Fevereiro de 2005

S I´ N T E S E

Boletim ABPN
Boletim Informativo da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras
setembro de 2008
Ano I nº 1

Universidade Luso Afro-Brasileira será

inaugurada em 2009

EM DESTAQUE

Em ação. ABPN e
coordenações 5
regionais renovam 6
contrato sócio-racial.

Na mira. Estágio
probatório do professor
Rafael dos Santos, da 5
Uerj, expõe o racismo
acadêmico.

Especial. Boletim
ABPN homenageia 9 A construção da Universidade, uma tentativa de
Machado de Assis no 10 aproximação com os países de Língua
seu centenário de Portuguesa, especialmente os africanos, é
nascimento. considerada uma experiência pioneira que
garantirá o protagonismo do Brasil em sistemas
Cultura. Fundação de cooperação de políticas sociais. ABPN terá
Cultural Palmares participação no comitê de implantação da Unilab.
marca seus 20 anos 11 Págs. 3 e 4.
com nova sede,
homenagens e shows.

Laboratório de Jornal do Sepac

 BOLETIM ABPN
editorial
Quem não se comunica...
Dois meses depois do VI Congresso de
Pesquisadores Negros e Negras, em
Goiânia, estamos com a segunda edição
do nosso boletim (número um), que, aos
poucos, vai ganhando fisionomia própria,
ainda que não definitiva. Entre as
ferramentas de comunicação que já foram
pensadas e delineadas por gestões
anteriores (produção de site, publicação
de revista, organização de mala direta etc.),
este boletim é item fundamental de um
pacote de produtos comunicacionais - já
em processo de construção - que visa o
efetivo intercâmbio entre a Associação e
seus associados(as), a publicização das
nossas atividades e afins, a discussão de
assuntos pertinentes ao universo em que
atuamos, a visibilidade da nossa história/
trajetória. Uma das invariáveis queixas de
todos nós diz respeito à falta de canais de
comunicação, o que vem impondo uma
opinião
E o prêmio vai para...Kaique Santos
Um dos atrativos de “Linha de Passe”,
filme dirigido por Walter Salles e Daniela
Thomas, recebido
com fortes
aplausos no
Festival de
Cannes deste ano,
é o fato de Sandra
Corveloni ter
levado o prêmio
de melhor atriz,
batendo nas
favoritas Angelina Jolie, Julianne Moore
e Catherine Deneuve. A cada exibição, o
filme vem arrebatando um público
expressivo que depõe seus olhares ávido
por saber, afinal, quem é Sandra Corveloni.
Além de saber quem é Sandra Corveloni
(Cleuza) o público sai, de quebra,
conhecendo o ator Kaique Santos, no
filme, o menino Reginaldo, o filho mais
novo de Cleuza, considerado a revelação
do time de atores estreantes.
“Linha de Passe” inspira-se, em grande
parte, em histórias reais cuja narrativa
gravita em torno da mãe, Cleuza, e quatro
Expediente
Boletim ABPN – Informativo da Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros e Negras.
e- mail: abpn2008@gmail.com
Diretoria: Alex Ratts, Amauri Mendes Pereira, Carlos Benedito, Denise Botelho,
Eliane Cavalleiro, Maria Nilza e Rosane Borges.
Projeto Gráfico: Rosane Borges
22
Ano I ... n°1 ... setembro de 2008
densa camada de silêncio, responsável
por nos separar por quase dois anos,
findo o Congresso. Habitualmente, a
reaproximação se dá por força da
construção e realização do Copene
seguinte. Sinta-se à vontade para
também compor as páginas deste
Informativo, por ora o nosso único canal
de comunicação, e fazer dele um suporte
do incontornável exercício de trocas.
Advertimos que a exclusividade
temporária do boletim não o faz,
entretanto, ocupar um lugar-tenente.
Logo, logo estaremos nos comunicando
por meio de outros tentáculos/suportes
midiáticos.
Não é mais novidade que a
comunicação tornou-se viés prioritário,
porque basilar, da dinâmica
contemporânea. Assim, uma das frentes
de trabalho da Associação Brasileira de
irmãos: Denis (o mais velho), Dinho,
Dario e Reginaldo, o único negro dos
irmãos. De pais diferentes, os
quatro vivem com sua mãe,
empregada doméstica que espera
outro filho, de pai desconhecido.
Transcorrido na zona leste da
cidade de São Paulo, o filme retrata
as agruras dessa família em busca
de sobrevivência e de um futuro
melhor. Denis, o mais velho, é
motoboy e tem um filho, que vive
com a mãe. Dinho trabalha em um posto
de gasolina e é evangélico.
O terceiro dos irmãos, Dario, é um
excelente jogador de futebol que sonha,
incansavelmente, em ser contratado por
um clube profissional, mas esbarra na
fronteira da idade. O mais novo,
Reginaldo, tenta encontrar seu pai e
sonha em dirigir um ônibus.
Arrefecida a repercussão do filme por
conta do festival de Cannes, outros
olhares se deslocam para a atuação de
Reginaldo. São vários os comentários
que cedem ao inegável brilhantismo do
Pesquisadores Negros e Negras será a
construção e consolidação de um
programa de comunicação que, para além
de sua função veicular, possa também
integrar estruturalmente a política da
ABPN.
Esta edição traz informações sobre a
criação da Unilab, a Universidade Luso
Afro-Brasileira, que fincará suas raízes na
cidade de Redenção (CE), a face da política
persecutória acadêmica, com o caso do
estágio probatório do professor Rafael dos
Santos, da Uerj, o centenário de
nascimento de Machado de Assis, entre
outras.
Rompamos, então, o referido silêncio.
Boa leitura e até o próximo número.
Rosane da Silva Borges, segunda
secretária da ABPN e editora do
Boletim
por Rosane Borges
ator Kaique Santos. Segundo o jornal O
Estado de São Paulo: (...). “Todos os
garotos de Linha de Passe são ótimos, mas
um deles rouba a cena. Em busca do pai,
que supõe ser um motorista, Reginaldo, o
caçula, rouba um ônibus e sai pela cidade
de São Paulo. Kaíque Jesus Santos tinha
12 anos quando fez o filme. Aos 14, ele
poderá muito bem ser a surpresa e a
revelação de Linha de Passe”.
Embora inconformado por ser o “mais
preto” da família, Reginaldo não guarda
“almoço pra janta” quando tentam
discriminá-lo racialmente. Ele atua, em
duplo sentido, com voluntarismo e
autonomia. Tanto como ator quanto como
personagem, ele improvisa. Inventa falas
e gestos não acordados previamente com
a direção, impõe-se com originalidade
como se não fosse um estreante...
Assistir ao filme Linha de Passe implica
num ato singelo de reconhecimento de um
ator negro ainda menino que brilha
majestosamente, mas que infelizmente foi
ofuscado pela euforia da conquista da
estatueta de melhor atriz. Não questiono
as qualidades de Sandra Corveloni, a meu
ver comparáveis às dos outros
personagens, mas defendo a supremacia
de Reginaldo em relação a Cleuza.
Comentário, obviamente, restrito a alguns
círculos. E viva Kaique Santos!
Boletim Informativo ... ABPN
Fevereiro
setembrode
de 2005
2008 BOLETIM ABPN
S I´ N T E S E

capa (educação)

Universidade receberá alunos da comunidade

lusófona
da Redação

A partir de 2009, os estudantes cooperar com países com pouca infra- alunos que não estudaram idiomas
brasileiros terão a oportunidade de se estrutura para educação. Atualmente, vivenciarem o intercâmbio. “Estudantes
aproximar mais alcançamos um patamar elevado em pós- que não tiveram oportunidade de estudar
de países de graduação, por isso podemos contribuir”, outras línguas podem participar desse
l í n g u a aposta ela. programa de bolsas. Isso dá a
portuguesa. Isso De acordo com Suzana, diversas possibilidade ao jovem conhecer sistemas
porque, estima- universidades de países africanos entram de ensino diferentes e viver experiências
se que em julho em contato com instituições no Brasil com acadêmicas e científicas variadas”, aponta
do ano que vem o intuito de enviar seus alunos para a assessora.
seja realizado o estudar aqui. “Isso acontece devido à E há quem aposte que o estudante não
p r i m e i r o carência de recursos na África. Ao voltar ganha apenas na vivência de um modelo
vestibular da Unilab (Universidade Luso- para o país de origem, eles têm maior de ensino diferente do que está
Afro-Brasileira). A instituição, cuja sede facilidade de conseguir bons empregos e acostumado. “Uma grande importância
está planejada para a cidade de Redenção, os países ganham com o conhecimento em promover o intercâmbio entre os países
no Ceará, vai oferecer metade de suas que os estudantes levam”, explica ela. de língua portuguesa é dar a oportunidade
vagas para estudantes africanos. A A criação da Unilab também poderá aos estudantes entrarem em contato com
instituição dará prioridade a cursos semi- permitir que a relação do Brasil com países as raízes culturais em
presenciais voltados à formação de lusófonos seja comum que partilham
professores. A unidade também levará em estreitada. com outros países.
conta as carreiras pelas quais os países “Ampliar a Mesmo com suas
africanos têm maior interesse, como as cooperação com a diferenças e
licenciaturas em Ciências da Saúde, comunidade de regionalismos, o idioma
Física, Biologia e as áreas de Tecnologia, língua portuguesa é o traço em comum que
Engenharia, Administração e Agronomia. abre oportunidade temos com povos
Considerada uma universidade para que nosso europeus, africanos e
inovadora, uma peculiaridade da Unilab método de ensino asiáticos”, declara o
será o estímulo dado ao estudante para e as pesquisas professor do curso de
que ele regresse a seu país de origem. realizadas possam R e l a ç õ e s
Como uma maneira de facilitar o ser conhecidas por Internacionais da
incentivo, parte dos cursos será outros paises, além Universidade Anhembi
ministrado em pólos de EAD (Educação de estimular uma Morumbi, João Alberto
a Distancia), disponíveis aos estudantes troca de Alves Amorim.
em cada país da comunidade (Angola, experiências. Isso é Segundo ele, ao
Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, rico para o viajar para um dos
Moçambique, Portugal, São Tomé e a m b i e n t e países com traços em
Príncipe e Timor Leste). universitário”, comum, o aluno volta
A presidente da FAUBAI (Fórum das afirma a assessora de Relações com uma experiência de vida diferente e
Assessorias das Universidades Internacionais e Interinstitucionais da se torna um cidadão globalizado. “A
Brasileiras para Assuntos UFU (Universidade Federal de experiência faz com que os estudantes
Internacionais), Suzana Queiroz de Melo Uberlândia), Rossana Valéria de Souza e desenvolvam uma estrutura pessoal e de
Monteiro, considera que a Unilab será Silva. mundo mais concreta. Isso gera um
uma forma de profissional mais preparado, sob ponto
ajudar países com Benefícios de vista pessoal, cultural e técnico. Por
m e n o r extras ter a chance de aprender em outro país ele
investimento na Para Rossana, além volta com novo foco sobre sua área e a
educação. “Da de divulgar as mobilidade gera acréscimo na educação
mesma maneira p e s q u i s a s do aluno e lhe dá novas oportunidades
que recebemos desenvolvidas nas para obter boa colocação profissional”,
conhecimentos e universidades conta Amorim.
tecnologia da brasileiras, a Ter mais oportunidades de emprego
Europa, a criação mobilidade entre a proporcionadas pela vivência no exterior
da Unilab seria comunidade lusófona não é uma vantagem apenas em empresas
uma forma de abre portas para dentro do país. Siqueira aponta casos de
cont.
3

Boletim Informativo
Laboratório ... do
de Jornal ABPN
Sepac
BOLETIM ABPN
S I´ N T E S E
capa (educação)
jovens brasileiros que foram destacados
no mercado de trabalho. “Há alunos que
quando voltam para o Brasil têm muito
mais facilidade em encontrar boa
colocação profissional. Também houve
casos dos estudantes serem convidados
a ir para o exterior para fazer entrevistas
de emprego; essa
chance apareceu
somente porque o
estudante teve bom
desempenho no
intercâmbio”, afirma
Siqueira.
Além de ajudar no
desenvolvimento dos
países envolvidos e
na questão da profissão, Suzana acredita
que o intercâmbio proporciona outros
benefícios. “No caso de estudantes
brasileiros que passem um período em
Portugal, por estarem inseridos na União
Européia, há convívio com alunos de
todos os estados membros do bloco.
Além disso, a universidade torna-se um
ambiente de culturas diversas. Fora que
os estudantes que vão para Portugal têm
a chance de verificar como é o ensino em
diferentes partes do mundo e abrir a mente
para outras culturas”, declara ela.
Outro ponto em que os jovens ganham
com a possibilidade de conseguir uma
bolsa no exterior é a excelência acadêmica.
Unilab integra iniciativa de aproximação do Brasil com a
África
O presidente Lula pretende estreitar os
laços com o continente “pelo viés social”.
Se não pode competir com a China em
investimentos em infra-estrutura ou com
os norte-americanos na economia e no
poder militar, o Brasil tenta manter
vínculos com a África pela cooperação
tecnológica, o intercâmbio cultural e
agora também pela exportação de políticas
sociais, com
programas arrojados
na área de educação.
Nos últimos
meses, Brasília
recebeu a visita de
delegações de seis
países africanos
(Angola, Gana,
Moçambique,
6 5
Namíbia, Quênia e
Ta n z â n i a ) ,
4
Ano I ... n° 1 ... setembro de Ano I ... n° 55
“Quando há oportunidade de conceder
bolsas, apenas os alunos com melhor
rendimento são escolhidos. Como há
estudantes que antes mesmo de ingressar
na universidade sabem da possibilidade,
eles buscam obter boas notas desde seu
primeiro semestre. Com essa ação, os
alunos ganham
por se esforçar e
aprender mais. E a
universidade
também ganha, já
que terá
estudantes com
b o m do Planejamento, Orçamento e Gestão,
desempenho no
m e r c a d o
levando o nome
da instituição”, diz o coordenador de
intercâmbio e mobilidade acadêmica.
Estudantes brasileiros, porém, tendem
a preferir a Europa ou os Estados Unidos
para realizar intercâmbio. Siqueira conta
sobre uma pesquisa informal feita na
UFPR em que foram entrevistados mais
de três mil alunos. O resultado aponta
como local preferido de destino os
Estados Unidos. Em seguida aparecem
França, Alemanha e Inglaterra. “Na
verdade, esse é um problema cultural.
Muitas vezes, inconscientemente,
estabelecemos que os países de alto
desenvolvimento tecnológico são os
convidadas do governo brasileiro para
conhecer alguns de seus programas
sociais mais famosos. Entre eles, o Bolsa-
Família, mas também a construção de
cisternas no semi-árido e o incentivo a
produtores locais por meio da compra de
alimentos.
É a continuação de um projeto antigo
do presidente Lula. Em abril desse ano,
ele esteve em Gana,
inaugurando um escritório
regional da Embrapa,
empresa brasileira de
pesquisa agropecuária. Em
Moçambique, está em
construção uma unidade da
Fiocruz, o centro de
excelência do governo
brasileiro na produção de
remédios. Agora, o governo
promete enviar técnicos
2008
locais indicados para realizar o
intercâmbio. Esse pensamento dos jovens
pode ser induzido pelos próprios
professores, que realizam seus cursos de
pós-graduação geralmente na Europa ou
nos Estados Unidos”, aponta.
Processo de encaminhamento
da Unilab
Depois de aprovada pelo Ministério
ainda é necessário que o projeto tenha
o aval da Casa Civil e do Congresso
Nacional. Para que a Unilab possa
funcionar, é também necessário que o
Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa - projeto de padronização
aos países da CPLP (Comunidade de
Países de Língua Portuguesa) - entre
em vigência.
O acordo já foi assinado por Brasil,
São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e
Portugal. O MEC (Ministério da
Educação) vai preparar um decreto
com a relação de providências a serem
tomadas para que ele entre em vigor.
O assunto será discutido com os
ministérios da Cultura e das Relações
Exteriores.
da Redação
para a África para ajudar países pobres a
implementar versões locais do Bolsa-
Família e dos outros.
“Existe uma decisão de governo de
aproximar o Brasil da África. Essa é a
perna social dessa estratégia”, diz
Valdomiro Souza, chefe da assessoria
internacional do Ministério do
Desenvolvimento Social, que organiza a
visita.
Segundo ele, os africanos já
reconhecem os programas brasileiros
como referências. “Há um interesse muito
grande pelos nossos programas de
segurança alimentar, por exemplo”, afirma
Souza.
É uma estratégia relativamente barata e
que dá retorno. Em Acra, capital de Gana,
Lula recebeu elogios demorados do
presidente local, John Kufuor, reconhecido
mundialmente por ser um líder democrata.
... ABPN
Boletim Informativo
Boletim Informativo
 Ano I ... de
Fevereiro ... setembro de 2008
n° 1 2005
na mira
ABPN
informa
Um Olimpo (ainda!)
precário
por Amauri Pereira
O caso de Rafael dos Santos, professor
adjunto da faculdade de Educação da
Uerj, acendeu uma luz vermelha no
ambiente acadêmico nacional. Tensão
provocada em virtude da presença de
mais negros em nova condição.
Até aqui há histórias de conquistas
quase sempre árduas da formação de nível
superior, de inserção em portas estreitas
de pós-graduações e conquistas de
doutorados. O Olimpo!!! viria com o
sucesso em concurso para universidades
públicas. Alegria... E muito trabalho, agora
em condição diferenciada!
Rafael, doutor em Educação pela USP,
correu, talvez ainda corra, o risco de ter
seu estágio probatório desaprovado.
Em situação atípica, a diretora da
faculdade convocou uma reunião do
Conselho Departamental para avaliá-lo.
Normalmente findo o prazo, e conforme o
desempenho do professor (a não ser em
Trabalho conjunto entre ABPN e coordenações
regionais é alvo de gestão
Dentre os papéis da Associação
Brasileira de PesquisadoresNegros e
Negras (ABPN) está o de fomentar e
apoiar as atividades das
coordenações regionais, por
entendermos que são as principais
dinamizadoras das políticas locais no
que se refere à produção de
pesquisas, gestadas ou não no
interior da Academia.
Como a experiência tem demonstrado,
os encontros regionais vêm servindo
para catalisar as pesquisas vinculadas
aos tópicos racial e de gênero, verificar
sua incidência em espectro nacional e
estimular o protagonismo de
pesquisadores negros e negras.
Essas tarefas delineiam, de partida, uma
agenda de trabalho da ABPN e das
coordenações regionais, que pode ser
6
Laboratório de Jornal...
Boletim Informativo doABPN
Sepac
casos de que não se tem notícia, de faltas
sucessivas, manifesta irresponsabilidade
e incapacidade para o trabalho), a
aprovação ocorre mediante a avaliação de
um(a) colega.
Duas coisas ressaltam nessa reunião
que ocorreu sem que o professor estivesse
presente: primeiro a desconsideração com
o colega, a ponto, de ter sido sugerido
que Rafael deveria buscar apoio médico,
pois estaria afetado psiquicamente;
segundo, a presença de um coletivo de
estudantes negros da Uerj. Solidários ao
professor alegaram que o regimento não
proibia sua presença, se instalaram na sala,
colocaram um gravador sobre a mesa e
começaram a fotografar a reunião. A partir
da mensagem desse coletivo – o
DENEGRIR – é que foram veiculadas as
informações, mobilizando setores da
universidade e diversos segmentos do
Movimento Negro no RJ – reação em
cadeia.
Não foi necessária intervenção direta da
ABPN no caso. O que os(as)
adversários(as) do professor Rafael não
sabiam é que a professora Maria Alice
Resende, com mais de 20 anos na UERJ e
pulverizada em várias frentes de
intervenção. O campo das relações
raciais está infenso a disputas e
processos de exclusão e
legitimação. Estratégias políticas
encobertas sob o manto da
neutralidade científica põem a nu as
disputas pelo controle da produção
acadêmica. Como se sabe, a ciência
é um sistema empírico de atividade
social que se define não somente por
um certo tipo de discurso, mas também
pelas condições concretas de sua
elaboração, difusão e desenvolvimento
cumulativo. São as condições de
produção que definem o horizonte dentro
do qual se movem as decisões que
permitem falar de uma certa maneira sobre
um certo objeto.
Aceitamos o desafio de falar sobre nós,
BOLETIM ABPN
S I´ N T E S E
coordenadora
do NEAB, já
havia feito a
avaliação (a
pedido do
p r o f e s s o r,
com ciência
da diretora da unidade e aceita pelo DESEN/
SRH); que a avaliação havia sido
encaminhada ao setor responsável pelo RH
da universidade, culminando com o ato do
Reitor de 13 de agosto de 2008, efetivando
o professor.
Desgaste para a chefe de departamento
e aliados(as). Dias depois recuaram por meio
de carta enviada à diretora da faculdade e
chefes de departamentos, alegando que a
avaliação do professor se deu à revelia do
departamento e da direção da faculdade –
o que foi prontamente desmentido pela
professora Maria Alice, em documentação
que tive oportunidade de ler.
Iniciativa e capacidade de articulação
política e acadêmica e não meras denúncias
e reclamações. Testemunho de um momento
diferente em ativismos antielitistas e anti-
racistas no Brasil.
por Rosane Borges
regidos pela máxima do quem conta e
como conta, herdando proposições
políticas de nossas referências (Lélia
Gonzales, Beatriz Nascimento, Hamilton
Cardoso, bell hooks, Cornel West, Sueli
Carneiro, Angela Davis, entre tantos(as)
outros[as]). É, sem dúvida, uma disputa
no terreno epistemológico, que há muito
decretou nossa morte intelectual. À
preferência, historicamente posicionada,
nomes acorrem nesse expediente. O de
Sueli Carneiro, diretora-fundadora de
Geledés - Instituto da Mulher Negra e
doutora em Filosofia da Educação pela
USP, é um deles. Em vibrante e elucidativa
conferência de abertura do VI Congresso
de Pesquisadores Negros e Negras, ela
nos aponta os mecanismos de
desqualificação do Outro, como requisito
cont.
5

S I´ N T E S E
BOLETIM ABPN
na mira
para a construção do Eu hegemônico.
Amparando-se no conceito de
epistemicídio, cunhado por Boaventura
Santos, Sueli nos ensina como foi
engenhosamente
construído o estatuto
desse Outro na tradição
filosófica ocidental. Para
ela, “o epistemicídio fere
de morte a racionalidade
do subjugado ou a
seqüestra” (...). O
fragmento de
Boaventura Santos
reforça a sua reflexão:
“para o “velho paradigma, a ciência é uma
prática social muito específica e
privilegiada porque produz a única forma
de conhecimento válido”, e nessa
percepção, se encontra também o único
sujeito cognoscente válido”.
Questionar e negar a
forma de conhecimento
válido bem como o único
sujeito cognoscente válido
é princípio fundante dos
Congressos de
Pesquisadores Negros e
Negras e linha mestra da
ABPN.
Partindo desse lugar,
vimos ao longo dos seis
congressos construindo várias propostas
com vistas ao rompimento dessa
subalternidade que nos aprisiona em
nossa capacidade intelectual e em nossa
humanidade.
O papel das coordenações
regionais
Como vimos insistindo, um nexo
prioritário de enfrentamento do
epistemícido é questionar o quantum de
racionalidade, usando as expressões de
Sueli Carneiro, e construir parâmetros e
referenciais que nos reposicione
enquanto sujeitos do conhecimento.
Entendemos que nessa disputa, a
institucionalização e o fortalecimento da
ABPN e das coordenações regionais são
um quesito importante no rol de estratégias
até aqui desenhadas.
As sociedades científicas surgiram, em
parte, em decorrência da necessidade de
ampliar o contato e o conhecimento entre
cientistas e como forma de se obter o aceite
dos pares. Aos poucos foram sendo
agregados papéis e funções cada vez mais
relevantes, as associações foram se
6
Ano I ... n° 1 ... setembro
diversificando, ampliando-se,
tornando-se normativas.
Habitualmente, a importância das
sociedades associações/científicas
decorre delas gerarem e
preservarem a História da
Ciência e das profissões
a ela relacionadas, de criarem
estímulos e condições de
desenvolvimento, quer da
ciência, quer da profissão,
consoante com os objetivos
estatutários e científicos sob
os quais estão abrigadas.
A Associação de
Pesquisadores Negros e Negras em
parceria com as coordenações regionais
vem pensando em propostas, além da
realização dos congressos regionais e
nacionais, voltadas para a construçãode
uma plataforma de ação capaz de fazer do
campo acadêmico
e da pesquisa
social uma arma
estratégica que
rompa o legado
epistemicida, lugar
onde se
institucionaliza e
de onde se espraia.
Entre as ações
que integram essa
plataforma, algumas consensuadas no
estatudo da Associação, pomos em
destaque:
Suscitar o debate de temas de
incidência estadual e regional, da
pesquisa e da política de ciência e
tecnologia, relacionada com o tópico
racial;
Promover palestras e conferências
alusivas à pesquisa e às relações raciais;
Colaborar com outras entidades
científicas no patrocínio de debates
pertinentes aos seus fins.
Propostas de comunicação
O trabalho em parceria entre ABPN e
coordenações regionais requer, por sua
vez, a construção de uma plataforma de
comunicação onde um sistema de trocas
dinamizará as principais ações delineadas,
quais sejam:
Produção de boletim (este que vos fala):
publicação eletrônica que terá
periodicidade quinzenal, com número de
páginas variável entre 8 e 12, trará
informações sobre as ações das
... n°
Ano I de 2008
55
coordenações regionais, da ABPN e das
temáticas circunscritas à linha editorial do
informativo;
Produção de site eletrônico; e
Produção de revista (eletrônica e
impressa)
O site e a revista (nas suas duas
versões) começaram a ser estruturados
pela secretaria da ABPN. O prazo máximo
para o lançamento do site, em grande
estilo (modéstias às favas), será a semana
do 20 de novembro de 2008;
A revista será o produto que exigirá
mais tempo e apuro de pesquisa.
Anunciaremos neste Informativo e no site
as suas etapas de produção, bem como
convocaremos os(as) associados (as) a
participarem de sua construção.
Certamente, ela será publicada no 1°
semestre de 2009;
Importante: se as associações
científicas dependem de seus associados
(que trivial evidência!), anunciamos aqui
também que ainda neste ano daremos
início ao processo de filiação, sonho de
consumo dos(as) congressistas desde o
primeiro encontro em 2000. Aguarde!
ABPN integrará comissão
para discutir implantação
da Unilab
A Associação Brasileira
de Pesquisadores Negros
e Negras foi convidada
pelo MEC para integrar
comitê que discutirá as
tratativas para a
implantação da Unilab,
Universidade Luso Afro-Brasileira -
reportagem de capa deste Informativo. A
nossa presidenta, Eliane Cavalleiro, será
a representante oficial da Associação.
Escreva-nos. Envie
artigos e sugestões de
matérias
Contatos:
abpn2008@yahoo.grupos.com
rosanedasb@uol.com.br
alex.ratts@uol.com.br
Boletim Informativo ... ABPN
Boletim Informativo
Ano I ... n°
Fevereiro de1 ...
2005setembro de 2008
Fomular e executar política de educação
racialmente inclusiva é meta inadiável
Uma vez que é prioridade nacional, a
Educação tornou-se tema preponderante
nos meios políticos, acadêmicos e sociais
no país. Seguindo tal premissa e suas
atribuições, o Ministério da Educação
tem organizado vários eventos com vistas
à discussão e elaboração de políticas
públicas em educação. Em 2008 realizou a
Conferência Nacional de Educação Básica
(Coneb); em 2009, participará da
Conferência Internacional de Educação de
Adultos (Confintea) e realizará, em 2010,
em Brasília, a Conferência Nacional de
Educação (Conae). São conferências que
objetivam propor discussões e
proposições que englobam desde a
educação infantil à pós-graduação.
A temática racial em educação –
incluindo a eliminação do racismo, o
ensino de história e cultura afro-brasileira
e africana, bem como o ensino das
relações étnico-raciais – é apontada pelos
movimentos negros como elemento
imperioso para a transformação, a partir
do cotidiano escolar, das relações racistas
e discriminatórias na sociedade. É
fundamental a compreensão de que o
sistema nacional de educação,
estruturado a partir de legislações
nacionais, como a Constituição Federal, a
LDB e o PNE, constitui-se num sistema
pautado em um regime de colaboração
entre os entes federados – nos níveis
federal, estadual e municipal –, de maneira
articulada, com divisão
responsabilidades na oferta dos vários
níveis de ensino e modalidades de
Boletim Informativo
Laboratório ...do
de Jornal ABPN
Sepac
BOLETIM ABPN
S I´ N T E S E
por Eliane Cavalleiro
educação. das políticas, devem se constituir
elementos chave a serem discutidos. A
O papel de cada um(a) de nós não-observação dessa premissa,
Devemos, como educadores(as) sobretudo no que concerne à
pesquisadores(as), inflexionar para que implementação de uma educação anti-
se configure um trabalho racista que englobe todo o sistema de que
coletivo cuja finalidade visam aumentar a qualidade na educação,
resida na construção de c o m
políticas relevantes e atenção às
sustentáveis para a desigualdades
educação brasileira. raciais,
Políticas que considerem representam
não só a dimensão u m a
geográfica do país, mas, condição
sobretudo, sua mandatória
diversidade racial e o para a
histórico de configuração de uma educação de
desigualdades entre qualidade para todos(as) e para eliminação
negros e brancos. do fosso entre negros e brancos nos
Assim, o princípio de sistemas de ensino.
qualidade que rege a Na construção do sistema nacional de
educação nacional, deve ser almejado na educação articulado é preciso reconhecer
perspectiva de qualidade para todos e a responsabilidade por parte dos entes
todas – mulheres e homens, negros, federados e das administrações locais para
indígenas e brancos. o fortalecimento dessa política.
No bojo das discussões dessas Igualmente é necessário reconhecer que
Conferências, não há como a responsabilidade pela implementação de
desconsiderarmos a importância da uma educação anti-racista nos sistemas
formulação de políticas públicas, como de ensino – desde a educação infantil até
um passo primordial a superior – cabe a todos os entes
para a configuração de federados, mas principalmente
um sistema organizado depende do MEC, dado ao seu
de educação. Contudo, papel, atribuído na CF, de órgão
é imperativo uma colaborador e articulador dos
reflexão e a busca pela sistemas de ensino.
elaboração de políticas A educação, entendida como
públicas em educação direito básico universal, requer a
que sejam orgânicas, configuração de uma educação anti-
quantitativa e racista como elemento estratégico e
qualitativamente indispensável para a construção de
suficientes para a um novo modelo de
composição do sistema desenvolvimento para o Brasil.
administrativo e Em 2008, nos 120 anos de abolição,
financeiro, capazes de uma educação para a cidadania,
materializar ações constitui um direito ainda a ser
concretas nos conquistado para negros e negras.
sistemas, instituições Nossa participação é imprescindível.
educacionais e
unidades escolares.
Os objetivos
de concretos das ações,
compreendendo os
meios para a efetivação
7
 Ano I ... n° 1 ... setembro de 2008
S I´ N T E S E
em pauta
Conferência Nacional de
Educação será realizada em 2010
O Ministério da
Educação realizará, em
abril de 2010, em
Brasília, a Conferência
Nacional de Educação
(Conae), que abordará
temas da educação
infantil à pós-
g r a d u a ç ã o .
Conferências municipais, no primeiro
semestre de 2009, e estaduais, no
segundo, vão preparar as bases do evento
para que ele seja representativo, amplo e
plural, segundo o secretário-executivo
adjunto do MEC, Francisco das Chagas,
que vai coordenar as atividades da
Conae.
A Portaria nº 10/2008 constituiu
comissão de 35 membros a quem atribuiu
as tarefas de coordenar, promover e
monitorar o desenvolvimento da Conae
em todas as etapas. A comissão
organizadora é integrada por entidades
de todas as áreas da educação, da
comunidade científica, movimentos
sociais, centrais sindicais e empresários.
Reforma ortográfica da língua
portuguesa é sancionada
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
assinou nesta segunda-feira,
29, o decreto que estabelece
a reforma ortográfica da
Língua Portuguesa. As
mudanças na escrita começam
a valer a partir de 1º de janeiro
de 2009.
Entre as mudanças
previstas no acordo estão o fim do trema
e novas regras para o hífen e a
acentuação.
O acordo visa unificar o português
falado e escrito em oito países de língua
portuguesa: Angola, Moçambique, Cabo
Verde, Guiná-Bissau, São Tomé e Príncipe,
Timor Leste, Brasil e Portugal.
As normas ortográficas do Brasil e de
Portugal poderão ser usadas até dezembro
de 2012 nos exames escolares, concursos
públicos e em vestibulares, valendo as
duas formas de escrita, a atual e a nova.
Nos livros escolares, a incorporação das
Boletim Informativo ... ABPN
Os órgãos dos governos e as entidades
tiveram prazo até 30 de setembro para
indicar seus representantes.
De acordo com o secretário, o Brasil tem
um sistema nacional de educação com
bases assentadas na Constituição Federal
de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) e no Plano Nacional de
Educação (PNE). Esse sistema articulado
divide as responsabilidades pelos vários
níveis de ensino entre municípios,
estados e governo federal, que atuam em
regime de colaboração.
Na coordenação da Conae, Francisco
das Chagas vai sugerir aos demais
integrantes da comissão que se discuta o
fortalecimento do sistema e a adoção de
novas diretrizes para um novo PNE (o
atual vigora até 2010) que levem em conta
o Plano Nacional de Desenvolvimento da
Educação (PDE), lançado em abril de 2007.
A Portaria nº 10/2008 especifica as 35
entidades e órgãos governamentais
responsáveis pela realização da Conae e
suas atribuições.
mudanças será obrigatória
a partir de 2010.
O decreto foi
assinado na Academia
Brasileira de Letras
(ABL), no Rio de Janeiro, na sessão
solene dos 100 anos da morte do
escritor Machado de Assis.
Algumas mudanças
O trema deixa de existir;
Os acentos diferenciais serão
eliminados;
Acentos agudos de ditongos somem;
O acento circunflexo some em palavras
como “vôo” ou “crêem”.
Palavras começadas por “r” ou “s” não
levarão mais hífen;
As letras “k”, “w” e “y” passam a fazer
parte do alfabeto. O número de letras
passa de 23 para 26.
Ano I ...ABPN
BOLETIM n° 55
Nos 200 anos de
imprensa no
Brasil, ABPN
lança série
A partir deste número, traremos
discussões sobre a importância da
i m p r e n s a negra na formação do país,
tópico ainda pouco explorado
no universo das
p e s q u i s a s
relacionados ao
tema.
O discurso fundador
nos diz que a instalação da
I m p r e n s a Régia só foi autorizada
quando a corte portuguesa se mudou para
o Rio de Janeiro, inaugurada em 13 de maio
de 1808. Antes disso, houve, no mínimo,
outras duas tentativas de exercício da
atividade tipográfica - uma em 1747, no
Rio de Janeiro, por Antonio Isidoro da
Fonseca, e outra em 1807, em Minas
Gerais.
O fato é que o primeiro jornal impresso
no Brasil, a “Gazeta do Rio de Janeiro”, só
foi lançado em 10 de setembro de 1808.
Antes disso, em 1º de junho do mesmo
ano, passou a ser impresso em Londres, o
também brasileiro “Correio Braziliense ou
Armazem Literário”.
A história da imprensa flagra a história
do próprio país, não apenas porque serviu
e serve de correia de transmissão da cena
cotidiana, mas porque surge e se
consolida como um fato político
importante.
Consideramos que o relato jornalístico
é parte do funcionamento imaginário de
uma época, ele tanto é uma prática social
produtora de sentidos como também,
direta ou indiretamente, catalisador das
várias vozes constitutivas daquele
imaginário. O discurso jornalístico, como
qualquer outra prática discursiva, integra
uma sociedade, sua história, mas também
está entranhado de historicidade.
Pelo peso da efeméride, 200 anos da
imprensa no Brasil, consideramos de
fundamental importância timbrarmos as
homenagens com o selo da Imprensa
Negra paulista. A imprensa negra é uma
fração importante dos principais
acontecimentos políticos na primeira
metade do século XX, firmando-se como
um documento indispensável para a
compreensão do país. Não perca!
8
Boletim Informativo
Fevereiro
BOLETIMde 2005
ABPN
especial
Centenário de Machado de Assis é
marcado por várias homenagens
O escritor
Machado de
Assis, que
completaria no
último 29 de
setembro cem
anos de
nascimento, é alvo de intensas e
sucessivas homenagens e lembranças.
Exposições, reedições, pesquisas,
ensaios, biografias, súmulas de suas
principais idéias e conceitos avolumam a
extensa programação em vários estados
do país.
O boletim da ABPN filia-se às iniciativas
em curso e presta homenagem ao maior
escritor brasileiro de todos os tempos.
Além de reconhecer a sua genialidade,
como o fez o crítico literário Harold Bloom,
(para Bloom, “Machado reúne os pré-
requisitos da genialidade, possui
exuberância, concisão e uma visão irônica
ímpar do mundo), este boletim aproveita
também para se contrapor, como
muitos(as) pesquisadores(as) vêm
fazendo, à idéia amplamente difundida de
que o escritor era alheio à questão racial.
Acusado de ignorar deliberadamente a
escravatura e a sua origem, Machado de
Assis nos oferece um conjunto literário
capaz de durrubar com um leve sopro as
afirmações levianas que se cristalizaram
no imaginário social.
Tornou-se moeda corrente se dizer que
ao contrário do seu contemporâneo Lima
Barretto, que fez da cor da pele o porta-
estandarte de uma literatura comicial,
Machado de Assis era isento na
abordagem das questões raciais de seu
tempo. Como nos informa Souza,
Machado vê aquelas questões com a
mesma visão longínqua do poeta Castro
Alves: um fado inerente à triste condição
humana. Está em Memórias Póstumas de
Brás Cubas a confissão do narrador de
que costumava desancar um escravo.
Este, liberto, comprou um, “e ia-lhe
pagando, com altos juros, as quantias que
de mim recebera”.
9
Laboratório de Jornal do Sepac
Ano I ... n° 1 ... setembro de 2008
Marisa Tripoli, em Máscaras e mitos: o
negro na obra de Machado de Assis,
desvela a face da personagem negra
machadiana por meio de contos, poemas
e crônicas do escritor.
Preliminarmente, Tripoli relembra que a
literatura da época de Machado não
omitiu o negro, porém, sua voz e ação,
muitas vezes, quando não apagadas,
foram tolhidas, distorcidas, ou
mascaradas. Sua presença, em geral, se
dá por tipos. O indivíduo representa o
coletivo. O discurso a seu respeito variava
conforme o posicionamento de quem
escrevia: estereotipada, a imagem do
negro, passa de dócil, infantil, fiel,
subjugada a violenta, feroz, vingativa, em
razão dos interesses do momento e
contexto em que é inserido o estereótipo.
Reproduzimos a seguir o Mas, se no conjunto da
resultado da pesquisa
de Tripoli.
“No conto, O
espelho: esboço de
uma teoria da alma
humana, Jacobino, um
jovem pobre, é
promovido a alferes da
Guarda Nacional. Tal
fato é festejado e
motivo de orgulho para
toda a família. Na
fazenda de sua tia, uma
fazendeira escravista,
não é mais chamado
pelo nome, só pelo
título. Todos os
escravos estão
obrigados a tratá-lo de “senhor alferes”.
Um dia, estando a tia ausente da fazenda,
os escravos fogem, abandonando o
alferes, privando-o da admiração a que
estavam obrigados.
“Achei-me só, sem mais ninguém, entre
quatro paredes (...) Nenhum fôlego
humano.(...) ninguém, um molequinho que
fosse. Gatos e galinhas tão-somente, um
par de mulas, que filosofavam a vida,
sacudindo as moscas, e três bois...
nenhum ente humano. Pareceu-lhes que
isto era melhor do que ter morrido? Era
pior”.Jacobino, sem os sustentadores de
sua “identidade”, percebe-se sem imagem
no espelho, único espaço onde, ainda,
´ SINTESE
da Redação
podia se refletir. O que restou na fazenda
foram apenas os animais, instrumentos de
produção; bens semoventes, categoria
em que os escravos eram incluídos. A
questão é que os animais não representam
a alteridade, no sentido de refletir a
identidade do outro. Na ausência do
escravo, cai por terra a ordem escravocrata
e com isso o autoconceito de
superioridade apregoado pela ideologia
vigente em relação aos senhores.
Há nesse conto um absoluto silêncio a
respeito tanto da escravidão quanto aos
possíveis acontecimentos relacionados
aos escravos fugidos. Entretanto, como
reflete Eni Orlandi,”O silêncio é. Ele
significa.” Ao calar-se, Machado abre
espaço para uma significação outra, que
a óbvia. Uma forma sutil para gerar idéias.
obra do autor estão
incorporados elementos
históricos e sociais a
serem lidos nas
entrelinhas, há também
momentos em que sua
colocação é explícita.
Isto ocorre, sobretudo,
nas crônicas e na crítica.
Vejamos, por exemplo, o
trecho de uma carta
endereçada a José de
Alencar, datada de
fevereiro de 1868, na
qual Machado tece
elogios a Castro
Amalves8. Esta carta era,
de fato, a crítica do
escritor, sobre o drama Gonzaga, escrito
pelo poeta, portanto, destinada a ser lida
pelo público.
“Eu não podia, por exemplo, deixar de
mencionar aqui a figura do preto Luiz. Em
uma conspiração para a liberdade, era
justo aventar a idéia da abolição. Luiz
representa ao elemento escravo. Contudo
o Sr. Castro Alves não deu exclusivamente
a paixão da liberdade[...]. Luiz espera da
revolução, antes da liberdade, a restituição
da filha; é a primeira afirmação da
personalidade humana; o cidadão virá
depois. Por isso, quando no terceiro ato
Luiz encontra a filha já cadáver, e
Boletim Informativo ... ABPN
 Ano I ... n° 1 ... setembro de 2008
S I´ N T E S E
especial
prorrompe em exclamações e soluços, o
coração chora com ele, e a memória, se a
memória pode dominar a tais comoções,
nos traz aos olhos a bela cena do rei Lear,
carregando nos braços Cordélia morta.
Quem os compara não vê nem o rei nem o
escravo; vê o homem”.
Serão essas palavras de um omisso,
dissimulado para não transparecer sua
condição racial?
Bastante explícitos também são algumas
poesias e contos, vale notar, escritos
antes da abolição. O poema Sabina,
publicado em 1875, é um deles. Embora
incluído no livro Americanas, foge à
temática indígena, sugerida inclusive pelo
título da obra. Sabina é um longo poema
que relata a sedução de uma jovem
mucama, não embranquecida, mas tratada
de forma paternalista. Jovem, virgem de
tez morena, cabelos cor da noite escura,
busto moldado em modelo clássico e
olhos brandos cor de jabuticabas.
A conquista de Sabina não passa pela
violência física, prática comum na
“ideologia falocrática”9 , descrita de forma
magistral por Castro Alves, em “A
Cachoeira de Paulo Afonso”. A
abordagem é romântica. O narrador,
indiferente como o rio, “ao mal ou bem
que lhe povoa a margem” desnuda a alma
de ambos.
O jovem conquistador, Otávio, volta
para a corte. “Com ela a alma não fica. De
seu jovem senhor.” Não fica a alma, mas
fica-lhe um filho no ventre. A reação dos
companheiros de desventura é de total
falta de solidariedade, impera a inveja, o
ciúme, a maledicência e a superstição.
“Após os dias da saudade, os dias da
esperança”, e a decepção. Otávio volta
Para marcar o centenário do escritor
Machado de Assis, a Caixa Econômica
Federal lançou um bilhete da extração da
Loteria Federal com a imagem do fundador
da ABL (Academia Brasileira de Letras).
O sorteio da Loteria Federal foi no dia
27 de setembro e o prêmio principal foi de
Boletim Informativo ... ABPN
casado. Em desespero, Sabina pensa em
se matar, mas no último momento desiste.
O poema, embora aparente descrever a
aceitação do cativeiro, denuncia a trágica
ironia do paternalismo e as suas
conseqüências. Uma faceta da
escravidão, muito conveniente aos
senhores e, em parte, responsável pela
crença de que, no Brasil, a vida dos
escravos era amena.
A crença na igualdade, pelo tratamento
privilegiado, impede de ver: “o fundo
abismo tenebroso e largo que separa”10
senhores e escravos. A delicadeza não
garante o afeto, nem evita o abandono
da escrava, mas facilita a “caçada” do
sinhozinho. Além disso, provoca
sentimentos desagregadores dentro do
meio escravo, afastando a solidariedade
e a confiança. Preserva a imagem
ideológica, segundo a qual escravo é
gente dotada de maus sentimentos,
quando não de apatia, servilismo e
resignação.
Enquanto Castro Alves denuncia a
violência explícita a que os escravos e,
principalmente as mulheres, negra e
mulata, estavam expostos, Machado
revela outras formas de violência, nem
sempre tão explícitas, mas igualmente
cruéis e doloridas. A violência, que passa
pela dissimulação e falsa camaradagem,
instituída para amenizar as relações entre
senhor e escravo, aumentar a produção,
garantir fidelidade e diminuir as fugas e
as revoltas, bem como as despesas com
segurança ostensiva.
No conto, como em outras obras, não
há floreios nem uso de meias palavras.
Machado não transforma o negro em
Loterial Federal homenageia o
mestre da literatura
R$ 100 mil, segundo a Caixa.
Jornalista, contista, cronista,
romancista, poeta e teatrólogo, Machado
de Assis nasceu no Rio, em 21 de junho
de 1839, e faleceu na capital carioca em 29
de setembro de 1908. O escritor presidiu a
ABL de 1896 a 1908.
Entre suas obras-primas, destacam-se
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”
(1881), “Quincas Borba” (1891) e “Dom
Casmurro” (1899).
Desde 1968, a Caixa divulga, nos
bilhetes da Loteria Federal, festas
populares, datas e personagens históricos
Ano I ...ABPN
BOLETIM n° 55
herói ou ser
extraordinário, nem o
pinta com as cores
miseráveis da
i d e o l o g i a
dominadora. Ele o
apresenta como ser
humano que é,
sujeito em sua
condição de
oprimido. Sem fazer
apologia, mas de
forma sutil, o autor,
a seu modo,
desnuda a realidade
senhorial e revela
uma sociedade em que a condição
econômica define o indivíduo, determina
sua exclusão ou aceitação. Uma sociedade
que, sob uma fachada moderna e liberal,
oculta as bases do sistema colonial, o
escravismo e o clientelismo.
A crônica foi outro gênero de produção
escrita que Machado de Assis exerceu
com a habilidade criativa e crítica que lhe
era peculiar. Nelas, encontramos um
Machado de Assis irônico e sarcástico,
que enfoca diversos estágios do período
abolicionista, as manipulações dos
senhores, a violência inerente ao sistema
de dominação. Faz isso, ora de forma
direta, ora dissimulada, mas preservando
um distanciamento crítico e lançando mão
dos recursos de estilo que lhe eram
comuns”.
Tais características acima descritas nos
reenviam para o acervo machadiano, um
convite tentador para a leitura prazerosa
do nosso grande mestre.
da cultura brasileira.
A primeira personalidade do universo
cultural convidada para ilustrar as
extrações da loteria foi Djanira, que pintou
quatro obras: “Inconfidência”, “Festa
Junina”, “Independência e Natividade”.
Outros artistas deram continuidade à
ação, e os bilhetes tiveram estampadas
obras de Aldemir Martins, Alfredo Volpi,
Wellington Virgulino, Francisco Rebolo e
outros.
10
Boletim Informativo
Ano I ... n°
Fevereiro ... setembro de 2008
de1 2005
cultura
Fundação Cultural Palmares festeja 20º
aniversário
A inauguração de nova sede, entrega
de prêmios e show de Margareth Menezes
foram as principais atrações do 20º
aniversário da Fundação Cultural
Palmares (FCP). A criação da Fundação
Cultural Palmares, em 22 de agosto de
1988, é fruto da luta do Movimento Negro
do Brasil. Instituída pela Lei Federal nº
7.668, a Fundação é vinculada ao
Ministério da Cultura e tem pot finalidade
promover a preservação dos valores
culturais, sociais e econômicos
decorrentes da influência negra na
formação da sociedade brasileira. As
novas instalações da FCP terão espaço
maior. Estiveram presentes na
inauguração, o presidente da Fundação,
Zulu Araújo, o ministro da Cultura, Juca
Ferreira, a deputada distrital Érika Kokay
e o deputado federal Carlos Santana,
O espírito da intimidade chega às
livrarias
Para Alice Walker, “a obra é como um mestre que pode nos ajudar a juntar tantas
coisas partidas pelo nosso mundo ocidental moderno”
Sobonfu Somé é uma mulher africana.
Seu nome significa “A Mantenedora do
Ritual”. Ela nasceu e foi
criada em Burkina Faso, ex
Volta Superior, na África
Ocidental. Sobonfu é
membro iniciado da Tribo
Dagara. Isso significa que
foi ensinada pelos anciãos,
que participou do ritual de
iniciação tribal das mulheres
e que passou pelos anos de
orientação que seguem essa
iniciação. Hoje Sobunfu e
seu marido, Malidoma Somé,
ensinam a ancestral sabedoria da sua
tribo ao redor do mundo.
Essa sabedoria inclui um item que
costuma sempre interessar aos
ocidentais: uma visão da intimidade. Mas
a concepção de casamentos e
relacionamentos que emerge de O
espírito da intimidade, primeiro livro de
Sobonfu Somé editado no Brasil, agora
lançado pela Odysseus Editora, é
completamente diversa do que poderia
se esperar.
Para a sabedoria de muitas gerações
11
Laboratório de Jornal do Sepac
ambos do
Partido dos
Trabalhadores.
A cerimônia
foi encerrada
com um café
da manhã
para os
convidados.
Além da
nova sede, a FCP fez entrega de um prêmio
simbólico a personalidades que
contribuíram para a trajetória da
Instituição: o Troféu Palmares 20 Anos.
Uma homenagem ao centenário de
nascimento do poeta negro Solano
Trindade também marcou a data. O
encerramento da festa ficou por conta do
show “Brasileira”, apresentado pela
cantora Margareth Menezes.
da Nação Dagara, que Sobonfu expressa,
as relações não podem ser nada sem a
intervenção do espírito.
Na tradição oral de
Sobonfu, baseada na arte de
conversar e contar histórias,
as idéias nem sempre são
lineares ou construídas na
direção da conclusão. O
conteúdo é novo e
provocante, mas não pode ser
absorvido como dados para
estatísticas e estratégias, pois
existe uma palavra em Dagara
cuja tradução é “a coisa que
o conhecimento não pode comer”.
As visões do livro só podem ser
absorvidas por intuição. Ela é a primeira
a dizer que sua conversa não está
sistematizada: “várias imagens vêm e vão,
como pequenas estrelas. O que é
importante, porém, é ver nossa
compreensão da intimidade como uma
prática autorizada pelo espírito e
executada por alguém que reconhece que
não pode, por si própria, fazer acontecer
aquilo a que foi convidada”.
BOLETIM ABPN
S I´ N T E S E
Zakumi, o
mascote da copa
Zakumi é o nome dele. Será
o símbolo da Copa do Mundo
de 2010, na África do Sul. Diz a
Fifa que esse leopardo
representa “o povo e o espírito
sul-africanos”. O corpo
amarelo e o cabelo verde são uma
referência aos bafana bafana, a seleção
local, que se veste nessas cores.
A escolha de um leopardo é intrigante.
Não é um animal tão associado à África
como o leão, o elefante ou a girafa. Pelo
contrário, leopardos são animais distantes
do imaginário africano, simplesmente
porque é tão difícil vê-los.
No marketing dos safáris africanos, há
cinco animais considerados os mais
majestosos e por isso mais interessantes
de serem vistos: leão, elefante, búfalo,
rinoceronte e leopardo. São os “big Five”,
uma expressão que dá nome a
restaurantes, lojas e cartões telefônicos
por todo o continente. Dos cinco, os
leopardos são de longe os mais difíceis
de serem avistados.
Rastejam entre a mata alta das savanas,
escondem-se entre os galhos mais altos
das árvores, gostam de sair à noite e são
extremamente tímidos com a presença do
homem. Na África do Sul eles vivem
protegidos em reservas como o parque
Kruger, mas estão por todo o continente.
Simbolizam força, coragem e poder. Em
várias sociedades tradicionais africanas,
sua pele é um poderoso símbolo de status.
Mas Zakumi é um primor do
politicamente correto. Segundo a fábula
contada pela Fifa, ele nasceu em 1994, o
ano em que Nelson Mandela chegou à
presidência da África do Sul. A primeira
sílaba, Za, é uma referência ao nome do
país em africâner, a principal língua da
minoria branca (numa crueldade histórica,
za é também a identificação do país na
internet; isso porque o ingresso do país
na rede mundial de computadores, no
início dos anos 90, ocorreu quando o
regime do apartheid dava seus últimos
suspiros).
O resto da palavra, Kumi, é um aceno
às línguas africanas do país. Significa
“dez” em várias delas, uma referência
óbvia à camisa mais importante de um
time de futebol, e ao ano em que a Copa
se realiza.
7
Boletim Informativo ... ABPN