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VIEIRA, Alberto (2002),

Minorias Étnicas na Madeira. Escravos


e Libertos

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (2002), Minorias Étnicas na Madeira. Escravos e Libertos, Funchal, CEHA-Biblioteca
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MINORIAS ÉTNICAS NA MADEIRA
ESCRAVOS E LIBERTOS

ALBERTO VIEIRA
CEHA- Madeira
EMAIL: avieira@avieira.net//avieira@nesos.net

Hoje, no imaginário madeirense, persiste apenas uma vaga ideia da presença de


algumas das minorias étnicas que, nos inícios do povoamento do arquipélago, moldaram
o mosaico de raças, apanágio do Novo Mundo. Poucos são os que se dão conta do facto
de a ilha ser nos primórdios da sua ocupação um autêntico mosaico étnico. Também
para a maioria dos colonos, oriundos maioritariamente do Norte de Portugal, esta
presença poderá ser considerada uma surpresa, por ser alheia aos seus padrões de
sociabilidade. Aqui os guanches, mouriscos, negros valem enquanto mão-de-obra
necessária para fazer erguer os poios e suprir o árduo trabalho dos engenhos para
fabrico de açúcar.
Na Madeira dos séculos XV e XVI a presença de grupos étnicos é uma evidência
do processo histórico. De entre estes apenas os africanos (negros, guanches e
mouriscos) assumiram uma dimensão destacada, não obstante hoje serem invisíveis os
rastos da sua presença. Diferente foi a posição assumida pela comunidade judaica,
nomeadamente com o trato do açúcar, que permitiu usufruíssem de um tratamento
diferenciado das demais minorias1.
A Madeira foi o primeiro espaço de fixação portuguesa no Atlântico onde a
presença de grupos étnicos africanos é notada pela dimensão que assumiram na
economia e sociedade. Por isso mesmo a Historiografia situa a partir da Madeira a
valorização desta mão-de-obra, apontando a sociedade madeirense, como o ponto de
partida da sociedade atlântica. Para os norte-americanos a situação da ilha foi o ponto de
partida do processo que se afirmou na sua plenitude do outro lado do Atlântico2.
Para o madeirense os escravos ou libertos, foram sempre sinónimo de guanches,
mouriscos e negros. A presença na ilha fundamenta-se em razões históricas. A ligação
ao circuito das viagens de reconhecimento da costa africana e das expedições para
conquista das Canárias abriu-lhes o caminho, como presas fáceis ou de guerra. A isto
acresce a assiduidade das campanhas ao norte de África e a necessidade de defesa das

1
. Sobre os judeus na Madeira vide: FARINHA, Maria do Carmo Dias, "A Madeira nos arquivos da inquisição", in Actas do I
Colóquio Internacional de História da Madeira, vol.I, Funchal, 1990, pp.689-742, MELLO, José António Gonsalves de, Gente da
nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, Recife: Fund. Joaquim Nabuco, Edit. Massangana, 1989, OLIVAL, Fernanda,
"Inquisição e a Madeira. visita de 1618", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. II, Funchal, 1990, 764-
818; IDEM, "A visita da Inquisição à Madeira em 1591-1592", in Actas. III Colóquio Internacional de História da Madeira,
Funchal, 1993, 493-520., NOVINSKY, Anita, Inquisição e Heresias na Ilha da Madeira, Actas do I Colóquio Internacional de
História da Madeira, Funchal, 1989, vol. II, NASCIMENTO, João Cabral do, Vestígios de Sangue Impuro ou Indiscrições dum
Anotador mal Humorado, AHM, vol.I, Funchal, 1931, 4-11.

2
. Sobre esta situação particular realçada pela historiografia norte-americana destacamos os seguintes estudos: GREENFIELD,
Sidney M, “Madeira and the Beginings of New World Sugar Cane Cultivation and Plantation Slavery: A Study in Constitution
Building”, in Vera RUBIN(ed.), Comprative Perspectives on Slvaery in New World Plantation Societies, N. York, 1977; W. D.
Phillips, JR, La Esclavitud desde la Época Romana hasta los inicios del comercio Transatlántico,Madrid, 1989, p.226
posições portuguesas trouxe os mouros. Estas, condições provocadas pelo protagonismo
dos madeirenses, conduziram à presença, desde o início do povoamento do arquipélago,
de minorias étnicas africanas e abriram as portas ao comércio de mão-de-obra escrava.
A permanência do movimento só se tornou possível porque na ilha foram criadas as
condições à sua demanda com a cultura e produção de cana-de-açúcar.
A cana sacarina chegou ao Mediterrâneo por mão dos árabes e expandiu-se no
espaço atlântico por via e iniciativa dos madeirenses. A cultura era muito exigente
quanto ao solo e à intervenção do homem. O ciclo vegetativo da cultura aliado à
morosidade das tarefas para a transformar em açúcar implicava a disponibilidade de
numerosa mão-de-obra, que para o produto final se tornar competitivo deveria barata,
que é o mesmo que dizer escrava. O movimento e trato de escravos, entre meados do
século XV e princípios do seguinte, ligam-se de forma directa à época de fulgor do
açúcar. A partir de meados do século XVI a concorrência de outras áreas açucareiras,
como S. Tomé e o Brasil, desviou a rota dos escravos. A presença escrava na Madeira
perdeu importância, deixando estes de ser uma preocupação para autoridades e naturais.

A posição da sociedade madeirense face a estas minorias é definida de forma


oficial pelas posturas municipais, que quase sempre os proclamam como
desestabilizadores do “status” social, no que é corroborado por alguns testemunhos do
quotidiano. A maior evidência da segregação social está definida na posição que é
atribuída aos mesmos nos actos sacramentais (baptismo, casamento, óbito) e em face da
justiça. As estratégias de relacionamento social e sexual acompanham igualmente as
normas de conduta definidas pelas posturas e estigmas sociais.
O processo de povoamento do arquipélago da Madeira demonstra que existiu no
começo uma aposta preferencial na população oriunda das diversas províncias do reino
que se afirmou como usufrutuária do processo. Deste modo no início foram evidentes
manifestações de xenofobismo dos moradores portugueses para com os estrangeiros.
Diferente foi a atitude assumida para com os judeus que pouco ou nada mudou mesmo
com a criação do Tribunal da Inquisição.

1. A COMUNIDADE SEFARDITA DA MADEIRA E O AÇÚCAR NO ATLÂNTICO.


No Portugal dos séculos XV e XVI evidencia-se a presença de comunidade sefardita
que assumiu um papel destacado na economia e finanças. Judeu era sinónimo de
negociante3.
O despoletar do processo dos descobrimentos atlânticos e os consequentes
mercados e rotas comerciais fez com que a sua atenção estivesse para aí virada detendo
idêntico protagonismo4. A Madeira, porque assumiu um papel evidente em todo o
processo, foi o primeiro pólo de atracção desta comunidade. As perspectivas eram
promissoras, pois o lançamento em meados do século XV da cultura açucareira
transformou a Madeira num dos principais mercados atlânticos. A atracção principal foi
o açúcar com mercado assegurado no Mediterrâneo e norte da Europa. Por causa dele a
Madeira acolheu, primeiro os judeus, genoveses e venezianos e, depois, flamengos e
franceses. Foi o açúcar que deu à Madeira os ingredientes necessários para atrair os
agiotas da finança e do comércio internacional.
Um dos factos probatórios do interesse da comunidade sefardita pelo açúcar
surge em meados do século XVI, quando a crise da produção madeirense fez alargar a

3
. cf. José G. Salvador, Os Cristãos-novos e o comércio no Atlântico meridional, S. Paulo, 1978, 149; António José Saraiva,
Inquisição e Cristãos Novos, Lisboa, 1994, 134-135.
4
. Vide Maria José Ferro Tavares, os judeus na época dos descobrimentos, Lisboa, 1995.
diáspora a novos mercados mais promissores como Pernambuco no Brasil. Para a
comunidade judaica a Madeira foi o primeiro alvo da expansão europeia donde
irradiaram para os quatro cantos do Novo Mundo, perseguindo o rasto do açúcar e do
tráfico dos escravos no espaço atlântico. Perante isto importa conhecer qual o papel que
estes assumiram neste primeiro poiso da diáspora atlântica. Até ao estabelecimento do
tribunal de inquisição em Portugal (1536) não é fácil identificar a comunidade judaica
na documentação, não obstante a sua presença fazer-se sentir em múltiplos domínios de
sociedade e economia portuguesa. Apenas com a instituição do tribunal do santo ofício
foi possível estabelecer o rasto do grupo convertido ou não ao Cristianismo5.
Certamente que procuravam iludir as suas crenças religiosas, apagando todo o rasto
possível.
A Madeira não foge à regra e a xenofobia foi uma das armas usadas para travar a
concorrência das sociedades mercantis estrangeiras. Na década de sessenta os judeus e
genoveses, porque monopolizavam o comércio do açúcar, foram o principal alvo dos
madeirenses. Em 1461 os funchalenses solicitaram ao infante D. Fernando que proibisse
a sua actividade como compradores de açúcar ou arrendatários dos direitos na ilha6. Esta
estreita ligação aos genoveses é constante no controle do comércio nos novos espaços
atlânticos, surgindo nas ilhas desde os inícios da ocupação. Difícil é encontrar o rasto da
sua presença, pois tal como nos diz José Gonçalves Salvador7 “muitos vão para as ilhas
e se acobertam sob a capa de cristãos”. Apenas a comparação antroponímica permite
algumas descobertas.
Os judeus estão envolvidos em todas as actividades, mas, como nos refere Maria
José Ferro Tavares, “a actividade mercantil e a ocupação principal”. E dentro destas
parece que tiveram uma predilecção especial pelos negócios baseados no açúcar, como
se confirma nas palavras de José Gonçalves Salvado8, que é peremptório em afirmar que
“os hebreus sefarditas aparecem identificados com as actividades ligadas ao açúcar
primeiro nas ilhas adjacentes a Portugal e depois nas demais possessões”.
A estratégia judaica para domínio do mercado açucareiro atlântico passou por
uma estreita aliança com os mercadores flamengos e italianos, nomeadamente os
genoveses. Disto fez-se denuncia nas Cortes de 1471-72, mas a situação continuou nos
decénios seguintes. No caso do comércio do açúcar da Madeira esta forma de actuação é
comum. Assim, quando o comércio do açúcar estava sujeito a um monopólio da Coroa
entregue a sociedades estes surgem aliados aos Leme, Lomellini e Marchione. Nas
transacções do açúcar com a Flandres foi uma sociedade entre os Leme e Abravanel que
o controlou. Já no caso das cidades italianas foram Moisés Latam e Guedelha Palaçam
que se associaram a B. Marchione.
O “livro de estimos do açúcar” do Funchal em 14949 comprova a presença de
judeus, como Isaac Abeacar, Moisés Benagaçam e David de Negro nas transacções
açucareiras, representados na ilha através de procuradores italianos como era o caso de
Dinis Sernige, Lucas César, Sisto Lomellini. Segundo o estudo de V. Rau para 1494, os
judeus junto com outros estrangeiros, dominados pelos genoveses, dominavam as
transacções açucareiras com 11.373 arrobas, o equivalente a 64% do total em causa10.
Esta posição não está longe da realidade desta e posterior centúria, uma vez que os
dados por nós apurados entre 1490 e 1550 apontam de novo para o total controlo dos
mercadores italianos com 80% das operações comerciais do açúcar madeirense11.
5
. Para a Madeira não existe estudo completo sobre a inquisição como é o caso de Paulo Braga, A Inquisição nos Açores, P.D., 1997.
6
. AHM, Vol. XV, 1972, 14-15, 3 de Agosto de 1461.
7
. Os cristãos novos e o comércio Atlântico Meridional, S. Paulo, 1978, 246.
8
. Os magnatas do Tráfico Negreiro, S. P., 1981, 87.
9
. Publ. V. Rau, O açúcar na Madeira, Funchal, 1962.
10
. Ob.cit., p. 24
11
. O Comércio Inter-Insular, Funchal, 1987, 130.
A par disso podemos considerar os problemas gerados pela prática e crença
religiosa. Os aferidores mais importantes da religiosidade madeirense são os
testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos
processos perante o Santo Ofício. A inquisição exercia a actividade na Madeira através
do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal não
era permanente e fazia-se sentir através da presença dos inquisidores em visita. Na
Madeira e nos Açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos Teixeira, em
1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo,
mas só é conhecida a documentação das duas últimas.
Nas ilhas foi evidente a conivência das autoridades com a presença da
comunidade judaica, resultando facilidades na sua fixação quando perseguidos no reino.
Para finais do século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, mas em 1618 o
número não passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagavam
a taxa. A presença da comunidade judaica era assim evidente. Os judeus,
maioritariamente comerciantes, estavam ligados ao sistema de trocas do mercado
insular, sendo os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância.
A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que os judeus
avançassem no Atlântico à frente das perseguições: primeiro nas ilhas e depois no Bra-
sil. A diáspora atlântica obedeceu aos vectores da economia atlântica, deixando atrás um
rasto evidente na rede de negócios. O açúcar foi um dos principais móbeis da sua activi-
dade nas ilhas e no Brasil.
A incidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel e vinho favoreceu os
contactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra e favoreceu a presença de
uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores.
As perseguições movidas pelo Santo Ofício levaram muitos dos judeus a refugiarem-se
nas ilhas Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e, finalmente, o Brasil. Esta migração foi
ainda acelerada pela crise da produção açucareira madeirense. E de novo os judeus estão
ligados à produção açucareira12.

2. O ESCRAVO NA SOCIEDADE MADEIRENSE. A presença do escravo na Madeira


é resultado de uma situação distinta daquele que favoreceu a dos demais grupos étnicos,
enquadrando-se num novo processo de aumento da competitividade dos produtos
através da redução dos custos de mão-de-obra, nomeadamente em produtos com a cana
sacarina em que a exigência de mão-de-obra é elevada.
Na Madeira o escravo é sinónimo de negro, guanche ou mourisco, assumindo
cada grupo uma posição distinta na sociedade. Note-se que ao falar-se de escravos no
arquipélago da Madeira estamos perante uma realidade muito aquém daquilo que
sucedeu no outro lado do Atlântico a partir do século XVI. Ambas as realidades,
embora relacionadas, não podem ser comparadas. Enquanto na Madeira a escravatura só
ganha dimensão no período da opulência açucareira, isto é, nos séculos XV e XVI,
perdendo importância em favor da mão-de-obra livre e de diferentes formas de
exploração fundiária, como o “contrato de colónia”, nas regiões que a precederam esta
assumiu um carácter dominante no sistema de relações laborais, persistindo até à sua
abolição no século XIX. Não será por acaso que a Madeira foi uma das primeiras
regiões do mundo a abolir a escravatura, com medidas limitativas do comércio a partir
de finais do século XVIII.
12
. MELLO, José António Gonsalves de, Gente da nação: cristãos-novos e judeus em Pernambuco, Recife:, 1989; RIBEMBOIM,
José Alexandre, Senhores de Engenho judeus em Pernambuco colonial 1542-1654, Recife, 1995; SALVADOR, José Gonçalves,
Os Cristãos-Novos. Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680), S. Paulo, 1976.
2.1. A MADEIRA E A TRATA DE ESCRAVOS. A Madeira, porque próxima do
continente africano e envolvida no processo de reconhecimento, ocupação e defesa do
controlo lusíada, tinha as portas abertas a este vantajoso comércio. Deste modo os
madeirenses demarcaram-se no início pelo empenho na aquisição e comércio desta pujante
e promissora mercadoria do espaço atlântico. À ilha chegaram os primeiros escravos
guanches, marroquinos e africanos, que contribuíram para o arranque económico do
arquipélago13.
Os escravos que surgem no mercado madeirense são na quase totalidade de origem
africana, sendo reduzida ou nula a presença dos de outras proveniências, como foi o caso
do Brasil, América Central e Índia. Isto é resultado, não só, da distância ou das
dificuldades no trato, mas também, das assíduas medidas limitativas ou de proibição, como
sucedeu no Brasil e Índia. Apenas o mercado africano, dominado pela extensa costa
ocidental, em poder dos portugueses, não foi alvo de qualquer proibição. Aqui a coroa
actuou apenas no sentido de regular o tráfico através de medidas como sucedeu com os
contratos e arrendamentos.
O litoral Atlântico do continente africano, definido, primeiro, pelas Canárias e
Marrocos e, depois, pela Costa e Golfo da Guiné e Angola, era a principal fonte de
escravos. A Madeira foi aí buscar a mão-de-obra necessária para abrir os poios e, depois,
plantar os canaviais. Primeiro tivemos os escravos brancos das Canárias e Marrocos e só
depois os negros das partes da Guiné e Angola.
As condições que pautaram a presença portuguesa no Norte de África definiram uma
forma peculiar de aquisição dos escravos, que aqui eram sinónimo de presas de guerra,
resultantes das múltiplas pelejas, em que se envolveram portugueses e mouros. Para os
madeirenses, que defenderam com valentia a soberania portuguesa nestas paragens, os
escravos mouros são o prémio e testemunho dos feitos bélicos. Mas destes, poucos
ostentaram os triunfos de guerra. Outra forma de aquisição estava no corso marítimo e
costeiro, considerado como prática de represália comum, que foi usada por ambas as
partes. O mesmo ocorreu na Índia onde os madeirenses se evidenciaram nas diversas
batalhas aí travadas, como sucedeu com Trintão Vaz da Veiga.
Na Costa Africana, além do Bojador, os meios de abastecimento de escravos eram
outros: primeiro tivemos os assaltos e razias, depois o trato pacífico com as populações
indígenas. Cavaleiros e corsários substituem os mercadores. Isto implicava uma dinâmica
diferente capaz de assegurar os circuitos de comércio e transporte.

OS GUANCHES. A presença dos guanches na Madeira é um facto natural, contribuindo


para isso a proximidade da Madeira e o empenho dos madeirenses na iniciativa henriquina
de conquista das Canárias. Tais condições favoreceram a presença madeirense no mercado
de escravos. Já na primeira metade do século XV tivemos algumas incursões de que
resultaram o aprisionamento de escravos. Destas referem-se três (1425, 1427, 1434) com
partida da Madeira. Com a expedição à costa africana de 1445 o madeirense Álvaro de
Ornelas fez um desvio à ilha de La Palma onde tomou alguns indígenas que conduziu à
Madeira. Nas inúmeras viagens organizadas por portugueses entre 1424 e 1446, surgem
escravos como mercadoria que depois era vendida na Madeira ou em Lagos.

13
. O comércio com os principais mercados fornecedores existiu, desde o começo da ocupação do arquipélago, e foi em alguns
momentos fulgurante. Impossível é estabelecer com exactidão a quantidade de escravos envolvida. A deficiente disponibilidade
documental, para os séculos XV a XVII, não o permite. Carecemos dos registos de entrada da alfândega do Funchal e dos contratos
exarados nas actas notariais.
A partir de meados do século XV, são assíduas as referências a escravos canários na
ilha da Madeira, identificados como pastores e mestres de engenho14. Estranhamente, nos
testamentos do século XV, não encontramos nenhuma indicação que abonasse a presença
de qualquer escravo guanche. Para além dos dois que possuía o capitão Simão Gonçalves
da Câmara, sabe-se que João Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era também
detentor de escravos desta origem, sem ser referido o número15. Cadamosto, na primeira
passagem pelo Funchal em 1455, fala-nos de um canário cristão que se dedicava a fazer
apostas sobre o arremesso de pedras16.
Nos anos de 1445 e 1446 estão documentadas diversas expedições às Canárias, que
contribuíram para o aumento da presa de escravos do arquipélago na Madeira. Em 1445
ambos os capitães da ilha - Tristão Vaz e Gonçalves Zarco - enviaram caravelas de
reconhecimento à costa africana, mas o fracasso da viagem levou-os a procurar garantia da
cobertura da despesa, buscando uma presa em La Gomera. Álvaro Fernandes fez dois
assaltos em La Gomera e em 1446 foi enviado por João Gonçalves Zarco, segundo Zurara
a intenção de realizar alguma presa. É a partir daqui que devemos situar a importância que
assumiram os escravos canários na sociedade madeirense.
O principal estigma deste grupo está nos fugitivos, que são apresentados como
violentos e ladrões. E mesmo entre os demais as relações não deveriam ser muito famosas,
uma vez que o senhorio da Madeira determinou em 148317 uma devassa, seguida de uma
ordem de expulsão em 149018. De acordo com este último documento todos os escravos
canarios, oriundos de Tenerife, La Palma, Gomera e Gran Canaria, exceptuando-se os
mestres de açúcar as mulheres e as crianças, deveriam ser expulsos do arquipélago. Mas o
infante considerou apenas os forros19. Em 150320 o problema ainda persistia, ordenando o
rei que todos eles fossem expulsos num prazo de dez meses. De novo a coroa retrocedeu
abrindo uma excepção para aqueles que eram mestres de açúcar e dois escravos do
capitão- Bastiam Rodrigues e Catarina-, por nunca terem sido pastores21.
Em síntese, as Canárias afirmaram-se no século XV como o principal fornecedor de
escravos, complementando com as presas dos assaltos à costa marroquina e viagens para
sul. Os canários foram na ilha pastores e mestres de engenho.

OS MOURISCOS. Os cronistas do século XV e XVI relevam o activo protagonismo dos


madeirenses na manutenção e defesa das praças de Marrocos. A aristocracia fez delas o
meio para o reforço das tradições da cavalaria medieval, considerando as campanhas como
uma forma de serviço ao senhor e fonte granjeadora de títulos e honras. Esta acção foi
imprescindível, na primeira metade do século XVI. Aqui merece destaque as armadas de
socorro a Arzila, Azamor, Mazagão, Santa Cruz de Cabo Gué, Safim, sendo protagonistas
os capitães do Funchal e Machico e a aristocracia da Ribeira Brava e Funchal.

14
. Lothar SIEMENS y Liliana BARRETO, "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in A.E.A., nº 20, 1974,
111-143. Aqui utilizamos o termo canário para designar os escravos oriundos do arquipélago das Canárias, não obstante esse termo querer
significar os habitantes de Gran Canária. Mas segundo Gaspar FRUTUOSO (Ob. cit., livro primeiro, p. 73) "desta (Gran Canaria) tomaram o
nome geral de canários os habitadores das outras, ainda que também seus particulares nomes".
15
. Gaspar FRUTUOSO, Livro primeiro das Saudades da Terra. P. Delgada, 1979, 124.
16
. José Manuel GARCIA, Viagens dos descobrimentos, Lisboa, 1983, p. 86.
17
.A.H.M, vol.XV, pp.122-134.
18
.Ibidem, vol. XVI, pp.240-244
19
.Ibidem, vol.XVI, pp.260-265. A 4 de Dezembro de 1491 houve reunião extraordinária da câmara para
deliberar sobre o assunto. A ela assistiram o capitão do Funchal, Simäo Gonçalves da Câmara,
os oficiais concelhios e homens bons. Ao todo eram vinte e cinco, destes onze votaram a favor
da saída de todos, nove apenas dos forros e quatro à sua continuidade na ilha. Dos primeiros registe-
se a opinião de João de Freitas e Martim Lopes, que justificam a sua opção, por todos os canários, livres ou escravos, serem ladrões. Para
Mendo Afonso não era assim que se castigava tais atropelos, pois existia a forca como solução. Se consideramos que cada um dos presentes
pretendia defender os seus interesses, podemos concluir que catorze dos presentes eram proprietários de escravos canários
20
.Ibidem,vol.XVII, pp.440441.
21
.Ibidem, vol.XVII, pp.450-451
Os mouriscos surgem com maior incidência no Funchal e Ribeira Brava, áreas
donde eram provenientes os que mais se distinguiram nas guerras marroquinas. A presença
mourisca na Madeira circunscreve-se quase só ao século XVI, se exceptuarmos o caso da
referência isolada para o Funchal nos anos trinta do século XVII. Esta situação poderá ser
entendida como corolário das medidas restritivas à posse de escravos mouros,
estabelecidas pela coroa a partir 1597 ?22.

OS NEGROS DA GUINÉ. Os primeiros negros da costa ocidental africana chegaram à


Madeira muito antes de serem alvo da curiosidade das gentes de Lagos e Lisboa. A
situação da Madeira e dos madeirenses nas navegações supracitadas, a par da extrema
carência de mão-de-obra para o arroteamento das diversas clareiras abertas na ilha pelos
povoadores, geraram, inevitavelmente, o desvio da rota do comércio de escravos, surgindo
o Funchal, em meados do século XV, como um dos principais mercados receptores. Nesta
época, em nenhum outro local o escravo era tão importante como na Madeira.
Vários indícios que colhemos na documentação provam que o comércio de escravos
era activo e que a Madeira foi uma das placas giratórias deste negócio com a Europa. Por
exemplo, em 149223 a coroa isentou os madeirenses do pagamento da dizima dos escravos
conduzidos a Lisboa. Isto surge como resultado de uma petição de Fernando Pó.
A pouca a informação disponível é suficiente para revelar a importância que assumiu
na Madeira o comércio com o litoral africano. A insistente referência, na documentação da
época, aos negros, obviamente desta área africana, pode ser considerada reveladora. Em
146624 os moradores representavam ao infante contra a redizíma lançada sobre os moços
de soldada que condicionava a presença em favor dos negros escravos, situação em que
temiam "vir algum perigo". Passados vinte e três anos o capitão do Funchal representara ao
duque o perigo em que estava a ilha, por os vizinhos saírem para Lisboa ou para o litoral
africano, "por bem dos muytos negros que hai ha25". Já em 147426, a infanta D. Beatriz, em
carta aos capitães do Funchal e Machico, estabeleceu medidas limitativas quanto à posse
de casa, como medida para impedir os roubos que vinham sucedendo.
A primeira referência ao envio de um escravo de Cabo Verde para a Madeira surge
apenas em 155727 no testamento de Isabel de Sousa, onde se diz ter entregue dez cruzados
e sete ou oito bocetas de marmelada a Diogo Rodrigues para lhe trazer um escravo de
Cabo Verde. Em 1587 Lorenzo Pita de Gran Canaria trocou em Cabo Verde um escravo
por vinho. Manuel Lobo Cabrera acrescenta que os portugueses tinham uma participação
activa no trato das Canárias com a Guiné28.
O documento mais importante sobre a intervenção dos madeirenses no comércio de
escravos da Costa da Guiné, é o testamento do madeirense Francisco Dias, feito em 22 de
Outubro de 159929 na Ribeira Grande (ilha de Santiago-Cabo Verde). Os encargos e
dívidas testemunham que foi um importante interlocutor do tráfico negreiro na ilha, e bem
relacionado com o comércio de escravos no interior dos Rios da Guiné, com mercadores
de Sevilha e o mercado negreiro das ilhas de S. Domingos e Honduras. À sua morte
quebrou-se a cadeia de negócio30.
22
. V. M. GODINHO, ob. cit., IV, 191; Fortunato de Almeida, ob. cit., VOL. XI, 110.
23
. A.R.M., C.M.F., tomo I, fls. 223 vo-225, sentença régia isentando os moradores da Madeira do pagamento de dízima nos escravos que
levarem para Lisboa, para seus erviço, publ. in A.H.M., Vol. XVI, 1973, nº 161, pp. 269-271.
24
. A.R.M., C.M.F., t. I, fls. 226.229vo., 7 de Novembro de 1466, "Apontamentos do infante D. Fernando, em resposta de outros", in A.H.M.,
XV, 1972, doc. 13, 38.
25
. A.R.M., C.M.F., t. 1,fl.169, in A.H.M., vol. XV, 1973, doc. n 131, p. 226
26
. Ibidem, tomo velho, fl. 11
27
. A.R.M., Misericórdia do Funchal, nº 710, fls. 308-309, testamento de 3 de Fevereiro de 1557.
28
. A.H.P.L.P., Lorenzo de Palenzuela, nº 844, fl. 109; Manuel LOBO CABRERA, "Los mercadores y la trata de esclavos en Gran Canaria",
in Homenage a Alfonso Trujillo, II, Santa Cruz de Tenerife, 1982, 59 e 71.
29
. A.R.M., Misericórdia no Funchal, 684, fl. 785-90 vo
30
. Os seus bens móveis foram avaliados em 1.231.000rs a que se deverá somar as dívidas no valor de 30.600 rs; desse elevado pecúlio
entregou 74.000 rs para encargos pios e 209.999rs pelos familiares, escravos e testamenteiro.
Francisco Dias, com morada fixa na Ribeira Grande, intervinha no trato de escravos
nos Rios da Guiné por meio do escravo António. A referência a dívidas de alguns
madeirenses poderá ser o indicativo do envio de escravos para a Madeira. O testamento
anota dívidas a João Gonçalves, Jerónimo Mendes, Francisco Afonso, António Gonçalves
e Francisco Fernandes, todos vizinhos da Madeira.
A prova mais elucidativa do comércio de escravos entre a Madeira e Cabo Verde surge
em 156231 e 156732. As dificuldades sentidas na cultura do açúcar levaram os lavradores a
solicitar junto da coroa facilidades para o provimento de escravos na Guiné, com o envio
de uma embarcação para tal efeito. O rei acedeu e ordenou que só tivesse efeito após o fim
do contrato de arrendamento com António Gonçalves e Duarte Leão, isto é, em 1562. Em
1567 regulamentou-se, de novo, o privilégio atribuído aos madeirenses, sendo-lhes
concedido o direito de importar anualmente, por um período de cinco anos, de Cabo Verde
e dos Rios de Guiné, cento e cinquenta peças de escravos, dos quais cem par o Funchal e
cinquenta na Calheta.

OUTRAS PROVENIÊNCIAS. A Madeira não se resumiu apenas a acolher escravos


africanos, surgindo escravos de outras áreas onde os madeirenses tiveram uma activa
intervenção, como o foi o caso do Brasil e as Antilhas. A par disso existia um intenso
comércio entre os dois destinos e a Madeira mercê da constante solicitação do vinho, que
aí se trocava por açúcar, aguardente e farinha. Estes escravos tanto poderiam ser indígenas
ou africanos, uma vez que apenas é indicado o local de origem e nunca à sua situação
étnica. Das possessões portuguesas no Indico está também referenciada a presença de
escravos, ainda que em número diminuto. Esta origem, ainda que fugaz, marca outra rota
de envio de mão-de-obra para a Madeira, resultando, de modo especial, da intervenção de
madeirenses no processo de ocupação e conquista.

DEFINIÇÃO DOS GRUPOS ÉTNICOS. De acordo com Giulio Landi, um viajante


italiano que em meados do século dezasseis visitou o Funchal, o panorama étnico da
escravatura madeirense definia-se por três matize: os mouros, pela religião, os etíopes ou
negros, pela cor da pele, e os mulatos, fruto das relações entre várias etnias. Estão ausentes
os escravos guanches, índios e indianos. Mas esta ausência pode ser justificada. Os
guanches, a partir de princípios do século XVI, quase desaparecerem da ilha. Os dois
últimos surgem com maior evidência, ainda que numa dimensão reduzida, a partir de finais
da centúria.
400
350
300
250
200 XVI
150 XVII
100
50
0
preto mulato mourisco

Os três grupos étnicos referenciados por Giulio Landi são os mais frequentes na
documentação disponível. No grupo dos escravos identificados, que representa apenas

31
. A.R.M., Documentos Avulsos, cx. 2, n 194
32
. Idem, C.M.F., t. 3, fl. 137 vo-138
18% do total, sendo destes 1% são mouriscos, 6% mulatos e 10% pretos. Os mouriscos
(84%) e mulatos (56%) surgem com maior evidência no século XVI, enquanto os pretos
(59%) dominam na centúria seguinte. Os mouriscos circunscrevem-se apenas a um
momento definido do século XVI (1516-1582), assumindo excepção o baptismo de um em
1639. A sua incidência é no período de 1539 a 1561. As dificuldades sentidas na
manutenção das praças africanas, mercê dos custos elevados das campanhas poderão estar
na origem disto. O madeirense não mais fez das praças africanas o campo para as
aventuras guerreiras e o saque de mouros deixou de ser uma realidade. Entretanto os
guanches, protegidos pelo papado e coroa de Castela, deixaram de ser presa fácil para os
aventureiros furtivos.

2.2. LIVRES E ESCRAVOS NO QUOTIDIANO MADEIRENSE. Os primeiros


povoadores da ilha tiveram que conviver com a presença do escravo africano. O
contacto com esta minoria étnica foi marcado por normas de conduta muito rígidas e de
inúmeros estigmas, como nos testemunham algumas situações do quotidiano, retratadas
na documentação. Nesse sentido vamos proceder a uma sumária análise dessa realidade
através de algumas das situações mais marcantes do quotidiano.

NASCER, VIVER E MORRER ESCRAVO. São várias as formas geradoras da


escravatura, mas tradicionalmente dominaram a compra/venda, o cativeiro de guerra, o
nascimento e as dívidas. A primeira, que surge como a fase final de troca nos mercados
abastecedores do litoral africano, revela-se como a mais usual e a que materializou todo o
tráfico negreiro a partir do século XVI. A conjuntura económico-social e o factor biológico
associados à definição jurídica do sistema, são um meio de colmatar as dificuldades do
mercado de escravos. A situação era simples e definida ao nascimento: filho de escravo é
escravo por adopção.
O escravo do sexo feminino assume particular significado na reprodução do sistema
em causa, uma vez que pode gerador de outros escravos. Mas é óbvio que o principal meio
gerador de escravos para a Madeira e demais áreas onde o sistema se afirmou, foi a
importação africana. O número de escravos, que pelo baptismo sabemos terem nascido na
ilha, representa 51% do total que conseguimos reunir. Por outro lado aqueles que sabemos
serem de importação, isto é, os adultos e os que, embora, crianças aparecem com o local de
origem, não ultrapassam os 542.

644
544
444
344
244
144
44
1530−40

1541−50

1551−60

1561−70

1571−80

1581−90

1591−00

1601−10

1611−20

1621−30

1631−40

1641−50

1651−60

1661−70

1671−80

1681−90

1691−00

O movimento dos nascimentos define-se por dois rumos distintos: primeiro a tendência
para a subida vertiginosa até à década de trinta do século XVII, quebrada por momentos de
descida entre 1551-70, 1581-90, 1601-10, 1621-30, a que se segue um crescimento,
contrariado apenas nas décadas de setenta e oitenta do século XVII. Esta fase de afirmação
da natalidade dos escravos coincide com o período de retorno da cana-de-açúcar na ilha,
enquanto o segundo momento está relacionado com a crise da segunda metade da centúria
setecentista, marcada pela concorrência do açúcar brasileiro e dificuldades no mercado
interno. Resta saber se a conjuntura está na origem deste crescimento dos escravos.

O CASAMENTO. Se é certo que a Igreja conseguiu levar os proprietários a baptizar os


escravos, o mesmo não se poderá dizer quanto ao casamento. Poucos foram os que
legitimaram a relação carnal perante a igreja. Os escravos tinha dificuldade em entender e
acatar a visão monogâmica da família transmitida pelo cristianismo. Esta situação ia ao
encontro do empenho do senhor em manter uma "reserva" sexual, fazendo das escravas
concubinas. A maioria dos escravos era originária de regiões com diferentes padrões
comportamentais face ao casamento e que as jovens escravas alimentavam as experiências
sexuais dos filhos da casa.
Enquanto o sacramento do baptismo não tinha, à posteriori, implicações directas que
pudessem fazer perigar a condição do escravo, no caso do casamento sucedia algo
diferente, uma vez que implicava a união inseparável dos dois nubentes. Assim o assumir
deste compromisso era complicado para o estatuto de escravo. O casamento implicava
limitações na capacidade de intervenção do proprietário, pois não os podia separar, o que
implicava que, quando vendesse um, o outro deveria acompanhá-lo. E no caso dos
escravos pertencerem a proprietários diferentes deveria haver um acordo que não
impedisse a anterior situação. Nada disto agradou aos proprietários, que se socorreram de
todos os meios para o contrariar.
A Madeira não foge à regra, pois, para além do elevado índice de ilegitimidade das
crianças baptizadas, surgem inúmeros testemunhos que atestam a generalização do
concubinato entre os escravos. Giulio Landi, que visitou o Funchal em 1536 diz ter
encontrado homens que "amam apaixonadamente as negras" e mulheres livres "que, de
bom grado, fazem amor com os negros"33. Contudo, foi forte a resistência a esta pratica,
quer por parte da igreja, quer do poder civil. Com as Constituições sinodais de D. Jerónimo
Barreto, publicadas em 1585, insistiu-se no casamento dos escravos como forma de
moralizar os costumes. Também as posturas municipais, estabelecidas com base nas leis
gerais do reino, colocavam entraves a tal relacionamento, com o objectivo de "evitar o
pecado e azo dos escravos roubarem os seus senhores com tais barriguices"34. Noutra
postura, aprovada em vereação no dia 17 de Maio de 154635, justifica-se a medida pelo
facto de tal relacionamento ser motivo de instabilidade social.
É flagrante a assimetria entre a curva evolutiva dos baptismos e casamentos de
escravos, reveladora da dimensão assumida pelo concubinato e mancebia, projectando
elevados índices de ilegitimidade. No total de baptismos apenas em 175 registos (5%)
aparece o nome do pai. Acresce, ainda que esta referência não é sempre sinónimo de uma
união matrimonial. Esta tendência para a ilegitimidade é mais evidente no século XVII e
afirma-se nas freguesias urbanas. O sex ratio da população escrava na Madeira é muito
baixo, oscilando no período de 1538 a 1700 entre os 93 e 114, o que provocava
dificuldades na constituição dos pares e reprodução do sistema36. A partir de 1601 é
evidente uma quebra na sex ratio, que se reflecte no número de enlaces, fazendo disparar a
ilegitimidade dos escravos nascidos.

33
."Descrição da ilhas da Madeira", in A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, p.92.
34
.A.R.M, C. M. F., livro de posturas
35
.A.R.M, C.M.F., nº.1397, fls.58-59.
36
. S. B. SCHWARTZ, ob. cit., 359-360.
O casamento, pelas limitações que impõe à plena intervenção do senhor,
dificilmente ganhava a adesão dos escravos. Deste modo o número de casamentos em que
ambos os cônjuges são de origem escrava é pouco significativo, não ultrapassando 1% do
total de actos realizados, que surgem com maior relevância para o século XVII. O mesmo
já não se poderá dizer dos enlaces mistos, em que a tendência era para a aproximação entre
antigos escravos, já forros, com os que ainda assumem esta condição. A estratégia do
casamento dos escravos encontrava-se nas mãos dos proprietários. O mesmo sucedia com
a sexualidade das escravas, pois era ele o factor determinante a este respeito.
O interesse dos libertos por uma relação matrimonial com os escravos está perfeitamente
definido ao período de 1571 a 1620. O incremento das relações mistas resulta não só das
assimetrias evolutivas do sexo dos escravos, mas também da conjuntura sócio-económica,
definida pela desvalorização da mão-de-obra escrava, mercê da crise açúcareira.
Ao estabelecer-se uma relação entre a condição social e étnica dos nubentes concluiu-
se pela tendência do preto ou do mulato para se unirem primeiro à mulher livre e, depois, à
liberta. A união ou casamento de uma escrava com um homem livre ou liberto era bem
vista pelo proprietário, pois as crianças nascidas deste enlace continuavam a ser
propriedade escravas. Todavia, em termos de sociabilidade, era um foco de
conflituosidade, contando com a oposição da sociedade por meio de normas de conduta
social.
De todos são os mouriscos que apresentam uma tendência mais endogâmica, pois
63% dos pares são constituídos no seu seio, enquanto nos negros a percentagem fica por
53% e nos mulatos não ultrapassa os 28%. Aliás os últimos preferem escolher o parceiro
entre a categoria designada de outros, usualmente europeus, que serviam como
trabalhadores. As mouriscas e mulatas saem, no entanto, do seu círculo étnico e integram-
se no grupo europeu, enquanto a negra não se afastava da sua etnia. É evidente ainda uma
tendência generalizada de opção pelo parceiro de um grupo étnico que não seja sinónimo
da condição de escravo, contrariado apenas pelos negros. O negro manifesta uma certa
aversão ao enlace com o mulato: dos 249 casais contabilizados apenas 14(6%) envolvem
estes.
Uma das grandes preocupações da sociedade madeirense prendia-se com o
relacionamento entre escravos, libertos e livres, ao nível matrimonial, convívio social e
habitacional e laboral. Isto resulta do espírito de solidariedade que existia entre eles e que
actuava como condicionante da sua conduta. Em 1546 refere-se a acção conjugada de
homens de soldada e trabalhadores com negros e mulatos, livres ou não, em roubos e
mortes. Não obstante este temor, bastante evidente nas posturas37, onde se lavrava a
proibição de amancebamento de escravos com livres. Os dados confirmam que este
relacionamento era frequente: em 611 situações de casamento ou relação sexual entre
escravos e livres. Nos registos paroquiais, surgem 228 envolvendo os dois grupos, sendo
de realçar que 145 casos (24%) resultam de casamento. No último caso temos 169 uniões
entre escravos e livres ou libertos. Situa-se entre 1571 e 1620 o período de maior
afirmação de tal relacionamento, mas é para 1651 a 1660 que se atinge o maior valor.
Embora as posturas falem de um relacionamento frequente em ambos os casos a
tendência foi para o relacionamento do homem livre, solteiro ou casado, com a escrava. No
período em causa as situações deste tipo rastreadas nos paroquiais representam 14%,
enquanto no inverso não ultrapassam os 12%.

MORRER ESCRAVO. A atenção atribuída pela igreja à morte de um freguês variava


de acordo com a condição sócio-económica, expressando os registos de óbito esta
preocupação. A parca referência a abintestados, quando a merecem, contrasta coma
37
. Posturas do Funchal
extensa enunciação, nos testamentos, das condições que antecederam a morte, das
disposições testamentárias que prolongam a sua memória no seio da paróquia.
Na documentação apresentam-se-nos várias formas de encarar a morte, que têm
expressão nos actos que a antecedem. Todavia não foi possível rastrear a situação dos
escravos, pelo simples facto de que não encontrámos qualquer testamento. Os únicos
encargos de missa que encontrámos foram estabelecidos pelos proprietários, por norma do
sexo feminino. Apenas conseguimos reunir informação para alguns libertos, cujo
testemunho não se afasta dos demais. Quanto aos libertos é evidente a assimilação da visão
cristã da morte.
A maior mortalidade dos escravos acontece na idade adulta, sendo já idosos, pois dos
369 óbitos apurados apenas se referenciam quatro (1%) menores. É de salientar que destes
apenas 6 (2%) o foram por acidente. Por outro lado é evidente a manutenção da condição
servil até à morte, pois só 52 (14%), se encontravam já forros quando a morte lhes bateu à
porta, sendo eles, maioritariamente, do sexo feminino.

2.3. FORMAS DE DIFERENCIAÇÂO SOCIAL. A forma de intervenção do escravo


perante o quotidiano ou em situações elementares do relacionamento social, jurídico e
religioso revelam que a condição de escravo eram um estigma que retirava aos que o
carregavam a segregação social. Isto repercutiu-se no relacionamento dos mesmos com as
instituições.

O QUOTIDIANO. São várias as formas para reconstituir o quotidiano dos escravos. Nem
sempre a documentação nos possibilita esta descoberta, por isso o investigador procura
recolher todos os dados capazes de compor o puzzle, ou então a busca por via indirecta
aquilo que lhe foi negado. A presença dos escravos nos actos de casar e amar é resultado,
por um lado, das normas estatuídas pelos usos e costumes da sociedade e, por outro, da
maior ou menor disponibilidade de tempo na faina agrícola ou oficinal diárias. Daqui
poderá resultar uma relação directa entre os índices dos actos com ritmo do trabalho e,
mesmo, os poucos indícios reveladores do quotidiano. Caso a primeira relação não
aconteça é possível que estejamos perante uma situação em que o escravo se encontra à
margem do processo produtivo ou em que intervêm factores que nos são estranhos. A
morte de um escravo adulto não idoso, quando não assume a dimensão violenta ou se
surge como o resultado de uma epidemia, poderá ser considerada também um elemento
denunciador do elevado ritmo de trabalho, ou então das dificuldades no assegurar da
subsistência.
A análise em separado da situação nas freguesias de ambas as capitanias da ilha e de
algumas das paróquias com dados mais significativos, oferecem-nos alguns traços
particulares da sua evolução, que é como quem diz de outro quotidiano. Tais
especificidades são, necessariamente, resultado de diferentes condições sócio-económicas
de cada localidade, que estabelecem um ritmo de tempo diverso. No meio urbano,
dominado pelo Funchal o dia a dia pulsa de modo diferente que no rural. Entretanto na
capitania do Funchal, que englobava no seu perímetro a melhor área agrícola da Madeira, a
situação é obrigatoriamente diferente da de Machico.
A partir das variações mensais dos valores disponíveis nos doze meses do ano constata-
se uma maior subjugação do escravo das freguesias rurais ao ritmo da Natureza. Na
evolução dos baptismos da capitania do Funchal, compreendendo as Partes do Fundo,
apresenta uma maior variação. Neste caso a influência negativa é atribuída pela faina
agrícola dos meses de Fevereiro e Novembro.
Após a análise da evolução mensal da presença dos escravos nos registos paroquiais,
importa equacioná-la de acordo com as estações do ano e calendário agrícola. Aqui
constata-se a preferência dos escravos para o casamento no Outono (33%) e no Inverno
(27%) pelo que daí terá resultado uma maior actividade sexual nelas, que se repercutirá na
natalidade do ano seguinte. Aqui também e de acordo com o período de gestação, a maior
incidência é para as duas últimas estações do ano. Terminadas as colheitas o escravo
parece dispor de tempo disponível para casar e amar.
Depois importa saber qual a implicação que isso poderá assumir o calendário agrícola
no evoluir dos dois actos. Casos os escravos estejam comprometidos com a faina agrícola
seria natural que os casamentos tivessem lugar num momento de acalmia e não de intensa
actividade. os nubentes preferem os meses aquém das sementeiras (Janeiro/Março) e das
colheitas da cana-de-açúcar (Maio/Junho), cereais (Julho/Agosto) e vinho (Setembro) para
concretizar os casamentos. Apenas se verifica uma coincidência com a safra do açúcar,
devido a esta englobar um mês casamenteiro (Junho) ou, então, a situação poderá
significar a pouca importância que a cultura assumia na ilha no período de 1538 a 1700.
As condições orográficas da ilha não favoreciam o assíduo convívio social entre os
vários grupos sociais do campo, pelo que os momentos mais destacados da faina agrícola
eram, por vezes, propiciadores da sociabilidade. Não se perca de vista que, por exemplo,
quanto à safra viti-vinícola, a situação é diferente, pois é reduzido o número de enlaces
(5%) e de concepções (8%) que tiveram lugar.

TRABALHO PARA ESCRAVO. Era comum associar-se à escravatura dois tipos de


actividade, de acordo com a afirmação no meio rural ou urbano. No primeiro caso,
estaríamos perante uma escravatura agrícola, enquanto no segundo seria doméstica. Esta
visão reducionista não colhe hoje adeptos, pois as investigações realizadas, nas mais
diversas localidades onde a escravatura se implantou, revelam que a intervenção
económica do escravo era complexa, existindo u,a elevada mobilidade do escravo nas
diversas actividades38.
É opinião corrente que a simbiose perfeita entre a escravatura e a agricultura, com
especial relevo para o cultivo da cana-de-açúcar, só começou a esboçar-se no século XV
com a experiência madeirense, pois, até então, o uso do escravo em tais tarefas, que surge
já na Mesoptâmia Zanzibar, Sudão e Sicília, não era plena e capaz de justificar o sistema39.
Aliás, no entender de W. D. Philips Jr40, a ligação escravo/açúcar só tem lugar no Atlântico
com o caso madeirense, sendo esporádicas as situações do mundo cristão e islâmico.
O escravo em muitas sociedades, para além da função económica, também se afirmou
pelo valor sumptuário, sendo uma forma de distinção social41. Isto também acontece na
Madeira como se poderá verificar na obra de Gaspar Frutuoso. Diz ele a respeito de
Machico: "havia muitas mulatas e muito bem tratadas e de ricas vozes, que é sinal de
antiga nobreza de seus moradores, porque em todas as casas grandes e ricas há esta
multiplicação dos que as servem"42. No entanto na Lombada do Arco da Calheta vivia
Dona Isabel de Abreu, viúva de João Rodrigues de Noronha, filho do capitão do Funchal,
com duas fazendas "muito grossas", tendo ao serviço uma moura como "privada sua"43.

38
. W. D. PHILLIPS Jr, La Esclavitud (...), Madrid, 1989, 10-12, 108, 147, 186/188; G. IRWIN,Africans abroad, N. York, 1977, 73, 139. Em
Portugal também sucede o mesmo como se poderá verificar pelos seguintes estudos: Vitorino Magalhães GODINHO, Os Descobrimentos e a
Economia Mundial, IV, Lisboa, 1989, 198-201; J. Romero de MAGALHÃES, Para o Estudo do Algarve Económico durante o século XVI,
Lisboa, 1970, 230; C. A. HAUSON, Economia e Sociedade no Portugal Barroco, Lisboa, 1986, 79.
39
. V. M. GODINHO, ob. cit., IV, 201; W. D. PHILLIPS Jr., ob. cit., 146, 186.
40
. Ibidem, 118, 146, 222-228.
41
. Esta opinião é corrobada por B. BENASSAR (Valladolid au siècle d'or (...), Paris, 1987) e Vitorino Magalhães GODINHO (ibidem, 198-
201), sendo o primeiro criticado por Luís FERNANDEZ MARTIN (Comediantes, esclavos y mouriscos en Valladolid. Siglos XVI y XVII,
Valladolid, 1988, 129.
42
. Livro Primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, 103.
43
. Ibidem, 260.
A crise da cultura da cana-de-açúcar no século XVI terá provocado uma profunda
mudança na situação da escravatura na Madeira, implicando a mudança de actividade e o
aumento das alforrias. O escravo transfere-se do campo para a cidade vindo alimentar o
numeroso grupo de serviçais das casas senhoriais e as oficinas. Mas é necessário ter em
consideração que ao lado dos escravos para o serviço da casa havia os livres, referenciados
como criados44.
O serviço doméstico era por norma uma atribuição dos escravos do sexo feminino, pois
os outros ocupavam-se nas tarefas agrícolas, artesanais ou, então, eram homens de soldada
ao serviço de outrem. À mulher estavam ainda reservadas outras tarefas, surgindo
vendeiras de fruta e lavadeiras. O exercício da actividade de venda de produtos agrícolas
no mercado local estava sujeito a inúmeras regulamentações, limitativas do exercício
doloso. Acusava-se os escravos de se dedicarem ao seu senhor e compradores, para seu
usufruto ou para amealharem a quantia necessária à alforria.
Os escravos do sexo masculino exerciam diversas tarefas nos mais variados sectores de
actividade, pois tanto poderiam ser artesãos como agricultores, almocreves e homens de
soldada. É constante a sua presença nos livros de receita e despesa de obras, como é o caso
da alfândega do Funchal. Os senhores usavam-nos também para os substituírem no serviço
de construção das fortificações, a que todo o cidadão deveria participar com um dia de
trabalho.
Acontece que a necessidade inicial da mão-de-obra escrava se liga de modo directo
com a pastorícia45 e agricultura. A safra açucareira, por um lado, a vivência pastoril dos
canarios46, por outro, fizeram com que fossem, os primeiros escravos na ilha, se
evidenciassem como pastores, agricultores e técnicos e nos serviços de engenho. A
documentação é prenhe em referências a esta intervenção dos escravos. Dos demais, para
além daqueles que referenciamos em separado, na safra do açúcar, apenas surgem cinco
com ofício, sendo dois almocreves, um alfaiate, um surrador e uma vendedeira47.
A actividade declarada para os libertos poderá elucidar-nos sobre aquela que exerciam
quando escravos, caso a alteração de estatuto social não conduzisse a mudança. Aqui, para
além do grupo comprometido com a safra do açúcar, surge uma multidão sem actividade
determinada, vivendo na condição de domésticos. Os libertos com ofício surgem com
maior frequência no Funchal, sendo quase nulos nas freguesias rurais.
Para o sexo masculino, o relacionamento através do casamento com os diversos
homens habilitados com um ofício, poderá ser um indício caracterizador da situação sócio-
profissional. Neste caso o relacionamento preferencial é com os trabalhadores, aliás já
testemunhado e regulamentado pelas posturas: do total de setenta e sete enlaces
matrimoniais, trinta e dois foram com trabalhadores, nove com homens do mar, sete com
almocreves, quatro com cantoneiros e sapateiros e três com lavradores.
Outro dado que poderá, ainda, apontar-se no sentido de uma possível identificação
sócio-profissional do escravo é o ofício do proprietário, pois segundo A. Franco Silva48,
por ele se conhece o do escravo. Aqui é, mais uma vez, evidente o carácter sumptuário do
escravo, pois os donos situam-se maioritariamente no sector de serviços (82%). O escravo
estaria ligado aos serviços não produtivos da casa dos membros do clero (24%), dos
oficiais das companhias de ordenanças (19%) e dos funcionários das instituições régias e
locais (16%). O grupo de agricultores (3%) é reduzido.

44
. Eles surgem com assídua frequência nos registos de crismas da freguesia da Sé, A.N.T.T., Cabido e Sé do Funchal, nº 36.
45
. Na ilha do Pico (Açores) os escravos não podiam ser pastores, Arquivo dos Açores, XII, 404-445, alvará de 3 de Junho de 1511.
46
. Sobre as actividades pastoris dos escravos é extensa a bibliografia em Canárias: Manuel LOBO CABRERA, La Esclavitud en Las
Canarias Orientales (...), 239; idem, "Los galegos en Canarias (...)", 217; idem, "Los indigenas trás de la conquista (...)", 241-243; Eduardo
AZNAR VALLEJO, La Integración de las islas Canarias en la Corona de Castilla, La Laguna, 1983, 200-204; Manuela MARRERO, La
Esclavitud en Tenerife (...), Santa Cruz de Tenerife, 1968, 93-109.
47
. A.R.M., Câmara Municipal de Machico, nº 109, 86 vo., 9 de Maio de 1696, João de Castro, almocreve do capitão Manuel Barbosa.
48
. La Esclavitud en Sevilla (...), Sevilha, 1979, 194
É necessário ter em atenção que os dados usados surgem, preferencialmente, a partir de
meados do século XVI, momento em que o açúcar deixa de ter importância na agricultura
e comércio madeirenses. Esta conjuntura sócio-económica da ilha deverá ter pesado nisso.
A partir de então o escravo alheia-se do sector produtivo, passando a reforçar o grupo de
serviçais das principais famílias, tal como o testemunham alguns estrangeiros que nos
visitam.
A historiografia europeia e americana insistem no facto de que a estrutura fundiária
madeirense, nos séculos XV e XVI, era resultado disso. Todavia isto parece partir de um
pressuposto falso: a cultura açucareira não admitia no seu seio mais que mão-de-obra
escrava. Com isso pretendia-se estabelecer uma visão reducionista da sociedade e força de
trabalho na ilha. A ideia fascinou alguns historiógrafos madeirenses. Foi, de acordo com
isso, que se fez coincidir a mancha da escravatura com a das áreas de maior colheita de
açúcar, mesmo sem dados que o testemunhassem. Estávamos perante uma associação
insofismável, que nem os dados documentais poderiam refutar.
Com isto ignorou-se a realidade histórica mas também as especificidades próprias do
arquipélago. A Madeira, mercê da configuração geográfica, foi definida por uma paisagem
agrária específica, diferente dos grandes espaços continentais. O excessivo parcelamento
das áreas agrícolas (poios), única forma de aproveitamento do solo arável disponível, e a
disseminação na vertente sul e norte, condicionaram o sistema de arroteamento e posse de
terras. As iniciais concessões de terreno foram-se dividindo de acordo com o progresso da
população e as experiências agrícolas. A primeira exploração extensiva propiciou ao
aproveitamento intensivo do solo, baseada nos poios construídos pelos proprietários,
arrendatários ou meeiros. Deste modo é difícil, senão impossível, falarmos da grande
propriedade de canaviais, se nos situamos ao mesmo nível do mundo americano. No caso
americano uma plantação de canaviais encontra-se indissociavelmente ligada a um
complexo industrial - o engenho -para a sua transformação, o que não sucede na Madeira.
Aqui são muitos os proprietários de canaviais mas poucos os de engenho. Esta diferente
estrutura da faina açucareira condicionou outra forma de posicionamento do escravo.
No caso da exploração agrícola madeirense torna-se necessário distinguir dois grupos
de proprietários: os que haviam entregue as terras a foreiros ou arrendatários e os
proprietários plenos. Esta dupla posse da terra marcou de modo evidente a actividade
agrícola e favoreceu o aparecimento e afirmação do contrato de colonia, a partir de finais
do século XVI. Por outro lado a extensão reduzida dos canaviais não obrigava à existência
de um engenho para a transformação da cana, tão pouco um grupo numeroso de escravos.
No início os engenhos de moer cana foram um dos privilégios dos capitães do donatário
e só muito mais tarde começaram a surgir engenhos de particulares. Deste modo a posição
dos escravos na estrutura agrária madeirense deverá ser equacionada de acordo com esta
estrutura e processo evolutivo do sistema de propriedade na ilha. Se é certo que na
exploração directa ou no arrendamento se estabelece uma posição clara para o escravo, o
mesmo não se poderá dizer com o contrato de colonia.
A par da ligação do escravo à fase de cultivo e amanho dos canaviais também se pode
atestar a presença dele nas diversas tarefas ligadas à laboração do engenho. O regimento
dos alealdadores de 150149 refere o serviço especializado, aí diz-se que os mestres e
lealdadores que fizessem açúcar quebrado sujeitavam-se a severas penas e, numa alusão
clara à presença deles, ordena-se que, caso eles fossem cativos, a coima correria pelo
proprietário. O serviço dos escravos poderia assumir duas situações distintas: ajudante dos
oficiais da safra, ou os mesmos operários especializados. Em 148250, numa demanda sobre
a qualidade do açúcar "temperado", depõem perante a vereação do Funchal os mestres de

49
. Ibidem, t. 1, fls. 83vo-94, regimento de 27 de Março, in ibidem, nº 246, 412-413.
50
. A.R.M., C.M.F., nº 1297, fl. 45, vereação de 20 de Abril de 1482.
açúcar, Vaz e André Afonso: o primeiro referia que, por ter estado ausente nas Canárias,
um homem, seu cativo, havia temperado o açúcar, enquanto o segundo, também fora da
ilha, havia entregue o mesmo trabalho a um moço que o servia de soldada.
Na Madeira, a exemplo do que sucedeu nas Canárias51, a mão-de-obra utilizada nos
engenhos era mista, sendo composta por escravos, libertos e livres, os quais executavam
tarefas diferenciadas, sendo os serviços pagos em dinheiro ou açúcar52. Neste grupo de
escravos integram-se aqueles pertenciam ao proprietário do engenho mas também outros
que serviam a troco de uma soldada. No Brasil estávamos perante uma mão-de-obra mista,
mas acontece que os escravos dominavam estes serviços. Eles tanto podiam ser pertença
do proprietário do engenho de canaviais, ou de nutrem, que os alugava.

A JUSTIÇA PARA ESCRAVO. A presença dos escravos na Madeira condicionou os


mecanismos reguladores da sociedade ao nível político-institucional e religioso. Eles,
porque estranhos à sociedade europeia ramificada na ilha, implicaram o estabelecimento de
normas definidoras de convivência social.
Na Madeira, ao contrário do que sucede nas sociedades escravistas do outro lado
do Atlântico, ambas as mundividências se entrecruzam gerando uma convivência social
peculiar. O escravo faz parte do quotidiano do senhor e a ele se mantêm ligado. Não havia
separação entre o mundo do escravo e do livre. Deste modo com as normas, sob a forma de
postura, procurava-se, perpetuar a situação uma vez que tudo o que fosse contrário punha
em causa a ordem estabelecida. Os fugitivos ou os escravos encontrados isolados ou em
grupo constituíam um perigo para a sociedade, por serem fonte geradora de
conflituosidade social. É isso que combatem as posturas ao vedarem aos escravos um
espaço de encontro e convívio. De acordo com a postura de 1473 ele não poderia viver só
ou ser acolhido por libertos. Todas estas medidas podem ser o espelho do temor que os
livres tinham a qualquer atitude de revolta dos escravos.
O escravo carecia, ainda de personalidade jurídica. As leis e a justiça só o admitiam na
posição de réu, nunca a vitima ou testemunha. Por isso ele não gozava da imunidade
eclesiástica, não tinha o direito de fazer testamento, servir de testemunha na feitura de
qualquer acto escrito ou a servir de tutor, somente podia testemunhar nos sacramentos do
baptismo e casamento, pois que dentro da igreja era um cristão com o mesmo estatuto do
livre. A sua presença em actividades conexas como o exercício da justiça era limitada, não
podendo ser ajudante dos homens que a ela estavam ligados.
A justiça tinha uma postura diferente para o escravo e livre, tal como o preceituavam as
ordenações do reino. As penas aplicadas variavam de acordo com o estatuto social. Um
homem que dormisse com manceba, o castigo só tinha lugar quando tal acontecesse com
mulher livre ou branca escrava. O castigo estava de acordo com a condição social do
sentenciado. Quem dormisse com mulher livre era condenado à morte enquanto se fosse
com uma escrava branca sujeitava-se, apenas, ao degredo para as galés. No caso de fogo
posto, o escravo sujeitava-se a açoites no pelourinho, ficando a cargo do senhor o
pagamento dos danos. Já nos outros grupos sociais as penas eram distintas, de acordo com
o estatuto social.
Em toda a legislação referente aos escravos, para além da diferenciação social, está
patente o medo dos livres a uma possível atitude de revolta. A intenção do legislador era
sempre a de estabelecer medidas protectoras de controlo face a tal possibilidade. Primeiro
restringia-se a mobilidade social do escravo, depois exercia-se uma justiça draconiana
sobre os prevaricadores. Todavia, o maior perigo não estava no escravo propriamente dito,
51
. F. FERNANDEZ-ARMESTO, The canary islands after the conquest, Oxford, 1982, 85; Manuel LOBO CABRERA, La esclavitud en las
Canarias orientales en el siglo XVI, Las Palmas, 1982, 232-246, idem, Grupos Humanos en la Sociedad Canaria, Las Palmas, 1979, 36, idem
Los Libertos en la sociedad canaria del siglo XVI, Santa Cruz de Tenerife, 1983, 50-61.
52
. Alberto Vieira, O Comércio Inter-Insular nos séculos XV e XVI , Funchal, 1987, 57.
mas sim nos fugitivos. Eles constituíam um grupo de alto risco e causa de instabilidade
social, por isso a sociedade procurava estabelecer um travão à violência dos escravos,
proibindo-os do uso de armas, limitando o tempo e o espaço de convívio e intervenção
social. As serras da Madeira, dizia-se, estavam polvilhadas de fugitivos que assaltavam,
com frequência os caminhantes. O caso mais célebre foi o do mulato preso por Marcos de
Braga, no actual Terreiro da Luta, que lhe tomou o nome. Com castigo foi posto "a lavrar
como um boi com uma canga e arado"53.
No entender do madeirense João Fernandes Vieira, também ele com ascendência
escrava, uma vez que era mulato, libertador de Pernambuco (1645-54) e Governador de
Angola (1658-61), era "velho e aprovado costume" nunca permitir que o negro levantasse
a mão contra um branco, pois "a preservação do reino depende desta obediência e medo54".
Foi de acordo com esta ideia que se estabeleceram nas ordenações do reino e posturas
municipais as normas de conduta social para os escravos.
O roubo era um dos aspectos que se encontrava associado à condição de escravo.
Escravo é muitas vezes sinónimo de ladrão e criminoso. Mas foi o primeiro que andou
mais associado ao seu quotidiano. A generalização desta pratica no século XVI está
patente na afirmação do Conde de Linhares, que não hesitava em afirmar, que nunca havia
de castigar um escravo por furto, pois "enquanto ele fora cativo, nunca outra coisa desejava
senão furtar55". Para combater esta apetência do escravo ao furto surgiu uma postura em
154656 que proibia a mancebia dele com o livre, nomeadamente o trabalhador, pois dizia-
se que roubavam aos senhores para dar aos parceiros ou para conseguirem a alforria. Na
Madeira os roubos referenciados incidiam sobre objectos ou produtos de pouco valor,
como roupas, aves, gado e alguns produtos da terra, como vinho, canas e frutas.
O maior perigo para a sociedade estava na criminalidade, mais acentuada com os
fugitivos. Giullio Landi57, que esteve na Madeira na primeira metade do século dezasseis,
estabelece uma diferenciação entre os escravos mouriscos e negros, enquanto os primeiros
são referenciados como criminosos e dados a fugir, os segundos são "bons e fiéis". Quanto
às características definidoras do primeiro grupo refere: "E não é de admirar que
dificilmente suportem a escravidão, pois primeiramente foram livres, mas quando são
feitos prisioneiros de guerra, logo são reduzidos à escravidão e mantêm-se agrilhoados".
Os grilhões eram assim companheiros inseparáveis apenas dos mouriscos, pois os negros
só o eram por crime. Em 168758 Hans Sloane é peremptório: apenas uma moeda de ouro
nas mãos de um negro era o "suficiente para comprar a vida de qualquer pessoa".
As ordenações e posturas, pelas medidas restritivas que estabeleciam à convivência
social dos escravos, dão a entender isso: as limitações de uso e porte de qualquer tipo de
arma, o recolher obrigatório após o toque de rebate e a proibição de circularem isolados
sem qualquer ordem do dono, dão conta deste temor.
Uma das formas de justiça exercida pelos proprietários era a negação da possibilidade
de alforria ou a venda para fora da ilha. O bom comportamento era sinónimo, muitas
vezes, de uma posterior alforria por morte do proprietário, mas o mau equivalia a um
futuro pouco agradável para o escravo.
Na aplicação das penas, às infracções cometidas pelos escravos, é necessário ter em
conta a posição assumida pelos proprietários, uma vez que algumas delas poderiam ser-
lhes ruinosas. Era sobre o proprietário que incidiam todas as responsabilidades dos danos
causados e o pagamento das penas pecuniárias. Por outro lado a aplicação das penas de

53
.Gaspar FRUTUOSO, Livro segundo das Saudades da Terra, p.141.
54
. C. R. BOXER, Relações Raciais no Império Colonial Português. 1415-1825, Porto, 1977, 32.
55
. Ditos Portugueses Dignos de Memória, Lisboa, s/d, nº 1459, p. 486.
56
.A.R.M.,C.M.F., nº.1307,fls.50-59.
57
. "Descrição da Ilha da Madeira", ibidem, 92.
58
."Uma viagem às ilhas da Madeira...", in A Madeira Vista porEestrangeiros, p.161
degredo ou de morte tornavam-se igualmente prejudiciais para o mesmo, pois implicavam
uma dupla perda. O senhor perdia o valor pago na compra e privado dos seus serviços. É
por isso que não entendemos a atitude de João Rodrigues Castelhano, ao aprovar a pena de
enforcamento para cinco dos escravos que lhe mataram o feitor59. Diferente foi a atitude de
Diogo Leitão que preferiu pagar cinco mil réis pelo perdão régio a ver-se privado do seu
escravo, Diogo, degredado em Cabo Verde por haver ferido um homem, pois como refere
"nada dele servido tinha porquanto o criara de pequeno e tinha gasto muita de sua
fazenda"60.

A IGREJA E OS ESCRAVOS. A posição da igreja em face do fenómeno é clara: aceita a


escravatura e serve-se dela, reconhecendo no escravo a igualdade com o livre apenas ao
nível religioso. Assim poderá dizer-se que, de um modo geral, a preocupação do clero para
com os escravos se resumiu quase só à condição de cristão e não de Homem como
"animal" social. Deste modo a Igreja intervém mais na reclamação pelo ensino da doutrina
e da assiduidade dos neófitos aos sacramentos, do que em qualquer outro domínio.
Um dos domínios que mais tem preocupado os estudiosos dos aspectos ideológicos
da, escravatura é a posição adoptada pela Igreja: questiona-se o seu procedimento perante a
existência da escravatura e alude-se à dupla posição assumida quanto ao fenómeno no
continente americano. Aí a atitude da Igreja é pautada pela defesa da condição do escravo
ao negro como forma de luta contra a escravização do índio. Neste domínio evidenciaram-
se Frei Bartolomé de Las Casas e o P.e. António Vieira.
As posições manifestadas pela igreja católica nas colónias portuguesas e castelhanas da
América do Sul testemunham essa diversidade de opções, nomeadamente no seio da
Companhia de Jesus: contestava-se e proibia-se a escravização dos índios, mas em
contrapartida favorecia-se a submissão dos negros africanos, não obstante os últimos
serem, no entender de Pierre Cubert61 mais aptos a abraçar o cristianismo. Todavia no seio
da Companhia de Jesus no Brasil surgiram vozes, como as de Miguel Garcia e Gonçalo
Leite, contrárias à escravatura dos negros.
A documentação pontifícia dá-nos conta de idêntica atitude assumida pelo papado em
face da escravatura. O procedimento condenatório dos papas Pio II, Paulo III e urbano
VIII, contrasta com as atitudes de Niculau V, Calisto III, Sixto IV, Leão X e Alexandre VI,
expressa em bulas defensoras da legitimidade da escravatura. Neste último caso merecem
referência as bulas "Dum Diversas" e "Divino Amore Comoniti" que asseguravam aos
portugueses o direito de conquista e escravização dos sarracenos.
A igreja, de um modo geral, não combatia a escravatura mas a sua atitude perante o
escravo não era passiva, pois que procurava por todos os meios trazê-lo ao seu seio por
meio do ensino da doutrina e prática dos preceitos católicos. Não obstante estar proibido
por bula papal a escravização dos cristãos sucede que esta medida só abrangia aqueles que
já o eram e não os que depois assumiam esta condição. O escravo baptizado, casado era,
necessariamente, um cristão, mas continuava como escravo. Apenas na Índia foi decretada
liberdade dos convertidos. Opinião contrária tinham os proprietários que viam nisso uma
quebra do pleno domínio sobre o escravo, e por isso mesmo colocavam vários entraves à
sua doutrinação e prática cultural. Daí resultou a reprovação dos ingleses, proprietários de
escravos, ao baptismo, pois consideravam que tal acto punha em causa a escravatura.
As constituições sinodais dos bispados do mundo atlântico expressam a preocupação
dos pastores da igreja em que os escravos fossem doutrinados e praticassem sacramentos,
com especial relevo para o baptismo e casamento. No Funchal, em Las Palmas ou na Baía,
59
.Gaspar FRUTUOSO, Ob.cit.
60
.A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, livro 46, fl.50, publ. História Geral de Cabo Verde. corpo documental, vol.I, Lisboa, 1988, n.47,
129-130.
61
. Nouveau Voyage aux Isles Atlantiques, 1931, 2, 406, cit. por G. Midlo HALL. Social Control in Slave (...), Londres 1971, 40.
o cuidado era o mesmo, não obstante a diferente dimensão assumida pela escravatura. Na
Madeira, a primeira recomendação neste sentido foi expressa em 1592 pelo bispo D. Luís
de Figueiredo de Lemos, quando da visita à paróquia da Fajã da Ovelha62.
O bispo refere a presença no bispado de inúmeros escravos gentios que, no seu
entender, deveriam merecer a atenção dos vigários. O facto de, segundo o mesmo, alguns
deles terem manifestado o desejo de professar a religião Cristão era o indicativo seguro dos
cuidados a ter com a sua doutrinação. Deste modo o bispo recomendava aos curas e
párocos o cuidado a ter neste domínio, fazendo com que os escravos saibam "a doutrina
christam e ao menos a oração Pater Noster e Ave Maria, os artigos de fé e os mandamentos
da Lei de Deus (...)". Aos fregueses eram também atribuídas responsabilidades neste
âmbito, ordenando-se que aos escravos de mais de sete anos "lhes fação com muita
diligência ensinar a doutrina". Por outro lado advertia-se os párocos para que se
informassem sobre os escravos da freguesia "e achando que não sabem o Pater Noster e
Avé Maria, os artigos de fé e mandamentos de lei de deus proceda(m) contra seus senhores
pera que ensinem ou fação ensinar a dita doutrina, e os mandem a igreja aprendella ao
tempo que a ensinarem(...)".
A insistência da Igreja na doutrinação e prática religiosa dos escravos esbarrava com
inúmeras resistências. Elas tanto poderiam partir dos proprietários como dos próprios
escravos, que se mantinham arreigados aos rituais africanos, ou islamizados. Na Madeira
foi reduzido o número deste refractários ao catolicismo, tal como nos testemunham as
poucas denunciações feitas, quando das visitas do Santo Ofício à Madeira, em 1591 e
1618. O único indicador disso poderá ser revelado pelo elevado número de ligações
ilegítimas. Mas aqui a principal causa deverá ser o facto dos senhores insistirem em manter
as escravas livres do casamento pois delas se serviam muitas vezes como concubinas.
A própria Igreja não se preocupou em levar à risca o preceituado nas constituições
sinodais, administrando de igual forma o baptismo aos escravos nascidos na ilha por
relação ilegítima. A única excepção conhecida deu-se em 154163 na freguesia de Santa
Cruz, onde o pároco se recusou a baptizar uma criança "por que hera filha de huma escrava
negra cativa de Antonio Correia".
Na Madeira, ao contrário do que sucedeu no continente americano, não se estabeleceu
nos registos paroquiais qualquer separação entre escravos e livres. O escravo surge ao lado
do cidadão livre. Até mesmo o tribunal do Santo ofício atribuía tratamento idêntico, em
termos processuais aos escravos e livres, na qualidade de réus ou de denunciantes. Esta
valorização do testemunho ou denúncia feitos pelo escravo, que por vezes atingem o
próprio proprietário64, são reveladores da consideração que o tribunal lhes atribuía. Na
Madeira, para a visita de 1618, foram referenciados cinco mulheres e um homem como
denunciantes, todos livres, mas cuja origem étnica é indicativo da anterior condição de
escravo.
Outro facto comparativo da plena integração religiosa dos escravos na comunidade é-
nos apresentado pelo ingresso em conventos ou de colação de ordens menores. Aqui, a
exemplo do reino, temos escravos e libertos nesta situação: em 153865 Manuel, liberto de
Francisco Narde, recebeu a primeira tonsura, enquanto em 156366 Álvaro Gonçalves,
mulato, é referido no registo de óbito como clérigo de missa. Por vezes resultava do desejo
manifesto do proprietário, como sucedeu com Agostinho, escravo de dona Guiomar de
Couto67 e Maria dos reis, escrava de D. Luís de Figueiredo lemos, bispo do Funchal68.
62
. Arquivo Paroquial da Fajã da Ovelha, Livro de Visitações 1587-1730, fls. 14-15.
63
. A.R.M., Paróquias, M-833, fl. 217, 5 Fevereiro 1541.
64
. A.C. SAUNDERS, A Social History of Black Slaves and Freedman in Portugal. 1441-1555., Cambridge, 1982, 159.
65
. A.N.T.T., Cabido da Sé do Funchal. Livro de Matrículas de ordenados em ordens menores, nº 29, fls. 70vº.
66
. A.R.M., Paroquiais Sé, nº 68, fls. 36vº,16 Maio 1563.
67
. A.R.M., Capelas, maço 7, nº 4, 18 Setembro 1604.
68
. Francisco Afonso Chaves e MELLO, "A Margarida Animada", in Arquivo dos Açores, vol. I, p. 293.
Temos também alguns casos de entrada em conventos, nomeadamente dos do sexo
feminino, como o referimos na explicitação das obrigações referentes a alforria dos
escravos. Assim aconteceu com Antonia, escrava do capitão Domingos de Figueiredo
Calheiros69, Teresa do P.e. Manuel Dias Pinheiro70, Paulina de Apelonia Távora71 e Isabel
de Maria de Câmara72. Estranhamente o cónego Henrique Calaça, fundador do Convento
da Encarnação do Funchal, contrariou o desejo de uma sua irmã quanto ao ingresso no
convento da escrava que lhe havia legado. Esta atitude é justificada no testamento da
seguinte forma: "me parece que ella nam queria ficasse forra, e assim o digo que fique
forra e como tem sua filha no mosteiro não deixará de continuar lá que não será de
perda73".
A administração de qualquer sacramento implicava um conhecimento mínimo da
doutrina mas no caso dos escravos esta recomendação era quase sempre esquecida. Nas
Constituições Sinodais de 1597 o bispo D. Luís de Figueiredo de lemos refere o escravo
como pessoa ignorante no conhecimento da religião e a necessidade de se providenciar o
ensino da doutrina antes de ser baptizado. Para os restantes sacramentos (crisma,
casamento e extrema-unção), não obstante a obrigatoriedade de conhecimento da doutrina
as normas não foram tão rigorosas como se poderá avaliar pelas mesmas constituições.
Um dos melhores aferidores da religiosidade dos escravos e libertos poderá ser a
presença ou não no baptismo, crisma, casamento e óbito. Enquanto os três primeiros actos
são puramente litúrgicos, o último evidencia uma intenção diversa uma vez que era por aí
que a Igreja controlava a execução dos encargos testamenteiros. O escravo e o liberto não
tinham lugar de relevo no último caso, pois as suas precárias condições económicas, como
vimos, não lhes permitia muitos encargos ou legados. Daí, talvez, o facto da pouca
assiduidade nestes registos, contrastante com a dos de baptismo.
A Igreja depara-se com um dilema: doutrinariamente reclamava a luta contra a
mancebia dos escravos e livres, mas na prática, confrontada com a presença de uma
criança para baptizar, ignorava-o, ficando sem exercer qualquer represália sobre os pais,
como preceituavam as Constituições Sinodais: as constituições de 1585 estabeleciam que a
cópula antes e sem casamento era condenada com a pena de excomunhão74.
A posição assumida pelos escravos e libertos perante a morte é, sem dúvida, outro
indício da religiosidade do grupo. A ideia da morte veiculada pela Igreja está patente nas
cédulas e testamentos. O recurso a estes documentos, transcritos no registo de óbito ou
tombados em alguma instituição que hajam recebido legados, permite tal conclusão. No
caso dos escravos, sem meios necessários para assegurar a intercessão celestial por
intermédio dos encargos de missas, a sua presença é quase nula. Apenas nos registos de
óbito encontramos oito deles que estabeleceram tais cargos, sendo seis do sexo feminino e
dois do masculino. Em qualquer dos casos não foi feito testamento, sendo o último desejo
expresso, de viva voz, quando administrava a extrema-unção.
A reduzida presença dos escravos a solicitar a intercessão divina por meio de encargos
de missas não pode de modo algum ser o indicativo da fraca adesão ao ritual religioso da
morte, mas sim o resultado dos parcos recursos económicos. Os testamentos ou cédulas,
tombados nas Misericórdias, no Julgado de Resíduos e Capelas e, raramente, nos registos
de óbito, só tem lugar quando o morto estabelecia doações ou encargos que interessavam a
estas instituições.

69
. A.R.M., Juízo dos resíduos e Capelas. tombo fls. 386-388v., Funchal 21 Junho 1658.
70
. A.R.M., Capelas, maço 137, nº 10, Fajã da Ovelha, 11 Setembro 1696.
71
. Ibidem, maço 17, nº 10, Ribeira Brava, 15 Janeiro 1683.
72
. A.R.M., Juízo dos resíduos e Capelas, tombo fls. 350vº.-353, Câmara de Lobos, 2 Outubro de 1676.
73
. A Restauração de Portugal e o Convento de Encarnação, 1940, 39.
74
. Constituições Sinodaes do Bispado do Funchal, Lisboa, 1597, título I, Constituição primeira, p. 3-4.
Em todos eles é patente o recurso à protecção do hospital da Misericórdia e o
reconhecimento da obra caritativa do mesmo. Os encargos e legados são estabelecidos,
maioritariamente, para a instituição. Muitos reclamavam os préstimos religiosos da
instituição ao pretenderem enterrar-se na capela e lhe concederem também encargos de
missa.
Um dos aspectos de particular significado na cerimónia fúnebre dos escravos e libertos
é o local de enterramento. É evidente a preferência por determinados templos e neles de
certas capelas. No Funchal, a par da capela da Misericórdia, temos as igrejas da Sé e Nossa
Senhora do Calhau. Neste último templo havia uma confraria de Nossa Senhora do rosário
dos pretos, que deveria estar na origem insistente preferência por este templo.
A par do ritual de enterramento, havia a escolha do espaço onde "repousava" o morto.
De acordo com as informações colhidas nos registos de óbitos só os libertos podiam ser
sepultados dentro da Igreja. Os escravos eram, de um modo geral, enterrados na cova
pertencente à fábrica da igreja, local para onde iam todos aqueles que não tinham meios
para pagar a sepultura. Mas para alguns, a quem o senhor reconhece os seus préstimos, há
lugar na cova do mesmo. Assim sucedeu com Leanor, preta, forra de Gaspar Nunes, com
Lourenço e Marta ambos da Tabua.
Em 1580 o cabido da Sé do Funchal manifestou-se contra os frades do convento de S.
Francisco por eles consentirem maior número de enterramentos na capela, angariando os
consequentes legados. A conclusão do litígio só teve lugar em 161575 com as Constituições
Sinodais de D. Frei Lourenço de Távora: nelas se ordenava aos curas e vigários que não
consentissem enterrar "menores e escravos fora de suas igrejas e cemitérios ou hermidas
anexas, em especial no convento de S. Francisco e mais igrejas de religiosos e religiosas".
Esta determinação testemunha que muitos dos escravos preferiam as sepulturas das capelas
dos conventos e que aí eram enterrados fora delas.
Outro aspecto de particular interesse na devoção dos escravos foi o aparecimento das
suas confrarias. Trata-se de instituições de assistência na vida e na morte, cujo início e
afirmação foi resultado da influência dos franciscanos e dominicanos. O culto a Nossa
Senhora do Rosário encontra-se ligado à tradição dominicana, tendo surgido em Portugal
na segunda metade do século XV, a partir da Igreja de S. Domingos em Lisboa. Todavia, a
assimilação deste culto pelos negros da capital, através da confraria de Nossa Senhora do
Rosário, ter-se-ia iniciado em data incerta.
O culto a Nossa Senhora do Rosário expandiu-se a todo o espaço atlântico, tendo
expressão nas ilhas e Américas. Na Madeira, não obstante as ausências dos dominicanos, o
culto do Rosário teve forte implantação, existindo a confraria respectiva nas freguesias da
Sé, Nossa Senhora do Calhau, E. da Calheta, Ribeira Brava, Santo António, São Martinho,
Tabua, Porto Santo, Machico e São Vicente. Além disso deparamo-nos, a partir do século
XVII, com algumas capelas particulares em que o orago é Nossa Senhora do Rosário. Elas
existiram em São Vicente, Machico, S. Roque, Santa Cruz, São Jorge e Campanário.
A devoção de escravos e libertos não se resumia apenas à confraria de Nossa
Senhora do Rosário. A prova destá na freguesia da Sé com Maria Afonso, preta, e Isabel
Dias, mulata, que estabeleceram encargos nestas e noutras, como a de Santiago Maior,
Reis Magos, das Chagas, Nossa Senhora do Populo, Candelaria, São Bartolomeu, São
José e São Diogo. Mas é evidente a acentuada preferência por Nossa Senhora do Rosário.
A primeira ao estabelecer o valor de legados às confrarias privilegia a do Rosário a quem
concede 300 reis e um sobrado, enquanto a segunda doou uma loja e fez um encargo de
duas missas no altar da Sé com a mesma invocação.

75
. A.N.T.T., Cabido da Sé do Funchal, Maço 11, nº 3.
O altar de Nossa Senhora do Rosário da Sé do Funchal era alvo de uma devoção
especial pelos libertos e escravos. Em 160876 Maria das Neves, mulata forra, foi sepultada,
a seu pedido, defronte do referido altar. Por outro lado é de referir que nas três situações
em que aparecem legados para a confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Prestos, da
freguesia de Nossa Senhora do Calhau, os intervenientes não declaram qualquer situação
étnica o que poderá ser um indício de que nas citadas confrarias havia lugar para livres,
libertos e escravos.
A confraria não se resumia apenas à função religiosa, pois a ela também estavam
associados outros interesses de ordem social. No caso dos negros a de Nossa Senhora do
Rosário ainda providenciava o necessário apoio social aos irmãos e os meios exigidos pela
alforria. Na Madeira não conhecemos nenhum caso de libertação por esta via, mas
sabemos que em 162277 Catarina Gonçalves entregou à mesma quinze mil réis com tal
objectivo.
O culto do Nossa Senhora das Neves, comum nos escravos, não desfrutou de grande
aceitação na Madeira, uma vez que apenas está documentada a existência de uma capela
em S. Gonçalo, dedicada a este orago, mandada construir no século XVI por João Afonso
Mealheiro e a sua mulher Catarina de Sá: nenhum dos dois é referenciado como possuidor
de escravos, nem encontrámos qualquer alusão por parte dos escravos a este culto.

2.4. AS INFLUENCIAS CULTURAIS DOS ESCRAVOS. O estigma traçado pela


sociedade a esta minoria reflecte-se até mesmo nas possíveis influências e
reminiscências resultantes da sua presença. Ficou testemunhado que um significativo
número de escravos de Canárias, Norte de África e Costa da Guiné deverá ter propiciou
algumas influências ao nível social e material, múltiplos contributos ao quotidiano
madeirense, nomeadamente no folclore e na alimentação.
No campo do folclore regional, as músicas e as danças, que não se enquadram
no filão português, são, imediatamente, associadas a este grupo, como é o caso do baile
pesado, mourisca, canção de embalar e o baile da meia volta78. A maior parte dos
autores que o defendem têm como mira a situação da escravatura do Brasil. Acontece
que aí ela assumiu proporções muito diferentes das que adquiriu no arquipélago
madeirense. A forma de dominação e sociabilidade daí decorrentes favoreceram no
Brasil a manutenção nas senzalas dos usos e costumes das terras de origem. Os dados
avulsos sobre o quotidiano dos escravos permitem-nos questionar algumas falsas visões
em que se filiam as explicações dadas para a origem das danças e cantares. O escravo,
negro ou berbere, era um filão em permanente descoberta.
Avaliar o contributo de uns e outros, eis a tarefa espinhosa que nos espera, a
historiadores e estudiosos do Folclore. Uma primeira ideia se impõe. Na Madeira a
escravatura foi algo diferente daquilo que sucedeu no Brasil. A dispersão geográfica das
áreas arroteadas, o reduzido número de escravos por proprietário e as limitações ao
espaço de convívio social, não favoreceram este tipo de convivência. Ainda, na
Madeira, tendo em conta as limitações impostas pelas posturas à circulação dos
escravos após o sino de correr, parece-nos difícil, senão impossível, encontrar um
momento para eles se divertirem em conjunto, com as suas danças e cantares. Mais, será
possível encontrar entre o reduzido número de escravos de cada senhor um grupo da
mesma etnia ou cultura, capaz de recriar as suas danças e cantares? Desta forma apenas
lhes restavam os momentos de folia estabelecidos para o proprietário, a que certamente
não deviam ser alheios: com os jogos de canas, as touradas e lutas.

76
. A.R.M., Paroquiais - Óbitos-Sé, nº 73, fls. 40vº
77
. A.R.M., Paroquiais. Óbitos-Sé. Nº 73, fls. 143, registo de 8 de Setembro.
78
.confronte-se o estudo de Danilo Fernandes,
O escravo é parte integrante da sociedade madeirense, não existindo qualquer
separação ou delimitação espácio-social. O mundo do escravo entrecruzava-se com o do
livre. A dimensão reduzida do arquipélago, associada à forma de estruturação da
sociedade e economia fizeram com que esta simbiose se concretizasse em pleno. Os
regimentos régios, as posturas municipais, insistiam na necessidade de controlo, no
acanhado espaço de convívio, do escravo, no sentido de evitar qualquer situação
propiciadora da revolta. Estamos perante um processo de assimilação forçada, que deixa
pouca margem de expressão à cultura dominada. Perante isto, o escravo estava
amarrado ao quotidiano do senhor e só se poderia desprender-se dele em condições
especiais e mediante o seu consentimento. O escravo só existe em relação ao
proprietário, pois era ele quem lhe atribuía posição na estrutura social. Desde o nome,
que o identifica, à profissão, que ocupa, no dia a dia, e ao cumprimento dos preceitos
religiosos, a figura do proprietário é omnipresente. Com as escravas a ligação é mais
estreita, servindo muitas vezes de concubinas.
Há aqui uma questão fundamental que tem sido preterida pelos estudiosos e
defensores das aportações africanas à cultura madeirense. A Africa foi e continua a ser
um mosaico de culturas. Por isso, defender a aportação africana implica a busca desta
diversidade cultural, que é como quem diz, da origem geográfica e étnica dos escravos
que vieram para a Madeira. A Costa da Guiné, um dos principais mercados fornecedor
de escravos para a Madeira, é, também, como sabemos, um autêntico mosaico de
culturas e etnias79. Esta ideia é tida em conta por todos os estudiosos da cultura negra às
regiões aonde chegaram os africanos. Somente entre nós este tipo de comportamento é
esquecido80. Por tudo isto, podemos afirmar que estamos perante um campo ainda em
aberto a aguardar um tratamento cuidado pelos investigadores. Por exemplo, o
alargamento da investigação ao período final da permanência do fenómeno na ilha
poderá propiciar-nos novos dados capazes de justificarem o desenvolvimento dos rastos
e testemunhar, ainda hoje, a sua presença na sociedade madeirense.
Às possíveis reminiscências da presença dos escravos na ilha podemos ainda
colocar outras questões. A evolução da escravatura desde o século XV até à sua
abolição não foi unilinear e não é entendida por muitos. Na Madeira é evidente a
incidência nos primeiros cem anos de ocupação, até que foi chegado o momento da
maior procura pelo mercado americano. Para os eruditos esta realidade é ignorada,
sendo a escravatura negra ou mourisca uma constante da História da ilha.
Há ainda muito a fazer e a repensar sobre o contributo cultural da população
escrava à sociedade e cultura madeirenses. A sua definição e permeabilidade às
influências externas devem ser feitas num correcto enquadramento histórico. Só assim
estaremos em condições de afirmar que o actual folclore madeirense é a manifestação
sincrética de múltiplas influências e da evolução no tempo. Definir uma e outra situação
é tarefa do investigador, a quem se depara um vasto campo a desbravar. Tudo se
misturou, por uma poção mágica, dando origem às múltiplas manifestações das danças e
cantares que ritmaram as tarefas agrícolas, e ficaram a evidenciar a transbordante
alegria do íncola nas festas populares e de homenagem aos oragos e santos da sua
devoção.

79
. São muitos os estudos feitos, confronte-se: Artur Ramos, As Culturas Negras no Mundo Novo, S. Paulo, 1979(1 edição em 1937);
Philip Curtin, Atlantic Slave Trade, Madison, 1969; Basil Davidson, Revelando a velha Africa, Lisboa, 1977; idem, À descoberta do
passado de África , Lisboa, 1981; idem, Os Africanos. Uma introdução à sua História, Lisboa, 1981.
80
. Tenha-se em conta o que foi dito e feito para outras áreas: Roger Bastide, African Civilisation in the New World, N. York, 1971;
idem, Las Americas Negras, Madrid, 1969; Artur Ramos, O Folclore negro no Brasil, 1ª edição, 1935; Eugene D. Genovese, Roll,
Jordan roll. The World the slave made, N. York, 1974; Daniel C. Littlefield, Race and slaves, Baton Rouge, 1981; Sterling Stuckey,
Slave Culture: nationalist theory & the foundations of black America, N. York, 1987; JJJ. William Harris, Society and Culture in the
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