como eles são, e não como desejam ser. Aparecem como numa radiografia.
Os homens, então, mostram sentimentos inigualáveis, inclusive o desprendimento e
o sacrifício da vida.
Mas outros ficam verdadeiramente em trajes menores: abaixam-se,
desfalecem, precipitam-se, ou se tornam inúteis. Ah! Os homens...como eu os
conheço. Quanta qualidade, quanta fraqueza!...”103

Aqui vale dizer: apesar de todos os problemas que permearam a constituição


e o trabalho do EM da FEB, os oficiais brasileiros realizaram um trabalho digno de
nota. Aqueles que já estudaram a História da FEB com espírito crítico, sabem da
avalanche de problemas que caiam diariamente sobre o ombro desses poucos
oficiais, os quais tinham necessidades de resolução sempre urgentes. O General
Mark Clark por diversas vezes elogiou o trabalho do EM da FEB, visto que
acompanhou boa parte das refregas que o EM brasileiro teve de enfrentar.
As palavras de Brayner, além da coragem moral digna de admiração e
encanto, revelam realidades as quais qualquer EM, de qualquer país, está sujeita.
Cabe àqueles que trabalham ou trabalharão em um EM, sabendo desses problemas,
regularem as paixões humanas, as ambições profissionais e pessoais, a
prepotência, enfim, os sentimentos humanos mesquinhos que emperram o ser
humano na consecução de tarefas num nível aceitável. Mesmo assim, a guerra, por
mais que nos controlemos, trará feridas que nem o tempo poderá cicatrizar. Daí a
validade deste depoimento: mesmo vitoriosos, a guerra deixa marcas.

102
BRAYNER, Floriano de Lima. A Verdade Sobre a FEB. Memórias de um Chefe de Estado-Maior na
Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 524-525.
103
MATTOS, Carlos de Meira. Castello Branco e a Revolução. Rio de Janeiro: Bibliex, 1994. p. 188.
103 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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O adestramento é vital para que um exército atinja seus objetivos de guerra.


Um bom adestramento proporciona espírito de corpo forte, disciplina, orgulho, moral
elevado e confiança nos combatentes, além de minimizar baixas e proporcionar
satisfação aos homens.
Ele deve ser realizado nos períodos de paz sempre tendo em mente a
possibilidade de emprego no mais curto prazo possível. Nos dias atuais, não haverá
muito tempo entre “a declaração de guerra e o batismo de fogo”.
O tipo de adestramento de um exército é função direta das hipóteses de
conflito definidas pelos escalões mais altos. Deve também ser flexível a fim de
responder aos imperativos de um mundo cada vez mais dinâmico e sujeito a
mudanças repentinas e drásticas. Para isso, ele deve formar homens com grande
capacidade de raciocínio, flexibilidade e criatividade para resolver problemas. Além
de grandeza moral, necessária para que as decisões tomadas tenham como farol a
missão, e não devaneios pessoais, não é desejável para qualquer exército, que
estes sejam autômatos em combate.
Por fim, deve abranger todos os militares envolvidos: soldados, sargentos e
oficiais. Estes devem ser treinados dentro das suas funções com o máximo de
realismo possível. Qualquer outro caminho é perda de tempo, de dinheiro e
caracteriza o desvirtuamento daquilo que um país espera de suas forças armadas.

Liderança

“Reconhece-se o verdadeiro chefe por este sinal: sua simples presença é, para os homens que ele
dirige, um estímulo para se superarem a serviço da causa comum.
Substitua-se “presença” por “lembrança” e teremos o grande chefe.
Gaston de Courtois

“O comandante militar é o destino da nação.”


Helmuth von Moltke

De todas os aspectos que envolvem a profissão militar, a liderança é o


principal deles. Ela funciona como elementos químicos que transmitem aos diversos
órgãos do corpo humano as ordens emanadas do cérebro. Sem a liderança, os
armamentos, aquartelamentos, soldados e vontades são inúteis. No máximo,
trabalharam de forma a garantir a sobrevivência da instituição.
104 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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É fundamental que o oficial e o sargento de qualquer exército saiba liderar


suas tropas, em qualquer nível, sabendo que irá encontrar mais dificuldades do que
facilidades. Ele deve ser capaz de comandar homens sob condições de grande
pressão, inferioridade de efetivos, linhas de comunicações e suprimentos longas e
vulneráveis, apoio logístico e de fogos restritos, e toda uma sorte de óbices que
certamente serão impostos durante o combate. Para se antepor a esse quadro,
somente uma liderança sólida e inquestionável vai lhe proporcionar ferramentas para
superar as deficiências que certamente irão aparecer.
Antes de continuar, é preciso diferenciar bem um líder de um chefe,
comandante etc. Existem inúmeras definições sobre a diferença entre ambos. De
maneira simplificada, o chefe é colocado na situação de mando, geralmente por
força de lei, regulamento ou instrumento jurídico. Gosto de pensar no líder como
alguém que transcendeu ao chefe. Ele, além de possuir todas as condições legais
necessárias para comandar, possui qualidades que não estão nos livros e que não
se pode ensinar. Só a experiência de vida, o comprometimento com a causa e a
visão de que há algo maior na sua missão pode explicar um líder.
Existem muitas maneiras de se tornar um líder. Cada uma delas têm sua
validade dentro do contexto em que o militar estiver inserido. Variantes culturais,
religiosas, econômicas, políticas, épocas, objetivos dos exércitos, diretrizes dos
comandantes e muitas outras são fatores que irão delinear a maneira como se deve
liderar uma tropa.
Um trecho do livro “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, mostra uma abordagem,
embora primitiva, sobre a liderança entre 500 a.C. e 300 a.C.

Sun Tzu, cujo nome individual era Wu, nasceu no Estado de Ch’i. Sua Arte da
Guerra chamou a atenção do Ho Lu, Rei de Wu. Ho Lu disse-lhe: “Li atentamente
seus 13 capítulos. Posso submeter sua teoria de dirigir soldados a uma pequena
prova?”
Sun Tzu respondeu “Pode”.
O rei perguntou: “A prova pode ser feita em mulheres?”
A resposta tornou a ser afirmativa e então trouxeram 180 senhoras do
palácio. Sun Tzu dividiu-as em duas companhias e colocou duas concubinas
favoritas do rei na direção de cada uma delas. Depois mandou que todas pegassem
105 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

lanças e falou-lhes assim: “Suponho que saibam a diferença entre frente e costas,
mão direita e esquerda?”
As mulheres responderam: “Sim”.
Sun Tzu prosseguiu: “Quando eu disser sentido, têm de olhar diretamente
para frente. Quando eu disser Esquerda volver, têm de virar para a sua mão
esquerda. Quando eu disser Direita volver, precisam virar-se para sua mão direita.
Quando eu disser Meia-volta volver, vocês têm de virar de costas”.
As moças tornaram a concordar. Tendo explicado as palavras de comando,
ele colocou as alabardas e achas-d’armas em forma, para começar a manobra.
Então, ao som dos tambores, deu a ordem “Direita volver”, mas as moças apenas
caíram na risada.
Sun Tzu disse, paciente: “Se as ordens de comando não foram bastante
claras, se não foram totalmente compreendidas, então a culpa é do general”. Assim,
recomeçou a manobra e, desta vez, deu a ordem “Esquerda volver”, ao que as
moças quase arrebentaram de tanto rir.
Então ele disse: “Se ordens de comando não forem claras e precisas, se não
forem inteiramente compreendidas, a culpa é do general. Porém, se as ordens são
claras e os soldados, apesar disso, desobedecem, então a culpa é dos seus oficiais.
Dito isso, ordenou que as comandantes das duas companhias fossem decapitadas.
Ora, o Rei de Wu estava olhando do alto de um pavilhão elevado e quando
viu sua concubina predileta a ponto de ser executada, ficou assustado e mandou
imediatamente a seguinte mensagem: “Estamos neste momento muito contentes
com a capacidade do nosso general de dirigir suas tropas. Se formos privados
dessas duas concubinas, nossa comida e bebida perderão o sabor. É nosso desejo
que elas não sejam decapitadas.”
Sun Tzu retrucou, ainda mais paciente: “Tendo recebido anteriormente de
Vossa Majestade a missão de ser o general de suas forças, há certas ordens de
Vossa Majestade que, em virtude daquela função, não posso aceitar”. Conseqüente
e imediatamente mandou decapitar as duas comandantes, colocando prontamente
em seu lugar as duas seguintes. Isso feito, o tambor tocou mais uma vez para novo
exercício. As moças executaram todas as ordens, virando para a direita ou
esquerda, marchando em frente, fazendo meia-volta, ajoelhando-se ou parando com
precisão e rapidez perfeitas, não se arriscando a emitir um som.
106 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Então, Sun Tzu enviou uma mensagem ao rei, dizendo ““ Os soldados,


senhor, estão agora devidamente disciplinados e treinados, prontos para a inspeção
de Vossa Majestade. Podem ser utilizados como seu soberano o desejar. Mande-os
atravessar fogo e água e agora não desobedecerão. “Mas o rei retrucou:” Que o
general pare o exercício e volte ao acampamento. Quanto a nós, não desejamos
descer e passar os soldados em revista.”
Respondendo, Sun Tzu disse, calmo: “O rei apenas gosta muito de palavras,
e não sabe transformá-las em atos.”104

Depois disso, o Rei de Wu viu que Sun Tzu sabia como comandar um
exército e nomeou-o general.
Evidentemente, este exemplo não é aplicável aos dias de hoje. No entanto, é
ainda atual na medida em que mostra que é possível aplicar a liderança em qualquer
grupo humano. O que deve ser levado em consideração são as ferramentas
utilizadas para se atingir os objetivos. A liderança de um pelotão de soldados utiliza
meios diferentes daqueles usados para se liderar comandantes de unidade, por
exemplo.
A figura do líder é tão importante que Napoleão disse:

“Os gauleses não foram conquistados pelas legiões romanas, mas por César.
Não foram as muralhas de Cartago que fizeram tremer os soldados romanos, mas
Aníbal. Não foram as falanges macedônias que chegaram à Índia, mas Alexandre.
Não foi o Exército francês que atingiu o Weser e o Inn, mas Turenne. A Prússia não
se defendeu por sete anos, contra as três maiores potências européias, com seus
soldados, mas com Frederico, o Grande.”105

Lendo as palavras de Napoleão, enxerga-se outra faceta do líder. Ele tem a


capacidade, quase mágica, de transformar forças amorfas em ações e fatos reais.
Ele consegue reunir as vontades, ainda sem objetivos definidos e presas dentro de
seus egoísmos e paixões, e catapultá-las na direção de objetivos factíveis. O líder,
das mais variadas formas, é capaz de obter a sinergia de forças vigorosas dispersas.

104
TZU, Sun. A Arte da Guerra. Org. Adap. James Clavell. Trad. José Sanz. São Paulo: Record, 1996. p. 10 –
13.
105
LANNING, Michael Lee. Chefes, Líderes e Pensadores Militares. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999. p. 12.
107 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Por outro lado, a liderança usada de forma errada e maniqueísta pode se


tornar perigosa para um exército. Isso acontece quando o líder perde o ponto focal
da sua missão. Ao mesmo tempo em que ele leva um exército para a glória, ele
pode levá-lo para a derrota e o descrédito. Hitler é um exemplo disso. A sua conduta
destruiu a liderança e a coragem moral de seus generais, conforme Liddel Hart, em
“O Outro Lado da Colina”, afirma:

“(...) os generais alemães podem ser devidamente criticados é pela maneira


como parece terem feito vista grossa aos excessos dos nazistas e por falta de
coragem moral, com algumas exceções, de protestarem contra coisas que eles
próprios jamais teriam efetuado. Contudo, fica patente de qualquer exame das
brutais ordens de Hitler que a escalada de atrocidades e os sofrimentos dos países
ocupados teriam sido muito piores ainda, se suas ordens exterminadoras fossem
tacitamente negligenciadas ou, pelo menos, modificadas pelos comandantes
militares. Coragem moral de protestar não é uma característica comum em nenhum
exército. Conheci inúmeros generais aliados que deploravam intimamente a
desumanidade da nossa política de bombardeio, quando tinha por objetivo principal
aterrorizar a população civil, embora ignore que algum deles haja se aventurado a
protestar oficial ou publicamente contra esta medida. Igualmente, procuraram não
ver outros exemplos de “barbarismo” cometidos pelas forças aliadas. Todavia,
nenhum risco corriam em protestarem, como acontecia aos generais alemães,
exceto o de prejudicarem suas expectativas de carreira”106

O General Patton, um chefe que embora tenha pautado sua vida profissional
por balançar ora no campo da personalidade positiva e ora no personalismo
negativo, demonstrou o quanto é importante, mesmo em tempos de paz, possuir
coragem moral e colocar sua carreira em jogo pelos subordinados, merece ser
citado em uma passagem como instrutor em Fort Riley:

“Certa vez, quando eu era instrutor em Fort Riley, realizei em minha casa uma
festa só para homens e oferecida aos integrantes da turma do segundo ano.
Evidentemente fizemos muito barulho, mas ninguém se portou como bêbado, nem

106
HART, Liddell. O Outro Lado da Colina. Rio de Janeiro: Bibliex, 1980. p. 12.
108 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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mesmo de forma descontrolada. No dia seguinte fui chamado pelo comandante, um


homem que vivia dominado pela esposa; declarou-me haver recebido um informe
verdadeiro, a respeito de um tenente que comparecera à minha festa e que se
tornara inconvenientemente embriagado. O comandante desejava saber o nome do
oficial. Respondi-lhe que não denunciaria ninguém. Disse-me ele ”Daqui a um mês e
meio terminará o seu tempo de instrutor; se o senhor não responder à minha
pergunta, desligá-lo-ei imediatamente e prejudicarei a sua folha de serviços, até
agora excelente”. Menti, declarando que estava tão embriagado, na festa, que não
notara o estado dos outros oficiais. O comandante não fez nada contra mim.” 107

No entanto, é preciso que se entenda que a liderança não se limita somente a


tomar decisões heróicas, muitas vezes até românticas, dentro de um quadro
maniqueísta entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, sempre assumindo o lado
moralmente correto. Existem momentos em que o líder precisa e deve tomar
decisões cujo arcabouço moral poderá ser contestado no momento ou, até mesmo,
no futuro pelos historiadores e pesquisadores.
O navegador português Fernão de Magalhães e sua épica jornada através
dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, é excelente estudo de caso para se abordar
a necessidade da firmeza do líder, embora adotando atitudes passíveis de críticas.
Foi graças a sua firmeza em cumprir a missão recebida do Rei Carlos I (mais tarde
Carlos V, imperador do Sacro Império Romano), circunavegando o planeta, que
possibilitou que a jornada fosse completada.
Para que se tenha alguma idéia da dramática epopéia de Fernão de Magalhães
– e da conseqüente necessidade de liderança incontestável - vale a pena resumir
parte importante dela. Sua expedição partiu de Sevilla, em 1519, com cerca de 260
homens e cinco embarcações. Em 6 de setembro de 1522, três anos depois,
somente um navio (o Victoria) chegou ao porto de Salúcar de Barrameda, na
Espanha. Apenas 18 homens e 3 cativos haviam sobrevivido108 à expedição.
As mortes ocorridas e as condições da viagem foram as mais severas
possíveis: escorbuto, tortura, afogamento, execuções sumárias e antropofagismo
foram alguns dos fantasmas que rondaram aqueles homens. Some-se o frio, as

107
PATTON JR, George S. A Guerra que eu Vi. Rio de Janeiro: Bibliex, 1979. p. 334.
108
Fernão de Magalhães morreu em combate na ilha de Mactan (Filipinas), no Índico, em 27 de abril de 1521,
não conseguindo completar sua missão.
109 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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tempestades açoitando os navios, o cheiro fétido dos porões, as calmarias


intermináveis, o calor insuportável, as vaidades, as traições, os motins, as
superstições, a religiosidade exacerbada e a fuga de marinheiros, e ter-se-á um
quadro de relacionamento humano dos mais complexos, onde a liderança era a
única ferramenta capaz de manter aquele grupo de homens diariamente testados
nas suas capacidades no cumprimento de sua missão.
Um dos pontos de inflexão da viagem, no que tangia à liderança de
Magalhães, foi o motim ocorrido em 1520 quando a frota de Magalhães navegava
próximo ao que hoje chamamos de Terra do Fogo, na costa argentina. Era um
momento crítico da expedição, pois havia a necessidade de se “tatear” a costa leste
do extremo sul da América a fim de encontrar a tão procurada passagem para o que
viria a ser chamado de oceano Pacífico. As dúvidas e as frustrações diuturnas
criaram condições para a eclosão de um motim contra o chefe da expedição. Das
cinco embarcações, três se amotinaram, sob o comando de Gaspar de Quesada.
Apesar da enorme desvantagem numérica, Magalhães valeu-se de sua frieza,
do seu tirocínio e da confiança na sua competência que desfrutava entre a marujada.
A sua grande virtude naquele momento de crise foi a de contornar a revolta por
partes, vencendo, um a um, os navios amotinados. Evitou o ataque frontal a todos os
navios rebeldes simultaneamente. Na verdade, foi um jogo de xadrez que envolveu a
máxima capacidade de liderança de Magalhães.
Após estudar a situação, decidiu dominar primeiramente o navio que, segundo sua
avaliação, estava menos firme acerca do motim. Em poucas horas retomou o
Victoria. Tempos depois, após encurralar o Concepción numa baía, Magalhães
travou batalha com esta embarcação, fazendo com que a tripulação amotinada
vacilasse, mudando de lado e voltando a ser fiel ao capitão- mor. Vendo-se sem
saída, a última nave amotinada, o San Antonio, rendeu-se. Magalhães, em menos
de 24 horas, retomou sua frota. Mais do que excelente tático, Magalhães
demonstrou possuir características fundamentais a um homem apto a liderar
homens em situações de crise extrema: senso de avaliação, capacidade de abstrair
o importante do supérfluo, calma, espírito de cumprimento de missão e destemor
perante o risco.
Entretanto, a sua confirmação como líder daquela expedição não havia
terminado com o fato de debelar o motim. Ainda era necessária medida corretiva a
fim de evitar outras contestações à sua liderança. Ele sabia que as provações
110 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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estavam apenas começando. Haveria, no futuro, necessidade de que todos


soubessem quem era o líder daquele grupo, independente das situações adversas
que se anunciavam.
Como era o costume à época, as penas foram brutais. O corpo de um dos
amotinados (Mendoza) foi esquartejado, com traços de violência impactantes109. O
astrônomo-astrólogo Andrés de San Martín, Hernando Morales e um padre foram
condenados por traição. San Martín foi torturado por intermédio do strappado110.
Hernades Morales veio a morrer sob tortura. Apesar de ter condenado outros 40
homens à morte, resolveu comutar a sentença em trabalhos forçados. Quanto a
Quesado, este foi condenado à morte por decapitação111. Outros dois homens, Juan
de Cartagena e o padre Pero Sanchéz de la Reina foram degredados em de San
Julian. Pode-se imaginar o que seria tentar sobreviver numa região gelada, sem
provisões e, o pior, habitada por canibais.
Dessa forma, Magalhães consolidou sua liderança. Havia demonstrado a todos
que o seu comando não poderia ser questionado e, muito menos, ser objeto de
qualquer tentativa de sublevação. Sua atitude manteve-o vivo, sua frota unida e a
frota sob forte liderança.
Analisar as atitudes extremas de Magalhães é desafiante. Deve-se ter em conta
a época em que Magalhães vivia. A Era dos Descobrimentos, com suas dificuldades
físicas e com o desconhecido supervalorizando as reações humanas, aliado às
práticas da Santa Inquisição, tornavam tais medidas aceitáveis e legais segundo as
leis espanholas. O fulcro da descrição acima, no que se refere à liderança, é a de
que o líder deve utilizar todos os meios disponíveis e legais para levar o seu intento
ao objetivo programado. Dentro deste quadro, o líder deve, ainda, ser possuidor de
uma personalidade equilibrada para, nos momentos de crise aguda, inspirar
confiança e manter a posição necessária ao desafio descortinado. É preciso, em

109
“Os amotinados estavam para descobrir que desafiar Magalhães era ainda mais perigoso do que a
tempestade mais violenta no mar. ...Em seguida, ordenou a que o corpo de Mendoza fosse esquartejado. O
procedimento complicado e grotesco geralmente começava com a vítima na forca, e, quando estivesse apenas
parcialmente estrangulada, era cortada. O executor ou um assistente fazia uma incisão no abdômen do
condenado, removia seus intestinos e, inacreditavelmente, os queimava na frente da vítima semimorta.” Citado
em BERGREEN, Laurence. Além do Fim do Mundo. A Aterradora circunavegação de Fernão de Magalhães.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. Pg 155.
110
Tortura comum naquele período, constituída de cinco estágios. No último estágio a vítima tinha pesos
amarrados aos membros com a finalidade de arrancar, em vida, os membros do condenado. San Martín sofreu os
cinco estágios.
111
Magalhães obrigou o criado de Quesada a executar a sentença sob pena de, também, decapita-lo.
111 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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muitas situações, ser duro e frio, como Magalhães e Sun Tzu, dentre outros, foram
ao seu tempo.
De concreto, depreende-se que a tibieza, a falta de comprometimento com a
missão recebida, a vaidade, a fraqueza de caráter, a falta de visão prospectiva, a
prepotência, a inexperiência, o desvirtuamento dos objetivos da Instituição e o bom-
mocismo são inimigos peremptórios da liderança. Corroem as estruturas e
esfacelam qualquer exército.
Outro aspecto que deve ser cuidado dentro de um exército são as falsas
lideranças. Surgem, via de regra, dos vícios de liderança. A mais grave distorção de
liderança é o bom-mocismo, comum em muitos exércitos. Essa prática, que tem por
princípio evitar a tensão com o subordinado e com o superior, deixando que
transgressões sejam cometidas sob a capa de serem pouco importantes ou que não
justificariam as conseqüências, é danosa e corroí qualquer sistema baseado na
disciplina. O seu mote é a omissão; o seu produto, a indisciplina. Ela é danosa à
medida que nivela bons e maus militares em um único conjunto, desestimulando a
dedicação e o sacrifício, visto que para o comandante bom-moço, todos são sempre
iguais.
André Rebouças, primeiro-tenente de Engenharia durante a Guerra do
Paraguai, disse sobre alguns poucos, mas despreparados chefes da época, a sua
dificuldade em servir homens assim: “Sofrer tais chefes, meu bom Deus, é
indubitavelmente o maior sacrifício que faço persistindo em continuar até Humaitá
esta Campanha.”112
Por intermédio da leitura de obras sobre chefia e liderança, somadas à
experiências de diferentes militares que me foram relatadas, acabei por simplificar os
tipos de chefias. Dividi-as em três categorias, não necessariamente estanques. Ela
não é fixa, podendo ora ser mais ou menos evidenciada. Além disso, não possui
grandes fundamentos teóricos nem se baseia em um exército específico. Como
disse, é mais dedutiva do que qualquer outra coisa. São simples, mas sintetizam a
personalidade do chefe.
Na esmagadora maioria das vezes, os integrantes do primeiro grupo não
passam de incompetentes e descomprometidos com a força a que pertencem.
Mascaram sua falta de preparo profissional e coragem moral sob o manto de

112
IZECKSOHN, Vitor. O Cerne da Discórdia. A Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército
Brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1997. p. 133.
112 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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militares amigáveis e tranqüilos. São, quase sempre, um desestímulo para aqueles


profissionais que se dedicam aos seus afazeres com seriedade. Criam o que eu
chamo de “comunismo perfeito”: tanto faz o militar trabalhar como não trabalhar que
tudo será igual para todos: o soldo, os elogios, as punições, o tratamento. Esse tipo
de chefe é o mais daninho. Preocupa-se com a carreira e com o que os outros
pensam. Nada mais. Para eles só existe a primeira pessoa – “eu fiz” é a sua frase
predileta. Diante de chefes mais antigos, desafiam as leis biológicas e, transmutando
a cor de sua pele, qual um camaleão, mostram-se de uma forma totalmente diferente
do que realmente são. Em tempo de paz, alguns se destacam fruto da sorte e da
bajulação, apesar da mediocridade. São descartáveis para qualquer exército em
qualquer tempo. Marco Dídio Juliano, Imperador de Roma em 193 d.C., é um típico
exemplo. Rico, viveu sob bajulação e, mediante manobras ardilosas, assumiu o
poder após a guarda pretoriana assassinar Públio Hélvio Pertinax. Comprou o poder,
da própria guarda pretoriana, com ouro. Dois meses depois, sua incompetência
ostensiva levou-o a morte. No Brasil não foi diferente. O General Zenóbio da Costa
foi vítima desse tipo de comportamento. Um diálogo entre ele e Lima Brayner, é
bastante elucidativo: “- Brayner, você é meu amigo e é testemunha do que aqui
tenho sofrido, em silêncio, restrições e maldades. Ninguém me levará ao desespero.
Mas, no dia em que regressarmos ao Brasil, direi toda a verdade sobre a FEB”113. A
respeito desses chefes, a sua existência só é possível em face da omissão daqueles
que comandam e convivem com eles. Sobre a negativa dos vários generais
“convidados” para o comando da primeira tropa brasileira a ir combater na Europa,
pode-se depreender, sem medo de ser injusto ou maledicente, que havia problemas
de liderança na cúpula do Exército nesta época. No meu entender, deveria haver
disputa salutar por esse comando, mas ao contrário: houve fuga elegante e
diplomática da missão. E o pior, nas palavras de Lima Brayner, “nada sofreram, não
sendo sequer anotado nos seus assentamentos militares114.” Triste, mas verdadeiro.
Apesar da minha pouca experiência, mas enorme curiosidade em observar as
reações humanas, acredito que seja fácil reconhecer, desde cedo, oficiais que
trilham nesta vereda. Seu modus operandi é conhecido: falam muito e alto, preferem
a liderança autocrática para defender seus interesses, trabalham pouco, conhecem

113
BRAYNER, Floriano de Lima. A Verdade Sobre a FEB. Memórias de um Chefe de Estado-Maior na
Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 3.
114
idem. p. 17.
113 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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apenas as generalidades da profissão (o suficiente para não ter sua incompetência


descoberta pelos mais antigos), nunca opinam de forma contundente (o muro é o
seu palco), via de regra usurpam o trabalho alheio e, se puderem, aumentam os
defeitos e minimizam as qualidades dos outros.
Os que pertencem ao segundo grupo, são chefes possuidores de alto senso
de disciplina, extremamente duros consigo e com os subordinados, mas que
carecem de certas qualidades para entrar no terceiro grupo. Normalmente, são
inseguros e possuidores de pouca bagagem cultural, não se afastando um milímetro
dos assuntos militares. São exímios conhecedores das técnicas de trabalho de
comando. Contudo, não têm a necessária visão abrangente que um militar de escol
deve ter. Em tempo de paz são os que mais se destacam. Na guerra, se respeitadas
certas condições, podem se destacar. Um exemplo desse tipo de líder foi Máximo
(173-238 d.C.). Imperador de Roma, era um soldado vigoroso, conhecedor das
técnicas militares da época, mas faltavam-lhe “as qualidades indispensáveis a um
grande general e principalmente o discernimento, a inteligência e a sagacidade de
um homem de Estado para controlar a situação caótica...Imperador mais musculoso
do que brilhante, o brutal Máximo não conseguiu manter a autoridade sobre o
exército.”115 Foi assassinado pelos seus próprios soldados, visto a sua
incompetência como general romano.
Finalmente, existem os do terceiro grupo. Estes são poucos, quase ouro em
pó. Diria que em combate seriam os candidatos naturais a vaga de líderes. São
militares seguros, sabem o que querem e preocupam-se em demonstrar isso. Não
são necessariamente simpáticos, mas também não são antipáticos. Possuem
qualidades que podem, inclusive, minimizar seus defeitos: coragem moral, lealdade
em todas as direções, comprometimento com a força e com a sua missão,
preocupação com a justiça e um carisma que impressiona. Normalmente chegam
com fama de difíceis e, após o convívio com seus homens, mostra-se justo e amigo.
O seu pensamento pode ser resumido assim: um chefe não tem que ser bom nem
mau, tem que ser justo. Esses chefes têm uma outra característica que a priori
parece paradoxal: uma liderança mais democrática do que autocrática. Isso se deve
a confiança e a certeza de que suas decisões são baseadas na justiça e
perfeitamente morais. Normalmente evidenciam suas qualidades na guerra.

115
MACHIAVELLI, Niccolo. O Príncipe: Comentários de Napoleão Bonaparte. Rio de Janeiro: Hemus:
Bibliex 1998. p. 210.
114 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Napoleão é, sem sombra de dúvida, um bom exemplo desse tipo de chefe. Dotado
de genialidade militar e política, não tem rival na História Militar quando o assunto é
liderança. O seu carisma mítico sempre fascinou. Ao se ler o livro “Napoleão 1812”,
que tratava da Campanha na Rússia e do seu malogro, logo percebe-se que as
potencialidades de líder de Napoleão superavam em muito aquilo que a maioria
pensava. Ele conduziu cerca de 600.000 homens para o interior da Rússia, foi
derrotado, obrigado a abandonar parte considerável dos seus homens na heróica
travessia do rio Berenzina. Voltou com apenas 30.000 homens. Qualquer homem,
em qualquer tempo, seria severamente punido e sofreria revolta de toda a
população. Exceto Napoleão. Permaneceu na chefia do exército e do país ainda por
cerca de dois anos, deixando o poder somente em 11 de abril de 1814. A liderança
do “pequeno cabo”116, superava até desastres como o ocorrida na Rússia.
Um exemplo brasileiro é, indubitavelmente, Caxias. Sua visão militar e política
impressionam. Sua concepção política era clara: manter a integridade da Nação a
qualquer custo; sua visão militar, ainda mais contundente na Guerra do Paraguai:
“restabelecer a disciplina militar, preservar a natureza da instituição, que por
determinação constitucional, deveria ser “essencialmente obediente”.117 Quantos
militares não só no Brasil, mas em outras partes, poderiam igualar-se a Caxias no
sentido de andar entre o fio da política e do Exército sem se ferir?
Enriquecendo ainda mais com exemplos brasileiros, destacamos a figura
ímpar do General Euclydes Zenóbio da Costa, comandante da Infantaria brasileira.
Segundo Lima Brayner, era “zeloso de suas tradições de bravura e de grande
realizador...Troupier impetuoso e heróico...amava o perigo e gostava de desafia-lo.
Era sempre garantia de êxito nas missões difíceis.” Continuando, disse sobre
Zenóbio, “Chefe que pedia missão e partia, sem perda de tempo, para a execução,
dando exemplo de destemor, pois estava sempre junto aos escalões mais
avançados.118” Diversos outros oficiais que serviram com Zenóbio destacam sua
capacidade de liderança e visão de conjunto.

116
Alcunha obtida frente as demonstrações de coragem que Napoleão brindava suas tropas, como na batalha de
Lodi, onde conduziu pessoalmente uma carga de baionetas por uma ponte contra forças austríacas. Os soldados
franceses que não estavam acostumados a esse tipo de exemplo por parte de altos oficiais, apelidaram o bravo
chefe de 1,62m de altura dessa forma.
117
IZECKSOHN, Vitor. O Cerne da Discórdia. A Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército
Brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1997. p.139 – 140.
118
BRAYNER, Floriano de Lima. A Verdade Sobre a FEB. Memórias de um Chefe de Estado-Maior na
Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 166. Para saber mais sobre a opinião de
115 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Quando se fala de liderança, não se pode deixar de comentar, embora que


muito rapidamente, outra deturpação da liderança: o personalismo. Tal
desvirtuamento pode ser entendido como conduta de quem refere tudo a si próprio.
Embora toda instituição seja moldada e desenvolvida por homens, estes não
podem ser maiores que ela. Ao se estudar a História Militar, verifica-se que a maioria
dos desastres ocorridos teve grande influência daquilo que chamamos de
“personalidade do comandante”. Tal expressão, foi desvirtuada ao longo dos anos,
desaguando no personalismo e na vaidade. Isto, num exército com longo período de
paz, é patente e tende ao crescimento se não for devidamente coagido.
A diferença entre personalidade e personalismo pode ser exemplificada. Se,
por um lado, um comandante determina que uma instrução de armamento seja
iniciada de forma simples e sem pressão, para que o soldado compreenda todos os
passos e, ao final desta instrução, os soldados estejam em condições de realizar a
desmontagem, a manutenção e a montagem após correr um percurso de 5 km e sob
condições de visibilidade nula, tem-se, perfeitamente delineada, a personalidade do
comandante. Neste caso, o comandante não se afastou daquilo que é previsto, está
direcionando os esforços físicos e materiais que lhe foram confiados para atingir um
objetivo explicitado nos programas de instrução, dentro da sua personalidade
agressiva e combatente.
Por outro lado, se esse mesmo comandante determinasse que a instrução de
armamento tivesse o seu tempo diminuído ou, até mesmo, suprimido para que
fossem realizadas obras no quartel ou treinamento de equipes desportivas pois ele
“tem” que ganhar as olimpíadas naquele ano, teríamos um exemplo de personalismo
do comandante. Ele passou a usar os meios que a Nação lhe confere visando a
preparação para a guerra para “realizar sonhos”, obras desnecessárias e fora de
uma prioridade lógica ou implementar aquilo que ele acha certo mas não encontra
respaldo específico no regulamento, temos o personalismo do comandante.
Quando a personalidade do comandante começa a se transformar em
personalismo, distorcendo a expressão, conduzindo a um comando de vontades e
manias? No momento em que meios físicos e pessoais são tirados de sua
designação e diretrizes do escalão superior de forma constante, para realizar atos

grande e respeitado chefe militar que desfrutava Zenóbio, ler p. 59 – 60, 140, 145, 164, 209, 259, 275, 316, 327,
331, 358, 399, 401, 406 – 407, passim. op. cit.
116 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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que, travestidos de “personalidade”, prejudicam a instrução ou a vida vegetativa da


organização militar.
A leitura atenta da História Militar mostra que, infelizmente, tal prática não é
rara na maioria dos exércitos. Um sem número de atividades são desenvolvidas nos
diversos níveis dentro desse contexto de “personalidade do comandante” ou, sob o
manto da “criatividade” – esta, quando bem direcionada, fundamental para um
exército.
Muitos procuram acobertar tais atividades sob o pretexto de atividades-meio e
complementares. Ora, tais atividades são previstas na maioria dos exércitos, mas de
forma nenhuma podem ser realizadas em detrimento da atividade-fim. Este é um
ponto importante. Além do que, estas atividades fazem parte das diretrizes
emanadas pelos comandantes e atendem às políticas do Estado. Não são, de forma
alguma, desvirtuamento das forças armadas.
Na maioria das vezes, quando um exército cumpre outras atividades
diferentes da instrução ortodoxa voltada para o combate, ele está se adestrando. Ao
construir estradas, ao dispor seus elementos de inteligência no combate ao crime
organizado, ao realizar uma ACISO119 e tantas outras tarefas, ele certamente está
adestrando os seus engenheiros, operadores de máquinas, médicos, analistas de
informações etc. O que não pode ocorrer é o desvirtuamento por excesso de
personalismo.
O fato é que um bom comandante – em qualquer nível - não tem que
transformar seus gostos ou aptidões particulares em normas paralelas dentro do
grupo que comanda. O regulamento não lhe confere isso. Caso isso ocorresse, o
caos seria uma questão de tempo, pois as idiossincrasias iriam corroer pilares
importantes para um exército profissional.
Personalidade militar é ser agressivo no combate como foi Plínio Pitaluga,
Zenóbio da Costa, Patton e Rommel; ou moderado como Montgomery na Segunda
Guerra Mundial. Ter personalidade é comandar pessoalmente suas tropas como
Osório e Caxias fizeram nas diversas oportunidades em que entraram em combate.
Ter personalidade, enfim, é verificar pessoalmente o estado da tropa no campo ou
na rotina diária, não abrindo mão da sua liderança sob a cortina nefasta do bom-

119
Ação Cívico-Social. É um tipo de ação desenvolvida por militares que visa proporcionar aos locais menos
assistidos, de forma temporária, serviços que minimizem as carências existentes. Consta de apoio médico,
sanitário e de palestras sobre temas variados de interesse geral.
117 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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mocismo e da falsa camaradagem. Ficar o tempo todo preocupado com a banda de


tambores, com as lanças da guarda ou com a grama do campo de futebol não é
personalidade, mas personalismo e falta de senso. Isso nunca foi apanágio dos
grandes líderes.
Um comandante deve comandar dentro daquilo que se espera dele, evitando
desvirtuamentos e invenções. Para um exército, ter comandantes cônscios desse
imperativo é uma dádiva. Ter comandantes personalistas, eivados de preciosismos e
individualismos que visam apenas a projeção pessoal é um estorvo a ser combatido.
Outra faceta importante da liderança diz respeito aos níveis em que ela deve
ser exercida. Em linhas gerais, a cada graduação ou posto, há um tipo de liderança.
É comum, infelizmente, vermos tanto na História Militar, quanto na rotina diária,
comandantes em todos os escalões cometendo erros desse tipo. O divisor entre a
presença eficaz e regeneradora do chefe e a intromissão inoportuna, que leva à
quebra de liderança dos subordinados, é tênue.
É preciso que se entenda que a liderança do coronel é diferente da
desenvolvida pelo tenente, no espaço, na forma e no tempo. Quando um general
começa a controlar o trânsito de uma via de acesso ou avenida (como fez Patton na
Campanha da Itália), duas conclusões são possíveis: ou todos os seus subordinados
encarregados daquela tarefa (no máximo um sargento) eram incompetentes e,
conseqüentemente, deveriam ser orientados e adestrados de forma a cumprir aquela
missão; ou o general não tinha o que fazer. Isso não é liderança, isso é
personalismo e falta de crença na capacidade dos subordinados. Procedimentos
deste tipo minam a liderança e a confiança dos comandados. Com atos assim, ao
contrário do que se pensa, o chefe está desprestigiando seus homens. Bastaria
Patton mandar o seu ajudante-de-ordens orientar e corrigir o erro e tudo estaria
resolvido.
Certa vez, ainda tenente, um comandante de divisão estava acompanhando
um exercício da minha brigada. Num certo momento, ele determinou que somente
os tenentes subissem num M 113120 e começou a nos mostrar os erros cometidos
durante o nosso ataque. Suas observações eram extremamente pertinentes e
corretas. Contudo, viu-se, nitidamente, o constrangimento dos comandantes de
unidade. Os nossos coronéis, nossos chefes na rotina diária, estavam no chão, sem

120
Viatura Blindada de Transporte de Pessoal (VBTP) fabricada nos EUA sobre lagarta. Pode transportar cerca
de 11 homens equipados, inclusive atravessando rios.
118 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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poder falar nada. Isso causou um constrangimento enorme. Se, por um lado, a
liderança do general aparentemente elevou-se, por outro custou a liderança dos
seus comandantes de unidade, pois a impressão que poderia ter ficado era a de que
os comandantes não teriam competência para liderar seus tenentes em um simples
exercício. Evidentemente, esta não foi a intenção daquele general, mas foi o que
transpareceu para nós, imaturos tenentes à época.
Uma outra solução seria o general chamar os comandantes, expedir suas
diretrizes e observações e cada um deles transmitir aos seus tenentes e capitães à
luz do terreno e considerando as respectivas zonas de ação. Horas depois, no
almoço, o resultado era o esperado: desconforto e certa revolta com o general por
ter exposto o nosso comandante, mesmo sem querer fazê-lo.
A presença do chefe, na rotina diária e nas mazelas do combate, é
fundamental. Disso não se duvida. Mas é preciso que, quanto mais graduado for o
oficial, mais cuidado tome. Nos níveis mais altos, ela deve ser mais subjetiva do que
objetiva. Ela deve impulsionar, inspirar e encorajar.
Já que usou-se Patton para um exemplo negativo de liderança, será utilizado,
desta vez, numa oportunidade altamente positiva em que ele soube conduzir a
liderança inata da sua personalidade. Ele mesmo a descreve:

“Na manhã de 9 de novembro de 1942, desembarquei na praia, em Fedala,


acompanhado pelo meu ajudante-de-ordens, Tenente Stiller. Deparamo-nos com
uma situação muito ruim. As embarcações chegavam à praia e não retornavam ao
mar depois de descarregadas. Explodiam granadas e os aviadores franceses
metralhavam a praia. Os tiros franceses passavam longe das embarcações, mas
nosso pessoal corria para os abrigos, o que retardava a operação de descarga;
maior prejuízo ocorria na descarga de munição, suprimento de necessidade vital em
face do combate travado a 1.500 metros ao sul da praia.
Com a minha permanência na praia, com a interferência pessoal no
despacho, para o mar, das embarcações descarregadas e não me abrigando
quando os aviões inimigos sobrevoavam a área, creio que contribuí para acalmar os
nervos do pessoal e para transformar em sucesso o desembarque inicial. Permaneci
na praia cerca de dezoito horas, e com o uniforme molhado durante o tempo todo.
Dizem que este comportamento não é próprio para um comandante de exército. A
minha opinião é que um comandante de exército faz o que for necessário para
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cumprir sua missão, e quase oitenta por cento desta missão consiste em elevar o
moral de seus homens.”121 (grifo do autor)

Este trecho mostra que Patton não interferiu diretamente nos homens que ali
lutavam. Apenas mostrou que se o comandante do exército não tinha medo de ser
atingido, por que os demais teriam? Foi uma atitude corajosa e perigosa, pois ele
poderia ter perecido naquela praia. Mas as circunstâncias, de total premência e risco
para os futuros combates, justificavam a posição dele. Note-se que ele não quebrou
a liderança dos seus comandantes, ao contrário, inspirou-os a prosseguir na missão.
Antes de encerrar esse tópico, não se pode deixar de falar sobre o tenente.
Durante três anos trabalhei diretamente com cadetes na Academia Militar das
Agulhas Negras. Neste tempo, vi o quanto é difícil conscientizar os nossos futuros
oficiais da importância de uma liderança firme.
De todos os postos e graduações, a liderança do tenente que comanda um
pelotão é, talvez, a mais difícil e importante, portanto a que merece maior atenção
por parte dos comandantes mais antigos. Vale a pena lembrar que vários autores
sobre a 2ª Guerra Mundial destacam o papel importante do tenente à frente do seu
pelotão. Muitos dizem que, em determinados momentos, foi uma “guerra entre
pelotões”.
Os atributos naturais do tenente, tais como energia, preparo físico e
juventude, dentre outros, o ajudam nessa tarefa. Contudo, não lhe confere êxito
instantâneo na liderança de pequenas frações.
Além dos predicados naturais supracitados, é preciso que ele tenha um
preparo profissional consistente, adquira no mais curto prazo maturidade e firmeza
de propósitos, além de cultivar o idealismo, a humildade e outros atributos que lhe
permitam compensar a sua maior desvantagem: a inexperiência.
Todos os militares que já comandaram um pelotão sabem o choque que se
sente ao receber o primeiro comando na vida. São homens, mais ou menos
experientes, que passam a depender substancialmente daquele jovem recém-saído
de uma escola. Os olhares se voltam para ele, procurando extrair de início alguma
coisa sobre o novo comandante. Todos os seus aspectos externos passam, então, a
serem avaliados: apresentação individual, voz de comando, maneira de falar,

121
PATTON JR, George S. A Guerra que eu Vi. Rio de Janeiro: Bibliex, 1979. p. 336.
120 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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modos, compleição física e toda a sorte de características que seus homens


puderem extrair dele.
Na realidade, caberá aos futuros comandantes do aspirante a tarefa de
complementar o trabalho de formação da Academia. Para isso, é preciso que os
comandantes entendam – comprovei que muitos não entendem – que o aspirante
deve ter uma atenção especial ao chegar no seu primeiro quartel. É fundamental que
ele seja designado para a subunidade que possua os oficiais considerados mais
maduros, experientes e equilibrados. O capitão comandante da subunidade do
aspirante deve ser o melhor dentre os disponíveis na unidade.
Vi muitos aspirantes e tenentes com excelente potencial profissional se
perderem, inclusive sendo punidos, por falta de orientação adequada. Não se pode
conceber que um aspirante seja comandado por um tenente com dois ou três anos
de tropa, quando existem, na mesma unidade, capitães comandando subunidade.
Isso acontece. E a justificativa,em face desse erro, é sempre a mesma: a AMAN não
está formando bons oficiais. Isso não é verdadeiro. O que acontece é que todos
devemos entender que a formação do aspirante continua no corpo de tropa. Se for
bem orientado, dará bons frutos. Se for relegado a um plano secundário, é provável
que ele acabe cometendo erros por falta de experiência e conhecimento. O aspirante
deve sim ser “paparicado” no bom sentido. Ele precisa – e nós, mais antigos,
devemos a ele – palavras de orientação diariamente. Além disso, a mais poderosa
arma de que os mais antigos dispõem deve ser utilizada de forma maciça: o
exemplo. Assim estar-se-ão formando os líderes do futuro, e não meros
administradores de quartéis.
Concluindo a vertente da liderança, foi possível verificar sua importância sem
se ater somente aos conceitos já conhecidos e batidos. Procurei inovar a
abordagem, tecendo comentários, expondo pontos de vista baseados em leituras e
observações oriundas da experiência, bem como tocando em aspectos mais
palpáveis, como a liderança do tenente.
Sinteticamente, fica a idéia de que um exército jamais será uma máquina de
guerra eficiente motu próprio. Às armas, aos veículos, aos soldados, aos
investimentos, aos prédios e aquartelamentos que caracterizam um exército
fisicamente, deverá ser pulverizada, de preferência em doses generosas, uma
liderança baseada na justiça, na firmeza e na competência profissional.
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Ψ ΨΨ
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CAPÍTULO 5

A Preparação para a Guerra

Os Recursos Materiais

Equipamentos

“Nada é permanente, tudo se modifica”.


Heráclito, filósofo grego.

“Desde que Vulcano ensinou aos homens a arte de forjar o ferro, até o período moderno, a couraça dominava os
campos de batalha. Estar protegido, ou crer nisto, pelo menos, que tranqüilidade para o indivíduo e, por
conseguinte, que virtude!”
Charles De Gaulle

O homem sempre utilizou equipamentos para fazer a guerra. Fossem para


protegê-lo, fossem para eliminar o inimigo da forma mais rápida e segura.
Inicialmente, foram as pedras, os ossos e os galhos das árvores,
principalmente os mais duros, como o cedro. Posteriormente, passou-se a utilizar o
cobre, o primeiro metal não precioso com o qual o homem aprendeu a trabalhar.
Além de ser abundante na natureza, era facilmente moldável e permitia uma
proteção infinitamente mais eficaz do que a madeira.
Após o homem aprender a técnica de fundição, pôde associar o cobre ao
estanho, produzindo o bronze. Este, já uma liga, era mais eficaz e muito mais duro
do que o cobre. Os trabalhadores da Mesopotâmia, com o passar do tempo,
ampliaram as técnicas de trabalho com os metais, inclusive nas áreas de soldagem,
fundição e moldagem. Daí, em épocas diferentes, surgiram os machados, espadas,
adagas, maças e tantos outros artefatos que pudessem ser utilizados contra o
inimigo.
Depois, com a descoberta do ferro meteórico, por volta de 2300 a.C.,
provavelmente na Mesopotâmia, outro metal veio a ser utilizado para a confecção de
armas e proteções para os guerreiros: o ferro. O aperfeiçoamento das fornalhas e do
combustível utilizado nelas foi fundamental, já que o ferro necessita de temperaturas
123 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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maiores para ser fundido. Além disso, verificou-se que este metal, para obter a
dureza necessária às armas, deveria ser malhado no calor e temperado com água.
Após esses aperfeiçoamentos tecnológicos no seu trato, este se espalhou pelo
mundo, possibilitando que muitos povos dominassem a arte de fundição e fabricação
de equipamentos.
O ferro abriu horizontes maiores na arte da guerra. Além das armas
individuais, ele passou a ser utilizado na construção de bigas, armaduras, lanças,
pontas de flechas e outros aperfeiçoamentos nas armas e nas fortificações. Deu-se
a vitória dos romanos, protegidos por espadas, elmos, couraças e distribuídos
taticamente no terreno em formações compactas, contra os bárbaros germânicos,
dispersos no terreno, aliando a bravura no seu estado mais puro e ingênuo com
armas rústicas e escudos de madeira.
Posteriormente veio o aço, ao fundir-se o ferro com o manganês. Esta liga,
ainda mais dura, mais resistente à corrosão e mais leve, proporcionou avanço
surpreendente nos equipamentos, notadamente nos navios e viaturas.
Desse ponto, com o domínio tecnológico cada vez mais apurado, chegou-se
às modernas ligas de alumina, carboneto de silício, diboreto de titânio, spectra122,
kvelar, policarbonato acrílico e tantas outras.
Hoje, ligas leves e ultra-resistentes, como as utilizadas nos aviões F-117
americanos, munições de dureza impressionante, como as de titânio e urânio
empobrecido, e blindagens reativas123 são comuns em muitos exércitos.
As munições com estojos consumíveis, o desenvolvimento do canhão
eletromagnético, que proporciona uma velocidade de até 5.000 m/s à munição, o
canhão “Electrothermal” que, ao invés de carga de projeção, utiliza um propelente
não explosivo acionado eletronicamente, as munições “inteligentes”, conhecidas
como MERLIN, são algumas das novidades que já estão ou em breve estarão sendo
testadas nos campos de batalha.
Somente para que se imagine o impacto que toda essa tecnologia vai impor
ao campo de batalha moderno, tomemos como exemplo uma munição para carros
de combate que alcance a velocidade de 5.000m/s. Considerando mil metros como
distância média de engajamento de um carro de combate por outro inimigo; do

122
Tipo de blindagem feita de materiais têxteis altamente resistentes a impactos.
123
Tipo de blindagem feita com blocos de explosivos colocados na parte frontal dos carros de combate. São
particularmente eficazes contra munições cinéticas.
124 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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instante em que o atirador acionasse o gatilho do carro até o momento do impacto,


levaria meros 0,2 segundos! Considerando-se, também, que a probabilidade de
acerto dos carros de combate atuais gira em torno de 95 a 99 % de eficiência no
primeiro tiro, pode-se ter uma idéia das transformações e da letalidade que as
guerras do futuro irão trazer para aqueles que ousarem empreendê-las.
No campo das armas não-letais, o avanço também é expressivo. Os chineses
desenvolveram o Perturbador Laser Portátil ZM-87, capaz de tontear e cegar
pessoas a uma distância de 3.000 m. O míssil de cruzeiro AGM-86, dos EUA, lança
pulsos eletromagnéticos destruindo sistemas de comunicações inimigos. Além
destes, existem outros mais criativos, como os superácidos124, as Silver Shroud125,
as espumas aderentes, os infra-sons etc.
Verifica-se, por intermédio de um estudo dos equipamentos e armamentos
através da história, que há um axioma militar no qual a cada novo armamento ou
equipamento introduzido no campo de batalha, logo é criado um meio para anular ou
minimizar os seus efeitos. Isso pode acontecer na forma de um novo armamento e
equipamento ou na mudança do emprego tático e estratégico da força oponente.
Tomando por base a Idade Média, pode-se ilustrar este desenvolvimento de
arma e contra-arma, criando um círculo dialético, que trouxe como conseqüência um
espectro variadíssimo de armamentos e equipamentos de grande complexidade no
seu emprego e alta tecnologia na sua fabricação. Filosoficamente, seria a eterna
tríade da TESE – ANTÍTESE – SÍNTESE, sempre renovada com equipamentos mais
aperfeiçoados que geram outros equipamentos, ainda mais modernos, a fim de
neutralizar os primeiros.

124
Os EUA desenvolveram um superácido para combate específico para sabotar viaturas sobre rodas inimigas.
Injeta-se o agente no pneu e em vez de rodar 80.000 km, um conjunto de pneus militares começa a desfazer-se
em menos de 80 km. Citado em ALEXANDER, John B. Armas Não-letais. Alternativas para os conflitos do
século XXI. Rio de Janeiro: Welser-Itage: Condor, 2003. p. 104.
125
Manta de prata anticarro. Ao serem lançadas sobre viaturas, impedem que os motoristas enxerguem a estrada.
125 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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EQUIPAMENTO MEIO DE NEUTRALIZAÇÃO


Tacape lança, flecha, adaga, massa, Armadura, escudo, elmo, malha de ferro,
Rádio, radar Interferência eletrônica, tecnologia “stealth”126,
Porta-aviões Submarino
Avião Artilharia antiaérea, radar, mísseis
Mísseis intercontinentais Sistema “Guerra nas Estrelas” (J-STARS)127
Fuzil, metralhadora Carros de combate
Carros de Combate Helicópteros de ataque, minas AC128, aviões caça-tanques
Munição AC Blindagens
Fortificações Aríete, catapulta, artilharia, cercos
Tropas de infantaria Minas AP 129
Quadro nº 14
Evolução dos armamentos e contra-armamentos

No mundo de hoje, os armamentos atingem capacidades extraordinárias.


Tornam-se mais leves, mais precisos, com alcances maiores e com letalidade nunca
imaginada. É uma pletora de meios à disposição do combatente que fica difícil
avaliar as conseqüências e o ponto que irão atingir nos próximos anos. Como
exemplo desta complexidade e capacidade, citam-se os navios-aeródromo nucleares
da classe Nimitz que podem percorrer um milhão de milhas sem reabastecimento!130
Tais armamentos e equipamentos conferiram ao homem um poder de
interferência no combate e possibilidade de ampliação do espaço geográfico
envolvido numa guerra para a escala mundial.
Mas será que toda essa tecnologia é suficiente para se afirmar que o homem
perdeu sua importância na condução do combate? Será que o homem transformou-
se num mero “apertador de botões” ?

126
Tecnologia utilizada em aviões de combate modernos. Alia alta velocidade das aeronaves, elevado teto de
operação, material de grande absorção de ondas de radares e engenharia e arquitetura da aeronave avançada,
marcada por perfil baixo e silhueta discreta. Este conjunto de medidas confundem os radares, dando a impressão
que a aeronave é “invisível” aos radares inimigos. O avião F-117 (EUA) é um exemplo que utiliza este tipo de
tecnologia.
127
Joint Surveillance and Attack Radar System (Sistema conjugado de Radar de Vigilância a Ataque a Alvos).
Trabalha junto com aviões AWACS (Airborne Warning and Control System [Sistema de Aviso e Controle
Aerotransportado]). Este conjunto realiza varreduras no céu (360 graus) em busca de aviões, mísseis e outros
alvos de interesse da tropa envolvida.
128
Minas anticarro. Este tipo de mina destina-se a produzir baixas em veículos sobre rodas e sobre lagartas,
obstruindo estradas e diminuindo a velocidade de deslocamento de comboios.
129
Minas antipessoal. Este tipo de mina destina-se a produzir ferimentos nos membros inferiores de
combatentes.
130
ALEXANDER, Bevin. A Guerra do Futuro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999. p. 53.
126 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Deve-se ter em mente que não será a tecnologia embutida nos armamentos
que irá garantir a vitória. A tecnologia dos armamentos atuais, crescendo de forma
geométrica, não pode ser levada a um plano maior do que aquele que realmente
merece.
O Major - General Lon Maggart, ex-comandante do U.S Army Armor Center,
aborda esse assunto da seguinte forma:

“Our soldiers are the best in the world because our Army takes care of them
from the ground up, with tough, realistic training, opportunities for advancement, skill
and professional development, and quality support for them and their families. Make
no mistake: Operation Desert Storm was not won by high technology or smart
weapons. It was won by tough, smart soldiers, who knew their equipment and fought
with skill and bravery, because they knew the Army would take care of them. Our
soldiers are the bone, the muscle, and the lifeblood of our Army, our country - and it
will never be any other way.”131

Em outro artigo, o mesmo autor corrobora suas idéias: “The more


sophisticated our machines become, the more important it is that we pay attention to
our primary weapon – the minds of the soldiers that guide these machines.”132
Evidentemente, a tecnologia dos novos armamentos tem a sua importância.
Mas o que ocorre é o exagero nas suas reais possibilidades e empregos, além dos
problemas intrínsecos que ela traz. Um exemplo é a necessidade de maiores
investimentos em pessoal qualificado para operá-los.
No momento em que os EUA “caçam” Osama Bin Laden por todo o
Afeganistão e outras partes do mundo, pode-se verificar que a tecnologia, sozinha,
não será capaz de garantir a captura do atual inimigo número um dos EUA.
Algumas técnicas que necessitam de homens para implementá-las e faze-las

131
MAGGART, Lon E. Bulding Victory from the Ground Up. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 5, p.6, set.-
out. 1996. “Nossos soldados são o melhores do mundo porque nosso Exército os leva do chão ao topo, com
treinamento duro, realístico, oportunidades para avançar na carreira, desenvolver habilidades profissionais, e
apoio de qualidade para eles e suas famílias. Não cometa um erro de avaliação: a operação Tempestade de
Deserto não foi ganha por tecnologia avançada ou armas inteligentes. Foi ganho por soldados duros, inteligentes
que conheciam os seus equipamentos e lutaram com habilidade e coragem, porque eles sabiam que o Exército
cuidaria deles. Nossos soldados são o osso, o músculo, e a essência de nosso Exército, do nosso país - e nunca
será de outro modo”. (tradução livre).
132
MAGGART, Lon E. Your Mind is Your Primary Weapon. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 4, p.5, jul-
ago. 1996. “Quanto mais sofisticadas as nossas máquinas se tornam, torna-se mais importante que nós prestemos
atenção em nossa arma principal - as mentes dos soldados que guiam estas máquinas".(tradução livre).
127 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

funcionar ainda continuam sendo utilizadas. Um oficial da Central de Inteligência


Americana (CIA), morto em ação no Afeganistão, quando interrogava prisioneiros de
guerra, é um exemplo. Com toda a tecnologia para colher dados, o velho e bom
interrogador ainda tem “emprego”. Por mais que os EUA saturem com bombas as
montanhas afegãs, eles terão de mandar gente (da Aliança do Norte ou soldados
americanos) ir de caverna em caverna pegar Osama e seus colaboradores. Isso só
não ocorrerá se ele for morto por uma explosão, suicidar-se ou se entregar. Caso
contrário, serão necessários homens – não máquinas - para procurá-lo.
De qualquer forma, não se pode negar que os novos armamentos e
equipamentos proporcionam capacidade de ver a maiores distâncias, disparar armas
de maior alcance, mover-se mais rápido, operar sob quaisquer condições de
visibilidade, minimizar o número de baixas, finalizar o combate em menor tempo,
engajar alvos de forma mais rápida, eficiente e precisa, entre outras qualidades.
A fim de atestarmos essa evolução tecnológica nos armamentos, basta dizer
que em 1881 uma frota inglesa jogou granadas de artilharia sobre fortes egípcios na
Alexandria. Foram 3.000 granadas e somente dez atingiram o alvo. Na Guerra do
Vietnã, os pilotos dos EUA realizaram 800 surtidas e perderam dez aviões (1,2%)
com a finalidade de destruir a ponte de Thanh Hoa. Posteriormente, quatro F-4
armados com as primeiras bombas inteligentes realizaram a missão sem nenhuma
perda.
Atualmente, um único F-117, em uma única surtida, largando uma única
bomba faz o mesmo “trabalho” de um B-17 voando 4.500 surtidas e largando 9.000
bombas (Segunda Guerra Mundial), ou 95 surtidas e 190 bombas na Guerra do
Vietnã.133.
Contudo, isso tem um preço. Aumento das necessidades de investimento é
uma delas. Um blindado com tecnologia de ponta custa cerca de três milhões de
dólares. Um avião de caça moderno pode chegar aos vinte e dois milhões de
dólares. O B1 chega a três bilhões de dólares. A manutenção é cara e exige pessoal
qualificado.

133
TOFFLER, Alvim. Guerra e Antiguerra: Sobrevivência na Aurora do Terceiro Milênio. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1995. p. 92. Para se aprofundar em dados estatísticos e detalhamento de armas e sistemas de armas,
recomenda-se a leitura da op. cit. e ALEXANDER, Bevin. A Guerra do Futuro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999.
128 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Equipamento Características Preço


Avião invisível ao radar. Voa continuamente por mais de
B -2 2 bilhões de dólares
30 horas e leva 18 Ton de bombas
B – 52 Avião bombardeiro. Leva até 35 Ton de bombas. -
Míssil lançado por avião ou navio e dirigido por satélite.
Tomahawk Alcança a velocidade de 800 km/h e tem 1600 km de raio 1 milhão de dólares
de ação
Avião espião não tripulado. Transmite imagens em
Predador tempo real das áreas controladas pelo inimigo. Voa a -
7600 m de altitude.
Carro de combate americano. Possui avançado sistema
de aquisição de alvos computadorizados. Dotado de um
M 1 Abrans De 3 a 5 milhões de dólares.
canhão de 120 mm, acerta um alvo em movimento a
4000 m
Sistema de artilharia de saturação de área, com alcance
MLRS (Multiple-Launch
de 45 km. Lança doze cargas de munições e -
Rocket System)
“busca”alvos blindados.
Quadro nº 15
Custo e Características dos Equipamentos Militares

O fluxo de informações possíveis de ser disponibilizado hoje em dia (graças à


tecnologia) é benéfico ao comandante, pois lhe fornece maiores dados para que
tome uma decisão mais acertada. Por outro lado, essa enorme quantidade de
elementos irá sobrecarregar órgãos de assessoramento a fim de concluir sobre os
informes recebidos. Isso poderá “emperrar” a tomada de decisões ou mesmo viciar
comandantes no sentido de exigirem minuciosos detalhes para decidirem. A Guerra
do Golfo deixou isso patente ao reunir uma quantidade enorme de imagens, dados e
informações que chegavam sem que houvesse tempo útil para serem devidamente
interpretadas.
Muitos militares e civis ficam deslumbrados com a capacidade e a letalidade
de determinado armamento ao ler as suas características técnicas e ao vê-lo em
demonstrações no campo.
Dois aspectos devem ser considerados. Em primeiro lugar é necessário uma
equipe muito bem adestrada para operar tais equipamentos para se obter a
plenitude de suas potencialidades. Relatos de equipes mal treinadas e
despreparadas para operarem novos equipamentos são bastante comuns. Vejamos
o que disse Maggart em relação à necessidade de adestramento frente aos novos
armamentos:
129 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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“ It is easy to be impressed by the technology of the M1A2 Abrams tank. Its


accurate main gun, its thermal sights and computerized fire control, its powerful
engine, and its digital architecture are the best in the world. But, without the four
crewmen who have the knowledge, courage, and desire to close with and destroy the
enemy, all of the attributes of great fighting machine will be wasted.”134

O segundo ponto a ser analisado diz respeito ao natural desgaste que tais
equipamentos sofrem em combate. Sua durabilidade é curta, necessitando de
manutenção complexa e durante tempos regulares. O então secretário da Marinha
Americana, James Webb, em 1987, já abordava o assunto na revista Parede, de 5
de julho:

“Todo esse sofisticado equipamento é um negócio incrível, mas os soldados


não devem se tornar dependentes dele. A natureza de um conflito será diferente no
início, com toda essa nova tecnologia – mas, após algumas semanas, voltará a ser
como sempre tem sido. Grande parte desse equipamento de elevada tecnologia
ficará emperrada, devido à areia ou à lama. Um batalhão de fuzileiros, todavia,
continuará a combater.”135

O Vietnã proporciona lições interessantes sobre esse tema. Apesar de uma


disparidade gritante no contexto tecnológico, com saldo positivo para os EUA, os
norte-vietnamitas foram capazes de sustentar e vencer a guerra. Isso se deveu a
uma série de fatores que não foram bem analisados pelos EUA antes de lançarem-
se na guerra. O terreno, o clima, a vegetação, a motivação dos norte-vietnamitas, a
cultura asiática e a sua obstinação em vencer os americanos, mesmo a um custo de
vidas chocante, neutralizaram o poderio de helicópteros UH-1H, aviões F-4, B-52 e
bombas de napalm.

134
MAGGART, Lon E. Your Mind is Your Primary Weapon. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 4, p.5, jul-
ago. 1996. “É fácil ficar impressionado com tecnologia do carro de combate M1A2 Abrams. Sua arma principal
precisa, sua visão térmica e controle de fogo computadorizados, seu poderoso motor, e sua arquitetura digital é a
melhor no mundo. Mas, sem os quatro tripulantes, que têm o conhecimento, a coragem, e o desejo de encontrar e
destruir o inimigo, todas as qualidades dessa grande máquina de guerra serão desperdiçadas”. (tradução livre).
135
Apud BERENS, Robert J., Fuzis, audácia e capacidade de durar na ação – ainda os fatores decisivos. Military
Review (edição em português), EUA: ECEME/EUA, Vol. LXVIII, nº 2, p. 55-56, mar-abr. 1988.
130 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

A técnica utilizada pelos norte-vietnamitas foi simples: obrigaram os


americanos a combater no nível deles, pois sabiam que, se tentassem um combate
no nível operacional e tecnológico dos americanos, iriam fatalmente perder.
Obrigaram os EUA, inclusive, a um combate prolongado, diminuindo pouco a pouco
a sua capacidade tecnológica tendo em vista a natural queda de desempenho que
equipamentos muito complexos tendem a revelar com o passar dos dias de
combate.
Em 3 de outubro de 1993, dezoito norte-americanos foram mortos e 48
feridos, durante uma emboscada em Mogadiscio, capital da Somália. Mesmo bem
equipados e adestrados – havia tropas Rangers e Delta Forces - os americanos
perderam helicópteros abatidos por simples lançadores de granadas. Mais tarde,
soube-se que a causa do fracasso havia sido culpa da CIA. Os agentes confiaram
em uma única fonte, cuja credibilidade era questionável.
Os afegãos fizeram exatamente a mesma coisa contra a ex-URSS na década
de 80. Na Guerra da Coréia, os chineses, com armamentos bem inferiores
tecnologicamente, destruíram diversos carros de combate norte-americanos com
cargas explosivas colocadas embaixo dos veículos militares. Os russos, na 2ª
Guerra Mundial, fizeram o mesmo com a Alemanha.
O aparecimento do GPS (Global Position System), um sistema que permite a
navegação terrestre, aérea e marítima por intermédio de uma constelação de
satélites estacionários colocados sobre a Terra, é um exemplo de como não
devemos ser dependentes de tais tecnologias. O seu funcionamento e eficácia é
notoriamente comprovado. Ele possibilita uma navegação extremamente precisa,
além de proporcionar uma exatidão maior nos fogos de artilharia e de aviação.
Contudo, todo o sistema de satélites se encontra nas mãos dos EUA. Caso
um dos contendores não atenda interesses americanos, um exército que se valer
unicamente de tal sistema para lançar seus mísseis, deslocar suas tropas ou guiar
seus aviões passará por sérias dificuldades. Em pouco tempo deverá retornar à
velha bússola, carta e terreno para realizar estas missões. Caso os seus homens só
tenham sido instruídos com GPS para atividades que exijam navegação terrestre,
aérea ou naval, certamente terão sérios problemas para se deslocarem de um ponto
ao outro. Enfim, o combate voltará a ser travado nos níveis de antes. A questão é:
eles estarão preparados?
131 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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É comum, como já visto anteriormente, a supervalorização de determinados


equipamentos. Seja por parte do fabricante, que tem o óbvio desejo de vendê-lo,
seja por parte dos militares, ansiosos em operar armamentos novos e que resolvam
suas deficiências num passe de mágica.
A experiência tem demonstrado que, quando tais equipamentos são
submetidos às necessidades de um combate real, suas possibilidades, de maneira
geral, ficam abaixo do esperado.
Sabe-se que durante a Guerra do Vietnã o apoio de artilharia americano era
infinitamente superior ao dos seus inimigos (praticamente não possuíam). Isso
facilitaria a vitória, certo? Nem tanto. Os EUA gastaram, no conflito inteiro, duas
vezes mais bombas e munições que em toda a Segunda Guerra Mundial136. Só a 1ª
Divisão da Cavalaria realizou 132.000 disparos de artilharia. Matou 1.342 vietcongs.
Isso significa cerca de noventa e oito projéteis para matar um homem, sem contar
com as bombas de aviação e outros artefatos utilizados.
Os mísseis Patriot, utilizados na Guerra do Golfo pelos EUA (1991), são um
bom exemplo. Apesar da tão propalada capacidade em interceptar e destruir mísseis
Scud inimigos no ar, após o término do conflito, a mídia divulgou os resultados do
desempenho desses armamentos. Sabe-se, hoje em dia, que eles não foram tão
eficazes na proteção de Israel, por exemplo, quanto se imaginava.
Assistir a uma demonstração de tiro de um novo carro de combate é bem
diferente do que vê-lo em combate. São pequenos detalhes que, somados no
conjunto de uma guerra, acabam frustrando muitas expectativas. Atirar com um
carro com a escotilha aberta, com alvos brancos de pano contrastando com o verde
da área de tiro, com a guarnição descansada, com ausência de fumaça, sem a
pressão de tiros de artilharia inimiga, com os rádios funcionando e tanques de
combustível plenos é uma atividade totalmente diferente da realidade do campo de
batalha. Neste caso, os alvos são pulverizados com um mínimo de tiros realizados.
Já tive, infelizmente, a oportunidade de ver demonstrações que eram verdadeiros
“teatros”, superestimando as potencialidades de um equipamento, do pessoal e da
técnica empregada. Isso levou alguns a creditarem que o que viram era real e
facilmente executável.

136
ALEXANDER, Bevin. A Guerra do Futuro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999. p. 63.
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Contudo, quando entram os imponderáveis e o caos da guerra, ou seja, o


barulho ensurdecedor do campo de batalha, o movimento da viatura subindo e
descendo valetas, a dificuldade de controle da formação, as péssimas condições de
visibilidade, a fumaça das explosões mais variadas, o rádio que não funciona, o
carro que foi avariado ou atolou na progressão, o inimigo que “não fez aquilo que se
imaginava” e o medo de morrer, agindo de forma inexorável na capacidade da
tripulação em engajar alvos, transmitir comandos exatos e manobrar corretamente o
carro, tudo isso muda. O desempenho cai vertiginosamente e a nossa crença no
armamento passa a decair, tachando-o de mal projetado ou de imprestável.
Na verdade o que há é uma supervalorização do equipamento em detrimento
do adestramento do homem. Há uma tendência natural em se “jogar todas as fichas”
em um novo equipamento, para suprir deficiências de adestramento individual e
coletivo dos homens.
Ao invés de receber o novo equipamento como ferramenta para aumentar o
poder de combate de um determinado exército, opta-se pelo caminho mais fácil:
utilizar esse equipamento para preencher eventuais lacunas na instrução. Acredita-
se que um moderno equipamento, operado por homens “mais ou menos” treinados
resultará em vitória. É um grave engano em tempo de paz.
Em 9 de junho de 1982, Israel desencadeou um maciço ataque contra 19
baterias sírias de mísseis SA-6 SAM137, localizadas no vale do Bekaa, no Líbano.
Este “ataque preventivo”, tão comum no linguajar israelense, tinha como objetivo
impedir bombardeios por intermédio destes mísseis, por parte da Organização para
Libertação da Palestina (OLP) contra povoados israelenses no norte de Israel.
Os sírios estavam equipados com mísseis soviéticos de tecnologia de ponta e
creditavam a eles o sucesso numa eventual intervenção aérea israelense no vale do
Bekaa.
O resultado mostrou-se desanimador para os sírios. Em 10 minutos, a Força
Aérea Israelense destruiu 17 das 19 baterias sírias. Mas por quê? Os equipamentos
não eram bons?
Algumas das respostas podem ser encontradas em dois erros cometidos
pelos sírios. Ambos dizem respeito ao mau uso dos equipamentos disponíveis por
falta de adestramento em situação de combate.

137
mísseis terra-ar de fabricação soviética
133 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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O primeiro foi um erro tático, já que os sírios não usaram a mobilidade que
tais baterias permitiam. Optaram por mantê-las enterradas no terreno por mais de
um ano. A instrução russa recomendava que as baterias deveriam ser adestradas
para realizarem contínuas mudanças de posição. Mas os sírios acharam que era
desnecessário. A grande gama de aparatos tecnológicos seria suficiente para vencer
Israel, mesmo parado. Quando o ataque começou e as baterias começaram a ser
destruídas, uma a uma, os seus operadores eram incapazes de movimentá-las e
mantê-las atirando. Além do que, Israel já as havia detectado com antecedência.
O segundo erro, este de adestramento, foi a falta de conhecimento do
equipamento no que se refere às emissões de radiação por parte dos controladores
sírios de SAM. Como não estavam adestrados da forma necessária, os sírios
emitiam mais radiações do que o necessário para engajar as aeronaves israelenses.
Tal fato tornou fácil o trabalho de Israel. Não só a localização, mas também a
“assinatura digital” das baterias foram descobertas pelas FDI. Bastou um trabalho de
interferência eletrônica para anular todo o aparato tecnológico da Síria.
Antes mesmo do desastre ocorrido no vale do Bekaa, os sírios já haviam tido
uma lição neste sentido. Contudo, não aprenderam com ela. Em 1967 estavam
equipados com carros de combate modernos e certos de uma vitória contra os
israelenses. Todavia, o resultado foi diferente do esperado. Embora possuíssem
viaturas mais modernas, praticamente todos os seus carros que foram engajados em
combate foram destruídos. A causa deste revés foi a de que acharam que com os
carros novos, não necessitariam de espaldões para protegê-los. Os israelenses, em
atitude ofensiva, puderam engajar facilmente os carros de combate sírios, sem a
proteção adicional de espaldões de areia. Suas tripulações haviam sido mal
adestradas e acreditavam que os novos carros de combate iriam suprir suas
deficiências, inclusive nas instruções básicas de organização do terreno. Na Guerra
do Yom Kippur, em 1973, contra Israel, foram vítimas, mais uma vez, deste mesmo
tipo de armadilha.
A agressividade pessoal e a capacidade combativa individual ou de pequenos
grupos, tendo em vista a posse de equipamentos modernos, também não garantem
vitória. Ainda na guerra do Yom Kippur, pode-se verificar tal assertiva num trecho de
Chaim Herzog, em seu livro “A Guerra do Yom Kippur”, na sua parte conclusiva.
134 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

“O consenso predominante foi de que os sírios lutaram melhor do que haviam


feito no passado, por terem sido treinados especificamente para a missão que
tinham a cumprir e à qual não fugiram. De um modo geral, o Comando sírio exibiu
um grau de audácia até então jamais demonstrado. Individualmente, o soldado sírio
provou ser valente, mas o padrão das guarnições de seus carros de combate era
extremamente baixo. Como acontecia nos demais exércitos árabes, nunca se
afastavam da doutrina que lhes tinha sido ensinada e, quando surgiam situações
para as quais não tinham sido preparados, geralmente mostravam-se indecisos”138
(grifos do autor).

Verifica-se, que apesar de possuírem carros de combate russos modernos, os


sírios não investiram o suficiente no adestramento de suas guarnições. Vale lembrar
que, em termos tecnológicos, os carros de combate israelenses, em geral, ficavam
atrás dos seus oponentes. Mas as unidades blindadas israelenses sempre
depositaram grande esforço e esperança no adestramento das guarnições e não
somente na tecnologia dos seus carros.
Outro aspecto que chama a atenção é a falta de iniciativa dos sírios. O
adestramento deles era altamente rígido, resultado da influência soviética e do
totalitarismo sírio, não incentivando qualquer criação por parte dos subordinados.
Mais uma vez, a tecnologia foi superdimensionada em detrimento do adestramento
flexível e dinâmico visando responder às perguntas e aos imperativos que só o
campo de batalha pode impor.
As modernas tecnologias em armamentos e equipamentos são fatores
importantes para que um exército possa atingir a vitória. Todavia, não são
fundamentais e não garantem o sucesso das operações. A tecnologia pode
minimizar perdas, aumentar a letalidade de uma tropa, permitir análises mais
apuradas, precisão nos engajamentos, aumentar a amplitude do campo de batalha,
além de ser um fator de dissuasão para os exércitos que as possuem em grande
quantidade. Pode, dependendo da situação, até definir o resultado de um conflito.
Por outro lado, ela não pode vencer batalhas por si só. O seu potencial não
pode ser superdimensionado em detrimento de outros fatores, tais como:

138
HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977. p. 374.
135 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

adestramento, liderança, estrutura organizacional lógica e eficiente, bravura,


criatividade e experiência em combate, dentre outros.
É importante lembrar que a maioria dos exércitos não possui tais
equipamentos na quantidade necessária, pois são extremamente caros e sua
aquisição é dificultada por aqueles que os fabricam. Mais importante do que ter
armamentos no “estado da arte”, é saber utilizar bem aqueles existentes e
disponíveis, sempre consciente das suas vulnerabilidades frente à realidade do
combate.
Os EUA, que possuem, sem qualquer espaço para contestação, os melhores
e mais modernos equipamentos bélicos do mundo teriam tudo para não se
preocuparem com isso. Mas, ao contrário, a sua preocupação é grande, como
escrito no excerto abaixo:

“The Army will field the best equipment money can buy to win on the
battlefields of the 21 st Century. But at same time, we must understand that
advanced technology alone will not solve all of our problems. I believe that the best
weapon available to the monted force is one that already exists between the ears of
ours soldiers – the brain. A trained and educated mind is the most important weapon
on the battlefield today and will be well into the future.139”(grifo do autor)

Sob bons comandos, treinamento eficiente e com moral elevado, é possível,


conforme demonstrado nas linhas acima, que homens de valor consigam diminuir o
fosso tecnológico entre exércitos oponentes. O homem é - e sempre será - o
equipamento mais moderno no campo de batalha.

Investimentos nas Forças Armadas e Soldos

Os militares, na sua maioria, são um estamento despido de grandes


aspirações econômicas. A própria similaridade com o sacerdócio, em certos pontos,
já desestimula que pessoas com ambições materiais extremadas procurem a

139
MAGGART, Lon E. Your Mind is Your Primary Weapon. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 4, p.5, jul-
ago. 1996 “O Exército vai se exercitar com o melhor equipamento que o dinheiro pode comprar para vencer nos
campos de batalha do Século XXI. Mas ao mesmo tempo, nós devemos entender que a tecnologia avançada
sozinha não resolverá todos os nossos problemas. Eu acredito que a melhor arma disponível para equipar um
força é uma que já existe entre as orelhas dos nossos soldados - o cérebro. Uma mente treinada e educada é a
arma mais importante no campo de batalha hoje e no futuro”. (tradução livre).
136 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

profissão militar. Um militar sabe que, ao escolher a profissão das armas, o desgaste
físico e psicológico, o conforto limitado, e a escassez de recursos serão companhias
rotineiras durante sua vida castrense. Porém, é imperioso que a Nação lhes pague
de forma justa. A sua vida atribulada, com exercícios que lhes toma boa parte do
tempo, viagens e outras tarefas que não o permite cumprir um expediente similar às
demais profissões, torna-o dependente de um soldo que atenda suas necessidades
normais.
Em tempo de paz, os soldos, forma pela qual se chama o salário dos
militares, tendem a ser cada vez menores, visto que a sociedade não reconhece a
necessidade do seu trabalho facilmente.
Caso esse exército pertença a um país que sofreu alguma intervenção direta
das Forças Armadas no campo político, o problema se torna mais contundente. É o
caso de diversos países da América Latina, África e Ásia. O poder político civil,
subseqüente ao militar, numa atitude de revanchismo ou de necessidade política
para manter a sua lógica governante de oposição “histórica” aos “governos
ditatoriais”, impõe sacrifícios econômicos aos militares de maneira geral.
Se, por um lado, tal atitude possa ser considerada natural, haja vista as
feridas abertas durante um regime mais duro, por outro, os governantes que assim o
fazem, se esquecem da importante função política e social das Forças Armadas em
tempo de paz. Elas são, dentro do Poder Nacional, uma expressão fundamental que
ancora ou, no mínimo, lastreia diversas decisões de Estado.
Leia-se a transcrição do texto abaixo, referente ao Exército russo, para que se
tenha uma visão prática das conseqüências de uma tropa mal remunerada e com
investimentos escassos com o passar dos anos, às vésperas da 1ª Guerra Mundial.

“...A necessidade de agradar ao poder, para galgar ao generalato, e o temor


permanente de desgostar o chefe, para não perder a comissão, explicam de sobejo
a inépcia do alto comando, com exceção de alguns raros generais.
As paradas e os desfiles assumem papel preponderante.
A despeito do serviço militar obrigatório, nem 50% dos jovens servem à
instituição, os demais obtêm isenção por privilégios injustificáveis. Os apadrinhados
furtam-se ao serviço militar.
Os generais são, de modo geral, incompetentes, acomodados e
subservientes. Os chefes de algum valor ignoram completamente a situação social
137 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

do país e, por isso, serão ultrapassados pelos acontecimentos, quando forçoso lhes
for tomar decisões de cunho político.
O corpo de oficiais pode ser considerado bom, no seu conjunto. A ampliação
e excelente rendimento de suas escolas de formação, de aperfeiçoamento e de
especialização têm produzido bons resultados. Bem instruídos e profissionalmente
capazes, apegados à tropa e, sobretudo valentes, os oficiais são verdadeiros
condutores de homens. Contudo, o corpo de oficiais não apresenta homogeneidade.
Superada a clássica e universal competição de armas, distingue-se uma rivalidade
de classes entre os oficiais com e sem o curso de estado-maior.
Os oficiais têm origens sociais muito heterogêneas. A posição social do
oficial é das mais modestas. Soldos baixíssimos, péssimas guarnições, desprestígio
público e obrigação de manter uma representação condigna, só tendo compensação
no amor à profissão. Sua situação econômica e a implacável vigilância política
fazem-nos correr sérios riscos de estagnação e conformismo. Muitos deles, por
ambição, amor ao estudo ou reação contra a ignorância, candidatam-se ao Curso de
Estado-Maior. Sendo o número de aprovados muito reduzido, é natural que surja um
grande número de descontentes e frustrados que hostilizam o Quadro de Estado-
Maior.”140 (grifos do autor)

No texto acima, verifica-se um estudo de caso onde se pode ver de forma


clara e explícita as mazelas que a falta de investimento e soldos baixos acarretam
para um exército. Os seus reflexos vão desde a cúpula do exército, onde os generais
se vêem obrigados a tomar atitudes que normalmente não tomariam, mas o fazem
tendo em vista as escassas possibilidades econômicas, até os quadros da mais
baixa hierarquia.
O aumento de intrigas internas, falta de estímulo, frustração profissional e
pessoal, conformismo, estagnação na carreira, perda da capacidade combativa do
exército são, dentre muitos outros, conseqüentes de um soldo injusto e,
principalmente, de pouco investimento nas forças armadas.
Recentemente, em 2000, com o afundamento do submarino russo Kursk, no
Mar de Barents, tais aspectos, fruto do sucateamento das forças armadas russas e
dos seus quadros, foram sobejamente mostrados em diversas áreas da mídia.

140
Apud MINERVINO, Oacyr Pizzotti. Forças Armadas em tempo de paz: reflexões. A Defesa Nacional, Rio de
Janeiro: Bibliex, nº 760, p. 40 – 41, abr. – jun. 1993.
138 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Mostrou-se, inclusive, militares que, por absoluta falta de dinheiro, foram obrigados a
levar famílias inteiras para bordo de navios ou para morarem dentro das próprias
unidades. Quais serão os reflexos disso para a eficiência das forças armadas russas
no futuro próximo? Quantos anos os russos levarão para conseguir colocar suas
instituições militares num estado de eficiência compatível com os interesses do
Estado? Certamente décadas e gerações de militares serão necessárias.
Quanto menos coesa for a tropa, quanto mais mal paga, menos eficiente ela
será. Além disso, menos estímulo existirá no seu seio para que os seus quadros se
aperfeiçoem.
A falta de salários condizentes, aliada à impossibilidade jurídica de o militar
realizar outros serviços que completem as necessidades econômicas dele e de sua
família, acabam por desvirtuar certas atitudes. Passa a ser normal a esposa possuir
um negócio em seu nome (juridicamente a maioria dos exércitos não autoriza que o
militar gerencie qualquer tipo de negócio), mas que na realidade é “tocado” pelo
próprio militar.
Apenas como curiosidade, quando o futuro presidente do Brasil, Ernesto
Geisel era tenente e Secretário de Obras do governo paraibano, passou por uma
fase difícil, em que os militares eram mal pagos e tinham que recorrer a subterfúgios
para complementar os salários. Aliado a isto, havia a crescente politização dos
quadros militares. No caso de Geisel, a solução foi montar uma sociedade com o
industrial Drault Ernanny, para atuar na área de cimento.141
Este quadro acarreta desgaste ao militar, refletindo na perda pelo interesse
em algumas atividades militares que possam prejudicar o andamento do negócio
fora da caserna (exercícios no campo, por exemplo), além de trazer-lhe problemas
de ordem social, já que pouco tempo passa com a família. Some-se a isso os
problemas intrínsecos, tais como abuso do álcool e outras drogas, problemas
psicológicos (depressão, agressividade, irresponsabilidade) e o aumento da prática
de atos ilícitos por parte do pessoal militar. Alguns países da ex-URSS são exemplos
típicos nesta direção. Parcela expressiva dos seus quadros, segundo a mídia,
encontra-se em situação similar ao descrito acima.
Além do mais, pelas suas qualidades morais e intelectuais, quando ocorre a
desvalorização do militar, uma grande parte de militares extremamente capazes não

141
MORAIS, Fernando. Chatô, o Rei do Brasil. São Paulo: Schwarcz, 1994. p.321.
139 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

se preocupam em concorrer aos cargos mais altos da força. Quando atingem o


tempo para solicitar sua reserva, eles os fazem. Isso se justifica na medida em que
ele vê horizontes mais promissores na vida civil, onde poderá utilizar sua capacidade
profissional e experiência adquirida na caserna em trabalho que lhe traga maiores
dividendos financeiros e bem-estar para sua família.
Conclui-se, no que se refere aos investimentos na forças armadas e nos
soldos dos militares, que este é um vetor importante na manutenção de um exército
preparado. Os investimentos devem ser suficientes para manter os padrões dos
materiais existentes. Eles devem, ainda, proporcionar ao longo do tempo uma
reposição dos meios militares a fim de atender às necessidades bélicas de um país,
mantendo seus equipamentos o mais próximo possível do “estado da arte” e
compatíveis com as hipóteses de conflito de cada país.
Os investimentos em pessoal são, em suma, extremamente importantes por
ser a profissão militar uma carreira típica do Estado. Como os militares dependem
unicamente dos seus soldos, torna-se imperioso pagar-lhes de forma justa. Além de
ser uma carreira de sacrifícios, ela impõe um aperfeiçoamento constante, além de
sacrifícios pessoais e dos seus familiares. A dedicação exclusiva tem como corolário
bons soldos. A não observância deste detalhe pode minar seus homens, fazendo
com que a carreira militar torne-se pouco atrativa, não incentivando que homens
capazes façam parte dela. Enfim, o militar deve ser tratado como profissional.

Ψ ΨΨ
140 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

CAPÍTULO 6

A Preparação para a Guerra

Outros aspectos

Sociedade, Política e Militares


“Quando nos tornamos soldados, não deixamos de ser cidadãos”.
Gambetta

A política e os militares possuem uma ligação estreita em qualquer país.


Ambos representam expressões do poder nacional de uma Nação. As relações entre
eles tendem a ser delicadas em alguns países, via de regra naqueles em
desenvolvimento. Em outros, notadamente os mais desenvolvidos, ela percorre
caminhos naturais, nos quais os choques são fortuitos e de pequena monta.
Isso ocorre porque, nas nações mais desenvolvidas, com um período histórico
mais longo, os campos do poder já atingiram grau de maturidade que permite a
coexistência pacífica entre todos eles. Cada expressão do poder nacional sabe até
onde vai sua esfera de atribuições e, o mais importante, confia que as demais estão
fazendo o seu trabalho de forma séria e dentro dos ditames legais.
As palavras do ex-Ministro da Defesa, Geraldo Quintão, são interessantes
dentro desse contexto:

“O monopólio que os militares exerceram por muito tempo sobre temas


relacionados à segurança impediu a formação de uma "cultura de defesa" tanto nas
áreas que deveriam ter vínculo direto com o assunto, como a Chancelaria e o
Congresso, quanto nas que poderiam contribuir com novas idéias e abordagens,
como as universidades e a imprensa.

A Política de Defesa Nacional, adotada em 1996, representa o resultado do


esforço conjunto de diplomatas e militares, um importante marco na parceria entre
141 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

civis e militares no Brasil, no sentido de fixar as linhas mestras do planejamento


estratégico brasileiro. De outra parte, o processo que culminou com a criação do
Ministério da Defesa, que contou também com a participação de civis de diversas
áreas do Governo, entre eles vários diplomatas, tornou possível a abordagem mais
abrangente e multidisciplinar das questões de defesa, cuja complexidade envolve
atores extra-estatais, transcende fronteiras e perpassa, muitas vezes, o aspecto
puramente militar.

Criada a pasta da defesa, uma das principais tarefas do Ministro passou a ser
a de estabelecer novos conceitos estratégicos para o País. Com o entrosamento das
Forças Armadas à estrutura ministerial civil do Governo, não cabe mais a elas
determinar isoladamente, como ocorria no passado, seus objetivos e missões.
Compete ao Ministro da Defesa, com base nas premissas ditadas pelo Presidente da
República, elaborar as diretrizes de alto nível que irão orientar a configuração do
sistema de defesa nacional. Esta tarefa, que se encontra em andamento, deverá
basear-se na avaliação racional dos arranjos vigentes e considerar seu eventual
reequacionamento, à luz dos condicionantes internos e externos que deverão afetar
o País nas próximas décadas.”142

Contudo, em alguma fase da história de um país, o estamento militar tem um


papel preponderante. Normalmente, essa preponderância se dá no alvorecer da
Nação ou após uma crise nas instituições. No seu nascedouro, um país encontra
forças adversas que tentam impedir o seu parto, em especial aquelas sob imposição
de uma metrópole. Como as forças políticas de uma Nação jovem ainda são débeis,
há a necessidade natural da intervenção militar com a finalidade de proporcionar
condições para que os outros campos se desenvolvam e haja o rompimento com as
forças metropolitanas.
À medida que as forças políticas, econômicas e outras encontram o seu
caminho e adquirem maturidade, a tendência é a desmilitarização do Estado.
Entretanto, essa desmilitarização é complexa, pois trata de definir novos limites aos
militares, reduzindo sua representatividade. Isso implica em enormes problemas no
período de transição. Caso essa transição não seja bem executada, os males

142
Palestra proferida pelo Ministro Geraldo Quintão, em 28 de agosto de 2000, aos alunos do Instituto Rio
Branco, sobre o tema “Defesa, Diplomacia e o Cenário Estratégico Brasileiro”
142 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

anteriores poderão ressurgir, obrigando o campo militar a extrapolar suas


atribuições.
Na América Latina, isso foi comum nos últimos cinco séculos. Vários motivos
levaram a este estado de “militarização política”. A própria descoberta e a
colonização da América Latina sofreu, desde o início, uma influência militar
gigantesca por parte de Portugal e da Espanha. Estes dois países, com ênfase para
a Espanha143, a fim de conseguir controlar as novas terras, se utilizaram dos
militares para tal tarefa, haja vista a inexistência de meios civis na quantidade e na
qualidade que tal empresa carecia. Esta conjuntura viria a impregnar na cultura
latina, com algumas exceções, um espírito militar acendrado no que diz respeito aos
assuntos de Estado.
Na África e na Ásia, fenômeno semelhante ocorreu, já que as potências
colonizadoras também se utilizaram maciçamente de meios militares para impor a
ordenação política nos países conquistados. A Inglaterra foi o maior expoente nesse
tipo de ação, com a sua política colonial militarista.
Quando tais países tornaram-se independentes, essa “marca cultural” torna-
se assimilada, levando as forças armadas de cada país a conduzir os processos de
emancipação política.
Nos EUA, a ingerência militar na política foi sentida em diversas ocasiões. A
guerra contra o México, a conquista do Oeste Americano são exemplos de
predomínio militar na política. Nestes casos, ancorado na necessidade dos EUA em
ampliar seu território. Lá, haja vista essa predominância militar na política, muitos
militares acabaram galgando importantes postos na política. Grant e Taylor Jackson,
dentre outros, foram militares e ocuparam a presidência dos EUA.
No que se refere aos países europeus, tal fato também ocorreu. Inglaterra,
França, Espanha, Itália e muitos outros países sentiram a necessidade de uma
participação militar na formação dessas Nações. A diferença é que nestes países,
por possuírem uma história que remonta há milênios, esse processo já havia sido
vencido. A sua elite política, em maior ou menor grau, já havia amadurecido o
suficiente para ocupar o seu lugar dentro dos campos do poder.
Posto isso, verifica-se que a participação militar na política é uma realidade na
maioria esmagadora dos países, principalmente por ocasião dos movimentos de

143
Uma importante característica da colonização espanhola foi o belicismo exacerbado, oriundo dos séculos de
lutas entre espanhóis e mouros na península Ibérica.
143 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

emancipação, ampliação de território e outros em que os objetivos nacionais


obrigam tal preponderância.
Pretender afirmar que os militares não estão ligados ao processo político de
uma Nação em alguma fase de sua história, é falta de conhecimento ou erro
provocado a fim de desinformar ou modificar a história.
A entrada ou não de militares no cenário político é função da maturidade do
sistema político de um país, do compromisso da classe política com os anseios
populares e dos rumos que a política adotada conduz um país.
As forças armadas, na maioria dos países, não são uma corporação elitizada.
Ela congrega no seu seio uma significativa amostra da sociedade. Em alguns casos,
ela se torna a única instituição verdadeiramente representativa das idéias do povo.
Isso é muito comum quando a classe política que governa um estado se dissocia
desses anseios e começa a navegar por mares estranhos às necessidades do povo
e que atendem apenas a interesses particulares.
Gilberto Freyre reduz essa dicotomia em uma interessante análise:

“Ninguém assegura que seja normal, em qualquer país, quer seja ele
considerado democrático ou socialista, que o exército dirija ou oriente a Nação. Mas
ninguém pode ignorar a utilidade ou mesmo a necessidade desta anormalidade
quando ela for ditada pelos interesses nacionais postos em risco.” ·144

Roberto de Abreu Sodré vai mais longe: “Se os civis se envolverem em


demasia com suas preocupações especiais e esquecerem de suas obrigações para
com o país, como se surpreender com os militares ao ocuparem eles o espaço a
ponto de organizar a própria sociedade civil?”145 ·
Os militares não podem e não devem ser considerados um corpo estranho
aos poderes constituídos. Eles são parte integrante e extremamente importante no
contexto da organização política de uma Nação. O General Ernani Ayrosa também
fornece sua idéia sobre o assunto:

144
FREYRE, Gilberto. Forças Armadas e Outras Forças. Recife: Imprensa Oficial, 1965. Apud HAYES, Robert
Ames. Nação Armada. A Mística Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Bibliex,1991. p. 219.
145
Discurso proferido em 1966, quando era governador eleito. Apud HAYES, Robert Ames. Nação Armada. A
Mística Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Bibliex,1991. p. 219.
144 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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“Estas considerações sobre fatos que considero normais em todas as famílias


sem vínculos com o meio militar expressam também o pensamento do meio civil,
onde a ignorância sobre a atuação do Exército gera uma certa parcela de risco para
o regime democrático brasileiro. A interpretação de fatos e acontecimentos que
freqüentemente ocorrem pode levar a massa, manipulada por falsos líderes, a
atitudes impatrióticas, vulgares e sem sentido cívico. Menosprezam as Forças
Armadas com a leviana declaração de que somos diferentes, fingindo que
desconhecem seu valor. Somos povo, somos Brasil e jamais nos desligamos dos
interesses da Nação146.”

Destaca-se das palavras do general a ignorância do povo sobre o Exército. O


Exército Brasileiro ainda tem muito o que melhorar neste aspecto. Um local que é
pouco explorado e deve ser motivo de atenção especial são as universidades. É
preciso que mais militares dirijam-se às faculdades e falem, em palestras e reuniões,
sobre as nossa Forças Armadas. Eles não sabem sobre nós e querem saber!
Aos militares cabe o importante papel de dar o suporte seguro para que os
demais campos atuem. Esquecer-se disso é colocar em risco que se atinjam na
plenitude os objetivos nacionais, levando, possivelmente, a um estado bélico interno
ou externo no futuro.
A sociedade em geral tem a percepção da importância de suas forças
armadas. Deposita nelas grande respeito e admiração, e entende que os eventuais
reveses sofridos são conseqüências normais de uma instituição que trabalha sempre
em momentos de crise, seja ela interna ou externa.
Outro aspecto a ser analisado, neste pequeno estudo sobre militares e
política, é a razão pela qual os militares em diversos países são levados a interferir
no poder político. Uma das causas é, sem dúvida, a inépcia pontual de uma
determinada classe política em conduzir um país dentro dos rumos que a sua
população acredita ser a melhor, atingindo um ponto de inflexão em que não há
retorno. Outra causa, é o momento histórico vivido. No contexto da Guerra Fria, a
partir do final da década de 40 do século XX, houve a aceitação e, até mesmo, o
estímulo por parte dos EUA para que tomadas do poder por forças militares
ocorressem como prevenção ao comunismo.

146
SILVA, Ernani Ayrosa da. Memórias de um Soldado. Rio de Janeiro: Bibliex, 1985. p.164.
145 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Contudo, há também uma componente militar. O Marechal Castello Branco


teceu alguns comentários sobre o problema. Ele dizia que havia, dentro do seio
militar, duas mentalidades: uma profissional e outra miliciana. A primeira era voltada
para a Instituição e defesa do Brasil; a outra era de cunho partidário e direcionada
para interesses pessoais. Segundo Castello Branco, quanto mais profissionais as
forças armadas, menor será a possibilidade de se imiscuir em assuntos que não são
da sua esfera de atribuições. Castello, justiça seja feita, combateu como pôde os
chamados “militares milicianos” ou “forças autônomas” dentro do Exército. O Trecho
da carta abaixo, demonstra isso:

“Está sendo amplamente divulgado que oficiais associados aos que


conduzem investigações, querem fechar o teatro onde se exibe “Liberdade”. Procurei
de imediato conhecer a natureza da peça. O DOPS147 da Guanabara examinou-a e
decidiu que não se trata de perturbação da ordem pública, que é isenta de conteúdo
subversivo. Além disso, Riograndino mandou seu adjunto mais inteligente e mais
revolucionário ver e ouvir a peça. Ele concordou com o Coronel Gustavo Borges.
Não obstante, os boatos de que oficiais fecharão o teatro ameaçam a liberdade de
opinião.
Além disso, alguns oficiais determinaram a apreensão de livros. Isso só serve
para baixar o nível intelectual da Revolução. Além de não produzir qualquer
resultado, constitui um ato governamental usado somente em países comunistas ou
nazistas.
Em conseqüência, solicito a você que examine e tome todas as providências
sobre o assunto a que me referi. A “força autônoma” necessita, urgentemente, ser
esclarecida, contida e, se necessário, reprimida.”148

Mas Castello, com sua imensa capacidade de antever o futuro, disse, em


1955, numa palestra para a Escola Superior de Guerra, de forma quase profética:

“...Há quem diga que a melhor maneira de as Forças Armadas cooperarem na


recuperação moral do País é a da intervenção e da posse do governo. Os mais

147
Departamento de Ordem Política e Social.
148
Apud MATTOS, Carlos de Meira. Castello Branco e a Revolução. Rio de Janeiro: Bibliex, 1994. p. 180 –
181. Trecho da carta de Castello Branco a Costa e Silva, de 02 de junho de 1965.
146 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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sinceros alegam que isso se impõe, diante da incapacidade das instituições políticas
na resolução dos problemas da Nação.
As Forças Armadas têm capacidade política para empreenderem a solução
dos problemas políticos e administrativos da Nação?
Ou se deseja, na realidade e simplesmente, que elas, num regime de
ditadura, mantenham uma facção no poder e custodiem uma outra facção?149”
(grifos o autor)

Sobre esse problema – o de militares “milicianos” se imiscuírem em


problemas políticos numa Nação – podemos aprender um pouco com o livro
“Militares, Confissões”, de Hélio Contreiras. Nesta obra, são entrevistados vários
almirantes, generais, brigadeiros e coronéis que participaram do movimento de 64. A
maioria esmagadora, senão todos, apontam como erro principal do movimento o
tempo excessivo – Castello queria passar o poder para um civil o quanto antes – e o
AI-5 com seus excessos. Dois depoimentos merecem destaque:

“Disse ao Ednardo (General Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II


Exército) que seus oficiais(...) mostravam um despreparo porque estavam
exacerbados ideologicamente. Percebi que eles não estavam profissionalmente
preparados para as funções que exerciam, e poderiam ocorrer excessos. A morte de
Herzog no Doi-Codi não me surpreendeu e poderia ter sido evitada.”150

“Participei do regime militar, e nunca me coloquei na oposição, naquela


época. Não quero agora colocar o regime no banco dos réu. Mas tenho de
reconhecer que cometemos erros, até porque, na realidade, revelamos uma falta de
condições para exercer a chamada atividade política, para a qual não somos
formados.”151

149
Idem. p. 189.
150
CONTREIRAS, Hélio. Militares: confissões: Histórias Secretas do Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
p.121. Depoimento do General Antonio Carlos de Andrada Serpa, chefe do Departamento Geral de Pessoal do
Exército no governo Figueiredo.
151
idem. p.78 – 79. Depoimento do Brigadeiro Octávio Moreira Lima, chefe do Departamento de Ensino da
Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica (ECEMAR) em 1969 e ministro da Aeronáutica do governo
Sarney.
147 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Segundo Samuel Huntington, em sua obra The Soldier and the Nation,
existem dois tipos de controle civil sobre os militares. O primeiro ele denomina
subjetivo, ou seja, ele acontece quando um grupo civil controla os militares em
proveito do próprio grupo. Isso torna os militares verdadeiras guardas pretorianas
dos interesses de um grupo político civil que não representa, necessariamente, os
interesses nacionais. Obviamente é uma distorção.
A outra denominação é o controle objetivo. Consiste na simples
profissionalização das forças armadas, de forma que ela atenda especificamente aos
interesses da Nação, sendo neutros e politicamente estéreis. Nesse ponto, ele diz “O
corpo de oficiais altamente profissionalizado encontra-se pronto para sustentar as
aspirações de qualquer grupo civil que exerça autoridade legítima no interior do
Estado.”·
O fato é que tentar colocar o papel dos militares em um patamar abaixo do
que realmente ele representa dentro de um país é erro de avaliação e falta de
conhecimento da história.
Os militares sempre ocuparão, dentro da política do Estado, um papel
importante. Quanto mais desenvolvida e amadurecida politicamente for a Nação,
melhor esse papel será compreendido e executado de forma natural, sem colisões.
O controle civil sobre os militares é natural e saudável. Contudo, este controle
deve ser de tal forma que não desvirtue a instituição e nem a coloque em níveis
inferiores ao que realmente lhe cabe. Essa conscientização, principalmente nos
países que saíram de regimes sob tutela militar, é fundamental a fim de que não
propicie intervenções ainda mais contundentes no futuro.
A América Latina vem passando por esse processo com relativa sabedoria.
As tensões estão sendo esvaziadas e os poderes políticos atuais, na medida em que
o tempo passa, vêm equilibrando essas forças. Na África e no Oriente, encontram-se
os maiores problemas nesse sentido. Nações que se encontram na infância
democrática têm tido problemas para redimensionar o papel dos militares no
contexto nacional e de construir instituições sólidas, em harmonia com a cultura
local. As expressões política e econômica, principalmente, não conseguem
responder, no nível necessário, aos anseios populacionais. Grupos políticos civis
brigam pelo poder, dissociando a capacidade de muitos países. Essa disputa interna
irresponsável acaba obrigando ou estimulando militares a tomar o poder a fim de
manter a soberania e evitar confrontos internos sangrentos. Entretanto, muitos
148 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

grupos de militares acabam distorcendo essas intervenções, desaguando em


corrupção, clientelismo e outras pragas que grassam em países imaturos
politicamente. É, sem dúvida, uma situação difícil, onde quem mais sofre é a
população, que não tem uma alternativa que atenda suas demandas mínimas.
O Exército Nacional do Afeganistão é um caso típico de instituição militar
cujas bases não estão assentadas em alicerces sólidos. Sua história, nos últimos
150 anos, demonstra falta de unidade e de identidade. Neste período, ele foi
reconstruído três vezes. No momento, passa pela sua quarta reestruturação, sob
influência dos EUA.
A causa dessa instabilidade institucional é, sem dúvida, a baixa coesão e
falta de profissionalismo dos seus efetivos militares frente às inúmeras guerras
externas e revoltas internas, sempre seccionando o exército e desestruturando-o. O
grande desafio das autoridades afgãs quando se referiam ao seu exército, era o de
tentar polarizar interesses divergentes numa instituição militar dividida em três
vertentes: o exército regular, os grupos armados tribais e as milícias comunitárias.
Segundo Ali A. Jalali152, o exército regular era mantido pelo Estado, servindo aos
líderes governamentais; os grupos tribais armados – configurando forças irregulares
– obedeciam aos respectivos chefes tribais, sob contrato e por tempo pré-negociado;
as milícias comunitárias obedeciam às orientações de chefes ou dirigentes
comunitários. Deste caldeirão de forças militares e paramilitares, conformava-se o
exército que deveria defender o país.
Certamente, os resultados foram negativos, redundando em desastres e
terreno fértil para o aparecimento de focos de guerrilhas antagônicos baseados em
tradições tribais, além de regiões fora do controle do poder central, refletindo em
bases locais visando a formação de terroristas. Pode-se dizer que a lealdade às
tradições e aos ícones tribais suplantava a lealdade e o compromisso com o Estado.
Esta dicotomia moldou uma organização militar dispersa, altamente instável em suas
respostas, dependente de negociações políticas complexas e subserviente aos
ditames daqueles que estavam no poder. Tal conjuntura levou Edward Hensman,
observador britânico da sociedade afegã, a dizer que:

152
JALALI, Ali A. Reconstituindo o Exército Nacional do Afeganistão. Military Review (edição em português),
EUA: ECEME/EUA, Vol. LXXXIII, nº 3, 3º Trim. 2003. p. 33.
149 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

“Ao afegão não lhe falta a coragem inata e é inigualável no combate em


terreno montanhoso, contanto que a luta tenha as características do combate de
guerrilha. Mas uma vez que se lhe pede esquecer a sua própria identidade e se
tornar meramente uma unidade dentro de um batalhão, perde toda a autoconfiança,
e é mais disposto a pensar mais em se ausentar do que em se manter firme, como o
teria feito junto aos seus amigos, liderados pelos próprios chefes.”153

A afirmação de Hensman corrobora a argumentação de que um exército


não pode estar ligado – cultural, histórica, religiosa ou politicamente – a um
determinado grupo social ou casta dentro de uma nação. Ao contrário, deve possuir
identidade própria, cultuar heróis significativos para toda a instituição e montar, ao
longo dos anos, o seu próprio ethos, dissociado de qualquer tendência regional.
Somente assim terá possibilidades reais de, ao longo das crises nacionais – internas
e externas – ter capacidade de filtrar os verdadeiros anseios do povo daqueles
fabricados por forças alheias aos objetivos nacionais permanentes. Sem dúvida
alguma, este será o maior desafio para os EUA tanto no Afeganistão como no
Iraque154.
O conhecimento pleno sobre a cultura militar é outra característica importante
para que um governo possa exercer com eficiência seu controle em relação às
forças armadas. Em muitos países verifica-se que aqueles que querem e devem
controlar as forças armadas desconhecem-nas. No Brasil, raros são os civis que
conhecem em profundidade assuntos ligados à Segurança Nacional. Muitos sequer
pisaram em uma unidade do corpo de tropa a fim de conhecer a rotina dos homens e
mulheres que labutam diariamente visando a segurança do País. Vê-se em muitas
matérias publicadas em jornais ou na Internet, um verdadeiro mercado editorial de
achismos e visões tendenciosas.
É fundamental que aqueles que desejam falar sobre os militares os conheçam
em profundidade. É imperioso que entendam o modus vivendi dos militares, suas
crenças, seus regulamentos e, o mais importante, como os militares pensam e as
razões que os levam a pensar de uma determinada forma.

153
JALALI, Ali A. Reconstituindo o Exército Nacional do Afeganistão. Military Review (edição em português),
EUA: ECEME/EUA, Vol. LXXXIII, nº 3, 3º Trim. 2003. p. 33.
154
Em maio de 2002 as Forças Especiais dos EUA iniciaram cursos de treinamento e adestramento de batalhões
no Afeganistão, numa tentativa de criar um exército nacional coeso. Cada curso dura 10 semanas e forma 600
homens.
150 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Ora, quando alguém tem o objetivo de falar sobre assunto específico e


complexo, um dos primeiros passos para se obter o conhecimento integral, é
procurar conhecer esse assunto dentro das mais variadas perspectivas.
Infelizmente, isto não ocorre em muitas situações. São homens e mulheres que se
lançam num vôo sem rota, permitindo-se abater alvos fortuitamente, sem saber se
são amigos ou inimigos, gerando informações e opiniões distorcidas, induzindo ao
erro de avaliação sobre assuntos atinentes às forças armadas.
Nesses novos tempos, quando se verifica uma tendência dos países recém-
saídos de governos militares em colocar os militares abaixo da importância que lhes
pertence, acabam-se cometendo erros crassos, que pretendem apenas atender a
interesses de minorias. Em muitos desses países, a classe política acha que o
estamento militar deve ser controlado e mantido sob a tutela política de um civil,
independente da qualificação que o ocupante deste importante cargo tenha, crendo
que tal atitude, por si só, bloqueie a influência dos militares em outras esferas. Como
já foi visto anteriormente, tal atitude acaba colocando pessoas completamente
despreparadas em funções que exigem conhecimentos complexos sobre segurança
nacional, gerando descrédito, cisão e desconfiança entre as pessoas envolvidas.
Os ministérios da defesa, criados em diversos países, têm sido usados como
ferramenta para tal propósito. Ao se colocar um civil sem conhecimento dos
“negócios da guerra” , na intenção de evitar futuras “quarteladas”, acaba-se por
propiciar um terreno fértil para descontentamentos e futuros problemas
desnecessários.
Os EUA, tidos como o maior exemplo de democracia do mundo, demonstrou
o contrário. O presidente George Bush, eleito em 2000, nomeou como Secretário de
Estado nada menos do que Collin Powell155, General e ex-comandante de tropas na
Guerra do Golfo (1991). Isso demonstra que para um governo o que interessa não é
se o ocupante do cargo é civil ou militar, mas sim a sua competência para tratar dos
assuntos pertinentes à segurança.
Tentar apagar ou minimizar o papel que muitos exércitos tiveram na formação
de fronteiras, na estabilização política de um país no seu nascedouro e, até mesmo,
como poder moderador em determinadas fases históricas – como foi o caso de

155
O qual teve as análises mais cautelosas sobre o ataque desferido contra o Iraque em 2003. Provavelmente,
tomou esta atitude exatamente por ser militar, ter participado da Guerra do Golfo de 1991 e saber em
profundidade das dificuldades em se combater inimigo altamente motivado pela religião, pelos costumes
muçulmanos e em território conhecido.
151 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Exército Brasileiro - é falta de conhecimento histórico da formação e evolução do


país e total ignorância dos fatos e instituições que participaram efetivamente da
construção da Nação. Desde que o exército desse país não seja formado por uma
elite, é lícito supor que todas as vezes que ele foi obrigado a ultrapassar suas tarefas
constitucionais, foi em função da identidade que possui com o povo ao qual
pertence.
É fundamental que uma Nação incentive civis a formarem um corpo de
pesquisadores e pensadores sérios e isentos sobre a Defesa Nacional, suas
prioridades, seus objetivos e meios para sua realização. Assim como é de
importância capital que os militares sejam conhecedores profundos do conjunto
sócio-político do país ao qual servem, e não simples aventureiros, que encubrem
intenções autoritárias e incompatíveis com a democracia. As distorções, de ambas
as partes, proporcionam que pensamentos como o transcrito abaixo encontre eco na
sociedade.

“Algumas práticas próprias dos casos estudados podem ser aplicadas no


ensino militar brasileiro...a limitação ou a eliminação da prática da ordem unida, o
uso do tratamento informal entre os cadetes...”156
ou
“A democratização das forças armadas brasileiras, particularmente o ensino
realizado por elas, implica a anulação do papel constitucional de defesa interna, ou
pelo menos sua clarificação e delimitação em termos de ação cívica, visto que essa
democratização é incompatível com a tarefa tradicional de proteção aos interesses
dos setores dominantes da sociedade e ao capitalismo internacional via instauração
de expedientes políticos autoritários.157

Afirmações desse tipo demonstram que apesar de o autor ser professor


adjunto da Academia da Força Aérea e doutor em Educação, como está transcrito
no livro de sua autoria, não conhece com profundidade o estamento militar.
As principais finalidades de uma formatura são: verificar a ordem unida, a
apresentação individual dos homens, a higidez física da tropa, recepcionar
oficialmente uma autoridade, aumentar o espírito de corpo das frações e servir como

156
LUDWIG, Antonio Carlos Will. Democracia e Ensino Militar. São Paulo: Cortez, 1998. p. 105.
157
idem. p. 108.
152 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

ferramenta para desenvolver atividades da área psicomotora e afetiva que exija


sincronização e espírito de equipe. Posto isso, verifica-se que as formaturas não são
inúteis, como alguns pensam. São utilizadas por todos os exércitos do mundo,
inclusive o suíço, citado por Ludwig como exemplo de “exército democrático”.
No que se refere a incompatibilidade constitucional das forças armadas
realizarem as missões de defesa interna, é oportuno lembrar que os EUA, “oratório
sagrado” da democracia moderna, usam sempre que necessário suas forças militar
para debelar problemas de ordem social. Como ilustração, lembremos dos
incidentes ocorridos na Califórnia (rebeliões contra o racismo), onde a Guarda
Nacional foi utilizada, e a postura atual de colocar as forças armadas para policiar,
prender e até mesmo gerenciar tribunais contra o terrorismo. Tal assertiva, visando o
afastamento das forças armadas dos problemas internos, ao que parece, busca
outros objetivos, obscuros para muitos, mas claríssimos para os autores de tais
idéias. Dentro dessa linha de raciocínio, as forças armadas de um país, já que
devem manter-se alheias aos problemas internos, deveriam ficar estacionadas em
algum país de clima ameno, enquanto aguarda uma guerra externa. Vemos aí, um
grande erro de avaliação.
Outra afirmação contida na mesma obra, merece atenção:
“É o caso, por exemplo, da Venezuela. Nesse país, onde foi possível evitar a
interferência militar no contexto político em face da predominância do regime
democrático, pelo menos até um passado recente, o processo formativo dos oficiais
visa, ao mesmo tempo, preparar o profissional da guerra e o cidadão, cujas
características são várias, como a de compartilhar com os governantes a mesma
visão relativa ao interesse nacional, participar enfaticamente nos assuntos públicos e
defender a Constituição.158”

Nesse trecho, verifica-se, mais uma vez, a análise precipitada. Atualmente, a


Venezuela, com o Presidente Hugo Chavez – militar eleito democraticamente –
passa por grave problema político. O presidente toma medidas autoritárias (segundo
a oposição), com apoio de parcela da população e das forças armadas. Outra parte
das forças armadas tentaram até mesmo dar um golpe de Estado contra Chavez.
Alguns partidos de oposição, segundo a mídia, como a Ação Democrática, dizem

158
idem. p.102 – 103.
153 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

que ele está “louco” e tentam modificar a Constituição para tirá-lo do poder. Onde
está, dentro desse turbilhão de opiniões, a tão propalada isenção militar, dentro de
“uma formação democrática”, segundo escrito no texto em destaque? Em lugar
algum, porque isso não existe da forma em que o autor tenta induzir. O que leva as
forças armadas a intervirem ou não, como já foi dito, não é o fato de ela ter ordem
unida em seu currículo ou não; ou o fato de a Constituição dizer que ela não pode
participar da Defesa Interna.
O que dá certeza a um país de que suas forças armadas irão cumprir sua
missão constitucional são inúmeros fatores, muito mais grandiosos e importantes do
que determinadas modificações no ensino: maturidade política, confiança da
população na capacidade dos políticos em resolver crises, identificação com os
valores nacionais etc.
Na sua obra “Dever Militar e Política Partidária”, o General Estevão Leitão de
Carvalho, trata do assunto de forma magistral. Destaco o seguinte trecho:

“A estranha teoria de que os militares, não obstante os compromissos que os


prendem ao poder constituído – a que devem obediência e lealdade, - devem ter
ouvidos para ouvir as queixas das correntes políticas descontentes com a ação ou a
omissão do governo, e servir-se das armas, que lhes fora entregues para a
manutenção da ordem e garantia das instituições, em proveito dos elementos
rebelados, é um dos mais graves erros que os homens públicos podem cometer. A
força armada, com o seu formidável poder de destruição, é como o cão de guarda
açaimado: a legislação e a disciplina amortecem-lhe os ímpetos bravios e
neutralizam-lhe a perigosa presença. Para que desviá-la desse estado de
dormência, em que atua, em geral, pela presença, acenando-lhe com outras
funções, de juiz e de executor da sentença, em causa de que não pode conhecer o
processo? Desviá-la do caminho do seu dever, para servir, hoje, a uma corrente,
nada impede que o faça amanhã em outra direção, contrariando a primeira.
E quem impedirá que o faça em benefício próprio? É para esse objetivo
ameaçador que caminhamos, se as paixões políticas exacerbadas não se
acalmarem e o bom senso, que no caso é o senso de realidade, não abrir os olhos
dos que, cegos e obstinados, querem conduzir a Nação brasileira à fogueira do ódio
em que pereceu Roma: Mário e Cila, César e Pompeu.
154 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

E a cura do mal depende de todos os brasileiros.”159

É bom frisar que as modificações no ensino são importantes e fundamentais.


Um ensino moderno, bem estruturado, humanista e democrático será sempre
importante para qualquer exército. Mas quando tais teorias são aplicadas de forma a
corroer as bases de um exército – hierarquia e disciplina – e sua tradição histórica,
elas só podem pretender descaracterizar uma força armada.
Isso ratifica que além de títulos acadêmicos, é preciso isenção e
conhecimento histórico embasado para se falar sobre as instituições militares.
Pessoas com posições distorcidas sobre as forças armadas, que alcancem postos
decisórios num país, são temerárias.
Da sinergia entre civis letrados nas artes militares, e militares conhecedores
do universo ao qual devem obediência, surge, de maneira natural e eficaz, uma
política de segurança firme, adequada à realidade existente e pronta para responder
aos possíveis cenários adversos em que os militares tenham que ser empregados
em defesa dos interesses nacionais. Desta forma, têm-se forças armadas e poder
político, perfeitamente harmônicos e amalgamados.

Relações entre Civis e Militares

Existe uma expressão, muito utilizada erroneamente no Brasil e em outros


países, para separar os militares dos civis: “sociedade civil”. É como se os militares
pertencessem a uma outra sociedade, estranha às demais de uma Nação. É um
equívoco.
Em primeiro lugar, é preciso saber (alguns não sabem!) que a expressão
sociedade civil foi criada por Montesquieu, apenas com a finalidade de distinguir as
coisas do Estado das do restante da Nação. Não se trata, de forma alguma, de
dividir a Nação entre militares e civis, de forma maniqueísta.
O Dicionário Aurélio dissolve essa dúvida com a seguinte definição, entre
muitas outras, de sociedade: “Agrupamento de seres que vivem em estado gregário;
meio humano em que o indivíduo se encontra integrado; relação entre pessoas; vida
em grupo, participação, convivência; reunião entre indivíduos que mantêm relações

159
CARVALHO, Estevão Leitão de. Dever Militar e Política Partidária. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1959.
p.11.
155 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

sociais e mundanas.” Mas de todas essas, a que mais se presta ao nosso estudo é a
sua definição com base na sociologia: “Corpo orgânico estruturado em todos os
níveis da vida social, com base na reunião de indivíduos que vivem sob determinado
sistema econômico de produção, distribuição e consumo, sob um dado regime
político, e obedientes às normas, leis e instituições necessárias à reprodução da
sociedade como um todo; coletividade.”
Como se vê, os militares não são uma sociedade, mas sim um estamento,
intimamente ligado à sociedade como um todo.
No que se refere à expressão “sociedade civil”, o mesmo Aurélio nos
esclarece: “Associação que não tem por finalidade objeto atos de comércio.”
É bem verdade que os militares, por características inerentes à sua profissão,
são regidos por leis e regulamentos específicos. Contudo, isso, por si só, não os
coloca na posição de uma “sociedade”.
Esse esclarecimento se faz necessário na medida em que se verifica em
alguns estudos a classificação dos profissionais militares como “sociedade”.
Não é possível separar militares da Nação. Um não existe sem o outro. Além
disto, é preciso que se entenda que os militares, na maioria dos países, são uma
amostra da sociedade. Mesmo porque, nunca é demais lembrar, que antes de ser
um militar, o homem ou a mulher já eram cidadãos, com seus deveres e direitos
claramente especificados em leis. O fato de ele vestir uma farda, não lhe tira tais
deveres e direitos. Ao contrário, atribui-lhe ainda mais responsabilidades perante o
seu país.
O caso do Brasil é exemplar. Para se entrar nas suas Forças Armadas como
um militar de carreira, os oficiais e sargentos devem, em alguma fase, prestar um
concurso público. Desta forma, garante-se que o acesso à carreira das armas é
universal, independendo de qualquer tipo de discriminação. Sendo assim, o seu
contingente profissional é uma amostra da sociedade brasileira, com suas
qualidades e deficiências.
Não se trata, portanto, de uma casta, de um grupo privilegiado ou de ser
estranho ao tecido social, como tenta conduzir o raciocínio de Ludwig, em seu livro
“Democracia e Ensino Militar”. Diz o autor:

“No caso brasileiro isso é um fato tradicional – que a origem social dos oficiais
encontra-se nos setores privilegiados da sociedade – e os dados apresentados
156 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

servem para comprovar essa tradição. Os setores dominantes têm consciência de


que a força das armas deve estar nas mãos de grupos leais e confiáveis”160

Típica falácia. Se a maioria dos oficiais, como está escrito no seu livro161,
pertence a pais divididos em 25% de oficiais, 6% comerciantes, 4% de funcionários
públicos, 2% de advogados e engenheiros, isso só reflete que estes possuem as
qualidades de ensino necessárias para o ingresso –em concurso público – na
AMAN. Além do mais, afirmar que Os setores dominantes têm consciência de que a
força das armas deve estar nas mãos de grupos leais e confiáveis162, equivale a
firmar que o concurso é manipulado para atingir esse fim – coisa que não é!
A negação da importância dos militares em um determinado país,
normalmente, é um contraponto a um período em que eles tiveram papel
preponderante nos negócios do Estado: guerras, revoluções, golpes militares, etc. A
França, após a 1ª Guerra Mundial, é um caso típico. As idéias pacifistas levadas a
pontos extremados e dissociados da realidade da Europa naquele momento e, como
disse o coronel Macedo de Carvalho, na introdução de “Por um Exército Profissional”
de Charles de Gaulle, dominada por uma “psicose antimilitarista” sem precedentes,
acabou ofuscando a realidade e levando a França a uma retumbante derrota no
início da 2ª Guerra Mundial.
O mais interessante nesse episódio foi que a Alemanha, mesmo arrasada
com o término da 1ª Guerra Mundial, tomou um caminho contrário ao francês. Tratou
de organizar suas forças armadas e preparar-se para a guerra que viria anos depois.
Evidentemente diversos fatores contribuíram para isso: cultura germânica, visão
política, sentimento de revanche, necessidade do “espaço vital” e muitas outras. O
fato é que a Alemanha viu que nunca poderia sobreviver como Nação sem um
exército que desse suporte para as decisões políticas mais críticas.
Conclui-se, parcialmente, no que se refere às relações entre militares,
políticos e a sociedade em tempo de paz, que a participação militar no contexto
político de um Estado é fundamental. O grau de equilíbrio entre eles vai depender da
maturidade política do país e da profissionalização das forças armadas.

160
LUDWIG, Antonio Carlos Will. Democracia e Ensino Militar. São Paulo: Cortez, 1998. p. 23.
161
Idem. p. 23.
162
Idem. Ibidem.
157 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Se por um lado a supervalorização dos militares na política é maléfica, na


medida em que descaracteriza as forças armadas, fazendo com que se dediquem
demasiadamente a assuntos que são de competência de políticos, por outro, a
minimização do verdadeiro papel dos militares frente à política nacional durante os
períodos de paz é perniciosa e irresponsável. Ela afasta um segmento importante e
apto – os militares – do processo decisório e participativo nos assuntos de vital
importância para o Estado, como a política de defesa nacional e de desenvolvimento
social.
Não se deve esquecer que, além de serem cidadãos, os militares são uma
amostra fiel da sociedade à qual servem, além de conhecerem em profundidade o
território nacional e seus problemas. Possuem quadros preparados e prontos para
colaborar com a política nacional em ampla gama de campos de atuação.
Há, em muitos países, a necessidade de se formar uma massa crítica de civis
que conheçam as forças armadas e principalmente assuntos relacionados com a
defesa nacional, que, agindo em sinergia com os militares, encontrarão as melhores
soluções para a defesa de um país. No Brasil, destaca-se o início de movimentos no
sentido de se estabelecer ligações mais consistentes entre os meios militar e civil. A
existência de núcleos de estudos militares ou estratégicos, como os existentes na
Universidade de Campinas e na Universidade de São Paulo, dentre outros,
corrobora esta assertiva.
O controle dos militares por parte dos civis é corolário de uma política madura
e com ideais democráticos. É sempre importante lembrar que a guerra busca atingir
objetivos políticos. Ela não é um fim em si mesma. Contudo, esse controle não pode
ser exercido de forma a sufocar as necessidades intrínsecas do estamento militar.
Estas necessidades são fundamentais para a própria existência delas. A hierarquia e
a disciplina são apenas dois exemplos. Além disso, é preciso maturidade política
para enxergar o que deve ou não deve ser feito pelas forças armadas de um país.
Quando estas tendem a ser desviadas das finalidades constitucionais, das
possibilidades materiais e da sua instrução, é um sinal de alerta aos políticos de que
algo está errado. No mínimo, outros componentes do Estado estão deixando de
fazer o seu trabalho e delegando-o para as forças armadas.
158 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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História Militar
“Quando um Chefe do Estado-Maior Imperial escreveu que” nunca teve tempo para estudar em detalhes a
História Militar “foi como se o Presidente da Real Academia de Cirurgiões tivesse dito que nunca tivera tempo
para estudar anatomia ou praticar dissecação”
B.H. Liddell Hart

O estudo da História Militar é uma das melhores formas, conjuntamente com


adestramento ralístico, de se aprender sobre a guerra durante a paz. Um exército
sério precisa incentivar todos os seus membros a ler exaustivamente a História
Militar do seu país e do restante do mundo.
Será por intermédio dessas leituras que o militar irá obtendo uma visão cada
vez mais ampla e clara da sua profissão. Somente assim, ele conseguirá subsídios,
detalhes, causas e conseqüências de vitórias e derrotas no campo militar,
agregando valor ao profissional e facilitando-lhe o desempenho profissional ao longo
da carreira.
A leitura obrigatória de clássicos nas escolas militares é fundamental para que
tais objetivos sejam alcançados. Cada escola, seja ela de formação,
aperfeiçoamento, altos estudos, especialização ou extensão, deve prever uma lista
de leituras obrigatórias e outra de leituras recomendadas.
Ao contrário do que alguns pensam, a leitura de assuntos militares ligados à
história não é um afastamento da realidade do campo de batalha ou mera abstração.
Ela transcende tais aspectos e proporciona ao seu estudioso um espectro de
conhecimentos que complementam as atividades profissionais diárias e o auxiliam a
tomar decisões mais embasadas, maduras e acertadas.
O conhecimento profundo da História Militar do país a que um exército
pertence é fundamental. Por intermédio desse conhecimento, será possível
identificar características culturais do soldado, falhas repetidas ao longo do tempo,
tipos mais comuns de personalidades, reações dos homens perante o combate,
formas mais corretas de exercer a liderança, detalhes sobre a influência do terreno,
das condições meteorológicas, dos armamentos, da fadiga do combate, enfim, de
um sem número de variantes e aspectos envolvidos numa guerra que apenas a
experiência de exercícios não seria suficiente. Não é por acaso que os grandes
generais da história sempre foram ávidos leitores de livros de História Militar, cartas,
croquis e relatórios de batalhas passadas.
Um exemplo pouco conhecido de oficial que obteve êxito em combate, tendo
como fundamento o estudo da História Militar, foi o do Major General Hunter Ligget,
159 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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do Exército dos EUA. Atuou de forma magistral durante a Primeira Guerra Mundial,
comandando um exército nas Forças Expedicionárias Americanas naquela
oportunidade. Foi impulsionador da modernização do ensino no Exército dos EUA e
modificou, com a sua maneira de liderar, paradigmas aceitos até então. Simples,
humilde e compenetrado, sabia tratar seus homens com respeito e sincera
admiração. Não foi um carreirista, ao contrário, sabia da efemeridade da sua
posição. Era um daqueles homens que têm sempre uma pequena lanterna acesa,
procurando ajudar as pessoas a atingir sus objetivos. Não era obstáculo, mas
impulsionador dos seus subordinados.
Apesar de pertencer a um exército estagnado e com enormes problemas, o
estudo diuturno da guerra possibilitou-lhe “se libertar do pequeno e estático exército
de áreas remotas que havia ingressado em 1879163”. Nos seus primeiros 20 anos no
exército, a maior unidade tática existente era um regimento pouco afeito aos
exercícios de campanha, foi capaz de comandar com brilho raro um exército na
Primeira Guerra Mundial. Boa parcela desse sucesso, dizia ele, era graças ao
estudo da História Militar. Como disse Lidell Hart, “Ligget evitou a estagnação devido
ao seu interesse pela leitura”164. Isso tudo sem incorrer no erro de muitos militares,
pois foi capaz de misturar o conhecimento teórico com a prática de campanha,
dando a sinergia necessária para que obtivesse êxito nas batalhas de Chauteau-
Thierry, Mosa-Argona e as alturas de Barricourt, dentre outras.
Sua característica marcante foi a de estudar sempre para o que chamava de
“próximo conflito”. Dizia ele:

“(...) competia a todos os oficiais, seja qual fosse a patente, desenvolver uma
preparação eficaz para o exercício do comando, através de contínuos estudos e
reflexões. Ninguém sabe quão cedo um cidadão pode ser convocado para o serviço
militar em defesa de seu país. Muito pode ser aprendido através de um estudo
inteligente de história militar e ninguém pode acomodar-se achando que está bem-
preparado para as grandes responsabilidades de uma guerra.”165 (grifos do autor)

163
BIGELOW, Michel E. Aprendendo e Fazendo. Military Review (edição em português), EUA: ECEME/EUA,
Vol. LXXIX, nº 1, 1º Trim. 1999. p. 35.
164
Apud BIGELOW, Michel E. Aprendendo e Fazendo. Military Review (edição em português), EUA:
ECEME/EUA, Vol. LXXIX, nº 1, 1º Trim. 1999. p. 33.
165
BIGELOW, Michel E. Aprendendo e Fazendo. Military Review (edição em português), EUA: ECEME/EUA,
Vol. LXXIX, nº 1, 1º Trim. 1999. p. 34.
160 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

Por meio da História Militar, um tenente pode “descobrir” e acreditar o quanto


é importante, por exemplo, uma correta instrução sobre a utilização de senhas em
combate para os seus homens, como se pode ver no texto abaixo:

Cerca de 01:30 hora, enquanto soprava um vento leste gelado, cinco vultos
aproximaram-se de duas sentinelas alemãs, próximo da ponta leste da localidade e
gritaram de uma certa distância: “Alô, 477º Regimento! Alô camarada!” Os alemães
que, em virtude da neve levantada pelo vento, podiam apenas ver até uns 20 metros
de distância, ao chegarem eles a uma distância de 10 metros, gritaram: “Alto!
Avance a senha!” A resposta foi ”Não atire! Somos camaradas alemães“... e
continuaram a avançar. As sentinelas perceberam, nesse momento, um certo
número de homens a cerca de 25 metros atrás dos cinco soldados que se
aproximavam. Uma vez mais, gritaram:” Avance a senha ou atiramos!” Novamente, a
resposta foi ”Não atire, somos camaradas alemães!” Enquanto isso, os 5 russos em
uniforme alemães já estavam a 6 metros de distância e passaram a atirar granadas
de mão que feriram uma das sentinelas alemãs. A outra sentinela disparou seu fuzil
para dar o alarme, mas ao fazê-lo foi abatida pelos russos que imediatamente
avançaram em direção à primeira casa, seguidos pelo grosso da patrulha de
combate.166

Outra prova contundente de que a História Militar fornece, em todos os níveis,


subsídios para a tomada de decisões, foi a linha de ação adotada por John F.
Kennedy durante a crise dos mísseis cubanos em 1962. Leitor voraz, aprendera
como a 1ª Guerra Mundial havia sido iniciada, já que nenhum dos principais
beligerantes havia recuado em suas posições. Decidiu dar um pequeno recuo,
possibilitando uma saída honrosa para Nikita Kruschev, esvaziando, desta forma, a
crise que ameaçava o mundo.
São essas experiências, dentre muitas outras, repassadas por homens que
decidiram guerras, estudaram as batalhas ou que estiveram em combate e
conheceram suas dificuldades, que a História Militar pode nos passar de forma
inteligente e - por que não? - agradável.

166
ESTADOS UNIDOS,Army. Ação das Pequenas Unidades Alemãs na Campanha da Rússia. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1987. p.28.
161 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
Protocol 2003RJ 7820

De Gaulle já exprimia sua preocupação quanto a necessidade de uma cultura


ampla para aqueles que sonhavam em comandar exércitos:

“O vigor do espírito implica uma diversidade que não se encontra na prática


exclusiva da profissão, pela mesma razão por que não há quase divertimento no
seio da família. A verdadeira escola do Comando é, por conseguinte, a cultura geral.
Graças a ela o pensamento fica capacitado a se exercer com ordem, a distinguir,
nas coisas, o essencial do acessório, a perceber os prolongamentos e as
interferências, em suma, a se elevar até o grau em que os conjuntos aparecem sem
prejuízo das nuanças. Não há um só capitão ilustre que não tenha tido o gosto e o
sentimento do patrimônio do espírito humano. No fundo das vitórias de Alexandre
encontra-se sempre Aristóteles.”167

Entretanto, é preciso discernimento ao se estudar a História Militar. Ela não


fornece padrões de respostas para determinados problemas. Se assim fosse, após o
desastre das tropas pára-quedistas em Creta, por parte dos alemães168,nunca mais
teríamos outros assaltos aeroterrestres. O mesmo poderia ocorrer com o sucesso de
soldados profissionais ingleses face aos conscritos argentinos. Se isso fosse uma
verdade dogmática, invalidaria a vitória de soldados israelenses da reserva contra
soldados regulares árabes. É preciso critério para obter-se dados da História Militar.
O estudo da História Militar é fundamental na formação de oficiais e praças.
Ela fornece idéias mais detalhadas das doutrinas, sugestões para a resolução de
problemas táticos e estratégicos, considerações sobre erros e acertos, além de uma
experiência cognitiva que só a guerra pode ultrapassar. Vai ainda mais longe, na
medida em que obriga o militar a uma reflexão mais profunda sobre a profissão das
armas, inclusive sobre o aspecto moral envolvido.
Todavia, ela, por si só, não torna um militar completo. É um importante vetor
na complementação da formação do militar, agregando à sua bagagem profissional
importantes ensinamentos.
Ao militar profissional, não basta apenas saber marchar bem, ser um exímio
atirador e emitir ordens claras. É necessário um escopo cultural e um sólido

167
DE GAULLE, Charles. Por um Exército Profissional. Rio de Janeiro: José Olympio: Bibliex, 1996. p. 135.
168
Embora os alemães tenham vencido na Batalha de Creta, na 2ª GM, as pesadas baixas sofridas pelos pára-
quedistas, levaram alguns generais alemães a acharem que o uso de grandes formações pára-quedistas era um
erro.
162 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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conhecimento das ciências em geral. Isso só se consegue com muita dedicação à


profissão e muita leitura seguida de reflexões.

Ψ ΨΨ
163 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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CONCLUSÃO

169
“Quia nominor leo”
Fedro

A profissão militar e a preparação de forças armadas em tempo de paz para


uma eventual guerra foram o ponto focal do presente livro. Contudo, por diversas
vezes, outras áreas relacionadas com o tema foram abordadas. Isso se deveu, em
grande parte, a complexidade do assunto e a tentativa do autor em abrir amplo
espectro de idéias. Mais do que concluir ou expor pontos de vista, o principal
objetivo deste trabalho foi o de concitar o leitor, tanto civil quanto militar, a pensar
sobre alguns temas relacionados com as forças armadas.
Além disso, num tempo em que o dinamismo dos acontecimentos, a
velocidade das descobertas e a gama de conhecimentos humanos se ampliam de
maneira vertiginosa, torna-se muito útil a reflexão sobre uma instituição ainda
cercada de opiniões conflitantes.
Por serem organizações tradicionalmente herméticas, as instituições militares,
em sua maioria, não possuem mecanismos de controle externo eficazes, que
cobrem, indaguem e corrijam erros eventuais170. Isso é extremamente perigoso e
danoso para ambos os lados. Os civis acabam por não conhecerem a profissão
militar, suas vicissitudes, suas dificuldades, suas falhas, sua maneira de pensar,
enfim, sua filosofia de trabalho. Por outro lado, os militares acabam achando que
somente eles podem opinar, falar e corrigir as eventuais falhas. Como sabemos, isso
não é verdade.
Uma idéia importante deve ser a de que não são apenas as forças armadas
que devem analisar como deve ser organizado o poder militar de um país. São as
autoridades constituídas, juntamente com as necessidades e possibilidades de
defesa do país, sua posição estratégica e seus anseios dentro do contexto
internacional, que devem contribuir na formulação da Política de Defesa de uma
Nação. Evidentemente, deverão ser auxiliadas e assessoradas por militares em
todas as fases do processo. Constitui erro crasso qualquer tentativa de solucionar
169
É o que nos conta Fedro em uma de suas fábulas. Perguntado por que ficava com a maior e melhor parte,
respondeu: porque sou um leão. É a razão do mais forte sobre o mais fraco.
170
Destaca-se o Comitê de Defesa do Senado dos EUA, o Parlamento Britânico e Alemão como algumas
exceções, caracterizando-se por firme controle das ações das suas respectivas forças armadas.
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problemas que envolvam assuntos militares sem o assessoramento destes, visto


que os militares, por excelência, possuem os conhecimentos técnicos e a vivência
necessária neste ramo do conhecimento.
No Brasil, a Marinha passa por um problema típico. Muitos não entendem que
não foi a Marinha sozinha que decidiu pela construção de um de submarino de
propulsão nuclear. Foi a Política de Defesa Nacional, emanada do executivo, que
criou essa necessidade de possuirmos uma plataforma naval ágil, silenciosa, de
longo alcance e de grande poder de fogo em função, dentre outras razões, do
extenso litoral brasileiro.
No que concerne especificamente aos militares, no desenvolvimento deste
livro, foi possível destacar que são muitas as áreas de atuação e de influência na
capacitação de um exército para a guerra. Além dos inúmeros setores que
necessitam ser trabalhados, há o problema econômico, notadamente nos países
mais pobres. Possuir e adestrar um exército em tempos de paz é difícil e caro.
Contudo, qualquer descuido em uma dessas áreas pode iniciar um processo
lento e inexorável de descaracterização e perda da sua eficiência operacional e
conseqüente queda do poder de combate. Tal processo é muito parecido com o
fenômeno físico da oxidação. Começa lento e invisível aos olhos. Quando nos
damos conta, o metal já está perdido e necessita ser reposto de forma urgente.
Os sinais de que um exército está perdendo sua capacidade de combate e
desvirtuando sua destinação constitucional são muitos, porém nem sempre claros
aos olhos de um observador menos atento. Além disto, não será apenas um sinal,
mas a conjugação de vários aspectos e fatores, levando-se em conta a sua
dimensão e sua profundidade, que vai traduzir se um exército está em franca
decadência de facto. Ou seja, a constatação da existência de um ou mais
problemas, não quer dizer, necessariamente, que esteja havendo uma corrosão em
um determinado exército. Muitas vezes esses problemas são pontuais e restritos a
alguns setores.
Nesse sentido, é oportuno destacar alguns desses sintomas, vistos nos
capítulos anteriores: politização dos quadros, liderança populista e tíbia, resistência
generalizada às mudanças propostas, transgressões e crimes militares constantes,
carreirismo exacerbado por parte dos quadros, falta sistemática de recursos,
excesso de personalismo na tomada de decisões (o chefe torna-se maior do que a
instituição), falta de conhecimento técnico dos quadros, descrença na capacidade
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dos chefes em resolver os problemas da força, falta de iniciativa dos quadros,


subserviência em lugar da disciplina consciente, supervalorização das atividades
meio e complementares em detrimento da atividade-fim (preparação para a guerra),
salários excessivamente baixos ou excessivamente altos (fora da realidade nacional
e sem valorizar o profissional), existência de castas dentro da instituição,
desprestígio por parte da cúpula governamental às suas forças armadas, entre
outros.
Em seu livro “Por Um Exército Profissional”, De Gaulle nos ensina:

“O Exército é, efetivamente, por sua própria natureza, refratário às mudanças.


Não, certamente, porque o senso do progresso falte a seus servidores, Provar-se-ia
mesmo, sem dificuldade, que dentre todas as instituições, é o Exército que fornece o
mais rico contingente de homens de pensamento, de ciência e de ação. Mas essa
largueza de espírito dos indivíduos não impede a cautela coletiva. Vivendo de
estabilidade, de conformismo e de tradição, o Exército receia, instintivamente, tudo o
que tende a modificar sua estrutura. Além disso, uma hierarquia severa filtra com
prudência, por vezes excessivas, os projetos que surgem. Enfim, os hábitos próprios
do tempo de paz criam, entre os organismos em que se elaboram as decisões,
rivalidades e ciumadas que se ompõem às rupturas de equilíbrio.”171

Ψ ΨΨ

Retornando ao mote inicial das primeiras páginas, volto a pergunta: É da


natureza humana fazer a guerra? Quanto mais nos aprofundamos nesse assunto,
mais verificamos que a resposta é difícil, inconclusiva e relativa.
Difícil, porque devido a complexidade do assunto, ao posicionamento de
diversos estudiosos sobre o tema e ao moralismo e ética que o envolve, uma
resposta absoluta, seja ela negativa ou positiva, pode ser facilmente derrubada. A
única certeza é a de que a guerra, correta ou não, faz parte da nossa história e ainda
continuará existindo no horizonte histórico visível. Quem duvida, basta acompanhar
os desdobramentos dos atentados de 11 de setembro de 2001.

171
DE GAULLE, Charles. Por um Exército Profissional. Rio de Janeiro: José Olympio: Bibliex, 1996. p.138 e
139.
166 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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Inconclusiva, na medida em que não há, nem do lado daqueles que explicam
a guerra como fenômeno social, nem daqueles que a condenam como aberração
comportamental, argumentos definitivos e contundentes que esgotem o assunto. A
cada fato histórico, novas indagações são feitas, novos posicionamentos são
tomados e novas argumentações e teorias são postas a prova.
Relativa, visto que varia em função dos valores da pessoa ou do grupo de
pessoas que a estuda e procura responder a essa clássica indagação. Religião,
ideologia política, formação humanística, profissão, época, cultura são algumas das
inúmeras variáveis que influenciam sobremaneira na resposta a nossa indagação.
Tito Lívio, já teorizando sobre o relativismo da guerra, dizia que “A guerra é justa
para aqueles aos quais é necessária e as armas são santas quando nelas
unicamente reside a esperança”172(grifo do autor)
Um exemplo atual desse relativismo foi a reposta dos habitantes dos EUA
diante dos ataques terroristas em 11 de setembro. Expressões como “guerra justa”,
“eixo do mal”, “retaliação proporcional”, “defesa da honra americana”, enfim,
palavras de ordem comuns aos radicais e extremistas mulçumanos surgiram no seio
daquela que se diz a população mais democrática e respeitadora dos direitos
individuais do mundo. Existe maior direito individual para um ser humano do que a
vida? Seres humanos são apenas os americanos? A chamada “guerra justa” não
seria a mesma “guerra santa” dos mulçumanos radicais? Isso tudo só demonstra o
relativismo das posições face ao momento que vivem os envolvidos e à dificuldade
que encerra o assunto.
Ora, se é uma resposta difícil, inconclusiva e relativa, o que se pode fazer?
Continuar estudando a guerra de forma cada vez mais ampla, buscando
mecanismos que a evitem é uma boa maneira para se entender e minimizar o
impacto que a guerra impõe à humanidade.
Além disso, é preciso, como foi visto no desenvolvimento desse livro,
preparar-se para a guerra pari passu com as tentativas de evitá-la, entendendo que
esta preparação é, também, uma forma de se dissuadir povos a entrarem em
conflito. Enquanto não existirem instrumentos ou fatos que afastem os conflitos
bélicos da face da Terra, todos os países têm o dever de preparar-se para ela. Não
se trata de corrida armamentista, idealismo bélico ou qualquer outro termo que

172
Apud MACHIAVELLI, Niccolo. O Príncipe: Comentários de Napoleão Bonaparte. Rio de Janeiro: Hemus:
Bibliex 1998. p.215.
167 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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denote uma visão belicosa. A guerra é um fato na sociedade humana – se é anormal


ou não, é outro problema - assim como as quedas dos impérios, os grandes êxodos
humanos, enfim, ela é uma possibilidade mais ou menos remota – depende de
inúmeros fatores – para um país.
Em face disso, estar preparado para ela, é uma obrigação do Estado e não
uma decisão pessoal ou ideológica de um governante. A sobrevivência de uma
Nação, incluindo aí sua cultura, povo, idéias, crenças e aspirações, pode, um dia,
ser garantida unicamente manu militari. Se esta falhar, o preço pode ser até mesmo
a eliminação do Estado do cenário internacional. Império Austro-húngaro, URSS,
Congo, Yugoslávia e muitos outros nomes familiares, hoje são apenas história...
No que se refere especificamente aos exércitos, verifica-se que a paz é o
objetivo maior de qualquer força armada. Mas há um preço a se pagar: a constante
vigilância dessas instituições no sentido de que elas não se esqueçam que devem
se preparar para a guerra sempre. Todos os seus atos, todas as suas energias
devem ser direcionadas nesse sentido. Cada centavo da Nação gasto por um militar
deve ser no intuito de preparar-se, direta ou indiretamente, para um conflito mesmo
que distante, longínquo ou inimaginável. A maioria dos conflitos atualmente ocorrem
de uma hora para outra, não possibilitando muito tempo de preparação. Quantas
pessoas no mundo poderiam dizer que às 14h05 do dia 6 de outubro de 1973 o
Egito e a Síria atacariam Israel, ou que nos primeiros dias de abril de 1982 a
Argentina iria invadir as Ilhas Malvinas/Falklands? Somente aqueles envolvidos
diretamente no planejamento destas operações. Quanto à possibilidade de um
ataque terrorista nos EUA por volta das 08h35 do da 11 de setembro de 2001, não é
preciso comentar que se qualquer cidadão comum falasse disso no dia 10 de
setembro seria taxado de desequilibrado.
Esse cenário moderno, de incertezas, demonstra, de forma irrefutável, a
dinâmica dos conflitos atuais e a necessidade de estarmos preparados para
eventualidades. Hoje, falar sobre uma invasão na Amazônia poderia ser qualificado
como falta de visão estratégica ou necessidade de os militares justificarem sua
existência como Instituição. Talvez, num futuro – próximo ou não – tenhamos que
conviver com um conflito assim no norte do País.

Ψ ΨΨ
168 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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A profissão militar, principalmente nos países em desenvolvimento e que


querem atingir um nível mais elevado no concerto das nações ditas desenvolvidas,
deve ser discutida, estudada e aperfeiçoada. Ela não deve ser encarada como mera
abstração dos homens de farda. Assim como os militares estudam, lêem, discutem e
pensam os mais diversos campos do poder, os civis devem fazer o mesmo com
relação ao campo militar. Todos, militares e civis, terão muito a ganhar. Nicolau
Maquiavel, ao falar “Da relação entre o príncipe e os exércitos”, nos ensina que:

“Um príncipe deve, portanto, ter como único objetivo, único pensamento e
única preocupação a guerra e sua regulamentação e disciplina, pois é a única arte
que compete a quem comanda, detendo tão grande valor que não somente mantém
os que nascem príncipes no poder, como também muitas vezes faz ascender a
esse grau os homens de condição ordinária.” 173( grifo do autor)

Sobre a convivência utópica entre Nações desarmadas perante um mundo


cada vez mais preparado para o combate, que alguns advogam, ainda usamos
Maquiavel para a devida reflexão:

“Nenhuma proporção existe entre alguém armado e alguém desarmado e não


é razoável que quem esteja armado obedeça de bom grado a quem esteja
desarmado e que aquele que não disponha de armas possa viver em segurança
entre servidores armados”.174

Usando uma expressão cunhada por Bevin Alexander175, um país deve


vencer ou evitar guerras? Evidentemente, o primeiro passo é evitá-las. Todavia, isso
nem sempre será possível, e neste caso, deverá vencê-las.
Em ambas as situações, a existência de um exército forte, preparado,
adestrado, cônscio dos seus deveres e responsabilidades é fator imprescindível. O
conselho de Theodore Roosevelt176 para os homens que ia negociar os interesses
americanos – evitar a guerra - sintetiza essa idéia da necessidade de uma força
173
MACHIAVELLI, Niccolo. O Príncipe: Comentários de Napoleão Bonaparte. Rio de Janeiro: Hemus:
Bibliex 1998. p. 112.
174
Idem. p. 113.
175
Escritor americano, especialista em estratégia militar. Autor, dentre outras obras de How Great Generals Win
(sem tradução para o português) e A Guerra do Futuro, publicado pela Bibliex.
176
Presidente dos EUA entre 1901 e 1909.
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armada para dar respaldos às decisões diplomáticas em tempos de crise: “Fale


baixo, mas leve um grande porrete”.177
Agindo assim, o Estado estará preparado para defender seus interesses em
todas as instâncias e fóruns internacionais, de forma justa, eficaz e legal, atendendo
aos anseios do seu principal cliente: o povo.
Se a conclusão é a síntese do que foi desenvolvido, o texto abaixo se encaixa
perfeitamente nesse objetivo. Essas poucas linhas resumem e concluem o teor e a
intenção desta pequena obra.

“Por conseguinte, o príncipe não deverá nunca desviar o pensamento do


exercício da guerra, devendo exercitar-se mais nos períodos de paz que nos tempos
de guerra, o que pode realizar de duas formas: uma através das ações e outra
através do pensamento178. Quanto às ações, além de manter seus homens bem
disciplinados e exercitados, será conveniente praticar regularmente a caça, deste
modo acostumando o corpo às durezas...e aprender a conhecer a natureza dos
lugares...
Filopêmeno, príncipe dos aqueus, recebeu dos historiadores, entre outros
elogios, o de que nos tempos de paz só pensava nos meios de conduzir a guerra. E
quando caminhava com eles: “Se os inimigos estivessem naquela colina e nos
encontrássemos com o nosso exército aqui, quem estaria em vantagem? Como
poderíamos investir contra eles sem desordenar nossas tropas? Se desejássemos
bater em retirada, como poderíamos faze-lo? Se eles batessem em retirada, como
poderíamos perseguí-los? E lhes indicava, andando por ali, todos os casos que
poderiam ocorrer a um exército. Escutava as opiniões deles e expressava a sua,
sustendando-a com argumentos racionais de forma que, habituado a essas
constantes reflexões, quando se achava realmente à frente dos exércitos não havia
para ele nunca uma situação imprevista que fosse incapaz de enfrentar e superar.
Com relação ao exercício do pensamento, o príncipe deve ler as obras de
História179 e aí considerar as ações dos grandes homens, observar como se
comportaram nas guerras, examinar os motivos de suas vitórias e derrotas de modo

177
Apud ALEXANDER, Bevin. A Guerra do Futuro. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999. p. 203.
178
MACHIAVELLI, Niccolo. O Príncipe: Comentários de Napoleão Bonaparte. Rio de Janeiro: Hemus:
Bibliex 1998. p. 113. Napoleão comentaria em Elba, sobre esta colocação de Maquiavel: “Que segredo lhes
revela, Maquiavel! Porém eles não te lêem nem lerão jamais!
179
Idem. p. 114. “Desgraçado do estadista que não as lê!“, segundo comentário de Napoleão.
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que possa estas evitar e aqueles imitar; e, sobretudo, deve agir como alguns
grandes homens do passado, que tomaram como modelo um homem que antes
deles fora louvado e glorificado...”
Um príncipe sábio deve observar maneiras semelhantes e jamais permanecer
ocioso nos tempos de paz, mas sim fazer destes tempos um capital de que se possa
valer na adversidade, a fim de que quando sua sorte mudar o encontre pronto para
resistir-lhe.”180 (grifos do autor)

Eis é a nossa missão: si vis pacem, para bellum181. Ou alguém ainda duvida?

Ψ ΨΨ

180
Idem. p. 115.
181
“Se queres a paz, prepara-te para a guerra.”
171 Reg EDA Nr 294.483, Lv 534, Fl 143
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