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Finalmente, para encher as prateleiras das nossas estantes, os discos dos nossos
computadores, as caixas dos nossos correios e até a memória dos nossos telemóveis,
há também que produzir livros, enciclopédias, brochuras, folhetos, blogs, pdf's e mais
um cem número de outros formatos de apresentação de texto, incluindo as tão
famosas SMS's. No entanto o livro é sempre aquele que apela verdadeiramente ao
tradicionalismo intelectual e é ele o único que satisfaz a necessidade de prestígio dos
mais puritanos e intelectuais. Conclusão: toda a gente tem que escrever um livro!
Mesmo aquelas pessoas que o mundo ficaria melhor se ninguém chegasse a saber o
que lhes passa pela cabeça. Quem não sabe fazer mais nada, torna-se escritor, já
houve quem tivesse dito... Na verdade, quem quer ser famoso ou ter o mínimo de
prestígio só possui três opções; ou grava um CD, ou participa numa novela (vida real
ou não...), ou então, por último, escreve um livro! Qual é a opção mais fácil? Escrever
um livro, óbvio! Isto por duas razões; Primeiro porque os critérios modernos de
avaliação artística não existem, e se existem não são artísticos mas sim económicos;
Segundo porque o mais certo é que ninguém vá ler o livro, portanto, o prestígio de ter
escrito um livro atinge o seu climax quando este aparece nas prateleiras das livrarias
ou é anunciado num telejornal ou surge a adornar as páginas dum curriculum vitae.
Este homem não é um homem qualquer! Este homem escreveu um livro.
Não é só importante escrever livros, também é importante ler livros. O homem culto e
moderno vê o livro como o tal objecto sagrado de salvação, o único que o pode salvar
da 'burrice eterna'. Para esse homem, o mundo natural, o mundo humano, todas as
infinitas e distintas formas em que os pensamentos se materializam no seio do
universo cultural e artístico, não passam de pó, de diversão humana, de ‘nada’! Não
alimenta a massa cinzenta; na sociedade moderna, só quem lê muitos livros é que
cuida da sua inteligência. É como se todas as sementinhas deste planeta tivessem
necessitado de um regadorzinho de plástico para chegarem a ser árvores robustas.
Jamais se acredita nas nuvens, ou na chuva, portanto a massa cinzenta não se rega, a
não ser que tenhamos dinheiro para comprar um livrinho todos os meses… Seja a lê-
los, seja a escrevê-los, parece que quem mexe com os livros é sempre pessoa superior!
E quando os livros que já se escreveu são muitos e se é mais do que um 'zé ninguém'
na arte da literatura, a disputa muda de contexto e passa então a ser sinónimo de
intelectualidade e de superioridade literária a quantidade de páginas e o número de
citações.
Miguel Sagres
http://lobosovelhas.blogspot.com/