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Administração Pública: fim do anacronismo?

por Cássio Ostermayer, 8.2.2003

Eternamente as pessoas comuns reclamam do governo. Reclamam da


administração pública. Reclamam dos funcionários públicos. Será que as reclamações
procedem? Se assim o fosse não haveria progresso, organização e funcionamento da
sociedade. Por outro lado, há que se render ao fato que em grande parte o
funcionamento é precário, ao menos comparado com o de outras sociedades em igual
nível de desenvolvimento e civilização. O que faz, então, a precariedade do nosso
serviço público?

Inicialmente é interessante experimentar a abordagem cultural. Ao buscar os


ensinamentos do sociólogo Raymundo Faoro* (1958), onde focaliza a transferência do
“estamento burocrático” de Portugal para o Brasil, vê-se que a formação da sociedade
brasileira desde os primórdios tinha forte influência estatal, sendo o governo central a
mola mestra. Do sistema feudal da era colonial à nação livre, Brasil Império, a estrutura
produtiva era tutelada fortemente por um aparato regulatório, deixando a livre iniciativa
sempre acorrentada às vontades governamentais. A formação do país rumou para um
estado patrimonialista, centralizador, que enfeixou em mãos da burocracia estatal um
poder incomum. Tal foi a absorção desta cultura, que somente nos tempos atuais esta
problemática tomou relevo maior, face à globalização, havendo um severo
questionamento.

O distanciamento entre a população e o governo sempre existiu no Brasil, sendo


maior ou menor em determinados períodos. O advento do populismo, com Vargas,
trouxe a ilusão de uma aproximação, mas que, em verdade, acresceu à situação o
paternalismo já imanente na sociedade. Assim, o fortalecimento do “estamento
burocrático” aumentou, baseado nas políticas assistencialistas e, conseqüentemente,
clientelistas. A distância entre a coisa pública e a coisa privada alargava-se no
imaginário popular, enquanto estreitava-se para determinada classe de empresários e
funcionários públicos. Na era pós-Vargas, o Brasil grande de Juscelino e os governos
militares, impulsionaram o desenvolvimento calcados na nossa tradição estatal, onde o
funcionalismo público foi de vital importância e poder. Daí decorre a corruptela de
autoridade no desígnio do funcionário público, muitas vezes, aliás, autodesígnio.

Esta trilha histórica denota a separação do governo e população. Enfraquece a


noção de civismo, já que a burocracia governamental apropriou-se, por assim dizer, da
coisa pública. O governo, assegurado pelos regimes de exceção, não prestava contas à
população, o que servia ainda mais para degringolar os serviços prestados. Quando do
início da abertura política na década de 80 do século passado, o conceito antes abordado
já estava introjetado na população, de forma que a pressão sobre melhora no serviço
público foi débil. Contudo, com a troca de regime, todo um novo batalhão de
funcionários públicos engrossou as fileiras do erário. Uma nova ordem instalava-se,
recusando o passado da forma mais evidente: reformas. Se até então o setor público era
grande, agora o inchaço o agigantava e o desqualificava ainda mais, dado a criação de
serviços inúteis, apadrinhamentos; a inauguração oficial do termo fisiologismo. O
estado antes de prestar serviços à população, tornou-se um fim em si mesmo,
beneficiando aqueles que lá se instalaram como meio de vida, em detrimento da própria
sociedade.
Um equívoco - não o único – histórico, que padecemos até hoje, foi a formação
inversa do regramento social. Enquanto nas sociedades (ditas) desenvolvidas o governo
se formava a partir dos anseios populares, aqui o governo existiu antes do povo. Por
assim dizer, quando o povo “chegou” já havia leis, estrutura administrativa pública e
poderes coercitivos, de tal sorte que a coisa pública sempre pareceu alheia ao cidadão:
não lhe pertencia; pertencia ao estado. Esta dicotomia, como se viu anteriormente, ainda
prevalece hoje, de forma mais branda, é verdade, mas serviu de instrumento para o
descaso do serviço público com o cidadão e sua recíproca acomodação. O serviço
público não funcionar (ou funcionar mal) é, lastimavelmente, uma expectativa usual do
brasileiro.

A inversão desta relação cínica entre o público e o privado começou a tomar


corpo com o advento da atual globalização. A concorrência mundial espreme o privado
contra o público, exigindo maior eficiência do aparato estatal. Embora lentamente, mas
com perseverança, as pessoas começaram a despertar para exigir um estado que aja a
seu favor, legado do aprendizado democrático. O funcionalismo público premido agora
pela pressão popular e destituído de seu histórico poder autocrático, vem realizar
mudanças no sentido de atender estes anseios. Pragmaticamente, adequa os mecanismos
de gerência, de eficiência, de administração do mundo privado e incorpora-os ao seu
cotidiano. O desencastelamento da casta burocrática, que há muito se apoderou da
máquina governamental, começa a ocorrer pela via democrática, quando o cidadão,
através do voto, não mais pede, mas exige uma contraprestação de serviços públicos
eficiente e decente.

O civismo e a noção de que a coisa pública é a coisa privada de todos deve,


finalmente, permear a sociedade brasileira, que, então, poderá exigir para si o futuro de
bem-estar que outros povos há muito usufruem.
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• FAORO, RAYMUNDO. Os Donos do Poder. Editora Globo. Porto Alegre, 1958

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