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VIEIRA, Alberto (1993),

O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e


XVIII,

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (1993), O Açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital,
disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/hsugar-madeira.pdf, data da
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O Açúcar NA MADEIRA.
SÉCULOS XVII E XVIII

ALBERTO VIEIRA
1996

FUNCHAL-MADEIRA http://www.madeira-edu.pt/ceha/
EMAIL:CEHA@MADEIRA-EDU.PT

OS CANAVIAIS MADEIRENSES
O REGIME FUNDIARIO
ESCRAVOS COM OU SEM AÇÚCAR
O ENGENHO
OS OFïCIOS DO Açúcar
ADMINISTRAÇÃO E DIREITOS
O COMÉRCIO DE AÇÚCAR
DIOGO FERNANDES BRANCO: UM CASO EXEMPLAR

A tradição historiográfica tem defendido erradamente a ideia de


que os canaviais sucumbiram, na primeira metade do século XVI, com
a concorrência das produções de outras ilhas e, nomeadamente, do
Brasil. O trabalho que agora se apresenta demonstra precisamente o
contrario. O açúcar não desapareceu dos nossos poios e quotidiano.
Ele casou com o madeirense e acompanhou-o na ilha e fora dela. A
par disso há uma tradição da industria açucareira, assente na
laboração do açúcar por meio das conservas ou casquinha, nas
tecnologias, que persistiu, quase até à actualidade. E hoje de
novo a cultura parece querer regressar aos nossos campos.
No começo a cultura foi alvo de mil cuidados. Era a coqueluche das
plantas que acompanharam os primeiros colonos na diáspora
atlântica. Esta realidade está evidenciada na permanente
intervenção da coroa, do senhorio e município nas fases de
cultivo, transformação e comércio. Nunca uma cultura e produto
final foram alvo de tão apertada regulamentação e vigilância. Esta
luta materializa-se na defesa e manutenção da qualidade do produto
colhido no solo insular, no que foi acompanhada pelos demais como
o vinho e o pastel. A todos definiam-se, por regimentos
específicos, as tarefas de cultivo, cuidado e laboração final do
produto, de modo a que este se apresentasse nas condições e
quantidades necessárias para a sua comercialização. Na Madeira e
Canárias o açúcar foi alvo de constantes regulamentações e de um
controlo assíduo dos alealdadores para o efeito eleitos em
vereação.
Nos séculos XVI e XVII a intervenção das autoridades resultava
apenas da necessidade de garantir ao açúcar da ilha uma posição
dominante no mercado interno e a situação concorrencial nos
mercados nórdico e mediterrânico. A concorrência do açúcar
brasileiro será, por algum tempo, o motivo de discórdia entre os
vários interesses em jogo. A incidência destas medidas é pontual e
resulta do incentivo que a cultura mereceu em finais do século
XVI. A conjuntura da década de quarenta da centúria seguinte foi
demarcada por novo incremento da cultura, sem necessidade de
recurso às medidas proteccionistas, uma vez que o mercado do
Nordeste brasileiro se encontrava sob controlo holandês. Com isso
fechou-se a rota do açúcar brasileiro: a correspondência de Diogo
Fernandes Branco refere a ausência destes navios nos anos de 1649
a 1650. Neste último ano dizia-se que há dezoito anos que o pau-
Brasil e o açúcar não vinham de Pernambuco. Aqui a intervenção vai
no sentido de promover a cultura através de uma política de
incentivos, materializada nos apoios à reconstrução dos engenhos.
Este conjunto de medidas culmina em 1688 com a redução dos
direitos que oneravam a produção, passando de um quinto para um
oitavo.

OS CANAVIAIS MADEIRENSES
A cana, desde muito cedo, ganhou uma posição privilegiada no solo
madeirense, conquistando as mais importantes arroteias da vertente
meridional e o Nordeste. A capitania do Funchal agregava no seu
perímetro as melhores áreas para a cultura dos canaviais. Nos
séculos XVII e XVIII os poucos canaviais que persistiram pertencem
também à área desta capitania. Em Machico os poucos canaviais que
persistiram, principalmente em Santa Cruz, haviam desaparecido por
completo em 1674. Em auto lavrado em câmara refere-se que a
lavoura cessara na vila de Machico, sendo as terras semeadas de
trigo, cevada e vinhas. Os livros do oitavo disponíveis não é
fácil definir as principais áreas de produção, uma vez que poucos
são aqueles em que está identificada a localidade. Mesmo assim é
possível definir-se algumas áreas produtoras de maior evidência,
como sejam, Amara de Lobos, Calheta, Estreito da Calheta, Canhas.
A conjuntura do século dezassete foi favorável ao retorno da
cultura. Algumas terras de vinha ou searas cederam lugar às socas
de cana. Mas estas pouco ultrapassaram, num primeiro momento, a
valoração da área agrícola circum-vizinha do Funchal. Assim o
comprova o livro do quinto do ano de 1600, que nos 108
proprietários de canaviais apresenta um grupo maioritariamente
desta área. Este livro é quase único quanto à produção de açúcar
na ilha no século dezassete, pois só teremos novas informações a
partir de 1689, com a arrecadação do oitavo. Neste ano de 1600 é
bastante evidente a retracção da área ocupada pelos canaviais.
Aqui a média propriedade cede lugar à pequena e mesmo de muito
pequenas dimensões. A maioria (isto é 89%) produz entre 5 e 50
arrobas, o que demonstra estarmos perante uma cultura vocacionada
para suprir as carências caseiras, no fabrico de conservas,
doçaria e compotas.
Os anos seguintes foram de promoção da cultura o que propiciou um
aumento da produção, mantendo-se a mesma incidência das áreas em
questão, sendo de realçar a Ribeira dos Socorridos, onde no século
dezoito se manteve em actividade um dos poucos engenhos de açúcar
existentes na ilha. No período de 1689 a 1766 deparamo-nos com
algumas quantidades de açúcar na Ribeira Brava, Funchal, Ponta do
Sol, Santa Cruz e Calheta. Todavia a situação é totalmente
distinta daquela que se viveu nos séculos XV e XVI. Na Calheta,
por exemplo, iam longe os tempos áureos, agora a produção de
açúcar era quase ridícula Assim entre 1689 e 1705 foram só 29
arrobas e 2 libras. Note-se aqui o recurso a medidas de capacidade
de pequeno, que por certo adquiriam muita importância para a
situação da época. Era uma agricultura de jardinagem. De acordo
com Álvaro Rodrigues de Azevedo o ano de 1748 é o marco que
assinala o fim da primeira época do açúcar na Madeira: "acabou,
por então o assucar na ilha da Madeira. A cana doce, somente como
mera curiosidade, continuou cultivada, fazendo-se della pouco mel,
para consummo domestico..."

O REGIME FUNDIARIO
A presença da cultura no solo madeirense conduziu a uma
reestruturação do regime fundiário de modo a adequá-lo às
especificidades que a mesma gerava. Note-se que para a plena
afirmação dos canaviais foi necessário criar algumas condições
para além das oferecidas pelo solo: a água para o regadio e
accionar os engenhos, a madeira e a lenha para os pôr em
funcionamento, por um período prolongado de tempo.
Nos séculos XVII e XVIII a situação da estrutura fundiária é
distinta. Assim dominam os pequenos proprietários de canaviais, o
que demonstra ser esta uma cultura subsidiária, que medrava ao
lado das outras pela sua necessidade familiar ou interna. O quadro
que a seguir se apresenta é testemunho dessa diminuta importância
dos canaviais na estrutura fundiária madeirense de então.
ANO PROPRIETÁRIOS PRODUÇÃO
arrobas média
1600 109 3656 33,54
1689 1 172
1691 2 256
1692 1 352
1693 3 172
1694 2 120
1695 3 196
TOTAL 121 4924 40,69
1701 2 32
1702 1 152
1703 9 954 106
1704 28 902 32,21
1705 102 5168 50,66
1706 63 2408 38,22
1733 13 20,5 1,53
1734 27 109 4,03
1735 1 10 libras
1736 5 92 10,40
1739 28 90 3,21
1740 39 33,5 0,85
1741 56 32 0,57
1742 48 9,5 0,19
1743 23 3 0,14
1765 27 2 0,07
1766 69 100 libras(1)
TOTAL 541 10007 18,49
-----
1)Acrescem mais 106 onças de açúcar, 58 canadas, 125,5 quartos e 15,5 quartilhos de melado.

2)
Para o ano de 1766, e apenas para este, é possível conhecer uma
das cambiantes típicas da estrutura fundiária madeirense: o
contrato de colonia. O registo do oitavo deste ano refere trinta e
quatro caseiros. Destes 7 estavam dependentes do senhor do
engenho, aqui não identificado, 6 do Convento de Santa Clara e 3
do capitão João Betencourt.

ESCRAVOS COM OU SEM AÇÚCAR


Já o dissemos, mas nunca é por demais referi-lo, na Madeira a
escravatura não é necessariamente sinónimo de cana-de-açúcar e
vice versa Aqui, ao contrario do que sucede no Brasil, por
exemplo, estamos perante dois fenómenos que, em poucos momentos se
cruzam. Nos séculos XVII e XVIII é mais evidente esse
distanciamento entre ambas as realidades.
A partir da listagem, que dispomos, dos proprietários de canaviais
e escravos é possível traçar os possíveis laços de união das duas
realidades. De acordo com o livro do quinto de 1600 constata-se
que o número de proprietários de canaviais e escravos(39%) é
superior à situação da primeira metade do século XVI, mas que o
seu número não tem qualquer relação directa com os níveis de
produçäo. Assim, por exemplo, Maria Gonçalves, viúva de António de
Almeida, é quem surge com o maior número de escravos, sendo
diminuta a sua produção de açúcar.

O ENGENHO
Na moenda da cana utilizaram-se vários meios técnicos comuns ao
mundo mediterrânico, mas a disponibilidade de recursos hídricos
conduziu a um maior aperfeiçoamento com a criação do primeiro
engenho de água, na Madeira, patenteado em 1452 por Diogo de
Teive. Este processo resultou apenas nas áreas onde era possível
dispor da força motriz da água fez-se uso da força animal ou
humana. Na Madeira as condições geo-hidrográficas foram propícias
à generalização dos engenhos de água, de que os madeirenses foram
exímios criadores. Aliás na Madeira estavam criadas as condições
para a afirmação da cultura:a ilha desfrutava de inúmeros cursos
de água e de uma vasta área de floresta, disponibilizando lenha
para as fornalhas e madeira de pau branco para a construção dos
eixos do engenho.
Toda a animação sócio-económica gerada pelo açúcar foi dominada
pelo engenho, mas isto não significava que a existência de
canaviais era sinónimo da presença próxima de um engenho. Aqui
mais do que no Brasil foram inúmeros os proprietários incapazes de
dispor de meios financeiros para montar semelhante estrutura
industrial e por isso socorriam-se dos serviços daqueles que os
dispunham. E no período em análise,em que o açúcar perdeu a
importância dos velhos tempos, maior é a dificuldade em associar
aos canaviais um engenho.
No século dezassete o número de engenhos em laboração é cada vez
mais reduzido pelo que a nova aposta na cultura torna necessário o
estabelecimento de alguns incentivos à sua reparação, como sucedeu
em 1649.Nesta década fala-se apenas de quatro engenhos, destes
dois foram construídos em 1650. Daí derivavam, enormes
dificuldades em conseguir moer a cana por falta de engenhos
suficientes. No Funchal o de André de Betancor há três anos que
não funcionava e seria difícil que o fizesse pelo estado em que se
encontrava.
Ademais do abandono dos engenhos registava-se o das levadas como
sucedia com a do Pico do Cardo e Castelejo em S. Martinho que há
trinta anos não era tirada.
Para repor a cultura a coroa preparou um plano de recuperação dos
engenhos, com empréstimos e a isenção do pagamento do quinto por
cinco anos. Esta situação perdurou no século dezoito como se
poderá verificar de idêntico privilégio, concedido em 17444 a João
José de Vasconcellos Betencourt de Sá Machado. O preço de montagem
de semelhante estrutura industrial não estava ao nível da bolsa de
todos os proprietários. Em 1600 João Berte de Almeida vendeu a
Pedro Gonçalves da Câmara, no Funchal, um engenho pelo valor de
700.000 reais.
Nos séculos dezassete e dezoito o número de engenhos era reduzido.
Para os inícios do século XVII, mais propriamente em 1602, Pyrard
de Laval refere a existência de 7 a 8 engenhos em laboração. Estes
concentram-se no Funchal e Amara de Lobos, o que implicava
redobradas dificuldades para a maioria dos lavradores das partes
da Calheta, Ponta de Sol e Ribeira Brava. A documentação informa-
nos sobre a existência de alguns desses engenhos:
DATA PROPRIETÁRIO LOCAL
1644 Gaspar Betencourt de Sá Rª
Socorridos
1648 André Betencourt Funchal
1651 António Correia Funchal
1652 Capt. Diogo Guerreiro Caniço
1657 Pedro Betencourt Henriques C.
Lobos
1661 Baltasar Varela de Lira Funchal
1665 Capt. Pinto da Silva
Piornais
1705 Capt. Bartolomeu de F. Andrade Funchal
Manuel Abreu Funchal
Capt. António Abreu C. Lobos
1744-50 João J. Betencourt de S. Machado
1760 João J. Vasconcelos de Betencourt
1780 D. Madalena Guiomar de Sá Vilhena

Com o decorrer dos anos escasseiam os engenhos, mas também os


canaviais. Assim em 1698 insiste-se na escassez de engenhos, em
1730 refere-se a existência de poucos, enquanto no período de 1750
a 1782 é referenciado apenas um engenho em laboração.

OS Ofícios DO Açúcar
Para assegurar esta actividade da cultura dos canaviais, laboração
dos engenhos e transformação do produto final em açúcar, conservas
ou casca,existia um grupo variado de oficiais mecânicos,
trabalhadores e escravos. Não é possível reconstituir na
totalidade o seu número, mas a partir dos dados avulsos
encontrados nos registos paroquiais.

Oficio FREGUESIA DATA NOME


caixeiro R. Brava 1600 João Gonçalves
Sé 1601 Belchior Rodrigues
Manuel Gonçalves
1607 Manuel Rodrigues
1609 Vicente Ferreira
1610 Domingos Martins
1615 Baltasar Álvares
S. Pedro 1617 Pedro Fernandes
Sé 1618 Francisco Garcia
1620 Manuel Gomes
S. Pedro 1620 Afonso Aires
1625 Francisco Riscado
Sé 1632 Miguel Fernandes
A. S. Jorge 1634 Domingos Fernandes
S. Vicente Pero Pestana
1639 Francisco Dias
Calheta 1644 Baltasar Fernandes
Sé 1679 Manuel Teixeira
1687 Miguel Fernandes
1698 José Vieira
caldeireiro Sé 1601 Cristóvão Dias
1622 Francisco Fernandes
S. Pedro 1623 António Fernandes
E. Calheta 1641 Manuel Gomes
canavieiro Sé 1603 Afonso Gonçalves
conserveiro 1607 João Dias
mestre açúcar 1600 Sebastião
Sardinha
1601 Pero Martins
S. Pedro 1606 António Costa
P. Sol 1619 Domingos Gomes
S. Pedro 1620 Gonçalo Fernandes
P. Sol 1633 Manuel Pires
moedor Sé 1655 Diogo Fernandes
purgador 1600 Belchior Lopes
1601 João Fernandes
Calheta 1602 Gaspar Sardinha
Simão Fernandes
Sé 1603 António Gonçalves
S. Pedro 1606 Manuel Rodrigues
Sé 1607 Manuel Gonçalves
1608 Gonçalo Anes
A partir do número de mestres de açúcar e purgadores é possível
estabelecer uma ideia sobre a situação da cultura da cana-de-
açúcar na primeira metade do século XVII. Se a cada mestre
corresponder um engenho, então teremos seis engenhos no Funchal e
Ponta de Sol. Destes ofícios persiste por toda a centúria os
caixeiros, que tinham por missão fazer as caixas para a exportação
das conservas e casca.

PRODUÇÃO DE AÇUCAR
Com a ocupação holandesa do nordeste brasileiro, a cultura foi
reabilitada como forma de responder à sua solicitação na Europa e
pela necessidade resultante das indústrias de conserva e
casquinha. Até 1640 o movimento descendente havia-se agravado com
a presença, cada vez mais assídua de açúcar brasileiro no porto do
Funchal. Em 1616 para garantir o escoamento da produção local e
que à saída se fizesse uma distribuição equitativa de ambos os
açúcares. Mas a partir desta data com a ocupação holandesa das
terras a cultura renasceu na ilha. Em 1643 o número de engenhos
existentes era insuficiente para dar vazão à produção dos
canaviais.
A coroa, de acordo com a provisão régia de 1 de Julho de 1642,
pretendia promover de novo o cultivo da cana-de-açúcar por meio de
incentivos à reparação dos engenhos. Estes, caso o fizessem podiam
ser isentos do pagamento do quinto por cinco anos ou de metade
dele por dez anos. Usufruíram deste apoio o capitão Diogo
Guerreiro, Inácio de Vasconcelos, António Correa Betencourt e
Pedro Betancor Henriques. Esta situação favoreceu a cultura,
afirmando Diogo Fernandes Branco em 10 de Fevereiro de 1649 que as
canas estavam "fermozas", prevendo-se uma grande colheita. Em
Outubro goraram-se as suas expectativas, pois o açúcar lavrado era
de má qualidade. Este progresso continuou no ano imediato, sendo
testemunhado pelo mesmo com a construção de dois novos engenhos.
Esta foi no entanto uma recuperação passageira uma vez que na
década seguinte o reaparecimento do açúcar brasileiro no porto do
Funchal trouxe de volta a anterior situação. O açúcar madeirense
estava, mais uma vez, irremediavelmente perdido, mercê da
concorrência do brasileiro. Ainda em 1658 procurou-se apoiar o seu
cultivo ao reduzir-se os direitos sobre a produção para um oitavo,
mas a crise era inevitável.
A estes incentivos acresce-se o facto de os direitos do quinto do
açúcar entre 1643 e 1675 não serem devidamente cobrados, pelo que
neste último ano se recomendou maior atenção a este aspecto.
Depois, por alvará de 15 de Outubro de 1688, a coroa determinou
que os direitos que oneravam a produção passassem para 1/8 da
colheita, sendo esta medida, mais uma vez definida como uma forma
de promover a cultura.
Para o período de 1620 a 1670 dispomos de algumas cartas de
quitação dos almoxarifes das alfândegas do Funchal e Machico que
nos permite testemunhar os níveis de produção em algum dos anos.

LOCAL ANO PRODUÇÃO


Arrobas Arratéis
Funchal 1620-1624 2630 130
Madeira 1637-1644 26080
Santa Cruz 1645 2324 12
Funchal 1652-1654 18248 9
Funchal 1656-1658 11453
Santa Cruz 1659 2720 30
Madeira 1660-1662 3512 16
Madeira 1670-1672 6283 24
Madeira 1677-1679 1755
É de prever, contudo, que a produção de açúcar tenha sido alvo de
novo incentivo neste final do século, pois em informação
apresentada em 1698 ao novo governador D. António Jorge de Melo,
refere-se a existência de 41 engenhos que rendiam à coroa 8.000
arrobas. Este testemunho é contrariado em finais da década
anterior, por dois estrangeiros que passaram pela ilha. Em 1687
Hans Sloane é peremptório na caracterização da conjuntura
açucareira:" Esta ilha é muito fértil tendo antigamente produzido
grandes quantidades de açúcar aqui cultivado e de excelente
qualidade. O que agora possuem é bom, mas muito escasso, devido à
existência de muitas plantações açucareiras nas Índias
Ocidentais(...) Assim, embora consigam um produto de maior
cotação, acham que lhes é muito proveitoso dedicarem-se aos
vinhos, pelo que apenas produzem o açúcar indispensável aos gastos
caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil, às
suas próprias plantações." Dois anos após é idêntico o testemunho
de John Ovington: " o açúcar... raramente é exportado, devido à
sua escassez, mal chegando para as necessidades da ilha".
No século dezoito esta cultura é conduzida para um plano
secundário, deixando de ter a real importância que teve na
economia madeirense. Para A. SILBERT o fim do "ciclo do açúcar" na
Madeira tem lugar em meados do século XVIII. Esta opiniäo é aliás
corroborada pelo cônsul francês na ilha, que em 1777 refere a
cultura como abandonada. A mesma ideia poderá ser a razão da
inexistência de livros do oitavo a partir de 1766.

ADMINISTRAÇÃO E DIREITOS
Para os séculos XVII e XVIII manteve-se a mesma estrutura de
arrecadação dos direitos da coroa, mas aqui adaptada à dimensão da
cultura. Assim para cada uma das áreas era provido um quintador,
uma para cada uma das antigas comarcas, isto é, Funchal, Calheta,
Ribeira Brava, Ponta de Sol e Santa Cruz. Nas primeiras
localidades ele era apoiado por um escrivão.
Por mandado de 20 de Dezembro de 1686 foi ordenada a extinção, a
partir de 30 de Julho, dos quintadores do açúcar de Santa Cruz,
Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, argumentando-se para isso o
facto de os mesmos não terem "exercício algum por se terem
extinguido os engenhos, e se não fabricarem nessa ilha os tais
asucares... ". Mas cedo se reconheceu o erro de tal medida, uma
vez que o açúcar continuou a produzir-se, ainda que em pequenas
quantidades. Deste modo a partir do ano imediato a sua arrecadação
foi posta em arrematação. Para o ano de 1687 foi arrematado por
Manuel Vieira Gago no valor de 285$000, e em 1688 por João
Betencourt Vilela por 200$000. Note-se que a partir deste último
ano os lavradores passaram a pagar apenas o oitavo da sua
produção. Também para os anos de 1744 e 1748 encontrámos o
provimento de um escrivão dos quintos para a vila da Calheta, de
seu nome, António Dionísio de Oliveira.
As dificuldades porque passou a cultura reflectiram-se nesta
estrutura administrativa. Assim em 1675 refere-se que há trinta
anos que não se arrecadava os quintos, por isso ordena-se o
confronto dos livros do donativo com os de saída para se confirmar
as ausências ao pagamento.
O CONSUMO DO AÇUCAR
O princípio fundamental que regeu o movimento de circulação do
açúcar foi a necessidade de suprir as carências de alguns mercados
europeus, em substituição do oriental, cada vez mais de difícil
acesso. Foi esta conjuntura que impôs a nova cultura no espaço
atlântico e ditou as regras do seu mercado. Deste modo o consumo
interno de açúcar é uma exigência tardia, gerada por novos hábitos
alimentares ou das contingências do mercado do produto. Neste
último caso assume importância o dispêndio de açúcar na industria
de conservas e casca. Parte significativa do açúcar produzido na
ilha e, mais tarde, importado do Brasil, era usado no fabrico de
conservas e de doçaria.
O fabrico do açúcar começava em Março mas só em Agosto havia dele
disponível para distribuir às conserveiras que fabricavam a casca
e conserva. A partir daqui eram mais trinta dias de árdua tarefa
até que o produto estivesse disponível para a exportação. Da
existência ou não de açúcar, da sua qualidade dependia a
disponibilidade para o fabrico destes derivados, que activavam o
comércio com as praças do Norte da Europa, donde nos províamos de
cereais e manufacturas.
Esta era uma indústria muito instável, dependendo das
possibilidades de oferta de açúcar brasileiro e da procura do
produto acabado pelos mercadores europeus. A correspondência de
Diogo Fernandes Branco e W. Bolton testemunham de forma evidente
esta realidade. Diz o último em 7 de Agosto de 1697: "Pensou-se
fazer uma grande quantidade de conserva de citrinos mas muitos
fabricantes desistiram por não saberem se os barcos os viriam
buscar".
São vários os testemunhos denunciadores da mestria dos madeirenses
no fabrico destes produtos. Segundo Hans Sloane em 1687 o
madeirense produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao
fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos
depois John Ovington refere a indústria da conserva de citrinos ou
cidra que se exportavam para a França e Holanda. A cidra existia
em abundância na Ponta de Sol, Ribeira Brava, Machico e Amara de
Lobos(Ribeira dos Socorridos).
Um dos principais factores de promoção da indústria das conservas,
foi a importância assumida pelo Funchal como porto de escala de
abastecimento para a navegação atlântica. Muitas embarcações
aportavam aí com o intuito de se fornecerem de conservas de
citrinos para a sua dieta de bordo. Mas, sem dúvida, o consumidor
preferencial das conservas e doçaria madeirense foi, no início, a
Casa Real portuguesa e, depois, as cidades do Norte da Europa.
Esta indústria manteve-se nos séculos XVII e XVIII, suportada com
o pouco açúcar da produção local ou com as importações dele do
Brasil. Neste último caso sabe-se que em 1680 foram importadas
2.575 arrobas para o fabrico de casca. Aliás, de acordo com uma
informação dada ao governador da ilha, D. António Jorge de Melo
referia-se que "é a casquinha negócio muito grande porque há anno
que se carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hu so
doce para o qual he necesareo comprar assucar da terra ou mandalo
vir do Brasil".
Parte significativa desse movimento comercial pode ser
reconstituída através da correspondência comercial de dois
mercadores: Diogo Fernandes Branco(1649-1652), William
Bolton(1696-1715) e Duarte Sodré Pereira(1710-1712).
Diogo Fernandes Branco parece ter sido o principal interveniente
do comércio com os portos nórdicos, quase só baseado na exportação
de casca e conservas. Para o curto período que dura a
correspondência é evidente a importância assumida pelo dito
comércio. Assim em 1649, não obstante o açúcar da produção local
ser de mau qualidade, a falta de cidra e tardar a vinda dos navios
do Brasil, a procura manteve-se activa, gerando dificuldades aos
fornecedores, como Diogo Fernandes Branco, que tiveram que
socorrer-se de todos os meios para poder satisfazer a encomenda.
Esta conjuntura conduzia inevitavelmente ao aumento do preço do
produto. Esta situação continuou de modo que em Novembro de 1651
carregaram na ilha 9 navios franceses. No ano imediato inverteu-se
a situação: a casca abundou e em Outubro ainda tardavam em chegar
os navios para a levar ao seu destino, o que era motivo para
preocupação.
ANO DESTINO CONSERVA AÇÚCAR
1649/Mai/23 frol de laranja
limão 99,5 arrobas
6 arrobas
1649/Jul/2 S. Malo casca
Hamburgo casca
20a. casca
1649/Jul/14 Rochela 300 a. casca
1649/Out/18 Rochela 114 a. casca seca
Rochela casca seca
1649/Dez/17 Amesterdão 22 a. conserva
92 a. conserva
1650/Jul/20 Rochela casca
1650/Nov./20 Holanda 34 a. casca
10 a. de limão
Rochela 37 a. casca
1651/Jul/3 Rochela 1 0 caixas casca
Bordeus Casca
1652/Set/8 Rochela casca 60 caixas
Flandres casca
Amesterdão casca
1652/Set/24 Rochela 5 0 caixões casca

A correspondência de William Bolton refere-nos, também, que a


conserva de citrinos estava em grande prosperidade na década de
noventa do século XVII, sendo usada para o abastecimento das
embarcações que demandavam a ilha, ou exportadas para Lisboa,
Holanda e França.
DATA BARCO CARGA DESTINO
1697/Jul./1 francês açúcar
Tenerife
1698/Set/2 galeota conserva de citrinos
Holanda
1699/Ab./14 3 caixas de citrinos
Inglaterra
1699/Jul/6 brigue francês conserva de citrinos
França
1699/Nov./13 português conserva em calda e seca
Roterdão
1700/Mai./1 galeota 7 caixas de conserva de citrinos
Londres
1700/Set./4 1 caixa de conserva de citrinos
Londres
1707/Maio/24 1 caixa de conserva
1709/Out./2 Mary açúcar e conservas
Amesterdão
Duarte Sodré Pereira surge, nos anos imediatos, como o continuador
do comércio deste produto. A sua actividade mercantil, neste lapso
de tempo, esteve dedicada, também ao comércio do açúcar do Brasil
e à exportação de casca para o norte da Europa, nomeadamente,
Amesterdão. A partir da sua correspondência comercial sabe-se que
exportou a seguinte quantidade de casca:
DESTINO CAIXÕES CAIXOTES OUTROS
Amesterdão 435
Hamburgo 1
Lisboa 1205 2 1
Faial 3 1
Londres 1

No fabrico das conservas e doces variados merecem a nossa atenção


as freiras do Convento de Santa Clara, da Encarnação e Mercês.
Aliás em 1687 Hans Sloane referia-se de forma elogiosa aos doces e
compotas que comeu no Convento de Santa Clara, e ao referir que
"nunca vi coisas tão boas".
Num breve relance pelos livros de receita e despesa do Convento da
Encarnação, Misericórdia do Funchal, e Recolhimento do Bom Jesus,
constata-se as assíduas despesas com a compra de açúcar da ilha ou
do Brasil para o consumo interno. A Misericórdia do Funchal para
além das esmolas que recebia em açúcar ou marmelada, consumia
açúcar que comprava. Do primeiro tanto se poderia dar aos doentes
ou vender para fora. Em 1636 gastaram-se 6.180 réis na compra de 3
arrobas de açúcar para os doces da procissão das Endoenças.
Ademais são conhecidas outras despesas na compra de abóbora,
ginjas, peras, marmelos para o fabrico de doce. Em 4 de Junho de
1700 a Misericórdia do Funchal gastou 101.500 réis na compra de 34
arrobas para o fabrico de doces a serem consumidos ao longo do
ano. Para o período de 1694 a 1700 a mesma instituição gastou
634.400 réis na compra de 227 arrobas de açúcar e 14 canadas de
mel.
Maior e mais assíduo foi o consumo de açúcar no Convento da
Encarnação. Aí, de acordo com o registo mensal dos gastos com as
compras de produtos para a dispensa do convento pode-se ficar com
uma ideia da sazonalidade do consumo da doçaria. No caso deste
convento destacam-se a Quinta-Feira de Endoenças e o Natal. Nesta
última festividade distribuía-se a cada freira, para a Consoada, 8
libras de açúcar. Além disso parte significativa do açúcar de
várias qualidades, era usado para o "tempero do comer" e fazer
conserva. No total despenderam-se 190 arrobas de açúcar por estes
vinte e dois anos para um total aproximado de seis dezenas de
recolhidas.

O COMÉRCIO DE AÇÚCAR
Foi o açúcar a principal uma das principais causas desta rede de
negócios, que perdurou por alguns séculos. A Madeira, que até à
primeira metade do século dezasseis havia sido um dos principais
mercados do açúcar do Atlântico, cede lugar a outros (Canárias, S.
Tomé, Brasil e Antilhas). Deste modo as rotas divergiam para novos
mercados, colocando a ilha numa posição difícil: os canaviais
foram abandonados na sua quase totalidade, fazendo perigar a
manutenção da importante industria de conservas e doces; o porto
funchalense perdeu a animação que o caracterizara noutras épocas.
A solução possível para debelar esta crise foi o recurso ao açúcar
brasileiro, usado no consumo interno ou como animador das relações
com o mercado europeu. Por isso os contactos com os portos
brasileiros adquiriram uma importância fundamental nas rotas
comerciais madeirenses do Atlântico Sul. Tal como o refere José
Gonçalves Salvador as ilhas funcionaram, no período de 1609 a
1621, como o "trampolim para o Brasil e Rio da Prata". É o mesmo
quem esclarece que este relacionamento poderia ter lugar de modo
directo, ou indirecto, sendo este último rumo através de Angola,
S. Tomé, Cabo Verde ou Costa da Guiné.
Aqui definia-se um circuito de triangulação, de que são exemplo as
actividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período de
1649 a 1652. Note-se que desde finais do século dezasseis estava
documentado o comércio do açúcar, servindo os portos do Funchal e
Angra como entrepostos para a sua saída legal ou de contrabando
para a Europa.
Este comercio do açúcar do Brasil, por imperativos da própria
coroa ou por solicitação dos madeirenses, foi alvo de frequentes
limitações. Assim em 1591 ficou proibida a descarga do açúcar
brasileiro no porto do Funchal, medida que não produziu qualquer
efeito, pois em vereação de 17 de Outubro de 1596 foi decidido
reclamar junto da coroa a aplicação plena de tal proibição. Desde
1596 é evidente uma activa intervenção das autoridades locais na
defesa do açúcar de produção local, prova evidente de que se
promovia esta cultura. Em Janeiro deste ano os vereadores
proibiram António Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias.
Passados três anos o mesmo surge com outra carga de açúcar da
Baía, sendo obrigado a seguir o seu porto de destino, sem proceder
a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do município
implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. Esta
situação repete-se com outros navios nos anos subsequentes até
1611: Brás Fernandes Silveira em 1597, António Lopes, Pedro
Fernandes o grande e Manuel Pires em 1603, Pero Fernandes e Manuel
Fernandes em 1606 e Manuel Rodrigues em 1611.
A constante pressão dos homens de negócio do Funchal envolvidos
neste comercio veio a permitir uma solução de consenso para ambas
as partes. Assim em 1612 ficou estabelecido um contrato entre os
mercadores e o município em que os primeiros se comprometiam a
vender 1/3 do açúcar de terra. Note-se que desde 1603 estava
proibida a compra e venda deste açúcar, sendo os infractores
punidos com a perda do produto e a coima de 200 cruzados. Mas a
partir de Dezembro de 1611 ficou estipulado que a venda de açúcar
brasileiro só seria possível após o esgotamento do da terra. Deste
modo os vereadores entregaram Domingos Dias nas mãos do alcaide,
sob prisão, por ter vendido 50 caixas de açúcar brasileiro aos
ingleses. Em 1620 a transacção do açúcar da terra e do Brasil era
feita à razão de 1 por 2, sendo o embarque feito por licença
assinada por dois vereadores e um juiz. Para assegurar este
controlo, os escravos e barqueiros foram avisados que, sob pena de
50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam
proceder ao embarque de açúcar sem autorização da câmara. Em 1657
a proporção de cada açúcar era de metade.
Após a Restauração da independência de Portugal o comércio com o
Brasil foi alvo de múltiplas regulamentações Primeiro foi a
criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da
Companhia para o efeito criada, depois o estabelecimento do
sistema de comboios para maior segurança da navegação A esta
situação, estabelecida em 1649, ressalva-se o caso particular da
Madeira e Açores, que a partir de 1650 passaram a poder enviar,
isoladamente dois navios com capacidade para 300 pipas com os
produtos da terra, que seriam depois trocados por tabaco, açúcar e
madeiras. Mais tarde ficou estabelecido que os mesmos não podiam
suplantar as 500 caixas de açúcar
O movimento das duas embarcações da Madeira fazia-se com toda a
descrição, conforme recomendava o Conselho da Fazenda, mediante as
licenças e a sua entrega deveria ser feita no sentido de favorecer
todos os mercadores da ilha. Para estes navios havia uma
escrituração à parte na alfândega. Mesmo assim nos dados
compilados é bem visível a presença neste trafico de outras
embarcações não autorizadas, como se pode verificar pelo movimento
de entradas no porto do Funchal:
ANO NAVIOS LICENÇAS ANO NAVIOS LICENÇAS
1640 1 1670 1
1648 1 1671 5
1649 1 1672 1
1650 4 1674 2 1
1651 1 1675 2
1652 3 1676 1 3
1653 1 1677 3 1
1660 3 1678 3
1661 3 1679 1
1664 1 1681 6
1665 3 1682 1
1666 1 2 1688 2
1667 1 1991 5
1669 4
Alguns destes navios, fora do número estabelecido para a ilha,
declaram sempre serem vitimas de um naufrágio ou de ameaças de
corsários, o que não os impedem de descarregarem sempre algumas
caixas de açúcar. Será esta uma forma de iludir as proibições
estatuídas ? Todavia os infractores sujeitavam-se a prisão e a
pesadas penas, como sucedeu em 1664 com Manuel Ferreira do Porto,
em 1665 com Luís Ferreira o moço, e em 1669 com o Mestre Manuel
Nogueira Botelho.
Para o século XVIII o movimento amplia-se, não obstante as
insistentes recomendações para o respeito da norma estabelecida no
século anterior. Nesta centúria conseguimos reunir 117 licenças
para o período de 1736 a 1775.
ANO LICENÇAs SAÍDAS ENTRADAS TOTAL
BAIA RIO PERNANBUCO
1727 1 5
1728 3 5
1729 4 6
1730 1 5
1731 3 9
1732 5 8
1733 2 9
1734 2 4
1735 3 8
1736 1 2 1 4 2 3
1737 2 3 6 2 1
1738 3 5 2 2
1739 3 3
1740 2
1741 1 3
1742 3 3 3 2
1743 1 2
1744 1 1 3 2 3
1745 1 3 1 1
1746 1 1 1
1747 2 2
1748 1 1 2
1749 2 3 1 6 8
1750 2 2 1 5 5
1751 1 1 1 3 2 5
1752 2 2 4 2
1753 1 1 1 1 1
1754 2 1 3 4 2
1755 2 2 1 5 3 3
1756 2 2 4 5 3
1757 1 2 1 4 2 4
1758 1 1 1 3 4
1759 3 3 3
1760 1 1 2 2
1761 2 2 1
1762 2 1 3 1
1763 1 1 2 3 2
1764 2 1 3 3 2
1765 1 2 3 4 3
1766 4 3 7 6 3
1767 1 1 2 3 4
1768 2 3 5
1769 2 3 5
1770 1 2 3
1771 3 2 5 1 4
1772 2 3 5 6 5
1773 2 1 3 5 5
1774 1 1 1 3
1775 1 1 3 3
1776 5 3
1778 3 6
1779 2 2
1780 2 5
1781 2 1
1782 1 6
1784 1 2
1785 1 1
1786 1
1787 1 1
1788 1
1789 2 1
1790 2 2
1791 3 4
1792 2 2
1793 1 3
1794 1
1795 1
1797 2 1
1798 2 1
1799 1

TOTAL 42 55 11 117 151 184

As autorizações eram concedidas pelo Governador, em exclusivo aos


mercadores madeirenses. Destes merecem a nossa atenção Bento
Ferreira, Francisco Luís Vasconcelos e Francisco Teodoro, pelo
número de licenças conseguidas.
Por determinação de 1664 estes navios pagavam um donativo de
50.000 réis, existindo no Funchal um comissário dos comboios, que
procedia à arrecadação dos referidos direitos: no ano de 1676 era
Diogo Fernandes Branco quem os administrava. De acordo com as
recomendações do Conselho da Fazenda a arrecadação dos direitos de
entrada do açúcar do Brasil era lançada em livro próprio. Foi a
partir de alguns destes e de dados soltos, reunidos na
documentação, que procurámos avalizar a real importância das
relações comerciais entre a Madeira e o Brasil, assentes,
predominantemente, no açúcar. Para o período de 1650 a 1691
identificamos 39 navios provenientes da Baía, Rio de Janeiro,
Pernambuco e Maranhão, com mais de 10722 caixas de açúcar:

PROVENIÊNCIA AÇÚCAR
NAVIOS
caixas
caras sem indicar total
carga
Baía 2489 29 7 17
Rio de Janeiro 4218 13 6 12
Pernambuco 3343 71 9 18
Maranhão 57 31 - 1
Paraíba 615 - 2 5
Pará - - 1 1
TOTAL 10722 144 25 53

Afora isso surgem ainda registos com a indicação dos destinatários


do açúcar:
ANO DESTINATÁRIOS NAVIOS CAIXAS ARROBAS
NÚMERO

1640 77(1) 12769


1671 64 6 33526
1676 1 305 55
1677 1 861
1681 3 1257
1682 30 1 4632
1691 98 5 14536
1754-55 3 14273
1773 6 9297
1783 3 4589

---------------------
1) Em trinta e três destes não foi possível identificar o nº de
arrobas de açúcar
Facto de particular interesse é participação das comunidades da
companhia de Jesus da Baía, Rio de Janeiro e Maranhão, que
usufruindo do privilégio de isenção dos direitos colocavam,
também, o açúcar das suas fazendas no mercado madeirense. Eles
conduziram à ilha 82 caixas de açúcar, sendo 7 do Maranhão, 65 da
Baía e 10 do Rio de Janeiro.
O açúcar brasileiro foi assim, na segunda metade do século
dezassete, um componente importante do comércio na ilha e uma
destacada fonte de receitas para o erário régio. De acordo com
algumas informações avulsas é possível reconstituir este
rendimento para alguns anos:

ANO DIREITOS
Brasil quinto
1650-52 3561$464 847$820
1656-57 3585$542
1659 1416$554

O rendimento auferido pela alfandega com a entrada deste açúcar


era elevado e o seu valor atesta também a evolução deste comércio.
ANO RENDIMENTO
1644 1801$685
1652-53 4451$830
1656-57 3585$542
1659 1416$554
1660-62 3469$799
1664 884$583
1664-66 5200$000
1667-69 5500$000
1705-1733 3889$900
Para os anos de 1771 e 1772 é possível comparar a importância
deste produto no movimento geral da alfandega do Funchal:
ENTRADAS SAÍDAS
Brasil Total

1771 3011$936 10250$825 51689$076


1772 4775$702 14713$798 54103$475

Por aqui se conclui que o açúcar do Brasil teve um lugar


importante na economia madeirense, não apenas por apoiar as
industrias de conserva e casca, mas, fundamentalmente pelo activo
movimento de reexportação. Todavia esta década marca o início da
quebra desse comércio, que tem repercussões evidentes no negócio
de casca e conservas. Assim em 1779 o governador João Gonçalves da
Amara refere que o comércio da casca estava quase extinto.

DIOGO FERNANDES BRANCO: UM CASO EXEMPLAR


Neste circuito de escoamento e comércio do açúcar brasileiro é
evidente a intervenção de madeirenses e açorianos. A oferta de
vinho ou vinagre era compensada com o acesso ao rendoso comércio
do açúcar, tabaco e pau-Brasil Mas o trajecto destas rotas
comerciais ampliava-se até ao trafico negreiro, cobrindo um
circuito de triangulação. Para isso os madeirense criaram a sua
própria rede de negócios, com compatrícios fixos em Angola e no
Brasil.
Neste caso releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco. A sua
actividade incidia, preferencialmente, na exportação de vinho para
Angola, onde trocava por escravos que, depois, ia vender ao Brasil
por açúcar. O circuito de triangulação fechava-se com a chegada à
ilha das naus, vergadas sob o peso das caixas de açúcar ou rolos
de tabaco. A partir daqui iniciava-se outro processo de
transformação do produto em casca ou conservas. Esta era uma
tarefa caseira que ocupava muitas mulheres na cidade e arredores.
Os mercadores, como Diogo Fernandes Branco, coordenavam todo o
processo, de acordo com as encomendas que recebiam, uma vez que o
produto depois de laborado deveria ter rápido escoamento. Os
principais portos de destino situavam-se no norte da Europa:
Londres, St Malo, Amburgo, Rochela, Bordéus.
Diogo Fernandes, surge-nos neste circuito como o interlocutor
directo dos mercadores das praças de Lisboa (no caso Manuel
Martins Medina), Londres, Rochela ou Bordéus, satisfazendo a sua
solicitação de vinho e derivados do açúcar a troco de
manufacturas, uma vez que o dinheiro e as letras de cambio,
raramente encontravam destinatário na ilha. A par disso manteve a
sua rede de negócios, apoiado em alguns mercadores de Lisboa, e
das principais cidades brasileiras. São múltiplas as operações
comerciais registadas na sua documentação epistolar. Á primeira
vista parece-nos que o mesmo se especializou em duas actividades
paralelas: o comércio de vinho para Angola e Brasil e o de açúcar
e derivados para adocicar os manjares dos repastos da mesa
europeia.
Esta situação das actividades comerciais de Diogo Fernandes Branco
não é de modo algum episódica, no contexto da estrutura comercial
madeirense da segunda metade do século dezassete, pois ela
comprova, como vimos, uma das dominantes deste processo: a ilha
com intermediária entre os interesses da burguesia comercial do
Novo e Velho Mundo. Um dos componentes base deste puzzle é
constituído pelo porto do Funchal e toda uma chusma de pequenos
burgueses que aguardam a oportunidade de singrar em tais negócios.
Angola, Brasil são os outros dois vértices deste triângulo.
Episodicamente surge-nos Barbados, que só singrará a partir deste
momento com a afirmação hegemónica da burguesia comercial
britânica no mundo atlântico.

O COMÉRCIO DE AÇUCAR COM A EUROPA


Parte significativa do açúcar importado do Brasil era utilizado no
fabrico de conserva e casca que depois se exportavam para as
praças europeias, nomeadamente do Norte. São poucos e avulsos os
dados que testemunham esta realidade. Para o ano de 1682 temos a
saída de 15 embarcações com estes produtos, apresentando destinos
diversos.
DESTINO CARGA
AÇÚCAR CASCA CONSERVA
Sesimbra 6
Canarias 410 170
S.Miguel 28 caixas
Cádiz 7 caixas
Bordéus 1 caixa 819 210
Rochela 6 caixas 2269 61
Runo 931
Londres 8 103 34
Amesterdão 953 292
Brandemont 108

TOTAL 418a./42 cxas 5353 603

O comércio do Funchal com a praça de Bordéus era significativo


nesta década, tal como nos informa Didier Boisson. Mas a partir de
1710 ele entrou em crise
Esta situação repercute-se, de modo evidente, na produção e
comércio de casca, que era um dos principais sustentáculos da
produção local de açúcar e importação do Brasil. A isto associa-se
a falta de citrinos, como nos refere em 1710 Duarte Sodré Pereira.
A correspondência do cônsul francês no Funchal é, a este respeito,
muito significativa: em 1717 ele referia que estavam a passar de
moda, enquanto em em 1765 dava conta da sua reduzida exportação
Duarte Sodré Pereira, que foi governador da Madeira no período de
1703 a 1711, desenvolveu uma importante actividade comercial em
torno do açúcar do Brasil e da casca para os portos holandeses.
Esta afirmação dos mercados franceses e holandeses ficou já
demonstrado por Frédéric Mauro para os anos de 1620 e 1650.

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