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Memória, humor e emoção – Pergher et al.

Artigo de revisão

Memória, humor e emoção

Giovanni Kuckartz Pergher*


Rodrigo Grassi-Oliveira**
Luciana Moreira De Ávila***
Lilian Milnitsky Stein****

INTRODUÇÃO como possuindo um caráter de reatividade,


geralmente breve, intensa e circunscrita,
Este artigo tem por objetivo apontar relacionada a um evento ambiental
algumas das possíveis relações entre específico1. “Humor”, por sua vez, é concebido
processos emocionais e de memória, bem como como sendo uma característica mais estável e
algumas implicações destas interações. Para constante, tendendo a ser mais abrangente e
tanto, iniciaremos com a definição de termos não tão vinculado a circunstâncias
relevantes para a presente proposta. específicas 2 . Por fim, “afeto” é um termo
Uma primeira definição a ser feita diz utilizado para se referir à capacidade de
respeito aos termos “emoção”, “humor” e subjetivação e expressão da resposta
“afeto”. No presente trabalho, optamos por emocional; seria a qualidade e o tônus
utilizar uma convenção que tem sido usada na emocional que acompanham uma idéia ou
literatura para distinguir estes três termos. representação mental, ou, em outras palavras,
Nessa convenção, “emoção” é compreendida o componente emocional de uma idéia3.
Gostaríamos de ressaltar que algumas das
pesquisas citadas no presente artigo não
O presente trabalho foi realizado pelo Grupo de Pesquisa em Processos trabalham com essas definições, utilizando os
Cognitivos (GPPC), Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, e
termos “humor”, “emoção” e “afeto” em
recebeu apoio do CNPq e da CAPES. diferentes sentidos. Contudo, optamos por
* Psicólogo, Mestrando em Psicologia Social e da Personalidade, PUCRS, manter a nomenclatura presente nos trabalhos
Porto Alegre, RS. originais, tecendo comentários críticos quando
** Médico psiquiatra, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, cabível.
Doutorando do Pós-Graduação em Psicologia, PUCRS, Porto Alegre, RS.
O presente artigo será apresentado da
*** Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, PUCRS,
Porto Alegre, RS. seguinte forma: primeiramente, abordaremos as
**** Psicóloga, PhD em Psicologia, Professora do Pós-Graduação em relações entre humor e memória e, em seguida,
Psicologia, PUCRS, Porto Alegre, RS. as interações entre emoção e memória. Por fim,

Recebido em 28/03/2005. Aceito em 04/11/2005. 61

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Memória, humor e emoção – Pergher et al.

serão discutidas algumas implicações dos indivíduos já se encontravam em um estado de


estudos sobre emoção e cognição para áreas humor eutímico, foram testadas suas memórias
aplicadas, destacando-se as contribuições para os materiais aprendidos. Em ambos os
oferecidas para prática da psicoterapia e da experimentos, observou-se um aumento
psicologia/psiquiatria forense. significativo nos índices de recordação em
O processo de busca das referências que condições de codificação congruente com o
comporiam o presente artigo foi realizado da humor (por exemplo, palavras tristes quando o
seguinte maneira: pesquisou-se nas bases de humor induzido era de tristeza), em relação às
dados MEDLINE e PsycINFO as palavras- condições de incongruência com o humor (por
chave mood and memory e emotion and exemplo, palavras alegres quando o humor
memory. Foram incluídos tanto artigos quanto induzido era de tristeza).
capítulos de livro, já que a proposta do artigo Segundo Forgas 6 , a explicação para
era realizar uma revisão teórica o mais resultados, como os acima descritos, está no
abrangente possível, sem pretensões de ser fato de que os indivíduos que se encontram em
exaustiva. um estado particular de humor geram mais
associações para as informações que vão ao
HUMOR E MEMÓRIA encontro desse humor, codificando-as mais
eficazmente. Corroborando com essa hipótese,
Nesta seção, serão abordados três estão os achados de que participantes alegres
fenômenos, quais sejam: memória congruente ou tristes passam um tempo maior estudando
com o humor (MCH), memória dependente do materiais que são congruentes com seus
humor (MDH) e memórias autobiográficas humores e menos tempo com materiais
supergeneralizadas (MAS). Para cada um incongruentes6,7.
destes fenômenos, serão apresentados Já a recuperação congruente com o humor
fundamentos empíricos e teorias explicativas. tem como característica um aumento na
recordação de materiais com o mesmo tom
Memória congruente com o humor afetivo do estado de humor atual da pessoa8.
Segundo Ellis & Moore 2 , a recuperação
O fenômeno da MCH pode ser definido congruente com o humor é menos
como a tendência de codificar ou recordar freqüentemente observada, e seus exemplos
materiais quando nos encontramos em um são menos conclusivos quando comparados à
estado afetivo consistente com a valência codificação congruente com o humor. Os
afetiva desses conteúdos2. Isso significa que, estudos apresentados como evidência de
por exemplo, um indivíduo que se encontra em recuperação congruente com o humor podem
um estado afetivo de alegria irá codificar e/ou apresentar vieses, já que a valência afetiva do
recuperar mais facilmente, e em maior número, material está quase sempre associada ao
as informações que contenham um afeto estado de humor do indivíduo no momento do
positivo do que aquelas que contenham evento. Nas pesquisas típicas envolvendo a
materiais depressivos e afetos negativos. O recuperação congruente, o estado de humor do
processo de MCH pode ser dividido em dois indivíduo é avaliado ou induzido. Um
momentos: 1) codificação congruente com o experimento demonstrando esse tipo de
humor e 2) recuperação congruente com o processo de MCH foi conduzido por Johnson et
humor. al. 9 . Nesse estudo, os participantes –
Na codificação congruente com o humor, a estudantes de graduação – estavam divididos
informação é aprendida de forma mais eficaz em uma amostra clínica de deprimidos e não-
devido a sua valência afetiva, que é consistente deprimidos. No experimento, era fornecida uma
com o estado de humor do indivíduo no série de tarefas aos participantes, e, ao final,
momento da aprendizagem. Em dois era pedido que eles lembrassem o conteúdo
experimentos desse tipo4,5, participantes foram das tarefas em que tinham obtido sucesso ou
primeiramente induzidos a um determinado fracasso. Como esperado, as tarefas em que
estado de humor através de métodos como houve fracasso foram mais lembradas pelos
hipnose ou através da escuta de músicas participantes deprimidos, e as tarefas onde
carregadas afetivamente. Esse procedimento houve sucesso foram mais lembradas pelos
era seguido por uma etapa de aprendizagem, indivíduos não-deprimidos. Ou seja, a
onde os participantes tinham a tarefa de recordação está afetada pelo estado de humor
memorizar listas de palavras tristes ou alegres. atual da pessoa, relacionado à valência afetiva
62 Em um momento posterior, quando os do material utilizado8.

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Em relação à MCH, pode-se concluir que, na recuperação, recordavam mais palavras do


em geral, seus efeitos ocorrem sob influência que os indivíduos que se encontravam em
da maior parte dos estados de humor, porém, estados de humor diferentes.
na depressão clínica e na depressão induzida, As explicações para a MDH concentram-se
seus efeitos parecem ser ainda maiores 8,10. em duas áreas. A primeira diz respeito a
Outro fator que parece interferir decisivamente aspectos específicos de estados de humor,
na MCH é a força afetiva do material a ser abrangendo tanto metodologias utilizadas em
estudado. Por exemplo, Rinck et al. 11 sua indução quanto a intensidade dos estados
observaram os efeitos clássicos do humor de humor experimentados pelos participantes.
congruente quando as palavras que eram A segunda explicação para o fenômeno da
estudadas tinham um alto tom afetivo, ou seja, MDH, por sua vez, está relacionada ao tipo ou
eram muito carregadas emocionalmente, natureza do material utilizado na testagem da
possuindo elevada valência afetiva. Porém, memória.
quando as palavras possuíam um médio tom Quanto a aspectos específicos dos estados
afetivo, eram encontrados efeitos de de humor, a MDH não é afetada de forma
incongruência com o humor. Assim, de modo significativa pelo tipo de procedimento de
geral, pode-se concluir que a MCH depende de indução de humor13, embora apenas alguns
materiais intensamente carregados de emoção. estados tenham sido experimentalmente
examinados. A MDH tem maior probabilidade
Memória dependente do humor de ocorrência quando, nos estudos, são
induzidos estados contrastantes (por exemplo,
A MDH se refere a um aumento da tristeza versus felicidade), preferencialmente
probabilidade de o indivíduo lembrar materiais àqueles estados de humores neutros14. Assim
que foram aprendidos em um estado particular como na MCH, a MDH fica mais evidente
de humor2. Assim, se uma pessoa ouve uma quando os estados de humores são mais
determinada história enquanto se encontra em intensos 15 . Pesquisadores levantaram a
um humor triste ou depressivo, como, por hipótese de que humores mais intensos levam
exemplo, em um funeral, esta história a associações intensas com os materiais, e,
(independentemente de seu tom afetivo) será assim, quando o estado de humor na
mais facilmente lembrada quando o indivíduo recuperação das informações combina com
estiver novamente em um estado de humor aquele da codificação, o estado de humor
triste. funciona como uma importante pista para
A MDH se diferencia da MCH porque, na recuperar os materiais de memória16.
primeira, o importante é a consistência do Em relação ao tipo ou natureza do material
estado de humor na codificação e recordação. a ser memorizado, Ucros14 concluiu que a MDH
Na segunda, por sua vez, a questão crucial é a é menos provável de ocorrer com testes de
consistência entre o humor no momento da memória feitos em laboratório do que com
codificação e/ou recuperação e o conteúdo eventos reais de vida que possuem um maior
afetivo das informações a serem aprendidas e/ significado. Corroborando essa conclusão, Eich
ou recuperadas. et al. 17 solicitaram aos participantes que
O estudo clássico feito por Bower et al.12 primeiro gerassem eventos autobiográficos em
fornece um bom exemplo de um típico um estado de humor particular, para depois
experimento analisando a MDH. Nessa recordarem esses eventos alguns dias depois.
pesquisa, era pedido aos participantes que Como resultado, os autores encontraram que,
estudassem duas listas de palavras quando em estado de humor consistente na
emocionalmente neutras, uma enquanto geração e recuperação, os participantes
estavam felizes e outra enquanto estavam recordavam melhor as memórias anteriormente
tristes. Mais tarde, os participantes lembravam geradas.
o maior número de palavras que conseguissem, A maioria dos estudos citados valeu-se da
em qualquer um dos dois estados de humor utilização de procedimentos artificiais de
(feliz ou triste). Assim, o estado de humor da laboratório para indução dos estados afetivos,
recordação poderia ser consistente ou quando da investigação dos fenômenos da
inconsistente com o estado de humor da MCH e da MDH. Tais manipulações de indução,
codificação do material. Com esse contudo, não levam a alterações duradouras,
procedimento, os autores observaram que caracterizando os estados obtidos mais como
indivíduos que se encontravam no mesmo uma reação emocional ao procedimento do que
estado de humor, tanto na codificação quanto propriamente uma modificação estável do 63

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humor. Em outras palavras, é difícil afirmar experimentos, adultos com o diagnóstico de


com precisão se os resultados obtidos a partir depressão maior e participantes-controle sem
de alterações momentâneas do estado afetivo este diagnóstico foram avaliados em termos de
seriam verificados também quando os humores suas capacidades para resolver problemas
investigados sofrem modificações naturais, as (mensurada através da efetividade das
quais se caracterizam por uma maior soluções oferecidas para lidar com situações
estabilidade. Além disso, um outro fator de sociais propostas) e de recuperar memórias
confusão presente nos estudos onde o “humor” autobiográficas específicas. Em linhas gerais,
é induzido experimentalmente é o de que os os dados obtidos indicaram que os indivíduos
participantes podem responder aos testes de com maior tendência a uma recordação
memória influenciados por suas expectativas supergeneralizada tendiam a apresentar
quanto às intenções do pesquisador, gerando soluções menos efetivas para as situações
um possível viés nos resultados obtidos. propostas durante a tarefa de resolução de
problemas. Em outras palavras, os resultados
Memórias autobiográficas de Goddard et al.19 apontaram para uma estreita
supergeneralizadas relação entre desempenho deficitário em
tarefas de resolução de problemas e
As memórias autobiográficas (ou recuperação supergeneralizada da memória
episódicas) são lembranças que o sujeito autobiográfica, observações estas
possui acerca de si próprio e de sua vida. Neste corroboradas por outros estudos20.
tópico, abordaremos especificamente uma das Uma outra implicação das MAS para os
características das memórias autobiográficas transtornos depressivos envolve a habilidade
de pessoas com depressão. Assim, os estudos para imaginar o futuro. É com base na
a seguir apresentados investigam a memória lembrança de eventos passados que
em indivíduos com alterações patológicas e fundamentamos nossas expectativas sobre o
duradouras do humor, as quais vão além de futuro 21 . Portanto, quando o passado é
circunscritas modificações produzidas em recuperado de maneira difusa e inespecífica,
laboratório. Particularmente, explanaremos as projeções acerca do que está por vir
sobre as MAS, que se referem a uma propensão possivelmente também o serão.
de indivíduos depressivos a recordarem do Dados empíricos, que corroboram a
próprio passado de uma maneira existência de associação entre MAS e
demasiadamente sintética, genérica e dificuldades para imaginar o futuro, foram
inespecífica. Em outras palavras, pacientes apresentados por Williams et al.22. Em seus
com depressão possuem grande dificuldade experimentos, indivíduos que tentaram suicídio
para se lembrarem de eventos específicos que (a maioria com diagnóstico de depressão) e
ocorreram ao longo de sua história de vida, indivíduos-controle, sem história de depressão,
restando apenas lembranças nebulosas e foram testados quanto a suas habilidades de
difusas acerca de suas trajetórias. Assim, fica recuperar memórias autobiográficas
caracterizada uma tendência de processamento específicas e de construir (isto é, imaginar)
mnemônico supergeneralizado17. cenários futuros de maneira detalhada.
As MAS possuem uma série de Conforme o esperado, foi verificado que o
implicações, que vão desde a etiologia até a grupo de pacientes suicidas apresentou
manutenção de quadros depressivos. No maiores índices de recuperação de MAS e
presente artigo, optamos por abordar três construiu cenários futuros mais genéricos. Além
destas implicações, quais sejam, 1) déficits nas disso, foi evidenciada uma importante relação
habilidades de resolução de problemas, 2) entre a inespecificidade das memórias
dificuldade para imaginar o futuro e 3) recuperadas e dos cenários imaginados,
facilitação do cometimento de atos suicidas e sugerindo que uma recordação não-específica
para-suicidas. Esta divisão em três implicações da memória autobiográfica limita a capacidade
das MAS foi realizada para fins didáticos, uma de imaginar o futuro de maneira detalhada.
vez que, na prática, os referidos processos não A terceira implicação das MAS é fruto de
ocorrem de maneira independente18. uma associação entre os déficits nas
A hipótese de que uma propensão a habilidades de resolução de problemas e as
recuperar memórias autobiográficas de maneira dificuldades para imaginar o futuro, que pode
supergeneralizada levaria a déficits nas levar a um maior risco de suicídio.
habilidades de resolução de problemas foi Sabe-se que as pessoas que cometem atos
64 testada por Goddard et al. 19 . Em seus suicidas usualmente encontram-se numa

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situação de grande desesperança, ou seja, Do ponto de vista experimental, refere-se ao


possuem uma visão muito negativa do futuro, estado afetivo/fisiológico que um indivíduo
associada a uma incapacidade percebida do apresenta na vigência de um teste de memória
indivíduo para modificá-lo num sentido sob condições de estresse27.
favorável23. Os pesquisadores interessados em estudar
Tendo em vista que projeções acerca do o efeito da emoção na memória devem poder
futuro são estabelecidas com base em separar “emoção” de outros importantes
lembranças do passado, é razoável supor que, fatores, potencialmente influenciadores, como
quanto menos precisas forem as recordações, o fato de os eventos emocionais serem
menos acuradas serão as expectativas quanto recontados diversas vezes ou serem únicos e
ao que está por vir 22 . Neste sentido, a inusuais. Em virtude de sua natureza fisiológica,
recuperação inespecífica da memória poderia medidas de parâmetros fisiológicos durante a
ter um papel fundamental na gênese das ativação emocional ou o uso de escalas
crenças centrais de indivíduos suicidas, uma específicas para padrões comportamentais são
vez que está na base da elaboração de uma boa opção para esses estudos. Apesar
projeções demasiado nebulosas acerca de desses parâmetros serem respeitados, os
circunstâncias vindouras, dificultando o estudos produzem resultados inconsistentes
estabelecimento de expectativas mais quanto à influência da emoção na memória,
realísticas acerca do futuro. Além disso, as MAS quais sejam: 1) facilitação da memória, 2)
promovem uma percepção de estaticidade da prejuízo da memória ou 3) facilitação de alguns
situação atual, uma vez que, com habilidades aspectos da memória e prejuízo de outros.
de resolução de problemas deficitárias, não há Assim, as teorias que tentarem abarcar a
como ter perspectivas de mudanças e/ou conexão entre memória e emoção deverão
melhorias iminentes. buscar explicar essas inconsistências, além de
Diversos estudos investigaram a qualidade considerarem as questões fisiológicas e
da recuperação da memória autobiográfica em comportamentais envolvidas na aquisição,
indivíduos suicidas. Em tais pesquisas, foram codificação, consolidação e recuperação de
sistematicamente verificados maiores índices informações. Por esse motivo, as variáveis
de recordações supergeneralizadas de neurobiológicas não podem ser
indivíduos que já tentaram suicídio em relação desconsideradas no estudo da memória e
a controles24,25. emoção.
Vale ressaltar, contudo, que o estudo da A emoção pode ser manipulada
memória em pessoas que sofrem de transtornos experimentalmente apresentando-se, por
depressivos possuem algumas limitações. Em exemplo, uma seqüência de slides
primeiro lugar, a maioria dos estudos não representando eventos estressores e
controla a utilização de medicações, fator este potencialmente emocionais, como um assalto
que pode interferir de maneira significativa nos ou ameaça, com a intenção de simular uma
resultados. Em segundo lugar, a recorrência situação de testemunho real dessas
dos episódios de humor pode afetar o situações28. Esse tipo de manipulação tende a
processamento de informações do indivíduo. prejudicar o desempenho em testes de
Assim, estudos que contam tanto com recordação e reconhecimento para informações
participantes deprimidos pela primeira vez apresentadas nos slides. Contudo, quando a
quanto com participantes com recorrência de emoção é manipulada apresentando-se
episódios depressivos podem levar a resultados palavras ou figuras com diferentes cargas
enviesados. Por fim, o fato de os transtornos de emocionais, o efeito na memória tende a ser
humor possuírem uma tendência à cronicidade facilitado para essas palavras ou figuras29.
dificulta que os pesquisadores diferenciem os A memória de reconhecimento, por sua vez,
papéis exercidos pelos processos de pode ser influenciada de três diferentes maneiras:
codificação e recuperação, na medida em que o 1) palavras emocionais são mais falsamente
humor do indivíduo é, de modo geral, reconhecidas que as não-emocionais29,30; 2)
semelhante nestes dois momentos26. palavras emocionais são reconhecidas de
maneira menos discriminada que as não-
EMOÇÃO E MEMÓRIA emocionais31; 3) informações não-emocionais,
quando associadas com um contexto emocional
A palavra “emoção” tem sido usada para se durante a codificação, tendem a incrementar a
referir a um estado afetivo presente durante a performance de recordação32 e reconhecimento33.
codificação e/ou recuperação da memória12,17. Resumidamente, parece ser ponto pacífico que 65

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os processos de recordação são facilitados pela detalhes periféricos, ainda que houvesse um
emoção. Todavia, quanto aos processos de aumento para os detalhes centrais42. Tais dados
reconhecimento, os achados são mais sugerem que a pergunta “a emoção melhora ou
conflitantes. piora a memória?” não pode ser respondida de
A emoção poderia afetar os processos de forma absoluta – é preciso que sejam
recordação e reconhecimento a partir dos consideradas as particularidades dos achados
processos de codificação de três diferentes descritos na literatura. Em linhas gerais, as
formas: 1) a emoção poderia estreitar o foco da evidências apontam para a idéia de que há uma
atenção 34, o que levaria a um aumento da boa memória para o “significado” desses
memória para conteúdos emocionais, com uma eventos emocionais. Por outro lado, fortes
diminuição para detalhes mais periféricos28; 2) emoções parecem alterar o processamento
níveis moderados de emoções potencializam o mnemônico, levando a uma perda para detalhes
processo de codificação e, subseqüentemente, periféricos. Dessa forma, não há prejuízo ou
a performance da memória; todavia, níveis facilitação global da memória traumática, mas,
extremos de emoções prejudicam essa sim, diferentes processamentos agindo
performance35; 3) em nível neurobiológico, os simultaneamente para detalhes periféricos e
processos emocionais são mediados pela centrais.
amígdala, e, quando esta se torna ativa, suas Além disso, é interessante
conexões anatômicas com o córtex podem compreendermos os efeitos da emoção sobre a
facilitar o processamento de quaisquer memória a partir de uma relação curvilínea,
estímulos que sejam apresentados. não-linear43. Segundo esta relação, o aumento
Adicionalmente, conexões anatômicas da dos níveis de estresse contribuiria para
amígdala com o hipocampo poderiam melhoria da memória até certo patamar.
influenciar diretamente a memória semântica. Passando deste ponto, os efeitos prejudiciais
Assim, quanto mais ativa a amígdala no se intensificariam, provocando uma piora nas
momento do aprendizado, maior a intensidade lembranças, possivelmente relacionada à sua
da memória armazenada para aqueles fatos fragmentação.
que apresentam conteúdo emocional36. Por fim, podemos nos questionar: será que
Em estudos onde palavras de diferentes a emoção tem seus efeitos mais robustos na
cores e com diversos significados emocionais memória de recordação por afetar
são mostradas a algumas pessoas (Paradigma principalmente as etapas de codificação? Os
de Stroop), que foram orientadas para apenas menores efeitos da emoção na memória de
relatarem a cor da palavra, independente do reconhecimento tornar-se-iam mais robustos se
seu significado, o nome da cor das palavras os estudos controlassem o significado
emocionais demorava mais a ser dito em idiossincrático do material a ser memorizado
relação à cor das palavras neutras37,38. Quando pelo participante da pesquisa? Estas são
esse experimento era aplicado em indivíduos algumas perguntas intrigantes e que merecem
com transtorno de estresse pós-traumático maior atenção dos pesquisadores.
(TEPT), estes levavam muito mais tempo para
nomear a cor de palavras emocionais CONSIDERAÇÕES FINAIS
relacionadas com o trauma (consideradas como
negativas) do que a de palavras neutras ou Muitas são as implicações dos estudos que
emocionalmente positivas39,40. Isto sugere que investigam as relações entre o funcionamento
talvez o estresse crônico tenha um papel mnemônico humano e processos emocionais.
diferente do estresse agudo na influência dos Dentre as principais áreas aplicadas, em que
processos mnemônicos. tais estudos possuem importantes implicações,
Os estudos que abordam o impacto de podemos citar a psicoterapia e a área jurídica/
eventos estressantes sobre a memória podem forense. Por exemplo, um psicoterapeuta deve
ser exemplificados pelo trabalho de Schmidt41, “confiar” quando um paciente deprimido relata
que estudou as lembranças autobiográficas do que toda sua vida é marcada por uma avalanche
ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, de desgraças, sem que tenha lhe acontecido
nos Estados Unidos. Esse autor verificou que nada de bom? E se este mesmo paciente afirma
muitas pessoas reportavam memórias que está fazendo com que ambos percam o seu
detalhadas das conseqüências dos eventos; tempo, pois não há nada que se possa fazer
todavia, essas memórias não eram consistentes para melhorar, que conhecimentos o terapeuta
(não eram memórias fotográficas), além de necessitaria para lançar mão de uma adequada
66 apresentarem uma pobreza na memória para intervenção?

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Memória, humor e emoção – Pergher et al.

Por outro lado, pensemos numa 9. Johnson JE, Petzel TP, Hartney LM, Morgan R. Recall of
importance ratings of completed and uncompleted tasks as
testemunha de um crime violento, que tenha a function of depression. Cognit Ther Res. 1983;7:51-6.
ficado traumatizada com o evento. 10. Matt GE, Vazquez C, Campbell WK. Mood-congruent
Naturalmente, seu depoimento é crucial para o recall of affectively toned stimuli: a meta-analytic review.
processo judicial. Será que se pode confiar Clin Psychol Rev. 1992;12:227-55.
plenamente na memória desta testemunha? Em 11. Rink M, Glowala U, Schneider K. Mood-congruent and
mood-incongruent learning. Mem Cognit. 1992;20:29-39.
caso afirmativo, qual seria a melhor forma para
12. Bower GH, Monteiro KP, Gilligan SG. Emotional mood
se interrogá-la? as a context for learning and recall. J Verb Learn Verb
Muitos estudos conduzidos até o presente Behav. 1978;17:573-85.
momento trouxeram aos pesquisadores mais 13. Haaga DA. Mood state-dependent retention using
identical or non-identical mood inductions at learning
perguntas que respostas – o que não significa, and recall. Br J Clin Psychol. 1989;28:75-83.
absolutamente, que conhecimentos valiosos não 14. Ucros CG. Mood state-dependent memory: a meta
tenham sido construídos. As pesquisas analysis. Cognit Emotion. 1989;3:139-69.
investigando as relações entre emoção e 15. Eich E. Searching for mood dependent memory. Psychol
memória ofereceram sustentação para o Sci. 1995;6:67-75.

desenvolvimento de estratégias 16. Bower GH. Mood and memory. Am Psychol. 1981;36:129-
48.
fundamentalmente práticas, tais como: a terapia 17. Eich E, Macaulay D, Ryan L. Mood dependent memory
anamnésica para pacientes suicidas44; a terapia for events in the personal past. J Exp Psychol Gen.
de exposição para indivíduos traumatizados45,46; 1994;123:201-15.
e a entrevista cognitiva, que visa a obtenção de 18. Pergher GK, Stein LM, Wainer R. Estudos sobre a
memória na depressão: achados e implicações para a
relatos mais acurados e detalhados de terapia cognitiva. Rev Psiq Clin. 2004;31:82-90.
testemunhas47. 19. Goddard L, Dritschel B, Burton A. Role of
Avanços metodológicos e definições autobiographical memory in social problem solving and
conceituais mais amplamente aceitas pelos depression. J Abnorm Psychol. 1996;105:609-16.

pesquisadores mostram-se imprescindíveis, 20. Pollock LR, Williams JM. Problem solving and suicidal
behavior. Suicide Life Threat Behav. 1998;28:375-87.
uma vez que dados muitas vezes 21. Tulving E, Lepage M. Where in the brain is the
inconsistentes encontrados na literatura podem awareness of one’s past? In: Schacter DL, Scarry E,
ser devidos à falta de consenso entre aqueles eds. Memory, brain and belief. Cambridge: Harvard
University Press; 2000. p. 208-28.
que estudam um mesmo fenômeno utilizando-
22. Williams JM, Ellis NC, Tyers C, Healy H, Rose G, Macleod
se de diferentes rótulos, ou entre aqueles que AK. The specificity of autobiographical memory and
estudam fenômenos distintos sob um mesmo imageability of the future. Mem Cognit. 1996;24:116-25.
rótulo. Diferentes direções de pesquisa são 23. Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Terapia cognitiva
necessárias, pois só assim será possível da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.

apreender de maneira mais elaborada um 24. Pollock LR, Williams JM. Effective problem solving in
suicide attempters depends on specific autobiographical
fenômeno tão complexo e multifacetado quanto recall. Suicide Life Threat Behav. 2001;31:386-96.
a relação entre memória e emoção. 25. Williams JMG, Broadbent K. Autobiographical memory in
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the interactions between the cognitive and affective
Role of the basolateral amigdala in memory consolidation.
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37. Mathews A, MacLeod C. Selective processing of threat mainly due to their several practical implications,
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38. Watts FN, Trezise L, Sharrock R. Processing of phobic The objective of this article is to present some of the
stimuli. Br J Clin Psychol. 1986;25:253-9. possible interactions between affective processes
39. McNally RJ, Clancy SA, Schacter DL, Pitman RK. and memory. Initially, definitions for the terms
Cognitive processing of trauma cues in adults reporting emotion, mood and affection are presented. Then,
repressed, recovered, or continuous memories of the relations between mood, emotion and memory
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2000;109:355-9. are approached, describing the main phenomena
investigated in such areas. For each phenomenon
40. Metzger LJ, Orr SP, Lasko NB, McNally RJ, Pitman RK.
Seeking the source of emotional Stroop interference described, empirical foundations and explanatory
effects in PTSD: a study of P3s to traumatic words. Integr theories are listed. Finally, the limitations and
Physiol Behav Sci. 1997;32:43-51. implications of the studies on relations between
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September 11th attacks: reconstructive errors and on the need of a broader consensus among
emotional impairment of memory. Mem Cognit.
2004;32:443-54. researchers in this area.
42. Christianson SA, Loftus EF, Hoffman H, Loftus GR. Eye
fixations and memory for emotional events. J Exp Psychol Keywords: Memory, stress, mood.
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44. Williams JMG. Autobiographical memory and emotional RESUMEN
disorders. In: Christianson SA, ed. The handbook of
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El número de estudios que visan comprender
Lawrence Erlbaum Associates; 1992. p. 451-77.
las interacciones entre procesos cognitivos y
45. Leskin GA, Kaloupek DG, Keane TM. Treatment for
traumatic memories: review and recommendations. Clin afectivos viene aumentando en los últimos años,
Psychol Rev. 1998;18:983-1001. principalmente en función de sus incontables
46. Harvey AG, Bryant RA, Tarrier N. Cognitive behaviour implicaciones prácticas, con destaque para la
therapy for posttraumatic stress disorder. Clin Psychol psicoterapia y el área forense. El presente artículo
Rev. 2003;23:501-22. tiene por objetivo presentar algunas de las posibles
47. Fisher RP, Geiselman RE. Memory - enhancing interacciones entre procesos afectivos y la
techniques for investigative interview: the cognitive memoria. Inicialmente se asumen definiciones para
interview. Illinois: Charles C. Thomas Publisher; 1992.
los términos emoción, humor y afecto y para los
sistemas de memoria. Enseguida, se abordan los
fenómenos de la memoria congruente con el humor,
RESUMO
memoria dependiente del humor, memorias
autobiográficas súper generalizadas y del impacto
O número de estudos que visam compreender as de la emoción/estrés sobre los sistemas de
interações entre processos cognitivos e afetivos vem
memoria semántica y autobiográfica. También se
aumentando nos últimos anos, principalmente em exponen algunos hallazgos experimentales y
função das suas inúmeras implicações práticas, com teorías explicativas de tales fenómenos. Al final,
destaque para a psicoterapia e a área forense. O
se discuten implicaciones de las investigaciones
presente artigo tem por objetivo apresentar algumas en el área de emoción vs. cognición.
das possíveis interações entre processos afetivos e a
memória. Inicialmente são assumidas definições para
Palabras clave: Memoria, estrés emocional, humor.
os termos emoção, humor e afeto. Depois, são Titulo: Memoria, humor y emoción
abordadas as relações entre humor, emoção e
memória, descrevendo-se os principais fenômenos
Correspondência:
investigados nessas áreas. Para cada fenômeno
Lilian Milnitsky Stein
descrito, são expostos fundamentos empíricos e
Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 933
teorias explicativas. Ao final, são discutidas limitações
CEP 90619-900 – Porto Alegre – RS
e implicações dos estudos sobre as relações entre
Fone: (51) 3320.3633
humor, emoção e memória, apontando-se para a
E-mail: lilian@pucrs.br
necessidade de um maior consenso entre os
pesquisadores da área.
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do Rio Grande do Sul – SPRS
Descritores: Memória, estresse emocional, humor.

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