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VIEIRA, Alberto (1999),

Da Festa ao fim do Ano

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (1999), Da Festa ao fim do Ano, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:
http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/ festas.pdf, data da visita: / /

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Da Festa ao Fim do Ano
Para o madeirense a época mais festiva é sem dúvida a que abrange o Natal e Fim de Ano.
Deste modo o Natal é apenas designado de AFesta@, isto é, como que a querer dizer que o grande
momento festivo acontece sempre em Dezembro. Deste modo na ilha as festividades religiosas do
nascimento de Cristo aliam-se Bs profanas que marcam a mudança do ano. Neste último caso a
tradiçno local alia-se B alheia, expressa na presença habitual de milhares de turistas.
Em qualquer dos casos o espectáculo, as tradiçtes que o envolvem, inebriam-nos num misto
de luz e cor. As iluminaçtes públicas, o fogo de artifício sno as evidLncias deste folguedo que
assume sempre um carácter colectivo de catarse para residentes e forasteiros.
Esta folia que no nosso século foi apropriada pelas festas da cidade acontecem pela
congregaçno do turismo com a vivLncia local. Para o madeirense a grande evidencia foi sempre o
Natal, mas paulatinamente o fim-de-ano foi-se impondo deixando de ser só para os turistas. A
tradiçno do fogo de artifício aliado Bs diversas manifestaçtes que assinalavam o momento com o
cortejo, contribuíram para esta mudança de atitude.
A afirmaçno plena desta manifestaçno festiva deverá ser dos anos trinta, uma vez que em
1932 foi criada uma Comissno das festas da cidade que tinha por missno coordenar todas as suas
actividades de diversno. A partir daqui os festejos, apoiados pelos comerciantes da cidade,
ganharam uma nova dimensno. A manifestaçno espontânea de populares e hotéis no lançamento do
fogo de artifício, que já em 1911 era usual, passa a estar subordinada a esta estrutura que
paulatinamente a transformou no maior cartaz turístico da cidade. Por outro lado os festejos
passaram a contar com um momento solene no dia 30 ou 31 que constava sempre da recita ou
concerto no teatro e de um cortejo folclórico regional pelas ruas da cidade.
O colorido da luz ganha cada vez mais adeptos e em 1938 houve mesmo uma Amarcha
luminosa@. Estava aberto o caminho para a plena afirmaçno das lâmpadas que passam a abrilhantar
os espaços públicos, a iluminar as árvores e a definir o contorno dos edifícios públicos e igrejas.
Mais tarde o avanço tecnológico permitiu a estilizaçno figurativa que atinge no presente o clímax.
Os festejos do fim do ano, que estno agora sob a alçada da Secretaria Regional do Turismo e
Cultura, sno o corolário das múltiplas vivLncias do passado em que o madeirense se mistura com o
forasteiro. Deste modo o historial do fogo de artifício do fim do ano, das iluminaçtes e as tradiçtes
natalícias locais nno sno fenómenos isolados e enquadram-se no fenómeno turístico que marcou a
vida da ilha a partir do século XVIII.

O NATAL MADEIRENSE

O TURISMO E OS INGLESES

A vivLncia do réveillon deve estar associada B presença inglesa na ilha. A eles associa-se o
colorido do fogo de artifício a partir do século XVIII, nno obstante esta manifestaçno estar já
associada aos grandes momentos festivos da vida dos madeirenses.
O Funchal do século dezoito era um dos paradeiros habituais de doentes da tísica pulmonar,
cientistas e funcionários da Coroa britânica em trânsito de e para as Colónias. Durante a curta
estância na ilha alojavam-se em casas de compatrícios ou de famílias madeirenses proprietárias de
quintas, que disponibilizavam quartos. Estes forasteiros, na sua maioria britânicos, no seu meio
recreavam as tradiçtes de origem, ocupando parte do seu tempo em saraus dançantes nos diversos
casinos, clubes e casas particulares. A passagem do ano era um dos momentos mais celebrados e,
embora sejam raras as notícias sobre a forma da sua realizaçno sabemos que existiram desde o
século XVIII.
Já no decurso do século XIX a assiduidade da presença dos forasteiros ingleses é cada vez
mais evidente e levou B criaçno das primeiras unidades hoteleiras. Todavia, nesta época nno eram
as festas do fim do ano que chamavam a atençno dos turistas. Aliás, parece que nos inícios da
segunda metade do século a crise do vinho havia provocado a debandada de muitos ingleses,
apagando-se certamente o colorido dos saraus e dos foguetes da noite de fim de ano e terá sido o
banqueiro Jono José Rodrigues Leitno, natural de Ponte de Barca, quem decidiu reaver a tradiçno
inglesa. Particulares, hotéis e comerciantes de fogo aliam-se para fazer reviver esta manifestaçno. E
a tradiçno nno mais se perder por força dos populares, hotéis e casinos que teimaram em animar a
passagem do ano. Assim sucedia em princípios do século, sendo de salientar a iniciativa do Reid=s
Hotel em animar este momento para os seus turistas com o tno proclamado fogo que desde 1922
passou a ser lançado do ilhéu.
Note-se que o descobrimento do Atlântico aconteceu em dois momentos. O primeiro, que
decorre até ao século XV conduziu B revelaçno de novos espaços agrícolas, mercados, rotas e
portos comerciais. Já no segundo, a partir do século XVIII, o europeu partiu B procura do quadro
natural do mundo Atlântico e do desfrute das belezas e clima com a definiçno de ilhas e espaços
litorais como health resorts e hotéis. Na verdade, o homem do século dezoito perdeu o medo do
mundo circundante e fez dele o motivo de experiLncia, deleite e estudo. Estes dois momentos
marcaram uma atitude distinta do europeu e tiveram reflexos evidentes na produçno literária que
envolve o processo. A par disso a opçno dos viajantes, que dno forma ao Grand Tour europeu da
época moderna, é diferente daqueles que primeiro sulcaram o oceano B procura de ilhas e portos de
abrigo. Da primeira já temos conhecimento quase suficiente, enquanto a segunda ainda se mantLm
no quase total esquecimento. Contribuir para a alteraçno deste estado de coisas chamando a atençno
dos investigadores para este inovador domínio é o objectivo que nos persegue agora.
No século XVIII as ilhas assumiram um novo papel no mundo europeu. Assim de espaços
económicos passam também a contribuir para alívio e cura de doenças. O mundo rural perde
importância em favor da área em torno do Funchal, que se transforma num hospital para a cura da
tísica pulmonar ou de quarentena na passagem do calor tórrido das colónias para os dias frios e
nebulosos da vetusta cidade de Londres. O debate das potencialidades terapLuticas da climatologia
propiciou um grupo numeroso de estudos e gerou uma escala frequente de estudiosos. As estâncias
de cura surgiram primeiro na bacia mediterrânica europeia e depois expandiram-se no século XVIII
até B Madeira e só na centúria seguinte chegaram Bs Canárias. As intermináveis filas de
aristocratas, escritores, cientistas que desembarcavam no calhau e iam encosta fora B procura do ar
benfazejo das ilhas foi um retrato comum da Madeira no século XIX.
Dos visitantes da ilha merecem especial atençno trLs grupos distintos: invalids (=doentes),
viajantes, turistas e cientistas. Enquanto os primeiros fugiam ao inverno europeu e encontravam na
temperatura amena o alívio das maleitas, os demais vinham atraídos pelo gosto de aventura, de
novas emoçtes, da procura do pitoresco e do conhecimento e descobrimento dos infindáveis
segredos do mundo natural. O viajante diferencia-se do turista pelo aparato e intençtes que o
perseguem. Ele é um andarilho que percorre todos os recantos na ânsia de descobrir os aspectos
mais pitorescos. Na bagagem constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita e
desenho ele regista as impresstes do que vL. Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens, que
se tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista das ilhas.
O turista ao invés é pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e egoísta guardando
para si todas as impresstes da viagem. Deste modo o testemunho da sua presença é documentado
apenas pelos registos de entrada dos vapores na alfândega, das noticias dos jornais diárias e dos
"títulos de residLncia", pois o mais transformou-se em pó.
A presença de viajantes e "invalids" na ilha conduziu obrigatoriamente B criaçno de
infraestruturas de apoio. Se num primeiro se socorriam da hospitalidade dos insulares, num
segundo momento a cada vez mais maior afluLncia de forasteiros obrigou B montagem de uma
estrutura hoteleira de apoio. Aos primeiros as portas eram franqueadas por carta de recomendaçno.
A isto juntou-se a publicidade através da literatura de viagens e guias. Os guias forneciam as
informaçtes indispensáveis para a instalaçno no Funchal e viagem no interior, acompanhados de
breves apontamentos sobre a História, costumes, fauna e flora.
A Madeira firmou-se, partir da segunda metade do século dezoito, como estância para o
turismo terapLutico, mercL das entno consideradas qualidades profiláticas do clima na cura da
tuberculose, o que cativou a atençno de novos forasteiros. Aliás, a ilha foi considerada por alguns
como a primeira e principal estância de cura e convalescença da Europa. Note-se que no período de
1834 a 1852 a média anual de Invalid's oscilava entre os 300 e 400, na sua maioria ingleses. Em
1859 construiu-se o primeiro sanatório. O último investimento neste campo foi dos alemnes que em
1903 através do principie Frederik Charles de Hohenlohe Oehringen constituiu a Companhia dos
Sanatórios da Madeira. Da sua polémica iniciativa resultou apenas o imóvel do actual Hospital dos
Marmeleiros.
Nno temos dados seguros quanto ao desenvolvimento da hotelaria nas ilhas, pois os dados
disponíveis sno avulsos. Os Hotéis sno referenciados em meados do século XIX mas desde os
inícios do século XV que estas cidades portuárias de activo movimento de forasteiro deveriam
possuir estalagens. A documentaçno oficial faz eco desta realidade como se poderá provar pelas
posturas e actas da vereaçno dos municípios servidos de portos. No caso da Madeira assinala-se em
1850 a existLncia de dois hotéis (the London Hotel e Yate's Hotel Family) a que se juntaram outros
dez em 1889. Em princípios do século XX a capacidade hoteleira havia aumentado, sendo doze os
hotéis em funcionamento que poderiam hospedar cerca de oitocentos visitantes. A preocupaçno
destes visitantes em conhecer o interior da ilha, nomeadamente a encosta norte levou ao
lançamento de uma rede de estalagens que tem a sua expressno visível em S. Vicente, Rabaçal,
Boaventura, Seixal, Santana e Santa Cruz.
A ilha dispte ainda hoje de uma unidade hoteleira de luxo que remonta a esta época. O
Reid's Hotel foi construído em 1891 pela família Reid e teve o nome de New Reid's Hotel, para se
diferenciar dos outros (The Royal Edimburgh Hotel, Hotel Santa Clara, Miles Hotel, Hotel Monte e
German Hotel) que já explorava. William Reid fixou-se no Funchal em 1844 dedicando-se de
parceria com W. Wilkinson a montar um serviço de apoio aos inúmeros visitantes que chegavam B
ilha para um período de repouso ou na busca desesperada das qualidades terapLuticas que o clima
da cidade propiciava. Os seus filhos, William e Alfred, deram continuidade B obra. Tenha-se ainda
em conta um conjunto de melhoramentos que tiveram lugar no Funchal para usufruto dos
forasteiros. Assim, desde 1848 com José Silvestre Ribeiro temos o delinear de um moderno sistema
viário, a que se juntaram novos meios de locomoçno: em 1891 o Comboio do Monte, em 1896 o
Carro Americano e finalmente o automóvel em 1904.
A partir de finais do século XIX o turismo, tal como hoje o entendemos, dava os primeiros
passos. E foi como corolário disso que se estabeleceram as primeiras infra-estruturas hoteleiras e
que o turismo passou a ser uma actividade organizada e com uma funçno relevante na economia.
Deste momento ainda persiste na ilha da Madeira uma unidade hoteleira: Hotel Reids. E mais uma
vez o inglLs é o protagonista principal. Este momento de afluLncia de estrangeiros coincide ainda
com a época de euforia da CiLncia nas Academias e Universidades europeias. Desde finais do
século XVII as expediçtes científicas tornaram-se comuns e a Madeira (Funchal) ou Tenerife
(Santa Cruz de Tenerife e Puerto de La Cruz) foram portos de escala, para ingleses, franceses e
alemns.

O FIM DO ANO

A 31 de Dezembro celebra-se a passagem do ano de acordo com o nosso calendário


gregoriano. E tal como os rituais pagnos de passagem nós continuamos a celebra-los do mesmo
modo. O fogo, a luz sno elementos fundamentais e apresentam um poder de purificador e de
estigmatizaçno do mal.
Entre nós nno temos dados seguros sobre a data exacta em que se começou a comemorar a
passagem de ano, mas certamente deve ser uma manifestaçno muito remota que se foi adaptando Bs
exigLncias dos tempos e Bs aportaçtes dos forasteiros. O Padre Fernando Augusto da Silva refere-
nos estes festejos em 1923, explicando que era costume nno muito antigo. Todavia dados avulsos
apontam que esta é uma vivLncia muito antiga.
Aos poucos esta festividade espontânea foi criando a sua estrutura organizativa e aquilo que
era o capricho de alguns transformou-se nas festas da cidade. Para isso foi necessária uma comissno
que desde 1932 teve a seu cargo a organizaçno dos principais actos. A folia que assinalava a
passagem do ano tinha por palco os saltes e hotéis, nomeadamente Reids e Savoy, mas iniciativa
desta “Comissno de Festas da Cidade” saiu para a rua. Esta abertura dos festejos do fim do ano
sucedeu em 1932 com um cortejo luminoso. Entretanto em 1936 foi criada a Delegaçno de Turismo
da Madeira que terá a seu cargo também a manutençno destes festejos. Na verdade a Madeira era
entno uma estância privilegiada de turismo invernal e a aposta nestes festejos contribuirá para
reforço dos aliciantes oferecidos aos visitantes.
Pompa e circunstância dominaram as passagens do ano da década de trinta até que a II
Guerra Mundial, a partir de 1939, veio apagar a alegria esfuziante do madeirense. O Natal de 1939
e os que se seguiram foram de luto. As dificuldades no campo e na cidade eram evidentes. Os
hotéis fecharam por falta de turistas pelo que ninguém se lembrava de evocar a passagem do ano,
estando todos de olhos postos no que se passava no centro da Europa. Deste modo até 1946 nno se
celebrou oficialmente a passagem do ano. Apenas em 1945 já acabado o pesadelo da guerra
tivemos os primeiros festejos com fogo de artifício. O retomar das festas da cidade sucedeu apenas
em 1946. Mesmo assim estas eram quase só reservadas aos madeirenses uma vez que os hotéis
permaneciam encerrados e os turistas teimavam em nno aparecer. O Reid=s Hotel só abriu as portas
em 8 de Dezembro de 1949. Todavia no ano anterior a Casa da Madeira em Lisboa havia trazido ao
Funchal um grupo de 600 excursionistas para assistir aos festejos do fim-do-ano.
Durante muito tempo os festejos do fim-do-ano resumiram-se ao fogo de artifício, aos
saraus dançantes e desfiles etnográficos. O colorido das lâmpadas é uma novidade já entrados no
século XX. Note-se que a luz eléctrica chegou ao Funchal em 1897 por mno dos ingleses. Em 1949
terminada a concessno aos ingleses a câmara cria os serviços municipalizados de electricidade que
nno sno capazes de assegurar um adequado serviço. Deste modo em 1952 tal missno passa para a
alçada da Comissno Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, um serviço
público com a funçno de proceder B produçno, transporte e distribuiçno de energia eléctrica em toda
a ilha.
O consumo e a exigLncia da energia eléctrica aumenta de acordo com o incremento do
turismo e obrigam a elevados investimentos. As décadas de cinquenta e sessenta marcadas crise da
energia foram fatais.

O PODER SIMBÓLICO DA LUZ E COR

O fogo é um elemento importante do ritual religioso e na


Antiguidade ele dominava muitos dos ritos ditos pagnos. A ele associa-se o poder benfazejo de
purificaçno e afastamento do mal. Para os cristnos ele confunde-se com a luz e metamorfoseia-se na
imagem de Cristo. As festas que assinalavam a mudança dos solstícios de Inverno e Verno eram
marcadas pela presença do fogo, através de fogueiras ou de luzes, no caso utilizavam-se as luzernas
de óleo ou azeite. Os rituais perduraram, pois apenas mudaram aos instrumentos para alimentar o
fogo e a luz. Assim juntaram-se mais tarde as velas e, com o advento da energia eléctrica, as
lâmpadas coloridas. Alguns resquícios desta tradiçno perduram ainda hoje nas célebres fogueiras da
noite de Natal.
O Natal do mundo Cristno é uma recuperaçno dos antigos cultos agrários que celebravam a
25 de Dezembro o nascimento do sol, o início do solstício de Inverno. Deste modo até ao dia 31 de
Dezembro, quer gregos quer romanos, festejavam o retorno do Novo Sol. O aspecto mais
significativo desta celebraçno estava nas fogueiras que se ateavam por todo o lado. Elas tinham a
funçno de fortalecer os raios solares para que o seu poder benfazejo se mantivesse até ao solstício
do Verno. A importância desta manifestaçno levou a que o Cristianismo no tempo do papa Libério
(352-366) recuperasse esta tradiçno estabelecendo o 25 de Dezembro como o dia do nascimento de
Cristo, identificando-o com o Sol da vida.
As iluminaçtes da árvore de Natal prendem-se também com este ritual, pois apresentam a
mesma simbólica das velas de Natal. A sua chama é o símbolo de purificaçno, iluminaçno e
fertilidade. Para o cristianismo a chama da vela tem um valor simbólico muito forte, é
personificaçno de Cristo, no sentido de que este é a luz do mundo. As velas colocavam-se na janela
acendidas para guiar o espírito de Cristo no escuridno da noite. Os incLndios foram o grande
problema que só foi contornado a partir da década de oitenta do século XIX com o aparecimento da
luz eléctrica
No Natal a luz hoje irradia sob a forma de sol ou em construçtes estilizadas de estrelas.
Também as estas está ligado um poder simbólico e culto religioso, pois de acordo com a tradiçno
antiga elas exorcizam o demónio e as forças do mal. Na simbólica cristn nno sno menos
importantes. Senno vejamos. Foi uma estrela que guiou os reis magos e a estrela de quatro pontas é
conhecida como a estrela de David, o símbolo do judaísmo.
Os milhares de lâmpadas que anual se acendem em Dezembro para embelezar o anfiteatro
do Funchal, bem como outras que por todo o mundo dno brilho ao momento natalício, nno estno
longe desta secular tradiçno. Todavia, hoje os objectos sno distintos. As fogueiras e velas foram
substituídas pelo garrido das hodiernas lâmpadas. Os efeitos de luz e cor perderam este poder
mitológico e firmaram-se mais pelo impacto visual e como elementos indispensáveis de criaçno da
ambiLncia natalícia.
As iluminaçtes de fim de ano acontecem neste intervalo de tempo e evoluem de acordo
com a capacidade criativa do homem e disponibilidades técnicas. Dos inúmeros testemunhos
literários que temos dominam as descriçtes do fogo de artifício. Sucede assim em Isabela de França
(1853-54) e Ferreira de Castro (1932-33). Somente em Luís Forjaz Trigueiros, em testemunho do
réveillon de 1936 se dá conta das iluminaçtes: Ao oceano é um formigueiro de pequenas luzes
imóveis, da Pontinha ao Reid's, milhares de lâmpadas coloridas, debruam o litoral da ilha, até
onde a vista se perde.
Também os tradicionais arraiais vivem do colorido das iluminaçtes e fogo de artifício.
Desta tarefa ocupavam-se em princípios do século presente alguns empresários, sendo de destacar
Honorato Rodrigues, Manuel Andrade e António Lino Barreto. Nestes eram tradicional Bs 11 horas
do sábado da festa uma exibiçno de fogo preso, tradiçno que hoje se perdeu. Temos informaçtes
que os arraiais madeirenses eram abrilhantados com efeitos decorativos, lâmpadas multicolores e
fogo de artifício. Nas iluminaçtes sno referidos os baltes venezianos, lanternas e vidros coloridos
de copos. Com estes últimos faziam-se desenhos nas fachadas das igrejas, o que atribuía um
desusado brilho ao ambiente que deslumbrava os romeiros.
Tenha-se em atençno que o fogo de artifício desde a Antiguidade que está envolvido em
determinados rituais e em momentos festivos de diversa ordem. Mas o fogo de artifício moderno
parece que começou em Florença a partir do século XIV. A Itália, aliás, foi pioneiro no
desenvolvimento do fogo preso que teve um grande incremento a partir do século XVII. Diz-se que
o primeiro espectáculo de fogo de artifício ocorreu em 1575 no castelo de Kenilworth em honra da
rainha Elisabete. Este tipo de celebraçno tornou-se muito popular em Inglaterra e certamente a
comunidade britânica na ilha contribuiu para que a mesma tradiçno fosse reforçada nas diversas
manifestaçtes festivas, nomeadamente na passagem do ano.
Era também tradiçno na Madeira celebrar todos os momentos festivos de carácter religioso e
político com iluminaçtes e fogos de artifício. Deste modo o nascimento de um príncipe, a coroaçno
de um rei, a proclamaçno da independLncia nacional em 1640 ou os festejos em honra de Sno Tiago
Menor obedecia a este ritual de trLs dias de festa. Até ao advento da energia eléctrica as
iluminaçtes consistiam em velas ou candeias de azeite colocadas em lanternas na parte exterior das
janelas dos edifícios públicos.
A mais antiga referLncia a este tipo de comemoraçno sucede em 1640 com a celebraçno da
restauraçno da monarquia. No século XVIII sucederam-se outras manifestaçtes sendo de referir em
1761 com os festejos em honra do nascimento do príncipe D. José que consistiram em 3 dias de
luminárias públicas e fogo de artifício. Já em 1777 foram os inimigos de Jono António de Sá
Pereira que celebraram de forma efusiva a sua saída com iluminaçtes e fogos artificiais.
Sabemos por ordem de 1825 que a estas iluminaçtes públicas estavam sujeitos os tribunais
e demais repartiçtes públicas. A falta de interesse deverá ter motivado esta recomendaçno isto
numa época em que havia muito por comemorar. Já em 1821 a nova constituiçno fora celebrada
com iluminaçtes, seguindo-se em 1874 por altura da inauguraçno das comunicaçtes telegráficas.
O novo século abre com a visita do Rei D. Carlos que é recebido de forma efusiva no cais e
ruas da cidade. De acordo com os testemunhos da época as iluminaçtes da entrada da cidade e da
Praça da Constituiçno foram o principal motivo de atençno dos visitantes
Em 1922 tivemos festejos duplos para celebrar o descobrimento da Madeira e a chegada de
Gago Coutinho e Sacadura Cabral. No primeiro caso foi fogo preso no ilhéu e iluminaçtes
desenhando o contorno do ilhéu e Pontinha, sendo notada a ausLncia de luminárias nos edifícios
públicos. Já no segundo momento tivemos quatro dias de festa com iluminaçtes das ruas e casas
comerciais.
A década de trinta assinala a afirmaçno das gambiarras e o colorido da luz ganha uma
posiçno de relevo nos festejos do fim do ano. A luz eléctrica começa a expandir-se no meio urbano.
A cidade perdeu o ar sombrio e os festejos de Natal e fim de ano ganham mais vida, afirmando-se
como um cartaz turístico. O colorido da luz e do fogo sno o emblema dos festejos de fim de ano,
aquele que é considerado o principal cartaz turístico da regino.

A NOITE DE SÃO SILVESTRE

Podeis imaginar o que será a Noite de São Silvestre no Funchal, a sua animação, o
carácter dessa festa nocturna, e a grandiosidade do seu fogo de artifício?
Não, leitor. Por maior que seja o vosso poder visionário, por mais completas que sejam
a vossa imaginação e até sugestão, não fareis ideia do espectáculo, e ficareis sempre muito
aquém da realidade.
Imaginai um cataclismo tremendo, um vulcão que entrasse repentinamente em
actividade, e que incendiasse toda a baía, toda a cidade, e toda a parte das serranias que se
vêem do Funchal. Não há sítio onde não haja fogo. Não há pedaço de céu onde não haja lume,
janelas onde não cintilem faúlhas, telhados que não jorrem cinzas incandescentes, largos e
esplanadas onde não haja estoiros e ribombos fragorosos, casas que não pareçam pastos de
chamas, navios que não faísquem mil luzes e reflexos, como se estivessem em labaredas,
montanhas donde não se despenhem cataratas gigantescas de fogo, como se fosse lava
vulcânica, corrente e avassaladora, e serras donde não se elevem colossais jactos inflamados,
assombrosos fogachos de matérias incandescentes e explosivas, e formidáveis chamas
tragicamente coloridas e intensas.
É noite de Ano Novo. A cidade está em festa. Não há janela sem iluminação, porta que
não esteja aberta, mesa que não esteja família que não esteja contente.
Pobres e ricos, todos acorrem às ruas, aos restaurantes, aos hotéis, às casas dos seus
amigos, às esplanadas dos seus jardins, às torres das suas casas, aos terraços das suas
varandas, aos cumes dos seus telhados, aos cais, aos navios fundeados na baía, aos barquitos
de vela e de remos, aos miradouros públicos, e a todos lugares donde a visibilidade e os
horizontes sejam vastos e agradáveis.
A característica canja de galinha, manjar imprescindível esta madeirense, passa
fumegante a todas as mãos e a todas as mesas, servida em chávenas finas, ou em tigelas
graciosas. Os célebres e dulcíssimos bolos de mel de cana, abundam por toda a parte e
constituem uma verdadeira tentação para as crianças e adultos.
As salas e as ruas estão cheias de odores capitosos. Todos têm as suas Iguarias
confortantes e saborosas. Até os mais desprotegidos têm a sua mesa lauta, mercê da
generosidade espontâneas pessoas mais abastadas.
Abrem-se garrafas de variados espumantes. Estralejam rolhas de pressão. Saboreiam-
se preciosos e perfumados vinhos leira. Ouve-se um vozear geral. Ecoam risadas, fazem-se
amistosos, formulam-se votos de felicidade, confessam-se, desejos e aspirações. Toda a gente
fala, come com apetite, bebe e ri em simpática comunicabilidade e alegria. As ruas passam
penosamente os carros de bois, circulam com dificuldade os automóveis, move-se uma massa
compacta, e ininterrupta de gente.
Vai principiar o número culminante da festa. Anuncia-se o começo do fogo de artifício,
por uma largada colossal de muitas centenas de balões gigantes, de várias cores. O céu
principia a coalhar-se de fogos que se movem. Há qualquer coisa de grandioso e solene no
momento. Existe um sentimento de expectativa em toda a gente. Há silêncio, admiração e
surpresa. Lá longe, num e noutro ponto, eis alguns balões que se incendeiam e se desfazem em
labaredas. Outros atingem alturas enormes, tornam-se quase invisíveis, e flanam airosamente
na atmosfera.
Sucede-se nova largada de balões. As pintas de luz multiplicam-se. O céu torna-se
rubro, afogueado, pletórico de fogachos, e como que movediço, instável e dançante.
O estrondear espantoso e inesperado de uma grandiosa salva de morteiros estremece
tudo e todos, e ecoa repetidamente, em varias gradações de som, desde as encostas próximas,
até às mais recuadas e distantes. Um calafrio prolongado percorre o sistema nervoso das
pessoas. A loucura começa.
Lá em baixo na baía, declara-se uma batalha naval Os navios de excursão e de escala,
engrinaldados e ornamentados por bandeiras, flâmulas e festões de luzes de inúmeras cores,
alvejam-se uns aos outros por meio de jactos artificiosos de Bengala, tal como monstros
flamívomos. As numerosas embarcações pequenas que vogam no porto em todas as direcções,
seguem-lhes o exemplo. Há fogos cruzados, fogos que se perdem nas águas, fogos que atingem
as alturas e que tingem o céu e o mar.
Em volta, numa ascensão potente e vertiginosa, os foguetes sobem ao ar, lançados de
todos os pontos altos que rodeiam o Funchal. Os busca-pés assobiam raivosos como se fossem
serpentes assanhadas. Cada vez em maior número, os morteiros estoiram atroadoramente
nos ares. O seu eco infernal e prolongado parece o estrepitoso desabar das serras, do casario,
e de toda a Ilha, sobre a e sobre o mar.
O Castelo do Pico está a arder. Há fogo no Pico dos Bar, no Pico de S. Martinho, no
Balcão da Montanha, na levada Santa Luzia. O fogo da terra pega-se ao céu. Tudo arde.
Tudo a, tudo se despedaça, desfaz e pulveriza, como se fosse uma ira colossal, a semear lume
em toda a volta, a salpicar luzes de todas as cores, e a jorrar jactos de cinza e brasas, em
todas as direcções.
As serras, os bairros da cidade, o mar e o céu mudam constantemente de cor,
iluminados pela feéria de luminosidade e pela contínua e grandiosa das mutações, as quais
vão do vermelho intenso ao verde pálido, ao azul eléctrico, à poalha de oiro, uva de prata.
Rasga-se uma cascata, subitamente, lá no alto. Aí vem uma te de lava incandescente,
descendo a encosta, ameaçando erigir a cidade e despenhar-se nas águas da baía. Outras as
sucedem-se. Outras torrentes descem em diferentes das montanhas.
A violência do estrondear ininterrupto, à maneira de bombardeamento de guerra,
sistemático e contínuo, rivaliza com a idade dramática do clarão geral, que tudo ilumina,
desde o mar e a cidade, até às mais pequenas particularidades das montanhas.
E como se isto não fosse bastante, ainda há a juntar a cooperação particular de toda a
gente. E assim, não há postigo, janela, mirante, ou telhado, onde não se queimem fósforos de
cor, valverdes, estalinhos, bombas e foguetes minúsculos. Não há largo, quintal, clareira,
terraço ou jardim, onde não se queimem foguetões de lágrimas e onde não haja fiadas de
balões e de lâmpadas
Depois da apoteose final, em que, a cidade do Funchal, à maneira da antiga Pompeia
dos seus últimos dias, parece viver a sua hora derradeira de trágico-festivo cataclismo,
começa a debandada do povo.
A fumarada e o cheiro a pólvora, que enchem os ares, vão-se dissipando pouco a pouco
com o frescor da madrugada. As ruas movimentam-se de novo, por algumas horas. O transito
é extraordinário. A festa continua. Para muitos só acaba de manhã, depois de longas e fartas
ceias de despedida.
É assim a noite de S. Silvestre no Funchal. É assim que os Madeirenses se despedem do
ano que acaba e festejam o ano que começa.

(Edmundo Tavares, Terra Atlântida. Impressões da Madeira, Lisboa, 1948)


Fatal na cidade: luzes, músicas, mostruários de lojas cheios de brinquedos, cestos
abarrotando de fruta...
Tudo aparência, visões especiosas para os olhos ingénuos da gente nova, mas não de
toda.
No campo, nas freguesias rurais, donde não se vê a cidade, porque a montanha a encobre com seus refolhos,
pelas azinhagas, no adro da igreja, à porta de casais não se ouve falar do Natal e *festa+, a Festa do Menino
Jesus. A palavra Natal posto que inda não entrasse em uso, não seja termo comum, não se generalizasse, já
pretende substituir a *Festa+, mormente na convivência da gente grada e mais letrada com a privança dos
jornais e senhores torna-viagem, naturais da cidade e seus arredores. Fala-se da *Festa+, do porco da *Festa+. E
a vizinha Gertrudes armou uma bonita lapinha na *Festa+. Não há iluminações, mostruários a desafiar os olhos
do rapazio e de gente grande, mas há frisos de luminárias, cana-vieira na assomada das lombas, quando
amortiça luz do céu. E essas archotadas anunciam a festa de igreja no dia imediato.
Na cidade compram-se pinheiros, verduras para embrincar os presépios. Na aldeia
vai-se às abas da serra buscar o alegra-campo e galhos de loiro, e das paredes rústicas
trazem-se os fetos-cabrinhas para alindar a escadinha dos pastores e do Menino. Todos se
provêem de frutas. Rico e pobre. A laranja e o pero não custam dinheiro. De resto, pede-se e
dá-se. E na *Festa+, há festa de igreja com três padres e cantores de fora. A festa profana é
feita de pifes, gaitas e machetes. Acabou-se, este ano, infelizmente, por virtude da
conturbação dos tempos, com a nota ruidosa, álacre, comunicativa, do estoirar das bombas
que se perde na noite das arraigadas, vivificadoras tradições madeirenses. Ao abrir de
Novembro, nas freguesias do Norte da ilha, estrugiam, retinindo no coração das montanhas, o
grito seco das bombas
Mas o que é tradicional da *Festa+ só temporariamente poderá faltar. Para o ilhéu da
Madeira, a *Festa+ é a quadra por excelência do bem-estar do corpo e do espírito.
No campo e na cidade, passado o dia de Reis, já se pensa na *Festa+ que há-de vir, já se
fazem projectos:
CPara a Festa, quem lá chegar...
CPara a Festa terás o que prometi!
CMãe quando se compra o porquinho para a Festa?
CE a lapinha, mãe? Vai-se guardar o Menino Jesus...
CSim, agora para a Festa...
E o ano tem a *Festa+ como fundamento de marcação do tempo: CFaz 5 anos para a
Festa; foi 1 mês depois da Festa; faz dois anos, 3 meses antes da Festa. E a Festa é a principal
coluna da memória para assinalar o tempo.
Meditemos na legenda a inscrever nela e que nos sirva de padrão até à outra *Festa+.
(Y)
Com a entrada do ano novo parece que deixámos para trás um caminho que não
voltamos a percorrer. Foi mais uma longa viagem que fizemos, que vivemos, na qual houve
dias de prazer e horas de aborrimento. Mas o percurso não se efectuou em linha recta. A
estrada apresentou-se, para uns com muitas curvas e para outros muito estreita, de difícil
transito, pois o conseguir romper através dela não se tornou possível sem roçar nos muros.
Todavia, por bom ou mau caminho, quem chegou ao fim da jornada esqueceu pelo
menos durante um dia as agruras da comprida marcha de longos meses.
É que nesse dia viveu entregue à paz do lar, na doçura de um ambiente propiciatório
às recordações que se acham impregnadas de saudade.
Comparo esta nossa viagem, até o Natal, à jornada da Alma que depara uma
estalagem onde se gozam as delícias do paraíso, segundo reza o Auto de Gil Vicente.
A *Festa+ madeirense não é exactamente o que as necessidades da época vieram trazer:
as festas do fim do ano com a orgia das luzes e do fogo da meia-noite. Não se trata das
inovações da noite de São Silvestre: os cartazes de turismo roubados a Vulcano que têm
muito de psicologia prática. A *Festas madeirense é a que se perpetua em continuidade de
uma tradição essencialmente religiosa, juntou o elemento profano. É a que tem carácter
individual, bem que um individual com manifestações comuns. É a *Festa+ que há umas
centenas de anos as famílias colonizadoras introduziram com a lapinha de escada que ostenta
no topo o Menino Jesus.
E na cidade, espontaneamente, os fósforos de cores, os potes, as estrelinhas começaram
a enfeitiçar a noite, queimados às janelas das casas, de compita com as bombas estralejando
aqui e além.
Este aspecto profano também conta na tradição religiosa porque anda associado a ela.
Mas não se circunscreveu ao Funchal. Por todas as povoações o fogo de artifício é
complemento jubiloso da *Festa+ do Menino Jesus.

(Horácio Bento de Gouveia, Canhenhos da Ilha, Funchal, sd)


Era velho costume da ilha saudar o ano nascente e fazer ao morto coruscantes funerais com uma festa,
pirotécnica. Antes mesmo de cair a meia-noite sobre o último santo do calendário, portas e janelas da cidade,
fossem de vivendas modernas, de antigos e austeros, palácios ou de pobres casebres, começavam a esparrinhar
fogo na grande encosta, enchendo a escuridade de lumaréus, fogachos rabiantes, rútilas serpentinas, jactos de
luz que se cruzavam, derramando estrelas e lágrimas, flamas de vida errante e efémera, dando sempre lugar a
outras, a muitas outras, que se entrançavam com todas as cores do arco-íris e se perdiam num espectáculo
demoníaco, fantasmagórico e inesquecível. Tudo ardia, tudo fulgurava; já não existia a noite, já não existia a
terra; vivia-se num outro mundo, um mundo de fogo crepitante, que arremessava estilhaços de constelações e de
astros, por entre os quais vagueavam serpentes vermelhas e caiam, lentamente, lentamente, flores extravagantes,
pétalas rubras, como se se estivessem a desfolhar os inesgotáveis jardins do céu. A noite era uma apoteose aos
génios do mar. De quando em quando, para se admirar as luminosidades aéreas, havia uma síncope no fogo
lançado de varandas e janelas; mas logo ele volvia a incandescer a encosta inteira, brotando da terra em altos
repuxos de luz, fortes como veios de água rompendo por entre os répteis de lume que voavam em seu redor e as
faúlhas que saltavam do braseiro imenso. A noite cada vez faiscava mais: pintava com todas as cores a sua negra
pele e incendiava-se toda, apoteoticamente. Ignescia entre o casario, iluminando torres, recortando araucárias
solitárias, copas verdes, vultos disformes saídos da escuridão e, depois, abria-se em cima, aonde chegavam os
foguetões, em cataratas de fulgores, de jóias coloridas, de pedras preciosas, numa prodigalidade de deus que
lançasse, lá do alto, os seus fabulosos tesouros. E a festa alongava-se a toda a baía. Não era preciso sequer peca
aquática para que o mar se enchesse de cintilações. Foguete solto em terra, se dava curva maior, vinha chorar as
suas lágrimas policromas sobre a vasta enseada. E, então, quanto em cima ardia e reverberava, obtinha um
espelho deformador na água acordada e inquieta. As alegorias de fogo tornavam-se ainda mais faustosas e iam
descendo vagarosamente para as profundidades marítimas, em busca do colo das sereias. Mas já outras estavam
na superfície, a substituir as irmãs perdidas entre os navios que silvavam ao ano novo, as lanchas que andavam
em vadiagem festiva, com bandeirolas e balões, e a gente que se debruçava, ruidosa e pasmada, em todas as
amuras.
Lá em riba, no Terreiro da Luta, o torneio era mais original ainda. Havia bruma na montanha e os
foguetões subiam abrindo energicamente um risco vermelho no céu. Ao estoirarem, a névoa revolvida
esgarçava-se em absurdos contornos, um farrapo verde aqui, um farrapo azul acolá, este rúbido, aquele doirado
de fogo, como se todo o algodão, um instante vislumbrado, fosse arder lá nas alturas. Outras vezes, não se via
sequer o traço do foguete na ascensão; de repente, a grande massa de névoa estremecia, iluminava-se por dentro
e através dela vinham descendo, caprichosamente, as figuras siderais da pirotécnica, esmaecidas nas suas cores,
como vistas através de uma camada de água e como se tudo se passasse num sonho, como se tudo fosse irreal. E,
de novo, a bruma voltava a esfarrapar-se em labaredas ou a rasgar-se em abismos, onde corriam estrelas
fugazes, astros relampejantes, uma chuva de oiro e prata, tão copiosa e irisada, que céu estival, por mui
constelado que estivesse, seria pobrezinho ante a montanha em tal ignição e magia.

[Ferreira de Castro, Eternidade, Lisboa, 131 ed. (Escrito 1932-1933)]


O dia de Natal caiu nesse ano num domingo. Fui à igreja, como habitualmente, e,
cerca de uma hora depois de eu ter vindo para casa, entrou no pátio do nosso hotel uma
banda de tambores e pífaros a tocar o *Deus Guarde a Rainha+. numa sensação curiosa ouvir
numa terra estrangeira esses acordes tão conhecidos! Aqueles músicos têm o costume de,
neste dia, dar uma volta por todas as casas respeitáveis, na esperança de gratificação. Nas
casas portuguesas tocam qualquer dos muitos hinos nacionais ou peças políticas (já se sabe,
do partido então vitorioso); mas, onde residem ingleses, é sempre o *God save the Queen+.
Ao descrever os festejos paroquiais, referi-me a fogos de artifício, tanto de dia como à
noite, os quais constituem parte tão importante das celebrações religiosas. Mas no dia de
Natal, a Festa por excelência, não se ouve outra coisa senão explosões por todos os lados,
foguetes, estalos, tiros de espingarda e de pistola, ao alvo ou às cegas - em suma, fogo e
barulho por todos os meios possíveis.

[Isabella de França, Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal 1853-1854,


Funchal, 1970.]
A PASSAGEM DO ANO

Nesta noite de final de ano toda a cidade foge para o Casino, para os hotéis, para os
pontos altos. O Oceano é um formigueiro de pequenas luzes imóveis e, da Pontinha ao Reid's,
milhares de lâmpadas coloridas debruam o litoral da Ilha, até onde a vista se perde. Onde
está a cidade de ontem que se espreguiçava ao sol em requebros indolentes?
Durante todo o dia o Funchal em festa transfigurou-se, e as próprias árvores, que se
recortam agora na sombra e na atmosfera quase tropical, parecem cantar no céu os hinos
duma inesperada Primavera.
...Meia noite. A grande féerie vai começar. Das montanhas vão desaguar no Oceano
rios luminosos e vivos. José Pedro e Ricardo olham a sua volta e ouvem e vêem uma espantosa
sinfonia de cores, de lâmpadas que circundam todos os carreiros, todas as estradas, todos os
vales. Lá em cima, nos pontos mais altos, o Pico da Cruz e o Pico dos Barcelos estão
desenhados a rubro, numa profusão de cores que estonteia. Para o Oriente, para o Ocidente,
para onde quer que se voltem, tudo refulge em clarões de vitória.
Meia noite. Ricardo faz um sinal a José Pedro, que virava as costas à Ilha; *olha a
terra+, diz num orgulho de madeirense. De facto, toda a Madeira é um grito de fogo que sobe
para o céu triunfalmente. Das montanhas que limitam o horizonte, pela encosta, nas
povoações, nas vilas, nos povoados, desde onde pode divisar-se ao olhar humano, sobem no ar
peças de fogo de artifício que desenham no espaço jardins surpreendentes.
São flores prateadas e douradas que irrompem de toda a parte e que vem morrer em
lumes cintilantes no Oceano. Lá em baixo, na baía, não param um minuto as sereias dos
paquetes, que lançam agora, no céu, os seus holofotes potentes. Longe, do outro lado da
montanha, José Pedro adivinha os jardins do Reid's, braseiro magnífico latejando em mil
vibrações luminosas. No ponto mais alto da serra surgem festões prodigiosos que se
projectam no espaço, como se saíssem duma cratera subitamente aberta. Não há nenhuma
casa, nenhuma aldeia que não vibre em convulsões supremas. E na própria Sé, envolta num
manto luminoso, a sua cruz recorta-se dominando a cidade numa sugestão de paz e de
glória. No relógio luminoso da Montanha I937 já desapareceu. O novo ano inscreve-se,
numa apoteose de luz, dominando a ilha. Riscam-se no céu parques luxuriantes, jardins
suspensos de sonho; e o fogo crepita sobre a cidade, despenha-se no Atlântico, comunga com
o Mar, numa união fecunda, eterna como a própria Vida.
A pouco e pouco extinguem-se as últimas crateras luminosas pela serra. Exausto do
espectáculo estranho, José Pedro olha agora para as Desertas, que mal se distinguem ao
longe, fita o céu negro e hermético. Não diz, porém, uma palavra e é Ricardo quem
interrompe o seu silencio:
CO milagre do fogo...
José Pedro pensa; vê, pela última vez que ainda morrem na encosta, ouve ainda as
sereias dos navios ancorados no porto, adivinha as danças e musica na cidade. E apenas
responde:
- Diz-se que na passagem do ano se deve manifestar um desejo novo, um desejo íntimo.
Foi o que eu fiz.

[Luís Forjaz Trigueiro, "Considerações sobre uma ilha da Madeira e a Passagem


do Ano"[1936],in Cabral do Nascimento. Lugares Selectos de Autores Portugueses
que escreveram sobre o Arquipélago da Madeira, Funchal, 1949]
Donde viria a predilecção do madeirense pelo fogo de artifício? Tornou-se vulgar o
espectáculo sempre fascinante duma chuva de estrelas coloridas sobre a ilha. Em qualquer
ponto da montanha, onde haja uma capelinha; em todos os sítios que se avistam da
estrada,Clá estão, de quando em quando, os renques de lâmpadas a assinalar a festa, que nem
chegamos a saber qual seja. E, dum momento para outro, sobem na escuridão as girândolas
luminosas, como se fizessem parte da noite madeirense. Mas o grande deslumbramento é a
passagem do ano, quando o maravilhoso anfiteatro do Funchal se incendeia de estrelas de mil
cores e das encostas sobem jogos de fogo alucinantes. Dir-se-ia a evocação poética das
labaredas que há cinco séculos lhe destruíram o arvoredo. Enche-se a atmosfera dos silvos
das sereias e do buzinar dos automóveis, mas o fogo domina tudo e cria a exaltação colectiva
dos acontecimentos excepcionais. Vista do mar, naquela hora, a Madeira é uma floresta de
luz multicolor a flutuar no Oceano. Uma realidade fabulosa e efémera! Contemplada da
cidade, a baía, toda ela reflexos prodigiosos, com as silhuetas dos navios a refulgir, é outro
sonho visível, réplica do mar ao espectáculo fantasmagórico da terra.
Para o madeirense, a festa do fim do ano é a conclusão natural das FestasCo
NatalCque toda a ilha celebra com entusiasmo e amor. Não há casa, por muito pobre que
seja, onde o Natal não seja assinalado por uma limpeza maior, um arranjo mais cuidado,
umas lapinhas ou, simplesmente, a imagem do Menino Jesus exposta sobre a cómoda ou sobre
a mesa e rodeada de flores e de alegra-campo, de mistura com todos os objectos a que se
atribua um valor decorativo. É, todavia, no Funchal que as Festas assumem o seu esplendor
máximo: na animação das ruas, desde semanas antes; na especial decoração das montras; no
fulgor da iluminação, intensificada pelas casas comerciais, que iluminam as suas fachadas e
armam, algumas, os seus *pinheiros+ no passeio que lhes fica defronte; numa indefinível
euforia que se espalha no ambiente. Tudo toma um ar festivo; gastam-se as economias
corajosamente amealhadas durante o ano para estrear qualquer coisa nas Festas ou gastar
em presentes. Bolos-de-mel, broinhas; anonas e abacates, já fora da sua época e por isso mais
apreciados; *carne de vinho e alhos+ Cpalavras de todos os dias que têm, porém, um sentido
mais forte, imediato, quando chega o Natal, mesmo até para aqueles que se limitam a pensá-
las, sem possibilidades de lhes dar concretização... O Natal faz nascer uma esperança em cada
coração. Não apenas a dum Mundo em PazCaspiração natural, constante e veemente de todos
os homens e mulheres de boa-vontadeCmas a esperança humaníssima de qualquer coisa que
melhore a vida, conforme as necessidades de cada um. Quantos se contentariam com um bom
jantar, um mimo, um agasalho, um brinquedo que lhes alegrasse os filhos. . . O Natal traz, a
alguns, essa probabilidade. Tudo isso conta na claridade que irradia da Palavra Natal. Tudo
isso conta na alegria difusa das Festas da Madeira.
A *rochinha+ ou *lapinha+ madeirense, inspirada na própria paisagem, é, a um tempo,
ingénua e original: o mesmo presépio das províncias portuguesas, mas diferente de todos eles,
com dois Meninos JesusCo que está na gruta, deitadinho sobre palhas, e outro, mais crescido,
vestido de seda, imagem tutelar de todos os lares da ilha, que é colocado, como soberano, no
alto da fantasiosa construção. Casinhas, pastores, ovelhas, e as mais variadas figuras criadas
pelos barristas populares, todos os presépios têm. Mas a Madeira junta a tudo isso os
melhores frutos da época, a verdura dos seus campos e a delicadeza das suas * searas+. Vão-se
perdendo certas praxes e tradições de cunho medieval que caracterizavam, nas diversas
freguesias, o Natal da ilha: mascaradas, cantares e folguedos exclusivos da ocasião. Prevalece,
contudo, imutável, o ambiente de festa que abre um parêntesis na monotonia quotidiana e
dão aos ilhéus de todas as classes, tenham ou não tenham Fé, um espairecimento diferente, às
vezes uma ilusão de optimismo e mudança. . .

(Maria Lamas, Arquipélago da Madeira Maravilha Atlântica, Funchal, 1956)


Noite de 31 de DezembroCVela toda a gente nesta noite, sendo rara a casa que não
receba parentes e amigos. A magia do fogo e a esperança dum novo ano feliz são motivos
irresistíveis de folguedos e expansões. A cidade fascina de iluminações irisadas, subindo e
descendo montes, abraçando casas, contornando povoações. Por sobre o verde-negro da
paisagem, rompendo as trevas da noite, cintila uma estranha constelação de lenda oriental.
Todas as portas e janelas da encosta, abertas de par em par, olham sobre a cidade
relampejando jorros de luz projectados na baía. A vida, a música e a alegria animam esses
olhos em vivas expressões de esperança e felicidade. O movimento de transportes e peões
acelera-se na cidade, ganhando cada qual o seu posto em terra ou no mar, em miradoiros de
meia encosta e da montanha, em torres, telhados e terraços. E quanto mais se aproxima a
meia-noite, mais cresce a vaga luminosa que sobe do hemiciclo do Garajau ao Hotel Reid's e
vai morrer no Terreiro da Luta, quebrando suavemente aos pés da Senhora da Paz, no cimo
da Montanha, a confundir o fulgor da terra com o do céu. De segundo em segundo, a
impaciência insofrida dos mais febricitantes rompe o espaço, aqui e além com clarões de festa
e explosões de miríades de estrelas coloridas, ribombar de morteiros e estralejar de foguetes.
O Funchal é já um imenso leque aberto lantejoulado de milhares de cores, riscando o espaço
fios de ouro e de prata, que engrinaldam casas e jardins. Redobra a vida, cresce o entusiasmo,
aumenta a ansiedade. Os corações fremem de inquietação pela primeira badalada da meia-
noite na Catedral. O momento enfim chegou. Fica parado o último olhar e suspensa a
respiração. Um frisson inexprimível passa em todos os corpos, prende-se a fala, afloram
lágrimas, a alegria e a comoção dão largas as vibrações da alma. A noite desaparece, ardem a
terra e o céu num vulcão de assombro, arte, beleza e delírio. Do mar à serra, a cidade vibra
numa orgia de luz e cor em glorificação ao ano novo. Por toda a parte se levantam florestas
de mágicas colorações; cachoeiras de neve luminosas enchem os vales; marulha nas encostas a
claridade ofuscante duma radiação solar; maravilhas de fantasia estranha transformam essa
pura realidade numa visão de sonho. Sinos, apitos e sirenes atordoam os ares; orquestras e
filarm6nicas enchem o espaço de harmonias entusiásticas; gritos, vivas, hurras, palmas,
abraços, beijos, preces e lágrimas ressoam por toda a parte na mesma comunhão de
sentimentos. Transatlânticos de diferentes nacionalidades, surtos no porto, associam-se à
festa espelhando-se nas águas do Oceano à claridade furtadores de seus fogos e iluminações.
Os passageiros na coberta entoam hinos, cantam e dançam ao retinir de taças que se
levantam num delírio de votos e saudações. Tal é a vida dos primeiros cinco minutos de cada
ano na Madeira: uma epopeia de sonho e beleza que nenhuma pena pode descrever, mas que
a retina apreende num momento e a sensibilidade guarda para sempre. O escritor inglês
Clarence Winchester, que assistiu a este espectáculo em 1938, escreveu dele estas impressões:
*Tenho assistido em várias partes do mundo à queima de fogos de artificio, em Hollywood.
por exemplo, onde o espectáculo é de grande beleza, de beleza que eu julgava insuperável.
Mas a despedida do ano na Madeira é um acontecimento único, sem par. A recordação que eu
tinha dos espectáculos anteriores, semelhantes, dissipou-se. Na minha mente só prevalece a
lembrança dessa feérie extraordinária e indescritível. Assisti à passagem do ano no Reid, e
logo que principiaram os fogos de artifício, isolei-me num dos recantos do jardim,
emocionado, recolhido, como se assistisse a um acto religioso+.
Extinto o fogo, desloca-se a festa para o interior das habitações. A canja fumegante e
rescendente faz honras ao ano novo; o vinho e os licores evolam aromas de qualidade e
velhice; a mocidade exuberante de vida e de ilusões rodopia ao ritmo da dança acompanhada
por pianos, rádios ou grafonolas. Mais um ano entra em todos os corações e em todas as casas
como promessa de nova vida, nova sorte e felicidade nova.
A partir de 1938, o conjunto de todos os festejos populares de 31 de Dezembro,
iluminações, ornamentações públicas, fogos, músicas, bailes e ceias solenes constituiriam
programa suficiente para dar categoria social a tais comemorações, por isso as distinguiram
com a pomposa classificação de Festas da Cidade oficializadas pela Câmara Municipal do
Funchal.
[Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, Funchal, 1968, II vol. pp.516-518]

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