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Artigo de revisão
os processos de recordação são facilitados pela detalhes periféricos, ainda que houvesse um
emoção. Todavia, quanto aos processos de aumento para os detalhes centrais42. Tais dados
reconhecimento, os achados são mais sugerem que a pergunta “a emoção melhora ou
conflitantes. piora a memória?” não pode ser respondida de
A emoção poderia afetar os processos de forma absoluta – é preciso que sejam
recordação e reconhecimento a partir dos consideradas as particularidades dos achados
processos de codificação de três diferentes descritos na literatura. Em linhas gerais, as
formas: 1) a emoção poderia estreitar o foco da evidências apontam para a idéia de que há uma
atenção 34, o que levaria a um aumento da boa memória para o “significado” desses
memória para conteúdos emocionais, com uma eventos emocionais. Por outro lado, fortes
diminuição para detalhes mais periféricos28; 2) emoções parecem alterar o processamento
níveis moderados de emoções potencializam o mnemônico, levando a uma perda para detalhes
processo de codificação e, subseqüentemente, periféricos. Dessa forma, não há prejuízo ou
a performance da memória; todavia, níveis facilitação global da memória traumática, mas,
extremos de emoções prejudicam essa sim, diferentes processamentos agindo
performance35; 3) em nível neurobiológico, os simultaneamente para detalhes periféricos e
processos emocionais são mediados pela centrais.
amígdala, e, quando esta se torna ativa, suas Além disso, é interessante
conexões anatômicas com o córtex podem compreendermos os efeitos da emoção sobre a
facilitar o processamento de quaisquer memória a partir de uma relação curvilínea,
estímulos que sejam apresentados. não-linear43. Segundo esta relação, o aumento
Adicionalmente, conexões anatômicas da dos níveis de estresse contribuiria para
amígdala com o hipocampo poderiam melhoria da memória até certo patamar.
influenciar diretamente a memória semântica. Passando deste ponto, os efeitos prejudiciais
Assim, quanto mais ativa a amígdala no se intensificariam, provocando uma piora nas
momento do aprendizado, maior a intensidade lembranças, possivelmente relacionada à sua
da memória armazenada para aqueles fatos fragmentação.
que apresentam conteúdo emocional36. Por fim, podemos nos questionar: será que
Em estudos onde palavras de diferentes a emoção tem seus efeitos mais robustos na
cores e com diversos significados emocionais memória de recordação por afetar
são mostradas a algumas pessoas (Paradigma principalmente as etapas de codificação? Os
de Stroop), que foram orientadas para apenas menores efeitos da emoção na memória de
relatarem a cor da palavra, independente do reconhecimento tornar-se-iam mais robustos se
seu significado, o nome da cor das palavras os estudos controlassem o significado
emocionais demorava mais a ser dito em idiossincrático do material a ser memorizado
relação à cor das palavras neutras37,38. Quando pelo participante da pesquisa? Estas são
esse experimento era aplicado em indivíduos algumas perguntas intrigantes e que merecem
com transtorno de estresse pós-traumático maior atenção dos pesquisadores.
(TEPT), estes levavam muito mais tempo para
nomear a cor de palavras emocionais CONSIDERAÇÕES FINAIS
relacionadas com o trauma (consideradas como
negativas) do que a de palavras neutras ou Muitas são as implicações dos estudos que
emocionalmente positivas39,40. Isto sugere que investigam as relações entre o funcionamento
talvez o estresse crônico tenha um papel mnemônico humano e processos emocionais.
diferente do estresse agudo na influência dos Dentre as principais áreas aplicadas, em que
processos mnemônicos. tais estudos possuem importantes implicações,
Os estudos que abordam o impacto de podemos citar a psicoterapia e a área jurídica/
eventos estressantes sobre a memória podem forense. Por exemplo, um psicoterapeuta deve
ser exemplificados pelo trabalho de Schmidt41, “confiar” quando um paciente deprimido relata
que estudou as lembranças autobiográficas do que toda sua vida é marcada por uma avalanche
ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, de desgraças, sem que tenha lhe acontecido
nos Estados Unidos. Esse autor verificou que nada de bom? E se este mesmo paciente afirma
muitas pessoas reportavam memórias que está fazendo com que ambos percam o seu
detalhadas das conseqüências dos eventos; tempo, pois não há nada que se possa fazer
todavia, essas memórias não eram consistentes para melhorar, que conhecimentos o terapeuta
(não eram memórias fotográficas), além de necessitaria para lançar mão de uma adequada
66 apresentarem uma pobreza na memória para intervenção?
Por outro lado, pensemos numa 9. Johnson JE, Petzel TP, Hartney LM, Morgan R. Recall of
importance ratings of completed and uncompleted tasks as
testemunha de um crime violento, que tenha a function of depression. Cognit Ther Res. 1983;7:51-6.
ficado traumatizada com o evento. 10. Matt GE, Vazquez C, Campbell WK. Mood-congruent
Naturalmente, seu depoimento é crucial para o recall of affectively toned stimuli: a meta-analytic review.
processo judicial. Será que se pode confiar Clin Psychol Rev. 1992;12:227-55.
plenamente na memória desta testemunha? Em 11. Rink M, Glowala U, Schneider K. Mood-congruent and
mood-incongruent learning. Mem Cognit. 1992;20:29-39.
caso afirmativo, qual seria a melhor forma para
12. Bower GH, Monteiro KP, Gilligan SG. Emotional mood
se interrogá-la? as a context for learning and recall. J Verb Learn Verb
Muitos estudos conduzidos até o presente Behav. 1978;17:573-85.
momento trouxeram aos pesquisadores mais 13. Haaga DA. Mood state-dependent retention using
identical or non-identical mood inductions at learning
perguntas que respostas – o que não significa, and recall. Br J Clin Psychol. 1989;28:75-83.
absolutamente, que conhecimentos valiosos não 14. Ucros CG. Mood state-dependent memory: a meta
tenham sido construídos. As pesquisas analysis. Cognit Emotion. 1989;3:139-69.
investigando as relações entre emoção e 15. Eich E. Searching for mood dependent memory. Psychol
memória ofereceram sustentação para o Sci. 1995;6:67-75.
desenvolvimento de estratégias 16. Bower GH. Mood and memory. Am Psychol. 1981;36:129-
48.
fundamentalmente práticas, tais como: a terapia 17. Eich E, Macaulay D, Ryan L. Mood dependent memory
anamnésica para pacientes suicidas44; a terapia for events in the personal past. J Exp Psychol Gen.
de exposição para indivíduos traumatizados45,46; 1994;123:201-15.
e a entrevista cognitiva, que visa a obtenção de 18. Pergher GK, Stein LM, Wainer R. Estudos sobre a
memória na depressão: achados e implicações para a
relatos mais acurados e detalhados de terapia cognitiva. Rev Psiq Clin. 2004;31:82-90.
testemunhas47. 19. Goddard L, Dritschel B, Burton A. Role of
Avanços metodológicos e definições autobiographical memory in social problem solving and
conceituais mais amplamente aceitas pelos depression. J Abnorm Psychol. 1996;105:609-16.
pesquisadores mostram-se imprescindíveis, 20. Pollock LR, Williams JM. Problem solving and suicidal
behavior. Suicide Life Threat Behav. 1998;28:375-87.
uma vez que dados muitas vezes 21. Tulving E, Lepage M. Where in the brain is the
inconsistentes encontrados na literatura podem awareness of one’s past? In: Schacter DL, Scarry E,
ser devidos à falta de consenso entre aqueles eds. Memory, brain and belief. Cambridge: Harvard
University Press; 2000. p. 208-28.
que estudam um mesmo fenômeno utilizando-
22. Williams JM, Ellis NC, Tyers C, Healy H, Rose G, Macleod
se de diferentes rótulos, ou entre aqueles que AK. The specificity of autobiographical memory and
estudam fenômenos distintos sob um mesmo imageability of the future. Mem Cognit. 1996;24:116-25.
rótulo. Diferentes direções de pesquisa são 23. Beck AT, Rush AJ, Shaw BF, Emery G. Terapia cognitiva
necessárias, pois só assim será possível da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.
apreender de maneira mais elaborada um 24. Pollock LR, Williams JM. Effective problem solving in
suicide attempters depends on specific autobiographical
fenômeno tão complexo e multifacetado quanto recall. Suicide Life Threat Behav. 2001;31:386-96.
a relação entre memória e emoção. 25. Williams JMG, Broadbent K. Autobiographical memory in
suicide attempters. J Abnorm Psychol. 1986;95:144-9.
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